A RELATIVIZAÇÃO DA SOBERANIA

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A RELATIVIZAÇÃO DA SOBERANIA

ROBERTO DOS SANTOS SOUZA

Bacharel em Direito pela UFBA e estudante de pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade Estácio de Sá

1. CONCEITO E CARACTERES DA SOBERANIA

Segundo Paulo Bonavides, teria um conceito histórico e relativo. Histórico, por que

não era conhecido na Antiguidade tendo surgido junto com o Estado Moderno. Relativo

porque não é mais considerado um elemento essencial do Estado. Havendo Estados

soberanos e não-soberanos. 1

A soberania interna é o predomínio que o ordenamento estatal exerce num território

e numa determinada população sobre os demais ordenamentos sociais.2 Os primeiros

autores dedicados ao tema, Jean Bodin e Thomas Hobbes, colocaram maior ênfase,

respectivamente, no monopólio do poder legislativo do Estado e do monopólio do uso da

força, como poder de impor determinados comportamentos aos membros da sociedade.3

Portanto, a soberania de uma perspectiva interna é uma relação de sujeição entre

cidadão-Estado. E do ponto de vista do direito internacional é uma não-sujeição, uma

igualdade entre os Estados.

A soberania é una, pois não admite outro poder igual. É poder superior a qualquer

outro. É indivisível. E essa característica não se opõe a separação de poderes, pois esta

nada mais é que uma divisão de atribuições. É inalienável, pois quem a possui quando a

perde, deixa de existir. É imprescritível, pois não se sujeita a prazo. Incondicionado, pois

só encontra limites impostos pelo próprio Estado. Também é indelegável e perpétua.

2. TEORIAS JUSTIFICADORAS DA SOBERANIA

1 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. rev. at. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 1222 BONAVIDES, Paulo. Idem, ibidem3 MIRANDA, Napoleão. Globalização, Soberania Internacional e Direito Internacional. Revista CEJ, Brasília, nº 27, p. 86/94, out/dez. 2004

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Várias teorias buscam justificar a soberania. Os autores costumam agrupá-las em

teorias teocráticas e democráticas.

Entre as teorias teocráticas encontramos a teoria da natureza divina dos governantes, da

investidura divina e da investidura providencial. Para a primeira, os governantes eram

deuses vivos. Para a teoria da investidura divina, os monarcas eram delegados diretos e

imediatos de Deus, dele recebendo sua investidura e só perante Deus poderiam ser

responsabilizados. E, por fim, para a teoria da investidura providencial, a soberania tem

origem divina, mas os governantes deveriam ser escolhidos pelos cidadãos.

Já entre as teorias democráticas encontramos a teoria da soberania popular e da

soberania nacional. Para a primeira a soberania seria a união da fração de soberania que

teria cada indivíduo teria como membro da comunidade. Já para a teoria da soberania

nacional, a soberania pertenceria à Nação, que ganharia autonomia em relação aos

indivíduos que a compõem, possuindo vontade própria e superior àqueles.

3. RELATIVIZAÇÃO DA SOBERANIA

Após a Declaração de Direitos Humanos de 1948, a soberania do Estado deixou de

ser um poder absoluto que não se sujeita a outro poder, pois se passou a admitir a

intervenção de um Estado em outro Estado para garantia de direitos humanos desde que

conte com o aval de uma organização internacional (ONU) para mediar a crise. A falta de

da mediação por um órgão internacional reconhecido como competente para interferir na

situação levaria a violação de vários princípios previstos nas Cartas das Nações Unidas,

como autodeterminação dos povos, não-intervenção etc.

Ainda dentro da relativização do conceito de soberania através de organismos

internacionais há a recente criação do Tribunal Penal Internacional pelo Estatuto de Roma

do Tribunal Penal Internacional, no Brasil promulgado pelo Decreto 4.388 de 25/09/2002.

Prevê o art. 1º do Estatuto:

“Artigo 1ºO Tribunal

É criado pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional (“o Tribunal”). O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais....”

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Sendo certo que umas das expressões da soberania é o exercício de jurisdição é de

se concluir que a adesão de um Estado soberano ao Estatuto de Roma submete ao seu

cidadão à uma jurisdição internacional complementar à sua e portanto reconhece um poder

concorrente ao seu.

Vemos também como uma clara expressão a relativização da soberania as

disposições previstas nos sistemas de defesa de direitos humanos. Por exemplo, podemos

citar as disposições do Pacto de San José de Costa Rica que tratam sobre a Comissão de

Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Os Estados pactuantes

se sujeitam a uma fiscalização da Comissão de Direitos Humanos sobre a observância dos

Direitos Humanos no país. A Corte Internacional de Justiça pode determinar o

asseguramento dos direitos humanos previstos no pacto e até fixação de reparação de

responsabilidade do Estado-membro pela infração a estes direitos.

Não obstante a submissão a esses tratados internacionais se dê por adesão, ou seja,

por consentimento por parte dos Estados signatários, não podemos daí concluir que não

existe uma relativização da soberania. Devemos observar o fenômeno a partir das

características da soberania, supracitadas: unidade, indivisibilidade, indelegabilidade etc.

Portanto, o poder soberano, como visto por Bodin, não pode ser dividido com entes de

caráter internacional.

Para alguns autores, como Napoleão Miranda, a globalização é um fator de

relativização da soberania, leia-se:

“Outro fator determinante da redefinição do conceito e da prática da soberania em escala internacional, atualmente, é o fenômeno da globalização.....A globalização traduz-se, hoje, em uma crescente interdependência econômica das nações, materializada no fluxo do comércio, do capital, de pessoas e tecnologia entre elas....”4

Com a globalização corporações econômicas, organizações sociais entre outros

organismos sociais de caráter internacional passaram ter influência mundial e interferir nas

decisões e gestões nacionais. Por isso que conclui Miranda:

“A globalização representa, portanto, um desafio significativo para o exercício da soberania dos Estados no contexto internacional. Esses desafios, que não são triviais, levaram alguns autores a falar em ‘crise da soberania’, questionando não somente a utilidade do conceito para captar e explicar as características atuais do fenômeno, como também quem seria o ‘sujeito’ da soberania.” 5

4 MIRANDA, Napoleão. Op, cit.

5 MIRANDA, Napoleão. Op cit.

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Por fim, devemos ressaltar um fenômeno bastante evidente no cenário

internacional que é a formação de comunidades de nações, não como desenhado nas

instituição da ONU, mas sim uma entidade transnacional com relações muito mais estreitas

e conjugadas como a Comunidade Européia. Na Comunidade Européia se verifica a busca

de uma cooperação de estados visando um desenvolvimento em comum e mais consistente.

Como eles se sujeitam a um conjunto de regras único pensando para todos os Estado

envolvidos mostrou-se necessário a criação de um órgão legislativo próprio ao

desempenho dessa função e que fosse composto de representantes de todos os Estados-

membros (Parlamento Europeu). Além disso, um órgão jurisdicional que sanasse os

conflitos que resultassem da aplicação dessa regras (Tribunal de Justiça Europeu).

Tal fenômeno demonstra, com certa obviedade e decadência do conceito de

soberania como pensado por Bodin.

4. OPINIÃO CONCLUSIVA

A soberania, nos moldes como pensado por Bodin ou Hobbes, não nos parece

factível na atualidade. Inobstante o conceito que se tenha quanto ao seu titular, parece-nos

que o conceito de soberania está intrinsecamente ligado à idéia de Estado-nação. Porém tal

conceito ou está obsoleto ou se perdeu na dinamicidade das relações externas (com outros

Estados, organismos internacionais ou mesmo indivíduos) e internas (relação de

convivência com os poderes sociais).

A soberania, de uma perspectiva interna (coerção legítima) parece-nos depender

cada vez de uma negociação política entre os diversos setores sociais, pois os órgãos de

expressão da soberania (legislativo, executivo e judiciário) estão presos numa crise de

legitimidade.

Já sob a perspectiva externa, surgiu uma necessidade crescente de regulação

mundial do comércio internacional e do estabelecimento de parâmetros regulatórios para

os conflitos internacionais e as questões ambientais. Essas questões demandam soluções

negociadas através de órgãos de instância transnacional. Por isso, o conceito de soberania

se flexibiliza para não impossibilitar a convivência pacífica entre as nações. Houve uma

mudança nos interesses dos povos e antigos conceitos devem adapta-se a essa nova

realidade.

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BIBLIOGRAFIA

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. rev. at. São Paulo: Malheiros

Editores, 2002

CRUZ, Paulo Márcio da. Soberania e superação do Estado Constitucional moderno. Texto extraído do Jus Navigandi http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9955

MIRANDA, Napoleão. Globalização, Soberania Internacional e Direito Internacional. Revista CEJ, Brasília, nº 27, p. 86/94, out/dez. 2004

REZEK, J.F. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 9ª edição.São Paulo:

Editora Saraiva. 2002