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1 A Relatividade Geral 100 anos depois 1 Paulo Crawford Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço Universidade de Lisboa Ao longo do mês de Novembro de 1915, em quatro quintas-feiras consecutivas, Albert Einstein (1879-1955) deu os últimos retoques na sua reinvenção radical do espaço e do tempo, reunindo-os num espaço-tempo dinâmico que se identifica com o próprio campo gravítico, a interacção fundamental na descrição da dinâmica do Universo. Nascia a teoria da Relatividade Geral (TRG), a teoria da gravitação de Einstein. E nos últimos 100 anos a teoria da gravitação de Einstein foi sendo aplicada a diferentes campos gravíticos, primeiro ao sistema solar, depois ao próprio Universo no seu conjunto, mais tarde ao colapso das estrelas e à formação de diferentes objectos condensados, estrelas de neutrões e buracos negros, bem como ao estudo da radiação cósmica de micro- ondas que permeia todo o Universo, e mais recentemente tem recorrido ao estudo de microlentes gravitacionais, uma técnica que tem em conta o efeito de encurvamento dos raios luminosos na presença de matéria ou energia, para detectar a presença de matéria não visível no Universo. Com o avanço da tecnologia, talentosos experimentadores têm vindo a confirmar a TRG, particularmente a partir dos anos sessenta do século passado, com um grau de precisão cada vez maior. Apesar dos pontos de interrogação que permanecem ou que surgiram no decurso das observações, como a elevada presença de matéria escura, não luminosa mas atractiva, e da enigmática energia escura, que domina de forma avassaladora a densidade de energia do Universo e é responsável pela expansão acelerada actual do Universo, a TRG continua a ser a melhor teoria da gravitação existente. Pelo caminho, os teóricos têm vindo a descortinar aplicações da teoria tão extraordinárias como os buracos negros gigantes no centro das galáxias e os vários modelos cosmológicos possíveis; nestes modelos se inclui o modelo do Big Bang de um Universo em expansão a partir de uma singularidade inicial que deu origem ao espaço, tempo e toda a matéria-energia do Universo primitivo. Enfim, um conjunto de resultados com as quais Einstein nunca terá sonhado. Neste artigo, falaremos do homem e do cientista, procurando descrever de passagem algumas das influências que contribuíram para a formação da personalidade de Albert 1 Artigo publicado na revista Vértice nº 178, de 2016.

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ARelatividadeGeral100anosdepois1PauloCrawfordInstitutodeAstrofísicaeCiênciasdoEspaçoUniversidadedeLisboa

Ao longo do mês de Novembro de 1915, em quatro quintas-feiras consecutivas, Albert

Einstein (1879-1955) deu os últimos retoques na sua reinvenção radical do espaço e do

tempo, reunindo-os num espaço-tempo dinâmico que se identifica com o próprio campo

gravítico,ainteracçãofundamentalnadescriçãodadinâmicadoUniverso.Nasciaateoriada

RelatividadeGeral(TRG),ateoriadagravitaçãodeEinstein.

E nos últimos 100 anos a teoria da gravitação de Einstein foi sendo aplicada a diferentes

camposgravíticos,primeiroaosistemasolar,depoisaopróprioUniversonoseuconjunto,

mais tarde ao colapso das estrelas e à formação de diferentes objectos condensados,

estrelasdeneutrõeseburacosnegros,bemcomoaoestudodaradiaçãocósmicademicro-

ondas que permeia todo o Universo, e mais recentemente tem recorrido ao estudo de

microlentes gravitacionais, uma técnica que temem conta o efeito de encurvamento dos

raiosluminososnapresençadematériaouenergia,paradetectarapresençadematérianão

visívelnoUniverso.Comoavançodatecnologia,talentososexperimentadorestêmvindoa

confirmar a TRG, particularmente a partir dos anos sessenta do século passado, com um

graudeprecisãocadavezmaior.Apesardospontosde interrogaçãoquepermanecemou

quesurgiramnodecursodasobservações,comoaelevadapresençadematériaescura,não

luminosamasatractiva,edaenigmáticaenergiaescura,quedominadeformaavassaladora

a densidade de energia do Universo e é responsável pela expansão acelerada actual do

Universo, a TRG continua a ser amelhor teoria da gravitação existente. Pelo caminho, os

teóricos têmvindoadescortinaraplicaçõesda teoria tãoextraordináriascomoosburacos

negrosgigantesnocentrodasgaláxiaseosváriosmodeloscosmológicospossíveis;nestes

modelos se inclui o modelo do Big Bang de um Universo em expansão a partir de uma

singularidadeinicialquedeuorigemaoespaço,tempoetodaamatéria-energiadoUniverso

primitivo.Enfim,umconjuntoderesultadoscomasquaisEinsteinnuncaterásonhado.

Neste artigo, falaremos do homem e do cientista, procurando descrever de passagem

algumas das influências que contribuíram para a formação da personalidade de Albert

1ArtigopublicadonarevistaVérticenº178,de2016.

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Einstein, bem como o caminho que percorreu na construção da teoria da relatividade.

Seguiremos o caminho da construção dos conceitos que vieram substituir as ideias

newtonianasdoespaçoedo tempoabsolutosatéaoespaço-temporelativo.Primeiro,em

1905, um espaço-tempo fixo, com simetria máxima, e depois, paulatinamente, num

percursodecercade8anosqueconduziuaoespaço-tempocurvo,identificadoporEinstein

como próprio campo gravítico. Em seguida, discutiremos as principais soluções das suas

equaçõesdaTRG,asoluçãoestáticacomsimetriaesférica,quedescreveocampogravítico

doSol,apartirdaqualépossívelcomprovarasconsequênciasmaisimportantesdateoria.

ConsequênciasessasqueadistinguemdagravitaçãodeNewton,comosejamoavançodo

periélio da órbita de Mercúrio, o encurvamento dos raios luminosos ao rasar o Sol, e o

deslocamento para o vermelho de origem gravitacional. Falaremos depois do Universo

estáticodeEinsteinedonascimentodacosmologiateórica.Aimportânciadaobservaçãodo

eclipsede1919,bemcomoas suas repercussõesentreosastrónomosportugueses, serão

matérias para uma secção importante deste artigo, sobretudo porque relatam trabalho

original recente sobre a recepção e apropriação da relatividade em Portugal por alguns

membrosdacomunidadeastronómicaportuguesa.Finalmente,paraconcluir,vamostentar

responderàquestãodainfluênciaeàsrepercussõesdasteoriasdeEinstein,particularmente

dateoriadarelatividade,napráticaquotidianadosfísicoseastrónomosdehoje.

1.Ohomempordetrásdocientista

Uma semana antes do seu falecimento em 18 de abril de 1955, Albert Einstein foi

entrevistado pelo conhecido historiador da ciência, I. Bernard Cohen, uma entrevista que

seriapublicadoemJulhodomesmoanopelabemconhecidarevistaScientificAmerican,e

tambémmaistardenumensaiodeCohenpublicadoem1984.Naalturaemqueentrevistou

Einstein,Cohenera jáconhecidoporserumestudiosodeNewton,eestavaa terminarna

alturaumlivrosobreFranklineNewtonqueseriapublicadonoanoseguinteaofalecimento

deEinstein.

Naentrevista,CohenexplicaaEinsteinqueumadassuasáreasdeinvestigaçãoeraaorigem

dos conceitos científicos e a relaçãoentre a experimentaçãoe a criaçãodeuma teoria. E

acrescentou, o que sempre lhe tinha impressionado em Newton era a dualidade da sua

inteligência:ajunçãodamatemáticaefísicapurascomaciênciaexperimental.Einstein,por

sua vez, confessou tambéma sua admiraçãoporNewton. Porém, criticava-opornão ter

sidocapazdefazerumamençãoaHookenoprefáciodosPrincipia,nãoreconhecendoassim

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acontribuiçãodeHookenadescobertada leidagravidadeuniversal. Infelizmente, foium

atodevaidade.Einsteinafirmouentãoqueissoaconteceamuitoscientistaseacrescentou

que sempre lhe custouqueGalileunão tivesse reconhecido a importânciado trabalhode

Kepler.Na sequência desta conversa Einstein e Cohen falaram sobre a controvérsia entre

Newton e Leibniz a propósito da invenção do cálculo, e de como Newton tinha tentado

provar que o seu colega alemão o tinha plagiado. Na altura foi constituída uma suposta

comissão internacional de investigação, composta por ingleses e dois estrangeiros. Mais

tarde soube-se que Newton dirigiu anonimamente os trabalhos dessa comissão. Einstein

ficousempremuitochocadocomestaatitudedeNewton.EmboraCohentenhanotadoque

asquerelasviolentaseramumacaracterísticadaépoca,Einsteininsistiuque,quaisquerque

fossem essas características, a dignidade humana deveria permitir sempre ao homem

manter-seacimadaspaixõesdoseutempo.

AscríticasdeEinsteinàpersonalidadedeNewtonsão importantesparacaracterizara sua

dimensão moral, a atitude em relação ao mundo que o rodeava. Por outro lado, a sua

posiçãocomocientista inovadoremesmorevolucionário,empenhadoemcompreenderos

mistérios do universo, e não simplesmente atarefado a produzir uns tantos artigos

científicos para aumentar o seu curriculum, definem-no como um dos mais criativos

cientistas do século XX.Muitos o consideramumgénio cheio de ingenuidade, pela forma

pueriledesafrontadacomoquestionavaaciênciadoseutempo.Sim,muitosforamcapazes

de fornecer respostas, Einstein era um mestre a formular questões. E na sequência das

questõesformuladasforamsurgindoalgumasdasgrandescontribuiçõesdafísicadoséculo

XX, como o dualismo onda-corpúsculo para a luz, a relatividade do espaço e do tempo

através da crítica ao conceito de simultaneidade de acontecimentos físicos distantes e a

formulaçãodoespaço-tempocurvopararepresentarocampogravítico.

Nas suasNotas Autobiográficas, escritas aos 67 anos, Einstein revela um episódio da sua

juventudeque teveneleuma influênciaduradoura, comoelepróprio reconhece. Embora

essasnotaspossamconsiderar-se a sua autobiografia científica, nelas inclui o tal episódio

pessoalque,segundooseuprópriojulgamento,haveriadeinfluenciarasuapersonalidade

egrandepartedoseucomportamentonosanosposteriores.Osseuspaisacolheramemsua

casaumestudantedemedicina,MaxTalmud,umjudeuortodoxodaLituânia,comointuito

deeducarojovemAlbertnosprincípiosdojudaísmo.MuitorapidamenteAlbertcomeçoua

exigirqueospaiscumprissememcasaasregrasdaalimentaçãojudaicaeoutrastradições

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religiosas do judaísmo. Einstein referia-se a este período como o “paraíso religioso da

juventude”.MasamarcamaisduradouradoconvíviodeAlbertcomojovemTalmudforam

assuas leiturasdosLivrosPopularesdeCiênciasNaturais,deAaronBernstein,umteólogo

judeu, escritor e político,muito famoso naquela época como divulgador da ciência. Num

desses livros,o jovemAlbert teveaoportunidadede lerumcapítulosobreumafantástica

viagemnoespaço,quehaveriademarcarprofundamenteoseupensamento.Naspalavras

dopróprioEinstein:

“através da leitura dos livros de divulgação científica depressa adquiri a

convicção quemuito do que está escrito na Bíblia não podia ser verdade.

Comoconsequêncianasceuemmimumafanáticaorgiadepensamentolivre,

associadocomaimpressãodequeajuventudeéintencionalmenteenganada

peloestado;eraumaimpressãoesmagadora.Afaltadeconfiançaemtodoo

tipodeautoridadefezcresceremmim,comestaexperiência,umaatitudede

cepticismo relativamente às convicções presentes em qualquer ambiente

social–umaatitudequenuncameabandonou”(verNotasAutobiográficas,

pp.3,5.Ref.[1]).

ApreocupaçãodeEinsteincomosproblemassociaisepolíticosdoseutempocompletama

personalidade de um homem integral. Em numerosos artigos de jornais ou em

correspondência comos seus pares, bem como em conferências públicas, Einstein não se

coibia de expressar as suas opiniões sobre uma grande variedade de questões políticas e

morais,taiscomoaguerraeapaz,anacionalidadeeonacionalismo,aliberdadeeoracismo.

Aliás,aolongodasuavida,quernostemposemqueviviaemBerlim,quermaistardejános

Estados Unidos, sempre se expressou livremente e lançou inúmeros ataques a todas as

formasdedescriminação.

2.DabelezadasimetriaàinvariânciadasleisfísicasNoséculoXVII,IsaacNewton(1642-1727)construiuumsistemadeequaçõesparadescrever

aspropriedadesmecânicasdomundoquenos rodeia. Foiextraordinárioo sucessodessas

equações desde a sua aplicação na artilharia à descrição domovimento dos planetas em

torno do Sol. Essas descobertas de Newton, que conduziram à identificação de novos

planetas no sistema solar, inauguram uma nova etapa na história da ciência, na qual as

novasleisfísicasseaplicamtantoaomundoperecíveldaTerracomoaodoscorposcelestes.

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Masparaalémdasuaeficáciaeuniversalidade,haviatambémumaspectomuitoapelativo,

a independência dessas leis em relação aos observadores com diferentes velocidades

constantes (movimentos inerciais). De facto, dois observadores inerciais, a mover-se em

diferentesdirecções,ounamesmadirecção,mascomvelocidadesdiferentes,descreveriam

osacontecimentosdomesmomodo,emboraaperspectivapudesseseroutra;porexemplo,

umpoderiaverumcomboioaaproximar-sepelasuaesquerdaagrandevelocidade,eoutro

poderia ver omesmo comboio a aproximar-se lentamente pela direita. Mas estariam de

acordo no fundamental: se os relógios dos dois observadores estão acertados, ambos

afirmamqueocomboiopassanaestaçãoX,precisamenteaomeio-dia.Emsuma,asleisda

física deduzidas por estes dois observadores seriam iguais, fariam asmesmas previsões e

teriam a mesma formulação matemática. Esse conceito foi mais tarde designado como

princípiodarelatividadedasleisdamecânica.

Porém,osfísicosperceberammaistardequeessasimetrianãopareciaaplicar-seatodosos

fenómenosfísicos.Aparentementepareciahaverproblemascomosfenómenoseléctricose

magnéticos que dominaram a física no último quartel do século XIX e que trouxeram

inúmerosavanços tecnológicosao longodoséculoXX.Oraem1865, JamesClerkMaxwell

(1831-1879) reuniu todos os fenómenos da electricidade, do magnetismo e ainda os da

óptica num conjunto de equações que descreviam uma única interacção: o

electromagnetismo. Na sequência da descoberta de Maxwell, os físicos tomaram

consciência que havia algo de estranho com essas equações. Contrariamente ao que

acontecia com as equações da mecânica de Newton, as equações de Maxwell tomavam

formas diferentes para distintos observadores inerciais, isto é, para observadores com

diferentesvelocidadesconstantes.Porexemplo,enquantoumobservadoremrepousoem

relaçãoaumadadacargaeléctricamedeumcampoeléctricoestático,outroemmovimento

emrelaçãoàcargaobservaoaparecimentodeumacorrenteeléctrica,queporsuavezdá

origemaumcampoeléctricoetambémaumcampomagnético,quepoderiafacilmenteser

detectado por uma agulha magnética. Por outras palavras, o observador que está em

repousoobserva fenómenos físicosaparentementedistintosdaquelesquesãoobservados

pelo observador em movimento. Isto parecia destruir a simetria entre os diferentes

referenciaisinerciaisbemcomoainvariânciadasleisfísicas,eapontavaparaanecessidade

dedefinirumreferencialprivilegiadoparadescreverasleisdoelectromagnetismo.Note-se

quenãohavendoumreferencialabsolutotambémnãosepodefalaremrepousoabsoluto.

Ora,nasequaçõesdeMaxwellháumaconstanteelectromagnéticaquetemosignificadode

uma velocidade de propagação da luz no vácuo, e de todas as ondas electromagnéticas,

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quersejamondasdeluzvisívelouderaiosX.Colocava-sepoisaquestãodesaberemque

referencialeramedidaessavelocidade.Ecomonaalturaos físicossuponhamquedeveria

existirummeioprivilegiado,oéterluminífero(=transportadordaluz),apreenchertodoo

espaço para permitir a propagação da luz, nomeadamente a que vinha das estrelas, foi

admitidoqueoreferencialemquestãoseriaoreferencialdoéter.Issofaziatodoosentido

navisãonewtonianodafísica,ondeas leisdamecânicaapelavamparaaexistênciadeum

espaçoedeum tempoabsolutos.Orao referencial doéterdesempenhavaessepapelde

referencial absoluto, no sentido newtoniano do termo. Em suma, no final do século XIX

pensava-sequesónoreferencialdoéteréqueavelocidadedaluznovácuo,representada

por c, se podia identificar com a referida constante electromagnética. Neste contexto, a

simetria que permitia considerar todos os observadores inerciais como equivalentes do

ponto de vista da invariância das leis física parecia restringir-se às leis da mecânica

newtoniana. É este edifício, quemantinha subjacente um espaço e um tempo absolutos,

queirásersubstituídopelasideiasdeAlbertEinsteinem1905,comoobjectivodeestender

atodaafísicaoprincípiodarelatividade.ApreocupaçãodeEinsteintinhaavercomasua

exigência de que as leis físicas deviam explicar tudo na natureza de uma forma lógica,

coerente e consistente. Isso levou-o a analisar criteriosamente todas as contradições ou

insuficiências na estrutura lógica das teorias físicas. Ao detectar uma imperfeição lógica,

Einsteininiciavaumabuscadenovosprincípiosparafundamentarnovasteoriascapazesde

substituircomvantagemasanteriores.Assim,oobjectivoprincipaldeEinsteinnaciênciaera

descobrir aquilo que ele chamava teorias de princípio. Ou seja, teorias que permitissem

postular regras gerais a que todos os fenómenos físicos deviam satisfazer. Sendo estas

teoriasverdadeiras,teriamentãoumaaplicaçãouniversal.

Noseuestudodafísica,Einsteinidentificouduasteoriasdeprincípio:asleisdomovimento

estabelecidas por Galileu e Newton, e as leis da termodinâmica. O princípio básico da

primeiraéa relatividadedomovimentouniforme,ouseja,a ideiadequeavelocidadede

umcorpoemmovimentouniformeé impossíveldedetectarapartirdeexperiênciasfeitas

no seu referencial próprio (onde o corpo está em repouso). Por outras palavras, na

Mecânica não existem velocidades absolutas; por princípio, a velocidade é um conceito

relativo. Sempre que falamos da velocidade de um objecto devemosmencionar qual é o

referencial,oucorpodereferência,emrelaçãoaoqualémedidaavelocidade.Porexemplo,

seumcorpoestá em repousona Lua, ele teráumavelocidadeem relaçãoà Terra, queé

igualàvelocidadedaLuaemrelaçãoàTerra.Eteráumavelocidadediferenteemrelaçãoa

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qualqueroutroplanetadosistemasolar.Daquidecorrequenãoépossívelafirmarqueum

corpoestáemrepousosemmencionaroreferencialemrelaçãoaoqualasuavelocidadeé

nula,umavezqueorepousoabsolutonãoexiste.Noexemplodadoatrásocorpoestáem

repousonoreferencialLua.Parapoderdefinirumrepousoabsolutoserianecessárioadmitir

aexistênciadeumespaçoabsoluto,aoqualpoderíamosassociarumreferencialprivilegiado.

Analisemosporquerazãoasnoçõesdeespaçoetempoabsolutossãointroduzidosnafísica

deNewton.Ofactodeumobjectopoderestaremrepousoemrelaçãoaumreferenciale

emmovimento em relação a outro, foi considerado por Newton como algo que tornava

difícilexplicarascausasdomovimento.Porexemplo,comopoderiaNewtoninvocaraforça

deatraçãoentreaTerraeoSol,comosendoacausadomovimentodaTerraemtornodo

Sol, sepudermosadmitir umoutropontode vista, igualmente legítimo,de acordo como

qual a Terra não se move e é o Sol que se move em torno da Terra. Em resumo, se o

movimentoé relativo, qualquerobservadorpode considerar que todososmovimentos se

devemdefiniremrelaçãoaele,ouseja,aoreferencialondeestáemrepouso.Assim,como

intuito de explicar as causas do movimento, Newton assumiu que deveria atribuir um

significadoabsolutoàposiçãodeumcorpo,admitindodestafeitaqueoscorpossemovem

ounãoemsentidoabsoluto,emrelaçãoaumreferencialprivilegiado.Estefoioraciocínio

quepermitiuaNewtonassumirqueeraaTerraquesemoviaabsolutamenteenãooSol.

Porém, para Einstein esse espaço absoluto não existe, pois ninguém alguma vez viu ou

detectou um espaço absoluto ou um referencial privilegiado. As posições são sempre

relativas, e Newton sabia disso; porém, para ele o espaço absoluto tinha um significado

teológicoeporissoinsistianessaconcepção.

Quandoafirmamosqueumobjecto semove, queremos com issodizer que a suaposição

mudanotempo.Logo,paratornarestaideiaprecisaénecessáriosaberoqueentendemos

por tempo.Aspessoaspercebemapassagemdo tempo semprequeháumamudança.O

instanteemqueumacontecimentotemlugarémedidoemrelaçãoaoutroacontecimento,

comosejaaleituradomostradordeumrelógio.Emsuma,omovimentopodeserdefinido

comoumamudançadeposição,tendoporbaseumobjectodereferência,duranteumcerto

intervalo de tempomedido nomostrador de um relógio. Vejamos agora, com a ajuda de

Einstein,quetalcomoasposiçõesdosobjetossãorelativas,tambémasleiturasdosrelógios

dependem do estado do movimento dos respectivos relógios. Para ver como Einstein

chegou a esta conclusão temos que voltar às chamadas teorias de princípio; ou seja, às

teorias que permitem postular regras gerais a que todos os fenómenos físicos devem

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satisfazer.Assim,oprincípioqueEinsteinestendeua todaa físicaéo seguinte:as leisda

física são as mesmas para todos os observadores não acelerados. Ou seja, com este

postulado Einstein estende o princípio da relatividade do movimento uniforme a toda a

física e não simplesmente àMecânica de Galileu e Newton.Mas há um outro postulado

introduzidoporEinstein,semoqualnãoseriapossívelaplicaroprincípiodarelatividadea

toda a física, nomeadamente às equações de Maxwell, as leis que governam o campo

electromagnético, como vimos atrás. Estou a referir-me ao princípio da invariância da

velocidadedaluznovácuo,c,emqualquersistemadereferênciainercial.Ouseja, ovalor

de c é omesmo para todos os observadores qualquer que seja a velocidade com que se

desloquem. Em síntese, a descoberta da Teoria da Relatividade Restrita (TRR) em 1905

chegou após uma meditação de 10 anos e vem reconciliar a relatividade do movimento

uniforme,járeconhecidanamecânicadeGalileueNewton,comateoriaelectromagnética

deJamesClerkMaxwell.PorestarazãoaTRRémuitasvezesentendidacomoacúpulado

electromagnetismo.

Logo no início do seu artigo sobre a Electrodinâmica dos Corpos emMovimento [2], que

dariaorigemàTRR,Einsteinafirma:“ÉbemconhecidoqueaelectrodinâmicadeMaxwell–

tal como é actualmente entendida – quando aplicada a corpos emmovimento, conduz a

assimetriasquenãopareceminerentesaofenómeno.”Efetivamente,quandoaproximamos

um íman de uma espira condutora em repouso, sem fonte de alimentação, surge uma

corrente (induzida) durante o tempo em que ocorre a aproximação do íman; e omesmo

acontecequandooímanéafastadodocircuito,emboraagoraacorrentepercorraocircuito

emsentidocontrário;porém,seéocircuitoqueseaproximaouafastadoíman,queagora

seencontraem repouso, tambémseverificaoaparecimentodeumacorrente,masa sua

origem era explicada como sendo devida a um fenómeno diferente: a ação da força

magnética, devida ao íman, sobre os electrões do condutor emmovimento dá origem ao

aparecimentodeumacorrentequepercorreocondutorenquantoocondutorpermanecer

emmovimento;ouseja,noprimeirocaso,estamosaanalisarofenómenonoreferencialda

espiracondutora,ondeoselectrõesestãoemrepousoe,portantoaforçamagnéticasobre

oselectrõesénula;nosegundocaso,elegemosoreferencialdoíman,emrelaçãoaoqualos

electrões da espira estão em movimento, sendo o fenómeno explicado como sendo o

resultado da ação da força magnética do íman sobre os electrões do condutor em

movimento.Ora,paraEinstein,comoomovimentodeumcorpoéumconceitorelativo,os

dois fenómenos descritos devem ter uma única interpretação: deve surgir uma corrente

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induzidano condutor sempreque se verifique variaçãode fluxodo campomagnético, ou

seja, sempre que tenha lugar uma variação do número de linhas de força do campo

magnéticoque atravessa a área limitadapela espira condutora.Nãohavendo variaçãode

fluxonãohácorrenteinduzidapelocampomagnético.

Comoconsequênciadestas considerações, somos levadosaentender, comEinstein,quea

ideiaderepousoabsolutonãotemsignificadonafísica.ComesteraciocínioEinsteinlibertaa

física do conceito de éter, o meio imaginado pelos físicos no século XIX para explicar a

propagaçãodasperturbaçõeselectromagnéticasatravésdoespaço,equeporessemotivo

era visto pelos físicos como um referencial privilegiado, em relação ao qual se poderia

definir um movimento absoluto. Recordemos essa ideia tal como foi apresentada por

Maxwell: “a luz consiste nas ondulações transversais domesmomeio que é a causa dos

fenómenoseléctricosemagnéticos” ([3]vol.I,500).Poroutraspalavras,paraos físicosdo

séculoXIX,asondasluminosas,talcomooscamposeléctricoemagnéticonecessitamdeum

meioquelhessirvadesuporte.Eéessemeio,quesesupunhapreenchertodoouniverso,

quesedesignavaporéter.Paraamaioriadosfísicosoéterdeviaserabsolutamenteimóvel,

por razões que não vamos aqui analisar. Amatéria ordinária, comoé o caso de qualquer

planetadosistemasolar,deviamover-seatravésdoétersemoperturbar.ATerra,talcomo

imaginavam os físicos na altura, deviamover-se através do éter a uma velocidade de 30

km/s,avelocidadedomovimentoorbitaldaTerraemtornodoSol.Porconseguinte,deveria

haverumventodoétersoprandoemsentidooposto.Nãoeradeesperarqueesteventodo

éterfossedetectadodiretamente,masdeveriaserpossíveldetectarainfluênciadoéterna

luz emitida por fontes terrestres ou celestiais. Embora fosse previsível que esses efeitos

deviamserdiminutos,sabia-sequeestavamperfeitamenteaoalcanceexperimentalatravés

deumestudodeinterferênciasentrealuzprovenientededuasfontes.Oresultadonegativo

dessasexperiências,primeiro realizadasporAlbertA.Michelson (1852-1931)emais tarde

porMichelson e EdwardW.Morley (1838-1923), não levou imediatamente à exclusão do

conceitodoéterluminífero,eporissoprosseguiramastentativasparaobterumresultado

positivo. Porém, na ausência de um resultado positivo posterior, as experiências de

Michelson-Morley acabaram por ser consideradas como um resultado definitivo na

demonstraçãoda inexistênciadoéter. ParaEinstein, e independentementede ter tidoou

não conhecimento dessas experiências, o éter em repouso absoluto era um conceito

supérfluo,completamentedesnecessário.Assim,Einsteindecideeliminá-locompletamente

das suas considerações. E com isso elimina o referencial “privilegiado” onde, segundo

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Hendrik Lorentz (1853-1928) e Henri Poincaré (1854-1912), as equações de Maxwell do

electromagnetismoestavamescritas;ouseja,oreferencialondeavelocidadedaluz(edas

outras ondas electromagnéticas) tinha um valor conhecido representado por c. Por

consequência, deixando de existir esse referencial absoluto, todo omovimento é relativo

quer para as leis damecânica quer para as leis do electromagnetismo. Por isso, Einstein

afirmaqueasleisdoelectromagnetismo,daópticaedamecânicasãoválidasemtodosos

sistemasdereferência inerciais, istoé,nãoacelerados,estabelecendoassimoprincípioda

relatividade,comoumprincípiogeraldafísica,eelevando-oaoníveldeumaxioma.Decorre

desteprincípioquetodososreferenciaisinerciaissãoequivalentese,porconseguinte,nesta

lógicanãopodemexistirreferenciaisabsolutos.Epercebe-seporqueéqueEinsteinélevado

a introduzir o segundo princípio, também com a categoria de axioma, nomeadamente: a

velocidadedaluznovácuotemomesmovaloremtodosossistemasdereferênciainerciais.

Só assim, é possível esperar que as equações de Maxwell, que condensam as leis

fundamentais do electromagnetismo e da óptica, sejam válidas em todos os referenciais

inerciais, uma vez que a velocidade da luz no vácuo, c, aparece explicitamente nessas

equações.

3.Doprincípiodarelatividadeàrelatividadegeral

Apesar dosprogressosda TRR ao estabelecer oprincípioda relatividade a toda a física, a

verdadeéqueanovateoria,emboraenglobasseoelectromagnetismo,nãoeracompatível

comaleideNewtondagravitação.Segundoesta lei,seadistribuiçãodematériamudasse

numacertaregiãodoespaço,ocampogravíticocorrespondentemudariainstantaneamente

emqualqueroutrapartedouniverso.Aserverdade,issoimplicariaapossibilidadedeenviar

sinaisinstantâneoseexigiriaumtempoabsoluto,emcontradiçãocomaTRR.Einsteinestava

cientedesteproblemaquando,noOutonode1907,JohannesStarklhepediuparacontribuir

com um artigo de revisão sobre o princípio da relatividade para o seu Jahrbuch der

Radioaktivität undElektronik. Por essa altura, Einstein começavaa ficar insatisfeito coma

limitação da relatividade aos movimentos inerciais e ansiava alargá-la aos observadores

acelerados.Nessaépoca,quandoaindatrabalhavanaRepartiçãodePatentesdeBerna,teve

“opensamentomaisfeliz”dasuavida,comorevelouaoseucolegaeamigoMicheleBesso

(1873-1955). A igualdade entre amassa inercial, responsável pela inércia dos corpos, e a

massa gravitacional, que transmite a forçada gravidade, sópoderia ser indicaçãodeuma

conexãoíntimaentreinérciaegravidade.Umastronautanumanaveespacialfechadanãoé

capazdedistinguirseestáemrepousonumcampogravíticoouseestáaceleradonoespaço

livre.Aestarelaçãoentremovimentoaceleradoegravidade,Einsteinchamou“princípioda

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equivalência”. Mais tardehaveriadedescreveressemomentoprodigiosona sua liçãona

UniversidadedeQuiotoem1922:

“De repente,umpensamentoassaltou-me: seumapessoacaiemqueda livrenão

senteoseuprópriopeso.Fiqueiabismado.Estesimplespensamentoprovocou-me

umaprofundaimpressão.Impeliu-meparaumanovateoriadagravitação.”

Combasenesteprincípioacreditouqueseriacapazdeconstruirumateoriaparasubstituira

teoria da gravidade de Newton, e ligou imediatamente o problema da gravidade ao

problemadageneralização (doprincípio)da relatividadea todososobservadores.Énesse

artigode1907queEinsteinpublicapelaprimeiravezassuasreflexõessobrearelaçãoentre

oprincípiodarelatividadeeagravitação.Massóvoltaapensarnestesproblemasem1911,

jácomoprofessorcatedráticodeFísicaTeóricanaUniversidadedePraga. Tantooespaço

ordinário(euclidiano)comooespaço-tempodarelatividaderestritasãoespaçosplanos.Ao

procurarcompatibilizarainteraçãogravíticacomasideiasdarelatividaderestrita,Einsteiné

levado,ao fimdeuma luta intelectual intensa,a renunciaraoespaço-tempoplano.O seu

raciocínio foio seguinte:napresençadeumcampogravíticoénecessário incluir todosos

tiposdemovimentosenãoapenasosmovimentosuniformes.Époisnecessáriogeneralizar

oprincípiodarelatividadeatodososobservadoresdeumcampogravítico.Comoproceder?

Sigamos o pensamento de Einstein. A interação gravítica tem uma natureza única entre

todasas forças:aquedadoscorposé independentedasuamassaoudasuaconstituição.

Istosugerequeagravidadenãoérealmenteumaforça,masumapropriedadegeométrica

doespaço(-tempo).ÉaquiquesurgeaideiarevolucionáriadeEinstein:osobservadoresem

queda livre num campo gravítico identificam-se com os observadores inerciais da TRR no

quedizrespeitoàssuasobservações locais.Mas,aocontráriodarelatividaderestrita,dois

observadores em queda livre não mantêm uma velocidade uniforme entre si devido aos

efeitosnãolocaisdocampogravítico.Realmente,doiscorposemquedalivreàsuperfícieda

Terra não descrevem trajetórias exatamente paralelas, pois essas trajetórias convergem

para o centro demassa da Terra, embora, a uma escala local, as trajetórias sejam quase

paralelas, quando observadas num pequeno intervalo de tempo. Para justificar estas

diferenças, Einstein identifica a gravidade com umamodificação em relação à geometria

euclidiana:agravitaçãoproduzumacurvaturanoespaço-tempo.As trajetóriasdoscorpos

emquedalivreserãoasgeodésicasdesteespaço-tempocurvo;ouseja,agoraastrajectórias

jánãosãolinhasrectas,comoeramnoespaçoplano,massimaslinhas“maisdireitas”queo

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espaço-tempo curvo admite. Por exemplo, na superfície de uma esfera as geodésicas (as

linhas mais direitas) são os círculos máximos: os meridianos e o equador. É interessante

seguir o caminho que levou Einstein à consideração das geometrias não euclidianas. Em

particular,examinouasituaçãodeumobservadornumdiscoarodaremtornodeumeixo

que passa pelo centro. Apelando ao Princípio da Equivalência (PE), observou que o

observadoremrotaçãocomodiscopodiaconsiderar-seemrepousoe,comotal,atribuira

força centrífuga devida à aceleração centrípeta à existência de um campo gravitacional

centrífugo.Formulouemseguidaaquestão:qualoquocienteentreoperímetrododiscoeo

seuraioparaumobservadorligadoaodiscoeparaumoutroobservadorinercialpróximo,e

averodiscoarodar?Oobservadorinercialdaráarespostadageometriaeuclidianaedirá

que é 2π; mas o observador em rotação, solidário com o disco, para quem as réguas

colocadas ao longoda circunferência dodisco estão contraídas no sentidodomovimento

(devidoàcontracçãodeLorentzdarelatividaderestrita),diráquearazãoémaiordoque2π,

visto que o raio do disco fica inalterado e são necessárias mais réguas para perfazer o

perímetrododisco.Istosignificaque,paraesseobservador,ageometriaespacialdodiscoa

rodarnãoéeuclidiana.Einsteinépoislevadoapensarqueparaumobservadornumcampo

gravitacional,deacordocomoPE,ageometriaespacialtambémnãodeverá,emgeral,ser

euclidiana. A análise deste problema deve ter contribuído decisivamente para a ideia de

representaragravidadepelacurvaturadoespaço-tempo.

Ao voltar a Zurique em 1912, como professor de Física Teórica no Instituto Politécnico,

Einsteinmergulhanoestudodasgeometriasdosespaçoscurvos(riemannianos)comaajuda

doseuantigocolega,agoradiretordafaculdade,MarcelGrossmann(1978-1936).Em1913,

Einstein eGrossmannescrevemumartigonoqual avançamesta ideia simples: oquenós

pensamosseremas forçasgravíticasnãoéoutracoisa senãoaexpressãodacurvaturado

espaço-tempo. Mas Einstein e Grossmann não conseguiram encontrar as verdadeiras

equações que relacionam a curvatura do espaço-tempo com a massa-energia que nele

existe. Einstein continua a trabalhar neste problema quando vai para a Universidade de

Berlim, em 1914, a convite deMax Planck. Finalmente, em Novembro de 1915, Einstein

chega às equações do campo gravítico e mostra como a partir delas se pode explicar o

avançodoperiéliodeMercúrio.Einsteinafirmaentãoqueopequenoavançonaórbitade

Mercúrio era simplesmente causado pela sua proximidade em relação ao Sol e não pela

presençadeumqualquerplanetainterior,aquesechegoudaronomedeVulcano,comose

pensavaatéentão.Esteéummomentochave,queocorreameiodomêsdeNovembro.A

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explicação desta pequena alteração da órbita de Mercúrio teve um grande impacto em

Einsteinenaprópriaaceitaçãodateoria.MaistardeEinsteinreconheceriaqueaovereste

resultado até teve palpitações: “Fiquei fora demimeemêxtase por vários dias”. Mas o

sucesso completo só chegaria a 25 de Novembro, o dia em que fez a sua última

apresentação.

Ao descrever o campo gravítico através da curvatura do espaço-tempo, a teoria da

relatividadegeraltransformaoespaço-tempodeumpalcopassivo,ondeosacontecimentos

físicosdecorrem,numparticipanteativonadinâmicadocosmos.Ocampogravitacionalnão

está difundido no espaço, como pensava Newton, o campo gravitacional é o próprio

espaço(-tempo).Porexemplo,oSolencurvaoespaçoàsuavoltaeaTerranãodescrevea

suaórbitaemtornodoSolporestaratraídaporumaforçamisteriosatransmitidapeloSol,

masporqueestáamover-seaolongodocaminhomaisdireitopossívelnoespaço(-tempo)

curvocriadopelamassadoSol.

4.Aimportânciadeumaobservaçãoastronómicaeoreconhecimentodateoria

Osdezanosseguintes foramanosdecirculação,afirmaçãoesucessodateoria.Logoapós

ter submetido a versão final da sua teoria em Novembro de 1915, Einstein começa a

delinearumresumomuitoabrangenteparaacomunidadecientífica.Nessaalturaestavajá

apensarescreverumlivrinhodedivulgaçãosobrearelatividaderestritaegeralcomorevela

aoseuamigoMicheleBessonumacartade3deJaneirode1916.NelaexplicaaBessoque

está comdificuldadeemcomeçar, comoacontece comaquelas coisasquenão seapoiam

numdesejomuitofervoroso.Masacrescentaquesenãofizerisso,ateoriadificilmenteserá

entendida, por muito simples que seja. O livrinho seria publicado na Alemanha [4], na

primaverade1917, como títuloRelatividade:ATeoriaRestritaeaGeral. Na realidadeo

pequeno livro foi um grande sucesso: entre 1917 e 1922 houve 14 edições em alemão,

tendo sido publicadas 15 edições em alemão durante a vida de Einstein. Só após a

verificação experimental de uma das previsões da teoria, que discutiremos em seguida,

começaramasurgirasprimeirasediçõesemlínguasestrangeiras.

Comojáfoiacentuado,Einsteinacreditavaqueasleisdanaturezapodiamserformuladasa

partirdeumpequenonúmerodeprincípiosbásicossimples,eestaquestãodasimplicidade

sempre caracterizou as suas actividades científicas. Acreditava também que tinha a

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obrigaçãodeexplicarestesprincípiosemtermossimplesaopúblicoemgeraledetransmitir

afelicidadeeasatisfaçãoqueacompreensãodestesprincípiospodiagerar.

Em1918 surgiramosprimeirosdois livrosdedicadosàTRG,escritosporoutros cientistas,

umemLondres,porArthurS.Eddington(1882-1944),eoutroemBerlim,porHermanWeyl

(1855-1955).A29deMaiode1919,oencurvamentodosraiosluminososrasandooSolfoi

medidonailhadoPríncipeenoSobral(Brasil)duranteumeclipsesolar,graçasaoempenho

deSirArthurS. Eddingtoneao zelodoAstrónomoRealbritânicoSir FrankWatsonDyson

(1868-1939).AsprevisõesdateoriadeEinsteinforampublicamenteconfirmadasnofamoso

encontrodaRoyalSocietyemLondresa6deNovembrode1919,emreuniãoconjuntacom

aRoyalAstronomicalSociety, sobapresidênciadopatriarcada física J.J.Thomson.Nodia

seguinte, no cabeçalho do jornal londrino The Times lia-se: “Revolução na Ciência/ Nova

Teoria do Universo/ Ideias Newtonianas Abandonadas.” A Primeira GuerraMundial tinha

terminado.Omundoestavacansadoedesiludido,eàprocuradenovosideais.Ateoriade

Einstein, com as suas ideias bizarras sobre a curvatura do espaço(-tempo), captou a

imaginação da opinião pública, embora muito poucas pessoas a compreendessem.

Apareceramentão inúmerosartigosdedivulgaçãoem jornaiseemrevistas filosóficasque

entusiasmaram o público culto e tornaram a relatividade um tema de conversação

obrigatório.OpróprioEinsteinescreveuum longoartigonoTheTimes em finaisde1919,

procurandoexplicá-laaos leigos.NacapadarevistanoticiosaBerliner IllustrirteZeitungde

14deDezembrode 1919 a sua fotografia é publicada coma legenda: “Umanova grande

figuradahistóriamundial."Einsteintorna-seentãoumpensadorcélebreemtodoomundo

easuaopiniãoésolicitadaparaosmaisdiversosassuntos.OsEstadosUnidosrecebem-no

compompaecircunstânciaem1921,eoseunomepassaaserpronunciadocomreverência,

acabando por se tornar sinónimo de génio. Nem todos, porém, aplaudiram o triunfo de

Einstein.Algunsmembrosdacomunidadecientífica,eoutraspessoas impelidasporrazões

políticas, movem-lhe uma guerra sem quartel, considerando a sua teoria totalmente

incompreensíveleinútil.

Voltemosa1919eàsobservaçõesqueemgrandepartepermitiramaaceitaçãodaTRGpela

comunidade científica como a melhor teoria da gravitação. A concretização dessa

experiência,umadasmais importantesdoséculoXX, ficouassociadaàsexpediçõesadois

locais remotos dos trópicos com a finalidade de observar o eclipse total do Sol de 29 de

Maiode1919.Umadelas,lideradaporEddington,dirigiu-seàilhadoPríncipe,territóriona

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altura sobadministraçãoportuguesa.Aoutra, chefiadaporAndrewCrommelin, rumouao

Sobral,nonordestedoBrasil.Asexpediçõestinhamporobjectivoverificaroencurvamento

dos raios luminososno campogravíticodo Sol.Na altura, a preocupaçãodos astrónomos

ingleses era decidir entre a teoria da gravitação de Isaac Newton e a nova teoria da

gravidadedeAlbertEinstein.Qualquerdessasteoriaspreviaquealuzprovenientedeuma

estrela, ao rasar o bordo do Sol, sofreria um ligeiro encurvamento, sendo a previsão da

teoriadeEinsteindupladaprevisãofeitacombasenateoriadeNewton.

A partir dos anos 70, foi difundida a ideia que as observações de 1919 não haviam

constituídoumaexperiênciadecisiva.Porumlado,entrefísicoseastrónomos,comenta-sea

faltaderigordasobservações.Poroutro,maisgrave,numartigodedoisfilósofosdaciência,

JohnEarmaneClarkGlymour,publicadoem1980,[5]Eddingtoneseuscolaboradoressão

acusadosdeeliminaremdadosquefavoreciamaprevisãodateoriadeNewton,insinuando

que os dados de observação teriam sido interpretados abusivamente demodo a rejeitar

essa teoria. Esta crítica apoia-se numa concepção de um Eddington antecipadamente

favorávelàteoriadeEinsteinpormotivaçõespoucocientíficas.Talvezmovidopelaânsiade

contribuirparaa reconciliação internacionalapósa IGuerraMundial,Eddingtonteriasido

levadoaproclamaravitóriadateoriadeumdoshomensmaiscélebresdaciênciaalemã.Na

realidade, as decisõesmais importantes na análise dos dados foram tomadas por Dyson,

comoseveioacomprovarmais tarde.Aliás,Dysonpodiaserconsideradoatécertoponto

cépticoemrelaçãoàteoriadarelatividade,enãopodiaserconsideradoumpacifistacomo

Eddington. Efectivamente, a letramanuscrita de Dyson aparece nas notas da redução de

dados do Sobral, em várias passagens importantes. E uma reanálise às chapas do Sobral

levada a cabo em 1979 por uma equipa do Observatório de Greenwich, usando

equipamentomoderno paramedir as posições das estrelas nas chapas e um software de

reduçãodedadosastrométricos,especialmenteescritocomesteobjectivo,veiocomprovar

osresultadosapresentadosporDyson,emostrarqueaeliminaçãodaschapaspelaequipa

deDysoneEddingtonnãoafectaraasconclusõesdaobservaçãodoeclipsesolarde1919.

No Sobral, a equipa liderada por Crommelin dispunha de dois instrumentos mas, tendo

falhado o principal, um telescópio astrográfico de 8 polegadas, ficou reduzida a um

instrumento de recurso com lentes de 4 polegadas. O defeito do instrumento principal

traduziu-senumaperdadofocoduranteoeclipse,poraquecimentodocoleostato,segundo

parece,oquefezqueaschapasapresentassemimagensesborratadasquetornavammuito

difícilcalcularcorrectamenteoseudeslocamentorelativamenteàsposiçõesnaschapasde

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comparação tiradas emGreenwich eOxford, como instrumento focado. Tudo leva a crer

quefoiDysonquedecidiuignorarosresultadosdasplacasastrográficasqueefectivamente

favoreciam,numaprimeiraanálise,aprevisãonewtonianapoisapontavamparaumvalorde

0,93′′. Jádepoisda célebre comunicaçãona sessãoconjunta,Dysonvoltoua reanalisaras

chapas tiradas pelo astrográfico e obteve um novo valor para a deflexão, 1,52′′ (sem

indicaçãodoerro),oque jáémuitopróximodaprevisãodeEinstein.Muitomais tarde,a

equipareferidadoObservatóriodeGreenwichobteveumadeflexãode1,55′′±0,34′′.Épois

legítimo concluir que não existe qualquer fundamento para admitir que um preconceito

pessoal tenha desempenhado um papel censurável na análise dos dados do eclipse. Pelo

contrário, existem boas razões para acreditar que houve extremo cuidado na análise dos

dados decorrentes das observações realizadas no Príncipe e no Sobral pelos astrónomos

britânicos,incluindoEddington,equeestasserevelaramcoerentescomaTRGdeEinstein.

Hojepodeafirmar-se comsegurançaquea suspeitademáprática científica, amplamente

difundidaentrecientistasepúblicoleigo,nãotemqualquerfundamento.

ARelatividadeGeral,ateoriadagravitaçãodeEinstein,queveioligarainteracçãogravítica

(gravidade)comaasnoçõesdeespaçoetemporelativos,introduzidosporEinsteinem1905,

éaobradeEinsteinmaissolitária,emboratenhabeneficiadodoapoiomatemáticodoseu

amigo Marcel Grossmann que o iniciou no estudo das geometrias dos espaços curvos.

MuitosconsideramimprovávelqueaabordagemdeEinsteinparaconstruirumanovateoria

dagravitaçãopudessetersidoseguidaporqualqueroutrodosseuspares.Ocaminhomais

lógicoseriamodificarateoriadagravidadedeNewtondemodoatorna-laconsistentecom

aTRR,oquenãoseriadifícil.Efectivamente,em1914,ofísicofinlandêsGunnarNordström

(1881-1923) mostrou que isso era possível, acrescentando uma dimensão ao espaço, ao

mesmotempoqueissopermitiaunificaragravitaçãocomoelectromagnetismo.Essateoria

deNordström, comdimensões espaciais extra, é damesma classe das teorias conhecidas

por Kaluza-Klein, publicadas nos anos 20. O aparente sucesso de Nordström não foi

suficienteparacompetircomaTRGdeEinsteinpoisfalhoudopontodevistaexperimental

aonãopreveroencurvamentodosraiosluminososnapresençadeumcampogravítico.

5.Aprimeirasoluçãoeoproblemacosmológico

Quandoumfísico,nodecursodasuainvestigação,obtémumaequaçãoparadescreverum

fenómeno,asuamissãoestálongedetersidocompletada.Ora,oespaçodassoluçõesdas

equaçõesdeEinsteinémuitovasto.Paraprogredirénecessáriofazerhipótesesdesimetria,

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que simplificam as equações e se adaptam aos problemas que se pretendem resolver. A

grandevirtudedasequaçõesdeEinsteinéqueelascobremtodasaspossíveissituaçõesdo

campogravítico,sejaocampogravíticodoSoloutodooUniverso,talcomoasequaçõesde

Maxwellpermitemencontrarsoluçõesparaasváriassituaçõesdocampoelectromagnético.

A primeira solução das equações de Einstein não é obtida por ele, mas por Karl

Schwarzschild (1873-1916), físicoeastrónomoalemão,queaobteve,parao casodeuma

únicamassasemrotação,comsimetriaesférica,aindaem1915,muitopoucotempodepois

deEinsteinterapresentadoassuasequaçõesnaAcademiaPrussianadasCiênciasdeBerlim.

ÉasoluçãoqueseaplicaaocampogravíticodoSol,eapartirdoqualépossíveldeterminar

as órbitas (trajectórias) dos planetas do Sistema Solar. Foi combasenela que foi possível

explicar, por exemplo, o avanço do periélio do planeta Mercúrio, uma das previsões da

teoria de Einstein que não era explicada pelo teoria de Newton. É também no contexto

dessasoluçãoque,maistarde,foiintroduzidaanoçãoderaiodeSchwarzschild,doqualse

obtémochamadohorizontedeacontecimentosdeumburaconegroesférico.Seumaestrela

colapsa de modo que o seu raio se torne inferior ao raio de Schwarzschild, a estrela

transforma-senumburaconegro.Ohorizontedeacontecimentosdefineafronteiraapartir

daqualosacontecimentosnãopoderão influenciarumobservadorexterioraoburaco.Na

altura, Schwarzschild, que estava consciente deste problema, supôs que nenhuma estrela

poderiasofrerumtalcolapsoedesvalorizouessapossibilidade.Hojeconhecemosinúmeros

exemplos de buracos negros. Durante muito tempo falou-se apenas em “candidatos a

buracos negros”, por não estar completamente provada a sua existência, dadas as

dificuldadesdedetecçãoecomprovaçãodaspropriedadesquelhesestãoassociadas,como

sejaademonstraçãodaexistênciadoshorizontesdeacontecimentos.

AsoluçãodeSchwarzschild,foienviadaporKarlSchwarzschildaEinsteina22deDezembro

de1915,efoiobtidaduranteaIGuerraMundial,enquantoSchwarzschildestavadestacado

na frente russa. Schwarzschild conclui a carta como seguinte comentário [6]: "Comovêa

guerra não me tem tratado mal, apesar dos bombardeamentos e tiroteios, pois tem-me

permitidomanter longedelesedaralgunspasseiospelas terrenosdassuas ideias.” Jáem

1916EinsteinrespondeaSchwarzschildcomaseguintemissiva [7]:“Lioseuartigocomo

maior interesse. Não esperava que alguém pudesse formular uma solução exacta do

problema de uma forma tão simples. Gosto bastante do seu tratamento matemático do

assunto. Na próxima quinta-feira vou apresentar o trabalho na Academia com algumas

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palavras explicativas.” Como se depreende, Einstein continuava a discutir com os outros

académicosoconteúdoeosresultadosdasuaTRG.

Hoje,alémdeváriosburacosnegrosresultantesdocolapsodeestrelas,jáforamobservados

váriosburacosnegrosgigantesnocentrodasgaláxias,quepoderãoresultardacondensação

demuitos buracos negros estelares de grandemassa.Aliás, esta parece ser uma situação

muitocomumnasgrandesgaláxiasespirais.Falandodeburacosnegrosestelares,devemos

reconhecer que na sua maioria encontramos buracos negros resultantes do colapso de

estrelasemrotaçãorápidaoumuitorápida,comomuitoprovavelmenteaconteceemcertos

objectos conhecidos por quasares (quase estrelas) e em núcleos galácticos activos,

conhecidospeloacrónimoinglêsAGN(ActiveGalacticNuclei).Nanossagaláxia,aViaLáctea,

foidetectadoumburaconegro,oGRS1915+105,quepoderodarcercade1150vezespor

segundo,oqueépróximodoqueseadmitecomoumvalorlimitedavelocidadederotação.

Notarqueosburacosnegrosemrotaçãonãotêmsimetriaesférica,masantesumasimetria

emtornodeumeixo(simetriaaxial), edesignam-seburacosnegrosdeKerr,emhonrade

RoyKerr (1934- ),omatemáticoneozelandêsqueobtevearespectivasoluçãomatemática

dasequaçõesdeEinstein.UmbomexemplodeumburaconegrogigantedeShwarzschildé

o Sagittarius A*, localizado no centro da Via Láctea, a 26000 anos-luz de distância e com

umamassadeaproximadamente4milhõesdemassassolares,àqualcorrespondeaumraio

deSchwarzschildde12milhõesdekm. Porcomparação,notequeadistânciadaTerraao

Solédaordemde150milhõesdekm.

ParaEinstein,comojásedisse,oespaço-tempoéelepróprioumactor,umcampofísico,o

campogravitacional,enquantoqueNewtonconsideravaoespaçocomoumrecipientevazio

einerte,eternamenteemrepouso,umpalcotridimensionalondeosactoresdesempenham

oseupapel.Nãoadmirapoisqueaprimeirasoluçãoexactadassuasequações,obtidapelo

próprioEinstein,sejaprecisamenteumasoluçãosobreoUniversonoseuconjunto.Einstein

obtémessaprimeira solução cosmológicadas suas equações em1917, e comelanasce a

cosmologia teórica. Combinando as equações da sua teoria com a hipótese de amatéria

estar em repouso, distribuída homogeneamente por todo o Universo, Einstein obtém a

descriçãodeumcosmoscomoumespaçocurvoestático,esfericamentesimétricoe finito.

AssimnasceasoluçãoestáticadeEinstein,paraaqualdepoisobtémafórmulaparacalcular

as dimensões do Universo e respectiva massa. Por outras palavras, com esta solução

Einsteindiz-nosquevivemosnumuniversofinitoesemfronteira:umastronautapodepartir

daestrelaondeviveeseguindosempreadireitopodevoltaraopontodepartida.Éoque

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correspondeaumacircunavegaçãodaTerra.ConvémesclarecerqueoUniversodeEinstein

é fechado porque existe matéria suficiente para suplantar um certo valor crítico que

corresponderiaaumUniversoplano.Poroutro ladooUniversoéfechadoporqueEinstein

modificou as suas equações de campo originais de modo a incluir um termo de energia

negativaquedesempenhaumpapelanti-gravíticoou repulsivo, termoesseconhecidopor

constantecosmológicaerepresentadopelaletragregaΛ.ParaEinsteinfaziatodoosentido

considerar umUniverso eterno e imutável, com uma grande quantidade de estrelas fixas

existentesparasemprenovazio.

Nomesmoano,em1917,oastrónomoholandêsWillemDeSitter(1872–1934)publicauma

outra solução cosmológica das equações de Einstein. Não é surpreendente que De Sitter

tenha também procurado contribuir para este assunto. Na verdade, desde 1911 que De

Sitter seguiao trabalhodeEinstein eos seusprogressosna construçãodanova teoriada

relatividade.DepoisdeseterencontradocomEinsteinemLeiden,váriasvezesem1916,e

tendo mantido com ele várias discussões, que aparentemente contribuíram para levar

Einstein a considerar um universo esférico, De Sitter procurou sempre inteirar-se do

progressodos trabalhodeEinstein, trocandocomelecorrespondência sobrevários temas

relacionadoscomaTRG.Aomesmotempo,DeSittercorrespondia-secomEddingtonpara

lhedarconhecimentodosprogressosdeEinsteinnestesdomínios.Duranteaguerra,dadoo

isolamentoemqueestavamasuniversidadesalemãs,nãohaviaoutraformadeacederaos

resultados publicados nas revistas científicas onde Einstein habitualmente comunicava os

seus trabalhos. Curioso por saber em que consistiam os novos resultados da teoria da

relatividade, Eddington pede a De Sitter que exponha as suas impressões da teoria de

Einstein noMonthly Notices of the Royal Astronomical Society, o que deu origem a três

longos artigos sobre o tema. Estas foram, na realidade, os primeiros artigos que derama

conhecer o trabalhode Einstein de construçãoda TRGa cientistas fora daAlemanha. E é

exactamente no terceiro desses três artigos que De Sitter apresenta a sua solução

cosmológicadasequaçõesdarelatividadegeral.

De Sitter assume que o universo não contém matéria, o que pode parecer estranho e

irrealista, equealémdevazioeraestável.ClaroqueDeSitterestavaa fazerumagrande

simplificação ao assumir umadensidade cósmica tãobaixaqueouniversopodia ser visto

comovazio.Paraodescrever,DeSitterutilizaumsistemadecoordenadasqueapresentao

universocomoumasoluçãoestáticadasequaçõesdeEinstein.Mesmoassim,estasolução

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cosmológica despertou muita atenção entre os astrónomos. E isto porque, quando se

colocam duas partículas neste universo elas tendem a afastar-se. Eddington gostava de

caracterizar estes dois modelos com uma simples frase: “O universo de Einstein contém

matériasemmovimentoeodeDeSittercontémmovimentosemmatéria.”Deresto,osdois

modelos descritos, a solução estática de Einstein e omodelo de De Sitter, eram as duas

grandesreferênciasparaosastrónomosque,naépoca,permaneciammuitointrigadoscom

odeslocamentoparaovermelho(redshifts)nosespectrosdasnebulosasespirais.Em1917,

numaalturaemquenãoestavaaindaprovadaaexistênciadeoutrasgaláxiasalémdaVia

Láctea,VestoSlipher(1875-1969),queapoiavaaideiadeoutros‘universos-ilha’,publicaum

artigocomotítulo“Nebulae”.Naintroduçãoeraclaraaincertezaemrelaçãoànaturezadas

nebulosas. Slipher assinala [8] que “a fraca intensidade dos respectivos espectros

desencorajouatéagoraa sua investigação”.Tendo,entretanto,obtido25espectrogramas

de nebulosas espirais, foi possível determinar os deslocamentos deDoppler respectivos e

daí as suas velocidades radiais; Slipher determinou que 4 se estavam a aproximar e 21 a

afastar-se. Surpreendeu-o que as velocidades envolvidas fossem muito superiores às

velocidades médias das estrelas na nossa vizinhança. Quando os astrónomos, que

conheciamosresultadosdeSlipher,procuramencontrarumaexplicaçãocosmológicapara

os deslocamentos para o vermelhonos espectros das nebulosas espirais só encontramas

soluçõesdeEinsteinedeDeSitter.Masémaistarde,depoisdeEdwinHubble(1889-1953)

tercomprovadoaexistênciadeoutrasgaláxias,emartigopublicadonosfinaisdeNovembro

de1924e,depoisem1929,quandoestabeleceumarelaçãoentreosdeslocamentosparao

vermelho de algumas galáxias e as respectivas distâncias, que a questão cosmológica se

coloca. Com efeito, Hubble examina a relação entre a distância e o deslocamento para o

vermelho do espectro de um conjunto de 46 galáxias, combinando as medidas dessas

distâncias,obtidasporeleeMiltonHumason,comasdeterminaçõesdevelocidadesobtidas

dezanosantesporSlipher.NasequênciadessasobservaçõesHubbleé levadoaencontrar

uma grosseira proporcionalidade entre as distâncias desses objectos e os deslocamentos

paraovermelhodosseusespectros,oqueveioapermitirestabelecerumarelaçãoquehoje

éconhecidoporleideHubble:avelocidade(aparente)comqueseafastamessesobjectosé

proporcionalàsuadistância.Em1931,HubbleescreveaWillemdeSitterexprimindoasua

opinião sobre a interpretação teórica da relação deslocamento para o vermelho versus

distânciadessesobjectos:

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“Humasoneeupróprioestamosprofundamentesensibilizadoscomovossoapreço

pelos artigos sobre as velocidades e as distâncias das nebulosas.Usamoso termo

velocidades ‘aparentes’paraenfatizarascaracterísticasempíricasdacorrelação.A

interpretação, sentimosnós,deveserdeixadaparasieoutros,muitopoucos,que

sãocompetentesparadiscutiroassuntocomautoridade.”

AlexanderFriedmann(1888-1925)foioprimeiroapublicar,em1922,soluçõesnãoestáticas

dasequaçõesdaTRG.Contudo,nãorelacionouestesresultadosteóricoscomobservações

astronómicaseosseusartigossóforamconhecidospeloscientistasnoocidentemuitomais

tarde. Cinco anos depois, um trabalho fundamental de Georges Lemaître (1894-1966) é

publicadonumjornalbelga,maspermaneceudesconhecidodopúblicocientíficoemgeral,

até que Eddington, o seu antigo supervisor, que nessa época trabalhava no problema da

instabilidade do modelo estático de Einstein, toma conhecimento desse artigo e nele

encontra a solução para o seu próprio problema. Nessa publicação, Lemaître obtém uma

solução dinâmica das equações de Einstein com aplicação ao universo, e extrai também,

pela primeira vez, uma relação linear entre as velocidades de recessão das galáxias e as

respectivas distâncias. É tambémLemaître quemostra, comumamudançado sistemade

coordenadas,queasoluçãocosmológicadeDeSitternãoeraestática,masdinâmica.Hoje,a

maioria dos historiadores da TRG reconhecem ter sido Lemaître o primeiro a propor com

autoridadeummodelodeumuniversoemexpansãodotipoBigBang.

6.Osastrónomosportugueseseateoriadarelatividade

Não queria terminar este artigo sem uma referência ao papel desempenhado por alguns

astrónomosportuguesesnarecepçãoeapropriaçãodateoriadarelatividadeemPortugal,

talcomofoidiscutidorecentementenumperíodoemquepraticamenteacomunidadedos

físicos portugueses não se tinha ainda manifestado publicamente. Numa sessão do 20º

congressoanualdaAssociaçãoSul-AfricanaparaoProgressodasCiências,emJulhode1922,

o Presidente da Secção A (Astronomia, Meteorologia e Matemática), astrónomo Manuel

Peres(1888-1968),naépocadirectordoObservatórioCamposRodriguesemMoçambiquee

maistardedirectordoObservatórioAstronómicodeLisboa(OAL),aodiscursarsobreoquea

ciênciadeveàastronomia,declarava:“[...]Comosabem,aprincipalconfirmaçãodospontos

devistadeEinsteindependedeobservaçõesastronómicas.[...]Portanto,nocaminhodoseu

desenvolvimento,afísicachegaaumabifurcação;esperaqueaastronomiapossadizerqual

dosdoiscaminhosdeveseguir.”[11]Estasdeclaraçõesforamfeitaspoucoantesdoeclipse

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totaldoSolde1922,que levouváriasequipasdeastrónomosàAustrália,na tentativade

confirmaremosresultadosobtidosporEddingtonem1919.

ManuelPerestentouacompanharaexpediçãoinglesade1919aoPríncipe,massemêxito,

pois não conseguiu ultrapassar uma série de questões burocráticas, em grande parte

relacionadas com dificuldades inerentes ao estado de guerra (I Grande Guerra) que

antecedeuaexpediçãoaoPríncipe,mastambémdevidasàinstabilidadedoregimepolítico

emPortugal.OmesmonãosucedeucomaexpediçãoaoSobral,noBrasil,naqualumgrupo

deastrónomosbrasileiros,chefiadosporH.Morize(1860-1930),doObservatóriodoRiode

Janeiro, acompanhou os ingleses e realizou observações de física solar. Tinham, pois,

objectivos distintos dos da equipa britânica, com a qual mal contactaram por obstáculos

linguísticos. O contraste entre as reacções dos astrónomos brasileiros e portugueses não

pode, por isso, ser justificado pelas razões habitualmente referidas na literatura que, da

constataçãodaausênciadeportugueses,inferemoseudesinteresseporestasquestões.

Goradasqueforamassuasexpectativasrelativamenteàparticipaçãonaexpedição,Manuel

Peres veio a tornar-se um adepto das ideias relativistas. Entre 1922 e 1923, escreveu um

opúsculo no qual discute a relatividade restrita, segundo se depreende de manuscritos

encontrados no Arquivo do OAL, que apesar da insistência do então Director Frederico

ThomazOom(1864-1930),nuncaserápublicado.Opondoo tempometafísiconewtoniano

aotempofísicoeinsteiniano,oseutextointrodutórioreflecteaspreocupaçõesdodirector

deumobservatóriocolonial,construídoeequipadonatradiçãodoOAL,quefoioprimeiro

observatórioportuguêsatransmitirahorasolarlocal,medidapelapênduladoobservatório,

portelegrafiasemfios,paraorelógiopúblicodoporto.Assim,foiapráticadeastronomia

posicionalassociadaaoServiçodaHoraquenorteouointeressedePerespelaTRR.

Atéaosfinaisdosanos20doséculoXX,doisoutrosastrónomos,talcomoPeresassociados

aoOAL,participaramnaapropriaçãoda teoriada relatividadeemPortugal. ForamelesA.

RamosdaCosta (1875-1939)eM.S.MeloeSimas (1870-1934).RamosdaCostapublicou,

em1921e1923,doispequenoslivrossobreateoriadarelatividade.Neles,contrastaafísica

newtoniana e a einsteiniana, discute os fundamentos da relatividade restrita e geral e

defendeaadopçãodafísicaeinsteinianacombaseemcritériosdeconveniência.Maisuma

vez, o seu interesse por estas questões decorreu da sua associação ao Serviço da Hora,

estandoaseucargoatransmissãohorárianoportodeLisboa.Enãoserácoincidênciaque

nomesmo ano em que publicou o seu primeiro livro sobre relatividade tenha publicado

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tambémoTratadoPráticodeCronometria,emquededicavaumcapítulo inteiroàmedida

dotempo.Nesteslivrosdefiniaotempooperacionalmente:“Nasuperfícieterrestreotempo

étransmitidoportelegrafiasemfiosdetalformaqueotempocorrespondeàpassagemde

um sinal hertziano pelas estações cujos relógios se pretendem sincronizar.” O seu

proselitismoemproldarelatividadetraduziu-seaindaporumartigoapresentadoem1924

num congresso internacional de matemática em Toronto no qual fazia uma apologia da

reorientaçãodoensinodamatemáticanorteadopelanovateoria.

Finalmente,é chegadoomomentodedestacaropapeldeumastrónomodoOALMeloe

Simas,comoalguémqueintegrounasuapráticacientíficaateoriadarelatividade.Naaltura

daexpedição,MeloeSimasencontrava-seemFrançaaparticiparnaGrandeGuerra.Esteve

associadoaoObservatórioAstronómicodaTapadadesde1911,tornando-seseusubdirector

em1931.Paralelamente,foideputadoem1906e,jáduranteaRepública,militounoPartido

Unionista.Em1923foiministrodaInstruçãodoGovernodeGinestalMachado,queduraria

apenas um mês (entre 15 de Novembro e 18 de Dezembro). Não admira que tenha

comungadodosideaisdaPrimeiraRepública,comasuaênfasenopositivismoecientismo,

tendosidoumconvictodivulgadordaciência.Poucoantesdaexpediçãoparareconfirmação

do encurvamento, durante o eclipse solar de Setembro de 1922 observável na Austrália,

publicouumartigosobrerelatividade[13]nosapêndicesdoAlmanaquedoOAL,emJulho

de1922,doqualdestacamosafirmaçõesquevãonosentidodasdePeres:

“Onomedeumalemãoatrainestemomentoasnossassimpatiaseaadmiraçãoou

curiosidadede todoomundo culto enão culto. [...] é certo ser aAstronomiadas

ciênciasquemaistemautilizardateoriadaRelatividade,fornecendo-lhe,emtroca,

asmelhoresdassuasconfirmações[...]”.

Poucosmesesdepois,promoviaumciclode13conferênciassobreateoriadarelatividade,

queseiniciouemNovembrode1922,emLisboanaUniversidadeLivre,umadascriaçõesda

Primeira República. Estas palestras, proferidas aos domingos de manhã no espírito dos

sermõeslaicosdeThomasHenryHuxley,contaram,segundoosjornaisdaépoca,comuma

grande afluência de público. Pelo que sabemos é o único astrónomo português a tentar

acomodarosnovosconhecimentosnasuapráticacientífica.Assim,numacomunicaçãode

1924 à Academia das Ciências de Lisboa, descreve como, a propósito de umpedido feito

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pelaAstronomischeNachrichten,feznoOALaobservaçãodaocultaçãodeumaestrelapelo

planetaJúpiter,nodia7deMaiode1923.Eexplica[12]que:

“O processo consistiu em determinar a posição relativa dos dois astros alguns

minutos antes e depois da ocultação, por forma que, partindo da posição de um

deles,sepudessecalcularadooutroparacertoedeterminadomomento,obtendo-

seassimnãosóumasériedeverificações,difíceisdealcançarporoutraforma,mas

ainda meios para deduzir os efeitos de qualquer influência na própria ocultação,

querprovenientesdairradiaçãoluminosa,querdaatmosferadoplaneta,querainda

denãoseterentradonocálculocomateoriadarelatividade”.

Mas é levado a concluir que embora os resultados revelassem “uma certa tendência no

sentidoapontadopelateoriadarelatividade,”osoutrosefeitossobreosraiosluminososao

atravessaraatmosferaterrestreproduziamdesviosnomesmosentidoedamesmaordem,

funcionandocomoobstáculosàverificaçãodateoria.

Em resumo, no que respeita à apropriação da relatividade em Portugal, a expedição ao

Príncipe incentivou o interesse dos astrónomos portugueses que, como aconteceu em

tantosoutrospaíses,acabaramporreagirsimultaneamenteàTRReTRG.Assuasreacções

decorreramda sua prática científica, sendo a ligação à determinação da hora legal o que

levoualgunsdelesadiscutiremaspectosdaTRR.Poroutro lado, tendovividooambiente

político da Primeira República, responderam-lhe de forma criativa através de variadas

actividadesdedivulgaçãocientífica,depalestrasàpublicaçãodelivros.

Nos usualmente designados estudos de recepção da TRR e da TRG em Portugal não é

habitualqualquerreferênciaaopapeldosastrónomos.Porissoepelofactodaobservação

doeclipsede1919terocorridonumterritóriosobadministraçãoportuguesa,nessaépoca,

sem a participação de astrónomos portugueses, era importante perceber a reacção dos

astrónomosaoacontecimento.Daíaimportânciadedaraconheceraumpúblicomaisvasto

opapelpioneirodealgunsastrónomosportugueses(Cf.Refs:[9]e[10]).

7.Conclusão

No final do século XIX, quase todos os físicos, senão todos, eramnewtonianos; as leis de

Newtoncontinuavamadominarafísicaeainfluenciaraconstruçãodasnovasteoriasfísicas.

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Depois da revolução iniciada em 1905 e continuada em 1915 estarão hoje os físicos

imbuídos do espírito de Einstein? Quantos físicos serão einsteinianos? Até que ponto os

conceitosdeespaçoetemporelativosedecriaçãodoespaço-tempo,comorepresentando

ocampogravítico,entrounaculturacientíficadosfísicosteóricos?Comonasceramasduas

teoriasdarelatividade,arestritaeageral?Quaisosseussucessoseassuaslimitações[14]?

Estas foram as questões que procurei responder ao longo do artigo, mas sobrammuitas

outras.Comoporexemplo: Estaráa relatividadegeral emvésperasde ser substituídapor

uma teoriamais abrangente? Será essa teoria capaz de responder a alguns dosmistérios

que perduram, como sejam a existência de singularidades no “Big Bang” e nos buracos

negros,asetadotempo,anaturezadamatériaescuraeaorigemdaenergiaescura?Estas

últimas terão de aguardar outra oportunidade para poderem ser discutidas. Mas, para

finalizar,voltoacolocaraquestãoearesponderàlaiadesíntese:Estandoacomemoraro

centenário da grande descoberta de Einstein em 1915, que de certo modo completa a

extraordinária revolução no seu annus mirabilis de 1905, é altura de perguntar quantos

físicosprofissionaisseconsiderameinsteineanos?

Num primeiro impulso somos levados a concluir que, dada a importância de Einstein no

desenvolvimentodafísicamoderna,somostodos.Poisnenhumfísicoduvidadaimportância

da teoria da relatividade, para já não falar das bases da teoria quântica de 1905 com o

dualismoonda-corpúsculoparaaluz,quetãoestoicamentetêmresistidoatodosostestes

experimentais.Porém,sãorarososqueseconsiderameinsteineanos,ouosquereivindicam

para si essa designação, nem tão pouco existe uma “escola de Einstein.” Na melhor das

hipótesespodemosfalardacomunidadedos“relativistas”,cujaatividadesedesenvolveem

torno da relatividade geral e suas aplicações. Mas temos de admitir que os relativistas

representam uma pequena fracção dos físicos teóricos, e em nenhum país dominam o

campo da física teórica, embora nos últimos 35 anos se tenham associado a esta

comunidade muitos outros físicos, nomeadamente oriundos da física de partículas, para

estudar algumas das aplicações tradicionais da relatividade geral, como é o caso da

cosmologia.

Pormuito estranho que pareça, a verdade é que Albert Einstein, o descobridor da teoria

quânticaedarelatividade,eportantoumdosmaisproeminentesfísicosdoséculoXX,não

deixounoseuencalçoumaescolaintelectualdeseguidorescomumainfluênciaapreciável.

Efoitalvezporissoqueamaioriadosfísicosseguiramlíderesquedefendiamoutrospontos

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devistaqueseopunhamaosdeEinstein,oqualpassouaservistopelacomunidadecomo

alguémque,emboracomcontribuiçõesnotáveisparaafísicadoseutempo,acabouporse

desligardarealidadefísica,apartirdosanosvinteemdiantedoséculopassado.

Bibliografia

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