A Rede Social e o Desenvolvimento Local

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Cidades- Comunidades e Territórios Jun. 2002, n.0 4, pp. 71-82 A Rede Social e o Desenvolvimento Local Parcerias Sociais e Planeamento Participado José Luís Castro * Alda Teixeira Gonçalves * * Resumo: Novas formas de aprendizagem, novos olhares, novas medidas de política, novas formas de fazer, ou como refere Isabel Guerra (200 1: 64) "novas formas de viver em conjunto" e de reflectir os problemas e as necessidades locais, vêem-se conjugando no combate à pobreza e à exclusão social, tendo em vista o desenvolvimento sustentado. O Programa Rede Social que o presente artigo pretende dar a conhecer, é um dos relevantes contributos nesse sentido. A aposta incide em dois eixos fundamentais: no desenvolvimento de estruturas de parceria, nas quais as autarquias assumem um papel de dinamização fulcral e na promoção do desenvolvimento social local, pela introdução de dinâmicas de planeamento estratégico participado. Embora de forma breve, esboçam-se também as reflexões possíveis, em too de alguns dos resultados já visíveis. Palavras-Chave: rede social; parcerias; planeamento estratégico participado; pobreza e exclusão social e desenvolvimento social local. Contexto em que surge a Rede Social O Progama Rede Social surge em Portugal, em 1997, através da Resolução do Conselho de Minis- tros n.0 197/97, de 18 Novembro, numa altura em que se afirmam algumas importantes tendências no campo social, quer em Portugal quer no conjunto dos países da União Europeia, as quais se enqua- dram no contexto da superação do paradigma assistencialista e da afirmação de políticas sociais activas visando a inclusão social. Este contexto traduz-se pelo desenvolvimento, nos países da União Europeia, com ritmos diferen- ciados e diversas formas de adaptação aos contextos nacionais, de algumas tendências de evolução rele- vantes que marcam o pensamento teórico-me- todológico e a definição de políticas e orientações práticas, entre as quais podemos salientar as se- guintes: Em primeiro lugar, destaca-se a defesa da no- ção de desenvolvimento social, colocada na ordem do dia pela Cimeira Mundial do Desenvolvimento Humano, organizada pela ONU e realizada em Copenhaga, em Março de 1995 e subscrita por Por- tugal. Esta noção surge aqui como contraponto às políticas de desenvolvimento centradas no mero crescimento económico, geradoras duma utilização desmedida de recursos naturais a par com a exten- são de situações de miséria e exclusão, defenden- do uma ideia de desenvolvimento que pressupõe o esforço para erradicar aquelas situações. A Cimeira de Copenhaga sustenta que o com- bate à pobreza e à exclusão social deve ser enqua- drado nas dinâmicas de desenvolvimento sustenta- do, o que pressupõe a articulação entre o desenvol- vimento económico, social e ambiental, a partici- pação activa dos actores visados pelas medidas de intervenção social, a abertura, a transparência nas diferentes formas de administração pública central e local e a cooperação entre elas. Por outro lado, aponta como pilares do desenvolvimento social: a erradicação da pobreza, defendendo a necessidade de promover o acesso de todos aos rendimentos, mas também aos direitos sociais, culturais e civis; a generalização do direito ao trabalho, propondo medidas para a redução do desemprego, incenti- vando o desenvolvimento do mercado social de Sociólogo, Coordenador do Programa Rede Social, no Instituto para o Desenvolvimento Social. Contacto: Jose.L[email protected] Socióloga, Técnica Superior do Núcleo Rede Social, no Instituto para o Desenvolvimento Social. Contacto: Alda.M.Goncalves@seg-social.pt 71

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Cidades- Comunidades e Territórios Jun. 2002, n.0 4, pp. 71-82

A Rede Social e o Desenvolvimento Local

Parcerias Sociais e Planeamento Participado José Luís Castro *

Alda Teixeira Gonçalves * *

Resumo: Novas formas de aprendizagem, novos olhares, novas medidas de política, novas

formas de fazer, ou como refere Isabel Guerra (200 1: 64) "novas formas de viver em conjunto"

e de reflectir os problemas e as necessidades locais, vêem-se conjugando no combate à pobreza

e à exclusão social, tendo em vista o desenvolvimento sustentado. O Programa Rede Social

que o presente artigo pretende dar a conhecer, é um dos relevantes contributos nesse sentido.

A aposta incide em dois eixos fundamentais: no desenvolvimento de estruturas de parceria,

nas quais as autarquias assumem um papel de dinamização fulcral e na promoção do

desenvolvimento social local, pela introdução de dinâmicas de planeamento estratégico

participado. Embora de forma breve, esboçam-se também as reflexões possíveis, em torno de

alguns dos resultados já visíveis.

Palavras-Chave: rede social; parcerias; planeamento estratégico participado; pobreza e exclusão

social e desenvolvimento social local.

Contexto em que surge a Rede Social

O Progama Rede Social surge em Portugal, em

1997, através da Resolução do Conselho de Minis­

tros n.0 197/97, de 18 Novembro, numa altura em

que se afirmam algumas importantes tendências no

campo social, quer em Portugal quer no conjunto

dos países da União Europeia, as quais se enqua­

dram no contexto da superação do paradigma

assistencialista e da afirmação de políticas sociais

activas visando a inclusão social.

Este contexto traduz-se pelo desenvolvimento,

nos países da União Europeia, com ritmos diferen­

ciados e diversas formas de adaptação aos contextos

nacionais, de algumas tendências de evolução rele­

vantes que marcam o pensamento teórico-me­

todológico e a definição de políticas e orientações

práticas, entre as quais podemos salientar as se­

guintes:

Em primeiro lugar, destaca-se a defesa da no­

ção de desenvolvimento social, colocada na ordem

do dia pela Cimeira Mundial do Desenvolvimento

Humano, organizada pela ONU e realizada em

Copenhaga, em Março de 1995 e subscrita por Por­

tugal. Esta noção surge aqui como contraponto às

políticas de desenvolvimento centradas no mero

crescimento económico, geradoras duma utilização

desmedida de recursos naturais a par com a exten­

são de situações de miséria e exclusão, defenden­

do uma ideia de desenvolvimento que pressupõe o

esforço para erradicar aquelas situações.

A Cimeira de Copenhaga sustenta que o com­

bate à pobreza e à exclusão social deve ser enqua­

drado nas dinâmicas de desenvolvimento sustenta­

do, o que pressupõe a articulação entre o desenvol­

vimento económico, social e ambiental, a partici­

pação activa dos actores visados pelas medidas de

intervenção social, a abertura, a transparência nas

diferentes formas de administração pública central

e local e a cooperação entre elas. Por outro lado,

aponta como pilares do desenvolvimento social: a

erradicação da pobreza, defendendo a necessidade

de promover o acesso de todos aos rendimentos,

mas também aos direitos sociais, culturais e civis;

a generalização do direito ao trabalho, propondo

medidas para a redução do desemprego, incenti­

vando o desenvolvimento do mercado social de

• Sociólogo, Coordenador do Programa Rede Social, no Instituto para o Desenvolvimento Social. Contacto: [email protected] •• Socióloga, Técnica Superior do Núcleo Rede Social, no Instituto para o Desenvolvimento Social. Contacto: [email protected]

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emprego e o papel social das empresas; a integraçãosocial, pressupondo a implementação de medidasdestinadas a defender as minorias culturais e étni-cas e a promover a inclusão social dos gruposdesfavorecidos e excluídos.

Em segundo lugar, afirma-se a tendência parao desenvolvimento de projectos integrados, ca-racterizados pelo seu âmbito territorializado e pelatransversalidade relativamente a várias áreas deintervenção, como forma de responder à multi-dimensionalidade dos problemas de pobreza e deexclusão social e à tendência para a concentra-ção destes problemas em zonas de exclusão nasquais, devido a mecanismos de agregação e segre-gação, se concentra uma população sujeita a facto-res de exclusão inerentes à sua condição social eao espaço desvalorizado que ocupam (Bourdieu,1993: 159).

A consciência do alastramento deste tipo desituações, nomeadamente em bairros degradados ede habitação social da periferia das grandes con-centrações urbanas, e/ou associadas à deser-tificação, ao envelhecimento da população e ao de-saparecimento de actividades económicas tradicio-nais nas zonas rurais, gerou a necessidade de re-pensar as formas tradicionais de intervenção, muitosectorializadas e ainda frequentemente centradasna resolução de problemas casuísticos, perspecti-vando o desenvolvimento de projectos e acçõestransversais capazes de transformar os territóriosem espaços potenciadores de desenvolvimento.

Em terceiro lugar, o Programa Rede Social sur-ge num momento em que na maioria dos países daUnião Europeia se constata uma progressiva ten-dência para a descentralização de competências eo envolvimento dos governos locais, designa-damente no âmbito da acção social. Esta tendênciaexpressa, por exemplo, no importante papel desem-penhado pelos governos locais dos países do Norteda Europa, na transferência das competências daacção social para as Câmaras em várias regiõesautónomas de Espanha e pela implementação dos“contrats de ville” em França, alicerça-se na pro-ximidade dos governos locais aos cidadãos e,consequentemente, no conhecimento dos proble-mas locais, bem como na capacidade e legitimida-de de mobilização das mais diversas entidadespara a resolução destes problemas, que lhes éconferida pelo seu carácter de orgãos eleitos demo-craticamente.

Em Portugal não existe ainda uma tradiçãosedimentada de intervenção das autarquias locaisna área do social, apesar das responsabilidades dasautarquias locais relativamente ao bem estar doscidadãos e, mais concretamente, na área da habi-tação social tenderem a criar a necessidade de umaintervenção estruturada e sistemática nesta esfera,a que se refere já a nova lei das competênciasautárquicas. De resto, pode constatar-se que umnúmero significativo de autarquias, designadamentenos grandes centros urbanos onde se acumulamproblemas e se complexificam as necessidadessociais, vinham assumindo progressivamentemaiores responsabilidades e, inclusivé a liderançade projectos de intervenção na área social.

Em quarto lugar, ganha corpo nos países daUnião Europeia a ideia de participação activa daspopulações visadas por medidas de política, pro-gramas e projectos, na resolução dos seus própriosproblemas, o que pressupõe o desenvolvimento deformas de organização dessas populações e a parti-cipação dos grupos que as representam não só naexecução das acções concretas mas na própria de-finição das medidas e projectos que deverão mu-dar as suas condições de existência.

Princípios e Orientações Estratégicasda Rede Social

As tendências de evolução sumariamente des-critas transparecem nas formulações e perspecti-vas práticas contidas na RCM e marcaram, de formaclara, o quadro referencial e o desenho do ProgramaPiloto que emerge na sequência da resolução, apartir de Dezembro de 1999, bem como os docu-mentos subsequentes de suporte à Rede Social eas opções relativas à implementação e generaliza-ção do programa, da responsabilidade do Institutopara o Desenvolvimento Social, através do Núcleoda Rede Social, entidade responsável pela im-plementação e acompanhamento do programa noplano nacional.

A noção de Rede Social que a RCM 197/97consubstancia pretende reavivar e conferir um ca-rácter institucionalizado às redes informais, cons-tituídas a partir das múltiplas relações de entreajudae de solidariedade familiares, de vizinhança,associativas, profissionais e outras mais alargadas,com existência ancestral, para fomentar uma cons-ciência colectiva dos diferentes problemas sociaise incentivar redes de apoio social integrado deâmbito local.

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A orientação prática essencial incide na cria-ção de estruturas de parceria alargadas de âmbitoconcelhio e de freguesia, constituindo uma redesocial de malha apertada, susceptível de sinalizare resolver com os recursos locais, ou em caso deimpossibilidade, de encaminhar os casos de acçãosocial. Nesta lógica, o princípio de subsidariedade,é fulcral no conceito de intervenção prática pro-posto pelo programa: postula a necessidade de ade-quação das soluções aos problemas, a tentativaprimordial de resolução dos problemas sinalizadoscom os recursos existentes localmente e a criaçãode mecanismos de encaminhamento dos problemaspara níveis de resolução mais abrangentes(concelhios, regionais ou nacionais), apenas quandose constata a impossibilidade de os resolver, comos meios disponíveis no local.

Apesar de na sua formulação, a RCM traduzirum enfoque prioritário na criação de condições maiseficazes e eficientes para a resolução nos locais doscasos de acção social, o texto não deixa deperspectivar como grandes objectivos da rede social“a erradicação ou atenuação da pobreza e exclu-são social” e a “promoção do desenvolvimentosocial” (artigo 1.º). Neste sentido, deve destacar-sea preocupação manifestada com o “fomento dearticulação entre organismos públicos e entidadesprivadas que actuam no domínio social, visando,em especial: a actuação concertada na prevenção esolução de problemas sociais; a adopção de prio-ridades” (alínea i) do artigo 12.º).

Por outro lado, a referida Resolução, confereum papel central na implementação da Rede Socialàs autarquias, ao definir que os CLAS e as CSFserão presididas, em princípio, respectivamentepelos presidentes das Câmaras e das Juntas de Fre-guesia1, dando sequência ao disposto na Lei n.º159/99 de 14 de Setembro, que estabeleceu o qua-dro de transferência de atribuições e competênciaspara as autarquias locais, nomeadamente no quese refere à acção social (artigo 23.º) e, deste modo,assume uma perspectiva de responsabilização dasautarquias, mas também de outras entidades públi-cas e privadas locais, e de consequente descentra-lização da intervenção social.

Nesta sequência, a ideia de promoção do de-senvolvimento social nos concelhos e freguesias,assume-se como uma noção estratégica no docu-mento Programa Rede Social onde se afirma que

este programa “tem como finalidade combater a po-breza e a exclusão social numa perspectiva de pro-moção do desenvolvimento social”(NRS, 2001: 13).

Considerando que não se deve conceber o de-senvolvimento social independentemente do desen-volvimento local, defende-se que o programa“poderá contribuir de forma decisiva para que oplaneamento do desenvolvimento social sejaperspectivado em função das dinâmicas de de-senvolvimento local e (...) simultaneamente, para aindução do desenvolvimento local a favor dodesenvolvimento social” (NRS, 2001: 32).

O planeamento integrado de base territorial éentendido como um dos vectores estratégicos daimplementação da Rede Social e consequente trans-formação de práticas e culturas de fechamento dosorganismos públicos e entidades privadas há muitoenraízados. Assim, as orientações estratégicas emetodológicas definidas neste documento apontamclaramente para a criação de condições para o de-senvolvimento de projectos integrados e inter-sectoriais, articulando as acções de diferentesparceiros, elaborados a partir de diagnósticos eplanos de desenvolvimento social de base territorial,bem como para a dinamização da participação activadas populações nestes projectos.

Deste modo, este Programa tem condições desuperar as orientações sectoriais com orientaçõesglobais e integradas, implicando uma definição deprioridades de base territorial, afirma a necessida-de de superar intervenções casuísticas com acçõese projectos integrados que criam condições para aresolução dos problemas individuais e perspectivamterritórios inclusivos e, em última análise, tem con-dições de enquadrar a intervenção social local numaperspectiva de desenvolvimento sócio-económico,cultural e ambiental sustentável. Trata-se, portanto,de um programa essencial e incontornável no pro-cesso de inovação e aplicação dos conceitos e dospressupostos metodológicos, que se encontram nabase da intervenção social, em Portugal.

Rede Social: Objectivos e Contributospara o Desenvolvimento Local

Como se referiu, Portugal vem assumindo com-promissos políticos e de intervenção consideráveisno âmbito do combate à pobreza e à exclusão so-cial, nomeadamente através das designadas políti-

1 Esta questão será objecto de maior clarificação, mais adiante.

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cas sociais activas. Estado e Sociedade vêm-se tor-nando parceiros, desenvolvendo artes de negocia-ção, concertação e co-responsabilização, emboracom um longo caminho ainda a percorrer e a con-solidar.

Enquadram-se neste âmbito os seguintesobjectivos estratégicos do Programa Rede Social:“desenvolver uma parceria efectiva e dinâmica quearticule a intervenção social dos diferentes agenteslocais; promover um planeamento integrado esistemático, potenciando sinergias, competênciase recursos de nível local; garantir uma maioreficácia do conjunto de respostas sociais nosconcelhos e freguesias”, dos quais decorrem algunsobjectivos específicos como induzir o planeamentoparticipado, em matéria de intervenção social;promover a coordenação de intervenções terri-torializadas, nos níveis concelhio e de freguesia;encontrar soluções específicas para os problemasespecíficos das famílias e indíviduos em situaçãode pobreza e exclusão social; promover a formaçãode agentes de desenvolvimento local; contribuirpara uma adequada cobertura, dos concelhos, emserviços e equipamentos e promover a divulgaçãodo conhecimento sobre as realidades concelhias.(NRS, 2001: 13)

O que significa assumir as Redes Sociais (par-cerias) como instrumentos fundamentais nosprocessos de desenvolvimento local, quer pelaaposta metodológica de implementação de proces-sos de planeamento estratégico territorializados eparticipados, quer como suporte de intervençõessociais que se pretendem cada vez mais integradase eficazes, quer ainda como indutoras de medidasde política social cada vez menos sectorializadas ecada vez mais respondendo à multidimensiona-lidade dos problemas existentes.

Embora, aparentemente (ou numa primeirafase), sem acções directas na resolução dos pro-blemas dos indivíduos e grupos em situação e/ourisco de pobreza e exclusão social, a Rede Socialpropõe-se potenciar e rentabilizar o envolvimentoe a organização de parcerias locais (entre entidadespúblicas e privadas) que, através de acçõesplaneadas e articulação de recursos, negoceiemsoluções e projectos inovadores, demonstrando as-

sim as suas capacidades locais para impulsionar odesenvolvimento.

Como refere Bernard Vachon, “É necessárioque o desenvolvimento na sua visão mais amplaseja preparado, pensado e iniciado pelos territórios.O desenvolvimento é algo que irradia a partir doconjunto. As pessoas vão compreender cada vezmelhor este fenómeno e apropriar-se dos mecanis-mos de desenvolvimento dos seus próprios territó-rios.” (Vachon, 2000: 25)

Importa ainda sublinhar a importância de ex-periências anteriores, que ajudaram a potenciar edesenvolver as opções e as dinâmicas que, ao ní-vel concelhio, o Programa Rede Social vem demons-trando. Isto é, importa relembrar o percurso e opapel preponderante que foi traçado pelos Progra-mas Internacionais de Luta Contra a Pobreza, pio-neiros em termos de áreas de experimentação, quehoje se pretendem consolidar melhor para garantirmaior eficácia e consistência à prevenção e ao com-bate à pobreza e à exclusão social, nomeadamenteatravés da dinamização de parcerias.

A valorização e o reconhecimento deste tra-balho de base é essencial para que se valorizem ese possa reflectir sobre os processos/percursos jáefectuados2. Na sua esteira, outros projectos e pro-gramas (nacionais e comunitários) especialmentedirigidos aos indivíduos e grupos sociais maisdesfavorecidos ou em risco de pobreza e/ou exclu-são social como, por exemplo, os projectos nacio-nais de Luta Contra a Pobreza, os programas co-munitários INTEGRAR, URBAN, as IniciativasComunitárias “Emprego” e ADAPT entre outros,têm demonstrado contributos igualmente positivos.As intervenções têm-se centrado em áreas tão di-versas como o apoio à formação profissional e com-plementar, o acompanhamento à inserção profis-sional e criação de emprego, a alfabetização e edu-cação de adultos, a melhoria das condições dehabitabilidade e a criação de equipamentos de su-porte, com o objectivo de contribuir para a melhoriadas condições de vida das populações e para o de-senvolvimento local, cada vez mais a requerer, comorefere José Manuel Henriques, “a iniciativa e aauto-organização das comunidades locais na pro-cura de soluções para os seus próprios problemas”(Henriques, 2000:18).

2 É pena não se poder dispôr de estudos sistemáticos de avaliação dos Projectos de Luta Contra a Pobreza e/ou de publicações sistematizando osconhecimentos produzidos por essa via.

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São, portanto, acções indiciadoras de um ex-tenso campo de experimentação territorializada ede uma variedade e diversidade de metodologiasde abordagem e de intervenção, mas insuficiente-mente sistematizadas e divulgadas3.

Se, na sua fase inicial, as intervenções se fa-ziam sentir, sobretudo ao nível da criação de equi-pamentos e infra-estruturas de suporte4, área naqual o País demonstrava graves carências, hoje, aquestão coloca-se mais acentuadamente, na neces-sidade de planear estratégica e inter-sectorialmentee de gerir eficazmente a intervenção social local,regional e mesmo nacional, porque o défice não secoloca ao nível do número de medidas de políticasociais existentes, mas na necessidade do seu co-nhecimento/divulgação, da sua difusão e articula-ção eficazes.

Neste contexto, vale a pena registar o papelpreponderante que vêm assumindo as parceriascompostas pelas entidades públicas (autarquias e

serviços públicos sectoriais) e pelas diversas ONG’s(IPSS, ADLs e outras) activamente empenhadas nodesenvolvimento local.

José Manuel Henriques ilustra bem este pa-pel ao afirmar que “a acção social convencionalvai-se fundindo com a animação económica local ea promoção local do desenvolvimento visando mu-danças coerentes nos contextos locais de forma aassegurar a sustentação de mudanças induzidas anível individual e ao nível dos agregados domésti-cos. São exemplos desta perspectiva a associaçãoentre o rendimento mínimo garantido e políticasactivas tendentes à reinserção económica e social,ou a associação entre o subsídio de desemprego e aformação profissional.” (Henriques, 2000: 15)

No entanto, como o sublinham vários autores(Cf. por exemplo, Capucha, 2000; Henriques, 2000e Ruivo, 2000), apesar dos esforços positivos evi-dentes, os resultados que se vêm registando, pare-cem estar sempre aquém do desejável e do neces-

3 Haverá certamente, boas práticas a reter e com possibilidades de transferibilidade para outros territórios, outros programas e projectos queevitariam (re)começar de novo.

4 Talvez se tenha até pecado por excesso, já que os equipamentos foram sendo feitos sem um planeamento prévio das suas necessidades, masobedecendo, algumas vezes, a modismos e outras a clientelismos, reclamando por alguma racionalização em termos da sua distribuição territorial.

Foto de Pedro Corte-Real

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sário, o que significa dizer que, apesar da prática,algumas das tendências económicas e sociais es-truturais, teimam em continuar a reproduzir condi-ções de risco, de precarização e situações de po-breza e exclusão social.

Como é sabido, a complexidade de base des-tes fenómenos, já não se resolve com as soluçõestradicionais ou com simples transferências finan-ceiras, requer estratégias e propostas inovadoras,nomeadamente através do conhecimento e investi-gação das suas causas e especificidades, consoan-te as áreas territoriais nas quais se manifestam;requer processos de planeamento estratégico ca-pazes de cerzir acções e intervenções inter-secto-riais transversais.

Muito tempo se perdeu já, no domínio do pla-neamento social, desde que, a partir dos anos 80,os Municípios passaram a ter que planear a suaintervenção urbanística, (supostamente) em ade-quação aos perfis sócio-demográficos concelhios –tornavam-se obrigatórios os PDM (Planos Directo-res Municipais), que deveriam integrar também umacomponente de planeamento social. O que é facto éque se o planeamento urbanístico se foi efectuan-do, o social foi sendo sistematicamente esquecido,quando deveriam efectuar-se em conjunto e influen-ciar-se reciprocamente.

O Programa Nacional Rede Social pode con-tribuir para colmatar este “esquecimento”, simul-taneamente potenciando e consolidando as expe-riências de trabalho em parceria eventualmente jáexistentes ao nível local e procurando novos cami-nhos e soluções de combate à pobreza e à exclusãosocial.

Da Dinamização de Parceriasà Prossecussão da Metodologia

As Parcerias como Redes

“El partenariado es un proceso donde dos o másorganizaciones se unen para crear algo nuevo, algoque no poderían conseguir por sí solos e inclusoalgo que es más que la suma de sus acciones.”

Joseph Just, “El partenariado como estrategia de trabajo social

comunitario”, in Cuadernos de Trabajo Social, 2000, p. 255

A implementação e consolidação do ProgramaRede Social, implica uma forte aposta no trabalho

em parceria, para criar as condições necessáriasa uma maior qualificação da vida quotidiana daspopulações, isto é, para operar mudanças na rea-lidade social. Assenta, portanto, em dois eixos fun-damentais: no desenvolvimento de estruturas de par-ceria, nas quais as autarquias assumem um papelde dinamização fulcral e na promoção do desenvol-vimento social local, através, como já se referiu, daintrodução de dinâmicas de planeamento estraté-gico participado.

Apesar da utilização da noção de parceria sercada vez mais banalizada, nomeadamente por viade projectos e programas que a todo o momento aconvocam, tal não significa que possa ser tomadacomo um instrumento mágico capaz de resolver, porsi só, todo o tipo de riscos e problemas de pobrezae exclusão social ou que a noção signifique o mesmopara todos os actores envolvidos.

No contexto do Programa Rede Social, esta éuma noção central que remete para uma ideia deacção colectiva – o trabalho em rede, que implicauma forte dimensão relacional e comunicacional,assente em objectivos comuns consensualizados,partilhados e que sejam fulcrais ao nível local; sen-tido de co-responsabilização e respeito pelademocracia participativa. Assenta ainda na ideiade assegurar maior capacidade de intervenção, emcontextos de vulnerabilidade e riscos de pobreza eexclusão social.

Em síntese, a parceria assume-se como umaestratégia de acção colectiva que caminha no sen-tido da coesão social e de mudanças sociais efecti-vas que cada actor em presença não consegueefectivar isoladamente. Pode ainda dizer-se que“(...) construir parcerias é, simultaneamente,construir um processo de conhecimento (assenteem complementaridades), capaz de fortalecer inter-acções, capacidades e recursos; capaz de tornarmais consistente a intervenção em áreas mais negli-genciadas, o que se torna (...) processo de apren-dizagem e de formação.” (Gonçalves, 2002: 12)

De facto, o Programa Rede Social torna-se,em cada concelho, um projecto comum dasparcerias (institucionais) que se constituem para oviabilizar. São sempre compostas por entidadespúblicas e privadas sem fins lucrativos comintervenção social relevante, nas duas estruturasde parceria que corporizam os projectos de Redenos diferentes concelhos do Continente: o Conselho

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Local de Acção Social5 e as Comissões Sociais deFreguesia6.

Tratam-se de parcerias formais que, em boaparte dos casos, já funcionavam informalmente ea experiência demonstrou que nestas situações adinamização de redes sociais foi mais fácil emotivante.

Contudo, esta não se tem revelado uma tarefafácil, nomeadamente porque o envolvimento e adinamização de parcerias é um processo moroso7,já que a prossecussão de metodologias de planea-mento participado, requer maturidade às parcerias,constantes negociações, cooperações e consensose ainda porque a multiplicação de parcerias ”im-postas” pelos programas e medidas de políticaestatais, muitas vezes obrigam os mesmos técnicosa “desmultiplicarem-se” em reuniões sectoriais,quando o que faz falta são visões transversaiscentradas na multidimensionalidade dos problemas.

Um breve ponto de situação permite observarque, dos 71 concelhos8 em fase de consolidaçãodo programa, 76,1% constituíram já formalmenteuma das estruturas de parceria definidas na RCM,isto é, os Conselhos Locais de Acção Social (CLAS)e 90% têm Regulamento Interno. Em relação àoutra parceria, isto é, às Comissões Sociais deFreguesia (CSF), 69 encontram-se formalmenteconstituídas, 14 das quais são Comissões SociaisInter-Freguesia9.

Embora funcionando de formas diversas (deacordo com os respectivos Regulamentos Internos)os CLAS possuem alguns denominadores comuns:

- Núcleo executivo, composto por técnicos(entre 5 e 8 elementos), que se reúnem com umaregularidade determinada, quer pelas exigências dotrabalho a realizar, quer pelo tempo disponível. Namaior parte dos casos10, os núcleos executivos sãoresponsáveis pela realização dos documentos, como

os Diagnósticos Sociais Concelhios e os Planos deDesenvolvimento Social.

- Plenário (ou parceria alargada), compostopelos decisores de instituições/entidades (ou res-pectivos representantes, com capacidade de deci-são), que reúne mais esporadicamente (entre 2 e 4vezes por ano), para discutir as propostas dostécnicos, consensualizar orientações, decisões e, nocaso de concelhos mais avançados no processo,emitir pareceres11 sobre a construção de novosequipamentos, criação de valências e/ou projectosna área social, de acordo com as necessidadespriorizadas (definidas nos diagnósticos) e asestratégias consensualizadas, inscritas nosrespectivos planos de desenvolvimento social.

- Em alguns concelhos existem ainda gruposde trabalho temáticos (predominando os que sedebruçam sobre os idosos, a população portadorade deficiência, a infância e menores em risco e atoxicodependência...), ou grupos de trabalhosectoriais (incidindo sobre a saúde, a educação, aacção social...). A existência destes grupos éobservável, sobretudo em concelhos nos quais existegrande concentração populacional (centrosurbanos), grande número de instituições comintervenção na área social e maior visibilidade deproblemas sociais.

Refira-se ainda que, no caso dos grupostemáticos, a sua composição é inter-sectorial, o quepermite visões transversais das realidades emquestão e uma maior aproximação à complexidadee multidimensionalidade dos problemas, o que seafigura como uma clara vantagem no contexto dasRedes Sociais locais. Os segundos, sectoriais,continuam a trabalhar numa perspectiva que oPrograma pretende superar, reproduzindo ainda asvisões tradicionais e as lógicas organizacionais dedivisão (administrativa) do trabalho.

5 Cuja composição integra a Câmara Municipal, Juntas de Freguesia, entidades públicas (Segurança Social, Saúde, Educação, Justiça e Emprego) eentidades privadas sem fins lucrativos (IPSS’s, ONG’s, ADL’s), devendo ser presidido, em princípio, pelo Presidente da Câmara.

6 Cuja composição integra as Juntas de Freguesia, entidades públicas e entidades privadas sem fins lucrativos e representantes de grupos sociaiscom relevância na intervenção local, devendo ser presidido, em princípio, pelo Presidente da Câmara.

7 Implica uma temporalidade que não é compatível com os tempos políticos dos executivos autárquicos.8 Este valor absoluto inclui os 41 concelhos piloto (de 2000) e 30 que aderiram em 2001. Os 52 concelhos que aderiram em 2002, encontram-se

ainda em fase de lançamento.9 Abrangendo um total de 110 freguesias.

10 Contudo, verificam-se também, ainda que em menor escala, situações de consultorias científicas, para acompanhamento das várias etapasmetodológicas e situações de encomenda a equipas externas, de Centros de Estudos Universitários, para concretização dos documentos. Esta é asituação menos aconselhável, na medida em que, ficando os documentos mais consistentes do ponte de vista científico, perde-se uma das maisimportantes dimensões de implicação dos parceiros no processo de produção e de apropriação do conhecimento sobre as realidades locais.

11 Estes pareceres possuem um valor aparentemente consultivo, mas na realidade, pelas dinâmicas de planeamento social participadas, nos quais seinserem parecem começar a assumir um carácter vinculativo.

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Como é que tudo isto se articula no sentido daprossecussão de processos de planeamento socialparticipados?

Em geral, o processo é idêntico em todos osconcelhos, ainda que os resultados possam apre-sentar contornos diferentes. Após a formalização dosCLAS (das parcerias), os elementos dos núcleos exe-cutivos reúnem-se para preparar os planos de tra-balho a efectuar antes da elaboração dos diagnós-ticos sociais, para conceber instrumentos de recolhade informação, propor calendarização das acções edefinir as responsabilidades de cada parceiro nodesenvolvimentos das mesmas. Os procedimentossão idênticos para os diagnósticos sociais, os pla-nos de desenvolvimento social e respectivos planosde acção.

Os grupos de trabalho (quando existem) en-contram-se inseridos na mesma dinâmica de par-ceria, em estreita colaboração com técnicos dosnúcleos executivos, para tarefas como: reflectir eefectuar levantamentos dos problemas e das neces-sidades existentes; partilhar conhecimento e infor-mação; elencar as potencialidades e os recursosexistentes, ao nível concelhio e propor estratégiasconcertadas de intervenção social.

Ao plenário cabe decidir se as acções e in-tervenções (tecnicamente fundamentadas) seconcretizam conforme o proposto ou se é necessárioproceder a alterações, definindo-as.

Este tipo de dinâmicas e de organização dotrabalho em rede coloca, por vezes, alguns cons-trangimentos, nomeadamente a morosidade dos pro-cessos por dificuldade de agenda para reuniões,dificuldade em conseguir que todos os parceirospossuam os mesmos níveis de informação eapreendam os objectivos do Programa do mesmomodo e muitas vezes, dificuldade em ultrapassar ocepticismo bloqueador e/ou a necessidade deprotagonismo de alguns parceiros-chave ou aindadificuldade de contornar/ultrapassar burocracias eculturas organizacionais centralistas e tradicionais.Este conjunto de dificuldades prenunciam riscos:de desmobilização dos parceiros, pela morosidadena obtenção de resultados visíveis; de obstrução àconstituição e funcionamento das parcerias,impedindo consequentemente níveis desejáveis departicipação, condicionando assim o sucesso dosprojectos locais.

Importa ainda referir algumas questões perti-nentes, de carácter estrutural, que conferem ca-racterísticas diferentes às redes sociais locais:

- A diversidade de condições de partida exis-tentes nos diferentes concelhos, para a im-plementação do Programa. Como se refere noRelatório de Execução do Programa Piloto RedeSocial “se os pequenos concelhos enfrentam difi-culdades devido à escassez de técnicos e recursos,já os grandes concelhos urbanos têm outro tipo deproblemas que derivam da sua extensão geográficae elevada densidade populacional, bem como dogrande número de potenciais entidades parceiras(...).” (NRS, 2001b:25) Em termos práticos, a ques-tão tem sido resolvida de formas diferentes, nosconcelhos pequenos, todas as instituições integramdirectamente os CLAS e, no caso dos grandes con-celhos, a constituição dos CLAS efectua-se porrepresentatividade de alguns sectores, desde queconsensualizada entre os parceiros, no sentido deevitar estruturas pouco funcionais.

- A já referida proliferação de parceriasincidindo na mesma esfera de intervenção social,que, por decreto ou incumbência legal, se verificaao nível local, com consequentes sobreposições decompetências e multiplicação de reuniões que, emgeral, recaíem sobre os mesmos técnicos. Algunsconcelhos vêm encontrando formas específicas deorganização, articulação e funcionamento dasparcerias, constatando-se que importa salvaguardara flexibilidade característica das Redes Sociais,assumindo-se, cada vez mais, como plataformas deintegração das parcerias alargadas, de acordo comas especificidades territoriais, uma vez que esteproblema ainda não se encontra resolvido, sobre-tudo do ponto de vista legal.

Quanto às CSF’s e às Comissões Sociais Inter--Freguesias, importa referir que assentam num “fun-cionamento simples, centrado na resolução de pro-blemas locais e abranger uma variedade deentidades locais interessadas, tais como clubesdesportivos, associações culturais e recreativas,associações e grupos representativos da população,em particular as mais vulneráveis e até empresaslocais com vontade de contribuir para o desenvol-vimento social.” (NRS, 2001b: 26)

Isto significa afirmar o importante papel de-sempenhado por estas estruturas de parceria aonível local, pela proximidade e (re)conhecimentodos problemas de pobreza e exclusão social. Nestaperspectiva micro, as famílias e os indivíduos emtais situações, são mais do que um número somadoa outro número e diluído na abstracção das estatís-ticas, possuem nomes e trajectórias facilmente

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reconhecíveis e têm problemas e necessidades reaispara resolver.

Estas estruturas de parceria não se encontrammais generalizadas pela especificidade de constran-gimentos como: a existência de um elevado núme-ro de freguesias, muitas das quais registando fracadensidade populacional e reduzido número de en-tidades/instituições para formar parcerias; as Juntasde Freguesia enfrentam problemas de escassezde recursos, quer técnicos, quer materiais; a exi-gência de um trabalho sistemático de sensibilização,animação e envolvimento de autarcas e actores lo-cais, que constitui tarefa acrescida dos técnicos dosnúcleos executivos.

Quando ultrapassadas as dificuldades e osconstrangimentos mais recorrentes, estamos peranteprocessos de reconhecidas virtualidades, no sentidode parcerias consistentes e com maturidade parao trabalho em rede: ajudam à transformação daspráticas profissionais; promovem atitudes de escutaentre parceiros; obrigam a constantes clarificaçõesdos princípios e objectivos que se encontram nabase da constituição das parcerias; predispõem aoquestionamento, à interrogação e à reflexão; obri-gam à circulação de informação; originam a partici-pação alargada, a negociação e a co-responsabili-zação; melhoram a capacidade de compreensão, delegibilidade e de conhecimento dos territóriosconcelhios, reforçando as suas identidades.

As Dinâmicas de Planeamento

Para atingir os objectivos propostos pelo Pro-grama12 “a RCM perspectiva a Rede Social comouma estratégia de abordagem da intervenção socialbaseada num trabalho planeado, feito em parceria,visando racionalizar e trazer maior eficácia à acçãodas entidades públicas e privadas que actuam numamesma unidade territorial.” (NSR, 2001a:11)

Nesta sequência e tal como vem sendoexplicitado ao longo do texto, as parcerias quecorporizam as Redes Sociais locais, têm-se empe-nhado em processos de planeamento participados,para efectivar várias etapas de trabalho interligadasentre si:

- Elaboração do Diagnóstico Social concelhio,implementação do Sistema de Informação

e concretização de um Plano de Desenvol-vimento Social, fixando os objectivos e asestratégias de intervenção concelhias, naárea social.

- Elaboração de planos de acção (anuais).- Definição de mecanismos de avaliação.

Um breve ponto da situação nesta matéria per-mite observar que dos 71 concelhos em fase deconsolidação do Programa, 41 são concelhos piloto,dos quais 30 concluíram os seus DiagnósticosSociais, mas apenas 4 efectuaram já os seus Planosde Desenvolvimento Social e respectivos Planos deAcção e os 30 concelhos que aderiram em 2001,encontram-se agora em fase de finalização dosreferidos diagnósticos.

Uma mera leitura numérica, não permite terideia das pequenas mudanças quotidianas e dosganhos concelhios que já se vêm fazendo sentir, deforma progressiva (e ao ritmo possível de cada umdos níveis locais), sobretudo tendo em conta: quese trata de um Programa de alcance diferente dohabitual, de âmbito estrutural e enquadrador, quepromete trabalho árduo e complexo, sem oferecerresultados imediatamente visíveis; que se verificaem Portugal uma crescente falta de hábito deplaneamento estratégico na área social e como taluma grande falta de formação técnica específicanesta matéria, nomeadamente ao nível dos quadrostécnicos locais; que os níveis locais se debatemcom escassez de recursos humanos e materiais,sobretudo em concelhos de menor dimensão e/oudo interior.

Os resultados que se vêm obtendo evidenciamas assimetriais territoriais do País, tornando visíveistodas estas questões, mas apelam a um olharqualitativo que importa nunca perder de vista, sen-do possível transpor para este contexto a pertinenteafirmação de José Manuel Henriques ao assinalarque “é verdadeiramente notável a excelência doenvolvimento de tão grande número de cidadãosportugueses em torno de projectos locais que têm ocombate à pobreza e à exclusão social e a promoçãodo desenvolvimento local como referência na acção.A determinação na acção, a competência técnica ea generosidade solidária que evidenciam constituium portencial endógeno ao nosso país que não podedeixar de ser adequadamente valorizado.”(Henriques, 2000:23)

12 Cf. Rede Social: Objectivos e Contributos para o Desenvolvimento Local, do presente artigo.

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Em síntese, a aposta (inovadora) deste Pro-grama assente na constituição de redes sociais, temsido a de induzir processos territorializados de pla-neamento estratégico aplicados ao social, tendo emvista uma acção colectiva transformadora, capaz deencontrar soluções à medida dos problemas e ne-cessidades sociais locais, incentivando a partici-pação da comunidade e potenciando a integração/articulação/ complementaridade das medidas depolítica de âmbito nacional, existentes.

Considerações Finais

Neste ponto final, propomo-nos analisar su-cintamente algumas questões metodológicas e re-lativas à prática da intervenção social com as quaisa rede social veio confrontar os serviços públicos eas entidades privadas, locais e nacionais, envolvidasno programa, como ponto de partida para avançarcom algumas considerações prospectivas.

O Programa Rede Social possui um objectivocomum a outros programas de âmbito social: ocombate à pobreza e à exclusão social, contudo, comuma diferença substancial, pretende fazê-lo naóptica do desenvolvimento social.

Esta perspectiva obriga os actores que traba-lham no terreno a (re)pensarem a intervenção socialentendida, em sentido lato, e o conjunto de res-postas existentes no quadro do desenvolvimentolocal. Neste contexto, apela a um modelo de inter-venção que combine lógicas de solidariedade,traduzidas em intervenções integradas multisecto-riais visando dar resposta aos problemas concretosde cada cidadão.

Além disso, esta perspectiva evidencia a im-portância da dimensão territorial no combate contraa exclusão social, na medida em que, particu-larmente a política de prevenção da exclusão, deveincidir na recriação do sistema de relações no inte-rior dos territórios, transformando-os em espaçosinclusivos. A rede social apela assim ao desenvol-vimento de intervenções territorializadas, que visamtransformar e inserir as zonas de exclusão no espaçogeográfico mais vasto.

Em termos práticos, a perspectiva do desen-volvimento social proposta pelo programa assentano desenvolvimento de um trabalho em parceria,possibilitando uma cooperação sistemática entre osorganismos públicos e as entidades privadas queactuam no mesmo território, no planeamento con-

junto da actividade destes parceiros, possibilitandoa definição de prioridades e a articulação de res-postas existentes ou a criar ao nível concelhio.

As parcerias formalizadas, quer os CLAS queras CSF’s, constituem um tipo de parceria diferentedas que já existem, nomeadamente porque possuemum âmbito transversal ao conjunto dos áreas daintervenção social, ao contrários das parceriassectorializadas e são constituídas por dirigentes dasentidades aderentes, visto que esse é um requisitoindispensável à tomada de decisões na esfera doplaneamento, definição de prioridades de interven-ção e emissão de pareceres sobre candidaturas deentidades locais.

Importa ainda salientar o papel de dinami-zação da rede social conferido às autarquias, nãosó por impulsionar a transferência de competênciasna área social, prevista na legislação respectiva,mas também por permitir que esta transferênciase concretize no quadro de relações de parceriaassentes na igualdade entre todos os parceiros, comum funcionamento aberto e transparente, isto é,configura uma lógica de democracia participativaque é essencial à formação de consensos e à arti-culação da actividade dos parceiros.

Claro está que a rede social, ao incentivar umacultura organizacional de abertura e transparência,como condição de uma cooperação efectiva entreos parceiros e da procura de complementaridadesde intervenção, contraria a tradicional lógica defechamento das instituições públicas e privadas eas lógicas concorrenciais, assentes no acesso afinanciamentos que são prática corrente. Nestesentido, tem suscitado algumas resistências, emparticular de serviços públicos, correndo o risco deser alvo de tentativas de instrumentalização.

Torna-se, por isso, indispensável que a regu-lamentação da RCM 197/97 se situe no quadro dosprincípios da rede, salvaguardando a lógica dedemocracia participativa e garantindo que as estru-turas da rede continuem a ser instâncias colectivasde decisão, cujos membros, sem abdicar da suaautonomia, concertam esforços para promover odesenvolvimento social local.

Outra dimensão inovadora é accionar proces-sos metodológicos de planeamento estratégicoparticipado, nos diversos territórios concelhios,decorrente de um significativo investimento dasestruturas de parceria que corporizam os projectosde rede. Redes solidárias, mas institucionais; redescom responsabilidades complexas, como as

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realidades que pretendem mudar; redes em que oEstado e a Sociedade Civil têm que consensualizarobjectivos, conhecimento e estratégias de inter-venção, contribuindo com recursos materiais ehumanos, investidos num trabalho em parceria, nosentido de uma sociedade com maior qualidade devida e socialmente mais coesa.

As principais dificuldades desta metodologiaincidem nas implicações práticas do planeamentoe correlativa definição de prioridades, nomeada-mente quando se torna necessário definir quemfaz o quê e emitir pareceres fundamentados (nosdiagnósticos e nos planos de desenvolvimento so-cial) sobre candidaturas a programas nacionais ouinternacionais. Neste aspecto, os principais cons-trangimentos que se colocam, referem-se à ausênciade tradição de planeamento de base territorial naárea social e à consequente falta de formaçãoespecífica de muitos quadros técnicos locais, paraaplicarem este topo de metodologias.

Uma das mais valias decisivas do programaconsiste, justamente, na criação de condições paracolmatar as insuficiências referidas. De facto, a redesocial confronta as entidades aderentes e osrespectivos dirigentes e técnicos com a necessidadede adoptarem de forma generalizada e consistenteuma perspectiva de investigação-acção, traduzidana produção de diagnósticos, planos de de-senvolvimento social, sistemas de informação eutilização sistemática da avaliação, que não podedeixar de ter efeitos positivos na qualidade do seutrabalho.

Por outro lado, como salienta o relatório deexecução do programa piloto, “a introdução de di-nâmicas de planeamento estratégico surge comocondição para a articulação de esforços e recursosdos diferentes agentes, na perspectiva de umaintervenção direccionada para o desenvolvimentolocal, superando as perspectivas sectorializadas deacção”.

Na sequência das resoluções adoptadas noquadro da presidência portuguesa sobre o combateà pobreza e à exclusão, a cimeira de Nice, ao impora obrigatoriedade da adopção de Planos Nacionais

para a Inclusão (PNAI) bienais, reforça a impor-tância do planeamento de âmbito local já introdu-zido pelo programa da rede social.

Assim, a produção de diagnósticos locais irácontribuir para um conhecimento mais aprofundadodas situações de pobreza e exclusão social e, destemodo, poderá dar um contributo decisivo para oenriquecimento dos próximos PNAI e, numa relaçãobiunívoca, estes contribuirão com orientações geraise directrizes concretas a inscrever nos planos dedesenvolvimento social locais.

A desejável interacção recíproca entre a for-mulação de planos nacionais e planos locais confi-gura-se como um factor decisivo para a adaptaçãoconsequente das políticas e medidas de âmbitonacional, previstas no PNAI, aos problemas e ne-cessidades locais, devendo contribuir decisivamen-te para a implementação e concretização práticado mesmo.

Finalmente, num plano prospectivo e consi-derando os contributos que a rede social poderádar para o desenvolvimento local, importa salientaralgumas questões essenciais, decorrentes da ava-liação global do programa ou que foram levantadaspor alguns concelhos piloto, as quais constam daspropostas e recomendações feitas no Relatório deExecução do Programa Piloto Rede Social.

A possibilidade de abertura das estruturas darede social a entidades com fins lucrativos, nãoprevista na RCM 197/97, foi defendida por váriosCLAS com o fundamento de que a presença de re-presentantes do sector económico é importante aonível do planeamento estratégico de base territoriale pelos contributos que podem dar na resolução deproblemas sociais específicos.

Por último, prevê-se a necessidade de, numfuturo próximo, os planos de desenvolvimento socialse articularem com outros instrumentos deplaneamento de âmbito territorial, nomeadamentenas áreas económica e ambiental, tornando-senecessário estudar a possibilidade de definirinstâncias de âmbito supra-concelhio, capazes degarantir a coerência entre formas de planeamentocom diversos âmbitos e a diferentes níveis.

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