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A Reioniza¸ ao e as Primeiras Estrelas 1 A reioniza¸ ao Do Big-Bang at´ ea´ epoca da recombina¸ ao o universo est´ a ionizado. ´ E a era da radia¸ ao. Em z 1000, ocorre a recombina¸ ao e o universo se torna neutro. Em z 20 40 come¸ cam a se formar as primeiras estrelas (“popula¸ ao III”), e sua radia¸ ao come¸ ca a reionizar o universo. ´ E o fim da chamada Dark Age. Por volta de z 6 quase todo o g´ as do meio intergal´ actico (MIG) estar´ a ionizado. A reioniza¸ ao terminou. Um bom review sobre isso ´ e Fan et al. (2006). Suponha que a mat´ eria bariˆ onica seja constitu´ ıda apenas por um g´ as de H neutro. Uma estrela de popula¸ ao III ´ e criada e seus fotons ionizantes come¸ cam a ionizar o H. Eles formam uma bolha de H ionizado (isto ´ e, uma regi˜ ao HII) em torno da estrela que ´ e denominada esfera de Stromgren. No in´ ıcio da reioniza¸ ao tem-se uma esfera de Stromgren aqui, outra l´ a e, com o passar do tempo e com o surgimento de mais estrelas, essas esferas come¸ cam a se conectar, cada vez mais rapidamente (devido ao n´ umero crescente de estrelas e ao aumento da porosidade do MIG) at´ e que praticamente todo o g´ as fica ionizado: ocorre o que se chama de “percola¸ ao” dessas esferas. A ioniza¸ ao do meio intergal´ actico pode ser avaliada pelo grau de ioniza¸ ao do hidrogˆ enio: x n HII n H , onde n H e n HII ao a densidade, em n´ umero, do H (total) e ionizado. Hoje, em z = 0, o meio intergal´ actico est´ a praticamente 100% ionizado (1 x 10 5 ). As evidˆ encias atuais sobre os processos descritos acima provˆ em de duas fontes principais: o efeito Gunn-Peterson e a an´ alise da polariza¸ ao da radia¸ ao c´ osmica de fundo. A figura 1 ilustra a evolu¸ ao do universo, destacando a era das trevas e a reioniza¸ ao. H´a muitas simula¸ oes num´ ericas da ´ epoca da reioniza¸ ao. A figura 2 ilustra os resultados de Razoumov et al. (2002). 1.1 O efeito Gunn-Peterson Considere um quasar distante. A quantidade de H neutro entre n´ os e o quasar pode ser estimada examinando-se seu espectro. Por exemplo, o H neutro absorve f´otons Lyman-α (a se¸ ao de choque para isso ´ e alta!). Esses f´otons correspondem ` a transi¸ ao entre os n´ ıveis 1 e 2 do ´ atomo de H e tˆ em um comprimento de onda (num referencial em repouso na fonte) de λ Lyα = 1216 ˚ A. Devido ao redshift cosmol´ ogico, os f´otons doquasar ques˜ ao absorvidos vˆ em de comprimentos de onda menores que λ Lyα e, no referencial do observador, produzir˜ao uma absor¸ ao no lado azul da linha Lyman-α. Assim, nuvens de HI ao longo da linha de visada produzir˜ao absor¸ oes no espectro (efeito Gunn-Peterson, 1965). A figura 3 ilustra este efeito. A profundidade ´ optica dos f´otons Lyman-α ´ e τ GP = πe 2 m e c f Lyα λ Lyα H (z) 1 n HI (1) onde f Lyα ´ e a for¸ ca de oscilador dessa transi¸ ao, H (z) o fator de Hubble (a constante de Hubble no redshift z)e n HI a densidade de hidrogˆ enio neutro no MIG. Em altos redshifts e para um meio homogˆ eneo, τ GP 4.9 × 10 5 Ω m h 2 0.13 1/2 Ω b h 2 0.02 1+ z 7 3/2 n HI n H . (2) 1

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A Reionizacao e as Primeiras Estrelas

1 A reionizacao

Do Big-Bang ate a epoca da recombinacao o universo esta ionizado. E a era da radiacao. Emz ∼ 1000, ocorre a recombinacao e o universo se torna neutro. Em z ∼ 20 − 40 comecam a seformar as primeiras estrelas (“populacao III”), e sua radiacao comeca a reionizar o universo. Eo fim da chamada Dark Age. Por volta de z ∼ 6 quase todo o gas do meio intergalactico (MIG)estara ionizado. A reionizacao terminou. Um bom review sobre isso e Fan et al. (2006).

Suponha que a materia barionica seja constituıda apenas por um gas de H neutro. Umaestrela de populacao III e criada e seus fotons ionizantes comecam a ionizar o H. Eles formamuma bolha de H ionizado (isto e, uma regiao HII) em torno da estrela que e denominada esfera

de Stromgren. No inıcio da reionizacao tem-se uma esfera de Stromgren aqui, outra la e, como passar do tempo e com o surgimento de mais estrelas, essas esferas comecam a se conectar,cada vez mais rapidamente (devido ao numero crescente de estrelas e ao aumento da porosidadedo MIG) ate que praticamente todo o gas fica ionizado: ocorre o que se chama de “percolacao”dessas esferas.

A ionizacao do meio intergalactico pode ser avaliada pelo grau de ionizacao do hidrogenio:

x ≡nHII

nH,

onde nH e nHII sao a densidade, em numero, do H (total) e ionizado. Hoje, em z = 0, o meiointergalactico esta praticamente 100% ionizado (1 − x ∼ 10−5).

As evidencias atuais sobre os processos descritos acima provem de duas fontes principais: oefeito Gunn-Peterson e a analise da polarizacao da radiacao cosmica de fundo. A figura 1 ilustraa evolucao do universo, destacando a era das trevas e a reionizacao.

Ha muitas simulacoes numericas da epoca da reionizacao. A figura 2 ilustra os resultados deRazoumov et al. (2002).

1.1 O efeito Gunn-Peterson

Considere um quasar distante. A quantidade de H neutro entre nos e o quasar pode ser estimadaexaminando-se seu espectro. Por exemplo, o H neutro absorve fotons Lyman-α (a secao dechoque para isso e alta!). Esses fotons correspondem a transicao entre os nıveis 1 e 2 do atomode H e tem um comprimento de onda (num referencial em repouso na fonte) de λLyα = 1216 A.

Devido ao redshift cosmologico, os fotons do quasar que sao absorvidos vem de comprimentosde onda menores que λLyα e, no referencial do observador, produzirao uma absorcao no ladoazul da linha Lyman-α. Assim, nuvens de HI ao longo da linha de visada produzirao absorcoesno espectro (efeito Gunn-Peterson, 1965). A figura 3 ilustra este efeito.

A profundidade optica dos fotons Lyman-α e

τGP =πe2

mecfLyαλLyαH(z)−1nHI (1)

onde fLyα e a forca de oscilador dessa transicao, H(z) o fator de Hubble (a constante de Hubbleno redshift z) e nHI a densidade de hidrogenio neutro no MIG. Em altos redshifts e para ummeio homogeneo,

τGP ≃ 4.9 × 105

(

Ωmh2

0.13

)−1/2 (

Ωbh2

0.02

)

(

1 + z

7

)3/2 (nHI

nH

)

. (2)

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Figure 1: Historia do universo, com enfase na reionizacao.

Assim, e facil verificar que mesmo uma fracao de H neutro pequena, x ∼ 10−4, produz absorcaocompleta (τ >> 1).

A figura 4 mostra o espectro de um quasar em z=6.43. As unicas linhas que aparecem aesquerda de Lyman-α sao emitidas pelo proprio quasar. Note que, fora isso, praticamente todosos fotons com λ < λLyα sao absorvidos.

A figura 5 mostra a evolucao do fluxo transmitido por quasares com z entre 5.74 e 6.42.Para zabs

>∼ 6 absorcao completa e observada, indicando que este redshift pode marcar o final

da epoca da reionizacao. Verifica-se, tambem, para quasares em redshifts similares, bastantevariacao na absorcao, sugerindo que o MIG seria bastante irregular no final da reionizacao.

1.2 Esferas de Stromgren

Vamos considerar uma fonte ionizante envolvida por gas constituıdo apenas de H e com densidadenH . Os fotons ionizantes podem ionizar o meio em torno da fonte (fotoionizacao). Por outro lado,os protons livres podem capturar um eletron e formar um atomo de H neutro (recombinacao).

Vamos supor que a regiao em volta da fonte esta num equilıbrio de ionizacao: o numero defotoionizacoes por unidade de volume e igual ao numero de recombinacoes.

Vamos supor que a ionizacao e quase completa dentro de rS (ne = np ≃ nH) e praticamentenula para r > rS (ne = np ≃ 0). O raio rS e denominado raio de Stromgren e a esfera de raiorS de esfera de Stromgren. Entao, pode-se mostrar que (e.g., Osterbrock 1989)

Q(H0) =4π

3r3Sn2

HαB (3)

2

Figure 2: Simulacao da reionizacao por Razoumov et al. (2002).

Figure 3: Espectro de um quasar mostrando, a esquerda da linha Lyman-α, a “floresta” deLyman, produzida por nuvens ao longo de sua linha de visada.

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Figure 4: Espectro de um quasar em z=6.43.

onde Q(H0) e o numero de fotons ionizantes emitidos por segundo e αB e denominado coeficientede recombinacao do “caso B” (isto e, que considera apenas as recombinacoes para nıveis exci-tados do H, pois num meio opticamente espesso, as recombinacoes para o estado fundamentalproduziriam um foton ionizante que ionizariam um outro atomo).

A taxa de fotons ionizantes depende do espectro da fonte. Para uma uma estrela O6 desequencia principal com temperatura de 40000K tem-se que Q(H0) ≃ 5 × 1048 fotons s−1. Ocoeficiente de recombinacao, por sua vez, depende da composicao quımica e da temperaturaeletronica do meio e para um gas de H a T = 10000 K vale 2.6× 10−13 cm3 s−1 (este coeficientenao varia muito com a temperatura). Nesse caso, para uma densidade de H de 1 cm−3, tem-seque rS ≃ 54 pc.

A presenca de esferas de Stromgren em torno dos quasares mais distantes tem sido deduzidaa partir da diferenca entre o redshift do quasar e aquele onde comeca o efeito GP. Obtem-se,tipicamente, diametros de ∼ 5 Mpc em z > 6.

1.3 Efeitos na radiacao cosmica de fundo

A radiacao cosmica de fundo (RCF) tambem permite por vınculos sobre a reionizacao, pois umfoton da RCF detectado na Terra traz informacoes sobre as condicoes fısicas do universo aolongo de sua jornada desde z ∼ 1000.

Os principais vınculos vem da polarizacao da RCF. Os fotons da RCF interagem com oseletrons livres via espalhamento Thomson e a polarizacao so aparece se esses eletrons sao ilumina-dos por uma fonte de radiacao anisotropica. Tanto eletrons livres quanto iluminacao anisotropicaestavam presentes no final da reionizacao e esta epoca (denominada EoR, End of Reionization)produz o principal sinal de polarizacao na RCF, denominado de modo E (em contraste com omodo B). Assim, enquanto que o efeito GP e sensıvel ao HI, a polarizacao e sensıvel ao HII.

A polarizacao pelo modo E e produzida pelas mesmas perturbacoes que produzem anisotropiasde temperatura e tem um pico em escalas de ≃ 10 arcmin (correspondendo a multipolos no es-pectro de potencia com l ≃ 1000) e com uma amplitude de ∼ 10% das flutuacoes de temperaturaobservadas em grandes escalas angulares (> 10).

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Figure 5: Espectros de quasares em altos redshifts.

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Figure 6: Medidas do espectro de potencia do modo E da polarizacao em escalas maiores que1, ou l < 200. A linha solida corresponde a um modelo com τ = 0.09.

O efeito da polarizacao no espectro de potencias da RCF depende de τ =∫

neσT dl, aprofundidade optica para espalhamento Thomson. As observacoes do WMAP indicam queτ ≃ 0.10 (Spergel et al. 2007; ver figura 6).

Espera-se que o satelite Planck possibilite um grande avanco no estudo da polarizacao daRCF.

1.4 A radiacao de 21 cm

O estado fundamental do atomo de hidrogenio exibe uma transicao hiperfina devida aos doisestados de spin possıveis do eletron (para cima e para baixo), com comprimento de onda de 21cm (ou frequencia de 1420 Mhz). Em princıpio e possıvel se detectar esta transicao em nuvensde HI em altos redshifts e se determinar, entao, a distribuicao espacial dessas nuvens em funcaode z.

Espera-se que estudos da emissao de 21 cm do HI durante a reionizacao permitam obtermapas em 3D da distribuicao de HI durante essa epoca do universo. Por exemplo, o radio-telescopio LOFAR, o South Pole Telescope, o SKA e outros instrumentos similares permitiraoestudar com grande precisao os processos fısicos que reionizaram o universo e ajudar a responderalgumas questoes fundamentais como a) quando foi o EoR? b) a reionizacao foi abrupta ouextendida no tempo? c) homogenea ou irregular? d) como ela evoluiu?

2 Formacao das Primeiras Estrelas

As primeiras estrelas sao frequentemente chamadas de Populacao III. Quando elas se formaram?Como? Quais sao as massas tıpicas? Como morreram? As primeiras estrelas iniciam a reioni-

zacao.As primeiras estrelas se formaram de um modo diferente das atuais. Nao havia metais; os

campos magneticos provavelmente estavam ausentes ou eram muito fracos, e o resfriamento sose dava pelo H atomico e molecular (veja a figura 7). Um bom review sobre este tema e Loeb(2008; ver tambem Bromm & Larson 2004).

As primeiras estrelas se formaram quando o universo tinha uns 30 milhoes de anos, pelocolapso de nuvens em halos de materia escura. Esse colapso aquece o gas, cuja pressao aumenta

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Figure 7: Funcao de resfriamento de um gas com composicao primordial, composto por H e Heatomico e H molecular. A linha solida representa o gas atomico (os picos sao devido a excitacaocolisional do H e He) e a tracejada o H2. Supoe-se nH = 0.045 cm−3 e abundancia molecular0.1% do nH .

a ponto de poder impedir o colapso, ao menos em halos com massas menores que 105 M⊙.Apenas nuvens em halos mais massivos que isso podem colapsar e formar estrelas.

Como este gas nao contem metais (como o C, N, O), que sao muito importantes para oresfriamento das nuvens nas regioes de formacao estelar de nossa galaxia, ele praticamente naose fragmenta e o halo acaba formando uma unica estrela, muito massiva, ∼ 100 M⊙.

Embora estas estrelas sejam muito luminosas, vivem pouco, apenas 2-3 milhoes de anos, antesde explodir como SN ou colapsar como um buraco negro. Os restos destas estrelas se misturamao gas das vizinhancas e uma fracao de massa de C ou O menor que ∼ 10−3 ja permite que asnuvens se fragmentem ao colapsar, formando estrelas de baixa massa.

2.1 Simulacoes numericas

Abel, Bryan & Norman (2002) usam simulacoes hidrodinamicas para estudar a formacao dasprimeiras estrelas. As simulacoes sao feitas com a tecnica AMR: adaptive mesh refinement. Afaixa dinamica (razao entre o tamanho da regiao simulada e o menor elemento de resolucao ) eda ordem de 1010. O volume simulado tem 128 kpc (comovel) de lado e a resolucao em massa eda ordem de 1 M⊙ para a ME e ∼ 0.1 M⊙ para o gas.

Conforme os halos de materia escura crescem por fusoes, os barions se resfriam atravesde emissao em linhas ro-vibracionais do H2 e caem no poco de potencial do halo, formandoum analogo de uma nuvem molecular. Um core de ∼100 M⊙ comeca a colapsar. Nao hafragmentacao da nuvem. A proto-estrela captura materia rapidamente (∼ 10−2M⊙ ano−1). Naoe claro qual e a massa final da protoestrela, mas Abel et al. concluem que no maximo umaestrela massiva (M ≫ 1M⊙) sem metais se forma por halo protogalactico.

A primeira estrela se forma em z ∼ 20 num halo de 106 M⊙ (figura 8). O gas se resfria porperdas radiativas do H atomico e molecular. Para tratar a evolucao do gas, a simulacao seguea quımica das 9 especies dominantes: H, H+, H−, e−, He, He+, He2+, H2, H+

2 .

7

Figure 8: Zoom da regiao de formacao da “primeira estrela” segundo Abel et al. Do alto aesquerda e em sentido horario: 6 kpc, 600 pc, 60 pc, 6pc, 0.6 pc, 10000 AU (Abel et al. 2002).

O resultado fundamental de Abel et al. (2002) e que as primeiras estrelas formam-se emhalos de ∼ 105M⊙, que um halo desses nao se fragmenta, e que produz apenas uma estrelamassiva.

As simulacoes de Bromm (2005) investigam como e quando aconteceu a transicao entre aformacao das primeiras estrelas, muito massivas, para uma IMF normal, com prevalencia deestrelas de baixa massa. As simulacoes indicam que existe uma metalicidade crıtica, Zcrit ∼

10−6−10−3Z⊙, tal que acima dela o resfriamento devido ao C e ao O permite que a nuvem fique

instavel e se fragmente, mudando o padrao de formacao estelar.Qual e o destino dessas estrelas primordiais muito massivas? Uma teoria e que as estrelas

de primeira geracao com massas entre 140 e 260 M⊙ explodem como SNs com energia cinetica∼ 1053 erg. As estrelas supermassivas com massas menores que 140 M⊙ se transformariam emBNs.

Ha evidencias de que ao menos algumas dessas supernovas estejam associadas aos surtos deraios gama (GRB, γ-ray bursts). Ja no modelo do collapsar, e o colapso do nucleo de uma estrelamassiva que perde sua envoltoria de H e colapsa num BN o responsavel pela emissao do GRB.

A figura 9 ilustra a evolucao da taxa de acrescao e da massa protoestelar em alguns modelos.

3 A formacao de protogalaxias

Reviews importantes sobre o tema das primeiras estrelas e galaxias incluem Barkana & Loeb(2001), Bromm & Larson (2004), Ciardi & Ferrara (2004) e Loeb (2008).

3.1 O resfriamento e a quımica primordial

Para uma protogalaxia se formar, e necessario saber se os barions que caem nos halos podemformar estrelas. Ou, em outros termos, se o gas pode se resfriar. Para isso vamos comparar o

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Figure 9: Topo: Taxa de acrescao em funcao do tempo prevista por varios modelos de pro-toestrelas (Glover, astro-ph/0409737). Embaixo: Massas protoestelares produzidas por essastaxas de acrescao.

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tempo de resfriamento,

tcool =1

γ − 1

nkT

Λ(T )

o tempo dinamico,tdyn ∼ (Gρ)−1/2

e o tempo de Hubble,

tH =1

H(z)

Se tcool > tdyn, o gas fica suportado pela pressao e depois vai-se contraindo quasi-estaticamente.Se tdyn > tcool, o gas nunca fica suportado pela pressao: ele colapsa, caindo em queda livre (ouquase).

As primeiras protogalaxias terao temperaturas T ∼ 100− 1000 K e, nesse intervalo, o resfri-amento depende principalmente do H2, a mais abundante molecula primordial.

A quımica que regula a formacao do H2 e muito complexa. Reacoes como

H + H −→ H2 + γ

sao fortemente proibidas, a menos que um dos atomos de H esteja num estado excitado. Asreacoes mais importantes sao do tipo

H + e− −→ H− + γ

H− + H −→ H2 + e−

eH + H+

−→ H+2 + γ

H+2 + H −→ H2 + H+

Em ambos os casos, a taxa de formacao do H2 e diretamente proporcional a fracao de gasionizado, desde que esta seja pequena. De fato, apos a recombinacao o gas fica com uma fracaode ionizacao ∼ 2 × 10−4 pois o tempo que o meio intergalactico leva para ficar em equilıbrio emaior que o tempo de Hubble.

Um modelo semi-analıtico para a evolucao das primeiras protogalaxias foi proposto porTegmark et al. (1997). Eles obtem que apenas aquelas protogalaxias com Tv > 1000 K irao seresfriar; as protogalaxias menores, com Tv menor, vao se manter como nuvens sustentadas pelapressao e nao vao formar estrelas. Aqui Tv e a temperatura do virial, definida como

Tv =GMµmH

2kBR

onde M e R sao a massa e o raio da protogalaxia.Normalmente o problema da formacao de galaxias e tratado via simulacoes numericas, seja

usando SPH (dentro, por exemplo, do codigo gadget) ou codigos eulerianos multi-grid (comoEnzo). Os resultados mostram diversas estruturas em uma protogalaxia, em particular (de forapara dentro):

• a regiao de infall cosmologico, que termina em um choque de acrescao

• uma regiao pos-choque extensa, onde o aquecimento por compressao adiabatica competecom o resfriamento pelo H2 e onde tcool > tdyn

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Figure 10: Mınima massa necessaria para o colapso (Tegmarg et al 1997). Somente objetos cujosparametros estao acima da area sombreada podem colapsar e formar protogalaxias brilhantes.As linhas tracejadas correspondem a Tv igual a 104 e a 105 K. A area escura e a regiao onde naoha nenhum mecanismo de resfriamento que pode ajudar no colapso. A linha solida correspondea protogalaxias de ∼ 105M⊙ se formando em z = 30.

• um core frio e denso, onde tcool < tdyn.

Todas essas analises indicam que, num cenario CDM, as primeiras protogalaxias se formamem z ∼ 30 − 40 com massas ∼ 104M⊙. Contudo, essas protogalaxias terao pouco H2 e naoconseguirao se resfriar e formar estrelas. As primeiras protogalaxias com formacao estelar vaocolapsar em z <

∼ 30 com massas ∼ 105− 106 M⊙ e Tv ∼ 1000 K (ver figura 10).

Note que se a ME nao for estritamente CDM esses numeros mudam. Por exemplo, sea abundancia de ME morna for significante, as primeiras protogalaxias serao mais massivas,∼ 107M⊙, e se formarao mais tarde, z ∼ 20 (Yoshida et al., 2003).

3.2 A fragmentacao

O que acontece com o gas depois que ele se resfria? Ele se fragmenta? Quantas estrelas saoformadas?

Para a fragmentacao acontecer, duas condicoes precisam ser satisfeitas. Primeiro: cadafragmento deve ser gravitacionalmente ligado. Segundo: regioes que comecam a colapsar devemterminar o colapso antes que a regiao onde estao embebidas (senao sao destruıdas antes docolapso terminar).

Hoyle (1953) propos o cenario da fragmentacao hierarquica. Considerando o balanco entregravidade e pressao, Hoyle argumentou que condensacoes dentro de uma protogalaxia devemcolapsar mais rapidamente que a protogalaxia como um todo. Como isso valeria para cadafragmento individualmente, o gas da protogalaxia iria se fragmentando em escalas cada vezmenores ate que as forcas de pressao interviessem novamente para impedir novas fragmentacoes.Uma importante previsao desse cenario e que os menores fragmentos terao tamanhos da ordemdo comprimento de Jeans e massas da ordem da massa de Jeans, pois sao nessas escalas que apressao contrabalanca a gravidade.

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Um argumento contra este cenario foi apresentado por Layzer (1963). Segundo Layzer,conforme o gas se fragmenta, os fragmentos individuais tendem a adquirir momento angular,devido aos torques dos vizinhos e, se esse momento angular e conservado, a rotacao do fragmentovai estabiliza-lo (formando um disco em rotacao ) e impedir sua fragmentacao posterior.

As simulacoes numericas com gas primordial indicam que ha apenas 1 episodio de frag-mentacao, sem subfragmentacoes posteriores, com a massa dos fragmentos na casa das centenasde M⊙. Nao e claro, contudo, se esses fragmentos evoluem para formar uma unica protoestrelaou se, por instabilidade no disco, se fragmenta formando um sistema binario ou multiplo.

3.3 A simulacao de Greif et al. (2008)

Recentemente Greif et al. (2008) apresentaram um estudo numerico sobre a formacao dasprimeiras galaxias. Vamos resumı-lo aqui.

Na cosmologia CDM as primeiras estrelas- a populacao III- formam-se em halos com massado virial ∼ 106 M⊙ em z ∼ 20. O principal agente de resfriamento, o hidrogenio molecular, levaa que as primeiras estrelas formadas sejam muito massivas, >

∼ 100M⊙. Mas tem sido proposto,tambem, a formacao de primeiras estrelas em regioes moleculares de HD (que pode se formarpela mesma cadeia de reacoes que leva a formacao do H2, mas com a participacao do deuterio)com massas >

∼ 10M⊙- denominadas populacao III.2 (ou populacao II.5).Devido a sua composicao quımica primordial, as primeiras estrelas tinham um raio menor

que o de estrelas de mesma massa hoje e sua temperatura fotosferica seria de 105 K. Os fotonsionizantes emitidos pela estrela destruiriam as nuvens moleculares em volta e uma regiao HIIse formaria. Uma fracao dessas estrelas explodiria como supernova (SN), enriquecendo quimi-camente o meio.

As primeiras galaxias se formariam em z ∼ 10 quando halos de ∼ 5 × 107 M⊙ se formamno cenario hierarquico. Estes halos podem reter o gas fotoionizado e, portanto, permitir, pelaprimeira vez, uma formacao estelar auto-regulada em um meio interestelar com varias fases (gasquente ionizado, gas frio molecular,...).

A natureza das primeiras estrelas de segunda geracao vai depender da funcao de massainicial (IMF) e da intensidade do feedback da populacao III sobre o gas (via radiacao e SNs).Simulacoes recentes sugerem que uma unica SN pode enriquecer o halo com uma metalicidadebem maior que a requerida para uma formacao estelar normal. Mas se o feedback for muitoforte, somente halos mais massivos poderiam reter este gas enriquecido.

A simulacao de Greif et al. nao considera o feedback, de modo que os resultados dependemapenas da quımica, resfriamento e turbulencia do meio interestelar. No comeco da acrescao ogas fica quente, sendo aquecido por choques e virializado. Mas logo a seguir o gas se resfria naforma de filamentos, alimentando o sub-halo central em altas velocidades e, em consequencia,produzindo turbulencia e misturando quimicamente o gas. Os autores propoem, entao, que osurgimento da turbulencia e o que possibilita a formacao de estrelas de populacao II.

Um conjunto de filmes descrevendo esta simulacao esta disponıvel (ver Greif et al., 2008).

4 Formacao e evolucao dos buracos negros supermassivos

A principal hipotese para a origem da atividade observada em quasares e nucleos ativos degalaxias em geral e a acrescao de materia sobre um buraco negro supermassivo (BNSM; Lynden-Bell 1969). Como a densidade espacial de quasares luminosos e aproximadamente duas ordensde magnitude menor que a de galaxias brilhantes, durante muito tempo debateu-se se isso eradevido a que apenas uma fracao das galaxias abrigava um nucleo ativo ou se todas as galaxias

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abrigariam um quasar por pouco tempo. Na verdade, verifica-se que o nucleo de diversas galaxiasproximas abriga um BN massivo e imagina-se que isso ocorra em todas as galaxias brilhantes.

Argumentos a favor da existencia de BNSMs em galaxias proximas sao apresentados porKormendy & Richstone (1995). A propria Via Lactea parece abrigar um BN central de massa∼ 2 × 106M⊙.

As massas dos BNSMs se correlacionam com varias propriedades das galaxias, como sualuminosidade (Kormendy & Richstone, 1995), massa do bojo (Magorrian et al., 1998) e dispersaode velocidades (Ferrarese & Merritt, 2000; Gebhardt et al., 2000). Por exemplo,

M• ≃ 1.2 × 108

(

σe

200 km s−1

)3.75

M⊙

(Gebhardt et al., 2000) onde σe e a dispersao de velocidades media dentro do raio efetivo dagalaxia. As figuras 11, 12 e 13 ilustram essas relacoes.

Este tipo de relacao aparece quando o crescimento do BN e auto-regulado: tao logo o BNacreta algum material e cresce em massa, a radiacao e momentum produzidos sao tao grandesque interrompem a acrescao. Nesse caso se espera que M• se correlacione com a profundidadedo poco de potencial, caracterizado pela dispersao de velocidades σ.

4.1 Kauffmann & Haehnelt (2000)

Um dos mais intrigantes aspectos da evolucao dos quasares e sua forte dependencia com oredshift, com um pico em z ∼ 2. Kauffmann & Haehnelt (2000) explicam isso usando ummodelo semi-analıtico que inclui as seguintes hipoteses:

• os BNs se formam e crescem principalmente durante as ’grandes fusoes’ (major mergers;onde a razao entre a massa menor e maior dos halos em fusao e > 0.3)

• os BNs de cada halo coalescem instantaneamente apos a fusao e capturam uma fracao dogas disponıvel, numa escala de tempo de alguns 107 anos

• a eficiencia no consumo de gas depende de z

O decrescimo no numero de quasares e entao explicado por 3 razoes:

• um decrescimo na taxa de fusoes

• um decrecimo na quantidade de gas frio disponıvel para alimentar os BNs

• um aumento na escala de tempo de acrescao de gas

A figura 14 mostra a evolucao da funcao de massa dos BNs nesse modelo. A figura 15mostra a mesma coisa mas com o GALFORM, que e o nome do modelo semi-analıtico do grupode Durham (Malbon et al., 2007). Compare os resultados.

4.2 Volonteri et al. (2003)

O trabalho de Volonteri, Haardt e Madau (2003) apresenta outro modelo semianalıtico paraestudar a formacao e evolucao dos BNSMs.

A ideia basica e se ter BNs “semente”. Preve-se que as estrelas de primeira geracao commassas entre 140 e 260 M⊙ explodam como SNs com energia cinetica ∼ 1053 erg. Halos pequenoscom essas SNs seriam totalmente destruıdos e o material enriquecido por metais retornaria ao

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Figure 11: Relacao entre a massa do BN e a luminosidade da galaxia, para uma amostra degalaxias proximas (Kormendy & Richstone, 1995).

Figure 12: Relacao entre a massa do BN e a massa do bojo (Magorrian et al. 1998).

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Figure 13: Relacao entre a massa do BN e a dispersao de velocidades (Ferrarese & Merrit, 2000).

Figure 14: Evolucao da funcao de massa dos BNs. Para log N = −6, da direita para a esquerdatemos z= 0, 0.5, 1, 2, 3.1 3.8.

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Figure 15: Evolucao da funcao de massa dos BNs nos modelos de Malbon et al. (2006). Paralog N = −6, da direita para a esquerda temos z= 0, 1, 2, 3, 4, e 6.

meio intergalactico, permitindo que a IMF da segunda geracao de estrelas fosse mais “normal”.As estrelas supermassivas com massas menores que 140 M⊙ se transformariam em BNs.

Neste modelo, esses BNs primordiais cresceriam tanto por acrescao de materia quanto porfusoes. O modelo preve que sistemas triplos de BNs nao seriam raros e, nesse caso, a evolucaodinamica preve que o BN mais leve e em geral ejetado da galaxia. Assim, nesse modelo preve-seque exista uma populacao de BNs habitando os halos das galaxias. A massa total estimada naforma desses BNs viajantes esta entre 1 e 10% da massa do BNSM central.

4.3 Buracos negros na simulacao de Greif et al. (2008)

O cenario atual de formacao de galaxias envolve a co-evolucao com um BNSM que, nesta sim-ulacao, imagina-se ser originado do colapso de uma estrela super-massiva.

A figura 16 ilustra a evolucao da massa e da taxa de acrescao do BN central. A taxa deacrescao fica aproximadamente constante em ∼ 5 × 10−3 M⊙ ano−1, enquanto que a massacresce de 2 × 103 M⊙ para 106 M⊙ em 300 Manos.

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Figure 16: Evolucao da massa e da taxa de acrescao do BN central como funcao do redshift(Greif et al. 2008).

5 Exercıcios: lista 4

1. Pela analise da floresta de Lyman de um quasar, observa-se uma absorcao profunda em6500A. Qual e o redshift da nuvem responsavel por essa absorcao? Ele depende do redshiftdo quasar?

2. Suponha que uma estrela OV esteja desligada e e ligada de repente. Estime (ordem degrandeza) quanto tempo ela levara para ionizar a esfera de Stromgren.

3. Modele a taxa de acrescao em funcao do tempo usando a figura 9 (topo). Suponha que amassa da protoestrela evolui como M⋆(t) =

∫ t0

M(t)dt. Quanto tempo levaria para formaruma estrela de 100 M⊙?

4. O quasar mais distante conhecido, em z = 6.4, parece conter um BNSM com M ∼ 3 ×

109 M⊙. Supondo que esse quasar se formou em zf = 10 e cresceu por acrescao de gas,estime sua taxa de acrescao media (massa solar por ano).

6 Referencias

Abel T., Bryan G.L, Norman M.L., 2002, Science, 295, 93Barkana R., Loeb A., 2001, ApJ, 539, 20Bromm V., Larson R.B., 2004, ARAA, 42, 79Bromm V., 2005, astro-ph/0509354Ciardi B., Ferrara A., 2004, astro-ph/0409018Fan X., Carilli C.L., Keating B., 2006, ARAA, 44, 415Ferrarese L., Merritt D., 2000, ApJ, 539, L9Gebhardt K., et al., 2000, ApJ, 539, L13

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Glover S., astro-ph/0409737Greif T.H., et al., 2008, arXiv:0803.2237Gunn J.E., Peterson B.A., 1965, ApJ, 142, 1633Kauffmann G., Haehnelt M., MNRAS, 311,576, 2000Kormendy J., Richstone D., 1995, ARAA, 33, 581Loeb A., 2008, arXiv:0804.2258Magorrian J., et al., 998, AJ, 115, 2285Malbon R.K., Baugh C.M., Frenk C.S., Lacey C.G., 2007, MNRAS, 382, 1394Osterbrock D.E., 1989, Astrophysics of Gaseous Nebulae and Active Galactic Nuclei, OxfordUniversity PressRazoumov A., et al., 2002, ApJ, 572, 695Tegmark M., et al., 1997, ApJ, 474, 1Volonteri M., Haardt F., Madau P., 2003, ApJ, 582, 559Yoshida N., et al., 2003, ApJ, 591, L1

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