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A RELAÇÃO ENTRE A HIPOTESE REPRESSIVA E INCITAÇÃO AO DISCURSO SOBRE O SEXO COMO TÉCNICAS DE PODER EM MICHEL FOUCAULT Introdução Atualmente, quando olhamos os acontecimentos passados, tanto no âmbito da prática como na teoria, para se entender um pouco sobre a questão da sexualidade humana sempre nos deparamos com as “descobertas” de Freud e suas descobertas e conclusões sobre a Psicanálise, onde o mesmo descobriu que há inconsciente no homem, uma das descobertas mais importantes para os estudos psicológicos da contemporaneidade. Não digo aqui que a novidade foi bem aceita pela comunidade cientistas e pela sociedade. A psicanálise é vista por muitos como o marco inicial nas pesquisas sobre a sexualidade humana e onde foram feitos os seus primeiros estudos, principalmente no que se refere à sexualidade da criança, onde está, segundo a psicanálise, a resposta para diversos surtos psicóticos, principalmente os que se apresentam nas mulheres. A repressão das expressões sexuais na infância seria o fator principal e iniciador desses problemas mentais. Michel Foucault (1926-1984) em seu livro História da sexualidade 1 - Vontade de Saber expõe de modo inovador a questão da sexualidade, utilizando-se de pesquisas histórica, com o objetivo de tentar mostrar outro tipo de verdade

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A RELAÇÃO ENTRE A HIPOTESE REPRESSIVA E INCITAÇÃO AO DISCURSO SOBRE O SEXO COMO TÉCNICAS DE PODER

EM MICHEL FOUCAULT

Introdução

Atualmente, quando olhamos os acontecimentos passados, tanto no âmbito da prática como na teoria, para se entender um pouco sobre a questão da sexualidade humana sempre nos deparamos com as “descobertas” de Freud e suas descobertas e conclusões sobre a Psicanálise, onde o mesmo descobriu que há inconsciente no homem, uma das descobertas mais importantes para os estudos psicológicos da contemporaneidade. Não digo aqui que a novidade foi bem aceita pela comunidade cientistas e pela sociedade. A psicanálise é vista por muitos como o marco inicial nas pesquisas sobre a sexualidade humana e onde foram feitos os seus primeiros estudos, principalmente no que se refere à sexualidade da criança, onde está, segundo a psicanálise, a resposta para diversos surtos psicóticos, principalmente os que se apresentam nas mulheres. A repressão das expressões sexuais na infância seria o fator principal e iniciador desses problemas mentais.

Michel Foucault (1926-1984) em seu livro História da sexualidade 1 - Vontade de Saber expõe de modo inovador a questão da sexualidade, utilizando-se de pesquisas histórica, com o objetivo de tentar mostrar outro tipo de verdade sobre  a questão do sexo, da repressão e de suas relações com o Poder. Se muitos dizem que a sexualidade infantil foi primeiramente analisada e descoberta por Freud, Foucault mostra que muito antes dele, várias instituições sociais, como a escola medicina e pedagogia, já sabiam da existência de uma sexualidade na infância. No entanto essas afirmações não estavam em nenhuma teoria sobre e nenhum manual científico. Ele as descobriu realizando uma análise de dados discursivos e não-discursivos i. Alem dessa afirmação sobre a sexualidade infantil, Michel Foucault mostra que a sexualidade como conhecemos hoje foi um termo criado com seus embriões acerca de três séculos atrás e não surgiu do nada, ela surgiu como elemento de uma estratégia onde fim era a domesticação dos homens, a sua docilização, a transformações de homens acríticos e passivos às novas mudanças que viriam a ocorrer com ascensão da nova sociedade que ditará

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as regras, a sociedade burguesa. Aqui é que entra o sentido de se falar em sexualidade, pois os discursos sobre o sexo retirado dos próprios seres humanos nas instituições de saber, onde a escola foi e ainda é uma das principais, pelas novas ciências será recolocado neles através de uma serie de meios, onde as medidas tomadas pelo Estado seriam o caminho que o Poder, através dessas medidas, chegaria aos homens e mulheres, efetivando assim o seu objetivo que era transformar os corpos em corpos dóceis.

A partir desses pressupostos o presente texto tem por objetivo expor algumas análises feitas no livro citado com algumas das principais conclusões ao qual Foucault chegou relativas às questões do saber, da sexualidade e do poder.

Sobre a repressão e a incitação aos discursos

Uma hipótese repressiva está exposta no livro, a hipótese de que durante os últimos três séculos houve uma intensa repressão sobre ao sexo. Será que ainda estamos vivendo num período vitoriano? Essa é uma pergunta inicial feita por Foucault se referindo ao Reinado da Rainha Vitoria (1819 – 1901) na Inglaterra, onde se tinham costumes rígidos e que não se podia falar e nem pensar em sexo. Essa pergunta nós coloca o seguinte questionamento: será que somos reprimidos? Hoje podemos falar de sexo com a nossa família abertamente e sobre todos os assuntos minuciosamente, ou ainda temos uma normatividade ao qual se deve seguir quando se fala dele? Questões que valem a pena serem pensadas quando se quer saber o que é, qual a função e qual a importância do sexo.

Foucault apresenta na obra aqui pesquisada que uma repressão ao sexo foi por muito tempo, e ainda é, a afirmação que sustenta a relação existente entre poder, saber e sexualidade. No entanto essa informação é considerada não para ser afirmada, mas para ser esclarecida e recolocada -a afirmativa da repressão- na sua analítica que busca esclarecer a relação existente entre o sexo, o saber e o poder. Através de vários relatos, fatos históricos, casos policiais, casos clínicos e literatura, através de documentos da igreja, da análise estrutural de prédios e, principalmente, de textos científicos, ele afirma que ao contrario dessa repressão, o sexo foi altamente incitado em várias instâncias da sociedade, onde se tornam objetos de analises ainda as ações praticadas pela igreja e o complexo sistema educacional.

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Qual a função dessa incitação? Saber. Como diria Francis Bacon “Saber é poder”. Essa frase do filosofo britânico se encaixa perfeitamente nas analises do Filósofo francês. Incitavam-se para saber mais, e todo esse saber adquirido através de determinadas instituições eram reintroduzidos na sociedade por diversas ciências através de discursos científicos e outros, como as novas estruturas arquitetônicas que, segundo Foucault, foram, e ainda são, de imensa utilidade na dominação e docilização dos corpos na nossa atual sociedade capitalista. Foucault traça uma linha de pensamento que relaciona o trabalho ao sexo. Este não seria apenas uma preocupação da moralidade religiosa, mas se insere numa conjuntura capitalista onde mão-de-obra é essencial, pois quanto mais eficiente e obediente o trabalhador for, mais eficiente será a produção, mais se terá também o lucro. Contudo não se deve pensar a analítica feita pelo filósofo francês como sendo uma análise das formas de sustentar a produção. Os estudos de Foucault sobre o poder perpassam uma multiplicidade der instancias que vão alem da economia. Trataremos de citar sobre isto mais a frente. Para ficar mais claro: não se pode perder tempo com algo tão perigoso.

Falta ainda se falar do papel da confissão nessa hipótese repressiva e na incitação aos discursos. Segundo Foucault a prática da confissão utilizada pela igreja católica foi à primeira técnica de motivação a se falar de sexo que existiu. Segundo suas analises ele diz que a igreja sabia muito bem qual a importância de se saber sobre o sexo quando se quer normatizar e fazer com as pessoas, no caso os fieis, seguissem regras precisas determinadas por ela. Ele observou que antes do Concílio de Trento (1545 a 1563) as práticas da confissão não eram guiadas pela discrição intensa de tudo que pudesse perpassar o sexo - desde o ato em si aos mais íntimos e ínfimos pensamentos-.

“Examinai, portanto, diligentemente, todas as faculdades de vossa alma, a memória, o entendimento, a vontade. Examinai, também com exatidão todos os vossos sentidos... examinai, ainda, todos os vossos pensamentos, todas as vossas palavras e todas as vossas ações. Examinai, mesmo, até vossos sonhos para saber se, acordados, não lhes terei dados o vosso consentimento... Enfim, não creiais que nessa matéria tão melindrosa e tão perigosa, exista qualquer coisa de pequeno e de leve.”ii

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O Concílio de Trento, que foi realizado no contexto da Contra reforma protestante, tinha a necessidade de formular estratégias que evitasse a saída dos fieis da igreja, e uma das grandes modificações ocorrida foi à evolução do sacramento da confissão. Ora, já sabemos que existe uma relação entre as instâncias de poder e de saber nessa nova sociedade, a confissão se tornou a técnica para obtenção desses saberes por excelência, que alem de conseguir efetivar seus objetivos (saber), não deixavam margens para a injunção. As novas ciências a utilizaram muito bem, mas havia algumas diferenças, que seriam os locais onde essas confissões aconteciam (do confessionário à escola, o consultório...) e o que seria feito com elas. Antes não havia uma documentação dos que era dito, mas com as novas ciências do século XVIII e XIX nada deixava de serem documentados, os discursos passaram a ser registrados. Vê-se aqui o caráter cientifico que toma o saber o saber o sexo.

Sobre a inversão hierárquica do Poder

Fica bem claro no livro História da Sexualidade: a vontade de saber que existem relações de poder presente em todos os lugares, e com isso, em todas as pessoas. Mas o que seria esse poder? Seria o poder do Estado? Para o filósofo o poder não é um sistema, atitude, força ou uma pessoa que o exerce de cima para baixo, como achamos que funciona o poder Estado. Ele é sim um feixe de micro-poderes que agem ao mesmo tempo e em todos os lugares. Os micro-poderes se constituem e se efetivam nos discursos obtidos do processo de confissão que várias ciências – demografia, biologia, medicina, psiquiatria, psicologia, moral, crítica política – obrigam ao homem a fazer.

Foucault explicita na citação seguinte que a forma de poder como é entendida no atual Estado Moderno Liberal– de cima para baixo- é apenas um elemento das relações de poder. No entanto, o que lhe dá conteúdo, ou melhor, o que o define são os micro-poderes, que repito, tem nos discursos seu principal meio de efetivação. Ele é somente a forma terminal do poder:

“A análise em termos de poder não deve postular, como dados iniciais, a soberania do estado, a forma da lei ou a unidade global de uma dominação: estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas terminais”. iii

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Ele afirma: o poder é onipresente:

“não porque tenha o privilégio de agrupar tudo sob sua invencível unidade, mas porque se produz a cada instante, em todos os pontos, ou melhor, em toda relação entre um ponto e outro.”iv

No capítulo Os dispositivos de sexualidade são apresentados algumas proposições acerca do poder para esclarecer esse assunto: “o poder se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis: as relações de poder não estão em posição de superestrutura (...) possuem, lá onde atuam um papel diretamente produtor; onde há poder há resistência e, no entanto esta nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder; não há poder que se exerça sem uma série de miras e objetivos. Mas isso não quer dizer que resulte da escolha ou da decisão de um sujeito”. O que existe são micro-poderes com relações desiguais e móveis: desiguais, pois a formulação de um determinado discurso pode ter um a utilização mais importante do que outro, ou pode ser desigual referente ao que escuta e o que escutado, os discursos mudam de acordo com a situação momentânea. Não é uma superestrutura porque ele tem um papel produtor na base das relações, na sua parte micro onde surgem os saberes, e não de um soberano que define tudo a ser feito e chega a todos, aliás, o poder do estado nunca chegará a todos os homens, já os micro-poderes sim. As resistências são como os poderes, estão em todos os lugares, mas a necessidade delas existirem é a de que elas “representam, nas relações de poder, o papel do adversário, de alvo, de apoio, de saliência que permite preensão”, tendo assim seu papel insubstituível, onde o poder quer chegar. “resistências são o outro termo nas relações de poder; (...) um interlocutor irredutível”. Sobre a inexistência de um sujeito como ponto aquele traça objetivo a todo o tramite do poder; Foucault afirma que contrario a esse sujeito existem estratégias sem estrategistas. Isso nós dá certa angústia por parecer uma afirmativa contraditória: uma estratégia sem sujeito.

“(...). A partir dos anos de 1825-1830, vemos aparecer localmente, e de forma que é realmente loquaz, estratégias bem definidas para fixar os operários das primeiras indústrias pesadas ao próprio local onde trabalham. Tratava-se de evitar a mobilidade do emprego. (...) pressiona-se para que as pessoas se casem, fornece-se alojamentos, constrói-se cidades operárias,

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pratica-se este sistema sutil de endividamento, de que Marx fala, que consiste em exigir pagamento do aluguel adiantado sendo que o salário só é pago no fim do mês. (...) Pouco a pouco se forma em torno disto um tipo de discurso, o da filantropia, o discurso da moralidade da classe operária. Depois, as experiências se generalizam, graças a uma rede de instituições, de sociedades que propões, conscientemente, programas de moralização da classe operária. Ai se vai enxertar o problema do trabalho feminino, da escolaridade das crianças e da relação entre eles. Entre a escolarização das crianças, que é uma medida central, tomada a nível parlamentar, e esta ou aquela forma de iniciativa totalmente local tomada a respeito, por exemplo, do alojamento dos operários, podem-se encontrar todos os tipos de apoio ( sindicatos patronais, câmaras de comércio, etc.) que inventam, modificam, reajustam, segundo as circunstancias do movimento e do lugar, a ponto de se obter uma estratégia global, coerente, racional. Entretanto, não é mais possível dizer quem a concebeu.v

Foucault inverte o nosso entendimento do que seja o poder: antes de cima para baixo e agora de baixo para cima. Também não só a respeito de que a base de todas as relações de poder está no micro, relacionado diretamente aos discursos (saber), e tendo, nesse livro especificamente, o sexo como objeto, mas de todos os elementos que estão no jogo do poder, como o resistente, a confissão, o micro, os sujeitos, o sexo, as ciências, as instituições e etc.

Conclusão

Michel Foucault nós proporciona uma analise do poder tendo como objeto a sexualidade. Desmistificando a tese de uma hipótese repressiva ele afirma e prova que ouve uma incitação para se falar sobre o sexo, e sobre o próprio sexo. O livro pesquisado e a coletânea de apoio, Microfísica do Poder, estão situados no período genealógico de sua obra, onde as analises das relações de poder e saber estão aprofundadas. O poder segundo Foucault não vem de dentro para fora, mas sim do modo inverso, onde a base das relações de poder, o inicio das disputas, os interesses, as pesquisas, as articulações principais se dão nos micro-poderes, e não numa superestrutura como o Estado, sendo que este é, para o autor, a última instância da ação dos micro-poderesvi. O Estado não alcança todos, mas os micro-poderes sim.

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i Michel Foucault em entrevistas presente no livro Microfísica do Poder intitulada “Sobre a História da sexualidade” (pág, 224) afirma que o Dispositivo é “um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo”. No presente texto não apresento análises sobre o que seja o dispositivo, mas a presente citação esclarece o que cito como discursivo e não-discursivo.ii Foucault, 2011. Pag. 25. iii Foucault, 2011. Pag. 102.iv Foucault, 2011. Pag. 103.v Foucault, 1993. Pag. 252.vi Para saber mais sobre o estado na analise Foucault indica-se a leitura do capitulo “O dispositivo de sexualidade” do Livro “História da sexualidade: a vontade de saber” e o artigo presente no livro Microfísica do Poder intitulada “Sobre a História da sexualidade”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. Vol. I: a vontade de saber. Trad.: Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Ghilhon Albuquerque. 21ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2011.

______________ Texto Sobre a História da sexualidade in Microfísica do poder. 11ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1993.