A Relatividade Geral 100 anos depois1 Paulo Crawford ... · em relação à carga observa o...
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ARelatividadeGeral100anosdepois1PauloCrawfordInstitutodeAstrofísicaeCiênciasdoEspaçoUniversidadedeLisboa
Ao longo do mês de Novembro de 1915, em quatro quintas-feiras consecutivas, Albert
Einstein (1879-1955) deu os últimos retoques na sua reinvenção radical do espaço e do
tempo, reunindo-os num espaço-tempo dinâmico que se identifica com o próprio campo
gravítico,ainteracçãofundamentalnadescriçãodadinâmicadoUniverso.Nasciaateoriada
RelatividadeGeral(TRG),ateoriadagravitaçãodeEinstein.
E nos últimos 100 anos a teoria da gravitação de Einstein foi sendo aplicada a diferentes
camposgravíticos,primeiroaosistemasolar,depoisaopróprioUniversonoseuconjunto,
mais tarde ao colapso das estrelas e à formação de diferentes objectos condensados,
estrelasdeneutrõeseburacosnegros,bemcomoaoestudodaradiaçãocósmicademicro-
ondas que permeia todo o Universo, e mais recentemente tem recorrido ao estudo de
microlentes gravitacionais, uma técnica que temem conta o efeito de encurvamento dos
raiosluminososnapresençadematériaouenergia,paradetectarapresençadematérianão
visívelnoUniverso.Comoavançodatecnologia,talentososexperimentadorestêmvindoa
confirmar a TRG, particularmente a partir dos anos sessenta do século passado, com um
graudeprecisãocadavezmaior.Apesardospontosde interrogaçãoquepermanecemou
quesurgiramnodecursodasobservações,comoaelevadapresençadematériaescura,não
luminosamasatractiva,edaenigmáticaenergiaescura,quedominadeformaavassaladora
a densidade de energia do Universo e é responsável pela expansão acelerada actual do
Universo, a TRG continua a ser amelhor teoria da gravitação existente. Pelo caminho, os
teóricos têmvindoadescortinaraplicaçõesda teoria tãoextraordináriascomoosburacos
negrosgigantesnocentrodasgaláxiaseosváriosmodeloscosmológicospossíveis;nestes
modelos se inclui o modelo do Big Bang de um Universo em expansão a partir de uma
singularidadeinicialquedeuorigemaoespaço,tempoetodaamatéria-energiadoUniverso
primitivo.Enfim,umconjuntoderesultadoscomasquaisEinsteinnuncaterásonhado.
Neste artigo, falaremos do homem e do cientista, procurando descrever de passagem
algumas das influências que contribuíram para a formação da personalidade de Albert
1ArtigopublicadonarevistaVérticenº178,de2016.
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Einstein, bem como o caminho que percorreu na construção da teoria da relatividade.
Seguiremos o caminho da construção dos conceitos que vieram substituir as ideias
newtonianasdoespaçoedo tempoabsolutosatéaoespaço-temporelativo.Primeiro,em
1905, um espaço-tempo fixo, com simetria máxima, e depois, paulatinamente, num
percursodecercade8anosqueconduziuaoespaço-tempocurvo,identificadoporEinstein
como próprio campo gravítico. Em seguida, discutiremos as principais soluções das suas
equaçõesdaTRG,asoluçãoestáticacomsimetriaesférica,quedescreveocampogravítico
doSol,apartirdaqualépossívelcomprovarasconsequênciasmaisimportantesdateoria.
ConsequênciasessasqueadistinguemdagravitaçãodeNewton,comosejamoavançodo
periélio da órbita de Mercúrio, o encurvamento dos raios luminosos ao rasar o Sol, e o
deslocamento para o vermelho de origem gravitacional. Falaremos depois do Universo
estáticodeEinsteinedonascimentodacosmologiateórica.Aimportânciadaobservaçãodo
eclipsede1919,bemcomoas suas repercussõesentreosastrónomosportugueses, serão
matérias para uma secção importante deste artigo, sobretudo porque relatam trabalho
original recente sobre a recepção e apropriação da relatividade em Portugal por alguns
membrosdacomunidadeastronómicaportuguesa.Finalmente,paraconcluir,vamostentar
responderàquestãodainfluênciaeàsrepercussõesdasteoriasdeEinstein,particularmente
dateoriadarelatividade,napráticaquotidianadosfísicoseastrónomosdehoje.
1.Ohomempordetrásdocientista
Uma semana antes do seu falecimento em 18 de abril de 1955, Albert Einstein foi
entrevistado pelo conhecido historiador da ciência, I. Bernard Cohen, uma entrevista que
seriapublicadoemJulhodomesmoanopelabemconhecidarevistaScientificAmerican,e
tambémmaistardenumensaiodeCohenpublicadoem1984.Naalturaemqueentrevistou
Einstein,Cohenera jáconhecidoporserumestudiosodeNewton,eestavaa terminarna
alturaumlivrosobreFranklineNewtonqueseriapublicadonoanoseguinteaofalecimento
deEinstein.
Naentrevista,CohenexplicaaEinsteinqueumadassuasáreasdeinvestigaçãoeraaorigem
dos conceitos científicos e a relaçãoentre a experimentaçãoe a criaçãodeuma teoria. E
acrescentou, o que sempre lhe tinha impressionado em Newton era a dualidade da sua
inteligência:ajunçãodamatemáticaefísicapurascomaciênciaexperimental.Einstein,por
sua vez, confessou tambéma sua admiraçãoporNewton. Porém, criticava-opornão ter
sidocapazdefazerumamençãoaHookenoprefáciodosPrincipia,nãoreconhecendoassim
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acontribuiçãodeHookenadescobertada leidagravidadeuniversal. Infelizmente, foium
atodevaidade.Einsteinafirmouentãoqueissoaconteceamuitoscientistaseacrescentou
que sempre lhe custouqueGalileunão tivesse reconhecido a importânciado trabalhode
Kepler.Na sequência desta conversa Einstein e Cohen falaram sobre a controvérsia entre
Newton e Leibniz a propósito da invenção do cálculo, e de como Newton tinha tentado
provar que o seu colega alemão o tinha plagiado. Na altura foi constituída uma suposta
comissão internacional de investigação, composta por ingleses e dois estrangeiros. Mais
tarde soube-se que Newton dirigiu anonimamente os trabalhos dessa comissão. Einstein
ficousempremuitochocadocomestaatitudedeNewton.EmboraCohentenhanotadoque
asquerelasviolentaseramumacaracterísticadaépoca,Einsteininsistiuque,quaisquerque
fossem essas características, a dignidade humana deveria permitir sempre ao homem
manter-seacimadaspaixõesdoseutempo.
AscríticasdeEinsteinàpersonalidadedeNewtonsão importantesparacaracterizara sua
dimensão moral, a atitude em relação ao mundo que o rodeava. Por outro lado, a sua
posiçãocomocientista inovadoremesmorevolucionário,empenhadoemcompreenderos
mistérios do universo, e não simplesmente atarefado a produzir uns tantos artigos
científicos para aumentar o seu curriculum, definem-no como um dos mais criativos
cientistas do século XX.Muitos o consideramumgénio cheio de ingenuidade, pela forma
pueriledesafrontadacomoquestionavaaciênciadoseutempo.Sim,muitosforamcapazes
de fornecer respostas, Einstein era um mestre a formular questões. E na sequência das
questõesformuladasforamsurgindoalgumasdasgrandescontribuiçõesdafísicadoséculo
XX, como o dualismo onda-corpúsculo para a luz, a relatividade do espaço e do tempo
através da crítica ao conceito de simultaneidade de acontecimentos físicos distantes e a
formulaçãodoespaço-tempocurvopararepresentarocampogravítico.
Nas suasNotas Autobiográficas, escritas aos 67 anos, Einstein revela um episódio da sua
juventudeque teveneleuma influênciaduradoura, comoelepróprio reconhece. Embora
essasnotaspossamconsiderar-se a sua autobiografia científica, nelas inclui o tal episódio
pessoalque,segundooseuprópriojulgamento,haveriadeinfluenciarasuapersonalidade
egrandepartedoseucomportamentonosanosposteriores.Osseuspaisacolheramemsua
casaumestudantedemedicina,MaxTalmud,umjudeuortodoxodaLituânia,comointuito
deeducarojovemAlbertnosprincípiosdojudaísmo.MuitorapidamenteAlbertcomeçoua
exigirqueospaiscumprissememcasaasregrasdaalimentaçãojudaicaeoutrastradições
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religiosas do judaísmo. Einstein referia-se a este período como o “paraíso religioso da
juventude”.MasamarcamaisduradouradoconvíviodeAlbertcomojovemTalmudforam
assuas leiturasdosLivrosPopularesdeCiênciasNaturais,deAaronBernstein,umteólogo
judeu, escritor e político,muito famoso naquela época como divulgador da ciência. Num
desses livros,o jovemAlbert teveaoportunidadede lerumcapítulosobreumafantástica
viagemnoespaço,quehaveriademarcarprofundamenteoseupensamento.Naspalavras
dopróprioEinstein:
“através da leitura dos livros de divulgação científica depressa adquiri a
convicção quemuito do que está escrito na Bíblia não podia ser verdade.
Comoconsequêncianasceuemmimumafanáticaorgiadepensamentolivre,
associadocomaimpressãodequeajuventudeéintencionalmenteenganada
peloestado;eraumaimpressãoesmagadora.Afaltadeconfiançaemtodoo
tipodeautoridadefezcresceremmim,comestaexperiência,umaatitudede
cepticismo relativamente às convicções presentes em qualquer ambiente
social–umaatitudequenuncameabandonou”(verNotasAutobiográficas,
pp.3,5.Ref.[1]).
ApreocupaçãodeEinsteincomosproblemassociaisepolíticosdoseutempocompletama
personalidade de um homem integral. Em numerosos artigos de jornais ou em
correspondência comos seus pares, bem como em conferências públicas, Einstein não se
coibia de expressar as suas opiniões sobre uma grande variedade de questões políticas e
morais,taiscomoaguerraeapaz,anacionalidadeeonacionalismo,aliberdadeeoracismo.
Aliás,aolongodasuavida,quernostemposemqueviviaemBerlim,quermaistardejános
Estados Unidos, sempre se expressou livremente e lançou inúmeros ataques a todas as
formasdedescriminação.
2.DabelezadasimetriaàinvariânciadasleisfísicasNoséculoXVII,IsaacNewton(1642-1727)construiuumsistemadeequaçõesparadescrever
aspropriedadesmecânicasdomundoquenos rodeia. Foiextraordinárioo sucessodessas
equações desde a sua aplicação na artilharia à descrição domovimento dos planetas em
torno do Sol. Essas descobertas de Newton, que conduziram à identificação de novos
planetas no sistema solar, inauguram uma nova etapa na história da ciência, na qual as
novasleisfísicasseaplicamtantoaomundoperecíveldaTerracomoaodoscorposcelestes.
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Masparaalémdasuaeficáciaeuniversalidade,haviatambémumaspectomuitoapelativo,
a independência dessas leis em relação aos observadores com diferentes velocidades
constantes (movimentos inerciais). De facto, dois observadores inerciais, a mover-se em
diferentesdirecções,ounamesmadirecção,mascomvelocidadesdiferentes,descreveriam
osacontecimentosdomesmomodo,emboraaperspectivapudesseseroutra;porexemplo,
umpoderiaverumcomboioaaproximar-sepelasuaesquerdaagrandevelocidade,eoutro
poderia ver omesmo comboio a aproximar-se lentamente pela direita. Mas estariam de
acordo no fundamental: se os relógios dos dois observadores estão acertados, ambos
afirmamqueocomboiopassanaestaçãoX,precisamenteaomeio-dia.Emsuma,asleisda
física deduzidas por estes dois observadores seriam iguais, fariam asmesmas previsões e
teriam a mesma formulação matemática. Esse conceito foi mais tarde designado como
princípiodarelatividadedasleisdamecânica.
Porém,osfísicosperceberammaistardequeessasimetrianãopareciaaplicar-seatodosos
fenómenosfísicos.Aparentementepareciahaverproblemascomosfenómenoseléctricose
magnéticos que dominaram a física no último quartel do século XIX e que trouxeram
inúmerosavanços tecnológicosao longodoséculoXX.Oraem1865, JamesClerkMaxwell
(1831-1879) reuniu todos os fenómenos da electricidade, do magnetismo e ainda os da
óptica num conjunto de equações que descreviam uma única interacção: o
electromagnetismo. Na sequência da descoberta de Maxwell, os físicos tomaram
consciência que havia algo de estranho com essas equações. Contrariamente ao que
acontecia com as equações da mecânica de Newton, as equações de Maxwell tomavam
formas diferentes para distintos observadores inerciais, isto é, para observadores com
diferentesvelocidadesconstantes.Porexemplo,enquantoumobservadoremrepousoem
relaçãoaumadadacargaeléctricamedeumcampoeléctricoestático,outroemmovimento
emrelaçãoàcargaobservaoaparecimentodeumacorrenteeléctrica,queporsuavezdá
origemaumcampoeléctricoetambémaumcampomagnético,quepoderiafacilmenteser
detectado por uma agulha magnética. Por outras palavras, o observador que está em
repousoobserva fenómenos físicosaparentementedistintosdaquelesquesãoobservados
pelo observador em movimento. Isto parecia destruir a simetria entre os diferentes
referenciaisinerciaisbemcomoainvariânciadasleisfísicas,eapontavaparaanecessidade
dedefinirumreferencialprivilegiadoparadescreverasleisdoelectromagnetismo.Note-se
quenãohavendoumreferencialabsolutotambémnãosepodefalaremrepousoabsoluto.
Ora,nasequaçõesdeMaxwellháumaconstanteelectromagnéticaquetemosignificadode
uma velocidade de propagação da luz no vácuo, e de todas as ondas electromagnéticas,
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quersejamondasdeluzvisívelouderaiosX.Colocava-sepoisaquestãodesaberemque
referencialeramedidaessavelocidade.Ecomonaalturaos físicossuponhamquedeveria
existirummeioprivilegiado,oéterluminífero(=transportadordaluz),apreenchertodoo
espaço para permitir a propagação da luz, nomeadamente a que vinha das estrelas, foi
admitidoqueoreferencialemquestãoseriaoreferencialdoéter.Issofaziatodoosentido
navisãonewtonianodafísica,ondeas leisdamecânicaapelavamparaaexistênciadeum
espaçoedeum tempoabsolutos.Orao referencial doéterdesempenhavaessepapelde
referencial absoluto, no sentido newtoniano do termo. Em suma, no final do século XIX
pensava-sequesónoreferencialdoéteréqueavelocidadedaluznovácuo,representada
por c, se podia identificar com a referida constante electromagnética. Neste contexto, a
simetria que permitia considerar todos os observadores inerciais como equivalentes do
ponto de vista da invariância das leis física parecia restringir-se às leis da mecânica
newtoniana. É este edifício, quemantinha subjacente um espaço e um tempo absolutos,
queirásersubstituídopelasideiasdeAlbertEinsteinem1905,comoobjectivodeestender
atodaafísicaoprincípiodarelatividade.ApreocupaçãodeEinsteintinhaavercomasua
exigência de que as leis físicas deviam explicar tudo na natureza de uma forma lógica,
coerente e consistente. Isso levou-o a analisar criteriosamente todas as contradições ou
insuficiências na estrutura lógica das teorias físicas. Ao detectar uma imperfeição lógica,
Einsteininiciavaumabuscadenovosprincípiosparafundamentarnovasteoriascapazesde
substituircomvantagemasanteriores.Assim,oobjectivoprincipaldeEinsteinnaciênciaera
descobrir aquilo que ele chamava teorias de princípio. Ou seja, teorias que permitissem
postular regras gerais a que todos os fenómenos físicos deviam satisfazer. Sendo estas
teoriasverdadeiras,teriamentãoumaaplicaçãouniversal.
Noseuestudodafísica,Einsteinidentificouduasteoriasdeprincípio:asleisdomovimento
estabelecidas por Galileu e Newton, e as leis da termodinâmica. O princípio básico da
primeiraéa relatividadedomovimentouniforme,ouseja,a ideiadequeavelocidadede
umcorpoemmovimentouniformeé impossíveldedetectarapartirdeexperiênciasfeitas
no seu referencial próprio (onde o corpo está em repouso). Por outras palavras, na
Mecânica não existem velocidades absolutas; por princípio, a velocidade é um conceito
relativo. Sempre que falamos da velocidade de um objecto devemosmencionar qual é o
referencial,oucorpodereferência,emrelaçãoaoqualémedidaavelocidade.Porexemplo,
seumcorpoestá em repousona Lua, ele teráumavelocidadeem relaçãoà Terra, queé
igualàvelocidadedaLuaemrelaçãoàTerra.Eteráumavelocidadediferenteemrelaçãoa
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qualqueroutroplanetadosistemasolar.Daquidecorrequenãoépossívelafirmarqueum
corpoestáemrepousosemmencionaroreferencialemrelaçãoaoqualasuavelocidadeé
nula,umavezqueorepousoabsolutonãoexiste.Noexemplodadoatrásocorpoestáem
repousonoreferencialLua.Parapoderdefinirumrepousoabsolutoserianecessárioadmitir
aexistênciadeumespaçoabsoluto,aoqualpoderíamosassociarumreferencialprivilegiado.
Analisemosporquerazãoasnoçõesdeespaçoetempoabsolutossãointroduzidosnafísica
deNewton.Ofactodeumobjectopoderestaremrepousoemrelaçãoaumreferenciale
emmovimento em relação a outro, foi considerado por Newton como algo que tornava
difícilexplicarascausasdomovimento.Porexemplo,comopoderiaNewtoninvocaraforça
deatraçãoentreaTerraeoSol,comosendoacausadomovimentodaTerraemtornodo
Sol, sepudermosadmitir umoutropontode vista, igualmente legítimo,de acordo como
qual a Terra não se move e é o Sol que se move em torno da Terra. Em resumo, se o
movimentoé relativo, qualquerobservadorpode considerar que todososmovimentos se
devemdefiniremrelaçãoaele,ouseja,aoreferencialondeestáemrepouso.Assim,como
intuito de explicar as causas do movimento, Newton assumiu que deveria atribuir um
significadoabsolutoàposiçãodeumcorpo,admitindodestafeitaqueoscorpossemovem
ounãoemsentidoabsoluto,emrelaçãoaumreferencialprivilegiado.Estefoioraciocínio
quepermitiuaNewtonassumirqueeraaTerraquesemoviaabsolutamenteenãooSol.
Porém, para Einstein esse espaço absoluto não existe, pois ninguém alguma vez viu ou
detectou um espaço absoluto ou um referencial privilegiado. As posições são sempre
relativas, e Newton sabia disso; porém, para ele o espaço absoluto tinha um significado
teológicoeporissoinsistianessaconcepção.
Quandoafirmamosqueumobjecto semove, queremos com issodizer que a suaposição
mudanotempo.Logo,paratornarestaideiaprecisaénecessáriosaberoqueentendemos
por tempo.Aspessoaspercebemapassagemdo tempo semprequeháumamudança.O
instanteemqueumacontecimentotemlugarémedidoemrelaçãoaoutroacontecimento,
comosejaaleituradomostradordeumrelógio.Emsuma,omovimentopodeserdefinido
comoumamudançadeposição,tendoporbaseumobjectodereferência,duranteumcerto
intervalo de tempomedido nomostrador de um relógio. Vejamos agora, com a ajuda de
Einstein,quetalcomoasposiçõesdosobjetossãorelativas,tambémasleiturasdosrelógios
dependem do estado do movimento dos respectivos relógios. Para ver como Einstein
chegou a esta conclusão temos que voltar às chamadas teorias de princípio; ou seja, às
teorias que permitem postular regras gerais a que todos os fenómenos físicos devem
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satisfazer.Assim,oprincípioqueEinsteinestendeua todaa físicaéo seguinte:as leisda
física são as mesmas para todos os observadores não acelerados. Ou seja, com este
postulado Einstein estende o princípio da relatividade do movimento uniforme a toda a
física e não simplesmente àMecânica de Galileu e Newton.Mas há um outro postulado
introduzidoporEinstein,semoqualnãoseriapossívelaplicaroprincípiodarelatividadea
toda a física, nomeadamente às equações de Maxwell, as leis que governam o campo
electromagnético, como vimos atrás. Estou a referir-me ao princípio da invariância da
velocidadedaluznovácuo,c,emqualquersistemadereferênciainercial.Ouseja, ovalor
de c é omesmo para todos os observadores qualquer que seja a velocidade com que se
desloquem. Em síntese, a descoberta da Teoria da Relatividade Restrita (TRR) em 1905
chegou após uma meditação de 10 anos e vem reconciliar a relatividade do movimento
uniforme,járeconhecidanamecânicadeGalileueNewton,comateoriaelectromagnética
deJamesClerkMaxwell.PorestarazãoaTRRémuitasvezesentendidacomoacúpulado
electromagnetismo.
Logo no início do seu artigo sobre a Electrodinâmica dos Corpos emMovimento [2], que
dariaorigemàTRR,Einsteinafirma:“ÉbemconhecidoqueaelectrodinâmicadeMaxwell–
tal como é actualmente entendida – quando aplicada a corpos emmovimento, conduz a
assimetriasquenãopareceminerentesaofenómeno.”Efetivamente,quandoaproximamos
um íman de uma espira condutora em repouso, sem fonte de alimentação, surge uma
corrente (induzida) durante o tempo em que ocorre a aproximação do íman; e omesmo
acontecequandooímanéafastadodocircuito,emboraagoraacorrentepercorraocircuito
emsentidocontrário;porém,seéocircuitoqueseaproximaouafastadoíman,queagora
seencontraem repouso, tambémseverificaoaparecimentodeumacorrente,masa sua
origem era explicada como sendo devida a um fenómeno diferente: a ação da força
magnética, devida ao íman, sobre os electrões do condutor emmovimento dá origem ao
aparecimentodeumacorrentequepercorreocondutorenquantoocondutorpermanecer
emmovimento;ouseja,noprimeirocaso,estamosaanalisarofenómenonoreferencialda
espiracondutora,ondeoselectrõesestãoemrepousoe,portantoaforçamagnéticasobre
oselectrõesénula;nosegundocaso,elegemosoreferencialdoíman,emrelaçãoaoqualos
electrões da espira estão em movimento, sendo o fenómeno explicado como sendo o
resultado da ação da força magnética do íman sobre os electrões do condutor em
movimento.Ora,paraEinstein,comoomovimentodeumcorpoéumconceitorelativo,os
dois fenómenos descritos devem ter uma única interpretação: deve surgir uma corrente
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induzidano condutor sempreque se verifique variaçãode fluxodo campomagnético, ou
seja, sempre que tenha lugar uma variação do número de linhas de força do campo
magnéticoque atravessa a área limitadapela espira condutora.Nãohavendo variaçãode
fluxonãohácorrenteinduzidapelocampomagnético.
Comoconsequênciadestas considerações, somos levadosaentender, comEinstein,quea
ideiaderepousoabsolutonãotemsignificadonafísica.ComesteraciocínioEinsteinlibertaa
física do conceito de éter, o meio imaginado pelos físicos no século XIX para explicar a
propagaçãodasperturbaçõeselectromagnéticasatravésdoespaço,equeporessemotivo
era visto pelos físicos como um referencial privilegiado, em relação ao qual se poderia
definir um movimento absoluto. Recordemos essa ideia tal como foi apresentada por
Maxwell: “a luz consiste nas ondulações transversais domesmomeio que é a causa dos
fenómenoseléctricosemagnéticos” ([3]vol.I,500).Poroutraspalavras,paraos físicosdo
séculoXIX,asondasluminosas,talcomooscamposeléctricoemagnéticonecessitamdeum
meioquelhessirvadesuporte.Eéessemeio,quesesupunhapreenchertodoouniverso,
quesedesignavaporéter.Paraamaioriadosfísicosoéterdeviaserabsolutamenteimóvel,
por razões que não vamos aqui analisar. Amatéria ordinária, comoé o caso de qualquer
planetadosistemasolar,deviamover-seatravésdoétersemoperturbar.ATerra,talcomo
imaginavam os físicos na altura, deviamover-se através do éter a uma velocidade de 30
km/s,avelocidadedomovimentoorbitaldaTerraemtornodoSol.Porconseguinte,deveria
haverumventodoétersoprandoemsentidooposto.Nãoeradeesperarqueesteventodo
éterfossedetectadodiretamente,masdeveriaserpossíveldetectarainfluênciadoéterna
luz emitida por fontes terrestres ou celestiais. Embora fosse previsível que esses efeitos
deviamserdiminutos,sabia-sequeestavamperfeitamenteaoalcanceexperimentalatravés
deumestudodeinterferênciasentrealuzprovenientededuasfontes.Oresultadonegativo
dessasexperiências,primeiro realizadasporAlbertA.Michelson (1852-1931)emais tarde
porMichelson e EdwardW.Morley (1838-1923), não levou imediatamente à exclusão do
conceitodoéterluminífero,eporissoprosseguiramastentativasparaobterumresultado
positivo. Porém, na ausência de um resultado positivo posterior, as experiências de
Michelson-Morley acabaram por ser consideradas como um resultado definitivo na
demonstraçãoda inexistênciadoéter. ParaEinstein, e independentementede ter tidoou
não conhecimento dessas experiências, o éter em repouso absoluto era um conceito
supérfluo,completamentedesnecessário.Assim,Einsteindecideeliminá-locompletamente
das suas considerações. E com isso elimina o referencial “privilegiado” onde, segundo
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Hendrik Lorentz (1853-1928) e Henri Poincaré (1854-1912), as equações de Maxwell do
electromagnetismoestavamescritas;ouseja,oreferencialondeavelocidadedaluz(edas
outras ondas electromagnéticas) tinha um valor conhecido representado por c. Por
consequência, deixando de existir esse referencial absoluto, todo omovimento é relativo
quer para as leis damecânica quer para as leis do electromagnetismo. Por isso, Einstein
afirmaqueasleisdoelectromagnetismo,daópticaedamecânicasãoválidasemtodosos
sistemasdereferência inerciais, istoé,nãoacelerados,estabelecendoassimoprincípioda
relatividade,comoumprincípiogeraldafísica,eelevando-oaoníveldeumaxioma.Decorre
desteprincípioquetodososreferenciaisinerciaissãoequivalentese,porconseguinte,nesta
lógicanãopodemexistirreferenciaisabsolutos.Epercebe-seporqueéqueEinsteinélevado
a introduzir o segundo princípio, também com a categoria de axioma, nomeadamente: a
velocidadedaluznovácuotemomesmovaloremtodosossistemasdereferênciainerciais.
Só assim, é possível esperar que as equações de Maxwell, que condensam as leis
fundamentais do electromagnetismo e da óptica, sejam válidas em todos os referenciais
inerciais, uma vez que a velocidade da luz no vácuo, c, aparece explicitamente nessas
equações.
3.Doprincípiodarelatividadeàrelatividadegeral
Apesar dosprogressosda TRR ao estabelecer oprincípioda relatividade a toda a física, a
verdadeéqueanovateoria,emboraenglobasseoelectromagnetismo,nãoeracompatível
comaleideNewtondagravitação.Segundoesta lei,seadistribuiçãodematériamudasse
numacertaregiãodoespaço,ocampogravíticocorrespondentemudariainstantaneamente
emqualqueroutrapartedouniverso.Aserverdade,issoimplicariaapossibilidadedeenviar
sinaisinstantâneoseexigiriaumtempoabsoluto,emcontradiçãocomaTRR.Einsteinestava
cientedesteproblemaquando,noOutonode1907,JohannesStarklhepediuparacontribuir
com um artigo de revisão sobre o princípio da relatividade para o seu Jahrbuch der
Radioaktivität undElektronik. Por essa altura, Einstein começavaa ficar insatisfeito coma
limitação da relatividade aos movimentos inerciais e ansiava alargá-la aos observadores
acelerados.Nessaépoca,quandoaindatrabalhavanaRepartiçãodePatentesdeBerna,teve
“opensamentomaisfeliz”dasuavida,comorevelouaoseucolegaeamigoMicheleBesso
(1873-1955). A igualdade entre amassa inercial, responsável pela inércia dos corpos, e a
massa gravitacional, que transmite a forçada gravidade, sópoderia ser indicaçãodeuma
conexãoíntimaentreinérciaegravidade.Umastronautanumanaveespacialfechadanãoé
capazdedistinguirseestáemrepousonumcampogravíticoouseestáaceleradonoespaço
livre.Aestarelaçãoentremovimentoaceleradoegravidade,Einsteinchamou“princípioda
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equivalência”. Mais tardehaveriadedescreveressemomentoprodigiosona sua liçãona
UniversidadedeQuiotoem1922:
“De repente,umpensamentoassaltou-me: seumapessoacaiemqueda livrenão
senteoseuprópriopeso.Fiqueiabismado.Estesimplespensamentoprovocou-me
umaprofundaimpressão.Impeliu-meparaumanovateoriadagravitação.”
Combasenesteprincípioacreditouqueseriacapazdeconstruirumateoriaparasubstituira
teoria da gravidade de Newton, e ligou imediatamente o problema da gravidade ao
problemadageneralização (doprincípio)da relatividadea todososobservadores.Énesse
artigode1907queEinsteinpublicapelaprimeiravezassuasreflexõessobrearelaçãoentre
oprincípiodarelatividadeeagravitação.Massóvoltaapensarnestesproblemasem1911,
jácomoprofessorcatedráticodeFísicaTeóricanaUniversidadedePraga. Tantooespaço
ordinário(euclidiano)comooespaço-tempodarelatividaderestritasãoespaçosplanos.Ao
procurarcompatibilizarainteraçãogravíticacomasideiasdarelatividaderestrita,Einsteiné
levado,ao fimdeuma luta intelectual intensa,a renunciaraoespaço-tempoplano.O seu
raciocínio foio seguinte:napresençadeumcampogravíticoénecessário incluir todosos
tiposdemovimentosenãoapenasosmovimentosuniformes.Époisnecessáriogeneralizar
oprincípiodarelatividadeatodososobservadoresdeumcampogravítico.Comoproceder?
Sigamos o pensamento de Einstein. A interação gravítica tem uma natureza única entre
todasas forças:aquedadoscorposé independentedasuamassaoudasuaconstituição.
Istosugerequeagravidadenãoérealmenteumaforça,masumapropriedadegeométrica
doespaço(-tempo).ÉaquiquesurgeaideiarevolucionáriadeEinstein:osobservadoresem
queda livre num campo gravítico identificam-se com os observadores inerciais da TRR no
quedizrespeitoàssuasobservações locais.Mas,aocontráriodarelatividaderestrita,dois
observadores em queda livre não mantêm uma velocidade uniforme entre si devido aos
efeitosnãolocaisdocampogravítico.Realmente,doiscorposemquedalivreàsuperfícieda
Terra não descrevem trajetórias exatamente paralelas, pois essas trajetórias convergem
para o centro demassa da Terra, embora, a uma escala local, as trajetórias sejam quase
paralelas, quando observadas num pequeno intervalo de tempo. Para justificar estas
diferenças, Einstein identifica a gravidade com umamodificação em relação à geometria
euclidiana:agravitaçãoproduzumacurvaturanoespaço-tempo.As trajetóriasdoscorpos
emquedalivreserãoasgeodésicasdesteespaço-tempocurvo;ouseja,agoraastrajectórias
jánãosãolinhasrectas,comoeramnoespaçoplano,massimaslinhas“maisdireitas”queo
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espaço-tempo curvo admite. Por exemplo, na superfície de uma esfera as geodésicas (as
linhas mais direitas) são os círculos máximos: os meridianos e o equador. É interessante
seguir o caminho que levou Einstein à consideração das geometrias não euclidianas. Em
particular,examinouasituaçãodeumobservadornumdiscoarodaremtornodeumeixo
que passa pelo centro. Apelando ao Princípio da Equivalência (PE), observou que o
observadoremrotaçãocomodiscopodiaconsiderar-seemrepousoe,comotal,atribuira
força centrífuga devida à aceleração centrípeta à existência de um campo gravitacional
centrífugo.Formulouemseguidaaquestão:qualoquocienteentreoperímetrododiscoeo
seuraioparaumobservadorligadoaodiscoeparaumoutroobservadorinercialpróximo,e
averodiscoarodar?Oobservadorinercialdaráarespostadageometriaeuclidianaedirá
que é 2π; mas o observador em rotação, solidário com o disco, para quem as réguas
colocadas ao longoda circunferência dodisco estão contraídas no sentidodomovimento
(devidoàcontracçãodeLorentzdarelatividaderestrita),diráquearazãoémaiordoque2π,
visto que o raio do disco fica inalterado e são necessárias mais réguas para perfazer o
perímetrododisco.Istosignificaque,paraesseobservador,ageometriaespacialdodiscoa
rodarnãoéeuclidiana.Einsteinépoislevadoapensarqueparaumobservadornumcampo
gravitacional,deacordocomoPE,ageometriaespacialtambémnãodeverá,emgeral,ser
euclidiana. A análise deste problema deve ter contribuído decisivamente para a ideia de
representaragravidadepelacurvaturadoespaço-tempo.
Ao voltar a Zurique em 1912, como professor de Física Teórica no Instituto Politécnico,
Einsteinmergulhanoestudodasgeometriasdosespaçoscurvos(riemannianos)comaajuda
doseuantigocolega,agoradiretordafaculdade,MarcelGrossmann(1978-1936).Em1913,
Einstein eGrossmannescrevemumartigonoqual avançamesta ideia simples: oquenós
pensamosseremas forçasgravíticasnãoéoutracoisa senãoaexpressãodacurvaturado
espaço-tempo. Mas Einstein e Grossmann não conseguiram encontrar as verdadeiras
equações que relacionam a curvatura do espaço-tempo com a massa-energia que nele
existe. Einstein continua a trabalhar neste problema quando vai para a Universidade de
Berlim, em 1914, a convite deMax Planck. Finalmente, em Novembro de 1915, Einstein
chega às equações do campo gravítico e mostra como a partir delas se pode explicar o
avançodoperiéliodeMercúrio.Einsteinafirmaentãoqueopequenoavançonaórbitade
Mercúrio era simplesmente causado pela sua proximidade em relação ao Sol e não pela
presençadeumqualquerplanetainterior,aquesechegoudaronomedeVulcano,comose
pensavaatéentão.Esteéummomentochave,queocorreameiodomêsdeNovembro.A
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explicação desta pequena alteração da órbita de Mercúrio teve um grande impacto em
Einsteinenaprópriaaceitaçãodateoria.MaistardeEinsteinreconheceriaqueaovereste
resultado até teve palpitações: “Fiquei fora demimeemêxtase por vários dias”. Mas o
sucesso completo só chegaria a 25 de Novembro, o dia em que fez a sua última
apresentação.
Ao descrever o campo gravítico através da curvatura do espaço-tempo, a teoria da
relatividadegeraltransformaoespaço-tempodeumpalcopassivo,ondeosacontecimentos
físicosdecorrem,numparticipanteativonadinâmicadocosmos.Ocampogravitacionalnão
está difundido no espaço, como pensava Newton, o campo gravitacional é o próprio
espaço(-tempo).Porexemplo,oSolencurvaoespaçoàsuavoltaeaTerranãodescrevea
suaórbitaemtornodoSolporestaratraídaporumaforçamisteriosatransmitidapeloSol,
masporqueestáamover-seaolongodocaminhomaisdireitopossívelnoespaço(-tempo)
curvocriadopelamassadoSol.
4.Aimportânciadeumaobservaçãoastronómicaeoreconhecimentodateoria
Osdezanosseguintes foramanosdecirculação,afirmaçãoesucessodateoria.Logoapós
ter submetido a versão final da sua teoria em Novembro de 1915, Einstein começa a
delinearumresumomuitoabrangenteparaacomunidadecientífica.Nessaalturaestavajá
apensarescreverumlivrinhodedivulgaçãosobrearelatividaderestritaegeralcomorevela
aoseuamigoMicheleBessonumacartade3deJaneirode1916.NelaexplicaaBessoque
está comdificuldadeemcomeçar, comoacontece comaquelas coisasquenão seapoiam
numdesejomuitofervoroso.Masacrescentaquesenãofizerisso,ateoriadificilmenteserá
entendida, por muito simples que seja. O livrinho seria publicado na Alemanha [4], na
primaverade1917, como títuloRelatividade:ATeoriaRestritaeaGeral. Na realidadeo
pequeno livro foi um grande sucesso: entre 1917 e 1922 houve 14 edições em alemão,
tendo sido publicadas 15 edições em alemão durante a vida de Einstein. Só após a
verificação experimental de uma das previsões da teoria, que discutiremos em seguida,
começaramasurgirasprimeirasediçõesemlínguasestrangeiras.
Comojáfoiacentuado,Einsteinacreditavaqueasleisdanaturezapodiamserformuladasa
partirdeumpequenonúmerodeprincípiosbásicossimples,eestaquestãodasimplicidade
sempre caracterizou as suas actividades científicas. Acreditava também que tinha a
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obrigaçãodeexplicarestesprincípiosemtermossimplesaopúblicoemgeraledetransmitir
afelicidadeeasatisfaçãoqueacompreensãodestesprincípiospodiagerar.
Em1918 surgiramosprimeirosdois livrosdedicadosàTRG,escritosporoutros cientistas,
umemLondres,porArthurS.Eddington(1882-1944),eoutroemBerlim,porHermanWeyl
(1855-1955).A29deMaiode1919,oencurvamentodosraiosluminososrasandooSolfoi
medidonailhadoPríncipeenoSobral(Brasil)duranteumeclipsesolar,graçasaoempenho
deSirArthurS. Eddingtoneao zelodoAstrónomoRealbritânicoSir FrankWatsonDyson
(1868-1939).AsprevisõesdateoriadeEinsteinforampublicamenteconfirmadasnofamoso
encontrodaRoyalSocietyemLondresa6deNovembrode1919,emreuniãoconjuntacom
aRoyalAstronomicalSociety, sobapresidênciadopatriarcada física J.J.Thomson.Nodia
seguinte, no cabeçalho do jornal londrino The Times lia-se: “Revolução na Ciência/ Nova
Teoria do Universo/ Ideias Newtonianas Abandonadas.” A Primeira GuerraMundial tinha
terminado.Omundoestavacansadoedesiludido,eàprocuradenovosideais.Ateoriade
Einstein, com as suas ideias bizarras sobre a curvatura do espaço(-tempo), captou a
imaginação da opinião pública, embora muito poucas pessoas a compreendessem.
Apareceramentão inúmerosartigosdedivulgaçãoem jornaiseemrevistas filosóficasque
entusiasmaram o público culto e tornaram a relatividade um tema de conversação
obrigatório.OpróprioEinsteinescreveuum longoartigonoTheTimes em finaisde1919,
procurandoexplicá-laaos leigos.NacapadarevistanoticiosaBerliner IllustrirteZeitungde
14deDezembrode 1919 a sua fotografia é publicada coma legenda: “Umanova grande
figuradahistóriamundial."Einsteintorna-seentãoumpensadorcélebreemtodoomundo
easuaopiniãoésolicitadaparaosmaisdiversosassuntos.OsEstadosUnidosrecebem-no
compompaecircunstânciaem1921,eoseunomepassaaserpronunciadocomreverência,
acabando por se tornar sinónimo de génio. Nem todos, porém, aplaudiram o triunfo de
Einstein.Algunsmembrosdacomunidadecientífica,eoutraspessoas impelidasporrazões
políticas, movem-lhe uma guerra sem quartel, considerando a sua teoria totalmente
incompreensíveleinútil.
Voltemosa1919eàsobservaçõesqueemgrandepartepermitiramaaceitaçãodaTRGpela
comunidade científica como a melhor teoria da gravitação. A concretização dessa
experiência,umadasmais importantesdoséculoXX, ficouassociadaàsexpediçõesadois
locais remotos dos trópicos com a finalidade de observar o eclipse total do Sol de 29 de
Maiode1919.Umadelas,lideradaporEddington,dirigiu-seàilhadoPríncipe,territóriona
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altura sobadministraçãoportuguesa.Aoutra, chefiadaporAndrewCrommelin, rumouao
Sobral,nonordestedoBrasil.Asexpediçõestinhamporobjectivoverificaroencurvamento
dos raios luminososno campogravíticodo Sol.Na altura, a preocupaçãodos astrónomos
ingleses era decidir entre a teoria da gravitação de Isaac Newton e a nova teoria da
gravidadedeAlbertEinstein.Qualquerdessasteoriaspreviaquealuzprovenientedeuma
estrela, ao rasar o bordo do Sol, sofreria um ligeiro encurvamento, sendo a previsão da
teoriadeEinsteindupladaprevisãofeitacombasenateoriadeNewton.
A partir dos anos 70, foi difundida a ideia que as observações de 1919 não haviam
constituídoumaexperiênciadecisiva.Porumlado,entrefísicoseastrónomos,comenta-sea
faltaderigordasobservações.Poroutro,maisgrave,numartigodedoisfilósofosdaciência,
JohnEarmaneClarkGlymour,publicadoem1980,[5]Eddingtoneseuscolaboradoressão
acusadosdeeliminaremdadosquefavoreciamaprevisãodateoriadeNewton,insinuando
que os dados de observação teriam sido interpretados abusivamente demodo a rejeitar
essa teoria. Esta crítica apoia-se numa concepção de um Eddington antecipadamente
favorávelàteoriadeEinsteinpormotivaçõespoucocientíficas.Talvezmovidopelaânsiade
contribuirparaa reconciliação internacionalapósa IGuerraMundial,Eddingtonteriasido
levadoaproclamaravitóriadateoriadeumdoshomensmaiscélebresdaciênciaalemã.Na
realidade, as decisõesmais importantes na análise dos dados foram tomadas por Dyson,
comoseveioacomprovarmais tarde.Aliás,Dysonpodiaserconsideradoatécertoponto
cépticoemrelaçãoàteoriadarelatividade,enãopodiaserconsideradoumpacifistacomo
Eddington. Efectivamente, a letramanuscrita de Dyson aparece nas notas da redução de
dados do Sobral, em várias passagens importantes. E uma reanálise às chapas do Sobral
levada a cabo em 1979 por uma equipa do Observatório de Greenwich, usando
equipamentomoderno paramedir as posições das estrelas nas chapas e um software de
reduçãodedadosastrométricos,especialmenteescritocomesteobjectivo,veiocomprovar
osresultadosapresentadosporDyson,emostrarqueaeliminaçãodaschapaspelaequipa
deDysoneEddingtonnãoafectaraasconclusõesdaobservaçãodoeclipsesolarde1919.
No Sobral, a equipa liderada por Crommelin dispunha de dois instrumentos mas, tendo
falhado o principal, um telescópio astrográfico de 8 polegadas, ficou reduzida a um
instrumento de recurso com lentes de 4 polegadas. O defeito do instrumento principal
traduziu-senumaperdadofocoduranteoeclipse,poraquecimentodocoleostato,segundo
parece,oquefezqueaschapasapresentassemimagensesborratadasquetornavammuito
difícilcalcularcorrectamenteoseudeslocamentorelativamenteàsposiçõesnaschapasde
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comparação tiradas emGreenwich eOxford, como instrumento focado. Tudo leva a crer
quefoiDysonquedecidiuignorarosresultadosdasplacasastrográficasqueefectivamente
favoreciam,numaprimeiraanálise,aprevisãonewtonianapoisapontavamparaumvalorde
0,93′′. Jádepoisda célebre comunicaçãona sessãoconjunta,Dysonvoltoua reanalisaras
chapas tiradas pelo astrográfico e obteve um novo valor para a deflexão, 1,52′′ (sem
indicaçãodoerro),oque jáémuitopróximodaprevisãodeEinstein.Muitomais tarde,a
equipareferidadoObservatóriodeGreenwichobteveumadeflexãode1,55′′±0,34′′.Épois
legítimo concluir que não existe qualquer fundamento para admitir que um preconceito
pessoal tenha desempenhado um papel censurável na análise dos dados do eclipse. Pelo
contrário, existem boas razões para acreditar que houve extremo cuidado na análise dos
dados decorrentes das observações realizadas no Príncipe e no Sobral pelos astrónomos
britânicos,incluindoEddington,equeestasserevelaramcoerentescomaTRGdeEinstein.
Hojepodeafirmar-se comsegurançaquea suspeitademáprática científica, amplamente
difundidaentrecientistasepúblicoleigo,nãotemqualquerfundamento.
ARelatividadeGeral,ateoriadagravitaçãodeEinstein,queveioligarainteracçãogravítica
(gravidade)comaasnoçõesdeespaçoetemporelativos,introduzidosporEinsteinem1905,
éaobradeEinsteinmaissolitária,emboratenhabeneficiadodoapoiomatemáticodoseu
amigo Marcel Grossmann que o iniciou no estudo das geometrias dos espaços curvos.
MuitosconsideramimprovávelqueaabordagemdeEinsteinparaconstruirumanovateoria
dagravitaçãopudessetersidoseguidaporqualqueroutrodosseuspares.Ocaminhomais
lógicoseriamodificarateoriadagravidadedeNewtondemodoatorna-laconsistentecom
aTRR,oquenãoseriadifícil.Efectivamente,em1914,ofísicofinlandêsGunnarNordström
(1881-1923) mostrou que isso era possível, acrescentando uma dimensão ao espaço, ao
mesmotempoqueissopermitiaunificaragravitaçãocomoelectromagnetismo.Essateoria
deNordström, comdimensões espaciais extra, é damesma classe das teorias conhecidas
por Kaluza-Klein, publicadas nos anos 20. O aparente sucesso de Nordström não foi
suficienteparacompetircomaTRGdeEinsteinpoisfalhoudopontodevistaexperimental
aonãopreveroencurvamentodosraiosluminososnapresençadeumcampogravítico.
5.Aprimeirasoluçãoeoproblemacosmológico
Quandoumfísico,nodecursodasuainvestigação,obtémumaequaçãoparadescreverum
fenómeno,asuamissãoestálongedetersidocompletada.Ora,oespaçodassoluçõesdas
equaçõesdeEinsteinémuitovasto.Paraprogredirénecessáriofazerhipótesesdesimetria,
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que simplificam as equações e se adaptam aos problemas que se pretendem resolver. A
grandevirtudedasequaçõesdeEinsteinéqueelascobremtodasaspossíveissituaçõesdo
campogravítico,sejaocampogravíticodoSoloutodooUniverso,talcomoasequaçõesde
Maxwellpermitemencontrarsoluçõesparaasváriassituaçõesdocampoelectromagnético.
A primeira solução das equações de Einstein não é obtida por ele, mas por Karl
Schwarzschild (1873-1916), físicoeastrónomoalemão,queaobteve,parao casodeuma
únicamassasemrotação,comsimetriaesférica,aindaem1915,muitopoucotempodepois
deEinsteinterapresentadoassuasequaçõesnaAcademiaPrussianadasCiênciasdeBerlim.
ÉasoluçãoqueseaplicaaocampogravíticodoSol,eapartirdoqualépossíveldeterminar
as órbitas (trajectórias) dos planetas do Sistema Solar. Foi combasenela que foi possível
explicar, por exemplo, o avanço do periélio do planeta Mercúrio, uma das previsões da
teoria de Einstein que não era explicada pelo teoria de Newton. É também no contexto
dessasoluçãoque,maistarde,foiintroduzidaanoçãoderaiodeSchwarzschild,doqualse
obtémochamadohorizontedeacontecimentosdeumburaconegroesférico.Seumaestrela
colapsa de modo que o seu raio se torne inferior ao raio de Schwarzschild, a estrela
transforma-senumburaconegro.Ohorizontedeacontecimentosdefineafronteiraapartir
daqualosacontecimentosnãopoderão influenciarumobservadorexterioraoburaco.Na
altura, Schwarzschild, que estava consciente deste problema, supôs que nenhuma estrela
poderiasofrerumtalcolapsoedesvalorizouessapossibilidade.Hojeconhecemosinúmeros
exemplos de buracos negros. Durante muito tempo falou-se apenas em “candidatos a
buracos negros”, por não estar completamente provada a sua existência, dadas as
dificuldadesdedetecçãoecomprovaçãodaspropriedadesquelhesestãoassociadas,como
sejaademonstraçãodaexistênciadoshorizontesdeacontecimentos.
AsoluçãodeSchwarzschild,foienviadaporKarlSchwarzschildaEinsteina22deDezembro
de1915,efoiobtidaduranteaIGuerraMundial,enquantoSchwarzschildestavadestacado
na frente russa. Schwarzschild conclui a carta como seguinte comentário [6]: "Comovêa
guerra não me tem tratado mal, apesar dos bombardeamentos e tiroteios, pois tem-me
permitidomanter longedelesedaralgunspasseiospelas terrenosdassuas ideias.” Jáem
1916EinsteinrespondeaSchwarzschildcomaseguintemissiva [7]:“Lioseuartigocomo
maior interesse. Não esperava que alguém pudesse formular uma solução exacta do
problema de uma forma tão simples. Gosto bastante do seu tratamento matemático do
assunto. Na próxima quinta-feira vou apresentar o trabalho na Academia com algumas
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palavras explicativas.” Como se depreende, Einstein continuava a discutir com os outros
académicosoconteúdoeosresultadosdasuaTRG.
Hoje,alémdeváriosburacosnegrosresultantesdocolapsodeestrelas,jáforamobservados
váriosburacosnegrosgigantesnocentrodasgaláxias,quepoderãoresultardacondensação
demuitos buracos negros estelares de grandemassa.Aliás, esta parece ser uma situação
muitocomumnasgrandesgaláxiasespirais.Falandodeburacosnegrosestelares,devemos
reconhecer que na sua maioria encontramos buracos negros resultantes do colapso de
estrelasemrotaçãorápidaoumuitorápida,comomuitoprovavelmenteaconteceemcertos
objectos conhecidos por quasares (quase estrelas) e em núcleos galácticos activos,
conhecidospeloacrónimoinglêsAGN(ActiveGalacticNuclei).Nanossagaláxia,aViaLáctea,
foidetectadoumburaconegro,oGRS1915+105,quepoderodarcercade1150vezespor
segundo,oqueépróximodoqueseadmitecomoumvalorlimitedavelocidadederotação.
Notarqueosburacosnegrosemrotaçãonãotêmsimetriaesférica,masantesumasimetria
emtornodeumeixo(simetriaaxial), edesignam-seburacosnegrosdeKerr,emhonrade
RoyKerr (1934- ),omatemáticoneozelandêsqueobtevearespectivasoluçãomatemática
dasequaçõesdeEinstein.UmbomexemplodeumburaconegrogigantedeShwarzschildé
o Sagittarius A*, localizado no centro da Via Láctea, a 26000 anos-luz de distância e com
umamassadeaproximadamente4milhõesdemassassolares,àqualcorrespondeaumraio
deSchwarzschildde12milhõesdekm. Porcomparação,notequeadistânciadaTerraao
Solédaordemde150milhõesdekm.
ParaEinstein,comojásedisse,oespaço-tempoéelepróprioumactor,umcampofísico,o
campogravitacional,enquantoqueNewtonconsideravaoespaçocomoumrecipientevazio
einerte,eternamenteemrepouso,umpalcotridimensionalondeosactoresdesempenham
oseupapel.Nãoadmirapoisqueaprimeirasoluçãoexactadassuasequações,obtidapelo
próprioEinstein,sejaprecisamenteumasoluçãosobreoUniversonoseuconjunto.Einstein
obtémessaprimeira solução cosmológicadas suas equações em1917, e comelanasce a
cosmologia teórica. Combinando as equações da sua teoria com a hipótese de amatéria
estar em repouso, distribuída homogeneamente por todo o Universo, Einstein obtém a
descriçãodeumcosmoscomoumespaçocurvoestático,esfericamentesimétricoe finito.
AssimnasceasoluçãoestáticadeEinstein,paraaqualdepoisobtémafórmulaparacalcular
as dimensões do Universo e respectiva massa. Por outras palavras, com esta solução
Einsteindiz-nosquevivemosnumuniversofinitoesemfronteira:umastronautapodepartir
daestrelaondeviveeseguindosempreadireitopodevoltaraopontodepartida.Éoque
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correspondeaumacircunavegaçãodaTerra.ConvémesclarecerqueoUniversodeEinstein
é fechado porque existe matéria suficiente para suplantar um certo valor crítico que
corresponderiaaumUniversoplano.Poroutro ladooUniversoéfechadoporqueEinstein
modificou as suas equações de campo originais de modo a incluir um termo de energia
negativaquedesempenhaumpapelanti-gravíticoou repulsivo, termoesseconhecidopor
constantecosmológicaerepresentadopelaletragregaΛ.ParaEinsteinfaziatodoosentido
considerar umUniverso eterno e imutável, com uma grande quantidade de estrelas fixas
existentesparasemprenovazio.
Nomesmoano,em1917,oastrónomoholandêsWillemDeSitter(1872–1934)publicauma
outra solução cosmológica das equações de Einstein. Não é surpreendente que De Sitter
tenha também procurado contribuir para este assunto. Na verdade, desde 1911 que De
Sitter seguiao trabalhodeEinstein eos seusprogressosna construçãodanova teoriada
relatividade.DepoisdeseterencontradocomEinsteinemLeiden,váriasvezesem1916,e
tendo mantido com ele várias discussões, que aparentemente contribuíram para levar
Einstein a considerar um universo esférico, De Sitter procurou sempre inteirar-se do
progressodos trabalhodeEinstein, trocandocomelecorrespondência sobrevários temas
relacionadoscomaTRG.Aomesmotempo,DeSittercorrespondia-secomEddingtonpara
lhedarconhecimentodosprogressosdeEinsteinnestesdomínios.Duranteaguerra,dadoo
isolamentoemqueestavamasuniversidadesalemãs,nãohaviaoutraformadeacederaos
resultados publicados nas revistas científicas onde Einstein habitualmente comunicava os
seus trabalhos. Curioso por saber em que consistiam os novos resultados da teoria da
relatividade, Eddington pede a De Sitter que exponha as suas impressões da teoria de
Einstein noMonthly Notices of the Royal Astronomical Society, o que deu origem a três
longos artigos sobre o tema. Estas foram, na realidade, os primeiros artigos que derama
conhecer o trabalhode Einstein de construçãoda TRGa cientistas fora daAlemanha. E é
exactamente no terceiro desses três artigos que De Sitter apresenta a sua solução
cosmológicadasequaçõesdarelatividadegeral.
De Sitter assume que o universo não contém matéria, o que pode parecer estranho e
irrealista, equealémdevazioeraestável.ClaroqueDeSitterestavaa fazerumagrande
simplificação ao assumir umadensidade cósmica tãobaixaqueouniversopodia ser visto
comovazio.Paraodescrever,DeSitterutilizaumsistemadecoordenadasqueapresentao
universocomoumasoluçãoestáticadasequaçõesdeEinstein.Mesmoassim,estasolução
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cosmológica despertou muita atenção entre os astrónomos. E isto porque, quando se
colocam duas partículas neste universo elas tendem a afastar-se. Eddington gostava de
caracterizar estes dois modelos com uma simples frase: “O universo de Einstein contém
matériasemmovimentoeodeDeSittercontémmovimentosemmatéria.”Deresto,osdois
modelos descritos, a solução estática de Einstein e omodelo de De Sitter, eram as duas
grandesreferênciasparaosastrónomosque,naépoca,permaneciammuitointrigadoscom
odeslocamentoparaovermelho(redshifts)nosespectrosdasnebulosasespirais.Em1917,
numaalturaemquenãoestavaaindaprovadaaexistênciadeoutrasgaláxiasalémdaVia
Láctea,VestoSlipher(1875-1969),queapoiavaaideiadeoutros‘universos-ilha’,publicaum
artigocomotítulo“Nebulae”.Naintroduçãoeraclaraaincertezaemrelaçãoànaturezadas
nebulosas. Slipher assinala [8] que “a fraca intensidade dos respectivos espectros
desencorajouatéagoraa sua investigação”.Tendo,entretanto,obtido25espectrogramas
de nebulosas espirais, foi possível determinar os deslocamentos deDoppler respectivos e
daí as suas velocidades radiais; Slipher determinou que 4 se estavam a aproximar e 21 a
afastar-se. Surpreendeu-o que as velocidades envolvidas fossem muito superiores às
velocidades médias das estrelas na nossa vizinhança. Quando os astrónomos, que
conheciamosresultadosdeSlipher,procuramencontrarumaexplicaçãocosmológicapara
os deslocamentos para o vermelhonos espectros das nebulosas espirais só encontramas
soluçõesdeEinsteinedeDeSitter.Masémaistarde,depoisdeEdwinHubble(1889-1953)
tercomprovadoaexistênciadeoutrasgaláxias,emartigopublicadonosfinaisdeNovembro
de1924e,depoisem1929,quandoestabeleceumarelaçãoentreosdeslocamentosparao
vermelho de algumas galáxias e as respectivas distâncias, que a questão cosmológica se
coloca. Com efeito, Hubble examina a relação entre a distância e o deslocamento para o
vermelho do espectro de um conjunto de 46 galáxias, combinando as medidas dessas
distâncias,obtidasporeleeMiltonHumason,comasdeterminaçõesdevelocidadesobtidas
dezanosantesporSlipher.NasequênciadessasobservaçõesHubbleé levadoaencontrar
uma grosseira proporcionalidade entre as distâncias desses objectos e os deslocamentos
paraovermelhodosseusespectros,oqueveioapermitirestabelecerumarelaçãoquehoje
éconhecidoporleideHubble:avelocidade(aparente)comqueseafastamessesobjectosé
proporcionalàsuadistância.Em1931,HubbleescreveaWillemdeSitterexprimindoasua
opinião sobre a interpretação teórica da relação deslocamento para o vermelho versus
distânciadessesobjectos:
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“Humasoneeupróprioestamosprofundamentesensibilizadoscomovossoapreço
pelos artigos sobre as velocidades e as distâncias das nebulosas.Usamoso termo
velocidades ‘aparentes’paraenfatizarascaracterísticasempíricasdacorrelação.A
interpretação, sentimosnós,deveserdeixadaparasieoutros,muitopoucos,que
sãocompetentesparadiscutiroassuntocomautoridade.”
AlexanderFriedmann(1888-1925)foioprimeiroapublicar,em1922,soluçõesnãoestáticas
dasequaçõesdaTRG.Contudo,nãorelacionouestesresultadosteóricoscomobservações
astronómicaseosseusartigossóforamconhecidospeloscientistasnoocidentemuitomais
tarde. Cinco anos depois, um trabalho fundamental de Georges Lemaître (1894-1966) é
publicadonumjornalbelga,maspermaneceudesconhecidodopúblicocientíficoemgeral,
até que Eddington, o seu antigo supervisor, que nessa época trabalhava no problema da
instabilidade do modelo estático de Einstein, toma conhecimento desse artigo e nele
encontra a solução para o seu próprio problema. Nessa publicação, Lemaître obtém uma
solução dinâmica das equações de Einstein com aplicação ao universo, e extrai também,
pela primeira vez, uma relação linear entre as velocidades de recessão das galáxias e as
respectivas distâncias. É tambémLemaître quemostra, comumamudançado sistemade
coordenadas,queasoluçãocosmológicadeDeSitternãoeraestática,masdinâmica.Hoje,a
maioria dos historiadores da TRG reconhecem ter sido Lemaître o primeiro a propor com
autoridadeummodelodeumuniversoemexpansãodotipoBigBang.
6.Osastrónomosportugueseseateoriadarelatividade
Não queria terminar este artigo sem uma referência ao papel desempenhado por alguns
astrónomosportuguesesnarecepçãoeapropriaçãodateoriadarelatividadeemPortugal,
talcomofoidiscutidorecentementenumperíodoemquepraticamenteacomunidadedos
físicos portugueses não se tinha ainda manifestado publicamente. Numa sessão do 20º
congressoanualdaAssociaçãoSul-AfricanaparaoProgressodasCiências,emJulhode1922,
o Presidente da Secção A (Astronomia, Meteorologia e Matemática), astrónomo Manuel
Peres(1888-1968),naépocadirectordoObservatórioCamposRodriguesemMoçambiquee
maistardedirectordoObservatórioAstronómicodeLisboa(OAL),aodiscursarsobreoquea
ciênciadeveàastronomia,declarava:“[...]Comosabem,aprincipalconfirmaçãodospontos
devistadeEinsteindependedeobservaçõesastronómicas.[...]Portanto,nocaminhodoseu
desenvolvimento,afísicachegaaumabifurcação;esperaqueaastronomiapossadizerqual
dosdoiscaminhosdeveseguir.”[11]Estasdeclaraçõesforamfeitaspoucoantesdoeclipse
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totaldoSolde1922,que levouváriasequipasdeastrónomosàAustrália,na tentativade
confirmaremosresultadosobtidosporEddingtonem1919.
ManuelPerestentouacompanharaexpediçãoinglesade1919aoPríncipe,massemêxito,
pois não conseguiu ultrapassar uma série de questões burocráticas, em grande parte
relacionadas com dificuldades inerentes ao estado de guerra (I Grande Guerra) que
antecedeuaexpediçãoaoPríncipe,mastambémdevidasàinstabilidadedoregimepolítico
emPortugal.OmesmonãosucedeucomaexpediçãoaoSobral,noBrasil,naqualumgrupo
deastrónomosbrasileiros,chefiadosporH.Morize(1860-1930),doObservatóriodoRiode
Janeiro, acompanhou os ingleses e realizou observações de física solar. Tinham, pois,
objectivos distintos dos da equipa britânica, com a qual mal contactaram por obstáculos
linguísticos. O contraste entre as reacções dos astrónomos brasileiros e portugueses não
pode, por isso, ser justificado pelas razões habitualmente referidas na literatura que, da
constataçãodaausênciadeportugueses,inferemoseudesinteresseporestasquestões.
Goradasqueforamassuasexpectativasrelativamenteàparticipaçãonaexpedição,Manuel
Peres veio a tornar-se um adepto das ideias relativistas. Entre 1922 e 1923, escreveu um
opúsculo no qual discute a relatividade restrita, segundo se depreende de manuscritos
encontrados no Arquivo do OAL, que apesar da insistência do então Director Frederico
ThomazOom(1864-1930),nuncaserápublicado.Opondoo tempometafísiconewtoniano
aotempofísicoeinsteiniano,oseutextointrodutórioreflecteaspreocupaçõesdodirector
deumobservatóriocolonial,construídoeequipadonatradiçãodoOAL,quefoioprimeiro
observatórioportuguêsatransmitirahorasolarlocal,medidapelapênduladoobservatório,
portelegrafiasemfios,paraorelógiopúblicodoporto.Assim,foiapráticadeastronomia
posicionalassociadaaoServiçodaHoraquenorteouointeressedePerespelaTRR.
Atéaosfinaisdosanos20doséculoXX,doisoutrosastrónomos,talcomoPeresassociados
aoOAL,participaramnaapropriaçãoda teoriada relatividadeemPortugal. ForamelesA.
RamosdaCosta (1875-1939)eM.S.MeloeSimas (1870-1934).RamosdaCostapublicou,
em1921e1923,doispequenoslivrossobreateoriadarelatividade.Neles,contrastaafísica
newtoniana e a einsteiniana, discute os fundamentos da relatividade restrita e geral e
defendeaadopçãodafísicaeinsteinianacombaseemcritériosdeconveniência.Maisuma
vez, o seu interesse por estas questões decorreu da sua associação ao Serviço da Hora,
estandoaseucargoatransmissãohorárianoportodeLisboa.Enãoserácoincidênciaque
nomesmo ano em que publicou o seu primeiro livro sobre relatividade tenha publicado
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tambémoTratadoPráticodeCronometria,emquededicavaumcapítulo inteiroàmedida
dotempo.Nesteslivrosdefiniaotempooperacionalmente:“Nasuperfícieterrestreotempo
étransmitidoportelegrafiasemfiosdetalformaqueotempocorrespondeàpassagemde
um sinal hertziano pelas estações cujos relógios se pretendem sincronizar.” O seu
proselitismoemproldarelatividadetraduziu-seaindaporumartigoapresentadoem1924
num congresso internacional de matemática em Toronto no qual fazia uma apologia da
reorientaçãodoensinodamatemáticanorteadopelanovateoria.
Finalmente,é chegadoomomentodedestacaropapeldeumastrónomodoOALMeloe
Simas,comoalguémqueintegrounasuapráticacientíficaateoriadarelatividade.Naaltura
daexpedição,MeloeSimasencontrava-seemFrançaaparticiparnaGrandeGuerra.Esteve
associadoaoObservatórioAstronómicodaTapadadesde1911,tornando-seseusubdirector
em1931.Paralelamente,foideputadoem1906e,jáduranteaRepública,militounoPartido
Unionista.Em1923foiministrodaInstruçãodoGovernodeGinestalMachado,queduraria
apenas um mês (entre 15 de Novembro e 18 de Dezembro). Não admira que tenha
comungadodosideaisdaPrimeiraRepública,comasuaênfasenopositivismoecientismo,
tendosidoumconvictodivulgadordaciência.Poucoantesdaexpediçãoparareconfirmação
do encurvamento, durante o eclipse solar de Setembro de 1922 observável na Austrália,
publicouumartigosobrerelatividade[13]nosapêndicesdoAlmanaquedoOAL,emJulho
de1922,doqualdestacamosafirmaçõesquevãonosentidodasdePeres:
“Onomedeumalemãoatrainestemomentoasnossassimpatiaseaadmiraçãoou
curiosidadede todoomundo culto enão culto. [...] é certo ser aAstronomiadas
ciênciasquemaistemautilizardateoriadaRelatividade,fornecendo-lhe,emtroca,
asmelhoresdassuasconfirmações[...]”.
Poucosmesesdepois,promoviaumciclode13conferênciassobreateoriadarelatividade,
queseiniciouemNovembrode1922,emLisboanaUniversidadeLivre,umadascriaçõesda
Primeira República. Estas palestras, proferidas aos domingos de manhã no espírito dos
sermõeslaicosdeThomasHenryHuxley,contaram,segundoosjornaisdaépoca,comuma
grande afluência de público. Pelo que sabemos é o único astrónomo português a tentar
acomodarosnovosconhecimentosnasuapráticacientífica.Assim,numacomunicaçãode
1924 à Academia das Ciências de Lisboa, descreve como, a propósito de umpedido feito
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pelaAstronomischeNachrichten,feznoOALaobservaçãodaocultaçãodeumaestrelapelo
planetaJúpiter,nodia7deMaiode1923.Eexplica[12]que:
“O processo consistiu em determinar a posição relativa dos dois astros alguns
minutos antes e depois da ocultação, por forma que, partindo da posição de um
deles,sepudessecalcularadooutroparacertoedeterminadomomento,obtendo-
seassimnãosóumasériedeverificações,difíceisdealcançarporoutraforma,mas
ainda meios para deduzir os efeitos de qualquer influência na própria ocultação,
querprovenientesdairradiaçãoluminosa,querdaatmosferadoplaneta,querainda
denãoseterentradonocálculocomateoriadarelatividade”.
Mas é levado a concluir que embora os resultados revelassem “uma certa tendência no
sentidoapontadopelateoriadarelatividade,”osoutrosefeitossobreosraiosluminososao
atravessaraatmosferaterrestreproduziamdesviosnomesmosentidoedamesmaordem,
funcionandocomoobstáculosàverificaçãodateoria.
Em resumo, no que respeita à apropriação da relatividade em Portugal, a expedição ao
Príncipe incentivou o interesse dos astrónomos portugueses que, como aconteceu em
tantosoutrospaíses,acabaramporreagirsimultaneamenteàTRReTRG.Assuasreacções
decorreramda sua prática científica, sendo a ligação à determinação da hora legal o que
levoualgunsdelesadiscutiremaspectosdaTRR.Poroutro lado, tendovividooambiente
político da Primeira República, responderam-lhe de forma criativa através de variadas
actividadesdedivulgaçãocientífica,depalestrasàpublicaçãodelivros.
Nos usualmente designados estudos de recepção da TRR e da TRG em Portugal não é
habitualqualquerreferênciaaopapeldosastrónomos.Porissoepelofactodaobservação
doeclipsede1919terocorridonumterritóriosobadministraçãoportuguesa,nessaépoca,
sem a participação de astrónomos portugueses, era importante perceber a reacção dos
astrónomosaoacontecimento.Daíaimportânciadedaraconheceraumpúblicomaisvasto
opapelpioneirodealgunsastrónomosportugueses(Cf.Refs:[9]e[10]).
7.Conclusão
No final do século XIX, quase todos os físicos, senão todos, eramnewtonianos; as leis de
Newtoncontinuavamadominarafísicaeainfluenciaraconstruçãodasnovasteoriasfísicas.
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Depois da revolução iniciada em 1905 e continuada em 1915 estarão hoje os físicos
imbuídos do espírito de Einstein? Quantos físicos serão einsteinianos? Até que ponto os
conceitosdeespaçoetemporelativosedecriaçãodoespaço-tempo,comorepresentando
ocampogravítico,entrounaculturacientíficadosfísicosteóricos?Comonasceramasduas
teoriasdarelatividade,arestritaeageral?Quaisosseussucessoseassuaslimitações[14]?
Estas foram as questões que procurei responder ao longo do artigo, mas sobrammuitas
outras.Comoporexemplo: Estaráa relatividadegeral emvésperasde ser substituídapor
uma teoriamais abrangente? Será essa teoria capaz de responder a alguns dosmistérios
que perduram, como sejam a existência de singularidades no “Big Bang” e nos buracos
negros,asetadotempo,anaturezadamatériaescuraeaorigemdaenergiaescura?Estas
últimas terão de aguardar outra oportunidade para poderem ser discutidas. Mas, para
finalizar,voltoacolocaraquestãoearesponderàlaiadesíntese:Estandoacomemoraro
centenário da grande descoberta de Einstein em 1915, que de certo modo completa a
extraordinária revolução no seu annus mirabilis de 1905, é altura de perguntar quantos
físicosprofissionaisseconsiderameinsteineanos?
Num primeiro impulso somos levados a concluir que, dada a importância de Einstein no
desenvolvimentodafísicamoderna,somostodos.Poisnenhumfísicoduvidadaimportância
da teoria da relatividade, para já não falar das bases da teoria quântica de 1905 com o
dualismoonda-corpúsculoparaaluz,quetãoestoicamentetêmresistidoatodosostestes
experimentais.Porém,sãorarososqueseconsiderameinsteineanos,ouosquereivindicam
para si essa designação, nem tão pouco existe uma “escola de Einstein.” Na melhor das
hipótesespodemosfalardacomunidadedos“relativistas”,cujaatividadesedesenvolveem
torno da relatividade geral e suas aplicações. Mas temos de admitir que os relativistas
representam uma pequena fracção dos físicos teóricos, e em nenhum país dominam o
campo da física teórica, embora nos últimos 35 anos se tenham associado a esta
comunidade muitos outros físicos, nomeadamente oriundos da física de partículas, para
estudar algumas das aplicações tradicionais da relatividade geral, como é o caso da
cosmologia.
Pormuito estranho que pareça, a verdade é que Albert Einstein, o descobridor da teoria
quânticaedarelatividade,eportantoumdosmaisproeminentesfísicosdoséculoXX,não
deixounoseuencalçoumaescolaintelectualdeseguidorescomumainfluênciaapreciável.
Efoitalvezporissoqueamaioriadosfísicosseguiramlíderesquedefendiamoutrospontos
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devistaqueseopunhamaosdeEinstein,oqualpassouaservistopelacomunidadecomo
alguémque,emboracomcontribuiçõesnotáveisparaafísicadoseutempo,acabouporse
desligardarealidadefísica,apartirdosanosvinteemdiantedoséculopassado.
Bibliografia
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