A REPRESENTAÇÃO DA BAHIA NAS EXPOSIÇÕES … · Brasil na festa londrina, Margarida Neves...
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A REPRESENTAÇÃO DA BAHIA NAS EXPOSIÇÕES NACIONAIS DA PRIMEIRA
REPÚBLICA (1908, 1922 e 1923)
Cinthia da Silva Cunha1
Resumo: As Exposições ditas Universais ou Internacionais concorreram para elaborar novas
formas cênicas de apresentar e propagar o ideal da civilização burguesa desde a metade do
século XIX. O Brasil teve forte participação nestes eventos no exterior ou no país nas
primeiras décadas do século XX. Em 1908 e 1922, nesse ultimo ano uma exposição
internacional, foram realizadas no Rio de Janeiro. A exposição realizada em 1923 na cidade
do Salvador teve caráter também político em prol de um discurso identitário regional. O
estado da Bahia e a cidade do Salvador deram sua colaboração na celebração para estes
eventos com investimentos materiais, equipes executoras de perfil diversificado e acervos
variados. O objetivo da presente reflexão é apresentar e discutir os esforços baianos na
organização de exposições preparatórias, organizadas para a seleção de produtos e amostras
que representariam o estado na capital da República nos anos de 1908 e 1922, e comentar
aspectos da exposição de 1923 que formou um acervo regional, escolhido pelas comissões
organizadoras estaduais fornecendo subsídios para analisar elementos de uma síntese da
cultura baiana a ser legitimada através dessas formas expositivas.
Palavras-chave: Exposições, Primeira República, Bahia.
INTRODUÇÃO
As Exposições Republicanas ocorridas nos anos de 1908, 1922 e 1923 são os focos de
pesquisa em desenvolvimento visando analisar o esforço empreendido pela Bahia para
participar das Exposições Nacionais e todo o investimento material ou simbólico envolvido.
Ocorridas no período da Primeira República (1889 – 1930) fazem parte do período de
1 Doutoranda do PPG História/FFCH/UFBA. Bolsista FAPESB. Pesquisa em andamento sob orientação da
Prof.a Dr.a Suely Moraes Cerávolo.
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constituição de um novo modelo de estado e de sociedade mais ao gosto do republicanismo e
do liberalismo econômico. Nesse contexto, perceber as estratégias para organizar os eventos,
os discursos construídos e veiculados, os personagens envolvidos se faz necessário para
compreender o papel das exposições na elaboração de um discurso da Bahia em relação ao
país.
Com a finalidade de comemorar o decreto que estabeleceu a abertura econômica
brasileira e certa independência em relação à metrópole portuguesa, foi planejada uma grande
exposição para o ano de 1908. A festa foi elaborada para celebrar a abertura dos portos
brasileiros às Nações Amigas em 28 de janeiro de 1808, primeiro estágio do Brasil na
tentativa de um convívio igualitário com as ditas Nações Civilizadas. Segundo Margareth
Pereira, a exposição de 1908 pode ser considerada o grand finale de um primeiro tempo de
interações econômicas e culturais do Brasil com um mundo cada vez mais urbano e
cosmopolita. Parecia conveniente então celebrar a abertura dos portos com uma exposição que
sintetizasse o país e seus avanços em diferentes campos, fossem econômicos, tecnológicos ou
sociais. A Exposição de 1908 foi a sétima exibição nacional realizada no Rio de Janeiro.
Ainda segundo a autora, a exposição teve a visitação de mais de um milhão de pagantes em
três meses de evento. (PEREIRA, 2010, p.7-13).
A exposição internacional de 1922, celebrada no Rio de Janeiro, comemorou o
Centenário da Independência do Brasil, qualificada de Internacional, pois teve a participação
de alguns países convidados. Na Avenida das Nações, criada para o evento, que se estendia do
antigo Arsenal até o Palácio Monroe (onde funcionava o bureau de informações), alinharam-
se os palácios de honra das representações estrangeiras - Argentina, México, Inglaterra,
Estados Unidos, França, Itália, Portugal, Dinamarca, Suécia, Tchecoslováquia, Bélgica,
Noruega e Japão - sendo que alguns desses países ainda construíram 'mostradores' para a
exposição de seus produtos industriais na Praça Mauá (MOTTA, 1992, p. 68). Esta Exposição
Internacional além de comemorar a independência político-administrativa do país, procurou
mostrar a modernidade brasileira aos cidadãos locais e estrangeiros com toda a pompa e
circunstância.
Ainda temos a Exposição Baiana de 1923, comemorativa da denominada Conjuração
Baiana de 1823, dada por alguns cronistas da época como a verdadeira Independência do
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Brasil, pois, em 2 de julho foram expulsos do país os últimos contingentes de portugueses
monarquistas que residiam em terras baianas. Fontes de época revelam que esta data foi
menosprezada e mesmo ignorada pela grande celebração carioca. Esta exposição foi incluída
na pesquisa por entendermos que ela faz parte de um grande esforço de representar a Bahia,
sendo, porém, ao mesmo tempo, um evento criado para afirmar a posição de destaque da
sociedade baiana na construção da nacionalidade brasileira.
As exposições internacionais ocorreram desde a segunda metade do século XIX, a
primeira em Londres no ano de 1851, seguida com regularidade por outras mostras desse
porte até o século XX. O Brasil começou sua participação nesses eventos a partir do terceiro
evento internacional, realizado em Londres no ano de 18622. A Província da Bahia tem
documentadas exposições provinciais de 1861, preparatórias para de Londres em 1862, a
Universal de Paris em 1867, inaugurada na Bahia em 1866; a provincial para Viena de 1873,
inaugurada em 1872; a Exposição Universal de Filadélfia em 1876, inaugurada em 1875 e,
finalmente, para o período imperial, a de Paris de 1889, inaugurada a baiana em 1888
(CUNHA, 2010, p.57).
A Primeira República transforma o Brasil e a Bahia do viés político-administrativo ao
social. Neste momento algumas das cidades mais importantes da federação passam por
mudanças estruturais. O que temos no Brasil e mais especificamente na cidade do
Salvador/Bahia são medidas para transformar a estrutura colonial da cidade de ruas apertadas,
vielas escuras por onde transitavam escravos, libertos e brancos pobres, em uma cidade
burguesa, de grandes avenidas, jardins públicos, ampla e iluminada. É uma modernização dos
espaços públicos na tentativa de inaugurar a modernidade nacional pretendida desde o período
imperial. Nas palavras de Glaúcia Trinchão, o que houve no Brasil foi uma modernização
ocorrida antes de transformações sociais necessárias e decorrentes da implantação de
2 As primeiras exposições universais foram a de Londres (1851) e Paris (1855). Sobre a não participação do
Brasil na festa londrina, Margarida Neves argumenta que as dificuldades internas causadas pela Lei de Abolição
do Tráfico Negro (1850), além da pressão inglesa pelo cumprimento da lei ocuparam o governo brasileiro e, não
permitiu sua participação na Exposição (NEVES, 1986; 39). Talvez, também fosse constrangedora a
participação brasileira em um evento internacional sediado por um país com o qual o Brasil estava de relações
estremecidas. As Exposições Universais ou Internacionais ocorridas no período republicano brasileiro foram as:
Chicago (1893); Santiago – Chile (1894); Paris (1900); Nova York (1901); Saint-Louis (1904); Rio de Janeiro
(1908) e Turim (1911). Informações coletadas de Santos, Paulo Mesquita. O Brasil nas exposições universais
(1862 a 1911): mineração, negócios e publicações. São Paulo: UNICAMP, 2009.
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indústrias, isto é, sem ter raízes mais profundas para que houvesse uma real transformação
social. Ou seja, definida pela dependência de recursos captados no exterior, principalmente da
Inglaterra, com novas tecnologias e profissionais importados. O modelo parisiense de cidade
era o predominante, mas a tecnologia aplicada era a inglesa (TRINCHÃO, 2010, p. 44;
NEVES, 1986).
Coube ao regime republicano promover a capital federal a cartão postal do país,
através da execução de obras de saneamento e de embelezamento urbano. Plataforma política
do Presidente Rodrigues Alves, o saneamento da capital e a extinção das endemias
alavancaram o prestígio político de sanitaristas e engenheiros. Mirando-se no exemplo do
barão Haussmann que no século XIX conduzira a reforma urbana de Paris, a prefeitura do
Distrito Federal, na administração do engenheiro Pereira Passos (1903-1906), determinou a
destruição do velho centro de vilas apertadas, mal ventiladas e casarões coloniais para dar
passagem à elegante Avenida Central; jardins foram criados e reformados, os bondes
ganharam tração elétrica, um novo porto foi construído, um código de posturas urbanas,
impondo hábitos e costumes civilizados, foi instituído, e uma reforma sanitária foi
empreendida pelo sanitarista Osvaldo Cruz (MOTTA, 1992, p.48). Em paralelo houve
intervenções violentas no cotidiano da parcela mais vulnerável da população, como as
descritas por Nicolau Sevcenko (1989), com derrubadas de cortiços e de residências coletivas,
vacinações obrigatórias. Afinal, civilizar, sanear e modernizar a feição das cidades impunha
sacrifícios, exigidos às camadas pobres dos habitantes das urbis.
A ‘ditadura Passos’ como apelidado na época, criou leis de exceção para permitir
intervenções na cidade e na população, remodelando não só os espaços, visto que, avenidas
amplas e iluminadas dificultavam a desobediência civil e impediam que a turba tomasse a
cidade escondida atrás de barricadas (SEVCNEKO, 1989, p. 43). Profilaxia e saneamento
serviam ao grande projeto de civilizar o país e de ensinar boas maneiras ao povo. Todas estas
intervenções sanitárias culminaram na revolta da vacina, ocorrida em 1904, motivada pela
vacinação obrigatória e que ocorreu de forma muito violenta com depredações, populares nas
ruas, conflitos armados, mortes e bombardeio à capital. Conclui-se que essa rebelião
demonstra que o projeto sanitarista não considerava o direito à privacidade, muito menos
dialogava com a população.
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A cidade do Salvador não escapou desta onda modernizadora e conheceu em 1906
obras para ampliação do porto, e em 1910, o calçamento de ruas e entre os anos de 1912 e
1916, mais remodelagens em sua paisagem. Era preciso mudar e o promotor destas mudanças
foi José Joaquim Seabra em seu primeiro governo (1912-1916). Foram iniciadas obras no
porto da cidade, pavimentação de ruas, calçamento e saneamento do bairro comercial, além de
abertura de avenidas e construção de novos prédios (LEITE, 1996, p.52-53). Foram
contratadas obras de estruturação do fornecimento de água e rede de esgotos da capital baiana,
incorporadas novas formas de lazer. O tempo do ócio começa a ter uma conotação menos
negativa, no sentido de que os tradicionais divertimentos soteropolitanos como as festas de
largo, carnaval, festividades religiosas não satisfazem as camadas médias da sociedade baiana
seduzida pelo discurso da civilidade (FONSECA, 2000, p.11), razão para atribuir as
atividades culturais a função de civilizar a população. Frequentar parques públicos,
exposições, ir ao cinema passam a serem sinais de cultura elevada. As mudanças
incrementavam, portanto, novos costumes aburguesados.
De modo geral é um tempo de elaborar discursos sobre a viabilidade das gentes e da
riqueza nacionais. Deslocando para o cenário local temos o estado da Bahia e a cidade do
Salvador participando ativamente desses eventos, apresentando suas riquezas e
potencialidades embora silenciando sobre questões centrais e controversas que ficam nas
entrelinhas da transformação da sociedade. Nesse particular, até o momento as fontes sobre as
exposições passam ao largo de temas postos à margem ou considerados prejudiciais ao
‘espetáculo da modernidade’. Em especial a cidade negra do Salvador e a invisibilidade social
do contingente de ex-escravos na nova cidade. Desse ponto, pode-se perguntar se as
exposições eram ou não meras encenações e representações do desejo das elites.
Desde a segunda metade do século XIX, acontecem estas grandes exposições que
estão à procura de materializar visualmente a modernidade. E colaborando com este projeto
políticos, intelectuais e produtores que desejam fazer parte da sociedade do espetáculo
(DEBORD; 1997). Para tanto, grandes somas foram investidas mesmo em contextos locais
desfavoráveis. Como averiguado nas exposições provinciais, ocorridas no Segundo Reinado,
o peso do discurso da modernidade, conduziu a necessidade da Bahia estar inserida na
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especificidade deste momento histórico e que se revela até mesmo na nova configuração de
cidade e de vivência dentro da urbe.
As exposições republicanas podem ser consideradas eventos brasileiros, nacionais,
voltados para a construção de uma imagem positiva do país e da sua construção histórica. As
duas grandes exposições - a de 1908 e 1922 - comemoram o afastamento do domínio
português e aí reside uma das principais diferenças entre os eventos do século XIX e os do
nascente século XX. A distância a ser mantida não é de Portugal simplesmente, mas do
modelo de dependência colonial, do papel de coadjuvante. Neste momento o Brasil desejava
sua centralidade e independência.
A BAHIA NA EXPOSIÇÃO DE 1908
A Exposição de 1908, comemorativa da Abertura dos Portos às Nações Amigas,
realizada no Rio de Janeiro foi inaugurada com grande festa e ficou aberta ao público entre 28
de janeiro e 15 de novembro (HEIZER, 2007, p.3). Em 1908, o Brasil comemorou não
somente a abertura dos portos, mas sua entrada como agente partícipe da economia capitalista
internacional.
A Bahia começou a organizar sua participação desde 1907, com decretos que
destinavam créditos para a organização e realização da exposição. Em decreto de 27 de junho
de 19073, foram destinados dez contos de réis (10:000#000) para custear a exposição do Liceu
de Artes e Ofícios. Estes créditos citados na documentação baiana variam entre 10 a 4004
contos de réis, quantias altas se considerarmos a carestia em que vivia grande parte da
população soteropolitana. População que representava todo o atraso e incivilidade que se
devia transformar.
A cidade de Salvador era a terceira em população do país com 230.000 habitantes na
virada do século XIX, porém, entre os anos de 1889 e 1930, não apresentou relevante
diversificação da economia e industrialização. A política do encilhamento em 1890-91
3 Decreto nº470 de 17 de junho de 1907. Leis e resoluções do estado da Bahia no ano de 1907 e decretos do
poder executivo do mesmo ano/ Bahia: oficinas da empresa A Bahia, 1910. p.113. 4 Crédito concedido em 22 de janeiro de 1908. Crédito aberto à Secretaria do Estado pela Directoria da
Agricultura, Viação, Indústria e Obras Públicas para custear a construção do pavilhão e demais despesas da
exposição. Leis e Decretos do Estado da Bahia, 1908.
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estabeleceu no estado 32 fábricas, mas ainda assim, a Bahia não alcançou os índices de
industrialização dos estados da região centro-sul do país. A burguesia baiana era
essencialmente comercial. No setor industrial, os baixos salários, a exploração do trabalho de
mulheres e menores e as demissões nos períodos de agudização das crises econômicas gerais
ou locais compõem o quadro da vulnerabilidade em que vivia a população operária de
Salvador. Na área central da cidade se concentrava o contingente de negros, brancos e
estrangeiros pobres que trabalhavam nas docas na carga e descarga de produtos, mulheres que
vendiam alimentos, as que lavavam roupas de ganho, os mendigos compondo a massa da
população considerada perigosa e incivilizada, vista como uma ameaça às ambições
civilizatórias das elites políticas e intelectuais. Em virtude disto, os problemas enfrentados na
cidade remetiam sempre à cor ou à qualidade dos indivíduos. Os alvos preferenciais das
críticas ao atraso cultural e material de Salvador eram os pobres e negros da cidade (ASSIS,
1996; p.31-48).
Quando analisamos a cidade de Salvador, nas primeiras décadas do século XX
entrevemos um lugar cujos cidadãos tinham uma herança cultural negra forte e presente, uma
cidade de sambas, de festas de largo e de carnaval de rua, associada à pobreza e miséria de
seus habitantes. Uma Salvador longe do ideal pregado pelos civilizadores. Segundo Rinaldo
Leite, o jogo, a bebida e o samba representavam fatores de degeneração social e moral, além
de constituir um perigo para a ordem pública, uma vez que a ocorrência de tumultos, conflitos
e brigas estiveram, em diversas ocasiões, a eles associados. Além das festas, a religiosidade
popular também era considerada contrária aos ideais civilizantes. Toda e qualquer forma de
religiosidade popular assentada na incorporação de entidades, nas crenças espíritas ou nos
rituais mágicos era severamente condenada (LEITE, 1996, p.114-115).
O governador José Marcelino de Souza (1904-1908)5 escolheu os membros da
Comissão Organizadora da exposição preparatória da Bahia, composta por “cerca de cem
5 Nascido no engenho Nossa Senhora da Conceição, em São Filipe (Bahia), em 1848, filho do Coronel Joaquim
Anselmo de Sousa e de Delfina Rosa de Sousa (proprietários de terras). Graduou-se na Faculdade de Direito do
Recife em 1870. Atuou como Juiz de Órfãos na cidade de Nazaré (Bahia) entre 1875 e 1878. Elegeu-se deputado
geral para a legislatura 1886-89. Proclamada a República foi eleito Senador para a Assembléia Constituinte
estadual e participou da elaboração da Constituição do Estado da Bahia. Foi reeleito Senador em 1895. Ao fim
do mandato do governador Severino Vieira (1900-1904) foi por ele indicado para sucessor. A dissidência
Seabrista indicou o nome de Rui Barbosa para concorrer, mas este não aceitou. Candidato único, José Marcelino
foi eleito governador (1904-1908), apoiado pelo setor agroindustrial da burguesia baiana. Neste período a Bahia
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nomes de ilustres representantes do comercio, da indústria, da agricultura, dos institutos de
ensino, das classes militares, das artes locais, da imprensa, do operariado e de outros ramos
de nossa atividade produtora, a qual depois de reunida elegeu uma Comissão executiva de
nove membros, sob a presidência do Secretário geral do Estado, e a mesma incumbiu à
direção imediata de todos os trabalhos da Exposição neste Estado.” (Jornal A Bahia, 10 de
maio de 1908, p.1).
Foi dado início aos trabalhos de representar com brilho o estado na exposição nacional
que aconteceria no Rio de Janeiro, do mesmo modo que nos eventos do século XIX6. Tal
como antes foram expedidas solicitações de colaboração para as cidades do interior e
organizada uma exposição na cidade do Salvador. Fazendo circular na imprensa avisos quase
que diariamente em jornais locais de grande circulação, a exemplo do A Bahia e O Imparcial,
a Comissão executiva baiana, chamava a atenção para as comissões locais de municípios, e
“fabricantes, industriaes, proprietários, negociantes, particulares e quaesquer expositores
deste Estado”, dos prazos para envio de amostras e produtos. Os depósitos do Arsenal da
Marinha, localizado no atual bairro do Comercio (Cidade Baixa), recebiam e armazenavam o
que seria enviado de outros municípios. Estes produtos vinham geralmente por mar daquelas
cidades que então dependiam da navegação de cabotagem. Publicar esses informes
diariamente, na primeira página dos diários, deixa entrever a importância dos eventos e a
necessidade de envolver o Estado na participação nos eventos locais e nacionais7.
vivia grave crise financeira, com atraso de oito meses no pagamento de seu funcionalismo. Em sua
administração, modernizou as técnicas agrícolas, especialmente da cana de açúcar; ampliou o sistema de
transporte fluvial, maritimo e ferroviário do estado. Adotou controle rigoroso de gastos e aumentou a
arrecadação taxando o funcionalismo público, incluindo os aposentados. Cortou subvenções estatais a
instituições de ensino, entre elas, a Faculdade de Direito, a Escola Politécnica, a Escola de Belas Artes e o Liceu
de Artes e Ofícios. Em 1906, foi ferido em um atentado a bordo do Vapor Mauricio Wanderley. Em 1907, José
Marcelino rompeu com Severino Vieira que deveu-se a divergências em relação à sucessão estadual. Marcelino
indicou João Ferreira de Araújo Pinho, mas Severino Vieira lançou o nome de Inácio Tosta. A disputa foi
vencida pelo grupo marcelinista que elegeu Araújo Pinho.
http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/MARCELINO,%20Jos%C3%A9.pdf acesso
em 16/06/2016 6 Formada a Comissão da Exposição Provincial, cujos membros eram escolhidos pelo Presidente da Província,
iniciavam-se os pedidos aos inventores, artistas, donos de indústrias e demais produtores. Começava o envio de
amostras de suas criações para comporem o espaço da exposição. Estes produtos passariam por um Júri de
Qualificação e, caso fossem escolhidos, apareceriam na mostra nacional na Capital do Império, a cidade do Rio
de Janeiro (CUNHA, 2010, p.62). 7 Jornal A Bahia, 4 de janeiro de 1908, capa.
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O local escolhido para abrigar a exposição preparatória foi o Liceu de Artes e Ofícios,
criado em 1872, no momento em que tomava espaço o interesse pelo mundo do trabalho se
acentuava e o debate em torno do trabalho escravo versus o livre para a construção de uma
nova sociedade mais progredida. Passa então a vigorar o discurso voltado à fundação de
escolas com características profissionalizantes, para a instrução de artistas e operários. A
Sociedade de Artes e Ofícios da Bahia, além da beneficência tinha por finalidade promover o
desenvolvimento das artes e ofícios entre os sócios e seus filhos. Para a realização de tais
objetivos a Sociedade fundou um Liceu, oficinas, biblioteca, passou a realizar exposições
públicas e promover viagens dos alunos à Europa. A primeira sede era alugada ao Barão de
Pereira Marinho por quinhentos e cinquenta mil réis (550$000) anuais e se situava na rua
Direita do Palácio, atual rua Chile. Dois anos após sua inauguração foi adquirido para sede da
Sociedade, o Paço do Saldanha, edifício colonial pertencente ao Barão de Pirajá e foi pago na
transação de compra quarenta contos de réis (40:000$000) (LEAL, 1995, p.39-136).
No Liceu de Artes e Ofícios as exposições representaram, desde a sua criação, uma
forma de estimular o desenvolvimento das artes e divulgar a instituição através dos trabalhos
executados pelos alunos e sócios, assim como de pessoas externas. A primeira foi realizada
em 1875, por ocasião da transferência da sede para o Paço do Saldanha. De acordo com a
documentação pesquisada o Liceu dispunha do espaço necessário à exposição e seleção dos
objetos baianos que iriam figurar na capital então do Império brasileiro. Mas no período
inicial da República, a entidade passava por crise de arrecadação, entre 1905-1906, o número
de sócios teve uma brusca queda para 471 - dos 2216 registrados no ano de 1898. Nos anos de
1908 e 1909 sua receita era de 33:921$140 e a despesa de 35:444$068 (LEAL, 1995; p.147-
152-226). Sócio benemérito, José Marcelino de Sousa, governador do estado, em fala
publicada no Jornal A Bahia, relatava com pesar que a construção do “Pavilhão destinado à
Exposição Preparatória e à Permanente dos nossos produtos” não estaria concluída em
tempo de “realizar a nossa Exposição Preparatória, e fazermos a seleção dos que deveriam
figurar na Exposição Nacional, o que seria de grande vantagem”. Ainda assim, no contexto
de crise financeira, o governador acreditava na necessidade “de grandes utilidades resultantes
de uma Exposição Permanente, justifica perfeitamente a minha resolução de fazer construir
10
para esse fim o aludido Pavilhão do Lyceu de Artes e Ofícios, e para o qual solicito também a
vossa aprovação”8.
Em março de 1908, ainda com a chegada dos materiais e acervos para a exposição
preparatória vindos de diversos pontos do Estado, a marcha dos trabalhos se intensifica, os
delegados designados nos municípios são cobrados a acelerar suas entregas para que se
proceda a organização e classificação dos produtos. Sai publicado no jornal A Bahia:
Continuam a ser feitos caixões para acondicionamento dos volumes.
Continuam a chegar productos de diversos pontos do Estado.
Espera-se, com interesse, boa representação por parte dos municípios de
Campo Formoso e Nazareth, taes as notícias destes pontos recebidas.
Da zona do S. Francisco são também esperados muitos productos.
Na reunião de hoje, por falta de notícias do sr. Ignacio de Mendonça,
delegado de Lavras, Caetité e Rio de Contas, deve ser nomeado mais outro
delegado.
O dr. Arlindo Fragoso deverá hoje propor a nomeação de um engenheiro
para ir ao S. Francisco organizar uma coleção de peixes9.
Além da recepção e seleção dos produtos que seriam encaminhados ao Rio de Janeiro
havia mais preparativos e o tempo urgia. Na documentação levantada não há indício da
ocorrência da exposição preparatória ou de seu cancelamento, mas a projeção de expectativas
em relação ao desempenho baiano no evento carioca produziu parcerias entre o governo
baiano, a comissão organizadora e, particulares de perfis os mais diversos. Para a construção
do Pavilhão da Bahia de 1908 na capital foi contratada a empresa do arquiteto italiano
Raphael Rebecchi, autor de algumas obras na cidade do Salvador no final dos anos vinte do
século XX: o banco Francês Italiano na Cidade Baixa e uma agência telegráfica no largo da
Barra (PUPPI, 2010, p.642). O arquiteto paisagista Arsene Puiteman cuidaria dos jardins do
pavilhão citado como: “neste genero a maior, senão única, competência do paiz”10. Esse
pavilhão majestoso, projetado para dar o devido brilho a exposição baiana foi orçado e
contratado por duzentos e vinte contos de réis (220:000#000).
8 A BAHIA, domingo, 10 de maio de 1908. Mensagem a ser apresentada à Assembleia Geral Legislativa do
Estado da Bahia pelo governador Dr. José Marcelino de Souza em o ano de 1908. 9 Jornal A Bahia, quarta-feira, 19 de março de 1908. EXPOSIÇÃO NACIONAL, p.1. 10 Do sr. dr. Sergio de Carvalho telegrama ao sr. dr. Arlindo Fragoso, a respeito da construção do pavilhão da
Bahia, na Exposição Nacional, 07 de maio de 1908, publicado no jornal A Bahia, em 08 de maio de 1908.
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Custear a exposição de 1908 acarretava alguns sacrifícios. Segundo o jornal Gazeta do
Povo em nota publicada em 4 de julho de 1908, o Estado da Bahia passava por uma grave
crise financeira, os vencimentos do funcionalismo público em atraso e sérios embaraços para
cumprir a execução do programa da exposição. Ainda assim, em toda a nota, não existe sinal
de repúdio ao Governador ou aos valores gastos para a exposição. Os apelos presentes nas
notas dos jornais pesquisados sempre enfatizam o esforço patriótico que deveria ser feito para
levar adiante a representação da Bahia nestas exposições quer nas realizadas no período
imperial, quer nas republicanas. Os objetivos mais evidentes da participação baiana era expor
com brilho as potencialidades e qualidades dos produtos e produtores locais em nome do
festejo da nacionalidade brasileira, afirmar a identidade baiana e se alinhar ao projeto nacional
de modernidade. De maneira recorrente, as palavras: patriótico, riqueza, nacionalidade,
progresso e modernidade aparecem nos discursos, nas notícias de jornais; tornam-se palavras-
chave condutoras das ações dos envolvidos na organização.
Para os reformadores republicanos a questão do controle social era a meta fundamental
subjacente à ideia de intervenção. Eles tentavam, por meios coercitivos e cooptativos
disciplinar e normatizar as relações entre os homens, e entre estes e as coisas, tanto nos
espaços públicos quanto no espaço privado (ASSIS, 1996, p.17/18). Os meios coercitivos são
as ações policiais de contenção e ordenamento da população nas ruas; a coerção na vacinação
obrigatória; o estabelecimento de regras de convívio e de punições para os transgressores; as
posturas dos municípios; enfim, todas as regras e condutas policiais ou policialescas que
interferiam no âmbito público e privado. Podemos entender as exposições como eventos
cooptativos, pois, procuravam convencer pela sedução da imagem e do discurso e moldar o
comportamento social de quem as organiza e visita. É um evento voltado a tornar o padrão
burguês de comportamento a norma geral.
Para que o espetáculo fosse convincente e exitoso foram selecionados para a exposição
artigos e produtos dos mais variados tipos, formas e origens compondo uma vitrine das
possibilidades econômicas da Bahia, do talento de produtores e artistas, e mostruário da fauna
e flora do estado. Selecionados, classificados e relatados foram incorporados em catálogo para
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distribuição. O encarregado da classificação foi o dr. Arlindo Fragoso11, intelectual e político
santamarense. Entusiasta e envolvido em todas as etapas da elaboração da exposição baiana
tinha as credenciais necessárias para a árdua tarefa.
Segundo o jornal A Bahia, datado de 19 de março de 1908, um dos trabalhos mais
importantes do processo de organizar uma exposição é a classificação dos produtos. Separar,
organizar e classificar os produtos em um catálogo era um exercício de proporções
enciclopédicas. Categorizar as famílias dos vegetais, os tipos de fibras têxteis, os animais da
fauna nacional, separados por grupos e famílias. Enfim, o trabalho de classificação para
compor o catálogo informativo exigia conhecimentos diversos, multiplos, encyclopédicos,
comparações extraordinárias, bom senso prático, estudo sobre catálogos de outras
exposições, enfim um conjunto de estudos, experiencia e observações que a nem todos
possível é fazer12. A partir da entrega dos produtos, da finalização do pavilhão e edição dos
catálogos, estava pronta a representação da Bahia para a exposição nacional de 1908.
A BAHIA NA EXPOSIÇÃO DE 1922
Em 1922, temos a Exposição do Centenário do Brasil, inaugurada no dia 07 de
setembro de 1922 e ficou aberta a visitação até dia 24 de julho de 1923. Este evento chegou a
receber 14 mil pessoas em um só dia e um público de 175 mil visitantes no mês de fevereiro,
considerado o mês mais fraco do período da Mostra (MOTTA, 1992, p.68-72). Participaram
neste certame 25 seções representativas dos principais ramos de atividades econômicas
desenvolvidas no país, além de pavilhões expositivos de Nações convidadas. O pórtico de
entrada da área expositiva representava a “ante-sala do Paraíso” (Idem, p.66), mostrando aos
11 Arlindo Coelho Fragoso, nascido em Santo Amaro (1865). Fez curso superior na Escola Politécnica do Rio de
Janeiro, recebeu o diploma de engenheiro civil e o título de bacharel em matemática. Foi proprietário do Jornal
Comercial de Santo Amaro (1890-1895). No final do governo de Rodrigues Lima (1892-1896)foi nomeado
diretor da Secretaria de Agricultura, Viação, Indústria e Obras Públicas da Bahia. Por sua iniciativa foram
fundados o Instituto Politécnico e a Escola Politécnica da Bahia da qual foi diretor e professor. Foi diretor da
seção de contabilidade da Inspetoria das Estradas de Ferro do Brasil (1910-1912). No governo de J.J. Seabra
(1912-1916) foi nomeado Secretário Geral de Governo. Em 1917, fundou a Academia de Letras da Bahia, sendo
responsável pela organização da instituição. Elegeu-se deputado federal pela Bahia nas legislaturas de 1918-
1920 e 1921-1923. Faleceu em 1926, no Rio de Janeiro. Publicações: Estudos sobre a análise cinemática (1887),
Escola Agrícola da Bahia e Dois mundos (1893); Instrução Popular; Seguro sobre a Vida; Notas econômicas e
financeiras (1916); O espírito...dos outros (1917); Águas e esgotos da Bahia; e o Museu Escolar. 12 A Bahia, Quarta-feira, 19 de março de 1908, p.1.
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visitantes toda a evolução técnica do país em uma grande propaganda dos tempos modernos
que se iniciavam.
O estado da Bahia, como de praxe, recebeu o convite a participar da festa e começou
seus preparativos. Os créditos abertos para financiar os trabalhos foram bem mais modestos
que os gastos de 1908, iniciados com uma subvenção de sessenta contos de réis (60:000$000),
aberto por decreto de 31 de março de 192213. A exposição preparatória é gestada e volumes
com produtos diversos chegam de vários municípios do estado, alguns deles com mostruários
próprios, caso dos municípios de Ilhéus e Cachoeira, o último apresentando mármores róseos
e brancos. Canavieiras enviando 12 volumes, Cachoeira 03 volumes, 22 de Ilhéus e, 03
volumes de Camamu14.
Desta vez, o local escolhido para a exposição preparatória foi o andar térreo do Palácio
Rio Branco, localizado na Praça Tomé de Souza. A exposição foi inaugurada dia 2 de julho de
1922, pelo dr. Pedreira Franco15, com a presença do Secretário de Agricultura Barbosa de
Souza16 e mais autoridades e apresentação musical da banda da polícia militar foi apresentada
uma pequena porção do que seria levado ao Rio de Janeiro para a exposição nacional.
Mesmo com a exposição temporária encerrada o recebimento de volumes continuou.
Dia 20 de julho, segundo nota do jornal O Imparcial, a exiguidade do tempo para a
inauguração da exposição nacional exigia que os auxiliares da comissão dr. Edgard Pereira,
13 LEI N.1,558. DE 13 DE JULHO DE 1922. Aprova o crédito de sessenta contos de réis, (60:000$000), aberto
por Decreto n.2.801, de 31 de março de 1922, para ocorrer às despesas com a representação econômica da Bahia,
na Exposição Comemorativa do 1º Centenário da Independência Política do Brasil. 14 O IMPARCIAL, quinta-feira, 05 de julho de 1922, p.1. 15 Nascido em Jacuípe- Bahia, em 1859. Concluiu o curso superior de engenharia na Escola Politécnica do Rio
de Janeiro. Em 1891, elegeu-se deputado à Assembleia Constituinte baiana. Foi nomeado chefe de seção da
Estrada de Ferro Bahia a São Francisco, sob a direção de Miguel de Teive e Argolo. Foi eleito deputado federal
pela Bahia (19106-1908). Depois, foi nomeado fiscal da Estrada de Ferro Central da Bahia e engenheiro das
obras de melhoramento do Posto Paraíba. No governo de Antônio Muniz (1916-1920) foi Secretário de
Agricultura, Indústria, Comércio, Viação e Obras Públicas. Trabalhou para concluir obras importantes como:
Palácio Rio Branco; Palácio da Aclamação; Vila Policial e o Asilo São João de Deus. Iniciou a construção do
Hospital do Isolamento, Biblioteca Pública, da Secretaria da Fazenda e do Tesouro do Estado. Organizou o
Mostruário Baiano e a Inspetoria de Serviço Agronômico, instalando o Campo de Experimentação Antônio
Muniz no bairro de Ondina, em Salvador. In http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/FRANCO,%20Joaquim%20Pedreira.pdf – acesso em 14/07/2016. 16 José Barbosa de Souza (1920-1924) foi diplomado na Escola Agrícola da Bahia, em São Francisco do Conde,
e era funcionário de carreira da secretaria.
http://www.seagri.ba.gov.br/sites/default/files/Secret%C3%A1rios%20da%20Agricultura%20de%201895%20a
%202010.pdf - acesso em 14/07/2016
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Humberto Barbosa e Alcindo Correia se deslocassem ao interior do estado para agilizar a
captação e seleção de produtos. Chegavam volumes de várias regiões do estado e eram
rapidamente enviados ao Rio de Janeiro:
O dr. Pedreira Franco, presidente da Comissão de Representação da Bahia na Exposição Internacional
da Independência, enviou à Comissão Organizadora da referida Exposição, no Rio, por intermédio de
seu delegado aqui, dr. Gratulino Melo, mais de quarenta e um volumes (41), que juntos aos duzentos e
oitenta e um (281), já remetidos, perfazem trezentos e vinte e dois (322), contendo, ao todo, três mil
duzentas e setenta e oito (3278).
Continuam a chegar do interior muitos produtos.
Segundo telegrama do intendente de Belmonte ao dr. Pedreira Franco, o vapor 'porto seguro' trará
amanhã doze (12) volumes grandes.
(O IMPARCIAL, sexta-feira, 11 de agosto de 1922, p.2).
Mais e mais volumes, caixas com os mais variados materiais são recebidos. Produtos
agrícolas, pedras preciosas e semipreciosas, amostras de manufaturas, trabalhos de arte,
qualquer objeto utilitário ou não, que pudesse fazer boa figura na capital da República. Até
mesmo trabalhos de arte de senhorinhas são selecionados, em 01 de agosto de 1922, o jornal
O Imparcial, descreve a admiração por uma bela corbeille decorada com flores, um ‘mimo de
arte’. No dia 30 do mesmo mês, O Imparcial volta a noticiar e exaltar os produtos baianos que
vão à exposição nacional. Nesta exposição, os estados não construíram pavilhões próprios, os
produtos são expostos no Palácio das Indústrias separados por seções. E nesse rol que
aparecerá a Bahia, com aquilo que a sua industria, a sua lavoura, os seus artistas, os seus
inventores mostrarão o gráo de progresso, de adiantamento, de cultura que ella atingiu, ao
comemorarmos o 1º centenário da independência do Brasil. Um total de 520 volumes
enviados, segundo informa o delegado do estado na Exposição, sr. Gratulino Mello, de
amostras de minerais e madeiras; um quadro de brilhantes com o retrato do Conselheiro Ruy
Barbosa, avaliado em duzentos contos de réis; trabalhos de madeiras remetidos da cidade de
Feira de Santana; cereais, fumo, fibras, resinas, óleos, tecidos trabalhados artesanalmente;
inventos como a turbina reversível do sr. Leocádio Dias, adaptada a uma lancha construída
nas oficinas da Navegação Bahiana, será ela ali apreciada devidamente. Essa lancha tem o
nome de Barbosa de Souza e segue também para o mostruário baiano, o hidroplano Pinheiro
do engenheiro Oscar Rabello.
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Já os países convidados, segundo a publicação acima citada, prepararam pavilhões que
eram verdadeiros palácios, onde apresentariam seus produtos e obras de arte.
Uma das características marcantes das exposições brasileiras são os quadros
estatísticos apresentando resumidamente dados de população, produção econômica,
importação e exportação e, mesmo sobre clima e incidência de chuvas. Para a exposição de
1922 foram elaborados 120 quadros com informações sobre: receita e despesa do estado
(1839 a 1921); importação e exportação (1839 a 1921) com a especificação dos principais
produtos, tonelagem e valores em libras esterlinas; movimento fabril da Bahia (1910 a 1921)
com identificação das fábricas, número de operários, entre outras informações descritivas,
além de inúmeras tabelas sobre o movimento ferroviário e, demais transportes de
mercadorias. Este volume de informação estatística tinha por objetivo construir uma visão de
prosperidade, propagando a noção de que o país e, especificamente, o estado da Bahia
possuíam viabilidade financeira, sendo atrativo para investidores locais e estrangeiros.
Além de espetáculos visuais, as exposições eram grandes sínteses dos países
participantes, como promessas de futuro melhor, cuja cenografia cuidava de promover estas
promessas e cativar os visitantes. As Exposições, desde as Universais às de menor porte
celebradas no Brasil, elaboradas desde a segunda metade do século XIX, tiveram por objetivo
propagar a sociedade burguesa europeia como modelo. Os países anfitriões e os convidados à
participação colaboram para que a chamada ‘arena pacífica’ ou ‘festa do trabalho’ alcançasse
o maior número de visitantes, procurando fascinar, seduzir e convencer. É notória a intenção
de uma pedagogia da prosperidade pelo modo de distribuir pelos pavilhões e seções
expositivas produtos e objetos, distinguindo a apologia do trabalho o que faz delimitar os
lugares e os papéis de cada segmento social.
Em 1922, as comemorações foram além da exposição internacional. Em todo o país
eventos cívicos eram organizados, paradas de escolas e entidades civis, militares e classistas.
Comemorar o centenário da Independência foi uma festa nacional e, cada estado da federação
desejava dar o espetáculo mais suntuoso.
No estado da Bahia, a festa se espalhou pela cidade do Salvador, com a inauguração
do palácio do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia; peregrinação cívica ao Campo da
Pólvora; docentes e discentes de várias escolas entoando o hino nacional; desfile de tropas
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pela Avenida 7 de Setembro com a participação do Governador; bailes e recepções (O
Imparcial, 2 de setembro de 1922, p.1). A programação da festa se estendeu durante uma
semana, envolvendo vários setores da sociedade civil. Uma das reflexões chave para entender
o papel das exposições é observá-la como um dos elementos da comemoração cívica
corroborada pelo apelo patriótico em evidente recurso discursivo usado nas exposições.
Repetidamente nas comunicações, catálogos, notas de jornais, o civismo vai estar presente.
Cada representante do poder público vai enfatizar esse patriotismo.
Nas exposições baianas do século XIX se apelam aos vários colaboradores representar
bem à Bahia, mostrar ao Imperador o empenho e compromisso com o espetáculo, nesse
momento o discurso é mais personalista, encarnado em Pedro II, ele guarda as ambições e
expectativas dos envolvidos nas festas. Na Primeira República, o apelo patriótico se volta às
instituições republicanas, os envolvidos enfatizam a necessidade de ‘representar bem’ pela
cidade, pelo estado e pelo país. Uma atitude bem republicana, mas, que mascara as
dificuldades de unidade do país, problemas que se estendem da administração do território à
transformação das cidades em espaços civilizados.
EXPOSIÇÃO de 1923 – “A verdadeira emancipação”
Incluí no projeto de pesquisa as exposições baianas que representassem o estado,
eventos que produziram discursos identitários sobre a Bahia na Primeira República. Por essa
razão, cabe uma referência à exposição elaborada para o ano de 1923, comemorativa do
Centenário da Independência da Bahia, chamada por um cronista contemporâneo de
‘verdadeira emancipação’. Essa exposição, incluída na programação da festa do 2 de Julho,
pode ser considerada uma afirmação da centralidade baiana na formação da nação brasileira.
Nas palavras de um jornalista: os festejos grandiosos do centenário do Brasil estão a
despertar à Bahia inteira, a lembrança do centenário do 2 de julho que, sobre ser a maior
data baiana, é aquela em que verdadeiramente se realizou o grande ideal brasileiro da
liberdade (O Imparcial, 13 de setembro de 1922). As análises sobre este evento ainda
embrionárias apontam graças às fontes consultadas até o momento que seguiu os mesmos
parâmetros estruturais das exposições antecedentes: foi organizada por uma comissão
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expositiva; produtos coletados e aproveitados da exposição anterior; inaugurado com pompa e
aberta à visitação pública. A peculiaridade desta exposição reside em ser gerada para uma
comemoração historicamente importante para os baianos e que pleiteava seu lugar no panteão
cívico nacional.
Comentário final
Exposições como qualquer evento visual são construções discursivas, pretendem
passar uma ideia. No caso das Exposições Universais e suas ramificações a ideologia presente
é a do Progresso, aliada a uma valorização do trabalho e da sociedade burguesa. Mas estas
ideias positivas e os discursos veiculados escondem objetivos bem menos altruístas. A
pedagogia presente na valorização do trabalho não é de valorização do trabalhador, mas, sim
uma afirmação e uma ênfase na fixidez dos lugares e dos papéis sociais. Os trabalhadores
retratados, os ambientes mostrados nestes eventos expositivos eram reprodutores de uma
sociedade estamental e fixa, sem mobilidade social ou quebra do status quo. A ideologia do
progresso apenas contempla a sociedade burguesa norte-americana e européia que são os
modelos de desenvolvimento social a ser seguido pelas nações emergentes.
Revisitando Guy Debord e o conceito de sociedade do espetáculo constata-se que as
sociedades burguesas com as modernas formas de produção econômica se apresentam com
uma grande acumulação de espetáculo e as relações sociais passam a ser mediadas por
imagens (DEBORD, 1997, p.13-26). A exposição, nesse particular, produz espetáculo,
veiculando imagens, discursos e uma representação de mundo que pretende ser a
predominante. Nas exposições brasileiras e baianas se observa o esforço em adaptar uma
realidade que, no entanto, difere do modelo burguês ao tempo em que valoriza as
particularidades nacionais. O discurso da viabilidade também aparece nas exposições
brasileiras e baianas desde o século XIX, parece necessário provar que apesar das mazelas
sociais existe a possibilidade do país dar certo. Mas esse discurso de viabilidade é mais
econômico que social. Ainda nestas exposições veiculadas até os anos 20 do século XX, nem
o Brasil e menos ainda a Bahia apresentam projetos para a população. Negros, brancos pobres
e imigrantes são atingidos pelo discurso de modernidade, tem suas vidas modificadas pela
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ideologia do progresso, mas não são considerados cidadãos viáveis para a nação brasileira que
as elites políticas desejam forjar.
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