a região cacaueira da bahia - uma abordagem fenomenológica
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
POSGRAP Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa NPGEO Ncleo de Ps-Graduao em Geografia
LURDES BERTOL ROCHA
A REGIO CACAUEIRA DA BAHIA - UMA ABORDAGEM FENOMENOLGICA
ARACAJU SERGIPE 2006
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LURDES BERTOL ROCHA
A REGIO CACAUEIRA DA BAHIA - UMA ABORDAGEM FENOMENOLGICA
Tese apresentada para obteno do ttulo de Doutora em Geografia, Universidade Federal de Sergipe
rea de concentrao: Organizao e dinmica dos espaos agrrio e regional Orientadora: Prof. Dra. Barbara-Christine Nentwig Silva
ARACAJU SERGIPE 2006
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R672 Rocha, Lurdes Bertol. A regio cacaueira da Bahia: uma abordagem fenomenolgica / Lurdes Bertol Rocha. Aracaju, SE: UFS/POSGRAD, 2006. xvi, 290f. : il. Orientadora: Barbara-Christine N. Silva. Tese (Doutorado) Universidade Federal de Sergipe. Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pes- quisa. Inclui bibliografia. 1. Cacaueira, Regio (BA). 2. Fenomenologia. 3. Vassoura-de-bruxa (Fitopatologia). 4. Cacau. I. Ttulo. CDD 918.142
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LURDES BERTOL ROCHA
A REGIO CACAUEIRA DA BAHIA UMA ABORDAGEM FENOMENOLGICA
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________ Prof. Dr. Barbara-Christine Nentwig Silva
Orientadora
_____________________________________________________________ Prof. Dr. Maria Augusta Mundim Vargas
Examinadora
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Natanael Reis Bomfim Examinador
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Antnio ngelo Martins da Fonseca Examinador
_____________________________________________________________ Prof. Dr. Vera Lcia Alves Frana
Exainadora
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DEDICATRIA
Ao Deus de meu corao e de minha compreenso, que pela Sabedoria Eterna, decretou minha estada na Terra no presente Espao-Tempo a fim de que eu aprendesse que o Bem o caminho que me ordenou que percorresse, dedico esta tese. Por isso, com meus irmos nesta caminhada, acredito que, assim como os ramos da rvore devolvem a seiva raiz de onde ela proveio; como o rio derrama sua corrente no mar de onde proveio sua fonte, assim o corao do homem agradecido se deleita em retribuir o benefcio recebido. minha famlia: Rocha, companheiro de todas as horas; meus filhos Gianpaolo e Gianizeli; meus netos Gabriela e Gianluca e quem mais vier.
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AGRADECIMENTOS
Agradecer faz parte do vocabulrio e da atitude de quem percebeu que sempre precisa de algo ou de algum para levar avante suas tarefas, das mais simples s mais complexas. Enumerar a tudo e a todos que, num trabalho acadmico contriburam, algo assaz difcil. Mencionar alguns no significa que outros no estiveram presentes nessa caminhada. A todos, os registrados ou no, minha splica ao Deus de meu corao, a fim de que a Compreenso, a Humildade, a Paz, a Tolerncia, a Generosidade e a Justia sejam esteios de suas vidas. Assim, agradeo: UESC, por permitir minha liberao para que eu pudesse aprimorar minha contribuio
ao meio acadmico e, em especial, aos meus colegas do Colegiado de Geografia, pelo apoio.
FAPESB, pelo apoio financeiro. professora doutora Barbara-Christine Nentwig Silva, pela orientao firme e humana,
permitindo que eu caminhasse vontade, porm trazendo-me realidade quando meus devaneios comeavam a se tornar srios.
UFS e, em especial, ao NPGEO e sua equipe de coordenadores, professores, auxiliares tcnicos, administrativos e funcionrios em geral, por me terem acolhido durante esses quatro anos.
CEPLAC, por ter colocado minha disposio seu acervo cientfico, artstico e cultural e, em especial, a Raimundo Moror, pela sua disponibilidade em explicar sobre o projeto piloto Fazendas de Chocolate sob sua coordenao.
Ao professor Sylvio Bandeira, pelo incentivo e sugestes. Aos meus colegas, pelo apoio amigo e companheirismo, em especial Ednice Fontes,
Silvana S, Luzia Neide Coriolano, Crisley Tatiana pelas horas de sufoco e lazer. minha famlia, pela compreenso de minhas ausncias, por entenderem minha sede de
sempre buscar mais e mais no campo intelectual. s pessoas que se dispuseram a responder questionrios, gravar entrevistas, desenhar, a
fim de demonstrar sua percepo a respeito do cacau. Helena e sua famlia, meus irmos na Ordem Rosacruz, pelo carinho e apoio recebendo-
me como hspede em sua casa em Aracaju. A Antnio Fontes, pelas discusses sobre a cartografia regional. A Araori Coelho, pela exmia elaborao dos mapas. A Luiz Henrique Farias, pelo apoio na formatao esttica da tese. Basa e Aline, pelo trabalho de revisar este texto. Lcia que, zelosamente, cuidou de minha casa, principalmente no meu perodo
sergipano. A todos, enfim, que da melhor maneira possvel contriburam para a elaborao e
concluso desta tese de doutoramento em Geografia.
Poder agradecer uma ddiva, por isso no invejes teu benfeitor, nem te esforces por ocultar o benefcio que te prestou; pois, embora seja melhor dar que receber, embora a generosidade desperte admirao, a humildade da gratido toca o corao e agradvel tanto aos olhos de Deus como dos homens; esta j era uma mxima dos antigos sbios.
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APRESENTAO
O tema deste trabalho sobre o cacau como signo magno no Sul da Bahia, desenvolvido a partir da percepo regional, segue uma linha histrica que vai desde sua introduo como importante produto agrcola para exportao, at seu ataque pelo fungo Crinipellis perniciosa, tambm conhecido por vassoura-de-bruxa, e as recentes tentativas de reestruturao regional.
Esta tese compe-se de sete captulos, nos quais so apresentados a fundamentao terico-metodolgica e o contedo temtico propriamente dito. O tema sobre o cacau como signo regional no foi esgotado. Contudo, procurou-se analisar e desvendar o mais possvel a forma como o cacau, na regio cacaueira da Bahia, percebido e compreendido e qual sua influncia na vida da sociedade regional.
No primeiro captulo, a Introduo, fez-se um panorama geral da regio cacaueira, os objetivos do trabalho, a forma como foi elaborado e as fontes que foram consultadas.
No segundo captulo, Geografia e Filosofia, foram apresentados os fundamentos filosficos que norteiam todo o trabalho, a importncia da Filosofia na cincia geogrfica e a trajetria desta ltima. De forma mais especfica so tratados os fundamentos da Fenomenologia, que a fundamentao terico-metodolgica da tese em questo.
Um panorama geral dos conceitos de regio, as mudanas e permanncias de seu significado ao longo da histria foram tratados no captulo trs. Aqui tambm se procurou desvendar as vrias divises regionais por que passou o Sul da Bahia, seu significado para os rgos oficiais e no meio popular.
O captulo quatro faz uma retrospectiva histrica das diversas lendas e mitos a respeito do cacau, alimento dos deuses, na terra dos homens. D conta de sua trilha em terras baianas, das crises pelas quais a lavoura tem atravessado desde seu incio, e as medidas tomadas, atravs da criao de rgos oficiais para fazer-lhes face.
A enfermidade mais grave que atacou as rvores dos frutos dourados, causando a maior crise at ento vivida pela cacauicultura sul-baiana, as vrias aes levadas a efeito para solucionar o problema constam do captulo cinco, no qual mostrada tambm a situao da regio cacaueira que, de exportadora do produto, tornou-se importadora.
No captulo seis, a percepo e a representao do cacau, tema central desta tese, desfila o significado do cacau com suas vrias formas e cores para os diversos segmentos da populao, e a influncia de suas vitrias e fracassos no cotidiano de cada um.
Os principais movimentos vividos pela regio cacaueira do Sul da Bahia, no sentido de tentar se reerguer, de reescrever sua histria, esto explicitados no captulo sete. Nele so apresentados o cacau orgnico, o cacau fino, o projeto Fazenda de Chocolate e outras aes e possveis alternativas que foram sendo implementadas para que uma reestruturao regional seja um fato concreto.
Dessa forma, a tese procura contribuir para um entendimento mais amplo da regio cacaueira da Bahia, seus temores, suas angstias, sua luta para continuar tendo o cacau como um produto importante de sua economia. Isto se explica por ter sido ele responsvel por toda uma trajetria regional de vida que iluminou e obscureceu os caminhos, criou riquezas, propiciou o desenvolvimento, inseriu a regio no cenrio mundial e, hoje, procura alcanar a luz no fim do tnel a fim de comear uma nova caminhada.
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A REGIO CACAUEIRA DA BAHIA - UMA ABORDAGEM FENOMENOLGICA
RESUMO
Este trabalho, que busca entender e explicar a Regio Cacaueira da Bahia, foi construdo sob um olhar fenomenolgico. Isto foi possvel a partir da contribuio das impresses manifestadas pelas diversas categorias de seus habitantes; da literatura regional; dos registros feitos pelos artistas em suas telas, poesias, trovas, canes, cordis; de fotografias e desenhos; de registros na literatura cientfica, jornais e meio eletrnico. A regio em estudo est impressa na alma de seus moradores como um lugar onde o cacau o personagem mais importante. Por conta dele, as pessoas enriqueceram, empobreceram, viveram crises cclicas em sua produo, comrcio interno, exportao. Dessas crises, a mais recente e de conseqncias profundas foi a infestao de seus cacauais pelo fungo Crinipellis perniciosa que causa a doena da Vassoura-de-Bruxa (VB). Este fato trouxe uma nova forma de sentir e viver a regio expressa na mobilizao para sair da monocultura, criando e adotando tecnologias modernas para tornar as lavouras de cacau mais produtivas, alm de lhes agregar valor, e na introduo de novas culturas e novas formas de trato com a natureza. O cacau, no Sul da Bahia, um elemento que permeia a vida de toda a regio, dando-lhe identidade, tornando-a nica no cenrio nacional, com seus personagens, costumes, literatura, arte, linguajar cotidiano, enfim, criando a civilizao do cacau. Palavras-chave: cacau; regio cacaueira da Bahia; vassoura-de-bruxa; percepo; Fenomenologia.
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THE COCOA REGION OF BAHIA - A FENOMENOLIGICAL APPROACH
ABSTRACT
This work that seek explain and understand the Cocoa Region of the South of Bahia, was made under a phenomenological sight, caught from the contribution of the impressions manifested by their several inhabitants categories, of the regional literature, of the registrations done by the artists in their screens, poetries, trovas, songs, lines, besides pictures and drawings, registrations in the scientific literature, newspapers and electronic way. This region is printed in their residents' soul as a place where the cocoa is the most important character. Bacause him the people enriched, impoverished, lived cyclical crisis in its production, internal trade, export. Among these crisis, the most recent and deep consequences was the infestation of the farmings by the Crinipellis perniciosa fungi that causes Witches Broom Disease (WBD). This fact brought a new way of feel and live the region, expressed in the mobilization to leave of the monoculture, creating and adopting new technologies to make cocoa plantations more productive, moreover, bring new forms of thoughts about the culture and way to treat the nature. The cocoa, in the South of Bahia, is the element that makes the living brightened in all region, giving to it identity, making it unique into the national stage with its own characters, customs, literature, quotidian language, creating the civilization of cocoa. Key-words: cocoa; cocoa region of Bahia; witches broom; perception; Phenomenology.
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LISTA DE QUADROS
1 Profissionais entrevistados em Itabuna, Ilhus e Camacan ligados ao cacau...........
22
2 Histria da Semitica................................................................................................
36
3 Tricotomias peirceanas do signo...............................................................................
39
4 Conceitos de cone, Indicador e Smbolo..................................................................
42
5 Escolas, tericos e os conceitos de regio na cincia geogrfica.............................
47
6 rgo responsvel pela diviso, denominao, critrios e nmero de municpios nas diversas divises regionais do Sul da Bahia - 1940-1974...................................
65
7 Cronologia do cacau - da Antigidade aos dias atuais.............................................
80
8 Ciclos do cacau no Sul da Bahia e caractersticas: 1746 1989...............................
91
9 Fases da trajetria da CEPLAC.................................................................................
98
10 Percalos da regio cacaueira a partir da dcada de 1930.........................................
99
11 Instituies, Programas e Aes criados em funo do cacau...................................
110
12 Doenas mais freqentes nos cacaueiros do Sul da Bahia........................................
118
13 Rede Genmica do Estado da Bahia: instituies e atribuies...............................
143
14 Indstrias moageiras de cacau instaladas no Distrito Industrial de Ilhus................
156
15 Vassoura-de-bruxa manchetes nos principais jornais regionais.............................
159
16 Trabalhos de pesquisa sobre cacau, crise e vassoura-de-bruxa.................................
164
17 Principais obras de Jorge Amado e Adonias Filho sobre a saga do cacau no Sul da Bahia..........................................................................................................................
185
18 Formas de relaes e sua visibilidade na Regio Cacaueira......................................
186
19 Significado do cacau transcrito das obras de Jorge Amado, Adonias Filho e Cyro de Mattos...................................................................................................................
196
20 Resumo da percepo de cinco fazendeiros entrevistados a respeito da vassoura-de-bruxa.....................................................................................................
208
21 Percepo de alguns produtores sobre a crise do cacau e a clonagem......................
211
22 Linguajar tradicional do dia-a-dia na lavoura cacaueira............................................
217
23 Solues apresentadas pelos atores sociais para a crise do cacau.............................
237
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ix
LISTA DE TABELAS
1 Regio Sul da Bahia: distribuio dos municpios, populao, rea de densidade por sub-rea 2006....................................................................................................
56
2 Cacauicultura na Bahia - rea safreira, nmero de fazendas, produo 1979, 1981/1982....
57 3 Estrutura fundiria da Microrregio Ilhus/Itabuna - 1980 e 1996............................
57
4 rea plantada com cacau: Brasil, Bahia, Mesorregio Sul Baiano e Microrregio Ilhus-Itabuna hectares/percentagem da rea cultivada - 1990-2004.....................
58
5 Quantidade da produo de cacau em amndoas: Brasil, Bahia, Mesorregio Sul Baiano e Microrregio Ilhus-Itabuna (em toneladas e percentagem da produo em relao s outras lavouras) - 1990-2004..............................................................
59
6 Valor da produo de cacau em amndoas: Brasil, Bahia, Mesorregio Sul Baiano e Microrregio Ilhus-Itabuna: 1990-2004................................................................
60
7 Municpios que fazem parte da regio cacaueira, segundo as pessoas envolvidas na pesquisa ................................................................................................................
68
8 Cidade mais importante da regio cacaueira segundo as pessoas envolvidas na pesquisa.....................................................................................................................
70
9 Produo Mundial de Chocolate 2003 (em mil toneladas).....................................
79
10 Implantao do cacau em algumas reas do Sul da Bahia.........................................
86
11 Produo de cacau em amndoas na Bahia - 1835 1935 (em dcadas)..................
88
12 Exportao anual de cacau em amndoas Bahia - 1927 1935 (toneladas)..........
88
13 Progresso da produo de cacau na Bahia - 1921-1935..........................................
130
14 Produo de cacau em amndoas no estado da Bahia - 1958-2004.........................
131
15 Produtividade do cacau - arrobas por hectare (@/ha): 1927-2005............................
133
16 Municpios da microrregio Ilhus-Itabuna que mais perderam populao e os que incharam aps a crise da vassoura-de-bruxa -1984-2004 (em quadrinios)......
136
17 Variao da populao rural e urbana dos municpios mais atingidos pelos efeitos da VB censo de 1980/2000....................................................................................
136
18 Evoluo da produo do cacau clonado na fazenda do senhor Joo Amorim 2001-2005.................................................................................................................
141
19 Receita do produtor de cacau - 2002-2006...............................................................
145
20 Produo e moagem brasileiras de cacau - 1990/91-2004/05..................................
150
21 Exportao de cacau da Bahia - 1893-1957.............................................................
151
22 Exportao brasileira de cacau em amndoas nos principais portos - 1993-2001...
151
23 Exportao brasileira de cacau em amndoas - volume das exportaes, preo mdio por tonelada, valor das exportaes -1983-2004...........................................
152
24 Mercado Interno Brasileiro de Cacau: Produo, Moagem, Importao, Supervit/Dficit 1990-2005................................................................................. 154
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25 Importao de cacau da Indonsia para a fbrica Barry Callebaut - 1996-2000......
155
26 Significado do cacau para os habitantes do Sul da Bahia ........................................
201
27 Vassoura-de-bruxa - o que , para fazendeiros e estudantes ....................................
204
28 Da perspectiva da agricultura, qual a melhor sada para o Sul da Bahia?................
213
29 Como vista a clonagem do cacau pelos envolvidos na pesquisa...........................
215
30 Repercusso da crise do cacau - comrcio, bancos, escritrios de advocacia..........
216
31 Devem ser cultivados outros produtos na regio cacaueira?....................................
216
32 Viabilidade do turismo na regio cacaueira.............................................................
268
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LISTA DE FIGURAS
1 Mesorregies da Bahia com destaque para a Mesorregio Sul Baiano..................... 52
2 Microrregio Ilhus-Itabuna na Mesorregio Sul Baiano......................................... 53
3 Polgono do Diagnstico........................................................................................... 64
4 Municpios da microrregio Ilhus-Itabuna.............................................................. 66
5 Municpios da Regio Cacaueira mais importantes, segundo as pessoas envolvidas na pesquisa.............................................................................................. 69
6 Cidades mais importantes da regio cacaueira, segundo os envolvidos na pesquisa..................................................................................................................... 71
7 Principais pases no consumo de chocolate per capita (kg/ano) 2003...................... 78
8 Logomarca da CEPLAC............................................................................................ 103
9 A CEPLAC rumo institucionalizao..................................................................... 107
10 Expanso da vassoura-de-bruxa na rea cacaueira da Bahia - 1989-1992................ 127
11 Evoluo da produo brasileira de cacau 1900/2005........................................... 134
12 Logomarca do Laboratrio de Biotecnologia do CEPEC......................................... 142
13 Processamento de cacau no Brasil ........................................................................... 149
14 O cacau depois da vassoura-de-bruxa: 1990-2005................................................... 157
15 Jupar - o plantador de cacau.................................................................................... 182
16 Futuro do cacau no Sul da Bahia, de acordo com produtores entrevistados............. 212
17 Cacau vida.............................................................................................................. 220
18 Cacau - a maior riqueza da nossa regio................................................................... 220
19 Cacau - fonte de renda e cultura................................................................................ 220
20 Cacau - o fruto de ouro.............................................................................................. 220
21 Cacau - fortuna ou runa?.......................................................................................... 221
22 Cacau - fonte de contradio..................................................................................... 221
23 Cacau - fonte de alegria, trabalho e morte................................................................. 221
24 Cacau - smbolo da Bahia.......................................................................................... 222
25 Vassoura-de-bruxa - fim do cacau?........................................................................... 223
26 Vassoura-de-bruxa - existe o mal?............................................................................ 223
27 Colheita com podo................................................................................................... 224
28 A quebra do cacau..................................................................................................... 224
29 Secagem natural na barcaa...................................................................................... 224
30 O transporte............................................................................................................... 224
31 O pisoteio.................................................................................................................. 225
32 O cacau - da roa ao comrcio.................................................................................. 225
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33 Plantio....................................................................................................................... 226
34 Colheita..................................................................................................................... 226
35 Pisoteio e ensacamento............................................................................................. 226
36 A recompensa........................................................................................................... 226
37 O fruto que veio dos cus - Theobroma cacao......................................................... 227
38 Transformao do cacau em bebida sagrada para uso dos sacerdotes...................... 228
39 A saga do cacau .............)......................................................................................... 229
40 Cacau - da lavoura para o porto................................................................................ 230
41 Cacau - planta-se a semente, colhe-se ouro.............................................................. 230
42 Do alimento dos deuses ao aroma dos deuses.......................................................... 231
43 Logomarca do Blog Cacau do Brasil........................................................................ 236
44 Burara, na arte de Walter Moreira............................................................................. 240
45 Logomarca da Cooperativa dos Produtores Orgnicos do Sul da Bahia................... 241
46 Drissa - jovem escrava numa plantao de cacau na Costa do Marfim as marcas falam por si................................................................................................................ 242
47 Logomarca da APCFE............................................................................................... 248
48 Volume de recursos pagos pelo consumidor mundial de chocolate.......................... 258
49 Diviso regional do turismo no Sul da Bahia............................................................ 265
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LISTA DE FOTOS 1 CEPEC - Centro de Pesquisa da CEPLAC................................................................ 104
2 A sociedade pede a institucionalizao da CEPLAC na 27 Semana do Fazendeiro, em Uruuca............................................................................................ 106
3 Vassoura-de-bruxa - ataque da doena nos galhos.................................................... 121
4 Vassoura-de-bruxa - efeito do ataque........................................................................ 121
5 Cacau sadio................................................................................................................ 121
6 Cacau com vassoura-de-bruxa .................................................................................. 121
7 Cacaueiro sem vassoura-de-bruxa............................................................................. 123
8 Protesto ao crime da vassoura em Itabuna............................................................... 128
9 Biofbrica de clones de cacau - vista geral - Banco do Pedro / Ilhus...................... 138
10 Biofbrica Banco do Pedro - fachada........................................................................ 138
11 Biofbrica de cacau - unidade de Arataca - Fazenda Jassy - UESC......................... 139
12 Biofbrica de cacau - formao de clones................................................................. 139
13 Biofbrica de cacau - jardim clonal........................................................................... 139
14 A Regio Cacaueira oferece cacau de ouro a Joo Paulo II...................................... 231
15 Cacau de cabruca....................................................................................................... 240
16 Assentamento Cascata -: exemplo de reforma agrria e agricultura orgnica........... 244
17 Cacau orgnico - produo sem prejudicar o meio ambiente.................................... 244
18 Associao dos Profissionais do Cacau Especial e Fino APCEF........................... 248
19 Cacau fino seleo dos frutos................................................................................. 249
20 Cacau fino cuidados com o cocho.......................................................................... 249
21 Manejo do cacau fino................................................................................................ 250
22 Manejo tradicional do cacau...................................................................................... 250
23 Lester Brown leva chocolate da CABRUCA para o mundo..................................... 255
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
APCFE Associao dos Produtores de Cacau Fino e Especial
APL Associao dos Produtores Locais
CCCB Comisso de Comrcio de Cacau do Brasil
CENEX Centro de Extenso
CEPEC Centro de Pesquisa do Cacau
CEPLAC Comisso Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira
CNPC Central Nacional dos Produtores de Cacau
COOPERCACAU Cooperativa Central dos Produtores de Cacau
EMARC Escola Mdia Agropecuria da Regio Cacaueira
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
IBD Instituto Biodinmico
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICB Instituto de Cacau da Bahia
IESB Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia
ILHEUSTUR Empresa Ilheense de Turismo
MDL Mecanismos de Desenvolvimento Limpo
NPGEO Ncleo de Ps-Graduao de Geografia (UFS)
POSGRAP Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa
SEAGRI Secretaria de Agricultura
SEPLANTEC Secretaria de Planejamento, Cincia e Tecnologia
SRI Sindicato Rural de Ilhus
UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana
UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Vitria da Conquista
UESC Universidade Estadual de Santa Cruz Ilhus
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFS Universidade Federal de Sergipe
UMA Universidade da Mata Atlntica
UNICAMP Universidade de Campinas
VB Vassoura-de-bruxa
WCF World Cocoa Foudantion
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SUMRIO
LISTA DE QUADROS..................................................................................................... viiiLISTA DE TABELAS...................................................................................................... ixLISTA DE FIGURAS....................................................................................................... xiLISTA DE FOTOS........................................................................................................... xiiiLISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS.......................................................................
xiv
Resumo................................................................................................................ vi
Abstract............................................................................................................... vii
1. INTRODUO.................................................................................................. 17
1.1 Objetivos.............................................................................................................. 20
1.2 Metodologia do trabalho...................................................................................... 21
2. GEOGRAFIA E FILOSOFIA.......................................................................... 25
2.1 A Filosofia na interpretao dos Fenmenos Geogrficos.................................. 26
2.2 A Fenomenologia e a Semitica - o Humanismo na Interpretao do Espao Geogrfico........................................................................................................... 30
2.3 Cacau - Signo - cone, ndice, Smbolo.............................................................. 40
3. REGIO - CONCEITOS, MUDANAS E SIGNIFICADOS...................... 45
3.1 Mudanas e Significados..................................................................................... 45
3.2 Regio Sul da Bahia e Regio Cacaueira............................................................ 51
3.2.1 Regio Sul da Bahia - Baixo Sul, Cacaueira, Extremo Sul................................. 51
3.2.2 Regio Cacaueira - Conceito............................................................................... 60
3.2.3 A Regio Cacaueira como lugar de vivncia....................................................... 67
4. MANJAR DIVINO NA TERRA DOS HOMENS THEOBROMA CACAO................................................................................................................ 73
4.1 Trilhas e Cronologia............................................................................................. 74
4.1.1 Cacau, alimento dos Deuses - Lendas de sua origem........................................... 74
4.1.2 Cacau e Chocolate - Saga entre os Homens......................................................... 76
4.1.3 O Cacau em Terras Baianas................................................................................. 81
4.2 As crises cclicas da Cacauicultura Baiana e a procura de solues.................... 92
4.2.1 Instituto de Cacau da Bahia ICB....................................................................... 94
4.2.2 Comisso Executiva para o Plano da Lavoura Cacaueira CEPLAC................. 96
4.2.3 Central Nacional dos Produtores de Cacau - CNPC............................................ 114
5. VASSOURA-DE-BRUXA - CRINIPELLIS PERNICIOSA NO SUL DA BAHIA - INCIO DE UMA NOVA ERA?...................................................... 116
5.1 Crinipellis Perniciosa Cognome, Vassoura-de-bruxa...................................... 117
5.2 Difuso da Vassoura-de-bruxa............................................................................. 119
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5.3 Queda na produo.............................................................................................. 130
5.4 Medidas de combate............................................................................................ 137
5.4.1 Clonagem Vegetal............................................................................................... 137
5.4.2 Projeto Genoma................................................................................................... 142
5.5 O Sul da Bahia aps a Vassoura-de-bruxa De Regio Exportadora a Importadora de Cacau...................................................................................... 148
5.6 A Vassoura-de-bruxa nos Jornais Locais e nas pesquisas acadmicas............... 158
6. O CACAU PERCEPO E REPRESENTAO..................................... 167
6.1 Cacau - Um Signo impresso na alma Sul-Baiana................................................ 168
6.2 Os Pioneiros......................................................................................................... 169
6.3 Personagens do passado presentes no Imaginrio Regional................................ 172
6.3.1 Desbravador......................................................................................................... 172
6.3.2 Coronel................................................................................................................ 175
6.3.3 Jaguno................................................................................................................ 178
6.3.4 Caxixeiro, Contratista, Alugado.......................................................................... 180
6.3.5 Jupar................................................................................................................... 181
6.4 O Cacau na Literatura Regional.......................................................................... 182
6.5 O Cacau na Percepo dos habitantes da Regio Cacaueira............................... 1996.5.1 Manifestaes Verbais........................................................................................ 200
6.5.1.1 Significado do Cacau para os diversos segmentos.............................................. 200
6.5.1.2 Vassoura-de-bruxa............................................................................................... 203
6.5.1.3 Clonagem............................................................................................................. 210
6.5.1.4 Repercusso no Comrcio e possibilidade de introduo de outras culturas...... 216
6.5.1.5 Linguajar tradicional na labuta com o Cacau Significados.............................. 217
6.5.2 Manifestaes pelas Artes................................................................................... 219
7. RUDOS DE REESTRUTURAO REGIONAL........................................ 233
7.1 Em busca de novos Paradigmas.......................................................................... 234
7.2 Movimentos de renovao.................................................................................. 238
7.2.1 Cacau Orgnico.................................................................................................. 238
7.2.2 Cacau Fino.......................................................................................................... 246
7.2.3 Projeto Fazenda de Chocolate............................................................................ 254
7.2.4 Agroindstria...................................................................................................... 261
7.2.5 Turismo - Uma sada?......................................................................................... 262
8. CONCLUSO................................................................................................... 269
9. REFERNCIAS................................................................................................ 273
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17
1 INTRODUO
[...] a primeira imagem / de meus ps andando por si ss / e todos os meus/ olhos / se estirando / pelo verde dos cacauais abertos na mata / como um mar que desse frutos de ouro / e frutos de fome.
Valdelice Pinheiro
A existncia pessoal, ou seja, a conscincia do Eu e a compreenso de toda a realidade
se d atravs da percepo, sensao e inteleco. Pela percepo, percebe-se objetivamente
por meio dos sentidos receptores, os quais criam sensaes ou imagens na conscincia de
quem percebe, dando ao indivduo e ao ambiente certas formas particulares que so
identificadas pela percepo. A sensao, outra forma pela qual o mundo compreendido,
nem sempre est associada ao tato, como por exemplo, a raiva, a alegria, a depresso, no
entanto, podem ser to intensas e tm tanta realidade, no que tange a uma experincia pessoal,
como algum objeto que se veja ou um barulho que se oua. A inteleco, nesse processo de
compreender a realidade, o exerccio do intelecto e raciocnio. pelo raciocnio que as
experincias so organizadas, quer sejam enquadradas na percepo ou na sensao.
tambm pelo raciocnio que as experincias so avaliadas, preferindo-se umas s outras,
procurando meios para aumentar as preferidas e modos para evitar ou eliminar as no
desejveis. Assim, neste trabalho, a percepo que se tem da regio cacaueira o tema
central, mas passar pelo crivo da inteleco, a fim de que as concluses a que se chegar no
sejam unicamente as que se originaram na percepo ou na sensao, mas por sua organizao
atravs do intelecto e do raciocnio.
In hoc signo vinces. Assim como a cruz foi o sinal da vitria de Constantino, o cacau
se tornou o signo pelo qual almejavam se estabelecer no Sul da Bahia os forasteiros, os
aventureiros, os de boa-vontade, os que queriam enriquecer, os que pretendiam exercer o
poder. Todos que aqui aportavam atrados pela fama mtica do cacau viam-no como o smbolo
de sua redeno financeira, seu enriquecimento, seu poder sobre a terra na qual o cacau fosse
cultivado. Dos analfabetos aos mais letrados, a boa safra do cacau era o sinal de um perodo
de abundncia que lhes prometia dinheiro farto, viagens, festas, vida mansa. A histria da
construo desta regio se confunde com a histria da lavoura cacaueira, criando-se, assim,
uma identidade regional, fruto desta monocultura, implantada em meio Mata Atlntica.
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18
O cacau, objeto de estudo dessa pesquisa, apresentado como o principal signo da
formao, progresso, crises e reestruturao da regio cacaueira da Bahia, possui uma
ecologia vegetal exigente: gosta de umidade, tanto do ar quanto do solo; de intimidade com a
floresta, indispensvel para a criao de ambiente sombreado, necessrio para a vida saudvel
das roas e boa produo; de temperaturas mdias anuais entre 25C e 27C, no suportando
temperaturas inferiores a 15C; umidade relativa do ar, em mdia, a maior de 88% em junho e
a menor, 85%, em janeiro, para o perfeito crescimento dos frutos. A boa ou m safra depende,
em grande parte, dessas condies ideais, e por isso que, com ansiedade, o homem da zona
do cacau espera que do cu caiam as primeiras chuvas de vero. [...] de ver a alegria que de
uma hora para outra resplandece na fisionomia de todos quantos tm sua vida ligada ao
cacau (SANTOS, 1957, p. 19).
Com o estabelecimento e o desenvolvimento da lavoura cacaueira, a regio Sul da
Bahia, a partir do final do sculo XIX e incio do XX, passou a ser vista como um Eldorado.
Anualmente, milhares de pessoas chegavam de vrias partes do pas, principalmente de
Sergipe, atrados pela fama de riqueza atribuda rvore dos frutos de ouro.
Durante dcadas, generosamente, os cacauais produziram os frutos que trariam
riqueza, prosperidade, ganncia, morte, vida; geraram e sustentaram fazendas, vilas, cidades;
construram o porto de Ilhus, escolas, estradas, manses; propiciaram viagens, festas, orgias;
financiaram coronis, estudantes, banqueiros, polticos. Por conta do cacau, foram criados o
Instituto do Cacau da Bahia - ICB; a Comisso Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira -
CEPLAC com todos os seus rgos: Centro de Pesquisa do Cacau - CEPEC, Centro de
Extenso - CENEX, Escola Mdia de Agropecuria da Regio Cacaueira - EMARC; a hoje
Central Nacional dos Produtores de Cacau - CNPC, entre outros. O cacau trouxe a riqueza,
mas tambm a pobreza. Trouxe fartura, mas tambm escassez.
Os principais estados produtores de cacau do Brasil, Bahia, Amazonas, Par, Esprito
Santo, Rondnia e Mato Grosso, viveram e vivem altos e baixos na produo e exportao
deste produto agrcola. No caso especfico do Sul da Bahia, principal rea produtora do
Estado e do pas, a regio vivenciou uma fase de prosperidade sem precedentes, que se
estendeu da segunda metade da dcada de 1970 at meados da dcada de 1980, perodo aps o
qual emergiu numa situao de grandes dificuldades. Os reflexos da crise que se instalou de
forma mais aguda no incio dos anos 1990 decorrem de uma srie de fatores, tais como baixa
de preos do produto, poltica cambial e, em especial, uma doena que acometeu os cacauais
da regio, a vassoura-de-bruxa (Crinipellis perniciosa). Esses elementos, em conjunto, foram
responsveis pela origem de uma grave crise, cujos resultados, do ponto de vista social,
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19
econmico e ambiental, apresentam-se altamente danosos. Este fungo, verdadeira bruxa
montada em sua vassoura, veio disposto a varrer dos cacauais a inrcia, a inpcia, o
comodismo. As rvores centenrias estavam em seu limite de esgotamento, sinalizando para a
renovao. Contudo, a CEPLAC, principal guardi dos frutos de ouro, os agricultores, os
exportadores, no souberam ler os signos que apontavam para o iminente colapso da lavoura
cacaueira.
No incio de sua saga no Sul da Bahia, o cacau foi introduzido no litoral. Canavieiras
( poca fazendo parte do municpio de Ilhus) foi a primeira rea a cultiv-lo, em 1746,
porm, foi a atual rea do municpio de Ilhus que se constituiu como ponto focal da regio
cacaueira. Mais tarde, a cultura expandiu-se para o interior, numa corrida de disputa pelas
melhores terras. Dessa forma, diversas cidades surgiram em funo dessa cultura, desviando
sua ateno da cidade de Ilhus, que se constitua na capital do cacau.
Quando os primeiros sergipanos chegaram regio, no final do sculo XIX, para
cultivar o cacau, o que fizeram com persistncia, denodo, trabalho rduo, muito suor
derramado irrigando o cho, acreditaram que os cacaueiros por eles plantados produziriam
frutos para sempre, sem necessidade de renovao das plantas e adubagem do solo. Contudo,
para sempre muito tempo. Como tudo no universo, o que nasce, morre, renasce, numa
ciranda infinita.
A cultura desse produto, durante toda a sua histria, passou por fases de alta
produtividade, altos preos internacionais, mas tambm chegou ao fundo do poo, com crises
de baixa produtividade devido s intempries climticas, s pragas, de forma cclica. Na
atualidade, se medidas urgentes no forem tomadas, a decadncia dessa cultura poder ser um
fato consumado. O fausto que a regio conheceu est hoje mais na memria das pessoas, na
histria local, nos monumentos, nos prdios que serviram de casas comerciais do cacau, tanto
para exportao quanto para receber o produto como garantia de pagamento de dvidas, de
adiantamentos de dinheiro, por conta da prxima safra, que nem sempre seria boa (PINTO,
2002).
O cacau considerado um signo regional devido importncia que teve em todos os
momentos do desenvolvimento, das crises e da reestruturao da regio Sul da Bahia,
conhecida como regio cacaueira, hoje, microrregio Ilhus/Itabuna. Este signo funciona
como cone, ndice e smbolo, de acordo com a diviso estabelecida por Peirce, criador da
Semitica. Esta cincia, surgida no sculo XX, dedica-se ao estudo dos signos, isto , de tudo
aquilo que produzido e pode ser interpretado. a cincia que tem, como objeto, o estudo de
todo tipo de linguagem (verbal e no-verbal), conforme escreve Santaella (1983, p. 11):
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20
Existe uma linguagem verbal, linguagem de sons que veiculam conceitos e que se articulam no aparelho fonador [...] mas existe simultaneamente uma enorme variedade de outras linguagens que tambm se constituem em sistemas sociais e histricos de representao do mundo.
A mesma autora acrescenta ainda que o processo de alterao de sinais, quer dizer,
qualquer estmulo emitido pelos objetos do mundo processa-se pelo homem e atravs do
homem, em signos, os quais so produtos da conscincia. A linguagem dos signos a
linguagem que, na natureza, fala ao homem e sentido como linguagem [...] linguagem do
computador, das flores, dos ventos, dos rudos... (p. 13). E enfatiza, ainda, que (p. 53) tudo
signo, qualquer coisa que se produz na conscincia tem o carter de signo. Nos versos de
Cyro de Mattos (MATTOS, 2002, p. 39), o cacau se apresenta como signo sob roupagem
variada: Ouro, saga,/ suor, tocaia./ Cdigo, rito,/ legenda, pompa./ Licor dos deuses/ em
vegetal trama. O cacau foi a mola propulsora do desenvolvimento, das crises e da
reestruturao regional do Sul da Bahia, desde sua implantao, no sculo XVIII, impondo-se
sobre uma frgil economia canavieira e de subsistncia.
Com este panorama da situao passada e presente da regio cacaueira do Sul da
Bahia, e com o desenvolvimento do tema nos captulos que se seguiro, acredita-se justificar,
neste trabalho, a questo central de que o cacau, nesta regio, se constitui num signo do
desenvolvimento, crises e reestruturao regional. A hiptese, portanto, de que o cacau um
signo regional de grande expresso, por ter sido o produto agrcola mais importante do Sul da
Bahia a ponto de constituir, geogrfica e economicamente, em sua rea de atuao, uma
microrregio cacaueira.
1.1 OBJETIVOS
Os objetivos de uma pesquisa definem o que se quer alcanar, ou seja, determinam os
parmetros que nortearo o trabalho investigativo. No trabalho em tela, como objetivo geral,
pretende-se analisar e verificar a influncia do cacau como responsvel pelo desenvolvimento,
crises e reestruturao regional do Sul da Bahia, dando a ela uma identidade nica, a partir da
percepo do produto como signo nesses eventos por parte de alguns segmentos da sociedade,
da literatura, da mdia impressa, televisiva, eletrnica, entre outros. No que se refere aos
objetivos especficos, as principais metas desta pesquisa constituem-se em:
a) levantar o histrico da introduo e expanso da lavoura cacaueira no Sul da Bahia;
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21
b) avaliar a importncia do cacau para o desenvolvimento, crises e reestruturao
regional no Sul da Bahia a partir da percepo das pessoas dos vrios setores da
sociedade regional: fazendeiros de cacau, trabalhadores rurais, exportadores,
comerciantes, comercirios, gerentes de banco, moradores mais antigos e mais novos
do campo e da cidade dos municpios que serviro de amostra (Itabuna, Ilhus,
Canavieiras, Una, Camacan);
c) analisar o cacau como signo regional nas suas acepes de cone, ndice e smbolo,
garimpando as mais diversas fontes, tais como: bibliogrfica, emprica, cultural,
poltica, econmica, estatstica, cartogrfica, entre outras.
d) identificar o cacau como signo nas vrias formas de expresso cultural do Sul da
Bahia: msica, dana, festas, turismo rural/ecolgico, entre outros;
e) identificar o cacau como signo na literatura, mdia e imprensa regionais;
f) elaborar mapas sobre a regio cacaueira a partir da percepo das pessoas dos vrios
setores da sociedade regional.
1.2 METODOLOGIA DO TRABALHO
Para a elaborao deste trabalho, foram variadas as fontes consultadas, j que isto se
constitui numa exigncia do mtodo fenomenolgico. Aps a leitura intensiva da literatura
cientfica e regional, para a fundamentao e compilao da tese, outros instrumentos foram
utilizados, conforme relao a seguir:
1. Questionrios Pessoalmente, aplicamos 330 questionrios nas cidades de Itabuna,
Ilhus, Camacan, Canavieiras, Una, assim distribudos por categoria: 248 estudantes,
22 fazendeiros, 28 trabalhadores rurais, 12 advogados, 13 comerciantes, sete gerentes
de banco. A quantidade de pessoas envolvidas, tanto nas respostas dos questionrios
quanto nas entrevistas o resultado do que conseguimos apurar, devido s
dificuldades naturais na sua aplicao. As pessoas temem em se manifestar por escrito,
ou por gravao magntica, receosas de que suas opinies possam prejudic-las, seja
por dependerem da orientao da CEPLAC, por terem dvidas com os bancos, por
trabalharem em fazendas de cacau e temerem por seus efmeros empregos, entre
tantos outros motivos, reais ou imaginrios.
2. Entrevistas - Entrevistamos fazendeiros (10), trabalhadores e ex-trabalhadores de
fazendas de cacau (35), alm de 22 profissionais de diversas reas, ligados ao cacau de
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algum modo, conforme demonstrado no quadro 1: as entrevistas em Camacan,
constantes do quadro, foram aplicadas pelos professores do curso de Geografia da
Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC, Gilmar Alves Trindade, Maria Helena
Gramacho e Clarice Gonalves de Oliveira.
Quadro 1 - Profissionais entrevistados em Itabuna, Ilhus e Camacan, ligados ao cacau
Entrevistados Funo Davi Guimares Fisioterapeuta, administrador e cacauicultor. Raimundo C. Moror Coordenador do projeto Fazenda de Chocolate da CEPLAC. Cloido Guanaes Mineiro Coordenador de planejamento do CENEX - Centro de Extenso
da CEPLAC. Carlos Macedo Diretor geral da Biofbrica de Cacau, em Banco do Pedro,
distrito de Ilhus. Wellington D. da Costa Superintendente regional da CEPLAC. Edivaldo Costa Macedo Proprietrio da Exportadora de Cacau (hoje dedicado s ao
comrcio interno). Aderbal Souza Santos Funcionrio administrativo da CEPLAC. Clia da Paz Professora e pequena produtora. Edinaldo Ribeiro Bispo Gerente regional da CEPLAC para Camacan. Milton Castro Diretor da empresa de exportao de cacau Cargill Ltda. em
Camacan. Antnio Malta Secretrio de Agricultura e Comrcio de Camacan. Neiraldo Ferraz Gerente da Joanes Adm Cocoa em Camacan. Maria Joaquina (Dona Marita)
Fazendeira e proprietria da Fazenda Pousada Rainha do Sul (Camacan).
Bencio Boida Andrade Mdico, presidente do sindicato patronal e produtor rural em Camacan.
Dbora C. B. Santos Prefeita de Camacan em seu segundo mandato e produtora rural. Ubiratan Farias Costa Tesoureiro da CDL de Camacan. Ilse Tourinho Secretria de Educao do municpio de Camacan. Ismnio Roberto de Menezes Scher
Gerente do Banco do Nordeste Agncia de Camacan.
Marta Oliveira Gerente revendedora de produtos agrcolas. Edvan Ribeiro Proprietrio da Empresa Ribeiro Cerealista Ltda. Erivaldo Almeida Nunes Prefeito municipal de Camacan. Cosme Silva Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Camacan.
Fonte: ROCHA, L. B. Dados da pesquisa de campo, 2005.
3. Fizemos uso de informaes coletadas pela professora da UESC, Maria Luiza Nora de
Andrade, em suas entrevistas com trabalhadores e ex-trabalhadores das roas de cacau
sobre sua percepo a respeito do cacau e do turismo regional.
4. Utilizamos entrevistas aplicadas pelo professor Agenor Gasparetto, da UESC, a 116
fazendeiros e cujos resultados foram publicados no site em 2002.
http://www.socio-estatistica.com.br/http://www.socio-estatistica.com.br/
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23
5. Colhemos dados, informaes e pontos de vista a respeito dos problemas do cacau
relacionados produo, comercializao e ao fungo da vassoura-de-bruxa, da lista de
discusso do cacau, na internet, atualmente coordenada por Gonalo Guimares
Pereira (professor associado, livre docente, chefe do Departamento de Gentica e
Evoluo e do Laboratrio de Genmica e Expresso da Unicamp/SP), da qual fazem
parte em torno de 700 listeiros de toda a regio cacaueira ([email protected]).
Esta lista, criada em 1995 por um dos membros do Conselho Nacional do Cacau
(CNC) e seu primeiro coordenador, Deroaldo Boida Andrade, composta de
pesquisadores, professores, estudantes, produtores, comerciantes, preocupados em
passar informaes, debater e trocar experincias a fim de se achar o melhor caminho
para os problemas causados pela vassoura-de-bruxa.
6. No colgio Galileu, em Itabuna, solicitamos aos alunos da oitava srie do ensino
fundamental que representassem, atravs de desenhos, poesias e textos, sua percepo
sobre o cacau e a vassoura-de-bruxa.
7. Consultamos jornais de alcance estadual, como A Tarde, e locais, principalmente o
Agora e A Regio, de Itabuna, em especial a partir da dcada de 1980, os quais, quase
que diariamente, trazem reportagens sobre o cacau. Mas tambm buscamos o que se
dizia sobre o tema em jornais de tempos mais antigos, como O Intransigente, de
Itabuna, dcada de 1950.
8. Procuramos, na regio cacaueira, obras de arte que estivessem relacionadas
percepo que seus autores tinham do cacau e do cotidiano de uma fazenda.
Registramos em fotografias o maior nmero possvel de eventos relacionados ao tema
a fim de melhor ilustrar, pela imagem, o mundo vivido pelos personagens desta regio.
9. Participamos de diversas reunies com cacauicultores em Itabuna, Ilhus, Uruuca e
Camacan. Nelas, discutiam-se possveis sadas para a crise e problemas relacionados
s suas dvidas contradas junto aos bancos para combater a vassoura-de-bruxa e
recuperar a lavoura, como a de 8 de dezembro de 2004, na FACSUL, em Itabuna, com
a Associao de Apoio Recuperao da Regio Cacaueira COMACAU, presidida
por Jos Carlos Assis; em 16 de dezembro do mesmo ano, seminrio sobre cacau na
Cmara de Vereadores de Camacan; seminrio Cacauicultura: uma viso
estratgica, em 3 de junho de 2005, na CEPLAC; I Festival Internacional do Cacau e
Chocolate, em junho de 2005, coordenado por Nicholas Maillot, na UESC, com
participao de chocolateiros da Itlia e da Frana, pesquisadores da UNICAMP,
CEPLAC e UESC; participao nas 26, 27 e 28 Semanas do Fazendeiro,
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(respectivamente em 2004, 2005 e 2006), na EMARC, em Uruuca, coordenadas pela
CEPLAC; participao no Workshop sobre vassoura-de-bruxa, de 30 de novembro a
dois de dezembro de 2005, na UESC; Seminrio sobre reas de Preservao
Permanente e Reserva Legal (APPs), no Centro de Convenes de Ilhus, em
dezembro de 2005; participao nos movimentos de protesto dos cacauicultores,
coordenados pela Associao dos Municpios da Regio Cacaueira - AMURC,
juntamente com os sindicatos rurais e representantes da sociedade civil, em protesto ao
crime da vassoura, exigindo das autoridades constitudas investigao para trazer luz
os culpados: o primeiro em 21 de julho de 2006, fechando a BR-101, no
entroncamento com a BR-415, na entrada de Itabuna; o segundo no dia 25 de agosto,
tambm em Itabuna, percorrendo a avenida do Cinqentenrio, finalizando com uma
concentrao em frente ao Banco do Brasil.
10. As pesquisas especficas sobre o cacau e a vassoura-de-bruxa, a participao em
movimentos, o registro dos eventos em fotos ou nos meios de comunicao em geral,
foram feitos at o dia 30 de agosto de 2006.
11. A identificao das ilustraes aparece na parte superior. Foi feita esta opo pelo fato
de os mapas utilizarem esta forma por uma conveno internacional e as tabelas, por
exigncia do IBGE. Para que houvesse uniformidade nas identificaes, o mesmo
procedimento foi adotado quanto aos quadros, figuras e fotos, aps consulta
orientadora e sua anuncia.
De posse desse material, foram montados grficos, tabelas, quadros, mapas, que
permitiram analisar e explicar a importncia do cacau para a regio Sul da Bahia, o amor
impregnado na alma de todos que, de alguma forma, lidam com ele. Foi possvel, assim,
perceber sua presena marcante em todas as fases da formao da sociedade regional, da
estruturao de sua vida econmica e social, alm de ter ficado clara sua importncia nas
crises mais srias, e, de forma altaneira, na sua recuperao.
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2 GEOGRAFIA E FILOSOFIA
Quem te garante que a tua verdade verdadeira? Quem te garante que a tua verdade, se verdadeira, a nica? E se em verdade a aparncia uma verdade aparente?
Geir Campos
Os fenmenos geogrficos, sejam eles naturais (relativos natureza natural) ou no,
precisam ser analisados a partir de sua essncia, colocando-se em suspenso o que j se sabe
pelo senso comum ou pelas teorias, a fim de que sua veracidade atual seja confirmada ou
contestada. A realidade conhecida apenas como fenmeno, organizada pelo sujeito do
conhecimento segundo as formas do espao e do tempo e segundo os conceitos de
entendimento (CHAU, 1999, p. 235). A filosofia de suma importncia na anlise dos
fenmenos, a partir de uma profunda investigao e compreenso, pois o embasamento
filosfico
a deciso de no aceitar como bvias e evidentes as coisas, as idias, os fatos, as situaes, os valores, os comportamentos de nossa existncia cotidiana; jamais aceit-los sem antes hav-los investigado e compreendido. [...] A Filosofia comea dizendo no s crenas e aos preconceitos do senso comum e, portanto, comea dizendo que no sabemos o que imaginvamos saber (CHAU, 1997, p. 12).
Tendo em vista tal idia exposta pela autora, esta pesquisa procurou pautar-se no
maior nmero possvel de informaes, a fim de que se pudesse olhar de vrios ngulos seu
objeto, no aceitando o que j est posto como sendo uma verdade cabal, mas buscando outras
formas de averiguar os fenmenos relacionados ao real significado do cacau para toda uma
populao que dele depende, direta ou indiretamente. Tendo isto em mente, os fenomenlogos
sero uma constante neste trabalho, visto que, principalmente a partir da dcada de 1950, estas
reflexes filosficas comearam a ser trazidas para a Geografia, numa perspectiva de no
mais colocar em primeiro plano a descrio do mundo fsico e humano, mas priorizar a
descrio do mundo vivido, no qual estes elementos so percebidos e interpretados pelos
sujeitos que os experienciam. Dardel (1990, p. 123) assevera que a Geografia
exploratria ou descritiva, permanece profundamente ligada ao real [e] impossvel eliminar todo valor moral e esttico, ou suprimir inteiramente o ponto de vista do qual a realidade geogrfica envolvida, ou apagar a subjetividade do sujeito para quem a realidade se torna realidade.
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2.1 A FILOSOFIA NA INTERPRETAO DOS FENMENOS GEOGRFICOS
O conceito de fenmeno tem se renovado ao longo do tempo. Desde Kant (1724-
1804), fenmeno era aquilo que, a partir do mundo externo, se oferece ao sujeito do
conhecimento sob as formas de espao e tempo e sob os conceitos do entendimento. Hegel
(1770-1831) ampliou o conceito, dizendo que tudo que aparece s pode aparecer para uma
conscincia e que esta, por sua vez, tambm se constitui no conhecimento de si mesma, sendo,
portanto, um fenmeno. Husserl (1859-1938), filsofo alemo fundador da Fenomenologia,
mtodo para a descrio e anlise da conscincia, de posse desses dois conceitos, conserva-os
e amplia-os, dizendo que tudo que existe fenmeno e que s existem fenmenos,
contestando Kant, para quem o fenmeno algo que no se encontra no objeto em si mesmo,
mas sempre na relao do objeto ao sujeito, e que inseparvel da representao do primeiro
(PASCAL, 2003, p. 59).
A humanidade, ao longo de sua jornada at o presente, procura desvendar o
significado dos fenmenos atravs do espao-tempo pelo qual vem caminhando milnio aps
milnio, sculo aps sculo, dia aps dia. Mas tambm procura criar signos e dar significados
s coisas, aos fatos, aos pensamentos, aos sonhos, s desventuras, enfim, vida e ao que vem
com ela. E para dar sentido e explicar isso tudo que surgiu a Filosofia, cincia do saber o
porqu de tudo, no o como, do acontecer, mas seu porqu, seu o que .
No incio do pensar humano, a Filosofia reinava soberana, englobando em seu seio
todos os saberes. Com o tempo, ela foi gestando outras formas de pensar o mundo, nascendo,
ento, diversas cincias, cada uma tentando interpretar e explicar o mundo conforme sua
forma de v-lo. Entre essas cincias, j no final do sculo XIX, foi estruturada a Geografia.
Contudo, o conhecimento geogrfico (geografia no cientfica) era uma realidade que, at o
sculo XVIII, trabalhava temas gerais, entre os quais a Terra, como parte do universo,
procurando desvend-la. A partir daquele momento (final do sculo XIX), a nova cincia
passou a criar e trilhar seu prprio mtodo. Antes disso, porm, ela percorreu um longo
caminho at se firmar como tal.
Os homens, alm de enfrentarem os mares e desbravarem continentes, sentiram a
necessidade de sistematizar os conhecimentos sobre os lugares aos quais tinham acesso
(LENCIONI, 2003, p. 76). At o Renascimento, as explicaes acerca dos fenmenos
terrestres e telricos eram de ordem divina. A maneira de analisar e interpretar a natureza e a
sociedade sofreu uma grande revoluo com o surgimento de outras formas de pensar,
conduzindo ao Iluminismo, ao Idealismo Alemo e ao pensamento cientfico moderno.
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O Iluminismo, cuja expanso se deu a partir do incio do sculo XVIII, teve como
razes o Racionalismo de Descartes (1596-1650), Leibniz (1646-1716), Spinoza (1632-1677),
e o Empirismo de Bacon (1561-1626), Hobbes (1588-1679), Locke (1632-1704), Berkeley
(1685-1753) e Hume (1711-1776). O Racionalismo considerava ser a razo o meio pelo qual
se poderia conhecer o mundo. Para o Empirismo, esta realidade poderia ser conhecida pela
experincia. As bases do pensamento Iluminista calcavam-se sobre a crena na razo, no
progresso e na capacidade de o indivduo pensar de forma autnoma, priorizando a autoridade
do argumento da hierarquia social. Essas idias amadureceram juntamente com o
desenvolvimento da burguesia e do comrcio. Para o Iluminismo, seria possvel conferir
razo um carter universal, podendo-se alcanar uma nica resposta para qualquer indagao.
O Idealismo Alemo, baseado em Kant, que, por sua vez, inspirou-se em Rousseau
(1712-1778), props que se colocassem limites razo. em Kant que se encontra a idia de
que o fundamento da Geografia o espao, conforme afirma Lencioni (2003, p. 78). Para ele,
seria impossvel conhecer o homem se se ignorasse o meio. Enquanto para o Iluminismo a
valorizao deveria ser para o geral, o Idealismo levava valorizao do particular.
Augusto Comte (1789-1857), sentindo a necessidade de sistematizar o volume de
conhecimentos cientficos, props, em sua obra Philosophie Positive, de 1844, sua filosofia
positivista, atravs da qual reafirma a crena ilimitada na racionalidade do mundo e no poder
do mtodo cientfico [...], nega a investigao de outra coisa que no sejam as relaes entre
os fatos (LENCIONI, 2003). A observao estrita como nica forma de conhecimento, a
radicalidade do empirismo e a explicao advinda de dedues elaboradas a partir da
observao e da experimentao para construo de leis gerais so os fundamentos do
pensamento cientfico na viso Positivista. Contemporneo de Comte, Charles Darwin (1809-
1882) traz luz a teoria do Evolucionismo, a qual ter grande influncia no desenvolvimento
do pensamento cientfico do sculo XX, em especial, na Geografia, como ocorreu com Ratzel
(1844-1904). Baseado na teoria do Evolucionismo, Ratzel considerava que o homem, por se
constituir num ser vivo entre os outros seres vivos, amplia seu territrio na medida de suas
necessidades, permitindo, assim, que se justificasse o expansionismo como condio para o
progresso de um povo: Si la famlia aumenta por multiplicacin natural, aumenta entonces
tambin el territorio que necesita para poder vivir (RATZEL, 1982, p. 197).
Vidal de La Blache (1845-1918), considerado o pai da escola geogrfica francesa, foi
responsvel, no final do sculo XIX e incio do sculo XX, pelo lanamento das bases do
chamado Possibilismo Geogrfico. Na realidade, a idia de possibilidade j era encontrada em
Epicuro (342 a 271 a. C.), filsofo grego que preconizava a possibilidade de o homem se
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libertar da alienao e da necessidade no natural, contrapondo-se, assim, s idias de
fatalidade e destino. O objeto de estudo de La Blache, influenciado principalmente por Kant,
era a regio, a qual se distinguia pelo gnero de vida de seus habitantes. Sua idia bsica era
que
O homem criou para si modos de vida. [...] Mesmo nos modos de vida que no ultrapassam um grau assaz obscuro de civilizao, a quota de inveno bastante sensvel para testemunhar a fecundidade desta iniciativa [...] porque, os modos de vida, pelo tipo de nutrio e pelos hbitos que implicam, so, por sua vez, uma causa que modifica e modela o ser humano (LA BLACHE, 1954, p. 172).
Para La Blache, o mtodo de estudo deveria ser o indutivo (observao, busca de
causas, comparao e concluso), sendo necessrio incorporar tambm a Histria, pois os
Estados so obras da Histria, com os seus acasos (ibidem, p. 173) e, ainda, [...] na Histria
das sociedades humanas os factos gerais nunca se produzem de uma s vez (p. 286). A
importncia de Vidal de La Blache reside no fato de que, com ele, a Geografia na Frana
passa a ser um ramo independente e especfico da cincia.
Aps a Segunda Guerra Mundial, surge o Positivismo Crtico, retomando, assim, o
Racionalismo, j que as monografias descritivas, de herana lablachiana, no eram mais
suficientes. Esta forma de fazer Geografia repudiava o subjetivismo, a vontade e a intuio do
esprito, prprios do Idealismo Alemo influenciado por Kant. Entram em cena o
pragmatismo norte-americano, a Geografia Cultural de Carl Sauer (1889-1975), a crtica
racionalista de Shffer, para quem a Geografia deveria romper com os particularismos e se
voltar para a formulao de leis gerais. Para Shffer, s a Geografia Geral era considerada
cientfica, por ser capaz de fornecer leis e teorias para o estudo do espao. Completa o quadro,
Hartshorne (1897-2000), apoiado em Hettner (1859-1942), com seu mtodo regional, para
quem a Geografia a cincia da diferenciao de reas.
Na Alemanha, a Geografia forma-se, no final do sculo XIX e incio do sculo XX,
com as idias de Hettner valorizando o mtodo regional de anlise. A regio era a escala ideal
para a Geografia, por expressar objetivamente todo um complexo de relaes entre fenmenos
geogrficos. considerado pioneiro nas idias sobre determinismo geogrfico.
Pode-se dizer que, desde a Segunda Guerra Mundial at os dias atuais, coexistem no
campo da Geografia trs grandes escolas: Nova Geografia (Geografia Quantitativa ou
Geografia Teortica), Geografia Humanstica e Geografia Crtica (GOMES, 1996).
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A Nova Geografia nasceu da preocupao em formular leis gerais, tendo sido
dominante a partir da segunda metade do sculo XX, principalmente nos pases anglo-saxes,
Escandinvia e Holanda (LENCIONI, 2003). Os gegrafos dessa corrente, inspirados no
Positivismo Lgico, consideravam que os enunciados cientficos s poderiam ser aceitos se
passveis de verificao, expressos de forma clara, com uma linguagem comum a todas as
cincias. Para o Positivismo Lgico, a crena na neutralidade cientfica era norma. Por isso, a
Geografia, sob inspirao dessa corrente de pensamento, desenvolveu a linguagem
matemtica. Como conseqncia, a regio se tornou um instrumento tcnico-operacional, a
partir do qual se procurou organizar o espao (ibidem, p. 134).
Desde os anos 1970, vem sendo trabalhada a crtica radical na Geografia, a qual se
caracteriza pela influncia do pensamento marxista, baseado no Idealismo Alemo,
principalmente na dialtica de Hegel e no materialismo de Feuerbach (1804-1872), pouco
presente nos trabalhos dos gegrafos antes da Segunda Guerra Mundial. A Geografia Crtica,
baseada no materialismo histrico, passou a conceber o espao como um produto social,
investigando os interesses sociais que estavam envolvidos nos processos relacionados
produo do espao. O pensamento marxista na Geografia se mostrou com mais fora na
anlise urbana, em que eram reveladas as perverses devido segregao espacial nas
cidades. As referncias centrais dessa anlise geogrfica foram o modo de produo
capitalista, as relaes sociais de produo, o desenvolvimento das foras produtivas e a
nfase dada histria (LENCIONI, 2003, p. 164).
Juntamente com as vrias formas de pensar o mundo, surgidas aps a Segunda Guerra
Mundial, acontece o retorno do Humanismo, fundamentando a Geografia, atravs de suas
diversas correntes. A dcada de 1960 foi prdiga na busca de renovao dessa disciplina,
principalmente por parte de gegrafos culturais e histricos, que valorizavam a subjetividade
das aes humanas, como foi o caso de David Lowenthal e Yi-fu Tuan, os quais criaram as
bases da Geografia Humanista, que analisa as relaes homem-meio e se baseia em
tendncias filosficas tais como a Fenomenologia, o Existencialismo, o Idealismo e a
Hermenutica.
Gomes (1996) sinaliza para o Materialismo Histrico e o Humanismo como
complementares, visto que, tanto um quanto outro, tecem crticas e no aceitam o Positivismo
cientfico. Com a crtica cada vez mais acirrada ao Positivismo e a busca de novos caminhos
para o conhecimento, o Marxismo e a Fenomenologia (uma das correntes da Geografia
Humanista) passaram a influenciar, de forma particular, a Geografia Regional. De diferentes
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maneiras, essas duas correntes tiveram importncia na preocupao com o carter social da
Geografia, construindo novos parmetros ao estudo regional.
2.2 A FENOMENOLOGIA E A SEMITICA: O HUMANISMO NA INTERPRETAO
DO ESPAO GEOGRFICO
O que est em causa no somente a viso, mas todos os sentidos; no somente a percepo, mas todos os modos de relao do indivduo com o mundo (BUARQUE, apud YZIGI, 2001, p. 21).
Fenomenologia e Semitica so mtodos utilizados para se captar de forma mais
humana as questes humanas. Ou seja, todas as aes humanas originam-se de algum tipo de
sentimento: amor, dio, avareza, destemor, afirmao, entre tantos outros. So estes
sentimentos que determinaro a forma, o contedo e o fluxo dos elementos das paisagens
geogrficas. O espao geogrfico configura-se, assim, de acordo com a vazo dos sentimentos
humanos, sendo, portanto, o retrato das culturas que vo se sucedendo e deixando sua marca
indelvel que dar a identidade especfica de cada grupo que organiza determinado espao
geogrfico.
No sculo XIX, h o triunfo da cincia, com Galileu sendo considerado o pai da
cincia moderna e do mtodo experimental. A partir da, passa-se a dar mais importncia aos
discursos cujas afirmaes pudessem ser verificadas. Procura-se dar mais crdito aos sentidos,
ao emprico, neutralidade cientfica, em que o sujeito estaria fora do objeto, contemplando-o
de longe para explic-lo, para entend-lo. o imprio do racionalismo e do empirismo, em
que o primeiro valoriza a razo no processo do conhecimento (criticismo de Kant, que prope
o sujeito puro), e o segundo enfatiza a importncia da experincia advinda dos sentidos, do
objeto conhecido, ou seja, o apego excessivo ao objeto. O mundo da cincia torna-se mais
rido, neutro, em que o sujeito est aqui e o objeto est l, tornando-os dicotmicos. Esta
forma de fazer cincia reflete-se na Geografia at o final do sculo XIX. Chau (1986, p. 77
ss.) apresenta como mtodos de conhecimento o dedutivo, utilizado pelos racionalistas
intelectuais, que partiam das idias para as sensaes, e o indutivo, utilizado pelos
racionalistas empiristas, que partiam das sensaes para as idias. J Spsito (2004, p. 29)
entende que so trs os mtodos: hipottico-dedutivo, dialtico e fenomenolgico. No mtodo
hipottico-dedutivo, cujas razes se encontram em Rene Descartes (1596-1650), h a
prevalncia do sujeito em relao ao objeto. No mtodo dialtico, procede pela refuno das
opinies do senso comum, levando-as contradio, para chegar ento verdade, fruto da
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razo (JAPIASSU; MARCONDES, 1990, p. 167). Nesse mtodo, no h a sobreposio do
sujeito sobre o objeto e vice-versa, ocorrendo as antteses e as teses, em constante
contradio e movimento (SPSITO 2004, p. 46).
No final do sculo XIX, tem incio um movimento que busca superar a dicotomia
entre sujeito e objeto, homem e mundo, linhas mestras do pensar racionalista e empirista,
seguido pelo Positivismo. Surge, ento, a Fenomenologia de Husserl (1859-1938), a qual
influencia de forma significativa a filosofia contempornea. Ela representa uma tendncia ao
idealismo subjetivo. A principal crtica da Fenomenologia ao Positivismo por este acreditar
de forma exagerada que a realidade se reduz quilo que percebido pelos sentidos. Para o
Positivismo, a realidade formada de coisas concretas, s captadas pelos sentidos. Para a
Fenomenologia, a conscincia s entendida a partir do sujeito-objeto, fundidos na realidade,
como atesta Husserl (1996, p. 44):
Normalmente falamos do conhecimento e da classificao do objeto da percepo, como se o ato se exercesse sobre o objeto. [...] O que est na prpria vivncia no nenhum objeto, e sim uma percepo, um estado de esprito determinado de tal ou tal maneira; portanto, na vivncia, o ato do conhecimento se fundamenta na percepo.
O objetivo principal da nova orientao filosfica preconizada por Husserl em sua
Fenomenologia era conseguir a superao da dicotomia entre sujeito e objeto, conscincia e
mundo, objetividade e subjetividade. Para Husserl a conscincia no est separada do mundo,
pois ela sempre conscincia de alguma coisa, intencionalidade (PEIXOTO, 2003, p. 5).
Em resumo, Bueno (2003, p. 11), citando Urbano, diz que
A Fenomenologia descreve a essncia do homem como questo de sentido, como ser presente, capaz de integrar cincia e filosofia no mundo concreto da vida, sem desconhecer que a tomada de conscincia crtica da realidade pressuposto de sua transformao histrica.
Tanto o existencialismo atesta representado por Heidegger (1889-1976), Sartre (1905-
1980) e Merleau-Ponty (1908-1961), quanto o testa, representado por Van Breda, Marcel e
Jaspers (1883-1964), entre outros, alimentaram-se na fonte fenomenolgica, cujas influncias
estenderam-se para as Cincias Humanas de maneira geral. A crena em Deus, do
existencialismo testa, tem suas razes em Kierkegaard (1813-1835), filsofo dinamarqus,
para quem o pensar deve ser existencial: O que importa o homem como 'existncia', como
um ser intimamente pessoal (TRIVIOS, 1987, p. 41). Quando os filsofos existencialistas
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se referem ao que chamam de existncia do homem, querem dizer que o ser consciente-no-
mundo constitui a essncia, ou seja, aquilo pelo que o homem precisamente homem e no
uma coisa, um puro esprito ou um ser divino (LUIJPEN, 1973, p. 60). A diferena bsica
entre os fenomenlogos e os existencialistas que, para a Fenomenologia, a essncia vem
antes do ser, e para o Existencialismo d-se o contrrio, ou seja, o ser vem antes da essncia.
A idia fundamental da Fenomenologia a da intencionalidade, o que significa dizer
que no existe sujeito sem objeto e que a conscincia est sempre dirigida a algum objeto
(MERLEAU-PONTY, 1999). A vivncia e a conscincia so idias bsicas nessa corrente
filosfica. A inteno, no caso de Husserl, a caracterstica que apresenta a conscincia de
estar orientado para um objeto. [...] a intencionalidade caracterstica da vivncia era
conscincia de algo (TRIVIOS, 1987, p. 45). O princpio da intencionalidade diz respeito
no separao sujeito-objeto, o ser do mundo, pois tais categorias so entendidas no sentido
da correlao, do ser que est envolto no mundo. Explicando tal fato, Buttimer (1976, p. 170)
escreve que a noo fenomenolgica da intencionalidade [...] sugere que cada indivduo o
foco de seu prprio mundo, ainda que possa esquecer de si prprio como centro criativo
daquele mundo. Para Merleau-Ponty (1999, p. 1), A Fenomenologia o estudo das
essncias, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir essncias: a essncia da
percepo, a essncia da conscincia, por exemplo. Este mesmo autor (ibidem, p. 20) declara
que a Fenomenologia tem como tarefa revelar o mistrio do mundo e o mistrio da razo,
entendendo-se mundo aqui como o mundo vivido, o mundo da experincia dos indivduos.
Para isso, preciso partir da percepo que as pessoas tm dos fatos e lugares adquirida
atravs de sua experincia, de sua vivncia.
Enquanto o Positivismo reifica o conhecimento, transformando-o em um mundo
objetivo, de coisas, a Fenomenologia d nfase experincia pura do sujeito, desreificando o
conhecimento, em nvel de conscincia, em forma subjetiva. A Fenomenologia baseia-se na
interpretao dos fenmenos, na intencionalidade da conscincia, na experincia do sujeito.
Ou seja, a Fenomenologia questiona os conhecimentos do Positivismo, dando maior
importncia ao sujeito na construo desse conhecimento (TRIVIOS, 1987). Para Merleau-
Ponty (1973, p. 10), a Fenomenologia
uma vontade dupla de coligir todas as experincias concretas do homem, e no somente suas experincias de conhecimento, como ainda suas experincias de vida, de civilizao, tais como se apresentam na histria e de encontro ao mesmo tempo, neste decorrer dos fatos, uma ordem espontnea, um sentido, uma verdade intrnseca, uma orientao tal que, o desenvolver-se dos acontecimentos no aparea como simples sucesso.
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Na realidade, a Fenomenologia procura perceber o que humano em sua essncia, e
que tem a ver com princpios, com as origens do significado e da experincia (RELPH
1979, p. 1). Um fato humano diferente de um fenmeno natural: um fato natural
essencialmente objetivo, tratado pelas cincias fsico-matemticas, enquanto um fenmeno
humano, para melhor ser estudado e compreendido, deve ser tratado na linguagem da
experincia vivida. Que relao permanece entre o mundo de que fala o fsico e aquele de
que fala o poeta ou do qual todos falamos na linguagem da vida cotidiana? (DARTIGUES,
1992, p. 74). No mundo da objetividade pura, o homem est ausente. um mundo rido, s
de conceitos. Quando se trata da reflexo fenomenolgica, a objetividade cientfica no est
ausente, porm procura trazer o mundo da cincia ao mundo da vida, das experincias
humanas, do seu cotidiano. Nesse sentido, diz o autor que o mtodo fenomenolgico,
inaugurado por Husserl, foi criado para modificar nossa relao com o mundo, para, assim,
melhor extrair dele seu sentido (ibidem, p. 167). Para a Fenomenologia, no se pode separar
a cincia do cientista, o sujeito do objeto, o criador da criatura (OLIVEIRA, 1999, p. 48).
Enfim, o humano em sua essncia que a Fenomenologia procura perceber (DARTIGUES,
1992, p. 51), e, na realidade, captamos a essncia das coisas atravs dos fenmenos
(BOCHENSKY, 1968, p. 81).
No campo da Geografia, a Fenomenologia vai influenciar na forma de se analisar o
espao geogrfico, levando em conta as experincias cotidianas, destacando os significados e
valores que o homem atribui ao espao vivido, espao este construdo socialmente, a partir da
percepo das pessoas, rompendo, assim, com a dicotomia entre sujeito e objeto. A Geografia,
embasada na Fenomenologia, procura salientar os significados e valores que as pessoas do
ao espao, ao mundo que as rodeia, colocando, portanto, o homem em primeiro plano, como o
indivduo e o seu lugar: preocupao com a forma como vive, com seu cotidiano, com o
mundo no qual est inserido. Neste mundo vive o indivduo com seus anseios, seus sonhos,
sua vontade e, principalmente, com sua afetividade. Prioriza o homem-afeto, que tem
sentimento, o qual faz parte do mundo, da paisagem. Nessa linha de pensamento, o meio
ambiente e a paisagem so o homem e o homem a paisagem, porque no vivemos sem o
meio ambiente e o meio ambiente no existe sem o homem, conforme declarao da
professora Lvia de Oliveira (YUDI, 2003, p. 4).
Tuan (1983) e Relph (1980) incorporam aspectos simblicos e do belo, alm dos
valores e intenes, na anlise da construo do lugar, sinalizando, dessa forma, para aspectos
negligenciados na investigao geogrfica. Relph (1980, p. 4) escreve que os fundamentos
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do conhecimento geogrfico encontram-se nas experincias diretas e na conscincia que
temos do mundo em que vivemos. Este mesmo autor comenta que essas experincias, para
cada indivduo, constituem-se numa mistura de emoes, memria, imaginao, situao
presente e inteno. Indivduos diferentes tm experincias diferentes do mesmo fenmeno,
como, por exemplo, uma rua experienciada por um pedestre e por um motorista. Para maior
compreenso do espao, por este vis, so utilizados os mapas mentais, atravs dos quais
possvel apreender as imagens que os indivduos tm dos lugares, relacionando-as s
caractersticas scio-culturais desses e entender uma das dimenses das relaes que os
indivduos estabelecem com o espao (LENCIONI, 2003, p. 152).
Esta vertente da Geografia, influenciada pela filosofia fenomenolgica, passou a se
chamar de Geografia da Percepo, voltada para a anlise dos significados e dos smbolos.
Desta forma, o pesquisador, ao se voltar para o estudo da realidade de um determinado
espao, estar imbudo de seus valores, de suas percepes e de seus sentimentos. Ele ver o
fenmeno de dentro dele, com a carga de emoes que o acompanham, e no de fora, como se
fosse um mero espectador a descrever o que est sua volta.
Tuan (1980; 1983) foi um dos primeiros gegrafos a utilizar o mtodo
fenomenolgico para estudar a organizao do espao pela tica da percepo, da vivncia do
cotidiano, da significao dos signos. O autor analisa as diferentes maneiras de as pessoas
sentirem e conhecerem o espao e o lugar, e mostra como o homem, que est, ao mesmo
tempo, no plano do animal, da fantasia e do clculo, experiencia e entende o mundo. Para este
autor (1980, p. 4), a percepo
tanto a resposta dos estmulos externos, como a atividade proposital, na qual certos fenmenos so claramente registrados enquanto outros retrocedem para a sombra ou so bloqueados. Muito do que percebemos tem valor para ns, para a sobrevivncia biolgica e para propiciar algumas satisfaes que esto enraizadas na cultura.
Vivemos no espao em sintonia, em simbiose. Pela percepo, somos capazes de
interagir, criando smbolos que possam nos reportar ao passado, ao presente ou ao futuro,
criando cristalizaes da memria espacial. Desta forma as emoes influenciam a
percepo, permitindo que os indivduos associem smbolos ao espao. Estes smbolos podem
ter mais de um significado psicolgico, alm de significados sociais, mtico-religiosos,
culturais (LIMA, 1996, p. 170).
A Geografia da Percepo responsvel pela relativizao de muitos pressupostos da
Geografia Tradicional, tomados por ela como absolutos (SENDRA et al., 1992).
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Diferentemente da forma como a Geografia Tradicional pensa o espao, a Geografia da
Percepo recorre tambm s imagens mentais para explicar a relao
homem/meio/sociedade, pois existem distintos esquemas cognitivos [do espao], segundo os
interesses de cada um (ibidem, p. 11). Pode-se dizer que a percepo a capacidade de
adquirir informao (FERRARA, 1988, p. 25). No prestar ateno ao cotidiano, s
mensagens dos signos que nos rodeiam por todos os lados, ser possvel ler e interpretar o
ambiente material e imaterial que nos cerca. E assim, a leitura semitica ocorre no tempo
presente e passado, pois o registro dos traos deixados pelo tempo, pela histria e pela
memria, fator relevante na compreenso da semiose do signo ambiental (ibidem, p. 26).
Para maior compreenso dos significados dos fatos, fenmenos e coisas, materiais ou
imateriais, reais ou imaginrios, a Semitica, embasada na Fenomenologia, tem papel
decisivo. A Semitica a cincia que estuda o mundo das representaes ou da linguagem.
Estuda como os significados podem ser construdos a partir de qualquer informao. A
Semitica permite que se construa o conhecimento do que significativo para um
determinado grupo social, a partir da organizao dos signos disponveis. Para que se tenha
clara a importncia da Semitica, faz-se necessrio dar um mergulho, ainda que raso, na
histria dessa linha de interpretao dos fenmenos humanos e naturais.
A Semitica uma cincia recente, tendo suas bases sido lanadas entre o final do
sculo XIX e o incio do sculo XX. Os princpios fundamentais desta cincia foram
estabelecidos pelo americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) e pelo suo Ferdinand de
Sa