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A Relação Cartografia e Geometria Diferencial: da influência
grega às obras de Mercator, Lambert e Gauss
Antonio Noel Filho
Prof. Dr. Marcos Vieira Teixeira
Introdução
Nesta pesquisa que se inicia nossa proposta é estudar a relação entre a Cartografia e
a Geometria Diferencial, dando um enfoque principal às obras de Mercator, Lambert e
Gauss. Tomando como ponto de partida a influência grega no desenvolvimento da
Geometria e da Cartografia, faremos um estudo da evolução histórica destas áreas até
chegarmos às obras de Gerard Mercator, de Johann H. Lambert e Karl F. Gauss, que é o
foco principal de nossa pesquisa.
Para situarmos os princípios que levam à relação entre a Cartografia e a Geometria
Diferencial, precisamos acompanhar o desenvolvimento histórico destes dois campos do
conhecimento e para isto devemos recorrer à História.
As raízes históricas da Cartografia chegam até nós através de registros deixados
pelas grandes civilizações antigas, principalmente pelos seus navegantes e exploradores.
Embora a simplicidade dos mapas antigos, não exigisse tantos conhecimentos
matemáticos, desde a origem da Cartografia, a Matemática, em especial a Geometria,
constituiu a base para o desenvolvimento desse campo do saber, seja na representação da
forma da Terra imaginada pelos povos antigos, nos registros dos caminhos e itinerários,
nas rotas marítimas, etc.
Os sábios gregos, que já concebiam a Terra esférica, lançaram as bases para o
desenvolvimento deste campo científico. Como o trabalho do Cartógrafo ao elaborar cartas
e mapas, consiste em transportar dados esféricos existentes no mundo real para uma
superfície plana, os cartógrafos gregos embasados em conhecimentos sólidos matemáticos,
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criaram os sistemas de projeções. Estes sistemas foram sendo aperfeiçoados através dos
tempos, atingindo um grau científico considerável no século XVI com o matemático,
geógrafo e cartógrafo Gerard Mercator.
Após o século XVII os avanços obtidos no desenvolvimento da Geometria e do
Cálculo Diferencial e Integral principalmente com os estudos de Monge, Euler, Gauss e
Riemann fazem emergir um novo ramo da Matemática, a Geometria Diferencial, que
exerceria grandes influências no campo da Cartografia.
Os caminhos históricos da aventura cartográfica
A curiosidade do homem em conhecer os mistérios do universo, com as
particularidades de seus astros e em descobrir “novos mundos”, em especial, conhecer a
própria Terra, vem talvez desde a origem de sua existência.
Segundo Joly (1997), desde sua origem o homem procura conservar a memória dos
lugares e dos caminhos úteis às suas ocupações, bem como seus costumes e culturas e
também de outros povos. Aprenderam assim, a registrar fatos de sua existência através de
símbolos gravados em placas de argila, em peles de animais (pergaminhos), nos papiros
(primitivo do nosso papel, feitos de folhas vegetais), em madeira e em alguns metais.
Aparecem aí os primeiros registros cartográficos, os primitivos dos nossos mapas atuais.
Há indícios de que a história dos mapas é mais antiga que a própria história e a
construção de mapas precede a escrita. Viajantes e exploradores comprovaram a existência
de mapas em aldeias de povos primitivos que não conheciam a escrita.
Segundo Dreyer-Eimbcke (1992), os primeiros registros cartográficos de que se
tem notícia aparecem no Oriente, encontrados com maior freqüência no sul da
Mesopotâmia. O mapa antigo mais conhecido em nosso tempo foi descoberto nas
escavações das ruínas da cidade de Ga Sur, ao norte da Babilônia. Este mapa data de 2500
a.C e conserva-se atualmente na Universidade Harvard. Trata-se de uma placa de barro
cozido que representa o vale do rio Eufrates, com montanhas indicadas a cada lado por
escamas de peixe. Outro registro cartográfico antigo vem do reino acadiano antigo, cinco
séculos após a invenção da escrita cuneiforme (2350 a.C - 2150 a.C), descobriu-se um
mapa regional, além de sete plantas. Depois apareceram plantas da Babilônia antiga (2000
a.C - 1600 a.C), da cidade de Nipur (1600 a.C - 1000 a.C) e o único mapa - mundi
conservado da Antiguidade, um fragmento de argila com escrita cuneiforme do tempo do
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império babilônio (626 a.C - 593 a.C), que hoje é guardado no Museu Britânico, em
Londres.
Para Joly (1997), aparecem no Egito, na Assíria, na Fenícia e na China os primeiros
esboços da aventura cartográfica.
Os mapas primitivos eram simples, quase sempre retratavam fatos culturais de
alguns povos, caminhos, itinerários e pontos notáveis necessários aos caçadores e
aventureiros. Algumas civilizações antigas costumavam retratar seus mapas com certo
exagero em relação à grandeza de seus territórios imperiais, colocando-os sempre como
centro do Mundo conhecido por eles, tal como os egípcios, os chineses e os romanos.
Muitos mapas antigos eram construídos sob mitos e lendas contados por alguns
aventureiros e outros baseados em princípios religiosos.
Embora seja notável que os primeiros cartógrafos construíam seus mapas
utilizando-se de conceitos matemáticas, principalmente geométricos, nesta época não havia
grande preocupação com o rigor e com a relação entre as grandezas reais e as apresentadas
nos seus mapas. O importante era registrar as novas descobertas e os fatos do mundo até
então conhecido.
Os gregos, fortemente influenciados pelas descobertas dos babilônios, atingiram na
Antiguidade um grau inigualável de conhecimento, que permanece até início do século
XVI. Admitiram a esfericidade da Terra, com seus pólos, seu equador e seus trópicos;
introduziram o sistema de latitudes e longitudes, construíram as primeiras projeções e
calcularam o “tamanho” do nosso planeta. Os gregos construíram os primeiros
fundamentos da Geografia e das normas cartográficas, e ainda hoje os alicerces do sistema
cartográfico repousam na contribuição que nos deixaram. Começa, então, uma nova era da
aventura cartográfica, a chamada Cartografia Matemática, que passa a ser construída com
base em princípios matemáticos.
Segundo Dreyer-Eimbcke, (1992) os gregos gostavam de descrever as formas
geográficas de um país por meios geométricos, entre outros. Nos escritos de Estrabão
( 63 a.C e 26 d.C) e em outros escritores antigos, encontramos algumas dessas descrições
como por exemplo, o Peloponesco, que é comparado com uma folha de plátano e a Sicília,
com a um triângulo, tais como comparamos hoje a Itália a uma “bota”.
Grandes nomes merecem destaque nesta época, como: Anaximandro de Mileto
(século VI a.C.), que construiu um quadrante solar e possuía um mapa-múndi gravado em
pedra, Hecateu de Mileto, que representou a Terra sobre um disco metálico, Hiparco de
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Nicéia propôs um sistema de meridianos e paralelos com intervalos iguais, Êudoxo de
Cnido, que construiu um globo e Dicearco de Messênia, que desenhou um mapa mundi em
projeção plana-quadrada. No século III a.C., Eratóstenes de Cirene, que dirigiu a célebre
biblioteca de Alexandria, desenhou um mapa-múndi com paralelos e meridianos, tendo
ainda calculado, com impressionante precisão, em vista da precariedade dos recursos da
época, a circunferência da Terra. Porém o apogeu da cartografia grega é atribuído a
Claudio Ptolomeu de Alexandria, que viveu no século II de nossa era. Astrônomo,
geógrafo e cartógrafo, ele lançou as bases da Geografia Matemática e da Cartografia em
sua famosa obra a Geografia. Além da sua grande obra, a Sintaxe Matemática, chamada
mais tarde pelos árabes de Almagesto, um verdadeiro manual destinada à Astronomia.
A partir desta era, a Cartografia como as outras ciências, passa por um longo
período de estabilidade, sem grandes avanços, que dura quase um milênio. Um período de
dominação do Ocidente por parte da igreja católica romana, onde não se aceitava novos
avanços e descobertas científicas se não fossem baseados em princípios religiosos. Neste
período foi proibido, pela igreja, o uso da Geografia de Ptolomeu. Assim os mapas
produzidos eram rudimentares e os mais comuns produzidos nesta época, foram os
conhecidos como “Orbis Terrarum” ou mapas em forma de “T” no “O”. Estes mapas
retratavam o mundo conhecido, o “ecúmeno”, chamado pelos gregos. Neles admitiam a
forma circular da Terra, simbolicamente dividido em três partes, como a Trindade, com
dois braços de mar em T com a Europa à esquerda, a África à direita e a Ásia acima,
considerada a sede do paraíso terrestre. Merecendo destaque apenas “os portulanos” ou
cartas portulanas; mapas com caráter mais cientifico e utilitário, considerados verdadeiros
guias de navegação para a época. Somente no período dos grandes descobrimentos,
impulsionados pelas viagens de exploração de novas terras, onde os navegadores sentiam
necessidade de mapas cada vez mais atualizados e aperfeiçoados, que em fins século XV e
princípios do século XVI reaparecem grandes avanços científicos no campo da Cartografia.
Começa, nesta época, a considerada era de ouro da Cartografia.
A Cartografia Matemática e sua relação com a Geometria Diferencial
Desde a origem da Cartografia e fortemente influenciada pelos gregos, a
Matemática, especialmente a Geometria, constitui a base para a construção desse campo do
conhecimento. O cartógrafo para elaborar um mapa ou carta, seus produtos mais
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significativos, precisa dos conhecimentos matemáticos, já que a representação gráfica
constitui uma transposição de dados esféricos existentes no mundo real para um plano.
Admitindo a esfericidade da Terra, que mais tarde chegar-se-ia a conclusão de que se
tratava da forma de um elipsóide, com pequena diferença entre seus semi-eixos, para
eliminar as deformações geradas pelas transformações dela no plano, os cartógrafos a
partir do século XVI, vão em busca de novos conhecimentos matemáticos de modo a
encontrar uma projeção ideal. Uma projeção que conservasse ângulos, proporcionalidade
entre as distâncias e superfícies, ou que se aproximasse o máximo possível da realidade.
Surge nesta época um dos cartógrafos mais importantes da Europa; Gerhard
Mercator (1512-1594), que pela sua genialidade como matemático, geógrafo e cartógrafo,
contribuiu com grandes avanços no campo da Cartografia, destacando a reformulação que
fez em relação à Geografia de Ptolomeu. Um dos seus trabalhos mais conhecidos é a
projeção cartográfica, que recebe o seu nome, que consiste em projetar a superfície
esférica (a Terra, que até então era considerada uma esfera perfeita) num cilindro ilimitado,
com meridianos retos e eqüidistantes e paralelos também retos, porém cada vez mais
espaçados entre si na direção dos pólos. Circundando a esfera terrestre por um cilindro
tangente na direção do equador, e em seguida desenvolvendo-o, o equador é representado
em verdadeira grandeza na escala e o exagero da extensão das paralelas em latitude é
compensado por um exagero proporcional das distâncias meridianas, segundo uma fração
chamada “variável de Mercator” ou “variável das latitudes crescentes”. Embora exista a
variável de Mercator, sua projeção é mais utilizada para mapas marítimos por preservar os
meridianos e paralelos retilíneos e ortogonais e para mapas de regiões intertropicais, onde
as deformações são mínimas. Devido a sua genialidade no campo da Cartografia,
Mercator, embora tenha contestado algumas idéias de Ptolomeu, foi considerado o
Ptolomeu de sua época e mesmo com seus erros, sua obra é utilizada em navegação até os
dias atuais.
Mais tarde, no século XVIII aparecem os trabalhos cartográficos de Johann H.
Lambert. Sua projeção cônica é uma quadrícula analítica bem adaptada para regiões de
médias latitudes. Nela os meridianos retilíneos e os paralelos curvos cortam-se de maneira
a assegurar a semelhança. Desta forma para mapas de grandes escalas sugere utilizar um
cone secante ou recortar a região a cartografar em zonas troncônicas compreendidas entre
dois paralelos extremos, fazendo-se corresponder a cada uma delas um cone tangente ao
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paralelo médio (projeção policônica). Além de criar uma projeção cônica equivalente,
intermediária entre as projeções equivalente azimutal e cilíndrica.
Outros fatores que exerceram grandes influências nos avanços cartográficos a partir
do século XVII foram os estudos proferidos ao Cálculo Diferencial e Integral por Fermat,
Descartes, Newton, Leibniz, Euler, Cauchy, entre outros e o surgimento das geometrias
não - euclidianas, no final do século XVIII, com Lobachevsky e Bolyai.
Os avanços obtidos no desenvolvimento da Geometria e do Cálculo Diferencial e
Integral principalmente com os estudos de Monge, Euler, Gauss e Riemann fazem emergir
nesta época, um novo ramo da Matemática, a Geometria Diferencial, que exerceria
grandes influências no campo da Cartografia.
Com base num levantamento bibliográfico preliminar que fizemos, a respeito da
origem da Geometria Diferencial, encontramos dois aspectos: o primeiro é que a sua
origem está relacionada à necessidade de resolver problemas de construção de mapas
planos, com as grandes investigações de propriedades locais de curvas e superfícies e o
segundo é que surgiu de problemas de aplicação da Análise à Geometria. Porém, noções
como retas tangentes a curvas já eram encontradas entre os gregos Euclides, Arquimedes e
Apolônio.
Segundo Pogorélov (1984), a Geometria Diferencial teria surgido na primeira
metade do século XVIII, com os trabalhos de Euler e Monge. A primeira exposição da
teoria de superfícies pertence a Monge (Aplicações de Análise à Geometria - 1795) e em
1827, Gauss publicou sua obra (Estudo geral sobre superfícies curvas), que passou a ser a
base para a teoria de superfícies. Considera-se que este trabalho de Gauss marca o
nascimento da Geometria Diferencial como disciplina autônoma e o estudo da esfera
marcou o início do desenvolvimento da teoria geral das superfícies, que atingiria seu auge
com a generalização de Riemann ao caso de variedades n dimensionais.
As projeções cartográficas
É notável que representar a Terra em uma superfície plana é uma tarefa muito
difícil e sujeita a erros. Desde a antiguidade a curiosidade em conhecer as formas e
dimensões da Terra, bem como sua representação plana, vem ocupando os cartógrafos de
todos os tempos. Na elaboração de um mapa o ideal seria que cada ponto da superfície da
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Terra, correspondesse a um ponto do mapa. Para obter tal correspondência foram criados
os sistemas de projeções cartográficas.
Para Libault (1975) projeção seria “uma correspondência matemática entre as
coordenadas plano-retangulares da carta e as coordenadas esféricas da Terra”.
Fundamentar tal projeção corresponde a cálculos matemáticos muito complicados, porém a
idéia geral de sua construção é fácil. Imagine uma esfera oca que sobre sua superfície
foram desenhados os meridianos e os paralelos; coloque uma luz no seu interior e situe
uma folha de papel junto à esfera. Sobre o papel se projetarão as linhas dos meridianos e
paralelos. Segundo a forma em que se situe o papel, variará a disposição das linhas.
Assim, se o papel formar um cilindro, teremos a projeção cilíndrica; se o papel tiver a
forma de um cone, teremos a projeção cônica; e se o papel for colocado como um plano
teremos a projeção plana. Os princípios das projeções cilíndricas, cônicas e planas são
mostrados na figura seguinte.
(Fonte: BAKKER, 1965)
Da mesma maneira que não se pode tornar plana a casca de uma laranja, sem esticá-
la e rasgá-la em certos lugares, tampouco se pode construir uma carta ou um mapa sem se
deformar as características da superfície da Terra, como por exemplo: o tamanho relativo
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das regiões (equivalência), as formas das regiões (conformidade) e a proporcionalidade
entre as distâncias do mapa as distâncias contadas sobre a esfera (eqüidistância). A posição
da superfície de projeção com relação à esfera deve ser escolhida de maneira tal que as
deformações sejam mínimas para cada região considerada. Quando a superfície de
projeção está centrada no pólo ou é paralela ao plano equatorial, diz-se que a projeção é
polar, ou equatorial, ou direta. Se ela está centrada num ponto do equador ou é paralela a
um meridiano, ela é transversa ou meridiana. Se ela está centrada num ponto ou círculo
qualquer da esfera, ela é oblíqua. Ver figura seguinte.
(Fonte: JOLY, 1997)
Segundo Joly (1997) existem mais de duzentos tipos de soluções para o problema
das projeções, mas não há mais que trinta delas que sejam corretamente empregadas. As
mais utilizadas são as projeções semelhantes ou conformes, que respeitam a relação das
formas da superfície de projeção e a esfera e as projeções equivalentes, que conservam a
relação entre as superfícies.
Os principais sistemas de projeção são os seguintes:
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- As projeções azimutais, ou zenitais, num plano tangente ou secante em relação à esfera.
As mais utilizadas são: a projeção central, ou gnomônica, a partir de um ponto de vista
situado no centro da Terra; a projeção estereográfica, a partir de um ponto de vista nos
antípodas do ponto central e a projeção ortográfica, quando o ponto de vista se acha no
infinito.
(Fonte: BAKKER, 1965)
- As projeções cilíndricas, que consistem em projetar os meridianos e paralelos da Terra
num cilindro tangente. As mais utilizadas são a Projeção de Mercator, já comentada acima
(figura abaixo), e a projeção de Mercator transversa, que consiste em projetar o elipsóide
em uma esfera e em seguida no cilindro.
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- As projeções cônicas, que consistem em projetar a Terra num cone secante ou
tangente. As mais utilizadas são a projeção cônica perspectiva ou central, construída a
partir do centro da esfera e a projeção cônica de Lambert, já comentada acima.
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