A Representação Social Da Psicologia e Do Psicólogo

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A representação social da Psicologia e do psicólogo Maria Alice Vanzolini da Silva Leme; Vera Silvia Raad Bussab; Emma Otta Instituto de Psicologia Universidade de São Paulo Este trabalho é uma tentativa de estabelecer qual é a representação social da Psicologia e/ou do psicólogo, que circula em um certo segmento da população da cidade de São Paulo. O veículo dessa representação foram alunos ingressantes em um curso de Psicologia, que responderam a seguinte pergunta: "Qual é, a seu ver, a imagem que o público leigo tem do psicólogo?" Partiu-se do pressuposto que este seria um bom veículo, na medida em que, tendo recentemente feito uma opção de carreira, teriam sido alvo de muitos comentários a respeito. O conceito de representação social aqui utilizado é de Moscovici que, em 1976, publicou seu trabalho sobre a representação social da Psicanálise na França. A leitura de Moscovici nos forneceu um referencial teórico que julgamos bastante adequado para lidar com a pergunta acima citada, proveniente de um questionário amplo, cujos dados eram utilizados para discussão, em classe, de problemas metodológicos de pesquisa e da profissão do psicólogo, desde 1976 até 1984. Representação social é um conjunto de conceitos, explicações e afirmações que se originam na vida diária, no curso de comunicações interindividuais (Moscovici, 1981). É a versão contemporânea do senso comum. Vejamos o porquê. A maior parte dos objetos, conceitos, analogias que se impõem ao nosso entendimento, nos dias de hoje, é produto de pesquisa científica. Constituem uma massa enorme de conhecimentos que nos dizem respeito, mas que não estão ligados à nossa experiência direta. Pensamos e vemos por procuração. Grupos competentes são encarregados de obtê-los e transmiti-los. Temos que elaborar um novo senso comum a partir de elementos provenientes de um universo do qual não participamos, que tem uma linguagem e uma lógica que não são as do nosso universo cotidiano. Este é o universo das representações sociais, o universo consensual. O da ciência, no que nos diz respeito, é um universo reificado. Toda representação social recorta e simboliza atos e situações que se tornam ou nos são comuns. Não deve ser vista de um modo passivo, como reflexo na consciência de um objeto ou conjunto de idéias, mas de um modo ativo: como uma reconstrução do dado em um contexto de valores, reações, regras com o qual se torna solidário. A linguagem o traz para o fluxo das associações, o investe de metáforas, o projeta no espaço simbólico. Toda representação tende a tornar familiar o não familiar. Na dinâmica da familiarização, os objetos e eventos são reconhecidos,

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Esse é um artigo que fala sobre a Representação Social da psicologia e do psicologo.

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A representao social da Psicologia e do psiclogoMaria Alice Vanzolini da Silva Leme; Vera Silvia Raad Bussab; Emma OttaInstituto de Psicologia Universidade de So PauloEste trabalho uma tentativa de estabelecer qual a representao social da Psicologia e/ou do psiclogo, que circula em um certo segmento da populao da cidade de So Paulo. O veculo dessa representao foram alunos ingressantes em um curso de Psicologia, que responderam a seguinte pergunta: "Qual , a seu ver, a imagem que o pblico leigo tem do psiclogo?" Partiu-se do pressuposto que este seria um bom veculo, na medida em que, tendo recentemente feito uma opo de carreira, teriam sido alvo de muitos comentrios a respeito.O conceito de representao social aqui utilizado de Moscovici que, em 1976, publicou seu trabalho sobre a representao social da Psicanlise na Frana. A leitura de Moscovici nos forneceu um referencial terico que julgamos bastante adequado para lidar com a pergunta acima citada, proveniente de um questionrio amplo, cujos dados eram utilizados para discusso, em classe, de problemas metodolgicos de pesquisa e da profisso do psiclogo, desde 1976 at 1984.Representao social um conjunto de conceitos, explicaes e afirmaes que se originam na vida diria, no curso de comunicaes interindividuais (Moscovici, 1981). a verso contempornea do senso comum. Vejamos o porqu. A maior parte dos objetos, conceitos, analogias que se impem ao nosso entendimento, nos dias de hoje, produto de pesquisa cientfica. Constituem uma massa enorme de conhecimentos que nos dizem respeito, mas que no esto ligados nossa experincia direta. Pensamos e vemos por procurao. Grupos competentes so encarregados de obt-los e transmiti-los. Temos que elaborar um novo senso comum a partir de elementos provenientes de um universo do qual no participamos, que tem uma linguagem e uma lgica que no so as do nosso universo cotidiano. Este o universo das representaes sociais, o universo consensual. O da cincia, no que nos diz respeito, um universo reificado.Toda representao social recorta e simboliza atos e situaes que se tornam ou nos so comuns. No deve ser vista de um modo passivo, como reflexo na conscincia de um objeto ou conjunto de idias, mas de um modo ativo: como uma reconstruo do dado em um contexto de valores, reaes, regras com o qual se torna solidrio. A linguagem o traz para o fluxo das associaes, o investe de metforas, o projeta no espao simblico.Toda representao tende a tornar familiar o no familiar. Na dinmica da familiarizao, os objetos e eventos so reconhecidos, compreendidos com base em encontros anteriores, em modelos. Aqui a memria predomina sobre a lgica, o passado sobre o presente, a resposta sobre o estmulo. O ato de representao transfere o que estranho, perturbador do universo exterior para o interior, coloca-o em uma categoria e contexto conhecidos. Neste universo consensual, o veredicto precede o julgamento.A cincia segue um caminho inverso, principalmente no nvel lgico: vai das premissas s concluses. Isto parece ser to ao arrepio do que fazemos espontaneamente que todo um aparato de lgica e de prova recrutado para ir contra esta tendncia de tornar o no-familiar, familiar. Muito pelo contrrio, a cincia torna o familiar, no-familiar.Moscovici (1976) prope dois processos que so importantes nesta forma de pensamento em que predominam a memria e as concluses preestabelecidas: a ancoragem e a objetivao. Ancorar trazer para categorias e imagens conhecidas o que no est ainda classificado e rotulado. "Tudo o que permanece inclassificvel e no rotulvel parece no-existente, estranho e, assim, ameaador...Realmente, representao basicamente um processo de classificao e nomeao, um mtodo de estabelecer relaes entre categorias e rtulos"(Moscovici, 1981, p. 193, grifos no original). Objetivar transformar uma abstrao em algo quase fsico.O rtulo confere uma afiliao e uma posio na matriz cultural de identidades. O annimo no passvel de ser convertido em uma imagem comunicvel. Quando classificamos e rotulamos estamos tambm atribuindo um valor positivo ou negativo e uma posio em uma ordem hierrquica. Classificar algum como neurtico, pobre, subversivo, no meramente afirmar um fato. Est se fazendo um julgamento que revela uma "teoria" sobre a sociedade e a natureza humana. Uma categoria oferece um modelo, um prottipo que a expressa e fornece uma espcie de retrato-robot dos indivduos que pertencem a ela. Ao categorizar algum, escolhemos um dentre os prottipos que temos guardados em nossa memria e estabelecemos uma relao positiva ou negativa com ele. A descrio deste processo ilustra o significado de se dizer que, no mundo das representaes, o veredicto tem precedncia sobre o julgamento.Na avaliao da evidncia disponvel, temos que tomar uma deciso: ou aproximamos o caso do prottipo, generalizando, ou aumentamos a distncia, individualizando. Esta deciso no puramente intelectual, expressa uma atitude para com a pessoa ou coisa e um desejo de v-la como normal ou desviante.A objetivao significa descobrir o aspecto icnico de uma idia ou ser, parear o conceito com uma imagem. Por exemplo, comparar Deus a um pai (o psiclogo comparado a um pai...de...santo...).As proposies, reaes, avaliaes que constituem as representaes esto organizadas de modo diverso segundo as culturas, classes, grupos sociais e constituem tantos universos quantos so estes ltimos.Cada universo pode ser visto sob trs dimenses: a) informao, b) atitude ou valorao, c) campo de representao ou imagem. A informao tem a ver com a organizao dos conhecimentos que um grupo possui a respeito de um objeto social. A informao pode ser completa ou incompleta, coerente ou incoerente. A atitude destaca a orientao global em relao ao objeto de representao social: favorvel, desfavorvel, neutra. O campo de representao remete-nos idia de imagem de modelo social, ao contedo concreto e limitado de um aspecto preciso do objeto de representao. Foram estas as dimenses que procuramos estabelecer nas respostas de nossos sujeitos.MtodoSUJEITOS. Participaram da pesquisa 556 alunos ingressantes em um curso de Psicologia da cidade de So Paulo.MATERIAL. Cada aluno recebeu, no primeiro dia de aula, um questionrio mimeografado, com vinte perguntas, que respondeu por escrito. Nesta pesquisa, analisamos as respostas pergunta: "Qual , a seu ver, a imagem que o pblico leigo tem do psiclogo?"PROCEDIMENTO. As respostas coletadas entre os anos de 1976 e 1984 foram submetidas a uma anlise de contedo, realizada em conjunto pelas trs autoras deste estudo. Procurou-se esgotar, em cada uma, todos os contedos referentes s trs dimenses investigadas. Ilustraremos esta anlise examinando a resposta dada por um aluno, "Secretrio de Psiquiatra":a)Presena ou ausncia deinformaessobre a profisso. Em caso positivo, o tipo de informao foi categorizado. No exemplo "Secretrio de Psiquiatra", a profisso conhecida e a rea de atuao conhecida a clnica.b)Conotaes devalorpositivo ou negativo implicadas nos contedos. No exemplo em questo o valor negativo, sendo a profisso desprestigiada em relao medicina.c)A dimensocampo de representaofoi analisada sob dois aspectos:1) Tipos de comparaes, aproximaes ou mais propriamente ancoragens feitos em relao a categorias sociais conhecidas. No exemplo foi feita ancoragem na psiquiatria. Cabe notar que, nos casos de conhecimento de algum aspecto da profisso e ausncia de ancoragem em qualquer outra categoria social conhecida, consideramos a ocorrncia de ancoragem na prpria psicologia.2) Concretizao de aspectos do saber, do modo de atuao e da personalidade atribudos ao psiclogo. No exemplo transparecem aspectos de saber menor e de incompetncia do profissional em questo.ResultadosNvel de informaoNa anlise desta dimenso, foi possvel identificar quatro categorias de respostas, que se encontram naTabela 1:

a) Profisso conhecida: englobou as respostas que demonstravam existir conhecimento acerca da psicologia e que foram, subseqentemente, classificadas segundo a referncia feita a reas de atuao: Psicologia clnica: " um resolvedor de problemas de loucos"; "Uma pessoa que s de olhar ou conversar j sabe de seus problemas, pontos fracos e fortes e como ajudar". Psicologia educacional: "Sinnimo de pedagogo". Psicologia do trabalho: " aquele que trabalha em departamento de pessoal de alguma indstria".Testes: "E um aplicador de testes".Cincia: "Acho que no do o devido valor a esta cincia, a meu ver, a mais importante de todas".b) Profisses desconhecidas: "O pblico no sabe ou no tem informao sobre o que o psiclogo sabe fazer".c) Respostas ambguas ou valorativas, sem contedo de informao: " uma figura ornamental"; "A mesma viso que a minha".d) respostas em branco.Como se pode observar naTabela 1. a profisso bem mais conhecida do que desconhecida, mas conhecida, principalmente, como psicologia clnica.A anlise estatstica1mostra que no houve nem aumento nem diminuio significativa desta tendncia no tempo (r= -0,53; t= -1,65).Por outro lado, houve aumento significativo de respostas ambguas ou valorativas, sem contedo de informao (r= 0,71; t= 2,66).Atitude ou dimenso valorativaProcurou-se estabelecer se o contedo das respostas expressava valorao positiva, negativa ou neutralidade. ATabela 2mostra que 73% das respostas expressam uma valorao negativa, praticamente inexistindo a neutralidade.

O teste estatstico revelou um crescimento significativo das valoraes negativas com o passar do tempo (r= 0,81; r=3,68).Campo de representao ou imagemDuas sistematizaes possveis feitas pelos sujeitos emergiram desta anlise: uma que mostrava a aproximao do psiclogo de certas categorias sociais conhecidas, entre as quais identificaram-se a dos profissionais, a dos guias espirituais e a dos confidentes; a segunda referia-se a uma concretizao da pessoa do psiclogo, com atribuies de caractersticas relativas ao seu saber, modo de atuao e personalidade. Estas caractersticas foram agrupadas segundo sua conotao positiva ou negativa.NaTabela 3esto resumidos os resultados relativos aproximao de categorias sociais conhecidas. Como se pode verificar, a maior incidncia de respostas recai na aproximao em relao s profisses (85%), seguida pela dos guias espirituais (11%) e, por ltimo, pela dos confidentes (6%).

Foi possvel distinguir as seguintes categorias profissionais citadas nas respostas, algumas das quais esto representadas a seguir.Fazem parte da categoria psicologia respostas do tipo: "O psiclogo um profissional como outro qualquer" ou "o psiclogo contribui para a sociedade porque exerce uma profisso assistencial". Em termos de anlise estatstica, esta categoria apresentou estabilidade no tempo (r = 0,02; t = 0,05).A segunda aproximao mais importante feita com a psiquiatria: "Mdico de louco"; "Em geral o psiclogo igual ao psiquiatra"; "Pra comeo de conversa nem sabem que existe (pelo menos no interior) e freqentemente confundem com o psiquiatra". Tambm aqui no se rejeitou a hiptese nula de estabilidade (r= 0,05; r-0,15).Ainda estvel no tempo (n=0,09;t= 0,24) foi a aproximao da psicologia psicanlise, mas com um nmero de respostas bem menor que em relao psiquiatria. Exemplos tpicos so: "A imagem de um paciente deitado no div, contando sua vida"; "Algum menos louco do que ele, que tenha um div onde ele possa se esquecer ou passar seus problemas".O carter espordico das duas categorias restantes (pedagogia e intelectual) no permitiu anlise estatstica.A categoria guias espirituais engloba respostas distribudas em duas subcategorias, pai-de-santo e padre, ilustradas a seguir. O rtulo pai-de-santo inclui as figuras do bruxo, adivinho, mago, que aparecem em frases do tipo: "Misto de pai-de-santo com profissional de segunda categoria"; "O pblico leigo imagina o psiclogo como um bruxo"; "Um mago com poderes de resolver, a curto prazo, todo os problemas"; "A imagem do santo milagroso, s no tem romaria". Esta imagem tem estabilidade no tempo (r= 0,41;t= 1,19).A aproximao do padre, bem menos freqente que a anterior, surgiu em respostas como: "A mesma de um padre que d conselhos, interfere na vida de seus fiis pecadores". No foi feita anlise estatstica.A categoria confidentes rene com igual freqncia as figuras do pai, do conselheiro e do amigo. Tambm foi registrada, embora com baixa freqncia, a figura bab. Exemplos: "Um conselheiro, prolongamento atual da imagem do pai"; "Amigo pago"; "Bab de louco".Uma segunda sistematizao foi feita, distinguindo os diferentes tipos de atribuio feitos pelos sujeitos a respeito do psiclogo. Sero apresentados, em primeiro lugar, os dados que refletem valorao negativa, por serem os mais freqentes (Tabela 4), e, finalmente, dos dados que refletem valorao positiva, para que se possa terminar o trabalho com uma nota mais agradvel (Tabela 5).

Conforme consta daTabela 4, as descries prendem-se a trs aspectos: os relativos ao conhecimento de que dispe o psiclogo, ou seja, o que sabe; os relacionados sua prtica, isto , o que faz; os que mencionam caractersticas pessoais, dizendo-nos como .O conhecimento de que o psiclogo dispe para exercer sua profisso foi transmitido por frases que expressam as idias de incompetncia, sub-cincia, saber menor. Exemplos: "Uma imagem ruim, que os psiclogos no tm conhecimento para executar um trabalho srio"; "Um subprofissional"; "Secretrio de psiquiatra". Foi encontrada estabilidade no tempo para esta categoria (r = 0,40; t = 1,16). Sob o rtulo elitista foram colocadas respostas que caracterizam o psiclogo como "Um profissional do bl, bl bl e, ainda por cima, atuando apenas com a elite"; "Algum no to necessrio sociedade, um capricho e privilgio de umas poucas pessoas"; "Uma frescura usada s por gente rica". Este conceito mostrou-se estvel no tempo (r=0,10;t= 0,27).O emprego do rtulo charlato traz baila a idia da cobrana ilegtima pelos servios prestados: "Um charlato, sem funo eficaz para a sociedade"; "Radicalmente falando, um charlato que cobra caro pelo que aprendeu numa faculdade 'fcil' " ; "No muito boa. Eles a marginalizam demais, taxam os psiclogos como charlates"; "No resolve os problemas e tira o dinheiro dos outros". Esta categoria tambm estvel no tempo (r-0,64; t=2,19).A categoria desacreditado engloba respostas que fazem referncias genricas ao descrdito, preconceito e at desprezo com que visto o psiclogo: "A imagem pssima e preconceituosa"; "Acho que despreza, por dar um enorme valor ao mdico"; "Descrena total na maioria. Mas aparentemente o conceito do psiclogo tem melhorado um pouquinho". A anlise estatstica no rejeita a hiptese nula de estabilidade (r =0,63; t = 2,15)Menos freqente, aparecendo uns anos sim, outros no, temos a categoria "Amigo pago", que atribui ao psiclogo um conhecimento do senso comum.Com relao s respostas que se referem ao que o psiclogo faz, temos trs subcategorias: a primeira, invasor e temor de invaso rene as respostas que definem a atividade do psiclogo como sendo a de um invasor da privacidade ou despertando tal temor: "Abelhudo"; " aquele intrometido que adora fazer perguntas";"Muitos tm at medo de conversar com psiclogos com o receio de estarem sendo analisados"; "O pblico tem medo de falar com psiclogo, com receio que este descubra algo de sua vida". Esta categoria diminuiu significativamente com o tempo (r = -0,80; t = 53).A segunda subcategoria, medo da loucura, rene referncias do tipo: " Infelizmente, para eles os psiclogos tratam de loucos e por isso muitas vezes o indivduo evita, mesmo que necessrio, procurar um psiclogo por causa deste preconceito"; "Eles resistem a procurar um, se preciso, porque acham que isso para loucos"; "A maioria tem um grande preconceito, 'eu no sou louco', no preciso contato com psiclogo". Foi encontrada estabilidade no tempo (r = -0,58; t = 1,89).Finalmente, a terceira subcategoria, menos freqente que as anteriores, manipulador e temor da dependncia, engloba respostas que indicam que "O psiclogo algum que se intromete na sua vida e tenta mold-lo"; "O psiclogo vai criar em cima do paciente uma relao de dependncia"; "Ir a um psiclogo sinal de fraqueza".Vejamos agora como o psiclogo. A descrio mais freqente e recorrente, em todos os anos analisados, a que afirma ser o psiclogo louco, pirado, enccado, anormal, desequilibrado, diferente: "Sinceramente, o psiclogo visto como um maluco problemtico que, alm de seus problemas, ainda quer resolver os dos outros"; "O psiclogo visto como um indivduo cheio de problemas que no tem capacidade de resolver o problema de ningum"; "Geralmente como um 'ser' estranho e muitas vezes ouve-se dizer 'todo psiclogo louco"'. Esta categoria apresentou estabilidade no tempo(r = 0,13; t= 0,35).As trs outras categorias restantes aparecem esporadicamente e descrevem, respectivamente, "aquela chata do colgio", atribuem caractersticas de frieza e desumanidade ao psiclogo ("Pessoa essencialmente fria, desumana, voltada aos problemas numa relao sdica, sem campo de ao definido...") e de indeciso ("Pessoa que fez psicologia porque no sabia o que fazer").A imagem positivamente valorizada do psiclogo (Tabela 5) no contm referncias ao aspecto do conhecimento, mas to somente prtica e caractersticas pessoais.Um exame daTabela 5mostra uma variao na atuao do psiclogo, desde a capacidade quase mgica para solucionar problemas alheios at a capacidade de solucionar apenas os prprios. Sob a rubrica de superpoderes foram reunidas afirmaes do tipo "O psiclogo mistificado como uma pessoa que tem o dom de entender e curar tudo e todos"; "Uma imagem de salvador dos homens". Foi encontrada estabilidade no tempo r = 0,13; t = 0,35).A categoria que concentra maior nmero a que contm respostas que simplesmente afirmam a capacidade de resolver os problemas das pessoas: "Um resolvedor dos problemas dos outros"; "Uma pessoa a quem recorrer para resolver problemas".As duas subcategorias restantes so bem menos freqentes e referem-se: necessidade de se recorrer ao psiclogo em certas ocasies, como "Resolver os problemas do filho que repete o ano na escola" ou, ainda, "S util para cuidar de loucos ou algem com problemas muito srios"; e soluo dos prprios problemas, como capacitar as mulheres a "Cuidar dos filhos e coisas do gnero".Finalmente, as atribuies de caractersticas pessoais, como no caso das apontadas como negativas, so pouco freqentes e mencionam os atributos: seguro, inteligente, paciente, honesto e digno de admirao, em frases como "A imagem de uma pessoa segura, que compreende, que tem um saco enorme e que sabe dar conselhos"; "Uma pessoa muito inteligente, capaz de saber tudo o que pensamos". No foi feita anlise estatstica desses dados.DiscussoO contedo das informaes, transmitidas pelos sujeitos desta pesquisa, que mostram que a psicologia conhecida principalmente como psicologia clnica, no discrepa do que realmente acontece em nosso meio. Desde as pesquisas de Mello (1975) e Carvalho e Kavano (1982), entre outras, sabe-se da marcada preferncia, por parte dos que cursam psicologia, por esta rea de atuao.Tambm o fato de ocupar um espao entre outras profisses e a aproximao principalmente da psiquiatria so fatos explicveis. A atuao na rea clnica torna plausvel a aproximao da psiquiatria. Se a anlise das informaes coletadas se restringisse a este aspecto, os resultados do trabalho poderiam at ser considerados gratificantes, dado o prestgio da medicina em nosso meio. Mas o fato de se ter encontrado que quase dois teros das avaliaes so negativas e que as referncias ao conhecimento, prtica e pessoa do psiclogo so, para dizer o mnimo, pouco lisonjeiras, merece reflexo e uma busca de explicao.Uma primeira pista neste sentido foi fornecida pela pesquisa de Carvalho e Kavano (1982), que permite conhecer a perspectiva dos psiclogos recm-formados em So Paulo, no que concerne a sua opo macia pela atuao em clnica. Segundo as autoras, os psiclogos so atrados pela natureza dessa atividade, "pelo fato desse tipo de trabalho ser percebido como umarelao direta e ntimacom pessoas, e uma relao de ajuda". Continuam as autoras: "...o modelo que estas justificativas expressam a atuao teraputica, principalmente no modelo de psicoterapia individual prolongada"... "ajuda" aqui tem uma conotao muito especfica, a de aliviar sofrimento psicolgico, angstias, etc", (p. 10; grifos no original). E mais adiante: "O que a atuao clnica oferece aos psiclogos, portanto, e que tanto os atrai, parece ser a possibilidade depenetrar no outro,conhec-lo, estabelecer com ele um certo tipo de relao" (p. 11; grifo nosso). Alm da justificativa pela natureza da atividade, as autoras consideram ainda "a importncia das justificativas referentes acondies pessoaispara a opo pela clnica, condies essas que, com poucas excees, consistem em "vocao" ou "jeito" para o trabalho... parece-nos que este tipo de justificativa expressa, no propriamente umaposio tericaa respeito dessa questo, mas sim umaviso leigae relativamente ingnua sobre a natureza do trabalho clnico" (p.12; grifos nossos).O que estas observaes sugerem que a imagem do leigo, detectada na presente pesquisa, no fruto de gerao espontnea. Todavia, como aponta Moscovici (1976), as representaes no so mero reflexo de um objeto ou conjunto de idias geradas no contexto da cincia, mas so fruto de um processo ativo, pelo qual os dados so reconstrudos em um contexto de associaes, valores etc.O resultado deste processo ativo, como se viu, foi representar a relao ntima e direta, de ajuda, como invaso indevida de privacidade, que permite 'radiografar' a mente das pessoas, devassar segredos, criar dependncia. E, na medida em que esta relao mediada pelo dom, pela intuio, jeito e no baseada em algo racional, compreensvel e transmissvel, o psiclogo passa a ser aproximado de outras categorias sociais que reclamam para si dons e funes semelhantes. Tambm no favorvel a aproximao da psiquiatria, pois a palavra mdico vem quase sempre acompanhada de aspas e psiquiatra vem precedida de 'sub' ou 'secretrio de'. E tudo isto se volta como um bumerangue contra a pessoa do psiclogo, que taxado de abelhudo, louco, pirado, encucado e, ainda mais, desonesto, pois cobra caro por servios que no so to especializados assim. um 'amigo pago' ou, na pior da hipteses, 'charlato esfaqueador de bolsos da elite ftil'. E, mais uma vez, tem-se que concordar com Moscovici (1976), o veredicto precede o julgamento: se as coisas so assim, arriscado experimentar!No parece imprprio, mesmo considerando as diferenas de objeto e contexto, comparar nossos resultados com os obtidos por Moscovici (1976) acerca da imagem do psicanalista na Frana, dadas as semelhanas que sero apontadas a seguir e as interpretaes oferecidas pelo autor.2As aproximaes so praticamente as mesmas. O psicanalista aproximado do mdico (45%), do psiclogo (51%), do padre (13%), no faltando at meno ao mgico (pp. 155-156). Novas semelhanas surgem quando o autor discute os critrios usados pelos sujeitos para organizar a imagem do psicanalista. A normalidade ilustrada por frases que soam muito familiares: " um ser normal como os outros"; "Uma esprie de louco por viver entre anormais"; "Eu o vejo como um homem perigoso, que deve ser preso; sendo louco, julga os outros por si e, quanto menos louco se , mais julga que se est perturbado" (p. 162). Comenta o autor: "A figura do psicanalista, ora aparece rodeada de um halo de sabedoria e equilbrio, ora imersa em um mundo estranho e perigoso. No sua inteno se comunicar com seus doentes? Devido a isto, pode tanto permanecer equilibrado, como ser contaminado por eles, a no ser que tente generalizar seus prprios problemas" (p. 163). O leitor deve julgar a adequao destas observaes aos dados desta pesquisa.Mas as semelhanas no param por a. Referindo-se ao outro critrio, os atributos profissionais, alm daqueles de um mdico um tanto especial, de um filsofo, humanista, o autor identifica ainda uma exigncia de vocao, abnegao e pureza de inteno, que deve existir em sua relao com o cliente. E, a par desta elevada exigncia moral, o autor encontra a acusao de charlatanismo. E oferece as seguintes ponderaes.As qualidades exigidas visam a contrabalanar a inquietao que sua atividade desperta: "(ele) detm um poder inquietante, pois pode influir sobre o destino dos indivduos e a sociedade no tem qualquer meio de controlar sua ao" (p.163). O charlatanismo est ligado questo do dinheiro e assume vrias significaes. O psicanalista acusado de ser um simulador, criador de iluso, pois joga um jogo em que no acredita, visando a ganhar dinheiro ou exercer influncia. "Paga-se caro para que ele d a impresso de ser um amigo ..." (. 163). Ou, ainda, torna a "psicanlise moda passageira, de sorte que o psicanalista precisa extorquir o mximo de dinheiro possvel em um breve lapso de tempo de sua clientela de snobs ricos". Finalmente, o dinheiro mancha a relao, pois "esta troca dinheiro-afetividade uma troca heterognea, sem equivalente possvel, ao mesmo tempo insatisfatria, desvalorizada, proibida" (p. 164). No h, como no caso do mdico, a legitimao do pagamento pela prescrio de uma receita.Finalmente, no se pode deixar de salientar uma diferena entre os dados dos sujeitos franceses e os dos brasileiros. Aqueles fornecem indicaes sobre o aspecto fsico do psicanalista: uma figura do sexo masculino, que lembra Freud (usa barba, culos e de idade madura, seu olhar penetrante). Poder-se-ia pensar que a ausncia deste tipo de descrio aqui se deve ao fato de a psicologia ter vrios pais e a psicanlise, um s. Para terminar, s mesmo lembrando o velho Guimares Rosa: "Cumprade meu Quelemen j dizia, viver muito perigoso". Que o digam os psicolgos!REFERNCIAS BIBLIOGRFICASCARVALHO, A. M. A.e Kavano, E. A. Justificativas de opo por rea de trabalho em psicologia: uma anlise da imagem da profisso em psiclogos recm-formados.Psicologia,1982,8(3), 1-18. [Links]MELLO, S.L.Psicologia e profisso em So Paulo.So Paulo: tica, 1975. [Links]MOSCOVICI, S.La Psicanalyse, son image et son public.Paris: Presse Universitaire de France. [Links]MOSCOVICI, S. The phenomenon of social representations. Em R. M. Farr e S. Moscovici (Orgs).Social representations.Cambridge: Cambridge University Press, 1981, pp. 3-69. [Links]1A anlise estatstica realizada com os dados julgados relevantes de todas as tabelas foi a mesma: calculou-se o coeficiente de correlao entre as porcentagens e os anos; obtido o r, passou-se ao clculo do t, usando-se a frmulae comparou-se com t crtico- 2,365 (7 graus de liberdade e p - 0,05). A frmula de t do programa SPSS (Statistical Program for Social Sciences). A hiptese nula foi de independncia entre o julgamento e a data, isto , de estabilidade do julgamento no tempo.2O autor indica que so dados oferecidos pela classe mdia e estudantes. Informa tambm que, em 47% dos casos, a representao do psicanalista neutra, em 29% positiva, em 11 % negativa e em 11 % no houve imagem.