A Responsabilidade a Partir de Emanuel Levinas
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7/25/2019 A Responsabilidade a Partir de Emanuel Levinas
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIAMESTRADO EM FILOSOFIA
WANDENBERG DE OLIVEIRA COELHO
A RESPONSABILIDADE A PARTIR DE EMMANUEL LEVINASDimenso de concretude tica para nosso contexto
RECIFE
2007
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WANDENBERG DE OLIVEIRA COELHO
A RESPONSABILIDADE A PARTIR DE EMANUEL LEVINASDimenso de concretude tica para nosso contexto
Dissertao de mestrado apresentada comorequisito parcial obteno do grau de Mestreem Filosofia pela Universidade Federal dePernambuco, sob a orientao do Prof. Dr.
Marcelo Luiz Pelizzoli.
RECIFE2007
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Coelho, Wandenberg de Oliveira
A responsabilidade a partir de Emanuel Levinas:dimenso de concretude tica para nosso contexto. Recife: O Autor, 2007.
90 folhas.
Dissertao (Mestrado) Universidade Federal dePernambuco. CFCH. Filosofia. Recife, 2007.
Inclui bibliografia.
1. Filosofia - tica. 2. Responsabilidade pelo Outro3. tica da alteridade. 4. Emanuel Levinas. 5. Relaotica alteridade. I. Ttulo.
17170 CDU (2.ed.)CDD (22. ed.)
UFPEBCFCH2007/28
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AGRADECIMENTOS
Ao corpo docente do mestrado de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco, napessoa do seu coordenador prof. Vicenzo di Matteo.
Ao meu orientador, prof. Marcelo Pelizzoli, pela compreenso e disposio em fazer-mecrescer no conhecimento de Emmanuel Levinas.
Aos meus pais e irmos pelo incentivo educao.
A secretria do Mestrado, Maria Betnia e a funcionria Juliana pela ateno que medispensaram.
Aos colegas do mestrado.
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RESUMO
Esta dissertao tem como objetivo investigar a responsabilidade por Outrem em sua
concreo fundamental no que podemos chamar de tica de Emmanuel Levinas, tema
essencial para se atingir a condio humana. O que se prope buscar a subjetividade como
responsabilidade para que se possa caminhar em busca do humano. Levinas apresenta a
relao tica pautada na alteridade como forma de transpor a violao entre um Eu egosta e o
Outro. O Eu encontraria a sua humanidade quando intimado por uma responsabilidade vinda
de Outrem; da a busca de expor a constituio do sujeito humano que se manifesta no
reconhecimento da alteridade do Outro. Nosso enfoque apresenta a dimenso de metafsica
como Desejo, que constri aberturas para que se possa ultrapassar a condio de centramento
no Eu, para uma condio verdadeiramente tica, que se completa de fato na benevolncia
pelo prximo. Damos nfase a uma filosofia que encontra a sua verdade na justia do Outro,
uma verdade tica, que exige uma responsabilidade assimtrica; onde a justia d-se a
conhecer a partir do Rosto do Outro, o qual vai alm de seus traos identificveis/
dominveis, ao adquirir um significado elevado, acolhido como infinito. Destacamos, por fim,
a responsabilidade que institui uma prxis, como forma de reconhecer o Outro, de assumir
radicalmente a exterioridade que se apresenta a partir do face-a-face, de assumir inclusive a
dor do prximo. Nesse ponto vamos de Levinas a Dussel, perseguindo a demanda prtica
existente num sujeito responsvel por Outrem.
PALAVRAS CHAVE: Responsabilidade pelo Outro; tica da alteridade
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ABSTRACT
This research aims at investigating the responsibility for the other in its fundamental
concretion which can be identified as the ethics of Emmanuel Levinas, the essential theme for
the attainment of the human condition. Our purpose is to identify subjectivity as responsibility
in such a way that one can be oriented towards this human condition. Levinas presents the
ethical relationship based on the alterity as a means to overcome the violation between a
selfish I and the Other, Then there comes the search for exposing the constitution of the
human subject that manifests itself in the acknowledgement of the alterity of the Other. Our
focus presents the metaphysical dimension as the Desire that builds up openings that will
allow us to overcome the condition of centering in the I and moving to towards a truly ethical
condition that is achieved through good will to the Other. We chose to emphasize a
philosophy that finds its truth in the justice of the Other, an ethical truth requires some
asymmetric responsibility and justice is made known by the Face of the Other, going beyond
these identifiable/recongnizable features when a high meaning is acquired and accepted as
infinite. We finally emphasize the responsibility that institutes a praxis as a form of
acknowledging the Other, of radically accepting the exteriority that is presented in the face-to-face, including the pain of the Other. At this point we go from Levinas to Dussel pursuing the
practical demand existing in a being that is responsible for the Other.
KEY WORDS: Responsibility for the Other; Ethics of alterity
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LISTA DE ABREVIATURAS
Obras de Levinas:
EN Entre NsHH Humanismo do Outro Homem
TI Totalidade e Infinito
Outras obras:
Buber, Martin:
JM O Judeu e a Modernidade
Chalier, Catherine:
LUH Levinas: A Utopia do Humano
Costa, Mrcio Luis:
LI Levinas: Uma Introduo
Dussel, Enrique:
EC tica Comunitria
EL tica da Libertao
FL Filosofia da Libertao
MFL Mtodo para uma Filosofia da Libertao
Heidegger, Martin:
SH Sobre o Humanismo
Melo, Nlio Vieira:
EA A tica da Alteridade em Emmanuel Levinas
Pelizzoli, Marcelo Luiz:
LRS Levinas : A Reconstruo da Subjetividade
RJ Rosto e Justia. Artigo de 2006.
Pivatto, Pergentino:
PF Perspectiva Filosfica
Timm, Ricardo:
SEH Sujeito, tica e histria
Sartre, Jean Paul:
EH O Existencialismo um Humanismo
Susin, Luiz Carlos:
HM O Homem Messinico
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SUMRIO
1 INTRODUO ..............................................................................................................8
2 A PROBLEMTICA DO MESMO E DO OUTRO ...................................................13
2.1 LEVINAS E O CONTEXTO DA TICA DA ALTERIDADE E
RESPONSABILIDADE..............................................................................................13
2.2 O DESEJO METAFSICO............................................................................................16
2.3 A SEPARAO D SENTIDO INTERIORIDADE E EXTERIORIDADE......19
2.4 CORPO E SENSIBILIDADE. A CASA, A DOURA DO FEMININO E
O AMOR .....................................................................................................................232.5 A IDIA DE INFINITO FRENTE TOTALIZAO...............................................28
2.6 A SUBJETIVIDADE COMO RESPONSABILIDADE E O SENTIDO DO
HUMANO INFINITIZADO .........................................................................................33
3 O ROSTO.......................................................................................................................39
3.1 O ROSTO COMO INFINITO E EXTERIORIDADE..................................................39
3.2 ROSTO E LINGUAGEM .............................................................................................43
3.3 ROSTO E JUSTIA......................................................................................................47
3.3.1 O TERCEIRO E A JUSTIA.....................................................................................52
3.4 ROSTO E LIBERDADE...............................................................................................54
3.5 ROSTO E VERDADE ..................................................................................................57
4 DA RESPONSABILIDADE DE LEVINAS A DUSSEL ..........................................61
4.1 A PROXIMIDADE EM DIREO CONCRETUDE TICA.................................61
4.2 O HUMANO NA PRXIS DA ALTERIDADE .........................................................654.3 A TICA DA LIBERTAO COMO RESPONSABILIDADE PELO OUTRO
REAL...........................................................................................................................70
4.4 FILOSOFIA DA LIBERTAO COMO RESPOSTA-RESPONSABILIDADE
AO CLAMOR DA ALTERIDADE .............................................................................77
5 CONCLUSO.................................................................................................................82
REFERNCIAS ................................................................................................................87
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INTRODUO
O presente estudo tem por finalidade a de apresentar a dimenso de responsabilidade
como ponto principal de uma tica da alteridade, que tem sua origem na relao do Mesmo
com o Outro levado a srio. Esta dissertao prope um caminho aberto por essa luz, que a
responsabilidade, a conduzir homens por uma via de possvel humanizao. Entendemos que
constituir um movimento tico, que tem a responsabilidade como fundamento, torna-se
prioridade do pensamento de Levinas. Ressalta-se tambm o sentido do humano nesta
filosofia, a possibilidade de humanismo simples e direto a partir desse movimento tico.Ns estamos no mundo sofrendo suas influncias, e muitas vezes entregando-nos
indiferena tica. a que se apresenta a construo de nossa responsabilidade, onde
construmos tambm as possibilidades de transformao desse mundo catico em que
vivemos. Com uma responsabilidade manifesta leia-se engajada se, constri as condies
e o sentido do humano. Somente a partir de um humanismo, do tipo que nos mostra Levinas
que se apresenta diante do rosto do Outro o momento do diferente, que h de conduzir o
sujeito a um mundo de paz e amor ao prximo. No ser pretenso de Levinas mostrar aomundo que ainda possvel uma fraternidade que se coloque contrria a todo tipo de
violncia? Mesmo em tempos de urgncia, ainda no tarde para tal empreendimento. Em
Totalidade e Infinitoencontram-se as possibilidades de uma chave que abre a porta do bem,
que se encontra fechada pelo egosmo e pela violncia do homem que preza a ignorncia
social. Mas isso sem se negar a alteridade, a diferena. Eis o desafio.
A idia de infinito passa a ser essencial na filosofia de Levinas. O seu livro mais
conhecido, Totalidade e Infinito, demonstrar que o pensamento humano vive numa grandeinquietao, ao mesmo tempo que faz um alerta diante de uma sociedade bastante desumana.
possivelmente a idia de infinito que conduz a alteridade inflexvel do Outro homem, j que
ocupa inteiramente a obra em pauta. Buscamos o fato de Levinas fazer conhecer, atravs do
seu pensamento, que o Outro est muito alm de sua idia, que no se poderia descrever uma
pessoa sem cair em inmeras contradies. Em suma, a idia que se forma de algum
identificvel compatvel com a pessoa humana na sua concretude?
Verificaremos sinteticamente, como Levinas faz uma construo da subjetividade e
uma crtica corajosa a uma totalizao que aprisiona o Eu, que mantm o egosmo e a
supremacia do Mesmo sobre o Outro; mas isso a partir de uma transcendncia em vista da
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anterioridade tica que ser analisada com cuidado, a implicao direta da tica antes da
ontologia. Levinas pretende retomar uma nova idia que possa instituir as condies para o
humanismo do outro homem, uma idia centrada na relao tica do Mesmo com o Outro.
Aqui se distinguiria uma proximidade com o Outro e um amor sem referncias narcsicas, o
qual possibilite, juntamente com a responsabilidade, uma nova forma de humanismo.
No seria a responsabilidade o fio condutor que h de levar o homem a uma outra
dimenso: a tica como filosofia primeira? Assim pretende Levinas, por meio de um
pensamento que desvende a altura e a mundanidade em que pode viver o Mesmo e o Outro.
A a necessidade de partir do desejo, mas da forma que Levinas idealizou, para alm do
sentido comumente usado, mas como Desejo metafsico que vai alm das necessidades do Eu.
Perceber os desafios da filosofia de Levinas torna-se imprescindvel, para melhor seentender o seu pensamento com os paradoxos que mostram uma relao tica que se forma,
com ou especialmente sem reciprocidade. O que ele procura mostrar que diante do Outro
deve sempre existir a responsabilidade e o respeito. Nesse pensamento com seus paradoxos,
torna-se essencial entender a proximidade, a separao e a distncia que se desenvolve na
relao entre o Mesmo e o Outro; Levinas confere separao uma posio privilegiada. Faz-
se ela indispensvel na relao tica, a ponto de afirmar que s com a separao existe
necessariamente essa relao?.A exterioridade outro ponto correlato extremamente importante a ser discutido nessa
dissertao. Mediante a exterioridade, Levinas concede ao Outro a sua alteridade mais
completa. A interioridade no destruda pela exterioridade; ao contrrio, esta salvaria do seu
egosmo exacerbado. Levinas procuraria, ento, construir uma relao especial entre o que
est fora e a subjetividade. Percebe-se bem essa relao a partir da responsabilidade. Para
tanto, se precisaria identificar a sensibilidade na sua relao com o corpo, com a casa, com a
doura e o com amor. Esta uma outra meta a ser cumprida, porquanto a sensibilidadeassume um outro sentido.
O homem tem uma morada que lhe prpria, mas Levinas concede outros aspectos a
essa morada. O amor de eros tem sua importncia, mas o amor ao prximo exige
responsabilidade. Esse o amor prprio de entes que vivem o humanismo.
Uma das propostas de Levinas entender o Outro como infinito. A partir da idia de
infinito, o Outro se apresenta muito alm da idia que se possa formar: infinito. Da no ser
possvel obter-se uma representao, pois isso no condiz com a realidade do Outro.
Explicar e analisar o Outro como diferente uma questo preponderante neste estudo,
para que se possa entender melhor a problemtica da relao do Mesmo com o Outro. Dessa
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forma, vem tambm a questo do infinito como constituindo a subjetividade e
intersubjetividade humanas, sendo fundamental no pensamento de Levinas. No obstante, a
responsabilidade efetiva que pretendemos analisar como fundamento de toda relao tica.
Neste estudo, o rosto ocupar uma posio preciosa. a partir do rosto que o Outro se
mostra para o Mesmo; atravs do rosto o sujeito marca presena, e diz Estou aqui. O rosto
fala independente de emitir qualquer som. Abordar esse pensamento a partir do rosto um
ponto imprescindvel. O rosto se apresenta e exige responsabilidade, a partir do rosto, o
Mesmo h de acolher Outrem. O rosto tambm exige justia; s com justia que possvel
existir um amor ao prximo. O rosto abriria o discurso crtico, discurso que dialoga, que
busca a verdade e que reivindica direitos justos, ou justia, discurso com responsabilidade e
respeito pelo Outro. A linguagem teria pois que comportar o dizer e o no dito: o rosto sesobressai com sua linguagem prpria.
Levinas expe a questo da liberdade de outra maneira. Com uma responsabilidade
anterior a qualquer liberdade, o rosto que se coloca diante do Outro exige um outro tipo de
liberdade, no mais uma liberdade centrada num Eu egosta, que fica sempre voltado para si
prprio. A verdade em Levinas tambm aparece a partir de um rosto que clama por justia,
mas a responsabilidade por Outrem que indica o caminho da justia; a importncia da justia
est presente em toda a obra Totalidade e Infinito. O caminho da justia o caminho dohumanismo, Levinas indica as possibilidades de um modo de ser messinico baseado no amor
ao prximo, na justia, na responsabilidade por Outrem. A grandeza de se atingir uma
dimenso messinica invocada por Levinas. Para isso se faz uma transformao na
sabedoria nascida dos gregos, na idia do logos1 grego, um empreendimento meticuloso
inspirado pela tica do judasmo, cuja proposta social a de assegurar um mundo onde o
humano possa se estabelecer, numa paz duradoura, em que se possa afirmar um Eu
responsvel que se contrape a um Eu egosta. Seria possvel tal empreendimento? Seriapossvel uma responsabilidade total pelo Outro? Levinas caminha por veredas da verdade,
numa tentativa de mostrar possibilidades de viver um mundo de paz e amor. Eis o desafio.
Na trajetria de uma tica aplicada sociedade, essencial compreender o papel e a
importncia da responsabilidade desde a filosofia de Levinas. Analisar o processo de
comportamento do ser humano a partir dessa postura tica torna-se aqui fundamental. Levinas
comenta a subjetividade como responsabilidade no pice de seu pensamento e no centro das
relaes humanas. Na relao de alteridade encontra-se o sentido do humano. Essa
1Logos, segundo Herclito seria a razo enquanto substncia ou causa do mundo, encontramos essa definionosEscritos de Filosofia II: tica e Cultura. Henrique C. de Lima Vaz.
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inquietao prpria do pensamento de Levinas se transforma num alerta contra toda ideologia
que encobre a verdade tica, que no permite um questionamento e assume uma posio de
lucidez especialmente diante de atitudes desumanas, pois um pensamento que pretende ver
no mundo efetivamente - o sentido do humano. neste sentido que tomaremos apoio em
Dussel, prprio para nosso objetivo da concretude tica contextualizada, como prolongamento
da tica levinasiana.
Uma reflexo que permite que se questione a ontologia, que se questione a verdade do
ser, para que, a partir desse questionamento, se possa perceber como o homem se apresenta.
Essa reflexo exige uma caminhada que rdua, na descoberta da alteridade do Outro, mas
enriquece e evolui a cada momento da vida. Levinas mostra uma invaso do Outro no campo
de ao do Eu egosta e autnomo, mas, a partir da responsabilidade, as mudanas soinvestidas. Podemos considerar Levinas como um filsofo da tica (mesmo contra suas
palavras). Suas investigaes so especialmente de ordem tica; portanto trabalhar a tica a
partir da responsabilidade a inteno deste estudo, com uma abordagem fenomenolgica
simples que apresenta alternativas para essa egologia2imperante nos dias passados e atuais.
Analisaremos essa postura egolgica que se apresenta com o sujeito; porm, no seu fim
ltimo, prprio dele, inerente. Da as alternativas propostas por Levinas - apoiadas tambm
em Dussel - surtirem efeito e participarem da caminhada que conduz o homem condio deum ente humano, quando este assume a sua responsabilidade perante o rosto do Outro.
Fazer uma apresentao desse ponto principal da reflexo levinasiana: entender a
subjetividade como responsabilidade na construo da alteridade contextualizada, a
finalidade desta pesquisa. Com isso definem-se as possibilidades de um humanismo tico.
Para isso, torna-se essencial analisar o movimento da responsabilidade na construo de uma
socialidade, a relao da responsabilidade e da liberdade, o papel da justia na relao do
Mesmo com o Outro, a relao entre responsabilidade e verdade, no vis de responsabilidadeque vai de E. Levinas a Enrique Dussel.
Por que Dussel? A responsabilidade tornou-se um tema fundamental na filosofia atual;
Dussel, filsofo contemporneo, considera a responsabilidade como condio essencial de
humanismo. Para ele, a prxis sempre um ato responsvel. Em Levinas e Dussel se
encontraria uma proximidade sem igual, mesmo de mundos diferentes, mas combatendo a
violncia e trabalhando uma temtica semelhante: a responsabilidade pelo Outro, Dussel sente
a proximidade do pensamento de Levinas, diante do rosto do explorado que clama por justia.
2Termo utilizado por Husserl para designar o mbito do eu ativo e o da conscincia racional. Usamos aqui nestesentido com a tonalidade crtica, em vista de uma esfera que tem problemas com a alteridade.
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O Outro em Dussel existe, a partir da sua exterioridade, como em Levinas. Quando o rosto
intima a presena do Outro, a exterioridade aflora, assim tambm Dussel percebe o rosto. No
temos a preocupao de mostrar que a filosofia de Levinas seria melhor que a de Dussel (nem
o contrrio), mas como o filsofo da Amrica Latina ps sinteticamente em prtica a
responsabilidade. Sirva essa relao como grandioso exemplo de um momento nico na vida
daqueles que se tornam humanos, cuja responsabilidade por Outrem manifesta a finalidade de
suas vidas e a glria maior de sua ao.
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2 A PROBLEMTICA DO MESMO E DO OUTRO
2.1 LEVINAS E O CONTEXTO DA TICA DA ALTERIDADE E RESPONSABILIDADE
O sculo XX atesta um elevado grau de violncia, a qual cresceu medida que a
Europa pronunciou-se nas guerras, onde as atitudes tornam-se as mais desumanas possveis.
nesse clima de violncia e de barbrie - onde 100 milhes de seres humanos foram dizimados
- que Levinas, pensador judeu de nacionalidade lituana e naturalizado francs, expe seupensamento centrado numa tica radical. Filho de um livreiro, de famlia judia, Levinas foi
desde o incio de sua longa existncia3influenciado pelo livro, o livro sagrado dos judeus a
Bblia e o Talmud, e tambm a literatura russa: Gogol, Turgueniev, Tolstoi e especialmente
Dostoievsky.4 Enfatiza a mensagem inserida nos livros; para ele, dar a vida aos livros
marcar um novo encontro com uma interioridade vista por um outro prisma, que se mantm
como forte proteo do humano contra a barbrie do sculo XX, a conscincia moral opondo-
se a uma condio inumana.Levinas recebe tambm a influncia de Franz Rosenweig, nascido na Alemanha em
1886, em uma famlia judia. Rosenweig elabora um pensamento a partir do mtodo de falar,
prprio do novo pensamento que aparece com a sua filosofia. O falar seria sempre dirigido ao
Outro, no seria uma atitude isolada, pois compreende o dialogar com algum que escuta, mas
tambm participa. Na sua obra principal, Estrela da Redeno,defende esse mtodo de falar
ao Outro. Rosenweig assim como Levinas tem uma preocupao com a paz que deve existir
na relao com o Outro, relao de no-violncia, que de forma alguma no reduz o Outro aoMesmo. A paz para Rosenzweig a prpria tica, seria o essencial para uma sociedade que se
pretenda justa e humana. A partir desse reconhecimento, a paz o princpio de uma relao
autenticamente humana, criando a vida tica por excelncia.
Levinas prope uma paradoxal reconstruo do humanismo a partir de uma relao
onde se d o discurso, a partir de Outrem. Outrossim, necessrio estabelecer um
3Levinas nasceu em Kovno, repblica da Litunia, em 1906; morreu em Paris, em 25 de dezembro de 1995, aos
89 anos.4Literatura que est repleta de inquietudes, por questes essenciais que fazem parte do sentido mais profundo davida humana e passa a ocupar um lugar primordial no pensamento de Levinas, como a compaixo em Crime eCastigode Dostoievsky, citado por ele emHumanismo do Outro Homem.
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pensamento que institua como que o peso e valor da palavra e evento do homem real, por
um discurso que, mais que contabilize o outro, promova a singularidade do outro5. Isso exige
a construo de uma nova subjetividade como alternativa para sair da crise do humanismo
vivida pela civilizao ocidental. da que surge a subjetividade, que ao mesmo tempo
responsabilidade, a seiva de que se nutre o humano, que se inicia aqui, apenas aqui, com a
responsabilidade efetiva por Outrem. Uma nova ordem da subjetividade construda,
produzindo um ente infinito que no pode desligar-se da idia de infinito, uma infinio
colocada no Mesmo a partir de sua idia. Uma subjetividade no mais limitada a uma
conscincia egosta e sem nenhuma preocupao de uma relao mtua. Para que se
concretize essa mudana, torna-se fundamental pensar e agir a partir da singularidade efetiva
do Mesmo6.
A subjetividade realiza essas exigncias impossveis: o fato surpreendente de contermais do que possvel conter. Este livro apresentar a subjetividade comoacolhendo Outrem, como hospitalidade. Nela se consuma a idia do infinito. Aintencionalidade, em que o pensamento permanece adequao ao objeto, no defineportanto a conscincia ao seu nvel fundamental.7
Levinas se aprofunda nos estudos da filosofia grega, recolhendo material para sua
crtica filosofia e sociedade ocidental; procura desconstruir o poder da razo, a qual com asua autonomia, mantm um monlogo com o Outro e torna igual o Mesmo e o Outro, onde
um Eu que permanece em si no caminha em busca do Outro para manter um dilogo.
Fechado em si mesmo, o Eu pura conscincia de si. Nesta conjuntura, a conscincia vista
como cogito8, como razo da vida humana.
A conscincia no consiste, portanto em igualar o ser pela representao, em tenderpara a plena luz em que essa adequao se procura, mas em ultrapassar esse jogo de
luzes essa fenomenologia e em realizar acontecimentos cuja significao ltima contrariamente concepo heideggeriana no consegue desvelar.9
Ao ler as Investigaes lgicasde Husserl, o autor descobre novas possibilidades de
pensar, abrindo novos horizontes no seu pensamento a partir da fenomenologia do sentido.
5 PELIZZOLI, Levinas: A reconstruo da subjetividade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. p.28.6De acordo com Pelizzoli, em ticas em Dilogo, p.341, a palavra mesmo fundamental neste contexto.Aquilo/aquele que idntico o mesmo; o si em si mesmo; ento, eu sou eu mesmo; pressupe-se que eu sejasempre e fundamentalmente o mesmo, ou seja, igual, igual a mim mesmo, o prprio.7LEVINAS, Totalidade e Infinito. Lisboa: Edies 70, 2000. p. 148O cogito ergo sum, vem a ser a auto evidencia do sujeito existencial do pensamento, isto , a garantia de que opensar tem sua existncia prpria.9LEVINAS. TI. p.15
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Indo ao encontro de Husserl depara com Heidegger, encontra oDasein, conhece a diferena
ontolgica entre o ser e o ente, de modo que ser influenciado por esse novo tipo de pensar o
ser; no obstante, procura ultrapassar a ontologia heideggeriana, questionando seu discurso,
no aceitando a questo do sentido do ser como a mais fundamental. Na sua crtica a
Heidegger, pe em questo o isolamento do Dasein em relao ao Outro concreto. O Ser no
avana em direo ao Outro ente, nem traduz o absolutamente Outro. A fenomenologia o
mtodo usado por Levinas, o qual trabalha com ela para a construo de sua tica. Isso no
gratuito. A fenomenologia como nenhuma filosofia retoma e aprofunda o papel da
subjetividade humana, da auto-reflexo, da dinmica da conscincia e identidade com rigor e
sutileza sui generis.10
A luta contra a violncia, contra a excluso do Outro, ser sempre presente, suacrtica ao pensamento ocidental; contudo, a partir da crise do humanismo que ele comea a
tecer o fio que h de conduzir ao sentido do humano, a partir de um reconhecimento tico
acima de tudo; s a partir de nova fundamentao tica sero construdas as condies para se
atingir o humano. A sada da crise no se encontra na negao do saber vinculado filosofia
grega e ontologia, ou no no-ser, mas vai at alm do ser, em direo ao outro real. Aqui se
apresenta a anterioridade tica como fundamento, mostrando as possibilidades da
humanidade, de enveredar por um outro caminho, dando um outro sentido ao ser e ao saber,na tentativa de construir uma relao de alteridade entre o Mesmo e o Outro. Eis ento a tica
da alteridade.11
A luta de Levinas especialmente contra a totalidade, cujas razes se espalham pela
sociedade criando o terror, o dio e todo tipo de violncia contra o Outro, manipulando as
pessoas, dominando at o prprio pensamento, determinando a vida de todos, dando-lhes um
papel a ponto de exclamar: todos so artistas, todos so iguais. A totalidade dominou o
pensamento europeu; a sociedade ocidental era reconhecida a partir dela; o caminho do ser oda totalidade, que sempre uma volta a si mesmo; o ente sempre um objeto, se constitui
como objeto e permanece como objeto, para satisfazer as necessidades sempre abertas.
A metafsica adquire, com o Levinas de Totalidade e infinito, um novo sentido, faz um
outro caminho transcendendo uma outra condio mais antiga, a transcendncia realizando
um movimento efetivo em direo exterioridade de Outrem. A exterioridade absoluta do
termo metafsica, a irredutibilidade do movimento a um jogo interior, a uma simples presena
10PELIZZOLI, LRS. p.3511Alteridade, tpica modalidade do outro de ser totalmente outro, que no faz parte da totalidade, que vai almdo ego no seu encontro com o outro.
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de si a si, pretendida, se no demonstrada, pela palavra transcendente.12A partir dessa nova
caracterstica da metafsica, exprime-se o sentido do pensamento por meio do Desejo, Desejo
do Outro, Desejo metafsico, Desejo que leva a responsabilidade por Outrem.
2.2 O DESEJO METAFSICO
O Desejo metafsico o movimento de transcendncia em direo ao Outro, ao se
instalar esse movimento, o Outro passaria a ser visto como transcendente, como Outro. O
Desejo a abertura para o Outro; abre as possibilidades de uma relao tica, uma tica que
tem sua origem no reconhecimento da alteridade, tendo como fundamento o factumhumano
que sempre desejamos para mais alm do que alcanamos. Numa relao desse porte, deixa-seo aconchego de uma casa, de uma morada, para trilhar um caminho desconhecido, talvez
surpreendente, talvez traumtico. No obstante, a abertura do desejo pressupe um ser
satisfeito, um Eu constitudo concretamente atravs do mundo e da conscincia; assim, pode ir
alm de si, ou melhor, do Eu ao Si em referncia alteridade.13Nesse novo caminho, o
Mesmo encontra o Outro mas se mantm distante, sendo que a distncia no impede a
relao; o Desejo eleva o Eu, colocado-o acima das necessidades a serem satisfeitas pelo Eu
egosta.Entender o Desejo metafsico entregar-se a algo anterior a um pensar que pensa esse
Desejo. Uma tal instncia sem satisfaes estabelecidas no apenas uma necessidade que
precisa ser satisfeita ou um objeto a ser captado ou dominado. A este estado espontneo do
imprio da necessidade e da completude da identidade que o Desejo sempre Desejo - vem
contrapor-se instigado agora pelo outro como outro, indicando um outro registro de estatuto
tico.14O Desejo metafsico busca a verdade sem se apropriar e vai muito alm do que a
necessidade, ou que oferea prazer momentneo: o de uma casa, um carro, o prazer sexual.Sim, as necessidades devem ser satisfeitas. Se o homem tem necessidades, sente o prazer de
satisfaz-las. A necessidade revela a falta de algo que no se tem, sendo ansiosamente
procurada para preencher uma carncia, uma privao que incomoda. Da existir sempre uma
eterna procura para que possa haver uma possvel satisfao, mesmo que isto seja uma iluso.
Um mundo voltado apenas para a administrao das necessidades e suas satisfaes, mundo
servindo ao Mesmo, um mundo sem efetiva transcendncia humana, mundo de alteridades
12LEVINAS, TI. p. 2313PELIZZOLI, LRS. p.6814 Ibidem p.67-68
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consumveis.15Mas o Desejo metafsico vai alm dessas necessidades que tm um sentido de
apetite, cuja posse causa prazer; um Desejo abismal que se constituir como base tica,
aponta uma bondade que nunca saciada, se reveste de uma generosidade alimentando-se do
abismo do Outro, medida em que o Outro aceito como Outro. O homem tanto
necessidade quanto Desejo. A questo vai at onde uma instncia se mistura e deve se separar
da outra.
Os desejos que podemos satisfazer s se assemelham ao desejo metafsico nasdecepes da satisfao ou na exasperao da no-satisfao e do desejo, queconstitui a prpria volpia. O desejo metafsico tem uma outra inteno deseja oque est para alm de tudo que pode simplesmente complet-lo. como a bondade o Desejado no o cumula, antes lhe abre o apetite.16
Nas interaes humanas, podemos pensar o momento da relao em que o Mesmo se
mantm diferente e separado do Outro. Ao mesmo tempo, o Desejo abre no Eu uma
receptividade ou sensibilidade, para que se possa concretizar a relao sem que o Eu seja
dominador. A condio de um Eu mais amplo do que o da conscincia racional dominadora
impede a dominao prpria do Eu ativo, medida que leva em conta a alterao ou mudana
partida de Outrem, e no da autonomia do Eu.
O Outro metafisicamente desejado no outro como o po que como, como o pasque habito, como a paisagem que contemplo, como por vezes, eu para mim prprio,este eu, esse outro. Dessas realidades posso alimentar-me e, em grande medida,satisfazer-me, como se elas simplesmente me tivessem faltado. Por isso mesmo, suaalteridade incorpora-se na minha identidade de pensante ou de possuidor. O desejometafsico tende para uma coisa inteiramente diversa, para o absolutamente outro.17
O Desejo aparece como um tipo de sentimento ou sensibilidade e fora motriz da
transcendncia do Eu, levando-o para alm de si mesmo, abrindo um caminho de maturidade,
um percurso onde nem sempre temos flores. As dificuldades e frustraes se fazem presentesconstantemente. Trata-se de correr riscos. O Outro deixa de ser objeto e torna-se condio
para a evoluo de relaes justas, por conseguinte verdadeiramente humanas. Um Desejo
que quer ir alm da posse do Outro, vai alm de si, ultrapassa a egoidade, Desejo do que
diferente do que nunca ser idntico; Desejo do Outro como Outro, sem esperar nenhuma
realizao ou satisfao, nenhuma relao familiar ou de amizade.
15Ibidem, p.6916LEVINAS, TI. p.2217Ibidem. p.21
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O desejo metafsico no aspira ao retorno, porque desejo de uma terra onde demodo nenhum nascemos. De uma terra estranha a toda natureza, que no foi nossaptria e para onde nunca iremos. O desejo metafsico no assenta em nenhumparentesco prvio; desejo que no podemos satisfazer.18
Levinas prope um pensamento que tem na heteronomia19a prioridade para a tica,
uma tica da heteronomia, na contramo das ticas baseadas na liberdade e racionalidade do
Eu ticas da autonomia.Essa teoria interpretada mediante a relao de alteridade em que o
Mesmo e o Outro se encontram e se conhecem, mas no deixam perder seu carter prprio de
singularidade e alteridade relao de responsabilidade e respeito que tem como fundamento
o Desejo metafsico, que Desejo do humano. Essa teoria se ope teoria como logosdo ser
que se d (presentifica), onde o Outro compreendido apenas a partir da mediao do logos
como razo, aparecendo dentro do crculo da totalidade (Mesmo) como animal racional,
gnero ou espcie. Tais teorias desprezam a heteronomia e a alteridade do Outro20.
O desejo pode permanecer sempre como necessidade, a menos que acontea um
despertar que movimente a conscincia, transformando-a em conscincia moral, ao perceber a
exterioridade do Outro. Com esse movimento da conscincia acontece uma metamorfose: o
Eu perde uma condio egosta, de autonomia, assumindo uma outra condio de um ser
saciado, repleto pela idia do infinito, a ponto de sacrificar, pelo Desejo, o seu bem-estar.
Aqui a necessidade cede lugar ao Desejo, o ser se constitui como bondade. O ser solitrio
preso em si mesmo cede lugar ao Desejo, que o lana em direo ao Outro. S assim a
conscincia moral e o Desejo unem-se em torno da alteridade e a responsabilidade invocada:
o Outro visto como infinito.
O desejo metafsico tem uma outra inteno deseja o que est para alm de tudo oque pode simplesmente completa-lo. como a bondade o desejado no o cumula,
antes lhe abre o apetite. Generosidade alimentada pelo Desejado e, neste sentido,relao que no desaparecimento da distncia, que no aproximao ou, paracaptar de mais perto a essncia da generosidade e da bondade, relao cujapositividade vem do afastamento, da separao, porque se alimenta poderia dizer-sede sua fome.21
18Ibidem. p.21-2219Heteronomia, o inverso de autonomia, que se orienta numa conscincia racional e usa com exclusuvidade desua liberdade; a heteronomia abre as possibilidades de acolhimento de Outrem, abre o caminho das obrigaes
prpria do humano. O Eu escuta o apelo do Outro. A heteronomia fundamenta-se no amor.20Cf. TI, I seo. Levinas defende uma teoria em que o Desejo, abertura para a bondade, a partir de uma novadimenso da metafsica.21LEVINAS, TI. p. 22
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Se o Desejo h de levar o ente a pensar mais do que pensa ou fazer mais e melhor
do que pensar, tal teoria do agir h de levar a mais e melhores aes, ao bem. O Desejo
complementa uma relao de autonomia onde o Eu tende a anular o Outro, onde um se
impe sobre o Outro com uma relao de heteronomia onde o Mesmo e o Outro se
encontram separados. No entanto essa separao no impede a relao, mas a incrementa de
forma especial, na forma do dilogo tico, no jogo entre interioridades e exterioridade. S um
Eu responsvel por Outrem compreende o significado da separao; s seres separados podem
assumir uma responsabilidade por Outrem.
2.3 A SEPARAO D SENTIDO INTERIORIDADE E EXTERIORIDADE
Com a reflexo sobre a problemtica do Mesmo e do Outro, posta como questo
fundamental a separao, que trata do Eu separado que no se perde nem nega sua
interioridade pessoal, que se abre para a relao com o Outro mantendo-se singular,
preservando sua identidade, sua vida pessoal, sua unicidade.
Ressalta-se enfim, em nossa investigao da singularidade, o papel irredutvel eineliminvel mas tambm ambguo de um princpio absoluto da separao. Ele secoloca junto a uma concretude inigualvel, e almeja assentar um eu nico efetivoque possa assim partindo da assimilao do seu mundo e absolvendo-se da relao abdicar da posse (dar), e interagir com o outro como outro.22
A abertura para o Outro se completa com o afastamento da totalidade, a partir da idia
de infinito, e com um Eu atravessado pela doao de si bondade. A separao no negao
do Outro, no privao, por no ser oriunda da necessidade, onde a falta do que estseparado traz infelicidade. A separao ento, criada num Eu em meio s satisfaes de
necessidades, vai alm da dependncia necessria. Criam-se com a separao as prprias
possibilidades de uma existncia alm das necessidades. Com a separao do-se as condies
para ser reconhecida a exterioridade do Outro. Ela estabelece as possibilidades de uma relao
entre humanos, muito alm das necessidades.
22PELIZZOLI, LRS p. 79-80
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Conceber a separao como decadncia ou privao, ou ruptura provisria datotalidade, no conhecer outra separao a no ser a que testemunhada pelanecessidade. A necessidade atesta o vazio e a falta no necessitado, a suadependncia em relao ao exterior, a insuficincia do sernecessitado, porque nopossui de todo o seu ser e, por conseguinte, no est separado, em rigor dos
termos.23
A tica da alteridadese constituir a partir de uma exterioridade absoluta, o que pode
parecer estranho e radical, medida que preciso conhecer Outrem para me relacionar criando
igualdade. Para isso rompe com a totalidade (o Mesmo) que oprime Outrem, que no permite
a sua elevao em termos de ser humano, impedindo que exceda sua identidade e excluindo
toda a exterioridade do Outro. Para romper com essa totalidade que percebe todos como
iguais, Levinas descreve uma outra subjetividade, partindo do movimento transcendente, que
se formaliza como fundamento: a idia de infinito. Esse movimento transcendente no destri
a interioridade do Mesmo; ao contrrio, preserva a sua identidade, respeita um Eu que se
movimenta em direo ao absolutamente Outro. Essa nova subjetividade conduz o Mesmo
outra dimenso: a da intersubjetividade24, da sociabilidade.
No obstante, a relao do Mesmo com o Outro no tem um carter reversvel e
recproco; assimtrica. Se no o fosse assim, estaria totalizando-se; contudo, os dois plos
esto sempre separados. O estar separado mantm pois a alteridade do Outro. O outro
separado em relao ao mundo e a mim como exterioridade: a alteridade mesma que o
constitui como outro e no a identificao.25 alteridade prpria de uma relao metafsica,
sem dependncia, onde no existe dependncia ontolgica, no existe retorno, o Mesmo no
vai at o Outro e volta para si reafirmado para fazer parte de novo da totalizao. Uma
regresso desse tipo negaria, alm da singularidade, a alteridade e a heteronomia. Teramos
uma pretensa autonomia cooptada pela totalidade. A separao do Mesmo e do Outro tem de
ser recproca, deve ser experimentada por todos os que reconhecem a interioridade e a
exterioridade. S no reconhecimento desses dois momentos da vida humana que existem
seres separados. Paradoxalmente, a totalidade ou soma dos indivduos pretensamente
autnomos convive com a egologia. Na egologia no temos necessariamente singularidade, e
menos ainda alteridade. A totalidade pode ser a totalizao do Outro em nome da egologia, a
totalidade dos egos,que formam uma sociedade de iguais egolgica, com problemas diante da
alteridade do Outro e de si mesma.
23LEVINAS, TI. p.8924Entre aspas para diferenciar da intersubjetividade, como juno eu-outro; e em direo sociabilidade comotica da alteridade.25SUSIN. HM, p.221
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Quando a separao atesta um grau de intensidade absoluta, essa separao se
constitui como atesmo, a partir de uma independncia do Eu, capaz de, na sua soberania,
sentir-se independente at de um criador. Isto representa uma separao do infinito. Um ser
criado do nada um ser que constri sua interioridade, fruindo do mundo, a partir de seu
atesmo - outro dos sinnimos da separao e que indica a ruptura com a participao
necessria ao acolhimento do infinito de outrem com a absolvio da (co)relao26Com o
atesmo27 surge uma assimetria que prpria da separao; nessa separao total, o ser
separado se mantm nico, sem relao nenhuma com o ser de que separou-se, mas que
mediante uma convico ntima pode a ele se unir.
Pode chamar-se atesmo a esta separao to completa que o ser separado se mantmsozinho na existncia sem participar no Ser de que est separado capazeventualmente de a ele aderir pela crena. A ruptura com a participao estimplicada nesta capacidade. Vive-se fora de Deus, em si mesmo, cada qual eleprprio, egosmo. A alma dimenso do psquico -, realizao da separao, naturalmente ateia. Por atesmo, entendemos assim uma posio anterior tanto negao como formao do divino, a ruptura da participao a partir da qual o euse apresenta como mesmo e como eu.28
Uma separao essencial se forma entre o Mesmo e o Outro, em conseqncia da
distncia entre ambos. S assim o Mesmo mantm o seu Eu, a sua identidade absoluta, ao
mesmo tempo o Outro permanece como Outro. A separao e a distncia no so
contingentes e provisrias, so, antes juntamente com o eu e o outro - parte do prprio
constructo da relao de conhecimento.29 A distncia no impede a relao, ao contrrio,
torna-se condio necessria para uma relao, onde o Mesmo vai em direo ao Outro, leva
algo mais em conta, sem contestar a sua exterioridade e sem que o Outro conteste a
interioridade do Mesmo. A distncia fundamental para que o Eu possa manter a sua
identidade, ao mesmo tempo que o Outro mantm a sua. De certo modo, h e no h
reciprocidade nesta relao: reciprocidade ao nvel do Mesmo; no-reciprocidade ao nvel da
alteridade, com acento em Levinas, para esta ltima:
26PELIZZOLI LRS p. 7727 Luiz Carlos Susin comenta na sua obra O Homem Messinico, sobre o atesmo na sua relao com a
separao, o ser separado mantm seu atesmo, a alma se constituindo como psiquismo por natureza atia. Oatesmo um momento necessrio e essencial da subjetividade28LEVINAS, TI. p.4629COSTA, Levinas: Uma Introduo. Petrpolis: Vozes, 2000. p. 123
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Ser eu , para alm de toda individualidade que se pode ter de um sistema dereferncias, possuir a identidade como contedo. O eu no um ser que se mantmsempre o mesmo, mas o ser cujo existir consiste em identificar-se, em reencontrar asua identidade atravs de tudo que lhe acontece. a identidade por excelncia, aobra original da identificao.30
Quando existe uma aproximao em que o Mesmo se considera igual ao Outro, est
presente a necessidade de posse, dominao por parte de um Eu que percebe o Outro como
seu complemento, como parte de si prprio. A proximidade defendida por Levinas segue
outro movimento, que coloca o Mesmo e o Outro numa relao com responsabilidade. A
separao implica o existente continuamente interpelado pelo outro. O eu no um ser sem a
proximidade do outro. A proximidade sentida, ouvida, saboreada, vista; pura
comunicao, linguagem e responsabilidade tica.31
Mas a aproximao tica uma relaode risco. Numa relao transpassada pela responsabilidade que no preenche uma identidade,
o sujeito se movimenta em direo a um Outro que ser sempre Outro, sempre um estranho a
ser descoberto, sem que essa descoberta elimine a distncia entre um e outro. Dessa maneira,
o Mesmo e o Outro se compreendem como seres distintos, sem que jamais voltem a
movimento contrrio, um movimento de retorno a si prprio, com intuito de satisfazer um Eu
centrado apenas nas suas necessidades.
Para Levinas, o Eu procura ser sempre igual at nas suas mudanas; uma instnciaque busca sempre identificar-se, busca essa identificao a partir de tudo o que lhe acontece,
na sua relao com o mundo e com o Outro. Na relao com o mundo, o Eu se apresenta
como o Mesmo procurando sua absoro, situa-se como o habitante primeiro do mundo, onde
tudo pode, busca a posse do que necessita, do que lhe satisfaz. A possibilidade de possuir a
caracterstica do Mesmo, o qual percebe o mundo a partir de sua interioridade representada
ainda pelo seu egosmo. Mas o que absolutamente Outro recusa-se a ser possudo; pe em
discusso a sua exterioridade. Ao revelar essa exterioridade, o Outro revela uma alteridade
que lhe prpria.
O que absolutamente outro no s se recusa a posse, mas contesta-a eprecisamente por isso, pode consagr-la. preciso tomar a srio o reviramento daalteridade do mundo na identificao de si. Os momentos dessa identificao ocorpo, casa, o trabalho, a posse, a economia no devem figurar como dadosempricos e contingentes, chapeados pela ossatura formal do Mesmo; so asarticulaes dessa estrutura. A identificao do Mesmo no o vazio de umatautologia, nem oposio dialtica ao outro, mas o concreto do egosmo. 32
30LEVINAS, TI. p.2431MELO. A tica da Alteridade em Emmanuel Levinas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. p.5632LEVINAS, TI. p.25-26
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Levinas nos mostra ainda que, a partir do conhecimento do Outro como absolutamente
Outro, o Mesmo no faz pura oposio ao Outro, Se o fizesse estaria mantendo a totalidade. A
oposio que parte de uma resistncia exterioridade do Outro, que no percebe a distncia
entre duas pessoas, que absorve e s percebe o Outro a partir de uma representao ou objeto
no compe para uma verdadeira relao. Com essa oposio o Mesmo procura manter a
totalidade no aceitando a idia de Infinito. A relao com o Outro no se concretiza por ser o
seu contrrio, no cria uma resistncia, mas constri uma alteridade sem impor limites, onde o
Outro pode ser estrangeiro, o que est alm do Mesmo, que tem uma exterioridade ou ainda:
que clama por justia. O Eu separado e ao mesmo tempo precisa da relao, numa certa
ambigidade. Uma ambigidade surge ao se pensar em um eu que contribui na efetivao da
totalidade com seu egosmo e poder (conatus) de assimilao das coisas, ao mesmo tempo queimplementaria uma ruptura da totalidade, pois separado, indivduo no cabvel no todo.33
Levinas apontar por fim que a relao do Mesmo com o Outro linguagem, da qual
mantida uma transcendncia, o Mesmo e o Outro constroem um discurso, a partir do qual, o
Mesmo sai de si em direo ao Outro sem destruir a alteridade. O Mesmo abre mo de sua
identidade, em torno de sua ipseidade,34vai alm de um ente que vive pelo seu prprio Eu, sai
de si para o encontro com o Outro.
Uma nova maneira de relao construda como tica da alteridade, traz o face-a-face, diante do Outro que mantm seu espao. Com essa distncia, o Mesmo e o Outro
protegem sua singularidade, a relao no destri a singularidade de um e de outro. A partir
do face-a-face, surge o discurso, que respeita a separao e a distncia entre o Mesmo e o
Outro, interrompendo uma reconstruo da totalidade. No discurso, o Eu se afirma e ao
mesmo tempo curva-se perante o Outro, mas no se subjuga. Se essa curvatura fosse de
sujeio, no existiria alteridade, como tambm o afirmar-se como Eu, como identidade
elimina uma necessidade de posse. No obstante, para se chegar a este ponto, h o caminhoda afirmao concreta da subjetividade na eco-nomia, onde esto a casa, o feminino, e o
prprio corpo. Com isso aumenta a responsabilidade por Outrem, uma responsabilidade sem
limites.
33PELIZZOLI, LRS. p. 7434Segundo Pelizzoli, a ipseidade a caracterstica de ser o mesmo. O cerne e a essncia do eu, o si mesmo. Nocaso de Levinas esta referenciada alteridade, ao outro, no um centro de identidade, mas tem carter deacontecimento no tempo e na vida de um sujeito em relao.
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2.4 CORPO E SENSIBILIDADE. A CASA, A DOURA DO FEMININO E O AMOR
A concepo de corpo, segundo Levinas no tem um significado idealista nem mesmo
existencialista.35 O corpo uma experincia viva, repleto de sensaes, o qual cria
possibilidades de uma vida de prazer e satisfao, e dor. No um objeto, no uma coisa,
mas um corpo vivo que se manifesta como primeiro momento de vida, que se completa com a
sensibilidade, que revela uma intencionalidade encarnada. O corpo repleto de necessidades,
se movimenta para a satisfao de suas necessidades. Levinas insiste vigorosamente numa
sensibilidade que no est em primeiro lugar para o pensamento ou para o conhecimento, mas
que to somente sentimento, afetividade, afetao, consentimento.36 A sensibilidade
sensao, relaciona-se com o mundo sensvel. A intelectualidade no o atinge. Manifestaemoo, excita-se, machuca-se e sente-se satisfeita e insatisfeita diante do sensvel, sente
prazer, feliz. Essa felicidade a meta do Eu que ainda no est enfatizado na razo.
A sensibilidade que descrevemos a partir da fruio do elemento no pertence ordem do pensamento, mas do sentimento, ou seja, da afectividade onde tremula oegosmo do eu. As qualidades sensveis no se conhecem, vive-se: o verde dasfolhas, o rubro deste pr-do-sol. Os objectos contentam-me na sua finitude, sem meaparecerem num fundo de infinito. O finito como contentamento a sensibilidade.37
O corpo tem um duplo sentido: de incio mantm uma dependncia extrema com o
mundo sensvel, volta-se para a satisfao e para os elementos que o tornam feliz; mas
mantm tambm a sua autonomia, percebe a sua interioridade, se reconhece como um ente
separado, para alm das coisas. O corpo entra como um equvoco original, exercendo-se na
vida de um ser autctone, referido sua vontade e liberdade que, contudo, enraza-se em algo
outro, que implica submisso, pois uma certa alteridade desde sempre foi inaugurada.38A
fruio mantm o corpo pleno de satisfaes e ao mesmo tempo mantm uma autonomia,
separado e feliz diante das sensaes, do prazer de viver e na sua indiferena diante de
Outrem. Sofre influncias que vm de fora e tanto pode assumir uma soberania como pode ser
submisso. Na sua existncia mantm essa ambigidade vital.
35O idealismo percebe um corpo como subjugado alma, instrumento da alma; o corpo seria a priso da alma,segundo a doutrina platnica. Para o existencialismo de Sartre, o corpo a experincia do passado, surge no
presente que lhe escapa, para uma conscincia que sempre futuro e que est sempre frente do corpo.36SUSIN, O Homem Messinico. Petrpolis: Vozes, 1984. p.4037LEVINAS, TI. p.11938PELIZZOLI, LRS. p. 79
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A existncia de tal equvoco o corpo. A soberania da fruio alimenta a suaindependncia com uma dependncia em relao ao outro. A soberania da fruiocorre o risco de uma traio: a alteridade de que ela vive expulsa-a do paraso. Avida corpo, no apenas corpo prprio onde desponta a sua suficincia, masencruzilhada de foras fsicas, corpo-efeito. A vida atesta, no medo profundo, a
inverso sempre possvel do corpo-senhor em corpo-escravo, da sade em doena.Ser corpo , por um lado, agentar-se, ser dono de si, e, por outro, manter-se naterra, estar no outro e, assim ser obstrudo pelo seu corpo. 39
O corpo tem relao direta com o psiquismo, que a prpria interioridade do ser, a
caracterstica do ser que tem na separao a sua autonomia. Levinas coloca o psiquismo antes
da razo, ao lado da sensibilidade. O homem pois corpo psquico, matria, animada, que,
num determinado momento, comea, surge. H no incio uma animao que tambm
encarnao de um corpo.40O psiquismo se manifesta na sua relao com o mundo, no prazer
e na felicidade, e mantm uma independncia e uma dependncia diante das necessidades,
uma independncia que a fruio alimenta; o prazer e a felicidade alimentam o egosmo do
Eu, mas o prprio xtase de um ser feliz que faz esquecer sua dependncia.
Opsiquismo constitui um acontecimento no ser, concretiza uma conjuntura determos que no se definiam de chofre pelo psiquismo e cuja formulao abstrataesconde um paradoxo. O papel original do psiquismo no consiste de fato emrefletir apenas o ser. j uma maneira de ser, a resistncia a totalidade.41
A casaou morada tem um papel fundamental na filosofia de Levinas. um ponto de
referncia, a partir do qual, o Eu se sente protegido, o Eu encontra-se em sua casa, no est
perdido no mundo. A casa representa o lar, o habitvel. A casa um lar, uma morada
(demeure), que estando no mundo ou sobre o mundo, participa do espao infinito da
interioridade, diversamente do resto do mundo. No lar se vive o recolhimento da vida interior,
a intimidade.42Quando ela o lar, uma habitao, interioridade, tambm corporeidade.
Guarda a intimidade do Eu; acolhimento como morada; nela o Eu sente-se humano. O Eu se
guarda na casa, mantendo-se separado na sua interioridade, mas ao mesmo tempo se abre para
a exterioridade.
A funo original da casa no consiste em orientar o ser pela arquitectura do edifcioe em descobrir um lugar mas em quebrar a plenitude do elemento, abrindo a autopia em o eu se recolhe, permanecendo em sua casa. Mas a separao no meisola, como se eu fosse simplesmente arrancado aos elementos, torna possvel otrabalho e a propriedade.43
39LEVINAS, TI. p.14640SUSIN, HM. p.42-4341LEVINAS, TI. p.4242 SUSIN, HM. p. 5443LEVINAS, TI. p.139
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A casa aconchego; o acolhimento da morada uma conseqncia do feminino. Para
Levinas, o primeiro vestgio da alteridade a caracterstica feminina. Mas a condio
primeira da existncia de um lar, que oferea o afeto necessrio ligao entre interioridade e
casa, e lhe d a espessura interior necessria para a suspenso do gozo e o recolhimento fora
do mundo, a intimidade e a doura do feminino.44 Ao se voltar para o seu interior, o
homem sente necessidade de familiaridade. Essa familiaridade conduz o homem a uma
intimidade construda a partir do feminino. A mulher representa a doura.45 O feminino
mantm uma relao com a alteridade a partir da sensibilidade. Acolher o Outro prprio do
feminino, que de uma afetividade que ultrapassa a condio racional. Uma tal intimidade
na casa envolve no s o recolhimento mas j o acolhimento: envia ao papel prvio de algum
que me envolve, um tu familiar que entra em relao de reciprocidade com o eu, ao mesmotempo que lembra j algo da alteridade de outrem. Este algum a mulher.46 A presena
feminina marca a interioridade da casa. A partir do feminino, a casa torna-se lar. O feminino
o aconchego; a economia do lar aparece atravs do feminino; a mulher, melhor do que
ningum, desempenha a tarefa econmica da casa. No trabalho, a economia (organizao-
administrao da casa) o incentivo que faz com que o homem e a mulher se voltem para o
futuro.
A energia corporal fundamental para o trabalho. a fora que impele a todos desatisfazer as necessidades. O trabalho tambm pode ser prazer, gozo com o que est sendo
feito e adquirido. Tanto o trabalho como a economia se revestem de utilidades que so
possudas. O trabalho tambm posse: civiliza-se o homem em nome do trabalho e da posse.
O homem racional sente a necessidade de manter a posse de tudo, a partir do trabalho. O
trabalho, neste nterim, descobre o mundo e nele se aventura; traz as provises para uma
morada aberta aos elementos. O trabalho e a conscincia tambm o adiamento do gozo
que torna acessvel um mundo, organizado em vista das necessidades.
47
Mas indo em direo ao amor ou eros, encontramos a carcia. Para Levinas, o amor de
eros tem na mulher a sua realizao, em virtude da prpria sensibilidade e do sentido de
alteridade e feminilidade, prpria do feminino. na caricia que melhor se representa o amor;
o amor essencialmente carcia.
44SUSIN, HM. p.5545Comte-sponville, no seu livroPequeno Tratado das Grandes Virtudes,p.205, comenta sobre a doura: O queela tem de feminino, ou que assim parece, uma coragem sem violncia , uma fora sem dureza, um amor semclera. o ouvimos to bem em Schubert, o que lemos to bem em Etty Hillesum. A doura antes de mais
nada uma paz real ou desejada: o contrrio da guerra, da crueldade, da brutalidade, da agressividade, daviolncia... Paz interior, e a nica que uma virtude.46PELIZZOLI, LRS. p.8847Ibidem
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Se no gozo a sensibilidade afetada pelos elementos uma cumplicidade e umconsentimento, a carcia o contato, a cumplicidade e o consentimento porexcelncia: tocando uma pele, na carcia se tocado e afetadopor uma enormidadepor uma inadequao: procura-se sem saber o que se procura, desordenadamente eindefinidamente, perdendo-se na direo do mistrio noturno desde o qual se exibe a
pele tocada.48
Naturalmente o amor como alteridade no se deixa dominar, porquanto o masculino
no se apossa do feminino e o sentido de interioridade e exterioridade presente a cada um,
criando uma separao, impediria a dominao. A alteridade como tal separa, e o prazer os
une. Mas a relao ertica tem altos e baixos, com xtases e dilaceraes do ser, que ora
pacifica, ora encadeia, de modo que o amor de eros carcia quando atende os desejos de
Outrem.
A carcia tal como o contacto sensibilidade. Mas a carcia transcende o sensvel.No que ela sinta para alm do sentido, mais longe do que os sentidos, que seapodere de um alimento sublime, conservando ao mesmo tempo, na sua relao comesse sentido ltimo, uma inteno de fome que incide sobre o alimento que sepromete e se d a essa fome, a escava como se a carcia se alimentasse da suaprpria fome. A carcia consiste em no se apoderar de nada, em solicitar o que seafasta incessantemente da sua forma para um futuro nunca suficientemente futuro em solicitar o que se escapa como se ainda no fosse. A carcia procura, rebusca.49
O amor de eros tambm sensualidade,o feminino e o masculino se unem nela e nacarcia; mas atravs da sensualidade que o feminino e o masculino ultrapassam a alteridade
em favor da materialidade e, devido sensualidade, vo da decncia indecncia; a
sensualidade abre a porta para o xtase. Depois h um retorno alteridade como tal e um
repouso do Eu que regressa a si mesmo, no que a alteridade tenha desaparecido, mas ela fica
velada, oculta pela materialidade. Embora de qualidade diversa por causa da ambigidade da
sexualidade humana, a relao afinal, se revela com a mesma dinmica do gozo: h um
xtase, uma consumao, um retorno50
. A relao, para Levinas, no aprisiona o Eu, no omantm preso ao Outro. H uma indiferenciao entre atividade e passividade, e h graas
ao velamento e ao excesso no outro um retorno em si passando pelo outro, um novo dar-se a
si mesmo atravs do outro.51
O viver de..., o prazer de viver, sentir-se feliz numa casa, numa morada, na sua relao
com o feminino, com o amor, tudo isso so necessidades que podem ser satisfeitas. Depois
num novo movimento, numa transcendncia, tendo-se a idia de infinito e o Desejo como
48SUSIN, HM. p.5849LEVINAS, TI. p. 23650SUSIN, HM. P. 58-5951Ibidem, p.59
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base, se vai alm das necessidades, instaurando-se a tenso do humano perpassado pela
diferena de raiz. O Outro, visto como o infinito, realiza a relao por excelncia, relao
tica, de responsabilidade, uma relao entre humanos. como se Levinas mostrasse o
feminino e tudo o que isso envolve na eco-nomia da morada, como a alteridade fraca, mas
imprescindvel. At a responsabilidade por Outrem tem de ser completa, apresenta-se como
uma responsabilidade infinita.
2.5 A IDIA DE INFINITO FRENTE TOTALIZAO
A transcendncia no pode ser apenas negatividade, no negar a si prprio, nemnegar a vida do Outro; o que nega e o que negado formam em geral uma totalidade. A
negatividade seria um tipo de violncia perpetrada contra si mesmo. O Eu insatisfeito nega o
seu trabalho, a sua profisso, a sua posio na sociedade, e ao mesmo tempo permanece no
que negado. Assim como a transcendncia no negatividade, a tica no acontece como
negatividade. A transcendncia, para Levinas, vai alm da totalidade e do Mesmo, tendo
como fundamento a idia de infinito inspirada em Descartes, cujo movimento compreende
uma relao entre o infinito e o finito como seres separados, que no se tornam um s,mantendo uma distncia necessria; no entanto, mantm uma relao que se completa com o
reconhecimento da exterioridade. Da o motivo para que ele seja entendido como infinito
tico remetendo s realidades ticas, experincias muito concretas, pr-categoriais e
fundamentais com o absolutamente outro, outro que exige nova forma de relao.52 A
relao construda pela idia de infinito mostra uma outra realidade, que se mantm distante,
mas ao mesmo tempo essa distncia no impede essa relao, que uma relao metafsica.
Nesta no se destri a ipseidade do Mesmo nem se violenta o Outro. Numa relao dessenvel, no se agride a essncia do Outro; o afirmar ou negar no o que prevalece; a
transcendncia no quer apenas a oposio pela oposio. Se assim o fizesse, cairia de novo
num ato de violncia contra a exterioridade. A assimetria o que interessa para o autor.
Aparece a partir de uma transcendncia em que o infinito pode se manifestar.
52PELIZZOLI, LRS. p.60.
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A idia do perfeito uma idia do infinito. A perfeio que a passagem no limitedesigna no fica no plano comum ao sim e ao no, em que a negatividade opera. E,inversamente, a idia do infinito designa uma altura e uma nobreza, umatranscendncia. O primado cartesiano da idia do perfeito em relao idia doimperfeito conserva aqui todo o seu valor.53
Romper com a totalidade no apenas pensar numa separao entre o Mesmo e o
Outrem, mas aquele que pensa ultrapasse um pensamento que totaliza a si prprio e o Outro;
ele deve perceber e viver o Outro como Outro, nunca como objeto, unido a uma categoria de
entes e conceitos, como iguais. O Mesmo e o Outro no tm as mesmas caractersticas,
apesar das aparncias possveis; no so do mesmo modo, em nenhum momento da relao de
alteridade o Mesmo se ultrapassa ao Outro ou o Outro torna-se de fato o Mesmo. Se o Mesmo
se coloca acima do Outro, ou se o Outro se coloca acima do Mesmo, ou se um ou Outro usade poder nivelador, no haveria uma relao de alteridade efetiva. No entanto, preciso correr
os riscos da relao. Relao sem fuso. E o Eu no pode ficar esperando uma retribuio por
toda bondade dada ao Outro, porque numa relao de responsabilidade madura no se espera
retorno narcsico ou egocentrado.
O problema questionado por Levinas - na relao do Mesmo com o Outro -
compreende o impasse entre a totalizao de um lado e o infinito do outro. Romper a
totalidade o incio para a soluo desse problema, que se agrava diante de qualquerviolncia cometida contra a dignidade do Outro. A idia de infinito surge como um
movimento capaz de criar possibilidade para que o Mesmo e o Outro possam encarar to
grave problema, mas a partir da responsabilidade real diante do Outro que semelhante
problemtica pode ser mais bem trabalhada. preciso agir antes de entender, para que a
humanidade do sujeito possa ser realizada. Esse agir a prpria responsabilidade pelo Outro.
Ningum pode permanecer em si: a humanidade do homem, a subjetividade, umaresponsabilidade pelos outros, uma vulnerabilidade extrema. O retorno a si faz-sedesvio interminvel. Bem antes da conscincia da escolha antes que a criatura serena em presente e representao para se fazer essncia o homem aproxima-se dohomem. Ele tecido de responsabilidades. Por elas, lacera ele a essncia.54
Levinas pe em questo a teoria ontolgica ligada egologia, que afirma a prioridade
do ser e ento doser euem relao ao ente, o ente abordado a partir do ser e toda relao do
ente est subordinada ao ser, um ente cuja existncia constituda pelo seu prprio ser que lhe
precede e determina, antes de a alteridade concreta ser assumida; o ser determina o ente o ser53LEVINAS, TI. p.29.54LEVINAS, Humanismo do Outro Homem. Petrpolis: Vozes, 1993. p.124
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abertura para o mundo. Teoria que concede um carter privilegiado ao ser e se preocupa
com o sentido e com a compreenso do ser, no enfatizando a alteridade do ente. Por no
compreender o movimento que se inicia com o Mesmo indo ao encontro do Outro, termina
renunciando ao Desejo metafsico e bondade. O ente humano mais do que se sabe dele, e
alm disso h a suspeita levinasiana de que o que se sabe sobre o ente humano pela ontologia
no o mais originrio e tampouco o mais humano.55Levinas quer criticar radicalmente toda
ontologia, inclusive a de Heidegger, o que se torna bem mais complexo, tendo em vista a
semelhana de crticas dos dois filsofos tradio metafsica.
Enfim, a ontologia no alcana a exterioridade, no alcana um ente humano concreto;
o ente abandonado e o prprio ser torna-se o elemento decisivo para a compreenso da
existncia. Levinas defende uma teoria e uma prtica a colada que reconhece em primeirolugar a interioridade do Mesmo e a exterioridade do Outro, prpria de uma metafsica que vai
alm da ontologia, baseada numa teoria tica radical e na idia de infinito que nos encarna. A
abertura implementada pelo acontecimento do infinito transbordando o crculo ontolgico e os
limites do Eu requer uma outra relao, a da metafsica, da transcendncia e experincia
como tais, eminentemente, aproximao no-alrgica da exterioridade de outrem.56
A metafsica vista como tica percebe o jogo da ontologia o qual comea no ser e
termina no ser; percebe um Eu que s identidade, que parte do Mesmo e retorna sempre a siprprio, puro egosmo, que alimenta-se de necessidades que precisam ser satisfeitas. Um Eu
egosta regido por necessidades mundanas; ento se sente incomodado por uma crtica, que
busca verdades baseadas na justia, a altura e a nobreza de Outrem, lhe causam enjos. A
teoria assume uma posio crtica, se constitui como metafsica ao reconhecer a exterioridade,
conduz o Mesmo para um acolhimento do Outro sem o possuir.
A crtica no reduz o Outro ao Mesmo como a ontologia, mas pe em questo o
exerccio do Mesmo. Um pr em questo do Mesmo que no pode fazer-se naespontaneidade egosta do Mesmo algo que se faz pelo Outro. Chama-se tica aesta impugnao da minha espontaneidade pela presena de Outrem. A estranhezade Outrem a sua irredutibilidade a Mim, aos meus pensamentos e s minhas posse realiza-se precisamente como um por em questo da minha espontaneidade, comotica.57
Para Levinas, o ente no est submetido ao ser. Essa submisso faria o ente prisioneiro
de uma lgica do ser que afetaria a relao entre o Mesmo e Outro. O humano um ente, cuja
relao de alteridade vai alm da discursividade do ser, procurando romper at com a prtica
55COSTA, LI. p. 10956PELIZZOLI, LRS. p.6257LEVINAS, TI. p.30
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encarnada da ontologia como guerra. A verdade e a justia que deviam prevalecer na relao
podem ser ultrapassadas pela liberdade de um ser egosta que defende apenas os seus
interesses; o Eu, que prioriza a liberdade acima da verdade e da justia, necessita de uma
relao fcil, sem o reconhecimento do Outro. A liberdade seria pensada como autonomia;
seria sempre a liberdade de um Eu preocupado com seus interesses pessoais, fazendo parte de
uma totalidade, mantendo o Mesmo numa relao com o Outro sem perceber como
inteiramente Outro.
A relao com o ser que atua como ontologia, consiste em neutralizar o ente para ocompreender ou captar. No , portanto, uma relao com o outro como tal, mas areduo do Outro ao Mesmo. Tal a definio de liberdade: manter-se contra ooutro,apesar de toda a relao com o outro, assegurar a autarcia de um eu. Atematizao e a conceptualizao, alis inseparveis, no so paz com o outro, mas
supresso ou posse do Outro.
58
Algo novo na relao deve ser encontrado, a totalidade deve ser ultrapassada; por isso
deve-se pensar a relao ente e ente de outro modo, buscando-se com isso possibilidades de
transio do Mesmo para o Outro, sem que o Mesmo se torne Outro, mas que encontre e
considere o Outro, um ente concebido como alteridade, como exterioridade, separado e
distante, sempre preservando a singularidade do Outro. Levinas prope uma nova
interpretao do ente que no se subordina ao ser, contra a apropriao do ente temos um
movimento diferente, que vai de um ente a outro ente num movimento tico. Aqui configura-
se, em nome de uma subjetividade tica e sua relao de acolhimento da visitao do Outro, a
tica como filosofia primeira, que abre uma defasagem no processo correlacional e
intencional e de compreenso do ente humano atravs da gesta do ser; ou seja, uma subverso
da ontologia.59O movimento tico percorre outro caminho da verdade, que no o ontolgico,
a partir da tica, a verdade vista sobre outro prisma: a proposta responsabilizadora, a tica
da alteridade, culmina numa filosofia da justia, que preserve acima de tudo uma relao
baseada na bondade; um acontecimento tico que se manifesta especialmente contra a morte
violenta do Outro.
O nosso esforo consiste concretamente em manter, na comunidade annima, asociedade de Eu com Outrem linguagem e bondade. Esta relao no pr-filosfica, porque no violenta o eu, no lhe imposta brutalmente de fora, contra asua vontade, ou com o seu desconhecimento como opinio; mais exatamente -lheimposta, para alm de toda a violncia, de uma violncia que o pe inteiramente emquesto. A relao tica, oposta filosofia primeira de identificao da liberdade edo poder, no contra a verdade, dirige-se ao ser na sua exterioridade absoluta ecumpre a prpria inteno que anima a caminhada para a verdade.60
58Ibidem p.3359PELIZZOLI, LRS. p.6460LEVINAS, TI. p.34
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da idia que dele se tem. Ele no infinito porque um sujeito o pensa como infinito, mas
porque a idia que se tem dele pensa um ente que vai alm da prpria idia de infinito. O
infinito como ente anterior idia do infinito e sua infinio reside no fato de ele no caber
na idia que dele se tem.63O ente que transcende um ideatumque vai alm de sua idia; a
idia de infinito instaura uma relao verdadeira, uma relao tica, onde o Mesmo no se
confunde com o Outro e implanta um discurso a partir do falar e escutar o Outro. A partir da
idia de infinito, construda uma relao elevada, no sentido humano mais nobre, com um
ente ou pessoa singular: o Outro ser humano. Desde essa relao entre humanos, se vive um
humanismo do outro homem, que percebe o Outro como transcendente.
A distncia que separa ideatum e idia constitui aqui o contedo do prprio ideatum.O infinito caracterstica prpria de um ser transcendente, o infinito oabsolutamente outro. O transcendente o nico ideatum do qual apenas pode haveruma idia em ns; est infinitamente afastado da sua idia quer dizer, exterior porque infinito.64
S a partir de uma subjetividade como responsabilidade que se pode fazer uma
transcendncia que h de nos conduzir ao infinito, no apenas tendo a idia de infinito, mas
vivenciando o Outro como infinito; Isso s acontece a partir da responsabilidade radical,
condio prpria do humano, peregrino no mundo.
2.6 A SUBJETIVIDADE COMO RESPONSABILIDADE E O SENTIDO DO HUMANO
INFINITIZADO
A responsabilidade por Outrem desenvolve uma subjetividade cujo sentido torna-se a
questo central do pensamento de Levinas, quando este procura reconstruir uma subjetividade
como nica forma de construir as condies para uma tica da alteridade, uma nova
subjetividade, uma nova forma de responsabilidade dando origem a uma estranha
intersubjetividade. A partir desse momento abrem-se novas perspectivas da questo humana.
Vamos recorrer sempre nesta investigao responsabilidade primeira como sentido da
humanidade do homem. A responsabilidade para Levinas no apenas um principio tico,65
adquirido a partir de uma racionalidade e incorporada moral, ao dia-a-dia, fazendo com que
a pessoa procure sobressair s suas preocupaes com sua maneira de ser, sua maneira de
63 Ibidem. p10864LEVINAS, TI. p.3665Responsabilidade: princpio tico bastante antigo, que leva o sujeito a responder totalmente pelos seus atos eassumi-los. A proposta de Levinas de construo de uma responsabilidade como fundamento da relao Eu-Outro. No existe tica quando no se respeita o Outro, quando se considera apenas o indivduo.
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agir, sua liberdade. No se trata de uma responsabilidade que em primeiro lugar dita o modo
como se fala, como se faz ou deixa de se fazer; referimo-nos a uma outra responsabilidade
que instala uma conscincia moral desarvoradora, que se volta para o Outro, no mais
preocupada apenas com o seu Eu. Em outras palavras, a responsabilidade primeira,
antecede o prprio ato da conscincia e da liberdade. Ela constitutiva da subjetividade. Mas
a humanidade da subjetividade.66A responsabilidade transcendncia, conduz o Eu para
alm de si prprio, uma fora interior que no fica presa em si mesma, e confere ao ente a
sua condio humana. O essencial para essa responsabilidade seria ento o Outro como tal.
Ser Eu (Moi) significa, a partir da, no se poder furtar responsabilidade, como setodo o edifcio da criao repousasse sobre meus ombros. Mas a responsabilidade
que esvazia o Eu (Moi) de seu imperialismo e de seu egosmo seja ele egosmo desalvao no o transforma em momento de ordem universal, porm a unicidade doEu (Moi). A unicidade do Eu (Moi) o fato de que ningum pode responder em meulugar.67
S a partir dessa responsabilidade pelo outro que se constri uma tica investida de
alteridade, responsabilidade que a prpria subjetividade. A essncia da tica a
responsabilidade primeira.
Para Sartre, a responsabilidade muito mais do que imaginamos, pois a partir dela
surge o engajamento por toda a humanidade. Ele mostra o homem como responsvel por sua
vida, por suas escolhas. O homem tambm responsvel por todos os outros; essa
responsabilidade pelos outros cria uma angstia prpria do existencialista, mas, mesmo diante
dessa angstia, existe ao, pois a angstia no impede a ao. Sou desse modo responsvel
por mim mesmo e por todos e crio determinada imagem do homem por mim escolhido; por
outras palavras: escolhendo-me escolho o homem.68 O sentido de responsabilidade em
Levinas vai alm de Sartre. Neste a responsabilidade caminha ao lado da liberdade; nele a
responsabilidade adquire um sentido de anterioridade, vem antes da liberdade. A
responsabilidade no so escolhas de um Eu preocupado por si mesmo. A responsabilidade
transcende conscincia racional ou angustiada, prpria do existencialismo. Em Sartre o
homem torna-se responsvel por todas as escolhas, at a escolha da guerra. No pensamento de
Levinas, a responsabilidade atinge as alturas alm de qualquer violncia. subjetividade
como entrega radical.
66PIVATTO, Responsabilidade e Justia em Levinas. In: Perspectiva Filosfica. Recife: Ed. UFPE, 2003. v.Ip.8267LEVINAS, HH. p.6168SARTRE, O Existencialismo um Humanismo. In: Os Pensadores. So Paulo: Nova Cultural, 1987. p.7
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Trata-se da subjetividade do sujeito de sua no-indiferena a outrem naresponsabilidade ilimitada, pois, no medida por engajamentos qual remetemassuno e recusa de responsabilidades Trata-se da responsabilidade pelos outros emdireo aos quais se encontra desviado, nas entranhas enternecidas dasubjetividade que ele rasga, o movimento da recorrncia.69
A relao tica a manifestao da alteridade e torna-se uma relao com
responsabilidade inquietante, no sentido do infinito. Para isso indispensvel a construo de
uma subjetividade invadida pela responsabilidade. Com ela iniciado o movimento do
Mesmo em direo ao Outro como indispensavelmente Outro, movimento que percorre um
caminho em busca da verdade. Ao mesmo tempo, a responsabilidade que tece a
subjetividade, constitu a singularidade, a identidade prpria do sujeito. A identidade no
deriva de uma determinao material, nem da conscincia que diz eu sou eu nem de um outro
que me reconhece como eu, mas da responsabilidade que me faz nico e irrepresentvel.70
Vem aqui a seguinte questo:
A responsabilidade constitui a prpria identidade do sujeito. A idia perceber a
formao de uma nova responsabilidade que faz nascer a subjetividade e instaura uma tica
da alteridade. A responsabilidade tambm a origem da conscincia moral. Como Levinas
expe, no um princpio tico apenas, mas torna-se fundamento de princpios ticos, pois
sem responsabilidade no existe verdade, liberdade, amor, no existe relao com o Outro.
Seria essa radicalidade da responsabilidade o sentido da tica de Levinas?
A bondade uma conseqncia da responsabilidade?
A responsabilidade preenche todo o ente dando-lhe uma condio humana. Da ser
origem de toda bondade humana. Todo bem que se pode adquirir vem do sentido de
responsabilidade trabalhado por Levinas. A responsabilidade marca a ruptura de um ente
guiado pela idia de infinito com a totalidade, ruptura entre o humano e o anti-humano. As
caractersticas do animal racional so substitudas com a responsabilidade por um Humanismodo Outro Homem.
Mas preciso tambm pensar o homem a partir da responsabilidade mais antiga queo conatus da substncia ou que a identificao interior. preciso pens-lo a partir daresponsabilidade que, chamando sempre para fora, desconcerta precisamente estainterioridade. preciso pens-lo a partir de si (soi) a se colocar, apesar de si, nolugar dos outros, substitudo a todos por sua prpria no-intercambialidade.71
69LEVINAS. HH. p.12470PIVATTO. PF. p.8271LEVINAS, TI. p.126
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O que se observa no humanismo de Levinas que toda relao de alteridade, ou seja,
entre humanos, a responsabilidade radical sempre o fundamento desse humanismo. A
finalidade de seu pensamento a de mostrar esse movimento em direo a outrem na
construo do humano. assim que chego a afirmar que a responsabilidade constitui o
humano, no homem, constitui a subjetividade como relao ao outro relao de alteridade
e no como relao de identidade em que o Eu se refere a si mesmo.72
Sartre defende o seu existencialismo como um tipo de humanismo, mostra o homem
como um projeto, que se faz tal qual se deseja. O homem existe, existindo, se projeta para o
futuro e assume a conscincia desse projeto; no qual se inclui a liberdade do homem. Ele
livre ao saber fazer suas escolhas.
No existe outro universo alm do universo humano, o universo da subjetividadehumana. a esse vnculo entre a transcendncia, como elemento constitutivo dohomem (na medida em que o homem no est fechado em si mesmo, mas semprepresente num universo humano) que chamamos humanismo existencialista.Humanismo porque recordamos ao homem que no existe outro legislador a no serele prprio e que no desamparo que ele decidir sobre si mesmo: e porquemostramos que no voltando-se para si mesmo mas procurando sempre uma metafora de si determinada libertao, determinada realizao particular que ohomem se realizar precisamente como ser humano.73
As novas perspectivas acerca da humanidade do homem, com a responsabilidade
significando uma anterioridade a toda condio racional, anterior a toda humanidade do
homem, so fundamento do Humanismo do Outro Homem. Ao procurar mostrar as
possibilidades desse novo humanismo, Levinas vai alm da idia que se tinha do humano,
compreendida a partir de uma identidade moderna. No seu movimento de transcendncia
insere-se a alteridade como motivadora de um dilogo tico entre humanos devedores do
Outro. Para isso rompe-se com as estruturas ontolgicas do entendimento do real, que percebe
a dominao do ente como fundamento da condio humana.
Ningum pode permanecer em si: a humanidade do homem, a subjetividade umaresponsabilidade pelos outros, uma vulnerabilidade extrema. O retorno a si faz-sedesvio interminvel. Bem antes da conscincia e da escolha antes que a criatura serena em presente e representao para se fazer essncia o homem aproxima-se dohomem. Ele tecido de responsabilidades. Por elas lacera ele a essncia.74
72PIVATTO. PF. p.8373SARTRE. EH. p.21-2274LEVINAS. HH. p. 124
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O humanismo de Levinas quer ir alm do humanismo ou abandono do humanismo em
Heidegger, que prope uma interpretao do humano a partir da ontologia fundamental, que
no se afasta nunca do discurso do Ser. A partir do cuidado, o homem conduzido para sua
essncia, Isso significa que o humanismo o cuidado para que o homem se mantenha em si;
cuidar, meditar, projetar, para que o homem no fuja da sua essncia tornando-se desumano; a
humanidade do homem reside em sua essncia. Para Heidegger, a existncia seria prpria do
humano: o homem ecxistee nesse ecxistir,no est nunca sem o ser; mas o homem no o
ser nem senhor do ser; ele guarda e pastoreia o ser; ao pensamento e a linguagem do homem
que o ser concede seus favores. A o ser se mostra irradiando luz, fazendo nascer a sua
humanidade. A essncia do homem tem que ser interpretada a partir da sua existncia. O
homem torna-se o humano que acolhe o ser no seu seio, projeta-se no ser, ecxiste; pensar averdade do ser significa pensar a humanitas75do homo humanus,humanitasvoltada para a
verdade do ser.
No residem, no entanto, neste apelo ao homem, no se escondem nesta tentativa depreparar o homem para este apelo um empenho e uma solicitude pelo homem? Paraonde se dirige o cuidado, seno no sentido de reconduzir o homem novamente parasua essncia? Que outra coisa significa isto a no ser que o (homo) se torne humano(humanus) ? Deste modo ento contudo, a humanitas permanece a preocupao de
um tal pensar: pois o humanismo isto: meditar, e cuidar para que o homem sejahumano e no ds-humano, inumano, isto situado fora de sua essncia. Entretanto,em que consiste a humanidade do homem? Ela repousa em sua essncia.76
Em Levinas, o humanismo se constitui como responsabilidade de raiz por Outrem,
condio da prpria subjetividade. Esse novo sentido de subjetividade, acolhedora,
responsvel, cria o sentido do humano; instala uma comunicao entre humanos, uma relao
tica de amor e dignidade com o prximo; presena de passividade, sem a espera do retorno
de obrigaes, de amor, de compreenso.
preciso pensar o homem a partir da condio ou incondio de refm. Refm detodos os outros que, precisamente outros, no pertencem ao mesmo gnero ao qualperteno, pois eu sou responsvel por eles, sem me repousar sobre aresponsabilidade deles para comigo, o que lhes permitiria substituir-se a mim, poisat de sua responsabilidade eu sou, finalmente e desde o inicio responsvel. poresta responsabilidade suplementar que a subjetividade no Eu (Moi), mas eu(moi).77
75Termo criado na repblica romana, oriundo da paidia dos gregos, o homo humanus que era o romano se elevae enobrece a virtus humana atravs da paidia, da qual derivou o nome e o prprio conceito de humanismo.76HEIDEGGER. Sobre o Humanismo: In. Os Pens