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A RELATIVIZAÇÃO DA VERDADE EM HERÓDOTO
SONILA MORELO
Dissertação de Mestrado PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
FAFICH - UFMG ORIENTADOR: PROF. Dr. JOSÉ ANTÔNIO DABDAB TRABULSI
Belo Horizonte, maio de 2000.
Livros Grátis
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AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu pai Vicente, in memorian, que, como Heródoto, foi um viajante.
Em suas viagens a trabalho, pôde conhecer diferentes culturas, e sempre voltava
contando histórias - às vezes encantadoras, e, por outras, assustadoras -
garimpadas nas estradas de um Brasil da década de 70, marcado pela
intolerância política. Obrigada pelas histórias.
À minha querida mãe Luzmar, que dedicou sua vida ao ensino da matemática
nas escolas públicas deste mesmo país. Obrigada por nos ter ensinado a
sempre dividir em partes iguais tanto os deveres quanto os direitos.
Aos meus irmãos. Luzmarina escolheu a psiquiatria como uma maneira de lidar
com a mente do outro, nem melhor nem pior, antes um espelho da nossa própria
mente. Jaqueline, espírito investigativo e questionador que encontrou no
jornalismo e na ciência política os veículos para fundamentar e expor seus
argumentos e opiniões. Artur, in memorian, que dedicou sua curta mas bonita
trajetória ao estudo da física, onde (como na história) há espaço-tempos abertos
à relatividade. Germana é dessas advogadas que tem como princípios
fundamentais a igualdade e a liberdade. Cássio, capoeirista e dentista, trabalha
para ver belos sorrisos nos rostos brasileiros.
Ao Prof. Dr. José Antônio Dabdab Trabulsi pela orientação objetiva, segura e
sensível aos melhores caminhos da reflexão. Obrigada pelo convívio intelectual
nessa travessia.
Ao Prof. Antônio Orlando Dourado Lopes pela extremada paciência, dedicação e
incentivo em meu aprendizado sobre a cultura e a língua gregas, de que detém
sabedoria ímpar.
Aos professores e funcionários do Departamento de História e Programa de
Pós-graduação em História, FAFICH-UFMG e do Departamento de Letras
Clássicas, FALE-UFMG, pelo suporte teórico e prático na elaboração da
presente dissertação. Obrigada pelo convívio, amizade e incentivo.
Aos colegas do mestrado pelos momentos agradáveis de discussão e reflexão
sobre o fazer história. Aos colegas do grego por compartilhar momentos
especiais de leitura e aprendizado.
Aos meus parentes e amigos que participaram diretamente ou indiretamente
desse projeto que aqui se realiza. Obrigada Clarinha e Arthur pelo apoio e o
carinho.
Por fim - but not least - obrigada à FAPEMIG pelo apoio financeiro.
Sonila
Somos os verdadeiros países
não as fronteiras nos mapas
com nomes de homens poderosos.
Sei que você virá e me levará para o palácio dos
ventos.
É tudo o que eu queria.
Andar nesse lugar com você... com amigos,
uma terra sem mapas.
fala de Katherine, em O Paciente Inglês
PADRONIZAÇÃO DE NOTAS
As citações da obra Histórias estão normatizadas da seguinte forma: o nome do
autor - Heródoto, sempre assim escrito - em caixa alta; numeração dos livros em
algarismos romanos; e numeração dos capítulos em algarismos árabes.
Exemplo:
HERÓDOTO. VII,33
Ou seja, Heródoto, Histórias, livro sete, capítulo trinta e três.
Todas as citações de Heródoto encontram-se no pé de página e foram
traduzidas a partir do texto da coleção LOEB citado no corpus documental.
Foram utilizados também, para os livros I e III, as traduções portuguesas da
coleção Clássicos Gregos e Latinos, edições 70. Nesses casos, os nomes dos
tradutores e a data vêm especificadas logo após a citação. Exemplo:
HERÓDOTO. III,38. Tradução de SILVA, M.F. e ABRANCHES, C. 1997.
Os demais textos presentes no corpus documental foram citados obedecendo os
critérios definidos por seus respectivos tradutores.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
..................................
08
CAPÍTULO I: Verdade e história
I.1 Heródoto e verdade .................................. 13 I.2 Perspectivas de relativização .................................. 22
CAPÍTULO II: Alétheia e Histórias
II.1 Alétheia .................................. 29 II.2 Alétheia entre mythos e lógos .................................. 34
II.3 Pólis e elaboração da palavra-diálogo .................................. 46 II.4 Alétheia nas Histórias .................................. 58
CAPÍTULO III: Diversidade e identidade
III.1 Nómos: religião e Histórias .................................. 65 III.2 Nómos: imaginário político .................................. 78
CAPÍTULO IV: Eleuthería, Isonomía e Alétheia
IV.1 O salto de Árion .................................. 85 IV.2 Diálogos .................................. 89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
.................................
118
CORPUS DOCUMENTAL
.................................
121
BIBLIOGRAFIA
..................................
123
Para
Beto, Tábata e Ariel.
A RELATIVIZAÇÃO DA VERDADE EM HERÓDOTO
SONILA MORELO
Dissertação de Mestrado PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
FAFICH - UFMG Dissertação defendida e aprovada em ...................................... pela banca examinadora constituída pelos professores:
_____________________________________________
Prof. Dr. José Antônio Dabdab Trabulsi (orientador) Departamento de História Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais
_____________________________________________
Prof. Dra. Regina Horta Duarte Departamento de História Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais
_____________________________________________
Prof. Dra. Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa Departamento de Letras Clássicas Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais
A RELATIVIZAÇÃO DA VERDADE EM HERÓDOTO
SONILA MORELO
Dissertação de Mestrado PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
FAFICH - UFMG Dissertação defendida e aprovada em ...................................... pela banca examinadora constituída pelos professores:
_____________________________________________
Prof. Dr. José Antônio Dabdab Trabulsi (orientador) Departamento de História Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais
_____________________________________________
Prof. Dra. Regina Horta Duarte Departamento de História Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais
_____________________________________________
Prof. Dra. Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa Departamento de Letras Clássicas Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
A presente dissertação tem por objetivo primeiro ajudar a compreender a concepção de verdade - alétheia - que podemos atribuir ao historiador Heródoto, a partir da leitura de sua obra Histórias. Inicialmente, recuperou-se parte da extensa discussão realizada pelos estudiosos das Histórias, sobre a validade dos métodos e a veracidade dos relatos desse historiador. Depois, foi realizada uma pesquisa sobre a história da palavra alétheia tendo em perspectiva o estudo etimológico e filológico de Detienne, em que se evidencia tanto a significação quanto a utilização da mesma pelos “mestres da verdade” na época arcaica e, ainda, sua laicização e subsequente inscrição no tempo dos homens na Grécia Clássica. A partir do estudo de Darbo-Peschansky, foi possível fundamentar o argumento de que, em Heródoto, a laicização da palavra alétheia é tributária de sua vinculação a uma opinião - dóxa ou gnomé. Em sua narrativa, Heródoto reconhece a expressão das diferenças, sejam essas culturais ou de opinião, estando assim a verdade relativizada. O “discurso do particular” indicou, finalmente, uma possível relativização da verdade face a uma proposição política do historiador. À luz dessa indicação desenvolveu-se o argumento que se baseia, primeiro, no fato da opção política do historiador estar explícita na sua obra pela expressão de sua opinião: a “isomomía é uma instituição virtuosa”. Ainda, pela estratégia narrativa desenvolvida nas Histórias. O discurso é multifacetado em suas diferentes versões pelo recurso do fazer ouvir as personagens, como que eliminando, pela presença imbricada dos diversos narradores - incluindo o próprio autor - uma pretensão de verdade absoluta.
ABSTRACT
The primary goal of the present dissertation is to serve as an aid to the understanding of the concept of truth - alétheia - we can find in Herodotus by means of the reading of his work, Histories. Initially, it has been recovered part of the extensive debate among some scholars on Histories, about the validity of the methods and the veracity of Herodotus’ reports. Thereafter, it has been done a research about the history of the word alétheia under the the perspective of the etimological and philological studies by Detienne, which shows both the signification and the utilization of that word by the “masters of the truth” in the archaic age and, also, its turning into a profane word by the “time of men” of the Ancient Greece. Following Darbo-Peschansky’s study, it is possible to support the claim that, in Herodotus, the laicicization of alétheia is due to its binding to an opinion - dóxa or gnomé. Throughout his narrative, Herodotus recognizes the expression of cultural or opinion differences, the truth being thus relativized. The “discourse of the individual” indicates, finally, a possible relativization of truth due to a political proposition of the historian. Following this indication it was developed a claim that is based, firstly, on the fact that Herodotus’ political choice is made explicit in his work by means of his opinion’s expression: “isomomía is a virtuous institution”. Then, that claim is based on the narrative strategy developed in Histories. There it happens a multitude of discourses, in its different versions, by means of the “making listening to” its characters, as it eliminated, through the imbricated presence of the various narrators - including the author himself - a pretence to absolute truth.
8
INTRODUÇÃO
O que pode fazer uma historiadora da antigüidade com o tempo presente?
Assim começa o artigo “Elogio do Anacronismo”, de Nicole Loraux. E esta é, com
certeza, uma questão com a qual se deparam - a cada investigação do passado -
não só os historiadores, mas todos os que estudam a antigüidade. Afinal, o
anacronismo é para os historiadores um grave erro metodológico, um pecado
capital.1
Fazer ao passado perguntas que habitam o presente requer, normalmente, uma
série de cuidados: evitar levar para o passado palavras, conceitos e convenções
que não lhe pertencem; evitar comparações entre concepções de hoje e de
ontem. Estes são alguns cuidados que um historiador deve ter para não incorrer
no anacronismo.
Entretanto, esses cuidados, quando excessivos, tornam-se verdadeiras barreiras
que impedem o conhecimento de facetas potencialmente fecundas para uma
visão ampliada do período estudado e do próprio presente, barreiras que
dificultam o compreender o presente pelo passado e o passado pelo presente.2
Aliás, o objetivo de Loraux no artigo é, sobretudo, incentivar o historiador a ousar
mais sem, contudo, negligenciar a sutileza necessária para esse ‘jogo
1 LORAUX, N. 1992. p.57-70. 2 BLOCH, M. 1963. p.42-46.
9
anacrônico’. Entre o atual e o antigo é preciso saber ir e vir, e sempre se deslocar
para proceder às necessárias distinções.3
Percebe-se aí a importância de pensar a história como uma via de mão dupla e a
necessidade de importarmos e exportarmos questões, não com o intuito de
mudar o passado, mas de repensar o presente: aos embalos assim como às
ilhotas da imobilidade que negam o tempo na história, mas que fazem o tempo
da história.4 Não se pretende a apologia da continuidade ou a afirmação de uma
possibilidade de igualdade em relação aos gregos da antigüidade, mas
apreender o que nos faz diferentes, percebendo as potencialidades de mudança
que o conhecimento de outras formas de pensamento nos oferece. O fazer o
tempo é para o historiador sua ação primordial.
Nesse sentido, a proposta de reflexão sobre relativização da verdade no fazer
história de Heródoto pode parecer anacrônica, pelo fato da terminologia não
estar explícita em sua obra. A utilização do termo relatividade, é, de fato, uma
proposta que se firma com a física de Einstein - elaborada no início do século XX
- e a lingüística de Benjamin Whorf.5 E é com a antropologia e sua proposta de
conhecer o ‘outro’ que o ato de relativizar é colocado em evidência nas áreas
humanas do conhecimento.
3 LORAUX, N. Op.cit. p.61,64. 4 Idem,idem. p.68. 5 ALFORD, D. 1999.
10
Entretanto, o fato de Heródoto não utilizar explicitamente o termo relativizar, não
significa, por exemplo, que, quando analisa comportamentos sociais de
comunidades distintas, seja fazendo analogias ou comparações, ele não
relativize essas culturas quanto a seu contexto. A verdade nas Histórias é,
primeiro, relativa ao nómos, costumes sociais em que se misturam
indistintamente práticas políticas, culturais e econômicas. A verdade nas
Histórias é, também, relativa a uma opinião, doxa, seja daquele que diz ou que
escuta. E, finalmente, é relativa a um posicionamento político do historiador.
O diálogo que se propõe aqui é com o historiador Heródoto. Sua obra é, sem
dúvida, singular. O que a faz distinta é, primeiramente, seu aspecto
‘caleidoscópico’, devido à sua capacidade de abordar assuntos diversificados e
de alcance quase enciclopédico, como observa Wathers.6 A imagem de um
caleidoscópio é, sem dúvida, interessante para entender tanto a diversidade de
assuntos, quanto a variação das versões sobre um mesmo acontecimento nas
Histórias. Outra característica que faz singular, é seu aspecto de marginalidade
em relação às comunidades sobre as quais Heródoto expõe sua narrativa. O
investigador é um viajante que narra sempre do ponto de vista externo, de um
exilado, sem referencial fixo. É essa particularidade de ser um observador
marginal, que, talvez, tenha influenciado sua maneira de perceber que a verdade
é sempre relativa à opinião daquele que a diz, é sempre um descobrimento do
diferente como uma busca constante da própria identidade perdida, ou melhor,
negada.
11
Heródoto é um viajante, que por longo tempo não teve um território definido, pois
por razões políticas (sua aversão à tirania), negou sua origem - Halicarnasso - e
depois adotou Túrio, cidade da Itália fundada pelos atenienses, como referência.7
O historiador de Túrio, como prefere ser chamado, acreditava que a essência da
vida estava na liberdade e no respeito pelos costumes e pelas leis adotados nas
diferentes sociedades que teve a oportunidade de conhecer.8
Liberdade, para Heródoto, possui dois referenciais políticos básicos: o primeiro
diz respeito à autonomia de uma cidade em relação à outra;9 o segundo refere-se
à liberdade de opinião e expressão em condição de igualdade entre os cidadãos,
sendo que o exemplo ateniense lhe parece o mais adequado.10 Heródoto é um
narrador no sentido benjaminiano, não pretende construir uma síntese para o
leitor.11 Seu leitor é constantemente convidado ou mesmo intimado a refletir e
elaborar uma opinião pessoal.
Ao privilegiar a democracia, [...] Heródoto não escolhe simplesmente um regime político. Defende uma concepção da sociedade humana fundada no lógos, isto é, no diálogo argumentativo entre iguais que procuram juntos uma regra comum de ação [...].12
Na obra Histórias - no plural, por se tratar de investigações - o historiador
preserva do esquecimento os relatos orais pela forma escrita, o que possibilita a
6 WATHERS, K.H.1996. p.13. 7 LEGRAND, Ph.E. 1932. p.9,12. 8 Idem,idem. p.94. 9 HERÓDOTO. V,66,78. 10 Idem. V,65-66. 11 BENJAMIM, W. O narrador. 12 GAGNEBIN, J.M. 1997. p.22.
12
ampliação do conhecimento através dos contos e lendas populares onde fantasia
e realidade se confundem, não por fugirem à verdade, mas porque, como diz
Homero na Odisséia, nóon égno: o que importa é conhecer o pensamento de
muitas gentes.13
Entretanto, é o tratamento dispensado a essas fontes pelo historiador que traz à
luz sua memória preservando-a do labor do tempo e que atravessa os espaços
geográficos instruindo os gregos. É exatamente o caráter instrutivo que se atinge
quando não se pretende fazer da narrativa uma síntese, ou seja, uma resposta
pronta, fechada em uma verdade que não requer reflexão nem elaboração de
uma opinião.
Interessa, nesse diálogo com Heródoto, a relação que o historiador estabelece
com suas fontes e o espaço do mythos e do lógos na composição final do
enredo historiográfico. Finalmente, interessa apreender qual é a perspectiva ou
concepção de verdade no fazer história de Heródoto. Não se pretende,
entretanto, fazer aqui uma analogia com teorias contemporâneas de verdade na
história, mas simplesmente procurar a partir de fragmentos da obra Histórias
elementos que indiquem como seria a concepção de verdade desse historiador.
CAPÍTULO I: Verdade e história
13
I.1. Heródoto e verdade
A origem do descrédito do historiador Heródoto enquanto profissional
compromissado com seu ofício remonta à antigüidade. Tucídides, o historiador
ateniense, aponta sua desconfiança em relação à presença da influência da
tradição oral na obra Histórias e afirma sua disposição em implementar um
método onde o rigor no tratamento das fontes e a objetividade ao relatar os
acontecimentos ficam evidentes nas primeiras linhas da Guerra do Peloponeso.
Em De Legibus I. 1.5., Cícero, ao mesmo tempo que chama Heródoto de pater
historiae, adverte sobre a presença de inúmeras fantasias em sua obra. De
acordo com Evans, na antigüidade Heródoto foi acusado de ser anti-tebano, pró-
bárbaro ou mentiroso, e, em tempos modernos, foi rotulado de pró e anti-
ateniense, anti-belicista, apologista do império ateniense ou simplesmente um
equívoco.14
Em sua análise sobre o lugar de Heródoto na historiografia, Momigliano afirma
que, desde a antigüidade, a obra de Heródoto suscitou incontáveis debates
sobre a credibilidade de seus relatos, e, apesar de não lhe ter sido negado o
mérito de fundador da história, sua reputação foi, entretanto, polêmica. A
comparação de Heródoto com Teopompo feita por Cícero era, como adverte
13 HOMERO. Odisséia. v.3. Tradução de PEREIRA, M.H.R. 1992.
14
Momigliano, a confirmação da tradicional opinião sobre o historiador de
Halicarnasso.15 Momigliano ressalta ainda que, nos debates sobre a
credibilidade do trabalho de Heródoto, o foco das atenções estiveram, quase
sempre, na veracidade dos acontecimentos, e as críticas fundamentaram-se,
principalmente, na forte presença da tradição oral - fonte mais utilizada nas
investigações do historiador. A tradição oral está, de fato, largamente
documentada nas Histórias. Segundo Lateiner são mais de trezentos os
informantes de quem Heródoto recolheu dados.16
A metodologia de Tucídides, considerada mais objetiva pelo rigor no tratamento
das fontes, imprimiu uma imagem de maior cientificidade, fundamentada,
prioritariamente, no lógos em detrimento do mythos - presente na tradição oral -
e influenciou a historiografia do séc. XIX, sendo Tucídides considerado por esta o
‘verdadeiro pai da história’.17 Segundo Immerwahr, os estudiosos do séc. XIX,
perseguindo a noção de história científica, acreditaram ter achado essa forma
em Tucídides, que parecia subscrever uma interpretação própria dos eventos
com base nos fatos analisados. Em contraste, Heródoto parecia ser vítima das
tradições que seguira tão de perto, e seu trabalho foi considerado uma coleção
de histórias confusas e não muito dignas de crédito.18 Rocha Pereira reitera que
a reabilitação do mérito da obra do historiador de Túrio teve que esperar até o
início de nosso século por especialistas como Jacoby (1913) e Pohlenz (1937),
14 EVANS, J.A.S. 1979. p.94. 15 MOMIGLIANO, A. s/d. p.2. 16 LATEINER, D. 1991. p.56. 17 TRABULSI, J.A.D. 1985. p.51. 18 IMMERWAHR, H.I. 1986. p.2.
15
cujas análises seriam acrescidas de uma crescente pluralidade de dados
arqueológicos.19 Dabdab Trabulsi observa que:
De simples contador de historietas inverossímeis ou simplesmente absurdas, fonte tão suspeita que era preciso mil observações críticas antes de ser citado por historiador sério em pé de página, Heródoto goza hoje de grande prestígio, que acompanhou passo a passo a abertura da nouvelle histoire para a sociologia e a antropologia.20
Para Immerwahr, no período pós Primeira Guerra as idéias sobre a história e
seus métodos e significados mudaram de forma tão radical que os métodos
estritos do séc. XIX, baseados na análise imparcial de relatos antigos escritos,
não poderiam ser considerados mais como o modelo de história. Ao mesmo
tempo, houve um grande número de pesquisas voltadas para o próprio
significado da história e o resultado, afirma Immerwahr, foi um sério
questionamento dos assim chamados aspectos científicos da historiografia. Se o
julgamento crítico sobre os méritos de Heródoto nos últimos anos tem sido um
paralelo a essa mudança na visão histórica, o marco ou ‘linha divisória’ entre o
séc. XIX e o atual foi imposto por trabalhos de Jacoby e Pohlenz na Alemanha e,
posteriormente, a importante edição de Legrand (1932-1954) na França e o livro
de Myres (1953) na Inglaterra que também apontam uma mudança radical dos
julgamentos anteriores de Heródoto.21
19 PEREIRA, M.H.R. 1994. p. XVII. 20 TRABULSI, J.A.D. Op.cit. p.51. 21 IMMERWAHR, H.I. Op.cit. p.2.
16
De fato, a abertura da história para outras áreas de pesquisa como a etnografia,
a sociologia, dentre outras, possibilitou uma releitura da obra de Heródoto. A
abordagem de aspectos religiosos, geográficos e culturais abundantemente
presente nas Histórias fez desse historiador o precursor da antropologia cultural
segundo Harmatta,22 assim como também merecedor de destaque entre os
fundadores da história das religiões, como afirma Burkert.23
Entretanto, a grande aceitação de sua obra e dos princípios de pesquisa
desenvolvidos por Heródoto não implicou no esgotamento das críticas em
relação à sua metodologia e, principalmente, à veracidade de seus relatos. Sua
obra suscita, ainda, polêmicas. Para Hartog, a questão que se coloca hoje não é
se Heródoto diz a verdade, mas como ele a diz.24
Na conceituada obra Paidéia publicada em 1936, Jaeger destaca que a grande
contribuição de Heródoto foi a de ter dado ao homem lugar central na sua
investigação, mas aponta sua falta de crítica e sua complacência no tratamento
das fontes.25 Chatelet considera que não se pode dizer que em Heródoto exista
uma noção de inteligibilidade do tempo dos homens pautada na idéia de
causalidade, essa noção se desenhará de forma completa somente em
Tucídides.26 Para Valéria Silva, estudiosos como Jaeger e Chatelet,
22 Herodotus, Historian of the Cimmerians and Scythians p.117. Citado por: PEREIRA, M.H.R. 1994. p.XXVIII. 23 Idem,ibidem. 24 HARTOG, F.1999. p.29. 25 JAEGER, W. 1995. p.441. 26 CHATELET, F. 1962. p.29-32. Citado por: SILVA, V.P. 1996. p.68.
17
[...] parecem [...] situar tanto a obra de Tucídides quanto a de Heródoto numa linha, senão evolutiva, pelo menos progressiva, que parte de um momento no qual prevalece um estatuto relativamente nebuloso do passado rumo a uma consciência histórica plenamente desenvolvida, da qual teria resultado uma obra histórica tão acabada quanto a de Tucídides.27
As críticas elaboradas por Veyne ao historiador de Halicarnasso seguem um
traçado semelhante às de Jaeger, ao afirmar que: Heródoto compraz-se a relatar
as diferentes tradições que conseguiu colher.28 Na perspectiva de Veyne, o
saber para Heródoto significa, apenas, estar bem informado, não requer
elaboração de um critério de verdade.29 Entretanto, tendo em consideração o
significado atribuído pelos gregos à palavra critério, nota-se que o que Heródoto
realiza em sua narrativa é exatamente um julgamento, uma opinião particular
sobre os relatos recolhidos em sua investigação.
Norma Thompson aponta para o fato de Heródoto e Tucídides serem vistos como
uma dupla, não uma dupla que se complementa, mas mais ao estilo de Watson e
Sherlock Holmes - o primeiro, reconhecido em seu campo profissional, mas,
graças à sua ineficácia e imprecisão, apagado pelo brilho do segundo, que é
preciso, organizado, lógico, ou seja, modelo do investigador moderno que sabe
lidar com as evidências e é o que alcança a verdade.30
27 SILVA, V.P. Op.cit. p.63. 28 VEYNE, P. 1987. p.23. 29 Idem. In: DARBO-PESCHANSKY, C. 1998. p.9-10. 30 THOMPSON, N. 1996. p.ix. A referência de Thompson aos personagens de Doyle perpetua uma interpretação errônea, no meio científico, sobre a metáfora da dupla Holmes- Watson. Na verdade, Watson (e, portanto, Tucídides) aproxima-se mais do moderno investigador ocidental - numa perspectiva crítica - por seu apego não criativo aos fatos e à verdade, enquanto que o brilhantismo de Holmes vem exatamente de sua recusa em seguir os procedimentos convencionais do indutivismo científico (ver por exemplo, Doyle, 1998. p.28-37).
18
Immerwahr propõe outra interpretação em relação aos critérios de verdade de
Heródoto. De acordo com esse autor, é importante ressaltar que quando
Heródoto começou a coletar informações, as tradições eram em grande parte
orais. Conseqüentemente, o que ele considerou como modo principal de ter
acesso ao passado foram, de fato, as tradições orais, e ele estava confiante que
se avaliadas de forma apropriada, poderiam tornar-se, de forma precisa, um
espelho dos eventos passados.31
A contribuição metodológica de Heródoto, segundo Immerwahr, consistiu em
combinar e arranjar as tradições, assim como o resultado de seu próprio trabalho
se tornou uma tradição viva para o presente e para o futuro. Isso só foi possível
com a aceitação, tanto quanto possível, dos fatos e dos padrões dos relatos mais
antigos. Nesse sentido dado pelo autor, a obra de Heródoto apresenta-se como
sumário tanto do pensamento histórico antigo quanto dos fatos. Isso não quer
dizer que Heródoto não possuía um senso crítico ou que ele aceitava tudo que lhe
era contado. Ao contrário, afirma Immerwahr, tinha uma concepção clara do que
consistiu o lógos anêr - o testemunho. Heródoto, acrescenta o autor, também
testou tradições pela sua própria experiência, colocou relatos variantes, um
contra o outro, como um juiz ouvindo testemunhas e aplicou critérios internos de
verdade comparando essas variantes através de sua própria reflexão crítica.32
31 IMMERWAHR, H.R. Op.cit. p.5. 32 Idem,ibidem.
19
Sobre a história de Ciro, por exemplo, Heródoto inicia sua narrativa fazendo a
ressalva que apesar de saber diferentes versões sobre o assunto, ele irá se
fundamentar naquelas que não pretendem enaltecer o nome desse soberano, que
representa no imaginário persa um referencial importante devido às suas ações
no campo político: a conquista da liberdade e a fundação do domínio persa.
Essas ações constituirão para seus descendentes um referencial constante,
porque serão evocadas sempre que necessário, particularmente em momentos
críticos, de instabilidade política, de crise da continuidade do projeto
expansionista persa.33
O fato de Heródoto sublinhar que irá fundamentar a história sobre Ciro nos relatos
daqueles que não pretendem enaltecer seu nome, mas simplesmente narrar os
fatos, é um forte indício de sua visão crítica diante dos diferentes relatos. Essa
evidência de crítica no tratamento das fontes é significativa pois revela o
discernimento do historiador perante o que se entende como sendo a criação de
um mito, que no caso refere-se às histórias - provavelmente inventadas pelos
persas para enaltecer o nome de Ciro - presentes no imaginário social desse
povo.34
Apesar de Heródoto, afirma Vernant, é Tucídides que recusará altivamente o
mythôdes ao considerá-lo um ornamento próprio do discurso oral e que se
acharia deslocado num texto escrito.35 Mas o que Heródoto não descartou de sua
33 Ver: HERODÓTO. III,80-83 e IX,121. 34 O conceito de ‘imaginário social’ utilizado está especificado adiante neste trabalho. 35 VERNANT, J-P. 1992. p.176.
20
narrativa foi o caráter paradigmático dos contos populares sobre as personagens
que habitam as Histórias. O que interessa a Heródoto quando expõe a história de
Polícrates e Árion, entre outros, não é saber a veracidade factual, mas a forma de
significar e entender a realidade presente nas formas de representação do
pensamento, entre esses, os contos populares. Nesse sentido, pode-se afirmar
que a obra Histórias comporta uma ‘circularidade’ de informações entre o âmbito
oral e o escrito, ou, entre o que Guinzburg talvez, chamaria de erudito e popular.36
Recorrendo ao lógos de Ciro, a imagem construída desse soberano pelo povo
persa é a de um mito (no sentido atual da palavra), e uma das características que
possibilitam essa leitura é a criação de diferentes versões e, uma outra é a
constante referência nos momentos críticos, ou seja, era um paradigma. Por ser
um paradigma, o esforço de racionalizar os acontecimentos que lhe dizem
respeito é relativamente maior do que o de racionalizar um evento comum,
justamente porque o paradigma comporta na sua essência a identidade com o
mito.
É isso que torna um desafio o trabalho de trânsito entre o lógos e mythos e a
reflexão crítica sobre aquilo que verdadeiramente aconteceu. Nesse sentido, o
estudo sobre o que significa a verdade para Heródoto pode ajudar a entender
questões complexas como as que se apresentam aqui. E, portanto, no contexto
das Histórias, optar pela falta de crítica e de rigor no tratamento das fontes não
parece ser a melhor opção.
36 Segundo ROMEIRO, A. 1991, p.12, [...] a cultura popular não se encontrava separada de
21
Veyne não é um especialista em Heródoto. Entretanto, em sua obra Acreditaram
os gregos nos seus mitos?, o autor propõe uma análise sobre os padrões de
verdade na antigüidade que é de grande importância para o presente estudo e
muito tem a contribuir para uma investigação sobre a concepção grega de
verdade (assim como a obra de Detienne, Os mestres da verdade na Grécia
Arcaica - mais voltada para as implicações semânticas de alétheia - é de
fundamental importância para este trabalho).
Para uma concepção de verdade na obra Histórias é imprescindível ainda
apreender, através da análise de Hartog,37 que a imagem dos gregos construída
por Heródoto tem sempre seu referencial naquilo que lhe é diferente, ou seja, nos
bárbaros. Para Hartog, através do jogo de espelhos em que os costumes e
práticas dos povos bárbaros são comparados com os dos gregos - não para
saber quem é melhor, mas para entender o diferente - é que Heródoto reconhece
seus iguais. A imagem reproduzida ao se olhar o ‘outro’ pelo prisma da diferença
é sempre relativa, o que permite uma compreensão de si mesmo pela verdade
relativizada.
I.2. Perspectivas de relativização
forma rígida e estanque da cultura erudita. 37 HARTOG, F. 1999.
22
A relativização da verdade na obra de Heródoto pode ser identificada a partir de
algumas perspectivas. Primeiramente, é percebida através dos valores culturais
específicos das diferentes sociedades estudadas pelo historiador. Neste sentido,
a verdade é relativizada em função das diferenças culturais: o que constitui uma
verdade para os gregos, pode não o ser para os bárbaros, por exemplo. Já numa
segunda perspectiva, a verdade é relativa às fontes, ou seja, Heródoto não deixa
de expor os relatos, mesmo quando estes são considerados por ele
inverossímeis. Tal atitude de Heródoto proporciona ao ouvinte-leitor subsídios
para conclusões diferenciadas. Não se propõe nas Histórias uma verdade
absoluta.
Sobre a primeira perspectiva tem-se que, ao relatar costumes diferentes dos
seus, Heródoto procura manter uma certa neutralidade, no sentido de não emitir
juízo de valor referente ao que lhe é diferente. Ao contrário, o fascínio diante do
‘outro’ possibilita uma maior penetração de Heródoto no universo das
sociedades estudadas, levando-o a ampliar seu conhecimento sobre a história. A
neutralidade e o posicionamento crítico que Heródoto assume na narrativa,
permitem a ele perceber a verdade enquanto fragmentos, desdobramentos
presentes nas diferentes versões que se completam ou se contradizem,
traduzindo um apelo à inteligência do ouvinte-leitor. Sua obra produz mesmo o
efeito de um caleidoscópio, e tanto a diversidade cultural quanto os relatos
diferentes sobre o mesmo assunto dão cor, forma e movimento distintos e
relativos ao ângulo de inclinação escolhido pelo observador/ouvinte das histórias.
A obra é composta assim por diálogos entre o narrador e seu espectador.
23
Diálogos compostos, por sua vez, por uma infinidade de argumentos que se
completam ou se contradizem. A diversidade gerada no caleidoscópio pode se
dar, então, tanto pelo movimento do historiador quanto do espectador.
O diálogo proposto na obra constitui em primeiro lugar um respeito à
individualidade e à liberdade de cada ouvinte-leitor, já que permite conclusões
diferentes daquelas apresentadas por Heródoto. Assim, pode-se identificar na
obra uma segunda perspectiva da relativização da verdade, ou seja, Heródoto
não pretende uma história única. [...] Há ainda sobre o mesmo assunto outra
versão, que me parece mais aceitável; é a seguinte [..].38
A palavra escrita é, na obra Histórias, um diálogo com o leitor, fundamental para
compreendermos o contexto social da Grécia Clássica, pois expõe uma
ampliação do espaço público à participação do cidadão, que permite a
coexistência de razões de caráter mítico-religiosas e científicas. Para Heródoto,
os resultados da guerra em favor dos gregos podem ser entendidos tanto pela
superioridade estratégica e tecnológica,39 quanto pelos desígnios dos deuses:
Tudo isso aconteceu pela vontade de um deus, a fim de que a frota dos persas
fosse equivalente à dos gregos [...].40
38 HERÓDOTO. IV,11. 39 Idem. IX,62. 40 Idem. VIII,13.
24
É necessário, entretanto, reafirmar que fazer a distinção entre as razões mítico-
religiosas e as razões consideradas científicas não implica na existência de um
princípio de exclusão, onde uma razão só pode existir quando anula a outra.
Heródoto produz a história dos acontecimentos e dos pensamentos da Grécia
utilizando a memória oral como principal fonte para sua pesquisa. O tratamento
dispensado às fontes orais é fator determinante da relativização da verdade pelo
historiador, ou seja, reproduz buscando ser fiel à fala do entrevistado, mesmo se
lhe parece absurda, e, finalmente, analisa buscando conclusões aceitáveis.
Argipenses afirmam, todavia, serem essas terras habitadas pelos Egipodes, ou
homens pés de cabra, o que entretanto, não me parece digno de crédito.41
Segundo Heródoto, o soberano da ilha de Samos havia conquistado grande
poder e prestígio em toda a Grécia - a sorte estava, até então, sendo generosa
com Polícrates. Amásis, rei do Egito, ao saber da prosperidade de Polícrates
escreve-lhe uma mensagem:
[...] é bom saber que um amigo e hospedeiro é um homem de sorte; mas a mim, esse teu sucesso inabalável não me agrada, porque conheço a inveja dos deuses. Antes quero, para mim e para aqueles a quem prezo, sucesso numas coisas e azar noutras, do que sucesso em tudo. É que nunca ouvi, fosse de quem fosse que, depois de ter tido sucesso em tudo, não tivesse por fim, acabado os seus dias na maior desgraça, completamente destruído. [...]42
41 Idem. IV,25. 42 HERÓDOTO. III,40. Tradução de SILVA, M.F. e ABRANCHES, C. 1997.
25
Polícrates, objetivando o equilíbrio em relação à sua sorte, desfaz-se de um anel
de ouro incrustado de esmeraldas - jóia que lhe servia de talismã - jogando-a no
mar. Alguns dias depois, um pescador oferece ao rei um grande peixe ‘digno de
sua majestade’. Ao ser preparado pelos cozinheiros, o anel é encontrado dentro
do peixe.
O interesse do historiador no relato sobre o anel de Polícrates não está em saber
se realmente o anel foi encontrado pelo pescador, mas em reconstruir a história
dos pensamentos ou o ‘imaginário coletivo’. Para os gregos, era preferível uma
vida pautada pela sorte e por reveses de forma alternada, esse era um equilíbrio
desejado. Nesse sentido, a concepção do historiador sobre a verdade é
influenciada por outros campos do saber, visto que a história do anel de
Polícrates diz mais sobre a cultura e sobre os valores sociais presentes na
Grécia, do que sobre acontecimentos ou fatos particulares.
Paralelamente é possível, ainda, uma outra perspectiva a partir da qual podemos
identificar a relativização da verdade na obra de Heródoto. A verdade
influenciada pelas artes, de maneira especial, a tragédia. A concepção de
verdade do historiador se aproxima, por vezes, da verdade poética. A matéria-
prima da Tragédia é o mythos, que, sendo de conhecimento popular, é acessível
igualmente a todos os espectadores do teatro.
A grande descoberta dos autores teatrais gregos foi a possibilidade de
modificar o mythos, o que significou a descoberta de um mundo paralelo ao real,
26
o mundo da fantasia e da ficção. As personagens que estavam antes distante do
público, separados pelo poeta narrador, ganham agora movimento e ação, estão
vivos no palco do teatro grego. São essas personagens que irão representar os
sentimentos e conflitos tipicamente humanos, temas que não dizem respeito a
fatos específicos.
Em Heródoto encontramos não raras vezes reflexões que transcendem os
acontecimentos factuais, o que nos permite identificar, na sua obra, diálogos que
possuem traços tipicamente trágicos. Os melhores exemplos encontram-se nas
personagens Polícrates, Creso e Adrasto, através de que Heródoto apresenta a
tragicidade da condição humana frente ao destino, tema também presente em
Medéia e As Bacantes, de Eurípides ou em Édipo Tirano de Sófocles.
Também no contexto político-democrático, em que os diálogos são importantes,
revela-se na práxis do historiador que o lógos não é uma tênue superfície de
contato entre a realidade e a linguagem: o historiador produz verdades. Coube à
história assumir seu compromisso com o presente, aceitando sua parcela de
responsabilidade na construção da realidade - história sempre foi ação.
Por fim, a alétheia - verdade - é relativizada na obra Histórias pela proposição
política do historiador. Essa proposição fica evidente na narrativa que se
organiza em diálogos compostos na primeira pessoa, tanto na expressão das
opiniões do historiador quanto ao dar voz às personagens de suas Histórias.43
43 Este assunto será tratado mais profundamente no Capítulo IV do presente trabalho.
27
Heródoto acreditava que o conhecimento, o saber, era adquirido através do
contato com outros povos. A partir do descobrimento das culturas estrangeiras -
de maneira especial a dos bárbaros - o historiador pôde descobrir também sua
própria cultura. Esse descobrir o outro só se concretiza se relativizamos a
verdade.
Dessa maneira, a verdade existe enquanto verdades relativas a diferentes
valores sociais, culturais e políticos. O resgate dos acontecimentos ocorridos em
determinado tempo passado só é viabilizado quando compreendemos
minimamente as idéias que pautaram os pensamentos dos homens que viveram
nesse passado. Idéias diferenciadas, instrumentos e recursos disponíveis aos
historiadores, impõem uma distância entre a metodologia de Heródoto e a
metodologia aplicada, hoje, à história. Entretanto, podemos aprender com
Heródoto a conhecer a nós mesmos através do espelho que existe em cada
grupo social. No espelho grego, o reflexo de algumas imagens, Semelhança,
centralidade, ausência de dominação unívoca: três termos que o conceito
Isonomia resume. 44
44 DETIENNE, M. 1988. p.52. A centralidade refere-se ao posicionamento daquele que fala nas assembléias para os demais. Aqueles que possuem o direito de participação na vida pública, fazem-no na condição de iguais.
28
CAPÍTULO II. Alétheia e Histórias
II.1. Alétheia
Na Grécia Arcaica, a verdade - alétheia - constitui um privilégio de um grupo
restrito que possui o dom da palavra inspirada pelas musas. No seu cantar, o
aedo invoca a inspiração das musas, filhas de Mnemosýne, que possuem o
atributo de fazer relembrar e dizer o verbo ao poeta. Através das musas o poeta
29
acessa o passado, o presente e o que será, pois além de ser o suporte material
da palavra cantada, a memória é, também, potência divina que atribui ao verbo
seu estatuto de palavra mágico-religiosa.
Dizei-me agora, ó Musas habitantes do Olimpo, Pois vós sois deusas, estais presentes e tudo sabeis, Ao passo que nós só ouvimos o que diz a fama, e nada vimos [...]45
O poeta é o mestre da verdade, pois através de seu canto se manifesta o louvor,
a luz, a memória e a alétheia em contraposição ao silêncio, à noite, ao
esquecimento e à léthe.46 Mas, ao mesmo tempo que o poeta é o mestre da
verdade, ele não a possui, pois a inspiração transcende o âmbito humano e a
autoria é, portanto, de ordem divina.
O estudo etimológico da palavra alétheia realizado por Detienne revela que a
pré-história de sua utilização esteve vinculada a uma forma de pensamento que
conduz ao adivinho, ao poeta e ao rei. A palavra do poeta é, segundo o autor,
solidária a duas noções complementares: musa e memória. Essas duas
potências religiosas definem a configuração geral que dá a alétheia poética sua
significação real e profunda.47
Nesse contexto em que a memória encontra-se sacralizada, o acesso à alétheia é
restrito e o poeta desempenha a função de julgar as ações dignas de serem
45 HOMERO, Ilíada. II,484-486. Ver também: I,1; Odisséia I, 1-10 e HESÍODO, Teogonia v.26- 34. Traduções de PEREIRA, M.H.R. 1982. 46 DETIENNE, M. Op.cit. p.17,21.
30
lembradas e celebradas e faz, então, sua divulgação oral por palavras, lógos, em
versos que criam memória; um homem vale o mesmo que seu lógos. São os
mestres do Louvor, os serventes das Musas, que decidem sobre o valor de um
guerreiro: são eles que concedem ou negam a Memória.48
Assim, o valor de um guerreiro depende do veredicto do ‘juiz’ que, por sua vez,
possui duas opções básicas: o louvor que se efetiva pela palavra cantada, ou o
esquecimento através do seu silêncio.
Não concebo morrer sem luta ou sem glória, Tampouco sem alguma façanha cujo relato não chegue aos homens que ainda hão de vir.49
Segundo Detienne, por trás do elogio e da censura, o par que representa as
potências antitéticas é formado por Mnemosýne e Léthe. Então, a vida do
guerreiro se coloca entre esses dois pólos e ao mestre do louvor cabe a decisão
entre silêncio, esquecimento e obscuridade - de um lado - e luz, lembrança e
memória - de outro. Entretanto, o guerreiro não deve ser isentado de alguma
parcela de responsabilidade na construção de sua glória. Se o poeta é um juiz
que confere a glória, como afirma Detienne, o guerreiro é quem desempenha a
façanha, a luta.
A memória, assim, possui duplo valor. Inicialmente, ela é um dom de vidência que
permite ao poeta formular a palavra, e, depois, já encarnada na palavra cantada
47 Idem,idem. p.14-15. 48 Idem. p.19. 49 HOMERO. Ilíada. XXII,304-305. Tradução de PEREIRA, M.H.R. 1982.
31
não deixa de se identificar com o Ser, ou aquele sobre quem se canta. A alétheia
por sua vez, solidária ao louvor, desempenha função similar à memória. Alétheia
é também uma potência que traz luz, brilho, em oposição à léthe e seu irmão
mônos, ambos filhos da noite. Quando um poeta pronuncia uma palavra de
elogio, ele o faz por Alétheia, em seu nome; sua palavra é alethés como seu
espírito (vous). O poeta é capaz de ver a Alétheia, ele é um ‘mestre da
verdade’.50
Na perspectiva de pensamento em que ocorre o império da palavra mágico-
religiosa, a alétheia se identifica também com a justiça. Através do diálogo entre
o mundo humano e o divino pela mântica, a verdade é revelada e a justiça pode
ser efetivada. A verdade está associada a funções sociais que no espaço físico e
temporal em questão – a Grécia Arcaica – manifestam-se pela figura do poeta,
do adivinho e do rei.
Na tragédia Édipo Tirano, está caracterizado o poder monárquico de tipo
arcaico, evidenciado pela capacidade do rei de intermediar o diálogo entre a
coletividade ou a cidade e o mundo divino, e principalmente por sua função de
manter o equilíbrio do Cosmo – mundo e ordem – através do exercício da justiça.
[...] a vossa dor vem uma somente para cada um e nada mais, a minha alma geme pela cidade, por mim e por ti a uma.51
50 DETIENNE, M. Op.cit. p.21. 51 SÓFOCLES. Edipo Tirano. vv. 62-64. Apub. MARSHALL, F. 1999. p.83.
32
Nesta passagem, contrapõe-se à individualidade e particularidade do sofrimento
de cada cidadão. [...] a universalidade do poder de Édipo, capaz de concentrar
em si o pathos da cidade (e aí compreende-se por certo toda a dimensão
populacional - a coletividade - e territorial da pólis).52 É a manutenção da ordem,
do equilíbrio que confere ao poder arcaico sua legitimidade. Através, então do
diálogo entre os mundos humano e divino, a verdade é proferida pela mântica e a
justiça pode ser empreendida pelo rei.
[...] como se fora de rei sem defeitos e aos Deuses temente que sobre muitos e fortes vassalos domínio tivesse e distribuísse a justiça. O chão negro produz-lhe abundantemente trigo e cevada, vergadas de frutas as árvores grandes; constantemente, lhe dá peixe o mar, as ovelhas dão cria, pelo governo excelente, feliz encontra-se o povo.53
A cidade confere legitimidade ao poder na mesma proporção em que a justiça
do rei garante o bem estar social traduzido nas palavras do poeta em abundância
de proventos aos seus habitantes; [...] o centro do poder como o nó legítimo
entre os mundos divino e humano.54 E em Hesíodo:
Àqueles [reis] que a forasteiros e nativos dão sentenças retas, em nada se apartando do que é justo, para eles a cidade cresce e nela floresce o povo; sobre essa terra está a paz nutriz de jovens [...]55
52 MARSHALL, F. Op.cit. p.83. 53 HOMERO. Odisséia. C.XIX, vv. 109-114. Tradução de NUNES,C.A., apub: MARSHALL, F. Op.cit. p.65-66. 54 MARSHALL, F. Op.cit. p.67. 55 HESÍODO. Os Trabalhos e os Dias. Vv.225-228. Tradução de LAFER, M.C.N. 1996.
33
Podemos considerar imaginação social como sendo um aspecto da vida social,
da atividade global dos agentes sociais, cujas particularidades se manifestam
na diversidade dos seus produtos,56 e ainda,
os imaginários sociais constituem outros tantos pontos de referência no vasto sistema simbólico que qualquer coletividade produz e através da qual [...] ela se percepciona [...] designa sua identidade; elabora certa representação de si [...]57
Então, a verdade, ou alétheia, deve ser entendida dentro do campo simbólico
produzido na Grécia de Homero e Hesíodo, como aquilo que uma vez acessado
pelo soberano através da interpretação das palavras de um adivinho como
Tirésias, ou dos sonhos, ou das manifestações da natureza, conduz suas ações
no caminho correto, justo. São as ações do soberano, enquanto líder da cidade
que proporciona o bem estar social e por outro lado ele é um intermediador entre
os códigos e significados que se estabelecem na relação da cidade com os
deuses e portanto com a justiça.
Não é possível, nesse contexto, desvincular a alétheia de sua outra parte léthe e
ainda de seu comprometimento com a memória, com as musas e por fim com a
díke, justiça. Uma característica fundamental da palavra mágico-religiosa,
apontada por Detienne, é sua eficácia. Para assim ser, alétheia tende a se
56 BACZKO, B. 1984. p.309. 57 Idem,ibidem.
34
aproximar também de peithó que é a potência da palavra sempre em relação a
quem a recebe, o poder do verbo sobre outrem.58
II. 2. Alétheia: entre mythos e lógos
Nós sabemos dizer muitas falsidades, Que se parecem com a verdade; Mas também, quando queremos, proclamamos verdades. Assim falaram as filhas verídicas do grande Zeus; [...] inspiraram-me um canto divino, para eu glorificar o presente e o passado.59
Se no mundo divino é a ambigüidade que dá o tom (na medida em que os
deuses conhecem a verdade mas também sabem enganar pelas aparências e
também pelo caráter sempre enigmático de suas palavras), no mundo humano,
tendo em vista o seu distanciamento em relação ao mítico, é a dualidade que
vigora na fórmula do Crátilo em que o lógos é ‘coisa dupla’ (alethés e
pseudés).60 A partir dessa ambigüidade, Detienne chega a duas conclusões: [...]
o mestre da verdade é também o mestre do engano [...] e que [...] as potências
antitéticas Alétheia e Léthe não são contraditórias: no pensamento mítico, os
contrários são complementares.61
58 DETIENNE, M. Op.cit. p.37-38. 59 HESÍODO, Teogonia. V.26-34. Tradução de PEREIRA, M.H.R.1982. 60 DETIENNE, M. Op.cit. p.42-43. 61 Idem,ibidem.
35
Em seu estudo sobre a palavra lógos na Medéia, no Héracles e nas Bacantes,
Barbosa conclui que existe uma variação ampla de significado e que sua
tradução está, portanto, vinculada às particularidades e ao contexto de cada
verso. Na Medéia, afirma a autora, lógos:
[...] está presente em contextos em que as personagens constróem conscientemente as verdade possíveis pela articulação de uma fala bem organizada [...] se desdobra, é versátil, utilitário, político. É poeticamente retórico.62
No Héracles, o lógos é uma criação do poeta em que a linguagem do passado
em forma de mythos é importada para o presente. Eurípides, nessa obra, não
pretende revelar ou explicar, mas fazer seu ouvinte experimentar o valor humano,
sua condição de ‘animal político’ que acredita na peithó e pela sua relação
estabelecida através do lógos. A palavra lógos ocorre nas Bacantes,
normalmente em contextos de debate político.63
Em Heródoto, a palavra lógos possui ocorrência consideravelmente numerosa,
assim como também os sentidos a ela atribuídos. Como descreve Guthrie, lógos
é utilizado nas Histórias no sentido de: palavra por escrito; conversa de maneira
geral; informação; coisas ditas ou escritas com conotação de tratado ou acordo;
em sentido financeiro; idéia de valor, ou seja, aos olhos de alguém, opinião;
indicando uma verdade; medida, proporção, agrimensura; em comum acordo e
etc.64
62 BARBOSA, T.V.R. 1997. p.373-374. 63 Idem,ibidem. 64 HERODÓTO. I,141; III,148; I,75; VII,158; III,142; I,120; VIII,6; I,95; III,99; I,141; III,119. Ver a
36
Uma etimologia possível da palavra alétheia está vinculada à raiz lath/leth que
significa estar escondida e que dá origem a palavras como léthein – ignorar e
lanthanein – estar escondido.65 Então:
alhjqeia = a
(privação) + laq / leq
Vista desta maneira, alétheia é des-ocultar, des-cobrir, ou seja, mostrar aquilo
que está escondido, ignorado ou encoberto. Então a verdade é uma busca sobre
alguma coisa escondida no tempo e nos espaços geográficos de outras terras.
No caso do viajante Heródoto, essa é uma possível tradução da alétheia: mostrar
pelas palavras, discursos, enfim, pelo lógos, o desconhecido.
Por outro lado, a incidência de alétheia nas Histórias está vinculada a uma
opinião (dóxa, gnome, fainethai), viajante e investigador Heródoto traduz o ‘outro’
sempre de uma perspectiva marginal, é um observador narrador. A sua verdade
é relativa ao seu lugar de observação - é sempre subjetiva a uma opinião - e o
instrumento de des-ocultar é a tradução que, por sua vez, opera através da
retórica da alteridade.66
respeito: GUTHRIE, W.K.C.1984. v.1. p.396-399. 65 CHANTRAINE, P. 1983. v.2. p.618.
37
A obra de Heródoto é caracterizada pela técnica de ‘composição circular’,67 em
que se intercalam diferentes logoi, tendo sempre em perspectiva o projeto que
confere à obra sua unidade: evitar que o que fizeram os homens gregos e
bárbaros se apague - que fiquem sem memória, akléia - com o passar do tempo;
e ainda entender a causa da discórdia entre os mesmos.68 A composição circular
é caracterizada pelo retorno ao passado a partir de um assunto-problema
proposto no início da narrativa, que confere à obra uma estrutura em forma de
espiral. Esse espiral é formado por vinte oito logoi que se intercalam e estão
interligados entre eles pela ‘ring composition’.69
Pode-se observar, afirma Wathers, que certo número de princípios gerais operou
na organização da narrativa de Heródoto, que evidentemente definiu, de uma
maneira não escrita, regras de cronologia ou pertinência. Em vários casos
adaptou diversos procedimentos; em parte involuntariamente e em parte por seu
desejo de diversidade. Portanto, conclui o autor, não é proveitoso buscar
‘padrões’ de processos históricos ou de sucessões de acontecimentos
particulares.70
Um assunto que não está, a princípio, diretamente relacionado com o tema
central, a causa pela qual gregos e bárbaros fizeram guerra (por exemplo, a
66 Sobre ‘tradução’ ver: HARTOG, F. Op.cit. p.251-261 e 273. 67 WATHERS, K.H. Op.cit. p.63. Termo original: ‘ring composition’. 68 HERÓDOTO I,1. Sobre o objetivo primeiro de Heródoto ver especialmente WHATERS, K.H. Op.cit. p.11. e HARTOG, F. Op.cit. p.33. 69 WATHERS, K.H. Op.cit. p.63. 70 Idem. p.73. O autor refere-se à ‘estrutura de frontão’ sugerida por MYRES, J.L. 1953; e, também aos ‘padrões trágicos’ referenciados por IMMERWAHR, H.R. 1966.
38
maneira como colhem canela ou festejam uma divindade local dentre outras
inúmeras descrições que são colocadas pelo narrador paralelamente ao seu eixo
principal) pode ser apreendido como uma necessidade intrínseca do investigador
viajante que recolhe informações sobre seu objeto.
Para Heródoto, não é suficiente entender os acontecimentos por eles mesmos,
mas compreender o agente dos mesmos. Como já foi dito sobre a história de
Polícrates de Samos, não importa a Heródoto se o anel foi mesmo encontrado no
peixe, mas importa o significado contido nesse lógos, ou seja, como pensavam,
em que acreditavam e como agiam esse soberano e seu povo. Nesse sentido
pode-se falar em imaginário social presente nos contos populares que Heródoto
reproduz em sua narrativa delimitando conglomerados específicos de cada povo
por ele estudado. Isso permite ao investigador identificar influências, adaptações
ou trocas entre as culturas conhecidas, o que possibilita compreender a
diversidade e também a igualdade.
Outra característica que fica explícita no episódio do anel de Polícrates e em
outros logoi, é o que Immerwahr definiu como sendo ‘ritmo permanente’:
ascensão, expansão do poder até seu ápice e queda (fim do poder ou morte). Tal
esquema se repete com os soberanos que possuem poder ilimitado e são
caracterizados, assim, como que ultrapassando os limites que separam os
mundos divino e humano. O poder pode ser compreendido em Heródoto como
uma chave para a leitura sobre a concepção de hýbris, excesso, desmedida.
39
Ultrapassar o limite da condição propícia à humanidade, que é expresso tanto no
caso do anel de Polícrates ou no diálogo entre Creso e Sólon, está também
representado na obra através de ultrapassar limites geográficos, conquista de
terras além de um rio, oceano, enfim, de fronteiras naturais. Heródoto observa,
por exemplo, que Creso foi o primeiro a submeter os gregos a pagamento de
impostos, e, para tanto, atravessou o rio Hális.
Se a obra de Heródoto é composta por logoi interligados, esses são em sua
maioria compostos por diálogos, palavra que, por sua vez, é uma composição da
preposição dia e o substantivo lógos: aquilo que é colocado entre ou através,
separando ou dividindo opiniões, palavras ou discursos. Os diálogos são na obra
de Heródoto muito explorados e essa é, sem dúvida uma importante
característica da produção literária grega de então: tragédia, história e filosofia.
O efeito que o texto de Heródoto produz é, segundo Hartog, o de parecer ecoar,
em alguns momentos, um diálogo ou discussões com o auditório. E, de fato, esse
efeito que a leitura da obra produz deve-se à forte influência da oralidade e da
prática político-democrática na composição das Histórias. Em Heródoto, a
oralidade está presente tanto em relação à forma de exposição da narrativa,
apódexis, quanto de composição em que é significativa a presença de diálogos.
Acrescente-se, ainda, a forma de saber que está relacionada ao ver, mas
principalmente ao ouvir,71 afinal a narrativa desse historiador está baseada nas
informações de testemunhos. Heródoto escreve de acordo com: o que ouviu,
71 HARTOG, F. Op.cit. p.283-284.
40
akoêi grápho;72 o que se diz, tà dè legetai gráfo;73 o que dizem os gregos, katà tà
legómena hyp’Hellénon egò gráfho.74
Nesse sentido, pode-se afirmar que existe na obra de Heródoto uma opção pelo
lógos. Isso se afirma, inicialmente, pela recorrência numericamente expressiva
que o autor faz à palavra. Depois, pela associação presente nas Histórias entre
mythos e aphanés, invisível e sem provas.75
De acordo com a observação de Detienne, tem-se apenas uma discreta alusão
ao mito nas Histórias, que aparece apenas duas vezes, em meio a tantas
narrativas construídas sobre a singularidade do surpreendente e do admirável.
A palavra mito é empregada duas vezes nos nove livros do rapsodo viajante a quem os historiadores mais convictos atribuem, hoje como outrora, a paternidade de seu saber, imputando à prática etnográfica as histórias estranhas ou contos maravilhosos apontados por colegas mais austeros, mas não menos irreverentes ao pai da História. [...] Heródoto nada escreve ou narra senão logoi. [...] não oculta o mito, ao contrário, exige ser descoberto, revelado, exposto à luz. Mythos é uma verdade revelada a iniciados, é um dito ou uma opinião que se processa às claras.76
Mythos, enquanto uma verdade revelada a iniciados, não faz parte da
investigação do historiador, que de fato constrói sua narrativa com logoi. Mito no
sentido atribuído por Heródoto, conclui Detienne, é uma palavra de ilusão,
72 HERÓDOTO. II,123. 73 Idem. IV,195. 74 Idem. VI,53. 75 HARTOG, F. Op.cit. p.455, nota.128.
41
sedução enganadora, narrativa enganadora, opinião sem fundamento que ele
repele ou descarta. Heródoto queria dar à cidade um novo memorial.77
E, então, Heródoto é um narrador sujeito da enunciação (eu ouvi, eu vi, eu digo,
eu escrevo).78 Narrador que se coloca na primeira pessoa do singular e plural,79 e
na terceira pessoa do singular.80 O importante, segundo Hartog, é que só o
narrador principal pode ocupar todas as posições discursivas, intervindo através
das marcas de enunciação.81
Intervenção que na maioria das vezes é confeccionada para ‘fazer crer’ – um jogo
proposto pelo narrador ao seu destinatário – em que o agente da enunciação
posiciona-se da seguinte forma: [...] não sei [ouk oida] se isso é verdadeiro
[alethéos], escrevo [gráfho] como me disseram [léguetai] [...];82 [...] digo o que
me disseram [...], mas eu e você meu ouvinte-leitor [...] não devemos acreditar
em tudo [...]83 e por isso mesmo acredite em mim. Ou: Esta é, das duas versões
que correm, a mais credível [pithanóteros tõn lógon], mas devo referir
igualmente a menos aceitável, já que ela também circula.84 Sendo assim, você
ouvinte-leitor pode acreditar em mim.85
76 DETINNE, M. 1992. p.97-98. 77 Idem. p.101-103. 78 Estas são, segundo HARTOG, F. Op.cit., as marcas da enunciação nas Histórias. p.299. 79 HERÓDOTO. II,127,131,148; III,122; IV,16,20,46,48. 80 Idem. I.1. 81 HARTOG, F. Op.cit. p.299. 82 HERÓDOTO. IV,195. 83 Idem. VII,152. 84 Idem. III,9 ou V,45. 85 HARTOG, F. Op.cit. p.298-299.
42
Em meio a uma multidão de narradores secundários, o sujeito da enunciação
confere a seu lógos uma indiscutível credibilidade, na medida em que diz porque
é seu dever relatar o que lhe disseram, dando voz a diversas personagens e
diferentes versões, e seu destinatário é, por isso, livre para decidir qual é a mais
digna de crédito.
Hartog conclui que esse posicionamento do narrador conduz o destinatário a
acreditar na versão que o historiador julga, dokei moi, a mais verdadeira. Como
não busco fazê-los crer, vocês podem, em suma, crer em mim ainda mais.86
O ‘fazer crer’ é, sem dúvida, um efeito que o texto de Heródoto produz, mas vale
acrescentar à essa aparente falta de querer fazer crer, que acaba conferindo
credibilidade à versão que o narrador considera mais coerente, um outro
elemento de muita importância. Quando Heródoto diz que seu destinatário é
sobretudo livre para escolher, entre as diferentes versões, a que lhe parecer mais
verdadeira, não está simplesmente sendo retórico, porque essa é uma atitude
que fica evidente em toda sua obra, conferindo uma coerência entre a fala e a
ação. Primeiro, em relação às diferentes versões que circulam e que por isso
devem ser expostas à apreciação e julgamento do destinatário. Segundo, a sua
atitude diante da diversidade de culturas com que teve contato, os citas, os
medas, os persas, os egípcios etc., não para julgar qual a melhor mas para
compreender a sua própria; As Histórias são decerto este espelho no qual o
86 Idem. p.301. Sobre o ‘fazer crer’: “O jogo da enunciação.”, p.297-302.
43
historiador não cessou jamais de olhar, de interrogar-se sobre sua própria
identidade [...].87
Entretanto, uma questão proposta por Wathers deve ser considerada. O mundo
para Heródoto não se dividia entre gregos e não-gregos, e isso fica explícito na
sua obra, afirma o autor, quando em tom irônico o investigador diz terem os
atenienses - ‘que se diziam’ os mais inteligentes dos gregos - caído em uma
armação de Pisístrato, que enganou-os vestindo uma mulher como Atena.
Wathers acrescenta a seu argumento o conhecimento demonstrado por Heródoto
de que os bárbaros eram ‘nos velhos tempos’ muito mais sofisticados: os lídios
inventaram a cunhagem de moedas e os jogos que os gregos adotaram, os
fenícios a escrita alfabética, os egípcios o calendário, entre outras obras primas.
Os bárbaros são muitos, e cada grupo possuía particularidades que conferiam
identidade distinta.88
Esse impasse sobre uma polaridade dualista entre gregos e bárbaros, é sem
dúvida, uma questão bastante difícil. Percebe-se que, de fato, não existe uma
polaridade dualista e que Heródoto distingue, em meio à diversidade cultural por
ele conhecida, suas diferenças. No entanto, a operação de reconhecimento das
diferenças se realiza tendo como ponto de vista referencial sua própria cultura.89
87 Idem. p.38. 88 WATHERS, K.H. Op.cit. p.112-113. 89 HERÓDOTO. III, 38. Esse assunto será melhor discutido no capítulo seguinte.
44
Quando se fala sobre a atitude do historiador, é necessário levar em
consideração a forma de composição de sua obra vista em sua totalidade, o
enredo em seu conjunto. E, portanto, a atitude do narrador das Histórias é expor
logoi diversos através do diálogo em que as verdades, sejam elas sobre as
diferentes versões ou sobre a diversidade cultural, possuem um referencial
constante, a opinião do agente da enunciação. Não porque a sua opinião é a
melhor, mas porque é relativa à sua ego-história, em que o nómos é o
soberano.90
A palavra alétheia é uma testemunha, segundo Detienne, de um processo de
laicização em que ocorre a superação da palavra mágico-religiosa pela palavra-
diálogo.91 Para Santoro, tanto a palavra filosófica quanto a histórica fazem parte
do mesmo movimento de crise e reflexão do mito que instaura a palavra como
lógos - como articulação demonstrativa e causal.92 Nesse processo de mudança
em que a alétheia pôde ser pensada filosoficamente e historicamente, foi preciso
acontecer a secularização da palavra, inserida, a partir de então, em novas
relações sociais e em estruturas políticas e jurídicas inéditas que constituíram, na
prática, a elaboração de duas ou mais teses ou partidos, entre os quais a
escolha era inevitável.93
Em Os mestres da verdade na Grécia Arcaica, Detienne diz que alguns meios
sociais utilizavam-se de outro estatuto do verbo, diferente da palavra mágico-
90 Idem,ibidem. 91 DETIENNE, M. 1988. p.45-54. 92 SANTORO, F. 1998. p.12.
45
religiosa, ou seja, a palavra-diálogo. Na Ilíada e na Odisséia encontramos relatos
em que as ações dos guerreiros são precedidas de discussão e submetidas à
aprovação da maioria. Nesse grupo, a verdade é relativizada pelas
necessidades práticas e pelos objetivos comuns dos guerreiros. É nesse grupo
social que se esboçam os ideais gregos de Isegoria - igualdade de direitos para
expressão da palavra.94 São esses ideais que estarão presentes na arquitetura
do pensamento grego com o advento das cidades. Em Atenas, por exemplo, a
novidade da arquitetura expressa-se inicialmente na Ágora e se completará na
colina da Pnice com a instituição da Assembléia do povo. No ambiente da pólis
grega foi possível o estabelecimento de uma nova forma de pensamento político
onde o poder ou governo - kratos - era exercido pelo povo - demos. Afinal de
contas, diz Finley: foram os gregos que descobriram não apenas a democracia,
mas também a política - a arte de decidir através da discussão pública [...]95. As
Histórias são, de certo, a expressão de uma forma de pensamento fundamentada
em logoi. E a expressão dos diferente logoi pelo historiador é uma manifestação
possível no contexto político-democrático, porque traduz a forma adotada nas
assembléias populares em que o diálogo entre os presentes se faz
indistintamente.
II.3. Pólis e a elaboração da palavra-diálogo
93 DETIENNE, M. Op.cit. p.74. 94 CHANTRAINE, P. Op.cit. p.470. 95 FINLEY, M.I. 1988. p.26.
46
Quando se fala em democracia grega, o exemplo que é colocado em evidência é
a cidade de Atenas. Durante pelo menos dois séculos (do V ao IV a.C.), Atenas
proporcionou uma unidade à civilização grega, dominou politicamente o mundo
Egeu e esteve no centro de toda a produção artística, que se encontra em grande
parte conservada, viabilizando pesquisas sobre essa cidade.96 Outro elemento
que viabiliza o estudo de Atenas como paradigma de democracia é a
constituição de um lógos, de uma palavra voltada para o político em que a
essência se concentra na ação. A pátria do homem não é senão a pátria do
lógos, pois o lógos é o grego, e o grego é o ático. [...] Atenas, doravante, só age
falando.97
Em As origens do pensamento grego, Vernant observa que as muralhas que
cercam a pólis tinham função prática de segurança, mas também representavam
a necessidade de união daqueles que ali habitavam. As construções não são
feitas em torno do palácio real como anteriormente, mas sim em torno da ágora -
lugar público de discussão sobre assuntos de interesses gerais. Nas ruínas do
palácio - lugar que foi durante longo período referência de um poder centralizado
na figura do basileus - é construída a acrópolis - espaço reservado a partir de
então ao sagrado, à religião.
96 MOSSÉ, C. 1985. p.17. 97 CASSIN, B., LORAUX, N., DARBO-PESCHANSKY, C. 1993. p.50.
47
Essas mudanças de ordenamento do espaço físico e político nas cidades
antigas ocorreram de forma complexa. Entre o poder centralizado e a
democracia, as cidades antigas passaram por outras experiências políticas
como a oligarquia e a tirania. Em seu estudo detalhado sobre esse processo de
mudanças nas cidades gregas, Glotz lembra que toda a história desse período
[...] está prenhe de revoluções e contra-revoluções, de morticínios, banimentos
e confiscos.98
Na construção do regime democrático, a novidade expressa-se no espaço
público para o comércio de artigos variados e também para as assembléias
populares, na ágora. Lugar em que se faz possível, inicialmente, a construção do
espaço democrático, ou seja da isegoria. É isso que torna a noção de poder do
Estado algo inteiramente diferente; O Estado é precisamente o que despojou de
todo caráter privado, particular, o que, escapando da alçada dos gene, já
aparece como a questão de todos.99 Lembrando que este ‘todos’ refere-se aos
iguais, os cidadãos.
O governo era, assim, ‘pelo povo’, no sentido mais literal. A Assembléia, que detinha a palavra final na guerra e na paz, nos tratados, nas finanças, na legislação, nas obras públicas, em suma, na totalidade das atividades governamentais, era um comício ao ar livre, com tantos milhares de cidadãos com idade superior a 18 anos quantos quisessem comparecer naquele determinado dia. Ela se reunia freqüentemente durante todo o ano, no mínimo quarenta vezes, e, normalmente, chegava a uma decisão sobre o assunto a discutir em um único dia de debate, em que, em princípio todos presentes tinham o direito
98 GLOTZ, G. 1980. p.87. 99 VERNANT. J-P. 1986. p.32.
48
de participar, tomando a palavra Isegoria, o direito universal de falar na Assembléia, era algumas vezes empregado pelos escritores gregos como sinônimo de ‘democracia’ E a decisão era pelo voto da maioria simples daqueles que estivessem presentes.100
De acordo com Heródoto, as reformas efetuadas por Clístenes ao dividir os
atenienses em dez tribos - em vez das quatro então existentes - ampliou a
participação e conquistou para sua facção o apoio do povo que, antes, estava
excluído de tudo.101 Aristóteles confirma o alcance político-democrático que o
regime fundado por Clístenes promovia. Destaca ainda outras medidas que
efetuaram a mistura dos cidadãos ampliando o contingente da cidadania e
fortalecendo a participação popular.
Estando como líder da multidão nessa ocasião - no quarto ano após a deposição da tirania [...] repartiu todos os cidadãos em dez tribos em vez de quatro com o propósito de misturá-los, a fim de que mais pessoas participassem do regime [...] compôs o conselho com quinhentos membros em vez de quatrocentos, cinqüenta de cada tribo [...].102
Dentre outras medidas que visavam a participação de forma igualitária, essas
citadas são especialmente importantes pelo fato de destituir a antiga
organização fundada em laços de sangue, substituindo-a por uma ordem
geométrica e geográfica, criando as condições para a democracia.103 Segundo
Loraux, nesse momento inicial das reformas empreendidas por Clístenes ocorre
100 FINLEY, M.I. 1988. p.31. 101 HERÓDOTO. V,65-6. 102 ARISTÓTELES. A constituição de Atenas. Tradução de: PIRES, F.M. 1995. p.51. 103 MOSSÉ, C. 1985. p.24.
49
uma ampliação do espaço participativo, na medida em que se incorpora ao
corpo de cidadãos muitos estrangeiros e escravos-metecos.104
A ampliação do espaço político na pólis, de acordo com Vernant, caracteriza-se
também pela publicidade dos conhecimentos através da escrita, que a partir do
séc. VIII a.C. constitui uma técnica de uso cada vez mais amplo. Para o autor, a
popularização da escrita foi uma reivindicação que surge com da necessidade
de redação das leis no contexto do nascimento da cidade. Por esse viés,
entende-se que a palavra escrita além de assegurar a permanência das leis,
subtrai a autoridade privada dos basileis que tinham a função de dizer o direito.
Através da escrita, o direito torna-se um bem comum, pois apresenta-se
disponível a todos.105
Para Detienne, por mais absoluto que tenha sido o império da palavra mágico-
religiosa (caracterizada pela eficácia, atemporalidade e inseparável de condutas
e valores simbólicos) no ambiente da cidade, foi possível a elaboração da
palavra-diálogo, pautada pela laicização, inscrita no tempo, provida de uma
autonomia própria e ampliada às dimensões de um grupo social. Na perspectiva
de Detienne, o advento da cidade grega marca o declínio do sistema onde os
juramentos decidiam através da força religiosa e a palavra atinge sua autonomia
tanto na função política, quanto no reconhecimento do real.106
104 CASSIN, B., LORAUX, N., DARBO-PESCHANSKY, C.1993. p.17. 105 VERNANT, J-P.1986. p.36. 106 DETIENNE, M. Op.cit. p.45 e 55.
50
Por um lado, Detienne propõe que, no contexto das cidades, foi possível a
promoção da palavra em que o diálogo entre os seus habitantes estabeleceu
uma forma jurídica e política pautada pela igualdade de direitos. Ainda assim,
pode-se notar uma ênfase do autor em relação ao germe da democracia
encontrado nas práticas dos guerreiros relatadas por Homero. Os guerreiros,
segundo Homero, tinham o costume de colocar es méson os butins para serem
divididos entre os participantes das batalhas, da mesma forma, depositavam no
centro o discurso.
Colocar no centro, es méson, é tornar público, comum, a partir de um modelo
espacial circular e centrado. Tomar a palavra implica em avançar até o centro,
pegar o cetro. Neste lugar existe uma relação de comprometimento entre os
participantes que ao depositarem seus bens no centro é faze-los comum,
públicos. É, como diz Meandros ao dispor do poder que pertencia a Polícrates
de Samos: [...] eu deposito [titheì s] no centro [es méson] o poder [arkhèn] e
proclamo a isonomia [isonomíen] [...].107
Nesse sentido, com surgimento da pólis e a instauração do espaço público, o
poder se concretizava com a eloquência do discurso, com a palavra dita. A arché
não era mais fundamentada nas armas, mas agora de outra forma, no combate
através da palavra, o agon, acrescido de um outro componente, a persuasão,
Peithó.108 O poder da palavra, portanto, está situado em sua capacidade de
convencimento, já que as decisões são tomadas a partir de votações precedidas
107 HERÓDOTO. III,142.
51
de debates; [...] a arte política é essencialmente exercício da linguagem; e o
lógos, na origem, toma consciência de si mesmo, de suas regras, de sua
eficácia, através de sua função política.109
Assim, uma argumentação convincente é fundamental para a aprovação de uma
idéia pelo voto da maioria. As tragédias e comédias produzidas na Atenas do
séc. V a.C. são os principais testemunhos da importância atribuída à arte de falar.
Quem não ficaria convencido, por exemplo, da razão de Medéia? O discurso da
personagem Medéia de Eurípides é mais forte, mais convincente que suas
próprias ações.
No estudo de Richard Sennett sobre a cidade e a experiência corporal de seus
habitantes, o autor destaca a importância da voz enquanto instrumento de
manifestação da cidadania em Atenas. Sennett observa que a democracia
ateniense dava à liberdade de pensamento a mesma ênfase atribuída à nudez. O
desnudamento do pensamento pela liberdade da voz é comparado à nudez dos
atletas nos ginásios. Para um ateniense, a educação tanto do corpo pelos
exercícios físicos e competições olímpicas, quanto da oratória, ou, arte de falar
em público, eram fundamentais na prática da cidadania.110
Não há dúvidas sobre a importância da escrita em relação à popularização do
direito, sem a qual a democracia ficaria comprometida com interesses de grupos
restritos. Por outro lado, a tradição preservou a oralidade como sendo o meio
108 ROCHA, M.C.C.F. 1995. p.116. 109 VERNANT. J-P. Op.cit. p.35. 110 SENNETT, R. 1997.
52
principal de manifestação política. A cultura grega antiga era, essencialmente,
oral. Como Finley exemplifica: Sócrates foi o único filósofo que recebeu a “pena
de morte” naquela época e ele nunca escreveu nenhuma linha.111 Acontecimento
esse, que demonstra que a liberdade de expressão estava condicionada a
interesses comunitários ou outros, e que coloca em cheque a real possibilidade
de um desnudamento total do pensamento.
De acordo com Sennett, o mostrar, exibir e revelar marcaram as pedras de
Atenas, as construções arquitetônicas da cidade tendem a valorizar a projeção
da voz, e isso, de fato, ocorria. Se na ágora a voz era dispersa e o debate
acontecia entre grupos antes da votação, na colina de Pnice a construção em
forma de teatro ampliava a voz emitida de um plano inferior e expunha a palavra à
apreciação de todos os presentes na assembléia.112 O dizer em público e
decidir em público foi o que constituiu a publicidade da vida na pólis.113 Nesse
contexto arquitetônico da pólis, a alétheia se identifica com a etimologia que se
encontra em Chantraine, ou seja, des-ocultar, des-cobrir.
A harmonia entre a carne (o cidadão) e a pedra (os lugares públicos) comportava
também contradições. A fisiologia grega justificava direitos desiguais e espaços
urbanos distintos. O debate era apenas propício aos homens, pois possuíam o
corpo mais aquecido segundo a teoria antiga da reprodução.114 Se por um lado,
111 FINLEY, M.I. Op.cit. p.172. 112 SENNETT, R. Op.cit. p.50-51. 113 ROCHA, M.C.C.F. Op.cit. p.119. 114 SENNETT, R. Op.cit. p.38-40.
53
a cidade grega é o modelo por excelência, origem e paradigma, da
democracia, por outro;
funciona à custa de exclusões: um pequeno grupo de cidadãos, para poderem estar próximos, ao alcance da voz, contra o resto do mundo, estrangeiros e bárbaros. E tendo, em seu próprio interior, as mulheres, os metecos, e [...] a massa dos escravos, [...] fora do político.115
Sennett enfatiza que apesar de não haver a participação dos “corpos frios” - das
mulheres - nos espaços públicos instituídos, existia por parte delas a recusa do
sofrimento passivo. Recusa manifestada através de rituais, em especial a
Thesmophoria - que dignificava o corpo feminino frio - e a Adonia - que
restaurava nelas o poder da fala e do desejo, que lhes foram negados por
Péricles na Oração Fúnebre: [...] a maior glória de uma mulher está em evitar
comentários por parte dos homens, seja de crítica ou elogio.116
Esses dois rituais exemplificam uma maneira encontrada de responder ao
desprezo social, permitindo aos seres humanos comportarem-se como agentes
ativos e não como vítimas passivas diante da exclusão. Se o pensamento político
grego moldava a democracia em torno do lógos, os rituais davam existência a
zonas mágicas onde os poderes do mythos agiam por gestos, como dançar,
beber e cantar, que celebravam o compromisso recíproco entre os
participantes.117 Vale acrescentar que, no cotidiano, a condição da mulher é
115 CASSIN, B., LORAUX, N., DARBO-PESCHANSKY, C. Op.cit. p.7. 116 SENNETT, R. Op.cit.. p.61. 117 Idem. p.72-74.
54
distinta em relação ao grupo dos que ficavam à margem do plano político, pois a
condição jurídica da mulher grega lhe confere direitos cívicos como demonstra
Souza Lessa.118 E, apesar da exclusão das mulheres nos debates públicos e,
ainda, a própria existência da escravidão, aqueles que possuíam o direito político
exerciam-no na condição de igualdade.
É nessa arquitetura do pensamento grego do século V a.C. que a história se
constitui como uma forma de investigação, em que o historiador é um agente que
constrói a verdade a partir dos indícios presentes nas fontes, que se compõem,
mormente nesse período, por relatos orais. Heródoto afirma que o seu relato é
produto daquilo que ele conseguiu saber por ele mesmo, o historiador é, portanto,
agente de uma investigação que tem como objetivo preservar do esquecimento,
pela forma escrita, as ações admiráveis dos bárbaros e dos helenos. A narrativa
de Heródoto está inscrita no tempo dos homens, pois a autoria da palavra não
depende da inspiração divina, é, sobretudo, construída a partir da lembrança
daqueles que sabem porque viram ou que ouviram dizer de outros.
Segundo Vernant, a escrita em prosa marca um novo patamar, uma nova forma
de pensamento, a narrativa histórica funciona como uma verdadeira ferramenta
lógica conferindo à inteligência verbal domínio sobre o real.
A organização do discurso escrito é paralela a uma análise mais cerrada, um ordenamento mais estrito da matéria conceitual. Na e pela literatura escrita instaura-se esse tipo de discurso onde o lógos não é somente palavra, onde ele assumiu o valor da racionalidade demonstrativa e se contrapõe nesse plano, tanto pela forma quanto pelo sentido, à palavra
118 LESSA, F.S. 1995. p.65-70.
55
mythos. Do ponto de vista do leitor, a leitura supõe uma outra atitude de espírito, mais distanciada e ao mesmo tempo mais exigente, que a escuta dos discursos pronunciados.119
Em Heródoto, o encantamento da palavra falada e o rigor da racionalidade da
palavra escrita caminham lado a lado, são complementares. Heródoto privilegia a
memória oral, já que as fontes que mais utiliza na sua investigação são os relatos
de testemunhas. Ao escrever suas Histórias, esse historiador grego distingue
metodologicamente: a) o que sabe porque viu; b) o que ouviu de testemunhas
oculares; c) ou, ainda, o que sabe por ouvir dizer.120 A racionalidade de que fala
Vernant, encontra-se em Heródoto pautada pelo discernimento de suas fontes,
um trabalho que poderia ser chamado de citação, dentro de critérios de uma
cultura oral que encontra-se preservada pela forma escrita.
Para Gagnebin, a distinção entre lógos e mythos ocorre de maneira gradativa e
nada tem de eterno, definitivo:
[...] como certa historiografia iluminista triunfante gostaria de estabelecer. Nas primeiras linhas das historiai do nosso primeiro historiador, podemos ler, ao mesmo tempo, esta imbricação e esta separação da palavra mítica e do discurso racional emergente.121
E Heródoto:
Esta é a exposição das informações de Heródoto de Halicarnasso, a fim de que os feitos dos homens, com o tempo, se não apaguem e de que não percam o seu lustre ações
119 VERNANT, J-P. 1992. p.173-174. 120 SNELL, B. 1975. p.196. 121 GAGNEBIN, J.M. 1997. p.17.
56
grandiosas e admiráveis, praticadas, quer pelos helenos, quer pelos bárbaros, e sobretudo, qual a razão (aitia) por que entraram em conflito uns com os outros.122
A propostas de Heródoto é, portanto, investigar tanto as ações dos bárbaros,
quanto a dos helenos, e a causa (aitia) das Guerras Pérsicas - este é o núcleo
temático - e preservar do esquecimento, pela forma escrita, as ações admiráveis
dos homens: esta é a linha mestra da História. Heródoto retoma e transforma a
tarefa do poeta arcaico: contar os acontecimentos passados, conservar a
memória, resgatar o passado, lutar contra o esquecimento.123
Se por um lado existe um conglomerado cultural herdado, como afirma Dodds,124
por outro ocorre uma ruptura da história com a inteligibilidade do tipo mítico que
fica evidente em Heródoto sob três aspectos. Primeiro, o passado é submetido a
uma cronologia. Heródoto presumiu, por exemplo, que Homero vivera
quatrocentos anos antes (850 a.C.).125 Segundo, a transferência da autoria da
narrativa. Na epopéia, a palavra é inspirada pelas musas e o poeta é o agente
transmissor da palavra. Já em Heródoto a palavra é laicizada: Disse até aqui o
que vi e o que consegui saber por mim mesmo.126 Finalmente, a ação que
importa é a humana. Por exemplo, o historiador identifica que o desencadeador
das disputas entre bárbaros e gregos é Creso da Lídia, e, não, o rapto das
mulheres gregas (Io e Helena) e bárbaras (Europa e Medéia).
122 PEREIRA, M.H.R. 1994. p. xix. 123 GAGNEBIN, J.M. Op.cit. p.17. 124 DODDS, E.R. 1988. p.194. 125 FINLEY, M.I. 1989b. p.10. 126 HERÓDOTO. II,99.
57
Isto é o que contam os Persas e os Fenícios. Quanto a mim [egò], a respeito de tais acontecimentos, não vou afirmar que as coisas se passaram assim ou de outra maneira, mas, depois de assinalar aquele que eu próprio sei [oida] ter sido o primeiro a cometer atos injustos [adíkon érgon] contra os Helenos[...].127
Essa proposição é significativa porque busca entender os acontecimentos
através de análise crítica das fontes e não apenas, como afirma Veyne, pela
repetição das informações recolhidas durante sua investigação.128 Segundo
afirma Heródoto, Creso da Lídia foi o primeiro bárbaro a submeter alguns
helenos a pagamento de tributo, e que antes desse soberano todos os gregos
eram livres; prò dè tes Kroísou arches pántes Hellenes hesan eleúthero.129
Em outra ocasião Heródoto adverte seu interlocutor; Pela minha parte, o meu
dever é dizer o que me disseram, mas não acreditar em tudo, e o que acabo de
declarar vale para todo o resto de minha obra.130 Nesse contexto, o historiador
disponibiliza relatos divergentes ao seu interlocutor como uma exigência de
crítica e não a ausência da mesma. E esta exigência se refere tanto ao fazer
quanto ao ler e ouvir história. E, pode-se afirmar que é importante para Heródoto
construir suas histórias utilizando todas as fontes disponíveis, porque interessa-
lhe preservar do esquecimento a identidade das diferentes culturas. É, ainda, de
fundamental relevância para esse viajante historiador, respeitar o espaço de
127 Idem. I,5. 128 VEYNE, P. 1987. p.23. 129 HERÓDOTO. I,6. 130 Idem. VII,152. Hecateu de Mileto, anterior à Heródoto, já propunha uma ruptura com a inteligibilidade mitólogica propondo uma nova forma de racionalidade: Escrevo de acordo com o que me parece ser a verdade; pois as histórias dos Gregos são, a meu
58
manifestação das divergências dentro de uma mesma cultura, porque sua
identidade se manifesta por aquilo que possui de comum e de diferente.
II.4. Alétheia nas Histórias
De acordo com o estudo de Catherine Darbo-Peschansky, O discurso do
particular, Heródoto não reivindica o poder de dizer a verdade, o que ocorre na
narrativa é um posicionamento hesitante e restritivo.131 O acesso pleno à verdade
é uma exclusividade dos deuses, que tanto podem revelá-la aos homens através
de sonhos e oráculos,132 quanto manipulá-la impedindo o seu reconhecimento. A
alétheia passa então a ser instrumento da justiça divina.133
O relativismo em Heródoto fica transparente na análise sobre a verdade e a
opinião nas Histórias realizada por Peschansky. Essa análise revela que as
Histórias não incorporam um discurso verdadeiro e que tanto sua ocorrência
quanto sua legitimidade procedem da opinião, doxa. De acordo com
Peschansky, o papel que a opinião exerce na obra é primeiro de triagem das
informações, sendo aquelas que exercem maior persuasão sobre o historiador
as mais dignas de crédito. O segundo, e mais importante, de acordo com a
autora, é o fato de Heródoto dar às suas próprias palavras valor de opinião.
entender, muitas e ridículas. Ver PEREIRA, M.H.R. Op.cit. p.XVIII. 131 DARBO-PESCHANSKY, C. 1998. p.191. 132 HERÓDOTO. VIII,77. 133 DARBO-PESCHANSKY, C. Op.cit. p.192.
59
Nessa perspectiva, o investigador se coloca no mesmo nível dos seus
informantes, não sendo nenhum deles, a priori, fonte de verdade.134 Por fim, se
Heródoto espera que as opiniões dos seus informantes o ajudem a formar a sua
própria, o investigador solicita igualmente ao destinatário da obra, o leitor-
ouvinte, que acompanhe esse procedimento e elabore sua própria opinião ; [...]
cada um é livre para aceitar a opinião daqueles que o convençam.135 Dessa
forma, conclui Peschansky, Heródoto não exige do destinatário a passividade de
quem está a receber uma mensagem de verdade.136
É nesse contexto de acesso privilegiado à verdade que, segundo a autora,
compreende-se o trágico divórcio entre a alétheia e os povos conquistadores da
Ásia (lídios, medas e persas). Particularmente, os soberanos que são
condenados pelos deuses devido à desordem, hýbris. A finalização - pode-se
assim dizer - das Histórias, busca exatamente explicitar essa pretensão dos
soberanos de ultrapassar os limites empreendendo ações desmedidas.
Heródoto dá voz à Ciro, que retorna ao texto como uma reflexão do próprio
historiador sobre toda a trajetória dos soberanos persas, marcada pela ambição
de conquista. É sobre essa ambição desordenada que fala Ciro, e conclui que é
melhor ser livre mesmo em uma terra pouco fértil, do que escravo em uma terra
rica. Uma terra onde existem facilidades é mais propícia a homens fracos.137
Disso tem-se que cada povo deve aceitar os limites geográficos em que vivem,
134 Idem. p.212. 135 HERÓDOTO. V,45. 136 DARBO-PESCHANSKY, C. Op.cit. p.123. 137 HERÓDOTO. IX,122.
60
não ambicionando terras alheias. Tais limites representam, metaforicamente, a
condição humana diante do mundo divino.
Numa perspectiva panorâmica e geral das Histórias, a justiça (reparação da
desordem causada pela ambição de ultrapassar limites) se concretiza com a
derrota frente aos gregos. E no âmbito específico de cada soberano, a justiça se
manifesta como uma reação contrária à incapacidade de compreensão da
verdade quando revelada pelos deuses. Cada soberano bárbaro, diz
Peschansky, tem sua própria maneira de ignorar ou de perverter a verdade.
Creso, por exemplo, não soube interpretar o sentido verdadeiro do oráculo.
Xerxes não dá o crédito devido às palavras verdadeiras de Demaratos. Dario
acredita que o valor da verdade é apenas prático:
[...] na altura que é preciso dizer uma mentira, ela deve ser dita. É que, de fato, todos nós desejamos a mesma coisa, quer quando dizemos a verdade: se, por seu lado, os que mentem estão à espera de ganhar alguma coisa, convencendo alguém com a suas mentiras, também os outros dizem a verdade para ganharem maior credibilidade e para que mais algum lucro lhes provenha com a verdade. [...] Se nada houvesse a ganhar, tanto faria que aquele que diz a verdade fosse mentiroso ou aquele que mente fosse verdadeiro.138
Cambises, por sua vez, confere grande importância à verdade aderindo à
pretensão de atingi-la. Mas ele não passa do ator de uma paródia de pesquisa,
em que todos os meios de conhecer o que é verdadeiro revelam-se
138 Idem. III,72.
61
deformados, impróprios e finalmente inúteis.139 Os desencontros de Cambises
com a verdade são, de fato, uma paródia em que sua personagem é o protótipo
da falta de discernimento e equilíbrio. Seu lógos é composto por uma sucessão
de acontecimentos, como o episódio do mago usurpador ou dos espiões, em
que fica explicita sua dificuldade de acesso a verdade. A expedição, que tinha
por objetivo saber a verdade sobre os etíopes, acaba revelando uma contradição
sobre os persas que, como informa Heródoto, tinham como princípio de
educação e ensinamento aos seus filhos dizer a verdade.140 Aos olhos dos
etíopes, entretanto, eles não diziam a verdade sobre a real intenção da
expedição, da mesma forma como a tintura púrpura dos seus mantos mascara
a cor verdadeira do tecido.141
Peschansky conclui que os soberanos persas são uma espécie de chapa
negativa de Heródoto, porque fazem tudo o que este evita fazer: identificar a
experiência direta dos homens com a verdade, pretender ter desta uma
instituição infalível.142 Acrescenta que a verdade em Heródoto é uma concepção
marginal, que não possui objetivo de sancionar a pesquisa.
A autora analisa um conjunto de palavras semanticamente próximas de alétheia,
quais sejam: atrékeia, atrékéos; saphes, saphenéos; orthos, orthotés. O adjetivo
saphes que substitui atrékes, é pouco utilizado por Heródoto, sendo que atrékeia
139 DARBO-PESCHANSKY, C. Op.cit. p.199. Ver: HERÓDOTO. III,35. 140 HERÓDOTO. I,136-137. 141 Idem. III,22. 142 DARBO-PESCHANSKY, C. Op.cit. p.202.
62
e orthotés (exatidão, precisão, justeza) são os termos mais recorrentes.143 Na
maioria das ocorrências de atrékeia, o investigador não dispõe de informações
suficientes para fazer uma opção entre as diversas versões que teve o cuidado
de conhecer e expor. Diferentemente do que acontece com alétheia, a confissão
de impotência só é proferida depois de reflexão em que o investigador analisa as
soluções possíveis visando encontrar uma resposta à questão proposta.144
Entretanto, ressalva a autora, o investigador não hesita em apontar alguns sinais
de justeza, com a segurança de quem se sente em condições de julgar.145
Pode-se afirmar primeiramente que Heródoto, de fato, tanto hesita em declarar
um acontecimento exato, quanto resiste a considerar conclusões segundo a
alétheia, principalmente pela carência de informações, e isso leva-o a abrir um
leque de soluções possíveis. E em segundo lugar, mesmo quando precisa, a
informação não desvenda o fato: é preciso construí-lo, desbastá-lo, dar-lhe um
sentido. Nas Histórias, essa atividade, designada pelo nome de gnome [II,24,99]
ou pelos verbos sumballésthai e katanoien [II,28], conduz sempre à expressão de
uma opinião.146 E assim, independentemente das nuanças da palavra alétheia,
as Histórias não incorporam um discurso de verdade, sua legitimidade procede
da opinião.147
Quantitativamente, existe uma abundância significativa da utilização do
vocabulário que expressa a opinião, principalmente o verbo dokein e depois o
143 Idem,ibidem. 144 Idem. p.205. 145 Idem. p.206. 146 Idem,ibidem.
63
substantivo gnome, em relação às poucas ocorrências em que Heródoto
expressa certeza de estar dizendo o verdadeiro.
livro
afirmações do verdadeiro, do exato,
ou do justo
opiniões
I 5 21 II 12 57 III 0 14 IV 3 24 V 2 11 VI 2 6 VII 0 21 VIII 0 15 IX 0 5
A análise das informações contidas no quadro148 resumido acima indica que o
que é constante em todos os livros é mesmo a indiscutível predominância da
opinião relativa à verdade, ou nas palavras de Peschansky; [...] os juízos de
opinião prevalecem sobre os juízos de verdade [...]149 e;
Quando o investigador se permite fazer uma avaliação do seu próprio discurso, bem como de seus informantes, [...] dá ao seu julgamento o caráter relativo de uma opinião suscetível de ser discutida, assumindo ele próprio a postura de um pesquisador que não pretende determinar a ‘causa mais verossímil’, a qual se revestiria de excepcional esclarecimento.150
Marshall afirma que a experiência histórica que modela o conceito da palavra
gnome como categoria do pensar que possui referências a uma objetividade e
147 Idem. p.208. 148 Idem. p.209. 149 Idem. p.209. 150 Idem. p.210.
64
racionalidade suscetíveis de se apreender, cultivar e utilizar como finalidade
argumentativa, pode ser identificada, em seus traços mais gerais, com o projeto
de emancipação do homem face às realidades que o ultrapassam, que o
impedem de dominar seu destino. Nesse sentido, a gnome ocupa um papel
central na reflexão sobre as possibilidades do homem como agente histórico.
Isso tem a ver, diz o autor, com o predomínio de conceitos de lógos e nómos
sobre mythos e phýsis, que se verifica na história do pensamento grego do
século V a.C.151
151 MARSHALL, F. 1999. p.168-175.
65
CAPÍTULO III: Diversidade e identidade
III. 1. Nómos: a religião e as Histórias
Heródoto viajou por muitas terras e pôde descobrir culturas diversas, muitas
vezes com valores opostos, como indica a história por ele relatada sobre Dario e
a questão dirigida a indianos e gregos:
Dario, durante o seu reinado, convocou os Gregos que habitavam na corte e perguntou-lhes por que preço estariam dispostos a devorar os cadáveres dos seus próprios pais. Ao que responderam que por preço nenhum fariam tal coisa. Em seguida, o monarca chamou um grupo de indianos, designados por Calatinos, que têm por uso comer os pais. E diante dos Gregos, que através de um intérprete podiam compreender o que dizia, perguntou-lhes por que preço aceitariam queimar os restos mortais dos seus progenitores. Os interpelados protestaram e exortaram o rei a não dizer blasfêmias.152
Nessa exposição fica evidente que a tradição cultural é um elemento central no
pensamento e comportamento social das comunidades orientais e ocidentais da
antigüidade. A importância relativa a cada gesto cotidiano ou ritual é pautada por
sua significação perante a comunidade, que cria códigos de condutas de acordo
com uma visão particular do mundo. Nesse sentido os gregos criaram um código
66
ritual que difere, e mesmo opõe-se, aos indianos, demarcando particularidades
na compreensão sobre a vida e a morte.
A definição de cultura proposta por Geertz153 em que reconhece o homem como
um ser totalmente envolvido nas teias de significados que ele mesmo teceu, vem
de encontro à percepção de Píndaro em sua forma poética de conferir ao nómos
um estatuto de soberania sobre tudo que existe.154 Portanto, interpretar uma
cultura se faz a partir da análise dos códigos estabelecidos, considerando a
importância atribuída a eles pela sociedade.
Na Grécia de Heródoto, a religião caracterizava-se por práticas coletivas e
individuais, e na teia da representação social ocupou espaço nas principais
decisões políticas e econômicas das cidades. Os templos, por exemplo, eram
dedicados aos deuses da cidade, e os cultos eram, na maioria dos casos,
legalizados e oficializados com datas regulares para as festividades. Os
assuntos comunitários incluíam religião, mas a pólis não detinha o monopólio
sobre a religiosidade, já que os deuses podiam se comunicar diretamente com
os indivíduos através dos sonhos, do vôo das aves, dos relâmpagos e de outros
fenômenos da natureza.
152 HERÓDOTO. III,38. 153 GEERTZ, C. 1978. p.15. 154 HERÓDOTO. III,38.
67
A religião, segundo a concepção de Geertz, nunca é apenas metafísica, pois,
explica o autor, o sagrado contém em si um sentido de obrigação e orientação da
conduta humana; ela é, em parte, uma tentativa de conservar a provisão de
significados gerais pelos quais cada indivíduo interpreta sua experiência e
organiza sua conduta. O sistema religioso, acrescenta o autor, é formado por um
conjunto de símbolos sagrados que possuem função de formular valores, construir
uma imagem de realidade, onde os acontecimentos têm, necessariamente, um
significado e acontecem por causa desse significado.155
Tendo em perspectiva essas considerações teóricas de Geertz, propõe-se
investigar a partir das previsões oraculares relatadas por Heródoto qual o
significado da religiosidade para esse historiador, visando compreender o seu
relativismo frente à diversidade de culturas com as quais conviveu ou que
escreveu a respeito. A opção de delimitar algumas previsões oraculares
presentes nas Histórias, deve-se ao fato de se constatar que o acesso à verdade,
alétheia, encontra-se, na obra em questão, restrito ao saber sobrenatural, aos
deuses,156 e que, por isso, essas fontes podem ajudar a decifrar alguns códigos
de comportamento e pensamento no seu fazer história. O mais importante é
tentar entender porque e como o acesso à alétheia é restrito.
Um referencial importante na cultura grega é o oráculo de Delfos, que gozava de
grande credibilidade tanto na Hélade quanto entre os povos bárbaros. O teste
155 GEERTZ, C. Op.cit. p.142-143. 156 DARBO-PESCHANSKY, C. Op.cit. p.192.
68
proposto por Creso indicou, segundo Heródoto, que Delfos possuía considerável
credibilidade no que diz respeito ao reconhecimento da verdade. Creso enviou, a
diferentes oráculos, mensageiros lídios com ordem de questionar sobre o que ele
fazia naquele momento. Creso arquitetara uma atividade cotidiana, mas que
poderia ser reconhecida como inusitada tratando-se de um soberano, qual seja,
cozinhava tartaruga e cordeiro. A resposta de Delfos foi a seguinte:
[...] sei o número de areias e as medidas do mar, entendo o mudo e ouço quem não fala. Chegou-me aos sentidos o odor de tartaruga de dura carapaça, A cozer no bronze com carnes de cordeiro; Por baixo estende-se bronze e tem bronze por cima.157
A resposta revela que o acesso à verdade é uma atribuição oracular,
sobrenatural, afinal, conhecer tão exatamente o número de areias e a medida do
mar, definitivamente não é uma atividade humana. Contudo, a resposta não
indica que contar areia e medir o mar seja atividade das divindades, mas que o
oráculo tinha acesso ilimitado à verdade. E nas palavras de Peschansky;
A alétheia, assim coloca-se ao nível da perfeição e do caráter exaustivo do saber. A partir desse momento, pode-se compreender por que ela constitui apanágio dos deuses. É porque estes possuem aquele conhecimento total do infinitamente pequeno e do infinitamente grande, do dizível e do indizível [...]158
157 HERÓDOTO. I,46. Tradução de SILVA, M.F. e FERREIRA, J.R. 1994. 158 DARBO-PESCHANSKY, C. Op.cit. p.193.
69
Interessa perceber que o oráculo respondeu de acordo com a verdade proposta
por Creso, pois é isso que lhe conferirá credibilidade perante o soberano, e, ao
mesmo tempo, divulgado o ocorrido, essa se estenderia a outros. E quando os
oráculos se expressam de maneira clara, diz Heródoto em outro contexto, não se
deve contestar a verdade, alethés, dos mesmos.159
Sobre Creso existem, ainda, outras referências a previsões oraculares, entre as
quais:
Ele obteve o reino e foi confirmado pelo oráculo de Delfos [...] O oráculo deu a decisão e dessa forma Giges tornou-se rei. A isso acrescentou, todavia a Pítia que os Heráclidas teriam a vingança sobre o quinto descendente de Giges. Desta revelação não fizeram caso algum os Lídios e os seus reis até que ela se cumpriu.160
Segundo Heródoto, os Mérmnadas usurparam o poder na Lídia transferindo-o da
casa dos Heráclidas para Giges, acontecimento que gerou instabilidade ou
‘guerra civil’ entre esse povo. Essa instabilidade política foi resolvida com a
participação efetiva da entidade religiosa de Delfos, o que confirma sua
influência para além dos limites da Hélade. Na tragédia, o prólogo tem a função
de informar os espectadores sobre a trama que será representada no palco,
deixando transparecer seu desfecho. A previsão oracular, no lógos sobre Creso,
funciona na história como seu prólogo e somando a isso os diálogos
reproduzidos, assim como também o conteúdo temático presente nos mesmos,
poder-se-ia dizer que a forma narrativa é bastante próxima da tragédia.
159 HERÓDOTO. VIII,77.
70
O diálogo entre Creso e Sólon é um exemplo claro da proximidade dos assuntos
representados nas tragédias e os apresentados por Heródoto. Segundo o sábio
Sólon, a maior felicidade de um homem é ter uma vida sem grande riqueza ou
pobreza, mas sobretudo estável, equilibrada. Ainda, o homem é todo vicissitude,
e portanto ninguém deve julgar-se feliz antes que chegue sua morte.161 Nas
palavras da personagem Medéia de Eurípides, a mesma concepção de
vicissitude humana pode ser encontrada dita da seguinte forma: não chores
ainda; aguarda tua velhice...162 E para Heródoto é necessário;
[...] examinar de forma igual [homoíos] as pequenas e as grandes cidades dos homens. Pois as que antigamente eram grandes, muitas delas tornaram-se pequenas. E as que no meu tempo são grandes, eram primeiro pequenas. A felicidade humana em parte alguma permanece a mesma, referirei a ambas de forma indistinta [homoíos].163
A discussão sobre o destino, moira, está presente tanto nas tragédias quanto,
especialmente, no prólogo de Creso, discussão que incorpora concepções sobre
hýbris, díke e amartía. A hýbris de Creso é caracterizada pela sua incapacidade
de perceber os limites da felicidade humana de que lhe falou Sólon. É ele
segundo Heródoto, o primeiro a cometer atos injustos, adíkon,164 contra os
helenos, submetendo-os a pagamento de impostos.165 Metaforicamente, sua
hýbris está representada pelo gesto de transpor um limite geográfico, o rio Hális.
160 Idem. I,13. 161 Idem. I,32. 162 EURÍPIDES. Medéia. v.1396. Tradução de PEREIRA, M.H.R. 1991. 163 HERÓDOTO. I,5. 164 Idem,ibidem.
71
No pensamento grego desde pelo menos Homero toda ação desmedida, hýbis,
corresponde a uma reação de reparação.
Como nos acusam injustamente os mortais, dizendo que somos a causa dos seus males, quando na realidade são eles que com suas loucuras acarretam sobre si os sofrimentos que o destino não lhes tinha decretado.166
De acordo com Freire, na tragédia a moira identifica-se com Zeus e exprime o
fado de cada um. Ela é a expressão da essência divina, particularmente na
manifestação de dois atributos: justiça e providência.167 Se por um lado é função
da moira fiar o destino, por outro, é a ação humana que desencadeia o processo
de justiça, díke. Na concepção do autor o destino não possui uma conotação
fatalista.
A leitura possível a partir dos versos de Homero citados é que de fato não existe
fatalidade no destino e sim que os homens são os únicos responsáveis pela
adversidade. Assim a justiça e a providência advindas de Zeus estão implicadas
diretamente nas atitudes humanas. Essas atitudes são pautadas por códigos de
comportamento que fazem parte da teia de significados de que fala Geertz.
De acordo com Heródoto, tanto Giges quanto seu quinto descendente Creso
transgrediram os códigos de comportamento presentes na teia de significados
que eles mesmos teceram, ou melhor, que o narrador traduziu a partir da retórica
165 Idem. I,6. 166 HOMERO. Odisséia. I,32-34. In: FREIRE, A.S.J. 1969. p.97. 167 FREIRE, A.S.J. Op.cit. p.25-26.
72
da alteridade. Então, de acordo com esse código é necessário que haja uma
reparação, e é então que entra em cena a parte que cabe à incorruptível díke.
Enquanto foi soberano, Giges enviou oferendas a Delfos, e não poucas; de todas as oferendas de prata existentes em Delfos a maioria é sua e, além da prata, consagrou grande quantidade de ouro, de que sobretudo convém reter na memória, entre outras, seis kratêres de ouro dedicados por ele.168
As oferendas, como fala Heródoto, são ricas e se somadas às que Creso
também oferece, constituem um tesouro valioso. No entanto, não são suficientes
para corromper a justiça e mudar o destino. O quinto descendente de Giges
pagará o preço proferido pela previsão oracular e instituído pela díke. No lógos
de Creso, existe um comprometimento da instituição religiosa representada pelo
oráculo com a alétheia, a moira e a díke. A penalidade instituída a Creso será
cobrada primeiro com a vida de seu filho Átis e depois com o fim de seu império
e o domínio pelos persas.
De súbito, enquanto dormia, surgiu-lhe um sonho que lhe revelou a verdade sobre os males que iam atingi-lo através do filho. Creso tinha dois filhos, um deles com uma enfermidade, a de ser surdo-mudo, o outro era de longe superior em tudo aos da sua idade; Átis era seu nome. Ora o sonho mostrou a Creso como ele o perderia, ferido por uma ponta de ferro.169
Os sonhos premonitórios podiam ser claros ou enigmáticos. Heródoto não
explicita se o sonho de Creso foi enigmático ou claro, mas tudo indica que foi
transparente, pois a incapacidade do soberano em entender os enigmas é
168 HERÓDOTO. I,14. 169 Idem. I,34. Tradução de SILVA, M.F. e FERREIRA, J.R. 1994
73
atestada em outras ocasiões. Essa incapacidade de perceber a verdade
revelada é, aliás, uma característica comum aos soberanos de poder ilimitado.
Quando o mulo for rei dos Medas, Então, Lídio dos pés moles, ao longo do Hermo pedregoso Põe-te em fuga. Não te envergonhes de ser cobarde.170
O sentido enigmático da fala oracular refere-se a Ciro, metaforicamente
reconhecido pela pítia por mulo. Popularmente Ciro era também assim
conhecido, como descreve Heródoto sobre sua infância. Isso reforça a imagem
do poder despótico caracterizado como incapaz de conhecer a verdade do
‘outro’.
Tudo que estava ao alcance do rei lídio para proteger seu filho contra o destino
revelado foi empreendido. Mas Creso não consegue evitar que, durante uma
caçada a um javali, Átis morra como no sonho: ferido por uma ponta de ferro.
Apesar da origem e veracidade do relato serem questionados (o nome Átis se
aproxima do termo ate, desgraça, desvario, e é o mesmo do filho e companheiro
da deusa frígia Cibele, morto por um javali)171 a referência a Átis reafirma a
tensão entre o mundo humano e o divino presente na idéia de destino e de
justiça.
O diálogo de Creso com os deuses através de sacrifícios pode indicar uma
tentativa de reconciliação. Os sacrifícios são uma forma de diálogo entre os
170 Idem. I,55. Tradução de SILVA, M.F. e FERREIRA, J.R. Op.cit. 171 Idem,ibidem. ver nota 50.
74
homens e os deuses. Nesses rituais os homens lançam seus desejos aos
deuses.172
Depois de tudo isso, com grandes sacrifícios, procurou tornar propício o deus de Delfos: imolou três mil cabeças de cada espécie de animais próprias para sacrifícios, amontoou leitos de ouro e prata, taças de ouro, vestidos de púrpura e túnicas, depois queimou-os todos numa grande pira, na esperança de, com tais oferendas, consagrar mais o deus. Ordenou ainda a todos os Lídios que cada um sacrificasse o que pudesse. Quando terminou o sacrifício, fez fundir enorme quantidade de ouro e com ele modelou lingotes [...] Mandou ainda fazer uma estátua de leão em ouro puro que pesava dez talentos [...] juntou-lhes mais os seguintes: dois kratêres de grandes dimensões, um de ouro e outro de prata [...] quatro jarras de prata [...] dois vasos para abluções, um de ouro e outro de prata; no de ouro há uma inscrição que afirma ser oferenda votiva dos Lacedemónios, mas não diz a verdade. É de fato, também uma oferta de Creso e a inscrição, no desejo de agradar aos Espartanos, colocou-a lá um habitante de Delfos, cujo nome conheço mas não mencionarei. [...] além de muitas outras não marcadas, enviou Creso também lingotes de prata fundida, em forma redonda, e ainda uma estátua de mulher com três côvados em ouro [...] colares e cintos da própria mulher.173
Em primeiro lugar, percebe-se que existe na investigação realizada uma postura
crítica diante das fontes disponíveis (que neste lógos são: oral, escrita e
iconográfica), visando a proximidade da verdade. Essa crítica, sobretudo em
relação à inscrição fraudada no vaso de ouro e a riqueza dos detalhes contidos na
narrativa indicam que a pesquisa objetiva fornecer ao ouvinte-leitor informações
precisas. Heródoto deixa explícito que sabe o nome do falsificador, mas que não
172 SISSA, G. DETIENNE, M. 1990. p.85-91. 173 HERÓDOTO. I,50,51. Tradução de SILVA, M.F. e FERREIRA, J.R. Op.cit. Lingote significa ‘meios ladrilhos’, teriam cerca de 45cm de comprimento, 22cm de largura e 7cm de altura e deveriam formar o pedestal onde se colocava o leão, animal que estava relacionado com o culto de Cibele e de Sandon e com a fundação mitológica de Sardes (ver I,84). Notas explicativas dos tradutores, p.84-85.
75
mencionará o que reforça o argumento de que realizou a investigação e que,
também, visa ‘fazer crer’ que aquilo que disse é verdade.174
A ênfase conferida pelo investigador a esse relato, tendo em vista seu trabalho
de investigação rico em informações e detalhes, indicam do ponto de vista
metodológico que Heródoto utilizava as fontes disponíveis. Indicam, também, que
a instituição religiosa representada pelo oráculo de Delfos contava com grande
prestígio e credibilidade no contexto temporal dos acontecimentos sobre Creso
da Lídia. Essa credibilidade pode ser atestada, ainda, em incontáveis
referências presentes nas Histórias. Entretanto, há na obra três referências que
colocam em cheque a total credibilidade dessa instituição.
Segundo Heródoto, os alcmeónidas, família ateniense exilada por Pisístrato,
reconstruíram o templo de Delfos e ofereceram dinheiro à Pítia para que
respondesse aos espartanos que ali viessem, seja em caráter particular ou
público, segundo o propósito de tornar Atenas livre.175 Então, a partir das
respostas proferidas pela sacerdotisa aos espartanos, esses enviam a Atenas
um grupo armado para expulsar os partidários de Pisístrato.
Assim, apesar de haver laços de hospitalidade entre Pisístrato e os espartanos,
as palavras dos deuses foram mais imperativas que os códigos de sociabilidade
humanos. O que exemplifica a confiabilidade depositada nos oráculos, mas que
também expõe questões sobre seu funcionamento e utilização. Sobre esse
174 Sobre o ‘fazer crer’, ver: HARTOG, F. Op.cit. p.300-302. 175 HERÓDOTO. VI,62-63. De acordo com Heródoto, Alcméon, avó de Clístenes, foi
76
acontecimento é preciso, ainda, ressaltar que Heródoto conconcordava com a
política adotada pelos alcmeônidas, particularmente a clisteniana, como
evidencia em V,78. Então, a exposição do suborno, segundo as palavras que lhe
disseram os atenienses, demonstra uma postura de imparcialidade que permite
ao seu interlocutor formar uma opinião pessoal sobre um assunto tão complexo.
Essa complexidade deve-se ao descrédito que uma afirmativa nesse nível pode
acarretar à instituição oracular, já que essa é tida como um veículo de acesso à
verdade. O outro acontecimento que envolve a sacerdotisa de Delfos em suborno
pode ser resumido nas seguintes palavras de Heródoto:
[...] Cóbon persuadiu Períale, a profetisa, a dizer o que era do interesse de Cleômenes [...] Mas depois quando isso foi descoberto; Cóbon foi banido de Delfos e Períale privada de seu honroso ofício.176
Quantitativamente, esses dois casos de suborno não podem atestar uma
corrupção generalizada da instituição oracular, tendo em vista, principalmente, os
outros inúmeros relatos em que a confiabilidade desta é atestada pelo acesso à
verdade, ou seja, o desenrolar dos acontecimentos confirmaram, de acordo com
a narrativa das Histórias, os enigmas proferidos. Contudo, somados a outras
fontes como o provérbio citado pela Medéia; [...] os presentes até aos deuses
convencem. O ouro é para os mortais mais potente que mil argumentos177;
podem indicar uma situação distinta daquela em que a alétheia é acessada
através dos oráculos, que possuem um saber infinito. Então;
presenteado por Creso com significativa quantia em ouro (VI,125). 176 HERÓDOTO. VI,66.
77
[...] Vimos o que se esperava não se realizar, p’ra o que não se sabia o deus achar caminho. Assim vistes o drama terminar.178
Enfim, na narrativa de Heródoto, a alétheia nem sempre se apresenta como
apanágio dos deuses via oráculos, como afirma Peschansky. A verdade também
não é o objetivo da atividade desse historiador, que se apoia sempre em um
discurso particular, uma opinião sobre a verdade; [...] o investigador lança mão
de uma forma de pesquisa que, sem negar os deuses, longe disso, se distancia
de sua influência e pode, por vezes, afirmar-se como uma atividade profana,
autônoma e soberana.179 É que Heródoto, apesar de não confiar no canto das
sereias, não quer deixar de ouvi-lo, mesmo que para isso tenha que se amarrar
em algum mastro que, no caso, é feito de lógos, no sentido de discurso razoável.
Na cultura de então, outras teias de significados estão sendo confeccionadas e a
investigação de Heródoto faz parte desse novo emaranhado de fios.
III. 2. Nómos: imaginário político
A identidade cultural é em Heródoto o nómos, é isso que demarca as diferenças
entre as comunidades conhecidas pelo historiador. A diferença entre o nómos
grego e persa, por exemplo, é marcada pelas formas coletiva e individual de
poder. No caso grego o nómos é traduzido por leis, porque não está encarnado
177 EURÍPIDES. Medéia. v.963-964. Tradução de PEREIRA, M.H.R. 1991. 178 EURÍPIDES. Medéia. v.1417-1419.; As bacantes. v.1390-1392. Traduções de PEREIRA, M.H.R.
78
em um indivíduo, mas em uma constituição disponível através de sua redação e
publicidade. Livres [eleútheroi] eles são, mas não totalmente; a lei é o soberano
[despótes nómos] para eles.180
Essa fala de Demaratos a Xerxes é significativa na medida em que expressa
uma diferença fundamental sobre organização política que se encontra vinculada
às práticas ou costumes e ainda ao contexto histórico de construção da
democracia grega. O nómos, nesse caso, pode ser identificado como um código
de comportamento, leis instituídas pela tradição, substituto da teoria, uma vez que
refere-se às práticas, aos costumes. Nesse sentido então, deve ser interpretado
como aquilo que na ausência de teoria explica os comportamentos políticos das
comunidades.
O fator que merece estar sublinhado, nas cidades gregas, é o movimento de
formação da identidade política que cursa o sentido de baixo pra cima, ou seja,
são as práticas diárias dos habitantes que formam a posteriori o conhecimento
teórico. E, sem dúvida, esse movimento é importante para entender a ausência
na obra de Heródoto do que chamamos hoje teoria. Isso porque as práticas
foram estudadas e descritas pelo historiador e, em alguns casos, como o debate
dos sete persas ou as ações de tiranos como Periandro e Deioces, constituem
os primeiros esboços sobre teoria política. A descrições dessas práticas não
constituem uma síntese sobre as formas políticas praticadas até então, mas se
179 DARBO-PESCHANSKY, C. Op.cit. p.93. 180 HERÓDOTO. VII,104.
79
analisadas em conjunto indicam uma freqüência de fatores que podem ser
interpretados como uma maneira própria de agir de cada forma de poder.
Segundo Heródoto, Deioces conquistou o poder entre o povo meda,
basileúethai, desempenhando inicialmente o papel de juiz e agindo de acordo
com justiça, dikaiosínen. A utilização de determinadas palavras para descrever
os acontecimentos relativos a essa trajetória indicam que havia por parte do
historiador uma preocupação de ler os eventos à luz de um referencial teórico
básico. Segundo Benveniste,181 o basileu exerce funções de tipo mágico-
religioso que inicialmente corresponde ao portador de uma palavra autorizada. É
ainda importante ressaltar que em uma cidade pode haver mais de um basileu,
fato que indica uma descentralização do poder. O termo utilizado por Heródoto
basiléa182 (no acusativo por estar vinculado a uma escolha conforme a opinião da
maioria) indica uma adequação a um contexto específico das atitudes de
Deioces que seguiam uma coerência, ou seja, eram sempre de acordo com a
justiça, díke. Ele era respeitado pelos habitantes da cidade como um juiz por agir
justamente.
Se díke é a justiça que rege as relações entre as famílias (ou no sentido abstrato
é a virtude da justiça e nesse contexto se diferencia de thémis, ou justiça que se
181 BENVENISTE, E. 1995. v.2. p.23. 182 HERÓDOTO. I,98. Obs: ver na linha 3. Neste mesmo trecho sobre a história da organização política dos medas, há outras ocorrências do termo basileus, algumas vezes na forma verbal, mas sua referência está sempre vinculada ao contexto das práticas de Deioces tidas como justas.
80
exerce no interior de um grupo familiar)183, então tem-se que Deioces foi
escolhido para a função de basileu, que diz o direito. No entanto, sua opção foi
de se fazer tirano. Heródoto utiliza o termo tirano para se referir ao contexto
posterior da conquista do poder, ele diz, erastheì s turanídos184. Deioces,
desejando o poder tirânico, fazia julgamentos de acordo com o que era
considerado justo, estratégia utilizada para conquistar confiança dos medas -
homens que se mostraram valorosos ao tornarem-se livres da escravidão,
eguéneto ándres agatoí [...] doulosínen eleuthróthesan.185
Nesse caso, a utilização da palavra doulos refere-se à escravidão a que fora
submetido o povo meda pelos assírios. É importante perceber que Heródoto
utiliza também a palavra doulos para se referir ao povo sob o poder tirânico. No
caso de Deioces a centralização de seu poder transparece na arquitetura
utilizada na construção de Ecbátana186 que segundo a descrição possui um
traçado de sete anéis concêntricos de muralhas. A arquitetura, o protocolo, o
caráter sacro do número sete, são de inspiração mesopotâmica e indicam,
também, uma atitude política de centralização do poder.
Então, segundo Heródoto, antes todos os povos eram autônomos, autonomon,
ou seja, possuíam leis próprias e depois passaram à tirania.187 Termo grego
183 BENVENISTE, E. Op.cit. p.109 184 HERÓDOTO. I,96. 185 Idem. I,95. 186 Atual Hamadan, palavra originária da forma persa Hagmatana que parece conter o sentido de ‘lugar de reunião’. Ver nota explicativa n.5; p.128. In: HERODOTO. Tradução de SILVA, M.F. e FERREIRA, J.R. Op.cit. 187 HERÓDOTO. I,96.
81
conhecido desde a época homérica e possivelmente originário da Ásia Menor,
doulos - escravo - é necessariamente um estrangeiro, aquele que não possui
direitos.188 A relação entre basileu e doulos é pautada pela ausência de direitos
dos estrangeiros. No caso da tirania que Heródoto atribui a Deioces, doulos são
todos os medas. Com a tirania, os medas perderam a autonomia e a liberdade
que haviam conquistado anteriormente. A palavra doulos , que designa aquele
que não possui direitos, passa a fazer parte do imaginário político que tem como
forma de poder a tirania.
Se entendermos imaginação social como define Baczko,189 tem-se que a
descrição de Heródoto sobre Deioces deve ser interpretada tendo em vista a
utilização das palavras - basileu, tirania, doulos e eleuthería - os detalhes
arquitetônicos da cidade Ecbátana, o protocolo de acesso ao soberano etc.
Enfim, os símbolos que constituem o imaginário social sobre as formas de poder
centralizado, informam que a tirania e o despotismo no contexto antigo possuem
afinidades em relação à ausência de direito ou de justiça, díke, pensada no
sentido abstrato e humano.
A história de Sólon pode iluminar o fator que diferencia as formas
descentralizada e centralizada de poder. Sólon, devido à solicitação dos
atenienses, compôs leis para a cidade. Deioces, que desempenhava com justiça
o papel de juiz dos medas, foi devido a esse fato escolhido por eles para legislar,
no sentido primeiro do termo basileu.
188 BENVENISTE, E. Op.cit. p.349,351,353. 189 BACZKO, B. 1984. p.309.
82
Os caminhos trilhados por esses dois sábios são opostos. Sólon ocupa o lugar
de legislador, demiurgo, mediador, que opta por não escolher uma das facções
e, como ele mesmo diz em seus poemas, que deve se manter solitário no meio
do campo de batalha. Sólon, é assim o legislador de um novo tipo: distante do
mito, pelo conhecimento humano que tem das coisas da política; distante dos
homens, que não sabem visar a coisa pública senão do ponto de vista da
particularidade.190 Deioces se apropria do poder público em proveito próprio.
E nas palavras de Loraux, poucos são os homens que assumem o poder
resistindo ao desejo de confiscá-lo em proveito próprio.191 No caso de Deioces é
exatamente esse desejo de confiscar o poder, que, segundo Heródoto,
apresenta-se como erasteì s tiranídos, amante da tirania, que impõe a diferença
entre ele e Sólon. O significado da neutralidade do legislador, como sendo um
mediador solitário, está no fato do poder não pertencer a alguém, mas à cidade.
As palavras de Sólon definem nitidamente o contexto social em se encontrava a
cidade ateniense de sua época. Segundo o poeta:
[...] Os próprios cidadãos, arruinar a grande cidade com [imprudências querem, persuadidos pelas riquezas; e é injusto o pensamento dos líderes do povo, aos quais é [eminente,
190 BIGNOTTO, N. 1998. p.31. 191 Idem. p.31-32.
83
[...] Não sabem conter a saciedade, nem ordenar [...] os bens sagrados, nem os bens públicos não poupando, roubam com avidez um aqui, outro ali. Não conservam os alicerces veneráveis da Justiça, Que, em silêncio, conhece o presente e o passado, [...] Estas coisas ensinar aos Athenienses o coração me ordena, Como muitos males à cidade a Disnomia oferece. A Eunomia tudo bem ordenado e justo revela, e muitas vezes põe grilhões nos injustos; as rudezas alisa, faz cessar a saciedade, atenua os excessos, resseca as flores nascidas da loucura, [...] 192
Percebe-se nos versos acima que a cidade perdeu o referencial que conferia ao
líder político, basileu, a legitimidade do poder, ou seja, esses não conduzem
suas ações segundo a justiça, díke - que promove o bem estar social - mas de
acordo com interesses privados. A eunomía, enquanto capacidade de legislar
conforme as leis, em outras palavras, com a justiça situa-se fora da relação entre
o basileu e a cidade, no contexto descrito, acima, pelo poeta.
Nesse sentido, Sólon é o fundador do imaginário igualitário que tem como
prerrogativa o vazio de poder no sentido de que não deve pertencer a ninguém,
mas à cidade e seus interesses garantidos pelas leis. Encarregado de legislar,
ele passou a ocupar imediatamente uma posição central na cidade, mas uma
posição que soube ver que deve permanecer vazia. Esse imaginário igualitário
é que dará origem à democracia do século seguinte.193
192 SÓLON. Fr.4 W. Tradução de LAGE, C.F. 1998. p.51-52. 193 BINGNOTTO, N. Op.cit. p.32-33.
84
Segundo Hartog, a narrativa de Heródoto faz crer que a diferença entre gregos e
bárbaros é de poder. E um dos efeitos simbólicos que o texto produz, afirma o
autor, é a criação de um imaginário em que não existe diferença entre déspota,
rei e tirano, tendo em vista o código de poder estabelecido na trama da narrativa
de Heródoto.194
Resumidamente, o poder déspota está caracterizado na narrativa de Heródoto
por: aporia de leis; desejo (erástai) de poder como fruto da hýbris; transgressão
dos espaços geográficos e humanos; violação de costumes, regras sociais,
religiosas e sexuais (ánomos); e marca corporal dos súditos como sinal de
escravidão.195 Então, a experiência de Deioces narrada por Heródoto mostra
que o historiador - apesar de não desenvolver uma teoria política para definir os
regimes políticos vivenciados pelos diferentes povos conhecidos - distingue suas
práticas, expondo-as a seu destinatário.
CAPÍTULO IV: Eleuthería, Isonomía e Alétheia
III. 1. O salto de Árion
194 HARTOG, F. Op.cit. p.341. 195 HARTOG, F.1980. p.332-336.
85
A história do ‘salto de Árion’, contada por Heródoto, é uma entre muitas
narrativas em que o diálogo entre historiador e ouvinte-leitor é pautado pelo
caráter relativo das percepções sobre conceitos como nómos e alétheia. Árion é
um poeta e cantor, um aedo nascido em Lesbos e que esteve durante a corte de
Periandro na cidade de Corinto para exercer sua profissão. Ao conseguir
acumular alguma riqueza, Árion contrata uma tripulação para levá-lo a Tarento.
Entretanto, os marinheiros corintos que conduziam a embarcação, visando obter
a riqueza de Árion, obrigam-no a pular no mar. O alto mar tornara-se, então, um
território em que os valores sociais presentes na cidade são desprezados pelos
piratas do navio. Eles abandonaram seus costumes, aquilo que fazia deles uma
comunidade. Jogaram fora aquilo que demarcava a diferença entre a
comunidade humana e a não-humana. Árion, não tendo outra opção a não ser
jogar-se no mar, poderia simplesmente ter tirado sua vestimenta e cumprido as
determinações que lhe foram impostas. Mas Árion era um artista, e nesse
momento de perigo opta por utilizar sua capacidade criativa e faz um último
pedido aos piratas. Deseja vestir sua roupa mais bonita e cantar uma canção
antes de saltar no mar, no que é prontamente atendido por seus algozes. Quando
Árion salta no mar, atraído por seu belo canto um golfinho surge e salva o aedo,
conduzindo-o para a superfície. Árion foi salvo por si mesmo, pela reafirmação de
sua cultura e seu caráter criativo em um momento de perigo. O golfinho,
persuadido pela canção, faz um gesto que coloca em cheque os conceitos que
delimitam a comunidade humana e a não-humana.196 O golfinho é o paradoxo do
196 Tomei de empréstimo a primorosa versão “Arion’s Leap” reproduzida por: THOMPSON, N. 1996. p.167.
86
que se convencionou irracional e racional, natureza e cultura, o animal e o
humano. Periandro mandou construir uma imagem de Árion e o golfinho e esta é,
sem duvida, uma das mais belas imagens produzidas pela antigüidade.
A leitura da obra Histórias mostra que a relação entre o historiador e seu ouvinte
é de um diálogo constante em que a liberdade para aceitar ou não as versões
narradas sobre os acontecimentos é respeitada. A narrativa de Heródoto é um
constante convite a escolher entre as diferentes versões apresentadas a que
parecer mais convincente, [...] cada um é livre para aceitar a opinião daqueles
que o convençam.197 O interlocutor desse historiador é, sobretudo, livre para
escolher entre as diferentes versões aquela que for mais convincente, que possuir
maior capacidade de persuadir – tis peithetai auton. Ele é convidado a seguir os
passos do historiador, de seguir as pistas encontradas nos relatos dos
testemunhos e, então, fazer uma escolha e entender os acontecimentos a partir
de uma reflexão própria.198 Para Darbo-Peschansky:
Heródoto não requer a imagem de um historiador que detém isoladamente o saber verdadeiro, segregado das multidões que prejudicam o seu trabalho, da mesma forma que prejudicam o trabalho do político, a menos que este saiba, como Péricles, pôr freios a uma igualdade que se tornou nociva.199
Heródoto não se julga mais capaz que seu ouvinte-leitor de estabelecer um
veredicto final a partir das informações que lhes são apresentadas. Na verdade,
estabelecer um veredicto final não é objetivo primeiro desse historiador, mas sim
197 HERÓDOTO. V,45. 198 DARBO-PESCHANSKY, C. Op,cit.. p.212. 199 Idem. p.217.
87
preservar do obscurecimento (akléia), pela forma escrita (grafei), os feitos tanto
dos gregos, quanto dos bárbaros. A igualdade entre os feitos de gregos e
bárbaros fica explícita, portanto, nas suas intenções primeiras. É essa relação
de liberdade e de igualdade que produz um efeito de encantamento e mostra seu
comprometimento com a história. Para uma compreensão do significado de
verdade ou alétheia na obra de Heródoto, deve-se levar em consideração a
relação do historiador e seu ouvinte-leitor pautada na liberdade e na igualdade e,
ainda, compreender suas proposições metodológicas e seu compromisso social
e político enquanto historiador. Para responder a questões sobre o significado
das palavras eleuthería e isonomía em contraponto com alétheia propõe-se a
verificação do contexto em que essas são utilizadas pelo historiador, ou seja, a
partir do quadro político descrito por Heródoto objetiva-se estabelecer possíveis
relações entre essas palavras.
Verificando as ocorrências de eleuthería e suas derivações na obra Histórias,
constata-se uma freqüência bastante significativa em que sua utilização está
vinculada à tiranos e à doulos. E, ainda, pode-se conferir sua ocorrência no
contexto da utilização da palavra alétheia. Em relação à palavra isonomía, sua
ocorrência é particularmente importante, apesar de sua freqüência restrita.200
De forma sucinta, a opção política de Heródoto é modelada em sua narrativa de
duas formas. A primeira caracteriza-se por sua intervenção direta, em que sua
200 As ocorrências verificadas são: eleuthería em oposição à tirania (I,62; IV,137; V,49,55,62,63,66,78; VI,5,123), eleuthería em oposição à doulos (I,95; IV,142; V,49; VI,11; VII,135), eleuthería e alétheia (VI,123; VII,139; VIII,77), isonomía em oposição à
88
opinião é expressa, e, na outra, dá-se voz às personagens de suas Histórias.
Essas duas formas narrativas possuem em comum a relação estabelecida entre
o historiador e seu público. Relação pautada pela palavra-diálogo em que o
argumento é relativo à sua capacidade de persuadir. É a partir dessa perspectiva
que se propõe a análise das passagens em que as palavras eleutheria,
isonomia e alétheia são utilizadas pelo historiador.
IV. 2. Diálogos
Sobre a primeira forma de intervenção do narrador, in propria persona, tem-se
quatro exemplos significativos na obra Histórias.201 O mais conhecido é, sem
dúvida, o encomium de Atenas. Na análise sobre uma possível opção política de
Heródoto e qual a influência desse posicionamento em relação à narrativa, o
referido encomium de Atenas é de fundamental importância. A opinião de
Heródoto sobre a vitória grega sobre os bárbaros é a seguinte;
Sinto-me levado a expor aqui a minha opinião, e, muito embora me exponha à ira de muitos, não dissimularei o que parece, a meus olhos [moi faínetai], a verdade [alethés]. [...] Não estaremos longe da verdade [alethés] se dissermos que os Atenienses foram os salvadores da Grécia. [...] Escolhendo a liberdade [eleuthéren] da Grécia, insuflaram coragem em todos os Gregos que ainda não se haviam manifestado favoráveis aos Persas; e foram eles que, depois dos deuses, repeliram o rei.202
tirania (III, 80-83; V,37), isegoría (III,78), democracia em oposição à tirania (VI,43). 201 HERÓDOTO. V,66,78 e 91; VII,139. 202 Idem. VII,139.
89
Segundo Evans, o veredicto de Heródoto foi considerado como a prova de que
Heródoto era partidário de Atenas e possivelmente, também, de Péricles. Agora,
diz Evans, isso esmoreceu graças ao importante artigo de Strasburger em que
combate a ênfase de Jacoby sobre o comprometimento de Heródoto com
Atenas. Myres pode interpretar o veredicto apenas como uma opinião e Fonara
pode ter isso como evidência de que Heródoto estava envolvido, mas, também
muito solto para ser um propagandista ateniense.203
Para Evans, é importante dizer que não existe a evidência de que Heródoto é um
partidário de Péricles,204 mas que sua simpatia pelos atenienses é uma questão
diferente. No começo da Guerra do Peloponeso ambos os combatentes
procuravam uma justificação moral; os espartanos diziam ser os libertadores da
Grécia, ao passo que os atenienses apontavam sua participação na Guerra
Pérsica e clamavam que a hegemonia poderia ser colocada sobre eles, se seus
aliados não estavam satisfeitos com a liderança de Esparta. É nesse contexto,
diz Evans, dessa propaganda, que devemos examinar o encomium de Heródoto,
pois é somente ali que Heródoto se dirige aos seus leitores diretamente e coloca
sua opinião de forma clara: Atenas escolhendo o lado da liberdade salvou a
Grécia do jugo Persa.205
203 EVANS, J.A.S. 1979. p.114. 204 A análise pela qual Heródoto seria partidário da política de Péricles encontra-se, particularmente, nos estudos de Eduard Meyer. Ver: VERDIN, H. 1975. p.678. 205 Idem,ibidem.
90
De fato, Atenas teve a oportunidade de fazer uma escolha, e se optasse pela
aliança com os persas comprometeria a liberdade das cidades gregas. Nesse
sentido, Heródoto tem razões suficientes para afirmar que os atenienses
escolhendo a liberdade, salvaram a Grécia do jugo persa. Atenas fez uma
escolha, que foi um ponto de virada na história e nós podemos argumentar que
Heródoto pensava ser seu dever como historiador apontar e dar crédito onde
esse era devido [...].206 Esparta fez a mesma escolha, mas sua participação na
guerra foi, aos olhos de Heródoto, menos significativa que a de Atenas.207
Entretanto, a diferença entre Esparta e Atenas não reside na escolha, mas na
ação de convencimento de outras cidades em optar pela liberdade da Grécia, é
esse o mérito dos atenienses, segundo Heródoto.
O poder de convencimento pela argumentação em favor da liberdade é uma
ação, de acordo com a narrativa do historiador, ateniense. Na política grega, de
maneira especial em Atenas, o discurso ou o lógos tem função fundamental para
o desenrolar dos acontecimentos, é a ação primeira. O poder, na democracia
ateniense, está intimamente relacionado com o lógos e sua capacidade de
persuasão, Atenas age falando.208
A contribuição de Atenas na guerra entre os gregos e os bárbaros, não se
restringe, portanto, às ações em que o principal instrumento são lanças ou
206 Idem. p.113. 207 HERÓDOTO. VIII,17; IX,105. 208 CASSIN, B., LORAUX, N., DARBO-PESCHANSKY, C. Op.cit. p.50. O sentido original da palavra krátos ou seja, superioridade ou predominância no combate ou na assembléia, confirma a relevância do lógos no estabelecimento das relações de poder. Ver:
91
espadas. A outra contribuição de Atenas que deve ser considerada é o
convencimento à participação de cidades que ainda não haviam se decidido em
prol da liberdade da Grécia, através de um lógos. A ação pelo lógos pode ser
apreendida, ainda, em relação à previsão oracular ‘inflexível como diamante’ que
atestava um futuro pouco promissor à liberdade da Grécia, segundo
interpretações correntes.209 Nesse sentido, o lógos ateniense é importante tanto
em relação à vitória no campo de batalha quanto à vitória em relação à uma
suposta verdade oracular. No entanto, negligenciar o caracter relativo da previsão
oracular à sua interpretação seria comprometer a instituição religiosa e não se
pode assegurar que esse era o objetivo de Heródoto. Temístocles afirma, por
exemplo, que os interpretes não haviam encontrado o significado verdadeiro do
oráculo e propõe um novo sentido para as palavras da Pitonisa que é aceito, na
medida que convence os gregos a lutar pela liberdade.210
Se por um lado a fala oracular manifesta-se inflexível como diamante, mas
depende da interpretação que lhe é conferida, por outro pode-se perceber a
dupla utilização do adjetivo alethés pelo historiador para sublinhar a importância
do gesto ateniense. A opinião política do historiador é afirmada, então, pela
colocação de sua fala na primeira pessoa, moi faínetai, e pela ênfase através de
alethés. A liberdade da Grécia é, aos olhos de Heródoto, uma realidade que
deve ser interpretada tendo em perspectiva a ação ateniense por volta de 480
a.C.
BENVENISTE, E. Op.cit. p.71. 209 HERÓDOTO. VII,141. 210 HERÓDOTO. VII,143.
92
O encomium de Atenas, segundo Evans, tem implicações políticas mais amplas
e para compreendê-las deve-se levar em consideração o contexto em que
Heródoto o escreveu. Dizer, por volta de 461a.c., que Atenas salvou a Grécia
poderia, talvez, ser tomado como um veredicto justo de um historiador. Mas,
dizer isso em 430 a.C. era dar justificação moral para o imperialismo
ateniense.211 A data em que o encomium foi escrito é, de fato, importante para
uma analise do envolvimento e comprometimento social e político do historiador.
Afinal, as medidas administrativas adotadas por Atenas em certo momento de
sua liderança na Liga de Delos possuem contornos que se definem autoritários
pela utilização da força militar em prol do cumprimento de suas imposições em
relação às cidades ‘aliadas’. Acontecimentos que depõem contra o ideal teórico
político de Atenas em que a eleuthería e a isonomía encontram-se em primeiro
plano.
Segundo Finley, de fato, a atitude ateniense enquanto líder da Liga de Delos
deve ser reconhecida como imperialista a partir da constatação de
acontecimentos como: restrição da liberdade de ação nas relações entre as
cidades, interferência política, administrativa e/ou jurídica nos negócios internos,
serviço militar e/ou naval compulsório, pagamento de alguma forma de tributo,
confisco de terras, controle dos mares e regulamentação de navegações, até a
entrega compulsória de mercadorias a preços inferiores aos de mercado, e
211 EVANS, J.A.S. Op.cit. p.114.
93
outras similares.212 Para o autor, entretanto, não se pode afirmar que havia,
desde a criação da Liga de Delos em 478 a.C., um programa imperialista
definido, e que é quase impossível definir o momento exato em que a associação
voluntária de Estados se converteu em uma forma imperialista de poder. Um
equívoco comum, apontado por Finley, é a preocupação de alguns historiadores
em datar essa conversão em 454 a.C., ano em que o ‘tesouro de Liga’ foi
transferido de Delos para Atenas, ação que deve ser interpretada apenas como
um símbolo, segundo o autor.213
Em relação ao encomium, Evans aponta três razões para datá-lo em 430 a.C.
Nenhuma dessas razões isoladamente constitui uma prova absoluta, mas
cumulativamente colocam um ponto firme sobre a questão.214 Entretanto, se sua
composição remete a 430 a.C., a ação ateniense descrita por Heródoto ocorreu,
de fato, por volta de 480 a.C. É portanto essa verdade que é enfatizada. Mas, se
a história é uma ação no e pelo tempo presente, o encomium é testemunho da
opção política e ideológica do historiador. Opção que deve ser analisada no
conjunto da obra e não apenas a partir de uma passagem. Evans conclui que o
fato mais relevante é que em 480 a.C. Atenas foi de fundamental importância
para a liberdade da Grécia e isso não poderia ser menosprezado pelo
historiador.215
212 FINLEY, M.I. 1989a. 213 Idem, Ibidem. 214 EVANS, J.A.S. Op.cit. A primeira é o fato do encomium ser imediatamente precedido de um evento que pode ser datado em 430 a.C., ou seja, a menção de Aristéia, filho de Adeimanos.
94
Outra ocorrência importante das palavras aqui estudadas encontra-se no livro V,
66 e 78 em que Heródoto afirma: Atenas, que já era grande, tornou-se ainda
maior quando se livrou dos tiranos[...] 216 e depois:
O poderio de Atenas tornou-se maior, o que demonstra (deloi), não apenas em uma instância, que a igualdade (isegoria) é uma instituição virtuosa (espodaion); [...] e quando se livrou dos tiranos ela se tornou (eguéneto) a primeira (protoi) e a maior (makroi) de todas. Isto mostra (deloi) que [...] tornando-se livres (eleutheroténton) cada um se dedicou com mais cuidado ao trabalho, porque não tinham mais que submeter a um senhor (despótei), mas a si mesmos.217
Evidencia-se nesse trecho da narrativa que Heródoto possuía uma noção clara
dos acontecimentos referentes à história de Atenas, sobre as transformações
políticas – da tirania para a democracia – e as implicações sociais no quadro
político da Grécia. De fato, enquanto Atenas esteve sob o poder da tirania, houve
um prosperidade significativa, e essa cidade tornou-se uma referência cultural (os
poemas órficos foram compilados e as epopéias homéricas editadas) 218 e
política (Atenas veio a reforçar suas posições no mar Egeu e na região do
Helesponto).219 Segundo Mossé, Pisístrato e seus descendentes, ao mesmo
tempo que reforçavam seu próprio poder, deram à cidade-estado uma coesão
que Atenas não conhecera.220 Como ressalta Heródoto, Atenas era grande e
poderosa antes da implementação da democracia.
215 idem, ibidem. 216 HERÓDOTO. V,66. 217 Idem. V,78. 218 MOSSÉ, C. 1989. p.184. 219 Idem. p.185. 220 Idem,ibidem.
95
É imprescindível perceber, entretanto, que no contexto da Revolta Jônica a
utilização da palavra eleuthería está associada, com conotação oposta, à palavra
tirania. Em relação a essa oposição constata-se uma mudança de concepção do
sentido original da prática tirânica de poder. Segundo Dabdab Trabulsi a tirania
em sua origem identifica-se com o desmoronamento de uma ordem aristocrática
e caminha ao lado da difusão do dionisismo.221 A festa ao deus Dionísio é um
momento singular de apagamento de diferenças, na festa todos participam em
condições de igualdade e é isso que torna possível a subversão da ordem.
A participação intensa das mulheres no seu culto, assim como a dos escravos, é reveladora dos perigos que ele representa para a ordem políade. A presença de Dionísio provoca em especial um apagamento geral das diferenças, fonte de toda hierarquia. 222
Os estudos realizados por Claude Mossé e por Dabdab Trabulsi, demonstram
que a política adotada pelos tiranos arcaicos, de maneira especial em Atenas,
tende a quebrar o monopólio aristocrático, e revelam que tanto os tiranos quanto
os legisladores, nesse período, se inserem no mesmo processo de alargamento
da base política da cidade, na medida em que contam com o apoio do demos.223
Resumidamente, a tirania foi, em sua origem, uma solução encontrada para
atender uma demanda popular de superação da crise agrária e política, em
outras palavras: foi a materialização da coligação dos interesses dos novos ricos
221 TRABULSI, J.A.D. 1984. p.93. 222 Idem. 1984. p.89. 223 Idem . p.97; MOSSÉ, C. Op.cit.. p.178-186.
96
com os desprovidos, que passaram a lutar contra a oligarquia que detinha o
controle da terra e do poder.224
Em I, 62, Heródoto observa que a tirania era preferível à liberdade para alguns
atenienses, na época de Pisístrato. Nesse contexto, a palavra eleuthería possui
significado claro de oposição à tirania e indica um regime livre, ‘constitucional’.225
A leitura dessa passagem revela que, para Heródoto, a tirania em Atenas desde
Pisístrato possui traços em que a liberdade é limitada pela figura do tirano. Mas a
oposição entre tirania e eleuthería é uma construção que ficará evidente por volta
do século V a.C., a partir de práticas autoritárias realizadas pelos tiranos, como
explicita Heródoto em seus relatos.
Existe, de maneira geral, uma mudança de comportamento político e
administrativo do tirano, que a princípio governava mais como um bom cidadão
do que como um tirano,226 como observa Aristóteles em relação Pisístrato de
Atenas. De acordo com Heródoto, Pisístrato governou os atenienses sem
causar distúrbios nos cargos existentes e sem alterar as ordenações, antes
conduziu a cidade respeitando as instituições e ordenando-a bela e
excelentemente.227
224 ROCHA, M.C.C.F. Op.cit. p.115. 225 HERÓDOTO. I,62. Tradução de SILVA, M.F. e FERREIRA, J.R. Op.cit. Ver nota 88 dos tradutores. 226 ARISTÓTELES. A constituição de Atenas. Tradução de PIRES, F.M. 1995. p.41. 227 HERÓDOTO. I,59. Tradução de PIRES, F.M. Op.cit. p.179.
97
A mudança fica evidente nos exemplos citados por Heródoto em que o fator de
maior relevância é a sobreposição da autoridade do tirano em relação às leis, ao
nómos. O tirano assume uma posição de isolamento em relação aos costumes,
ou às leis, não existe um fator que impõe limite ao seu poder. Entre os tiranos
citados por Heródoto - Pisístrato de Atenas e seus descendentes, Clístenes de
Sícion, Polícrates de Samos, Creso da Lídia, Gelon de Siracusa, entre outros - é
Periandro, sucessor de Cípselo no poder em Corinto, o melhor exemplo de ações
injustas (adikóteron) e sanguinárias (miaifonóteron).228
No conselho em que se reuniram vários representantes das cidades gregas para
discutir o futuro da Jônia, que possuía a maioria de suas cidades governadas por
tiranos sob o domínio persa, Milcíades de Atenas, comandante e tirano do
Quersoneso do Helesponto, defendeu a opinião de conquistar a liberdade,
eleuteroun, da região. Histeu, tirano de Mileto, foi de opinião contrária e
argumentou que o governo tirânico se sustentava através do apoio de Dario e,
por outro lado, que a preferência popular era favorável à democracia. Disso, tem-
se que o regime tirânico na Jônia era sustentado pelo apoio do despotismo
persa e que a independência da Jônia possibilitaria a implementação da
democracia. Prevalecendo a opinião de Histeu, Heródoto acrescenta que desde
então os Citas passaram a considerar os jônios como os cativos, doúlon, mais
fiéis ao seu dono, ou filodéspota.229
228 Idem. V,92. 229 Idem. IV,137 e 142.
98
Segundo Heródoto, foi Aristágoras, tirano que sucedeu Histeu no poder em
Mileto, quem pôs fim à tirania nessa cidade e liderou a campanha contra o
despotismo de Dario.230 Depois, Aristágoras foi a Esparta pedir apoio político e
militar a Cleômenes para livrar a Jônia da escravidão.231 Para Heródoto, seria
mais apropriado se Aristágoras dissimulasse a verdade, ocultando de
Cleômenes a distância exata entre as duas cidades; [...] ele nunca deveria ter
dito a verdade, mas ele disse [...].232 Cleômenes, informado de que gastaria três
meses de jornada para chegar a Mileto, não é favorável ao empreendimento.
Fica evidente, nessa passagem, que Heródoto é favorável às mudanças políticas
na Jônia. Sua preferência pela liberdade em detrimento do despotismo e da
tirania é explicitada na medida em que dissimular a verdade seria, para o
historiador, a melhor opção. Nesta passagem a verdade não é um fator relevante,
mas é relativa aos interesses políticos em questão, tornar a Jônia livre da tirania
e do despotismo persa.
230 Idem. V,36. 231 Idem. V,49. 232 Idem. V,50. “[...] he should never have told the truth; but he did tell it [...]”.
99
Sobre a Revolta Jônica, outra suposição que pode ser apontada é o fato do
assunto se referir também à história de Halicarnasso, tendo em vista o fato de
esses acontecimentos remeterem a um passado intimamente relacionado com o
estado político presente do próprio historiador, ou seja, sua condição de
exilado.233
Heródoto tinha razões bastante consideráveis para fazer-se ouvir e não poderia
deixar de expressar sua opinião a respeito da disputa política nas cidades da
Jônia, pois além de ser um assunto urgente por se tratar da eleuthería dos filhos
da Hélade, como diz Aristágoras,234 era uma questão estratégica no desenrolar
da disputa entre gregos e bárbaros, tema político-militar abordado na sua obra.
As ocorrências de oposição entre as palavras eleuthería e tirania são
encontradas em maior número no livro V, em que Heródoto relata a Revolta
Jônica, e indicam que a tirania tornou-se um governo ilegítimo, ou seja, não
contava com apoio popular.
Segundo K. H. Wathers, na exposição de Heródoto não há evidências de que ele
tenha preferência por uma teoria política.235 Por outro lado, diz Wathers,
Heródoto não pode ser acusado nem por falta de interesse, nem por falta de entendimento de política; mas devemos tê-lo como recusando a interpretar fatos à luz de uma teoria política, moral, filosófica, ou religiosa. Seu interesse primeiro, é de um historiador narrativo, baseado em seus eventos históricos e sua causalidade. 236
233 WATHERS, K.H. 1972. p.138. 234 HERODOTO. V,49. 235 WATHERS, K.H. Op.cit. p.149-150.
100
Para ler Heródoto é importante ter sempre em perspectiva que o nómos é uma
referência indispensável. Nómos é o princípio em que Heródoto busca a
inteligibilidade dos acontecimentos, é o fundamento da política grega que neste
momento histórico não se apresenta como uma teoria totalmente definida,
fechada, mas como uma prática cotidiana baseada em princípios jurídicos, em
leis.
Política, no contexto grego do séc. V a.C., é uma prática que se define no
cotidiano das cidades, é uma construção diária em que o nómos é referência.
Portanto, é bastante passível de discussão a afirmativa de que na narrativa de
Heródoto os eventos históricos e suas causas estão dissociados, ou melhor, não
são abordados à luz de uma teoria política. Como explicar a expressão
governava à maneira de um tirano?237 Heródoto não esquematizou uma teoria
para definir as diferentes formas de governo, mas não há duvidas que em sua
narrativa ficam explicitas as diferenças fundamentais entre essas formas, e ainda,
sua preferência pela liberdade que a isonomía proporciona em detrimento das
formas despóticas de poder.
Tanto para Legrand quanto para Romilly, a opção política de Heródoto pode ser
identificada na leitura de sua obra. Segundo Romilly, o contexto das guerras
contra os persas provocou uma mudança na abordagem sobre os
acontecimentos, que antes estavam relacionados com determinada família ou
cidade e passam a se identificar com uma visão que engloba de um lado os
236 Idem. p.150.
101
gregos e de outro a ‘massa’ do império persa. Além disso, acrescenta a autora,
esse contexto desencadeou o aparecimento de ideais políticos, como a defesa
da liberdade e a ajuda mútua entre as cidades, além de uma história critica,
centralizada no presente e na política. E por fim, o pensamento político expresso
na obra de Heródoto, de maneira simples e forte, é de hostilidade à tirania e o de
estar convencido dos benefícios da liberdade.238
Como identificação política de Heródoto com a liberdade defendida pelos
gregos, Legrand cita vários exemplos, como a seguir: os gregos disputam as
olímpíadas não por dinheiro, mas por coroas louro, ou seja, perì aretès, pela
glória, pelo valor; demarcando uma diferença de valores frente aos bárbaros;239
os lacedemônios não se prostram, no sentido de adorar, a nenhum senhor; [...] fall
down and do obeisance to the king [...] they said they would never do that [...] not
their custom [nómoi] to do obeisance to mortal men [...];240 o único senhor dos
gregos é a lei, despótes nómos;241 os bárbaros, são os que nunca
experimentaram a liberdade;242 e, finalmente, há o discurso do ateniense
Alexandre, em que considera os gregos amantes da liberdade.243
Norma Thompson reafirma a importância da prática nesse momento de formação
da comunidade política, em que o falar adquire grande importância. O filósofo, o
237 HERÓDOTO. I,64. 238 ROMILLY, J. 1984. p.85, 91. LEGRAND, Ph.E. Op.cit. p.9-10, 94. 239 HERÓDOTO. VIII,26. 240 Idem. VII,136. 241 Idem. VII,104. 242 Idem. VII,135. 243 Idem. VIII,143.
102
historiador ou o poeta deve ter ouvidos para ouvir, olhos para ver e uma mente
atenta e aberta para assimilar e trazer à tona as informações transmitidas
oralmente. Esses são os elementos indispensáveis para a apreensão da política
nesse momento da história.244
Plescia define que nómos em Heródoto está diretamente relacionado ao
ambiente natural – phýsis - da região, pois existe a influência deste não apenas
na constituição física do homem, mas também no seu comportamento e em suas
instituições sociais. Nómos, ou complexo de costumes e instituições,
conseqüentemente, é o resultado da interação da natureza, phýsis e da razão
prática – sophia - do ethnos habitual da região. Isso expressa a sabedoria do
povo e explica porque o ethos é o rei.245 Heródoto, entretanto, não estabeleceu
apenas a relação entre phýsis e nómos, mas investigou qual o melhor nómos, e
ele concluiu que é a liberdade política encontrada na igualdade perante a lei,
isonomía.246
De modo geral, Heródoto não tem como objetivo principal em sua narrativa fazer
julgamento moral das formas de poder ou dos costumes. De fato, a interpretação
correta sobre a narrativa de Heródoto nesse aspecto é, como ressalta Wathers,
que não existe preconceito ideológico por parte do historiador.247 O exemplo que
244 THOMPSON, N. Op.cit. p.163. 245 PLESCIA, J. 1972. p.303. O autor refere-se às palavras de Píndaro reportadas por Heródoto em III,38. 246 Idem. p.302. 247 WATHERS, K.H. Op.cit. p.141.
103
melhor expressa a imparcialidade de Heródoto diante das diferenças políticas e
culturais é:
Se propusesse, fosse a quem fosse, que escolhesse, de entre todas as tradições culturais, as melhores, cada um, depois de refletir maduramente, escolheria a sua própria, convencido que está de que a tradição em que nasceu é de longe a melhor.248
A leitura dessa passagem revela que não existe, de fato, preconceito ideológico
por parte do historiador e também que havia uma concepção clara sobre a
importância do nómos no entendimento das ações humanas. Portanto a
instituição de leis encontra-se, sobretudo, vinculada às práticas, aos costumes
inerentes a cada sociedade em questão. O tipo de governo e suas instituições
são uma conseqüência direta do nómos que possui um movimento da base ou
do povo para o poder, pois é a legitimação do poder. Nesse sentindo, não seria
aceitável desvincular nómos de política. Portanto, quando Heródoto identifica o
melhor nómos, refere-se também à melhor forma política.
Se existe por um lado uma intervenção direta do historiador em momentos
importantes como em VII,139, ou em V, 49, 66 e 78, em que sua preferência
política fica evidente, por outro, de acordo com Wathers, Heródoto permite que
outros personagens critiquem o despotismo,249 mas ele mesmo não oferece
nenhuma crítica explícita a respeito da maneira persa de governo. Nesse sentido,
o nómos dos persas pode prover uma defesa válida das ações dos reis persas.
248 HERÓDOTO. III,38. Tradução de SILVA, M.F. e ABRANCHES, C. Op.cit.
104
Whaters conclui que o interesse de Heródoto não parece repousar no tipo de
governo ou suas instituições. O caso da constituição de Clístenes em Atenas -
governo ‘ancestral’ que desempenhou papel dominante na história tradicional do
período de 510 a.C. - deveria ser suficiente para provar essa negativa.250
Heródoto relata em V, 66, que Atenas cresceu muito depois do fim da tirania,
mas havia dois indivíduos lutando pelo poder: Clístenes, do clã alcmeônida e que
tinha reputação de ter subornado a Pítia; e Iságoras filho de Tessandro. Essa
última casa citada tinha grande reputação, mas seus antecedentes eram
desconhecidos pelo autor, que acrescenta que quando Clístenes se viu
ameaçado, se aliou ao povo e promoveu as mudanças. Isoladamente, essa
passagem pouco expressa a opinião do historiador. Mas se analisada em
conjunto com as outras aqui citadas sobre a instauração da democracia em
Atenas, pode ser lida como uma reafirmação da preferência política de Heródoto.
Por outro lado, se, de fato, as informações advindas de Heródoto sobre as
reformas de Clístenes são insuficientes para se ter um quadro institucional
elaborado sobre a democracia em Atenas, essas são preciosas na medida em
que é Heródoto a fonte mais rica sobre o assunto.251
De fato, não existe na obra de Heródoto uma elaboração teórica sobre as formas
de poder, nesse sentido Wathers tem razão. Mas é preciso ler a obra Histórias à
249 Ver especialmente HERÓDOTO. V,92. 250 WATHERS, K.H. Op.cit. p.144-145. 251 Vale conferir que Aristóteles em sua obra “Constituição de Atenas” utiliza as informações de Heródoto como base referencial sobre o assunto.
105
luz das formas de representação e expressão do pensamento vigentes no
período de sua composição, ou seja, a partir da estrutura formada por diálogos
argumentativos em que as práticas políticas são disponibilizadas à apreciação do
ouvinte-leitor. As Histórias são como uma assembléia popular, em que as
opiniões são colocadas no centro, e o ouvinte-leitor é convocado a expressar seu
voto.
Se na forma de intervenção direta a opinião do autor é colocada em primeiro
plano, numa segunda estratégia narrativa Heródoto dá voz a personagens
históricos, que, entretanto, encontram-se envolvidos em acontecimentos nem
sempre passíveis de uma verificação ou afirmação de sua autenticidade. Muitas
são as ocorrências de narrativas em que se evidencia a presença de contos
populares como base informativa para o historiador. Alguns exemplos como a
história do anel de Polícrates, do nascimento de Ciro, do encontro de Sólon e
Creso, dentre outros, indicam que grande parte das informações recolhidas pelo
historiador durante suas viagens possuem caráter popular, ou seja, fazem parte
de uma cultura oral transmitida de geração para geração, e formam um complexo
que se constitui por heranças e mudanças em relação às crenças religiosas e/ou
políticas.
Segundo Dodds, um novo padrão de crença muito raramente apaga por
completo o padrão anterior: tanto vive o antigo no novo como um elemento [...]
como persistem os dois lado a lado.252 Nesse sentido, Immerwahr considera que
252 DODDS, E.R. 1988. p.194.
106
esse material tido como ficção ou literário não é apenas decorativo ou divagação
irrelevante, mas constitui um espelho da cultura grega.253 Contrariamente à
concepção de que as construções (consideradas) literárias de Heródoto não
dizem sobre a história e pouca importância possuem para o entendimento da
concepção política do historiador,254 propõe-se demonstrar a partir da análise de
algumas passagens, tendo em vista o conjunto da obra Histórias, que elas
informam sobre a concepção política e social do historiador e indicam a
existência de uma nova estrutura, própria do século V a.C., de ordenamento e
expressão do pensamento. Estrutura que se revela como um trabalho de arte
complexo e altamente organizado, que lhe confere uma unidade.255 Nesse
sentido, tem-se que todas as partes da obra possuem igual importância, ou seja,
possuem uma relação de interação e não de subordinação, segundo Cobet. 256
Nessa nova estrutura composta de um encadeamento de ‘logois’ e que
denomina-se investigação, ou história, coexistem, de fato, resquícios da época
anterior, principalmente em relação às concepções gerais e à escolha temática:
Ele faz parte da tradição dos poetas gregos de fazer conviver uma dupla
causalidade: divina e humana.257 Mas é a tragédia que impõe maior influência à
estrutura narrativa e ao conteúdo temático das Histórias. De acordo com
Jacqueline de Romilly,
253 IMMERWAHR, H.R. Op.cit. p.214. 254 WATERS,K. H. Op.cit. 255 IMMERWAHR, H.R. Op.cit. p.306.; VERDIN, H. 1975. p.670. 256 VERDIN, H. Op.cit.. p.671. 257 ROMILLY, J. 1971. p.335; SAID, S. 1980-81.
107
A tendência a representar os fatos pela encenação de personagens em ação é o elemento fundamental da tragédia, e esta é, para os gregos, a obra literária por excelência. É preciso acrescentar que a própria epopéia, por mais narrativa que fosse, era objeto de declamações mais ou menos gestuais e expressivas, que a aproximavam da tragédia. Finalmente, devemos observar que, no século IV, quando essas formas de arte deixaram de ser as mais importantes, a maior parte das obras que exprimiam idéias políticas, morais ou filosóficas passaram a ser apresentadas sob a forma de relatos pretensamente históricos, ou de diálogos que encenavam personagens. [...] Em alguns escritores, essa tendência conjuga-se com outra, não menos importante, que consiste em sugerir, nesse quadro de aparência totalmente objetiva, relações acessíveis apenas aos mais atentos.258
Uma composição em forma de diálogo, exemplar para uma discussão sobre a
natureza histórica, literária e política da obra de Heródoto é, sem dúvida, o
debate constitucional da assembléia dos sete persas.259 Paradigmático pelo seu
conteúdo político e também por seu caráter tido como literário, o debate entre os
sete conjurados persas visa a escolha da melhor forma de governo - e aqui
Heródoto dá voz às personagens para que o leitor ouça o debate. Muito se
discutiu a respeito da autenticidade desse acontecimento. A princípio, não se
pode afirmar que o debate dos conjurados persas aconteceu ou que é uma
composição literária de Heródoto. Estudos indicam que é bastante provável que
seja mesmo uma composição literária, principalmente pela utilização da
terminologia e de gestos gregos, como por exemplo a expressão es méson.260
Mas interessa aqui, sobretudo, entender a concepção de Heródoto sobre
258 ROMILLY, J. 1998. p.62-63. 259 HERÓDOTO. III,80-83. Segundo Wells, as informações sobre o debate dos sete conjurados e outros acontecimentos relativos à história da Pérsia foram passadas por Zóspiro, persa que Heródoto teria encontrado em Atenas por volta de 440 a.C. WELLS, J. 1907. p.44-45. 260 SILVA, M.F. e ABRANCHES, C. Op.cit. p.109-115.
108
eleuthería e isonomía, a partir do vocabulário político presente nas Histórias. Se
de fato o debate é uma composição literária do autor, cabe interrogar o propósito
de sua existência em forma de narrativa em discurso direto.
O primeiro a expor sua opinião no debate é Otanes, que desqualifica a
monarquia e a tirania utilizando como principal argumento o desrespeito aos
costumes ancestrais, a condenação sem direito a julgamento, ou seja, ações
desmedidas, insolentes, hýbris, freqüentes na forma absoluta de poder e cita
como exemplo as atitudes de Cambises e Esmerdis. Para Otanes a melhor
forma de governo é a isonomía (igualdade perante a lei), o mais belo de todos os
nomes, ónoma pánthon kálisthon. Na isonomía é por sorteio que se recebe
cargos públicos, exerce-se o poder prestando contas e as deliberações são
expostas à comunidade.261
Megabizos, o segundo a falar, defende a oligarquia. Sua teoria é que tanto o
tirano quanto o povo, quando possuem o poder, agem com insensatez, hýbris. Já
para Dario, a monarquia é a melhor forma de poder. Seu principal argumento, a
liberdade (eleuthería), surpreende. Recorrendo à memória de Ciro, ele lembra
que a independência do povo persa da submissão aos medas não é resultado de
uma democracia, nem da oligarquia, mas da monarquia; afinal os persas foram
libertados pela ação de um homem, eleutheroténtas dia hena ándra. A liberdade
é exaltada em favor da permanência do nómos - costume ancestral persa - a
261 [...]All offices are assigned by lot, and the holders are accountable for what they therein;
109
monarquia como forma de governo mais adequada aos persas. Com relação à
tirania, Dario não desenvolve comentários. Por fim, a argumentação de Dario em
favor da Monarquia e, construída tendo como base de sua sustentação o nómos
e a eleuthería, é a mais convincente, uma vez que é aceita pelos demais
participantes, exceto Otanes.
Segundo Wathers, a opção de Heródoto em fazer a inclusão do debate dos
conjurados persas em sua narrativa deve-se ao interesse sobre a política grega
(e, não, persa) de então.262 O debate, no entanto, reforça a idéia de que existe na
obra de Heródoto uma relativização da verdade na medida em que aponta para
uma idéia de liberdade pautada por costumes politicamente diferentes da
concepção grega. Para dizer de outra forma, o debate dos sete persas é um
exemplo significativo de que concepções teóricas sobre política ou cultura são
relativas ao contexto de sua produção, à sua prática. No debate fica explícita a
idéia de que a liberdade para um persa é relativa a uma tradição construída a
partir da monarquia, contexto político bastante distinto daquele de Atenas, em
que a liberdade é uma conquista advinda com o fim da forma despótica ou
tirânica de poder, [...] es tàs Atenas guenómenas tiránon óde eleuthéras., ou
ainda, [...] hos tiránon eleutherótesan Atenaíoi.263
Se existe uma comprovação histórica do desfecho do debate, ou seja, a escolha
de Dario como representante monárquico do povo persa, e se os diálogos de
and the general assembly arbitrates on a all counsels.[...] HERÓDOTO. III,80. 262 WATHERS, K.H. Op.cit. p.141. 263 HERÓDOTO. V,55 e 62.
110
Otanes, Megabiso e Dario são uma composição literária do autor, tem-se que
Heródoto não subverte a verdade histórica, mas adorna-a.264 Os diálogos são
uma forma de representação de uma realidade - falam sobre modos gerais de
viver um mundo. Considerando ainda a reafirmação que Heródoto faz sobre a
autenticidade,265 pode-se concluir que não existe a intenção de subverter a
verdade histórica mas informar e colocar em pauta as diferentes formas de
pensamentos e atitudes diante dos acontecimentos. Em um sentido mais amplo,
Fornara diz que [...] a obra de Heródoto se endereça, exclusivamente, aos seus
contemporâneos, ele se sente responsável pelas questões mais atuais de sua
época.266 Verdin acrescenta que esta preocupação de Heródoto não pode ser
perdida de vista durante a leitura de seu texto.267
De fato, o debate em torno das concepções políticas está presente na vida do
grego do século V a.C., mas a relação estabelecida entre liberdade e monarquia
explícita na fala de Dario traduz uma realidade persa. Portanto, deve-se enfatizar
que a relação estabelecida pelo historiador com seu público é pautada,
sobretudo, na diversidade de culturas e na demarcação das diferenças entre
elas. Se a liberdade do povo persa possui implicações históricas ligadas à
monarquia a partir de Ciro, essa verdade, presente na fala de Dario, só é
verificável no contexto persa. No pensamento grego do século V a.C. a liberdade
encontra-se historicamente vinculada à deposição da tirania e à implementação
264 WATHERS, K.H. Op.cit.. p.141. 265 HERÓDOTO. VI,43. 266 VERDIN, H. Op.cit. p.678. 267 Idem,ibidem.
111
da isonomía. E essa verdade inerente ao contexto histórico grego está
representada pela voz de Otanes.
Segundo Hartog as Histórias fazem crer que a diferença entre gregos e persas é
de poder e que: O código do poder é uma sorte de cadeia, através da qual pode
passar a trama da narrativa, sendo a figura imaginária do déspota, ao mesmo
tempo rei e tirano, um dos efeitos simbólicos que o texto produz.268 Dizer o
outro é fazer ver que a diferença mais profunda é política, ou seja, isonomía
opõe-se à monarquia-tirania.269 Heródoto faz seu ouvinte-leitor acreditar nessa
diferença política e utiliza para tal propósito os diálogos, seja exprimindo sua
opinião ou permitindo a expressão - de forma direta - da opinião de outrém.
Segundo Laiteiner, Heródoto compartilha os pontos de vista de Otanes, não
porque ele endossa a ideologia de democracia, mas por que as proposições de
Otanes favorecem a preservação do nómoi político e social, governo por
instituições e não pela inconstância absurda dos indivíduos. A proposta de
Otanes promove a autonomia individual dentro do contexto político. Essa posição
demonstra, de forma igual, admiração a Esparta e a Atenas. Os espartanos auto-
governam-se e são livres dentro de claros e estáveis limites, dentro do nómos, o
déspota que impõe maior respeito a eles do que Xerxes. Este louvor do poder
déspota da lei e do costume em Esparta funciona enquanto atende às
necessidade e particularidades espartanas. Atenas aparenta ser o tipo de
comunidade que estava prosperando e rapidamente tornou-se grande,
268 HARTOG, F. Op.cit. p.341. 269 Idem. p.367.
112
especialmente por causa da liberdade e do governo constitucional. A liberdade
dos atenienses é consonante com o nómos; ele reconhece limites, impõe
obrigações.270
Ainda de acordo com Lateiner, o debate constitucional é um marco porque forma
uma expectativa sobre as três formas de governo. É também um seminário em
teoria política que se apresenta como uma confrontação dramática, o que não
significa, entretanto, que Heródoto transforma a história em ficção. Para o autor,
as induções racionais são baseadas em observações amplas relatadas nas
narrativas. As tiranias persa e grega não são meramente representantes de um
tipo conhecido. São personagens históricos que moldam e fazem que Heródoto
generalize o perfil de poder sem limites. No entanto, Heródoto não encontrou uma
terminologia abstrata e teórica para explicar os tipos de governo praticados até
então.271
São preferíveis então, no contexto do presente trabalho, as argumentações de
Lateiner e de Hartog, àquelas de Wathers, que não vê - em Heródoto - uma
análise dos acontecimentos teórica ou politicamente embasada. Heródoto,
realmente, não desenvolve, nos moldes modernos, uma teoria política, mas há
uma descrição consistente e iluminadora das diferenças entre as práticas de
poder então vivenciadas pelos diferentes comunidades. Então, se uma teoria não
é explicitada, ao menos o historiador nos fornece instrumentos para uma análise
teórica. Além disso, Heródoto expõe claramente sua opinião a respeito das
270 LATEINER, D. 1989. p.185.
113
formas de governo apresentadas, seja diretamente, ou pela voz de suas
personagens.
Outro diálogo importante para compreender a visão política de Heródoto é a fala
de Demaratos ao soberano Xerxes. A fala de Demaratos é particularmente
importante pelo fato de ser direcionada ao convencimento de seu ouvinte através
da enfática utilização de alétheia. No primeiro momento da fala, Demaratos
afirma que falará de acordo com a verdade, aletheíe.272 E depois reafirma a
veracidade de sua fala, acrescentando ao soberano que mesmo sabendo que a
verdade não o agradaria é seu dever informá-lo sobre os gregos que embora
pareçam livres não o são totalmente, pois existe um soberano para eles: a lei.273
A quem é endereçada a fala de Demaratos? Diretamente, sua fala é dirigida a
Xerxes, mas indiretamente ao ouvinte-leitor de Heródoto. O diálogo visa
convencer o ouvinte-leitor de que mesmo não agradando com as palavras que
diz, Demaratos sente-se forçado a dizer a verdade, uma vez que está cumprindo
uma ordem de Xerxes.
A exposição de Sócles sobre a cidade de Corinto é mais um exemplo de diálogo
sobre a liberdade em oposição à tirania em que a palavra é dada a uma
personagem das Histórias. A fala de Sócles constitui um dos capítulos mais
extensos de toda a obra de Heródoto e comporta informações sobre as práticas
tirânicas em que fica evidente a supressão de qualquer referência aos costumes
271 Idem. p.186. 272 HERÓDOTO. VII,102. 273 Idem. VII,104. Free they are, yet not wholly free; for law is their master, [...].
114
e às leis, ao nómos. Se a descrição sobre as ações dos tiranos de Corinto visa
convencer os Lacedemônios a não instaurarem essa forma governamental em
sua cidade, ela atinge também o ouvinte-leitor de Heródoto que, de fato, é
convencido de que a tirania não é uma prática aceitável, uma vez que os
costumes não são respeitados.
Segundo Sócles a forma de governo em Corinto era a oligarquia, e o poder
estava concentrado na casa dos Báquidas. Anfíon, um deles, tinha uma filha coxa,
cujo nome era Labda. Ao consultar os oráculos a respeito da descendência de
Labda, Eécion, seu esposo, obteve duas respostas. A primeira dizia que Labda
trazia no seio uma grande pedra que acabaria com a monarquia e faria justiça
em Corinto. A outra fazia referência ao nascimento de um leão, símbolo de
domínio pela utilização da força. Os feitos de Cípselo relatados por Sócles,
confirmam as previsões, a tirania em Corinto é caracterizada, de fato, pela
violência que se intensifica no governo de Periandro.
Outras duas referências à figura do leão são significativas na obra Histórias. Uma
refere-se a Hiparco, filho e sucessor de Pisístrato no poder em Atenas. Segundo
Heródoto, Hiparco, após a morte de seu irmão Hípias, passou a agir com o
máximo rigor, de modo mais tirânico do que antes.274 Através de um sonho,
Hiparco tem a visão de um homem que lhe dirige as seguintes palavras: Leão,
suporta com valor sua intolerável aflição. Nenhum homem pode escapar da
274 HERÓDOTO. V,55.
115
vingança pelas injustiças cometidas.275 O leão, que neste contexto se identifica
com aquele que pratica ações injustas, é uma representação simbólica do tirano
Hiparco. Tem-se, então, duas associações da tirania à figura do leão.
Enfim, é possível identificar, através da previsão oracular sobre o nascimento de
Péricles, que existe uma associação deste ao simbolismo inerente ao leão.
Agarista é informada através de um sonho que daria a luz a um leão, dias depois
nascia Péricles. Heródoto não faz referência às ações de Péricles, enquanto líder
em Atenas. Existe um silêncio do historiador sobre este importante personagem
político nas relações internas e externas da cidade. O papel político
desempenhado por Péricles em relação à Liga de Delos e, principalmente, na
guerra entre Atenas e Esparta é de fundamental importância histórica, mas
Heródoto se cala. O silêncio é suficientemente grande para que se aceite a
explicação pelo corte cronológico. Se de fato não era a intenção de Heródoto
relatar os acontecimentos posteriores à guerra entre bárbaros e gregos, e,
levando-se em consideração que o historiador já reunira um amplo material
relativo às proposições de seu empreendimento, mesmo tudo isso não justificaria
a total ausência de informação a respeito de Péricles. O silêncio assume, aqui,
uma função política. Se Heródoto revela sua preferência pela isonomía, e
demonstra sua admiração pelos feitos atenienses na guerra e pela utilização que
fizeram das armas bélicas ou das armas do lógos; e, se ainda procura
demonstrar que as reformas efetuadas por Clístenes proporcionaram a
275 Idem. V,56.
116
ampliação do espaço participativo, o silêncio relativo à Péricles é um indício de
sua desaprovação das práticas políticas características desse líder. A imagem
que Heródoto deixou de Péricles é a do leão, imagem que causa inquietação
àqueles mais atentos às questões políticas e desconforto àqueles que acreditam
na liberdade e na igualdade.
Eleuthería aparece na narrativa de Heródoto como um elemento constante na
relação entre o historiador e seu ouvinte-leitor. É, também, uma preocupação
temática central de sua obra: a guerra entre gregos e bárbaros é, em outras
palavras, a luta pela conservação da liberdade e autonomia das cidades-estado
da Hélade. Isonomía, a palavra mais bela segundo Otanes, encontra-se
persistentemente presente na relação entre Heródoto e seu público, estabelecida
pelo diálogo que tem seu ápice na argumentação. Alétheia se revela como uma
palavra-diálogo em que a liberdade de expressar opiniões diferentes é uma
condição indispensável num regime igualitário. A alétheia enquanto opinião,
doxa, está submetida a Peithó e requer sempre um posicionamento daquele que
a recebe. Termo do vocabulário político, dokeîn, em Heródoto, é o verbo da
decisão, também responsável pela secularização de alétheia. Nestes termos a
verdade é, sobretudo, um convite à ação inserida no tempo profano.
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo por companhia Heródoto, e, por objetivo primeiro, compreender sua
maneira de dizer a verdade, procurou-se, na trajetória aqui percorrida, recuperar
parte dessa longa (que tem início na antigüidade e apresenta-se ainda
pertinente) e densa discussão. Uma discussão sobre a validade dos métodos e a
veracidade dos relatos do historiador de Halicarnasso. Ainda, foram apontadas
algumas perspectivas de relativização a partir da identificação da diversidade
cultural, da diversidade de opiniões e da diversidade política, mesmo que estas
duas últimas não se abstivessem de um referencial.
Na parte segunda desta pequena jornada foi realizada uma pesquisa sobre a
história da palavra alétheia, tendo como referência principal o estudo etimológico
e filológico de Detienne, em que são expostas a significação e a utilização da
palavra pelos “mestres da verdade”. Na epopéia, o poeta preserva do
118
esquecimento os feitos memoráveis dos homens através do acesso à verdade,
que lhe é revelada pelas musas. A verdade, nesse contexto, apresenta-se
solidária ao louvor, à memória e, ainda, à justiça, que confere legitimidade ao
poder exercido nas cidades. O acesso à verdade, instrumentalização
indispensável para governar justamente, só é possível ao basileu via palavra
inspirada ao poeta ou ao adivinho. Governar justamente é então um fato, passível
de verificação através do bem estar social, este traduzido em boas colheitas,
procriação fértil, ausência de guerras. E é exatamente isso que irá conferir a
legitimação do poder nas cidades-estado.
Heródoto retoma a função do poeta em preservar os acontecimentos do
esquecimento. Porém, sua palavra é laicizada, inscrita no tempo e possui
autonomia, rupturas que conferem à cidade um novo tipo de memorial construído
pelo lógos. A verdade nas Histórias é pautada pela opinião do narrador, daquele
que discursa. O texto de Heródoto é um discurso do particular que reconhece, na
diversidade cultural, a expressão (em uma condição de igualdade e liberdade)
das diferenças. Sua narrativa é um constante diálogo em que as diferentes
opiniões sobre um assunto são expostas ao seu destinatário, o ouvinte-leitor, seja
pelas palavras do historiador ou pela voz de suas personagens. Por sua vez, o
destinatário, ao recebê-las, é convidado a também manifestar sua opinião. É
esse diálogo intenso entre Heródoto, as personagens de suas Histórias e seu
ouvinte-leitor, que produz um efeito de assembléia popular realizada em uma
comunidade política pautada pela democracia.
119
A opção política do viajante e historiador de Túrio pode ser identificada através
da manifestação de sua opinião pessoal, em que a igualdade é uma instituição
virtuosa276. Ainda, Heródoto, lança mão do recurso discursivo em que as
diferentes versões são apresentadas pelo fazer ouvir os personagens de suas
Histórias, como que eliminando, pela presença imbricada dos diversos
narradores, uma pretensão de verdade absoluta.
CORPUS DOCUMENTAL
276 HERÓDOTO. V,66.
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