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VI Encontro Nacional da Anppas 18 a 21 de setembro de 2012 Belém - PA – Brasil A REDE-MOVIMENTO SOCIAL DOS GERAIZEIROS DO NORTE DEMINAS Isabel Cristina Barbosa de Brito Cientista Social, Pesquisadora e Professora da Universidade Estadual de Montes Claros Doutoranda do Centro de Desenvolvimento Sustentável, CDS - UnB [email protected] Resumo A monocultura de eucalipto associada a produção de carvão para siderúrgicas promoveu uma rápida desestruturação do Cerrado na região Norte de Minas Gerais e a expropriação de terras das comunidades tradicionais.Os geraizeiros do norte de Minas Gerais, da região de Rio Pardo de Minas constituem comunidades rurais agroextrativistas- pastoris que estruturaram seu modo de vida nos domínios do Cerrado em contato com a Caatinga e que se constituíram como tal no processo sócio histórico, cultural e político de formação da região e de reconhecimento das identidades diferenciadas que formam o povo brasileiro. São comunidades que permaneceram com seu modo específico de viver mesmo com as fortes pressões advindas das transformações do O processo de modernização via a monocultura de eucalipto que vai de encontro às formas diferenciadas de sociabilidade e modos de vida geraizeiro. O contexto de reconhecimento pelo Estado nacional de identidades diferenciadas e de seus direitos emoldura as reivindicações das comunidades tradicionais, nova categoria jurídica e política que emerge na dinâmica do contexto agrário brasileiro e que passa a reivindicar enquanto comunidades tradicionais direitos territoriais. Este trabalho objetiva apresentar a rede de movimento social dos Geraizeiros em conflito com a monocultura de eucalipto no norte de Minas, suas estratégias e perspectivas especialmente na região denominada de região do alto rio Pardo.

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VI Encontro Nacional da Anppas18 a 21 de setembro de 2012Belém - PA – Brasil

A REDE-MOVIMENTO SOCIAL DOS GERAIZEIROS DO NORTE DEMINAS

Isabel Cristina Barbosa de BritoCientista Social, Pesquisadora e Professora da Universidade Estadual de Montes Claros

Doutoranda do Centro de Desenvolvimento Sustentável, CDS - UnB [email protected]

ResumoA monocultura de eucalipto associada a produção de carvão para siderúrgicas promoveu uma rápida desestruturação do Cerrado na região Norte de Minas Gerais e a expropriação de terras das comunidades tradicionais.Os geraizeiros do norte de Minas Gerais, da região de Rio Pardo de Minas constituem comunidades rurais agroextrativistas-pastoris que estruturaram seu modo de vida nos domínios do Cerrado em contato com a Caatinga e que se constituíram como tal no processo sócio histórico, cultural e político de formação da região e de reconhecimento das identidades diferenciadas que formam o povo brasileiro. São comunidades que permaneceram com seu modo específico de viver mesmo com as fortes pressões advindas das transformações doO processo de modernização via a monocultura de eucalipto que vai de encontro às formas diferenciadas de sociabilidade e modos de vida geraizeiro. O contexto de reconhecimento pelo Estado nacional de identidades diferenciadas e de seus direitos emoldura as reivindicações das comunidades tradicionais, nova categoria jurídica e política que emerge na dinâmica do contexto agrário brasileiro e que passa a reivindicar enquanto comunidades tradicionais direitos territoriais. Este trabalho objetiva apresentar a rede de movimento social dos Geraizeiros em conflito com a monocultura de eucalipto no norte de Minas, suas estratégias e perspectivas especialmente na região denominada de região do alto rio Pardo.

A REDE-MOVIMENTO SOCIAL DOS GERAIZEIROS DO NORTE DEMINASO conflito socioambiental na disputa por terra, território, água no Norte de Minas Gerais se

revela no contexto do histórico bloqueio do acesso à terra para as camadas populares no Brasil,

promovido pelas elites agrárias via Estado. Esse bloqueio se atualiza constantemente para manter

o modelo do latifúndio. A compreensão da manutenção do latifúndio no Brasil é um desafio, a

ponto de muitas vezes se ignorar que grande parte dos problemas sociais do campo e da cidade

tem origem nesse modelo agrário baseado na desigualdade, e na imensa assimetria de poder que

este modelo produz e reproduz.

Apresentar os conflitos socioambientais na relação com as comunidades tradicionais, antigo

expropriado, e novo sujeito político, implica em apresentar novas perspectivas em termos de

diretrizes de reordenamento territorial. Uma nova visão num contexto diferenciado, assim esta

modalidade de conflito se apresentou como um caminho para furar o bloqueio do acesso à terra, o

caminho socioambiental baseado numa maior projeção da terra como recurso natural e na

diferente relação estabelecida pelas comunidades tradicionais com ela, que não é somente o local

de produzir, mas o lugar de vida, de vida sustentável.

A expansão capitalista no Norte de Minas foi sustentada pelo Estado que estabeleceu as

condições necessárias e incentivos fiscais e financeiros fundamentais para o capital privado na

região. Em 1966 foi criada a Fundação Rural Mineira - RURALMINAS responsável pela política

estadual de utilização das terras e das águas para irrigação e pelos incentivos a monocultura de

eucalipto. A RURALMINAS estava diretamente associada à gestão das terras do norte de Minas

para a expansão capitalista ignorando grupos que já haviam se estabelecido na região, como os

de geraizeiros, veredeiros, pescadores, vazanteiros, ilheiros, barranqueiros, caatingueiros,

quilombolas, índios, que forjaram sua forma de vida tendo como parâmetro os ambientes em que

habitavam. As famílias e comunidades tinham a posse por uso e direito e não por reconhecimento

jurídico, inclusive construindo modos peculiares de posse e uso da terra, como o uso comum das

chapadas pelos geraizeiros que a utilizavam para solta de gado e extrativismo.

A partir da década de 1970, o projeto capitaneado pela RURALMINAS era a introdução da

monocultura do eucalipto nas áreas de chapadas dos Cerrados do norte de Minas, e junto a esta

monocultura a atividade do carvoejamento. De 1983 a 1990 foram oficialmente liberadas pelo

Instituto Estadual de Florestas-IEF para desmate e carvoejamento no norte de Minas

aproximadamente 300 mil ha. As áreas, consideradas terras públicas, cedidas pelo Estado para

empresas que implantariam a monocultura, denominadas de reflorestadoras1.

Os anos 2000 se apresentaram com um novo movimento desenvolvimentista/capitalista e

uma nova onda de apropriação privada dos recursos naturais marca o início de um ciclo de

1 A utilização dos termos reflorestamento, reflorestadoras para denominação da atividade da monocultura de eucalipto já foi criticada por diversas vezes. A monocultura de eucalipto, ou de qualquer outra árvore não é floresta. No caso do eucalipto no norte de Minas a monocultura de eucalipto foi implantada com base na destruição das matas. O processo de implantação da monocultura era de derrubada com correntões e fogo para “limpeza” rápida das áreas, fazia-se também carvão de parte da mata nativa derrubada para implantar o eucalipto.

transformações socioambientais e de valorização do capital natural da região na perspectiva de

expansão do agronegócio. Por outro lado, as comunidades tradicionais passam a se organizar

para garantir territórios e pela manutenção dos recursos naturais, essenciais para o seu modo de

vida.

Os geraizeiros são comunidades tradicionais que se constituíram no processo sócio-

histórico, cultural e político de formação da região norte de Minas e de reconhecimento das

identidades diferenciadas que formam o povo brasileiro. O reconhecimento jurídico formal dos

povos e comunidades tradicionais é uma confluência das reivindicações de diferentes movimentos

sociais materializados na constituição de 1988; em 2006 na criação da Comissão de

Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais, e em 2007 da Política Nacional de

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT. Experiência que

tem indicado novas formas de se relacionar com o Estado e de construir políticas.

Os geraizeiros da região de Rio Pardo de Minas constituem comunidades rurais

agroextrativistas-pastoris que estruturaram seu modo de vida nos domínios do Cerrado em

contato com a Caatinga. Eles sofrem com o processo contínuo de expropriação das suas terras. À

medida da necessidade de expansão do capitalismo para apropriação dos recursos naturais eles

são restringidos ou expulsos de suas áreas.

O movimento socioambiental das comunidades atingidas pela monocultura de eucalipto no

norte de Minas Gerais- Brasil apresenta suas estratégias e se manifesta por meio de uma rede, a

rede dos geraizeiros que busca enfrentar o avanço da monocultura e reapropriar suas terras

expropriadas pelas empresas eucaliptocultoras com o apoio do Estado, as empresas também

atuam em rede para planejar e executar suas estratégias na busca de manter e expandir suas

áreas.

1. A ABORDAGEM DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

A abordagem conflitos socioambientais está inserida no contexto da relação sociedade-

ambiente, e relacionada à estrutura capitalista industrial de produção, de poder, Alier (1999)

pontua o significado de distribuição ecológica relacionando-o, à desigualdade. “refere-se às

assimetrias ou desigualdades sociais, espaciais e temporais na utilização pelos humanos dos

recursos e serviços ambientais ...” (Alier, 1999, p.216). Os estudos relativos aos conflitos oriundos

da distribuição ecológica denominam de ecologia política e consideram como conflitos ambientais

os conflitos pelo acesso aos recursos naturais.

Os conflitos ambientais podem ser interpretados a partir da noção do ecologismo popular ou

ecologismo dos pobres (Alier, 2007). Para o ecologismo popular o crescimento econômico implica

em maiores impactos no meio ambiente e advém da ética da necessidade de justiça ambiental.

A justiça ambiental e o ecologismo popular têm em comum a questão central ligada à idéia

de distribuição e justiça e de que a degradação ambiental é fruto da desigualdade, da pobreza e

da riqueza geradas pela sociedade capitalista consumista. A desigualdade não é só uma questão

distributiva, mas de apropriação dos recursos naturais, e está diretamente relacionada aos

conflitos que gera.

Desde pelo menos a última década do século XX a abordagem de conflitos socioambientais

vem sendo trabalhada na literatura brasileira e apresenta um adensamento à medida da

consolidação da temática e das diferentes perspectivas de conflito que foram emergindo.

Conflitos socioambientais são aqueles conflitos sociais que têm elementos da natureza como

objeto e que expressam as relações de tensão entre interesses coletivos, espaços públicos versus

interesses privados, tentativa de apropriação de espaços públicos. (CARVALHO e SCOTTO,1995,

p.7). Fuks (2001) aponta a incorporação da preocupação ambiental por amplos setores da

sociedade onde a perspectiva ambiental passa a articular uma nova modalidade de interpretação

para os problemas e conflitos urbanos e a emergência e a disputa pela definição de meio ambiente

como problema social. Lopes (2004) trabalha com a idéia de ambientalização dos conflitos sociais

relativa à construção de uma nova questão social, uma nova questão pública. A questão ambiental

como nova fonte de legitimidade e argumentação de conflitos.

Acselrad (2004) considera o meio ambiente como um terreno de disputa material e simbólica

e entende como conflitos ambientais,

(...) aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. O conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos, ou de bases distintas, interconectadas pelas interações ecossistêmicas (ACSELRAD 2004, p. 26).

Estas definições de conflito ambiental nos ajudam a compreender o processo de

amadurecimento e elaboração da noção de conflitos socioambientais no Brasil, que está

associado ao processo histórico e político da trajetória nacional frente à construção do campo

socioambiental. Essa reelaboração da noção de conflitos está imbricada com a forma desigual de

apropriação e uso dos territórios no país, e consequentemente nas formas desiguais de acesso e

uso e controle sobre os recursos naturais no Brasil.

ZHOURI e LASCHEFSKI (2010) classificam três tipos diferentes de conflitos ambientais: 1)

os conflitos ambientais distributivos os quais, “manifestadamente, indicam graves desigualdades

sociais em torno do acesso e da utilização dos recursos naturais” (2010, p.18), são relacionados

aos grandes debates ambientais de apropriação e disputas por recursos naturais no contexto das

desigualdades inter-países e intra-países e relacionados ao modo de produção, circulação e

consumo; 2) os conflitos sociais espaciais os quais “abrangem aqueles causados por efeitos ou

impactos ambientais que ultrapassam o limite entre os territórios de diversos agentes ou grupos

sociais, tais como emissões gasosas, poluição da água etc.” (2010, p.21); 3) os conflitos

ambientais territoriais que “marcam situações em que existe sobreposição de reivindicações de

diversos seguimentos sociais, portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o

mesmo recorte espacial” (2010, p.23).

Os conflitos Ambientais territoriais surgem, então, quando esse sistema de apropriação do espaço, com suas conseqüências sociais e ambientais, choca-se com os territórios gerados por grupos cujas formas de uso dependem, em alto grau, dos ritmos de regeneração natural do meio utilizado. Com freqüência, tais formas de uso são vinculadas a uma socialização do grupo em princípios de reciprocidade e coletividade mais do que competitividade (ZHOURI e LASCHEFSKI, 2010,p.25).

Os autores consideram a relação dialética entre os diferentes tipos de conflitos. Muitas

vezes coexistem e podem ter consequências de natureza espacial, distributiva ou territorial.

Um elemento recorrente das definições de conflito ambiental ou socioambiental é a

referência a um território, relativa a um recorte espacial que existe objetivamente e

subjetivamente. Uma dialética entre território2 e territorialidade interpenetrado por agenciamentos

(HAESBAERT,2007, p. 123) onde acontece o evento, a ação humana, a materialidade da relação

tempo/espaço (SANTOS, 1999). “Os eventos também são ideias e não apenas fatos. Uma

inovação é um caso especial de evento, caracterizada pelo aporte de um dado ponto, no tempo e

no espaço, de um dado que nele renova um modo de fazer, de organizar, ou de entender a

realidade.” (SANTOS, 1999, p.117).

2. O CONFLITO COM A MONOCULTURA DE EUCALIPTO NO NORTE DE MINAS

A monocultura de eucalipto é implantada no norte de Minas Gerais nas décadas de 1970 e

1980 com modelo de produção baseado na monocultura e no latifúndio em áreas de Cerrado,

ocupando as chapadas. As mesmas áreas de Cerrado utilizadas secularmente pelas

comunidades locais foram substituídas por grandes plantios de eucalipto, viraram propriedade

privada de grandes empresas siderúrgicas e grupos empresariais que receberam incentivos

fiscais, financiamentos e total apoio do Estado.

A intervenção estatal-empresarial atingiu diretamente o território geraizeiro no norte de

Minas. Na verdade não se trata de um território, mas de territórios construídos por várias

comunidades, cada uma com suas especificidades, e com suas semelhanças, atingidas

diretamente no seu modo de vida.

Um dos pontos semelhantes e de destaque da formação dos territórios geraizeiros é a

forma diferenciada de propriedade que surge na maioria das comunidades, “a terra de solta”,

propriedade de uso comum, onde se soltava o gado nas chapadas e onde também se praticava o

extrativismo de frutas e frutos do Cerrado. As chapadas são as partes mais altas e planas, onde o

Cerrado é pródigo, pasto natural, plantas medicinais, madeiras, frutos e frutas. É um componente

estratégico para o modo de vida tradicional geraizeiro.

Os Processos de resistência e ações de recuperação de território são verificados, ao longo

da década de 2000, em diferentes localidades no norte de Minas. Eles trazem à tona a iniqüidade

do projeto monocultor na região e uma gama de reflexões sobre desenvolvimento, modelo de

2 Conforme apresentado no capítulo anterior a relação entre território e territorialidade.

produção, direitos territoriais que se materializam na forma de conflito socioambiental, engendrado

no âmbito de um ecologismo popular.

No âmbito deste trabalho, conflito socioambiental, se limita aos conflitos onde há algum tipo

de ação ou reação organizada por parte da comunidade atingida. Vainer (2008) numa revisão

sobre a noção de atingidos a considera como categoria social para designar a população afetada

por grandes empreendimentos, relacionada ao reconhecimento de direitos. O processo de

reconhecimento de direitos dos atingidos pela monocultura de eucalipto tem várias dimensões, a

identitária, a territorial, a legal e se dá num contexto de injustiça ambiental e violação de direitos

humanos.

Com finalidade de captar e entender a dinâmica desse tipo de conflito socioambiental entre

2008 e 2011 foi realizado um acompanhamento sistemático com diversas incursões em campo,

acompanhamento de eventos, reuniões, seminários e acompanhamento do cotidiano de algumas

comunidades atingidas pela monocultura de eucalipto. Todos os eventos relacionados ao contexto

de conflitos com a monocultura de eucalipto e comunidades tradicionais geraizeiras.

Por meio do acompanhamento dos eventos foi possível perceber o discurso construído da

rede dos Geraizeiros, ouve-se a voz das comunidades e das organizações que apóiam a rede de

geraizeiros. Também a partir de informações obtidas no Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rio

Pardo de Minas, associações de trabalhadores rurais, Centro de Agricultura Alternativa do norte

de Minas foram localizadas diversas comunidades em diferentes municípios que vivenciaram –

entre 2008 e 2011 - situações de conflitos explícitos na região do alto rio Pardo. Foram

identificados os municípios: Fruta de Leite, Indaiabira, Montezuma, Novorizonte, Riacho dos

Machados, Rio Pardo de Minas, São João do Paraíso, Santo Antônio do Retiro, Taiobeiras e

Vargem Grande do Rio Pardo.

Segundo os dados do Censo Demográfico do IBGE 2010, todos esses municípios têm a

população rural maior que a urbana, com exceção dos municípios de Taiobeiras e Vargem

Grande do Rio Pardo, caracterizando uma região rural. Os municípios apresentados encontram-se

na microrregião de Salinas, área denominada também de alto rio Pardo, bacia do rio Pardo de

Minas, que nasce no município de Montezuma, microrregião de Salinas, e tem extensão de 384

km.

Os dados revelam também uma alta incidência de pobreza na região estudada, em média

55% nos municípios listados. A maior incidência de pobreza verificou-se no município de Fruta de

Leite, mais de 70%, que também apresentou uma das maiores taxas de analfabetismo, 34%. A

taxa de analfabetismo na região estudada também é alta, uma média de 26%. A menor taxa de

analfabetismo dos municípios listados deu-se em Taiobeiras, que tem maior população urbana, e

é de 17,7%, mais que o dobro da taxa do Estado de Minas que é de 8%.

O quadro a seguir identifica os municípios e respectivas comunidades com conflitos

relacionados à monocultura de eucalipto no alto rio Pardo, bem como suas estratégias de

resistência.A resistência das comunidades de agricultores familiares à monocultura de eucalipto

inicia-se desde a implantação da mesma, apesar de ter havido também muitas manifestações e

apoio, principalmente devido às promessas de melhorias de condições de vida e emprego. Nas

décadas de 1970/80 a idéia de desenvolvimento estava diretamente associada à industrialização,

mecanização, havia a predominância da ideologia da Revolução Verde, do desenvolvimentismo.

Municípios Comunidades Empresas EstratégiaMovimentos

“instituciona-lizados”

Montezuma Mandacaru, Cercado, Alto do Pequizeirão, Roça do Mato

Italmagnésio

Reserva para barrar o eucalipto

Movimento Pequizeirão

Vargem Grande

Vale do guará Rio Dourado/Procel

Assentamento Agroextrativista

Reserva Agroextrativista

Fruta de Leite Barra, Mumbuca, Riacho, Caiçara

Gerdal

Menegetti

Repropriação territorial

Indaiabira Chapada e Brejo Gerdal

REPLASA

Meneguetti

Repropriação territorial

Taiobeiras Areião Sidersa Reserva para barrar o eucalipto

Novo Horizonte Caixão, Lagoinha Meneguetti, União

Reserva para barrar o eucalipto

Rio Pardo de Minas

Riachinho, Raiz, Santana, Vereda Funda, Buracão, Taquara, Olhos d’Agua, Araçá, Traíras, Curralinho, Muquém, Barra de Santa, Jaguaripe, Água Boa 1 e 2, Água Fria, Santa Maria, Sobrado

Rio Dourado

REPLASA

Meneghetti

Gerdau

Vale

Reapropriação territoria

Reconversão agro-extrativista

“encurralados pela monocultura de eucalipto”

“movimento pela reserva do Areião

Santo Antônio do Retiro

Barreira, Boqueirão Calset

Procel

Reapropriação Territorial

Quadro 3- Comunidades com conflitos relativos à monocultura de eucalipto no Norte de MinasFonte: BRITO, Isabel. Levantamento preliminar da pesquisa de doutorado - conflitos com comunidades atingidas pela monocultura de eucalipto no norte de Minas Gerais, 2009-10.

A mobilização dos geraizeiros em relação à problemática da monocultura de eucalipto se

deu mais no âmbito da região do alto rio Pardo e em torno das terras que foram consideradas

devolutas, terras de uso comum das comunidades geraizeiras, que não eram documentadas e

foram cedidas pelo Estado de Minas Gerais às empresas monocultoras de eucalipto. Não se tem

registro fidedigno do processo de “aquisição” de terras pelas empresas de eucalipto na região.

Existem muitos relatos sobre agricultores que assinaram papeis transferindo o direito de

suas terras, sem saber o que estavam fazendo, de retificações de áreas fraudulentas. Relatos

onde as empresas chegavam cercando as frentes e subindo e apoderamdo-se das chapadas,

entre muitas formas de apropriação de terras, como exemplo os relatos feitos em audiência

pública apresentados a seguir:

O Sr. José Gonçalves Dias - Bom-dia a todos os companheiros e companheiras. Meu nome é José Gonçalves Dias e sou da comunidade da Fazenda Cercado de Baixo, do Município de Rio Pardo de Minas. Represento essa comunidade, que hoje vive um conflito com a Replasa. Nas décadas de 70 e 80, a empresa Usita apoderou-se das terras da chapada, deixando a comunidade toda encurralada e, com o passar do tempo, todas as nascentes, córregos e riachos secaram. Por outro lado, o número das famílias da comunidade aumentou, mas essas pessoas ficaram sem terra, sem espaço para a sobrevivência e sem água para se manter. Portanto, hoje a comunidade se encontra em conflito com essa empresa. De um lado, o Estado tem um contrato da terra. Do outro, a empresa tem um documento de retificação, no mínimo, duvidoso. A comunidade, que tanto luta por sua sobrevivência, está sofrendo as consequências desse conflito. Muito obrigado.(...)O Sr. Alvino Francisco Ribeiro - Boa-tarde a todos. Agradeço muito aos senhores da lei. O que ocorre em nossa região é que essa empresa chegou e se apropriou das terras, mesmo as que possuíam documento; não procuraram os proprietários para negociar. É difícil terra que não tenha documento. Essa empresa chegou, plantou, fez reflorestamento. Hoje o contrato está vencendo, alguns já venceram. A população, os moradores e os proprietários precisam retomar suas terras, trabalhar, porque não têm onde trabalhar, pois a área é pequena. Agora, mesmo que a área esteja desocupada, as empresas não querem abrir mão da terra para seus proprietários. Mesmo que o proprietário tenha documento em mãos, não querem abrir mão da terra. Gostaria que a empresa deixasse claro para nós, para todos os proprietários, qual é o motivo por que não abrem mão de parte da terra para os pequenos.O Sr. Presidente - Onde é isso?O Sr. Alvino Francisco Ribeiro - Na Fazenda Mandacaru, no Município de Montezuma. A empresa não quer ceder a terra para os proprietários, a empresa de magnésio. Construímos cerca na área, mas foram lá e cortaram a cerca, desrespeitando nosso direito. Conversamos com eles, pedimos documentos, mas eles não têm documento. Temos documento antigo; na época em que a terra foi devastada, o documento garantia. Agora estamos só com aquela área pequena e não temos onde trabalhar e movimentar. A área da empresa está vaga, mas ela não abre espaço, não aceita irmos lá fazer nada. Fizemos cerca, mas derrubaram tudo e deixaram a área limpa para eles. Queria que deixassem claro qual é a maneira de chegarmos ao ponto de adquirir essa terra novamente. Qual é a maneira de procurarmos nossos direitos; por meio de documentação, que caminho seguiremos para adquirir a terra novamente. Muito obrigado. (ALEMG, 2010)

Algumas empresas que atuam na região desde as décadas de 1970/80 mudaram de

nome ao longo do tempo, houveram fusões ou desmembramentos, algumas empresas utilizam

diferentes nomes, mas são do mesmo proprietário, ou da mesma família. Desde a década de

1980 aconteceram diferentes formas de atuação para garantir a terra necessária para a

implantação da monocultura de eucalipto, de início no período de autoritarismo político, não havia

como contestar as ações apoiadas pelo Estado, os agricultores eram simplesmente expulsos de

suas terras e sem poder reclamar. Com o processo de democratização as empresas mudam suas

estratégias. Porém as “grilagens”3 continuam, conforme apresenta o relato da mesma audiência

pública:

Tenho apenas uma denúncia a fazer. Como acabei de ouvir falar aqui, para a pessoa adquirir mais de 100ha de terras é necessário passar pela Assembleia Legislativa. Quero dizer que na nossa região, (- Inaudível.), com mentira, ele passou para trás 12 famílias de lá, dizendo que queria a assinatura deles. O Sr. Presidente - O senhor pode dizer o nome de sua comunidade e de seu Município?O Sr. Dete - O meu nome é Dete, sou do Município de Novo Horizonte. O Sr. Presidente - Nomes da denúncia que o senhor está apresentando. Não é para ter receio. Temos de construir, sem medo.O Sr. Dete - Continuando, sobre a denúncia, eu gostaria de dizer que o malandro lá, sendo bem claro, foi o ex-Prefeito que muitos aqui conhecem. O Eliseu conhece de perto a situação. Ele, com mentiras, adquiriu 492ha de terras de pessoas que moram lá na grota. Então, à frente do povo, com mentira, ele adquiriu isso. Fez uma retificação de área e a documentou em nome de um laranja, que depois se mudou para Santos, interior de São Paulo. Ultimamente, dizem que ele voltou lá e passou o documento para um filho dele. Nem para ele é ainda. Se isso é verdade, não passou pela Assembleia Legislativa. O Padre João, com certeza, não assinou isso lá. Eu quero pedir às autoridades que olhem com carinho para essa situação. Eu estive no escritório do Dr. Manoel, no dia 7/1/2009, para pedir que resolvesse esse nosso problema. Ele respondeu: “Por enquanto eu não posso porque não temos verba liberada para essa viajem. Mas você me liga, daqui a 30 dias, que eu darei um retorno”. Eu liguei várias vezes para ele, que sempre estava ocupado. E não conseguiu nos atender. Peço, mais uma vez, que olhe com carinho para essa situação porque o nosso problema parece ser bem maior do que o dele que está lá, na sede do Estado junto com o poder maior. Era isso o que eu queria dizer. Obrigado. (ALEMG, 2010.)

Durante os anos posteriores à implantação da monocultura de eucalipto as comunidades

acabaram por se organizar e se articular a movimentos sociais existentes, buscando protestar e

dar visibilidade ao conflito e aos problemas dele decorrentes, como o movimento dos

Encurralados pela Monocultura de Eucalipto que tomou impulso ao conectar-se a Rede Alerta

contra o Deserto Verde, que tem atuação em vários estados brasileiros.

A idéia de “encurralamento” está presente nas falas e representa de forma bastante real o

que aconteceu com os agricultores da região do alto rio Pardo. Esta expressão tornou-se usual e

demarca o contexto do conflito socioambiental. Os encurraladados pela monocultura de eucalipto,

a noção de encurralamento foi importante na construção da identidade desse movimento e

acabou se reproduzindo em outras esferas de conflitos socioambientais na região norte de Minas.

Além do conflito direto em relação à monocultura de eucalipto instalada, existe o conflito em

relação ao avanço da monocultura de eucalipto em áreas preservadas de Cerrado e que são

zeladas por comunidades geraizeiras. Diante da grande pressão de empresas eucaliptocultoras,

uma das alternativas encontradas por essas comunidades foi pleitear que essas áreas sejam,

3 Em Setembro de 2011 uma ação da polícia Federal denominada “Operação grilo” da polícia civil e ministério público descobriu fraude envolvendo o Secretário de Estado Manoel Costa. A notícia foi Manchete de primeira páginas nos principais jornais de Minas Gerais. Conforme o Jornal “Hoje em dia” “O esquema de apropriação ilícita de terras públicas, chefiada, segundo as investigações do Ministério Público (MPE), pelo ex secretário estadual extraordinário de Regularização fundiária, Manoel Costa (responsável pelo Instituto de terras de Minas Gerais – ITER), utilizava-se de paraísos fiscais para operar (....) Em um dos depoimentos de um empresário preso nas investigações , o empresário [e acusado de promover , por meio de violência, a saída de uma família de uma fazenda de Rio Pardo de Minas para que servidores do Instituto Estadual de Terras – ITER providenciasse o registro da mesma em nome de integrantes da quadrilha. A investigação mostrou que a empresa Floresta Empreendimentos LTDA atuou para desalojar outras famílias que ocupavam 5 mil hectares de terras no norte de Minas.” (HOJE EM DIA, 22/09/2011, pág. 1)

unidades de conservação ambiental; processo este que está em andamento no Ministério do Meio

Ambiente.

3. A REDE MOVIMENTO SOCIAL DOS GERAIZEIROS

A abordagem a partir das redes permite captar a dinâmica entre o microssocial e o

macrossocial que se torna mais expressiva no contexto da globalização e das novas tecnologias

de informação e comunicação. Empregar a noção de redes no contexto dos conflitos

socioambientais é um caminho para que realizemos uma análise que capte a dialética desses

conflitos envolvendo comunidades tradicionais e empresas eucaliptocultoras, além do conjunto de

elementos que compõem o contexto histórico político, cultural, econômico, ambiental e as

diferentes relações que se estabelecem. Possibilita ainda entender a relação entre a dinâmica dos

conflitos e as relações de poder.

Além da idéia de um conjunto de nós interconectados (Castells, 2002) as redes são relações

sociais.

Redes são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo valores ou objetivo de desempenho). Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaça ao seu equilíbrio. (CASTELLS, 2002, p.566).

Destacando a noção de rede como estrutura cuja capacidade de agir é maior que a soma

de suas partes, Cohen (2003) aponta uma nova forma de atividade associativa que se junta às

anteriores que tem articulação entre grupos locais e grupos não locais potencializada por meios

eletrônicos que possibilitam interações comunicativas em diferentes escalas.

Para descrever e analisar os grupos participantes do conflito socioambiental entre

comunidades tradicionais e monocultura de eucalipto optou-se pela utilização da noção de atores-

rede que constituem o conflito, assim como a utilização do modelo clássico de leitura da realidade

que vislumbra a sociedade de uma forma tripartite: sociedade civil, mercado, e Estado (COHEN,

2003; SCHERER-WARREN, 2006).

SCHERER-WARREN (2006) ao tratar das novas configurações da sociedade civil no Brasil

no contexto da globalização e informatização concebe a Sociedade civil em três níveis distintos: o

associativismo em nível local referente a manifestações locais ou comunitárias da sociedade civil

organizada; formas de articulação inter-organizacionais referentes as formas de organização que

atuam como mediadores, interlocutores; e um terceiro nível organizacional referente a mobilização

na esfera pública que refere-se ao processo articulatório que congrega os diversos sujeitos com

objetivos comuns resultando na “rede de movimento social”. A autora considera que rede de

movimento social “pressupõe a identificação de sujeitos coletivos em torno de valores objetivos ou

projetos em comum, os quais definem os atores ou situações sistêmicas antagônicas que devem

ser combatidas e transformadas” (SCHERER-WARREN, 2006, p. 113). Nesta pesquisa

considera-se rede dos Geraizeiros o campo que envolve as comunidades de geraizeiros da região

do alto rio Pardo, norte de Minas Gerais, em conflito com a monocultura de eucalipto. Este campo

envolve diferentes níveis de relações e representações.

Os geraizeiros do Alto rio Pardo vêm trilhando um caminho baseado no fortalecimento das

relações internas, consolidação e atualização de sua identidade e construção de uma rede de

apoio/colaboradores. Este caminho pode ser analisado considerando, conforme processos de

formação da identidade em Castells (2008): sua identidade legitimadora, porque são sujeitos de

direitos constitucionais; sua identidade de resistência, pois resistem à expropriação total de seu

modo de vida e de sua concepção de mundo; e sua identidade de projeto, ao se colocarem em

processo de produção de uma identidade politizada (Castells, 2008).

Essa nova identidade “produzida”, a identidade de projeto, se referencia num processo de

reconhecimento territorial composto principalmente por duas estratégias: a de reapropriação

territorial e a de criação de uma reserva extrativista que denominamos neste trabalho de Empate

Geraizeiro4, em alusão aos extrativistas do Acre. A reapropriação territorial, na acepção da

expressão, diz respeito à retomada de território, à noção de território socialmente construído, seus

aspectos espaciais, simbólicos e afetivos.

Os geraizeiros ao afirmarem suas identidades fortalecem sua rede ao invés de

fragmentarem-se, pois tornam-se mais cônscios de seu adversário global e do tipo de sociedade

que almejam, ou pelo menos da impossibilidade de sua existência em uma sociedade

“monocultural”, e constituem-se numa força orientada pela necessidade de acesso e

reapropriação da natureza, terra, território. A identidade é produzida nos contextos sociais e

culturais e é por meio das representações que se ligam aos sistemas de poder (SILVA, 2002).

“Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade. É por isso

que a representação ocupa lugar central na teorização contemporânea sobre identidade e nos

movimentos sociais ligados à identidade” (SILVA, 2002, p.91).

A reafirmação da identidade geraizeira e seus processos de reorganização implicam em

uma cosmovisão diferenciada, estruturada por uma reprodução social vinculada a terra, a um

território com dimensão simbólica e baseada na troca e na reciprocidade, no sentimento de

pertencimento a um lugar, que tem memória coletiva.

O contexto de fortalecimento dessa rede geraizeira é a emergência desses grupos como

sujeitos políticos que buscam direitos essenciais, básicos, baseados em direitos diferenciados,

materializa-se na confluência das organizações sociais rurais, de aportes acadêmicos sustentados

pelas temáticas de identidade e do reconhecimento na Constituição de 1988 dos seus papéis para

a construção da nacionalidade brasileira. O Estado5 nacional legitima a emergência desses grupos

4 O termo Empate foi utilizado para denominar a forma como os seringueiros se organizavam e agiam para impedir o desmatamento e a destruição dos seringais por fazendeiros que derrubavam a floresta para implantar fazendas de gado no Acre na década de 1980.5 Conforme visto no cap. 2, portaria IBAMA nº 22 de 10 de Fevereiro de 1992, criou o Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais – CNPT. A lei nº 10.678, de 23 de Maio de 2003,

sociais diferenciados ao reconhecer a existência de uma pluralidade etnoecológica no conjunto da

sociedade brasileira e o direito de manutenção do vínculo, dos valores organizadores das

comunidades.

A rede denominada de “rede dos geraizeiros” analisada neste trabalho é composta por

comunidades geraizeiras, associações formadas por essas comunidades e seus associados,

sindicatos de trabalhadores rurais que congregam os agricultores associados de um determinado

município, organizações não-governamentais (ONG’s), setores de instituições públicas

acadêmicas e de pesquisa e redes de redes.

Formação da Rede dos Geraizeiros

O encontro das comunidades atingidas pela monocultura de eucalipto realizado no ano de

2003 na comunidade de Brejinho dá início a uma série de movimentações que constituirão a rede

dos geraizeiros. É neste encontro que é gestado um projeto comum e fortalecida uma identidade

territorial que permanecia latente durante o período de encurralamento. “Encurralado” foi uma

denominação utilizada que expressava o sentimento dos geraizeiros frente às áreas de eucalipto,

sem saída, cercados.

No encontro de Brejinho abre-se um canal de comunicação entre as comunidades, via

associações e o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas que tem um papel de

articulador entre as comunidades, assim como, externamente com organizações não-

governamentais e órgãos públicos. Dentre as organizações não-governamentais neste processo

destacam-se o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAANM e a Comissão

Pastoral da Terra – CPT. O encontro de Brejinho evidencia o limite entre a fase de violação de

direitos e a fase do conflito socioambiental. O projeto gestado nesse encontro aponta as principais

diretrizes de um caminho para a retomada das terras perdidas para a monocultura.

Os geraizeiros apropriaram-se do termo comunidade utilizado inicialmente como

comunidade religiosa extrapolando-o para designar o grupo de referência de uma determinada

localidade, diferenciando-se da sociedade envolvente. A representação da comunidade é feita por

meio da associação, a maioria das comunidades tem uma associação que tem o poder de falar

pelos moradores dessa comunidade. A representação da associação é eleita e representa

legalmente a comunidade.

A relação entre a associação e o sindicato de trabalhadores rurais – STR é direta. Os

geraizeiros enquanto agricultores contribuem individualmente com o STR, que representa os

trabalhadores rurais de um determinado município. Em termos dessa rede Geraizeira estudada, o

STR de Rio Pardo de Minas desempenha um papel estratégico, é o elo entre as comunidades e

também contato entre as comunidades e grupos externos ao município. É massiva a filiação ao

criou a Secretaria Especial de Políticas da Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República. A Comissão de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades Tradicionais é criada por decreto em 27 de dezembro de 2004, que é reeditado em 2005 com o nº 10.048. Em sete de Fevereiro de 2007 surge o Decreto 6.040 que Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais.

sindicato, pois é por meio dele que são viabilizadas as aposentadorias para trabalhadores rurais,

assim como vários dos direitos trabalhistas dos trabalhadores do campo.

As estratégias das comunidades

A prática de encontros, intercâmbios entre as comunidades tornou-se recorrente a partir da

estruturação da rede geraizeira. É uma das formas de existência dessa rede. Além dos encontros

e intercâmbios a comunicação entre as comunidades se intensificou com a utilização de telefones

móveis, os celulares, apesar da dificuldade de sinal nas comunidades, os moradores acabam

descobrindo pontos na comunidade onde há recepção de sinal. O celular facilitou muito a

comunicação entre as comunidades principalmente no pedido de apoio nos momentos de

confronto.

A Estratégia de reapropriação territorial

A noção de reapropriação territorial está circundada pelo contexto, já exposto, de

decadência ecológica, caracterizada principalmente pela falta de água, pela informação do

vencimento dos contratos das terras arrendadas pela empresas e pelo entendimento do direito de

permanecer e reaver o território e pela importância da terra e da água para a manutenção do

modo de viver dos geraizeiros. A possibilidade de recomposição do território muda a forma como

os geraizeiros se relacionavam e viam as empresas. Eles passam a fazer planos e a investir em

articulações e ações engendrando uma extensa rede de solidariedade.

A reapropriação territorial significa retomar as terras que faziam parte da comunidade antes

da entrada da monocultura de eucalipto. As comunidades passam a reconhecer seu direito sobre

essas terras, passam a entender os motivos pelos quais perderam o domínio sobre essas terras e

passam a ter uma visão prospectiva com a retomada das terras. A sistematização desse processo

na forma de mapas foi uma forma de consolidação da ideia da reapropriação territorial.

Um exemplo desse processo é a comunidade de Vereda Funda que iniciou seu processo

de reapropriação em 2004. Comparada ao período anterior ao ano de 2004 a situação da

comunidade de Vereda Funda no ano de 2011 registra mudanças quantitativas e qualitativas. Em

relação às mudanças quantitativas destaca-se o acesso à terra, onde houve um aumento de pelo

menos 10 hectares de terra para cada família, ou seja, em uma comunidade onde 21,4% tinha

entre 0 e 2 há, e 23,8 % entre 2 e 5 hectares, houve no mínimo um incremento de 10hectares

para cada família.

Como mudança qualitativa o fortalecimento organizativo da comunidades em vários níveis

de organização, tanto política, como produtiva, a revalorização pelos jovens dos costumes

tradicionais da comunidade, dos sistemas produtivos tradicionais, como é o caso das “chácras de

café” . A complexidade desse processo comunitário que articula os saberes ambientais, o modo

de vida tradicional, as necessidades urgentes da comunidade, a necessidade de recuperação das

áreas degradadas pela monocultura, tornou visível a comunidade como sujeito político propulsor

de mudanças, agregando questões locais da comunidade à questões de outras comunidades, à

questões regionais, nacionais e internacionais. Há um amálgama entre interação comunicativa e

solidariedade que sustenta a estratégia de reapropriação territorial da rede dos geraizeiros que se

expande para além da reapropriação de terras expropriadas.

A estratégia da criação de Unidade de Conservação

O movimento dos atingidos pela monocultura de eucalipto alertou para as conseqüências da

expansão da monocultura, para a importância do Cerrado para as comunidades geraizeiras,

valorizando seu saber ecológico e os direitos de manutenção do modo de vida. A escassez de

terra é um problema dos geraizeiros da região. Com o intuito de resguardar uma das poucas

áreas remanescentes de Cerrado, algumas comunidades da rede de geraizeiros pleitearam a

constituição de uma unidade de conservação (UC). Surgiu então a proposta de criação de uma

reserva extrativista6 na região do Areião e Vale do Guará. Esta Unidade abrangeria 47.000 ha

entre os municípios de Montezuma, Rio Pardo de Minas e Vargem Grande do Rio Pardo.

As reservas extrativistas no Brasil surgem em reação ao modelo predatório de uso e

ocupação da Amazônia adotado partir da década de 60/70 baseado no desmatamento

intensificado e incentivado pelo Esado, em contrapartida a esse modelo as reservas extrativistas

surgem como proposta de uso e ocupação territorial com vistas à sustentabilidade ambiental e

dos povos da floresta.

A história de resistência das comunidades locais que culminou com a demanda de criação

de Reserva Extrativista ou Reserva de Desenvolvimento Sustentável7 do Areião/Vale do Guará

data dos anos de 1990, quando moradores da comunidade de Riacho de Areia, localizada na

parte leste da chapada do Areião (município de Rio Pardo de Minas), resistiram à expropriação de

suas terras acionando a polícia de Taiobeiras, que expulsou uma família de grileiros que tentavam

controlar a área.

A chapada do Areião compreende uma área de aproximadamente 3.600 hectares, de terras

altas e relevo relativamente plano, com remanescente de vegetação nativa significativamente

preservado, o que confere às nascentes que surgem, tanto a leste quanto a oeste da chapada,

água em abundância e durante todo ano, respectivamente para as comunidades de Riacho de

Areia e Água Boa. Talvez este seja o principal motivo de resistência e luta das famílias das

comunidades locais pela conservação da região, o provimento de água. Enquanto nas chapadas

vizinhas ocupadas pela monocultura do eucalipto as minas e nascentes tornaram-se escassas e

6 As reservas extrativistas são um tipo de Unidade de conservação classificada como de Uso Sustentável, diferente das Unidades de proteção integral. Têm como objetivo compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos, conciliando a presença humana nas áreas protegidas7 Com funções similares às da Reserva Extrativista, foi criada, recentemente, no âmbito do SNUC, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável, designada “como uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptado às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na manutenção da diversidade biológica”. Sua especificidade parece decorrer do fato de não estar centrada na atividade extrativista e prever em seu interior zonas de amortecimento e de corredores ecológicos, além das áreas de uso sustentável. Ver SNUC, Ministério do Meio Ambiente (Lei n º 9.985, de 18 de junho de 2000). Essa unidade de manejo só está em funcionamento, até o momento, no estado do Amazonas, e em âmbito estadual.

os cursos d’água que eram perenes transformaram-se em intermitentes, agravando as condições

de vida das famílias do lugar em função da escassez hídrica.

Em 2003 a área do Areião sofreu um novo ataque, desta vez realizado pela empresa

PROCEL, de propriedade do Sr. José Angelo de Macedo Saporit, que se dizia dono da área e foi

logo realizando o aceiro da demarcação da área com o uso de tratores para o início do

desmatamento. Embora três pessoas da comunidade de Riacho de Areia tivessem também já

reivindicado a posse e propriedade da área, neste momento as duas comunidades se juntaram,

articuladas com o STR’s de Rio Pardo de Minas e com o apoio do Centro de Agricultura

Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM) e da Cooperativa de Agricultores Familiares e

Agroextrativistas Grande Sertão, apresentaram requerimento e realizaram manifestação em frente

ao fórum, resultando no embargo pela Promotoria Pública da Comarca de Rio Pardo de Minas das

ações de desmatamento da chapada do Areião, dando início ao processo de criação da Reserva

Extrativista do Areião.

Este processo desencadeou um conjunto de articulações junto ao IBAMA, MMA, bem como

junto a outras comunidades da região que viviam o mesmo processo de resistência ao avanço do

desmatamento e da expropriação de seus territórios. Assim a proposta de criação da Resex

Areião foi ganhando visibilidade e espaço junto aos órgãos governamentais e comunidades locais,

que culminou na ampliação da proposta inicial dos 4.000 ha para 47.000 ha abrangendo

comunidades como Roça do Mato e Vale do Guará que também vinham enfrentando a

expropriação de seus territórios tradicionais.

Uma visita técnica realizada na região pelo IBAMA/MG, Ministério do Meio Ambiente, Centro

de Agricultura Alternativa do Norte de Minas e STRs de Rio Pardo de Minas e STRs de Riacho

dos Machados, ainda na fase de reconhecimento de possíveis limites para a Resex, resultou na

apresentação de um relatório com uma breve descrição da situação da região e recomendações.

Havia uma hipótese inicial de considerar como área da Resex terras que se estendiam do

Município de Riacho dos Machados - onde também há uma solicitação das comunidades locais

para a criação da Resex Tamanduá - até os limites ao norte da Resex do Areião/Vale do Guará

nos municípios de Montezuma e Vargem Grande do Rio Pardo, passando pelo município de Rio

Pardo de Minas, uma área contígua de aproximadamente 100.000 hectares. No processo a

proposta foi dividida em duas áreas em separado: a Resex do Tamanduá (27.000 ha) e a Resex

do Areião/Vale do Guará (47.000 ha). Os estudos posteriores ambientais, fundiários e

socioeconômicos realizados como parte do processo de criação da Resex foram decisivos para a

proposição da delimitação da área da Resex.

No caso do norte de Minas e suas comunidades tradicionais fica patente a necessidade de

pensar a reserva extrativista de uma forma dinâmica e em consonância com as características

ambientais e culturais da região. Uma das características que conformam a identidade geraizeira

é a criação de gado. A criação de gado é uma das questões que mais preocupam os geraizeiros.

A consulta pública sobre a criação da Resex foi um outro capítulo desta história que ainda

não terminou. A consulta pública foi realizada em 2011 na sede de dois municípios: município de

Montezuma em 24/11/2011 e município de Rio Pardo de Minas em 25/11/2011.

Em documento distribuído sobre a consulta pública para criação da reserva do Areião/vale

do Guará consta que

A proposta para a criação de uma Resex na região Areião e Vale do Guará, surgiu a partir do pedido da Associação de Agricultores e Agricultoras de Riacho de Areia e Água Boa, protocolado no Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2005. Já no início a proposta foi apoiada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas e pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, além de ser área de desenvolvimento constante de projetos da Embrapa Cerrados. Entre 2005 e 2011, o MMA, o Ibama e o ICMBio realizaram várias visitas nos locais e reuniões, bem como estudos de diagnóstico ambiental e diagnóstico socioeconômico da área... (MMA – ICMBio ,2011)

Tanto a reapropriação territorial como a proposta de criação de uma reserva extrativista,

estratégias articuladas e apoiadas pelas comunidades atingidas pela monocultura de eucalipto

visam o enfrentamento das ações das empresas monocultoras de eucalipto que também se

articulam para ampliação das áreas de monocultura

A rede da monocultura de eucalipto

A rede da monocultura de eucalipto articula empresas, instituições e organizações

vinculadas ao agronegógio. As estratégias da monocultura de eucalipto estão em consonância

com as diretrizes da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas – ABRAF,

Sociedade Brasileira de Silvicultura – SBS e, Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil –

CNA

A rede da monocultura tem como estratégia atuação no legislativo. Na Assembleia

Legislativa de Minas Gerais há a frente parlamentar mineira de Silvicultura que possui 50

deputados signatários do total de 77 deputados que constituem a Assembleia. No âmbito Federa

há a Frente Parlamentar da Silvicultura que no Congresso Nacional tem 206 deputados

signatários da frente no universo de 514 deputados.

No ano de 2011 a Frente contava com 242 integrantes, sendo 206 deputados e 36

senadores. Em 2009 foi elaborada uma agenda estratégica do setor de Florestas Plantadas que

contém planos de ação com horizonte de cinco anos. Na agenda é apontada como primeira e

principal ação a revisão do Código Florestal, seguida das metas: ampliação do prazos e valores

de financiamento do plantio de florestas de eucalipto e pinus; criação de uma política Nacional de

Apoio as atividades de Florestas Plantadas; superação dos gargalos de Infra-estrutura.

No ano de 2011, conforme a Agência Câmara de Notícias

a Frente Parlamentar da Silvicultura e Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf) lançaram na quarta-feira (21 - Dia Mundial da Árvore) a Agenda Legislativa da Silvicultura. Segundo o coordenador da frente, deputado Paulo Piau (PMDB-MG), a agenda reúne os principais pleitos do setor de silvicultura para o Congresso Nacional e os ministérios. Na opinião do deputado, o principal destaque, entre as

reivindicações, é a votação ainda este ano do novo Código Florestal, atualmente em tramitação no Senado. Além do código, também aparecem no documento: atividade de florestas plantadas, licenciamento ambiental, incentivos ambientais, compensação ambiental, unidades de conservação e outros temas como legislação trabalhista, direito de propriedade, mudanças climáticas, desenvolvimento da biotecnologia e restrições à aquisição de terras por estrangeiros. (Agência Câmara de notícias, 22/9/2011)

Conforme a Sociedade Brasileira de Silvicultura - SBS, que também é no âmbito nacional

uma associação representativa do setor florestal fundada em 1955, a entidade tem os objetivos

de:

• Congregar todos os que se dedicam à formação, recomposição e utilização sustentável das florestas; • Estudar e difundir tecnologias de preservação dos recursos naturais renováveis e defesa do meio ambiente em geral; • Participar e promover estudos e campanhas destinadas a garantir a reposição florestal e a disponibilidade de matérias-primas de base florestal; • Participar da elaboração de planos e programas florestais em conjunto com órgãos do Poder Público e da Iniciativa Privada; • Incentivar o aprimoramento da legislação florestal. (SBS, apresentação do site)

As empresas denominadas de “base florestal” que atuam na região do alto rio Pardo/MG

contaram ao longo das últimas décadas (1970 – 1990) com significativos investimentos estatais

que propiciaram o crescimento do setor de silvicultura, por meio do plantio de eucalipto,

especialmente voltados para celulose e a produção de carvão vegetal para o setor siderúrgico e

de ferro ligas no estado de Minas Gerais, cujo perfil econômico é caracterizado pela intensividade

do capital, voltado para o mercado externo.

A matéria-prima utilizada por essas empresas é o eucalipto, cujos plantios estão distribuídos

em diversos municípios da região. Na atualidade além dos plantios próprios, as empresas

mantém programas de fomento para produtores rurais.

Vários projetos foram inicialmente criados para beneficiar as empresas na sua fase de

implantação, linhas de crédito, fomento e incentivos fiscais (FISET) para promover a silvicultura e

a siderurgia.

Com o fim dos incentivos fiscais a implantação da monocultura do eucalipto sofreu um

arrefecimento, sendo mantido praticamente o que já estava implantado. A partir do vencimento

dos contratos de arrendamento e diante das demandas das comunidades para reaver áreas as

empresas começaram a se mover no sentido de garantir a base necessária da sua produção, a

terra. A partir dos anos 2000 a pressão pela posse destas terras passa a ficar bastante acirrada.

À medida que os contratos de arrendamento assinados entre o Estado de Minas Gerais e as

empresas começaram a vencer, as empresas iniciaram ações de usucapião. As terras ocupadas

pelas empresas, em grande parte, eram devolutas8.

8 Apesar de ter sido debatido o assunto pouco foi feito para haver a restituição de terras para o Estado de Minas Gerais. “Sobre o assunto ‘terras devolutas em Minas Gerais, a revista ISTOÉ produziu em 15 de julho de 1998 uma longa matéria sob o título “Uns sim, outros não”. Segundo os jornalistas Alan Rodrigues e Luiza Villaméa “Há dois anos (1996) o governo de Minas Gerais deveria ter recebido de volta 23,6 mil hectares dos 265,1 mil que arrendou a partir de 1975 para 19 reflorestadoras no norte de Minas e no Vale

A primeira e única empresa a negociar com o ITER/MG a renovação do contrato foi a

GERDAU que “devolveu” parte das terras arrendadas em troca de áreas melhores e contínuas,

priorizando determinadas áreas e renovando o contrato até 2017, a partir de procedimentos

considerados suspeitos, está sendo questionado junto à justiça. As empresas arrendaram essas

terras por preços camaradas há três décadas, em uma época em que não havia limite para

alienação de propriedades públicas. Só que a legislação mudou e todos os contratos começaram

a vencer a partir de 2003. A orientação da Advocacia Geral do Estado (AGE) era para que eles

fossem cancelados, mas acabaram prorrogados ano 2008. pelo superintendente do Instituto de

Terras do Estado de Minas Gerais (ITER), exonerado do cargo nesta época.

A Constituição Mineira proíbe o arrendamento de terras devolutas acima de 250 hectares.

Os contratos renovados compreendem cerca de 65 mil hectares, ou 650 quilômetros quadrados

de terras não contíguas. Todos os contratos renovados estão muito acima desse limite, ferindo

também a Constituição Federal, que determina que toda a alienação ou a concessão de área

devoluta superior a 2.500 hectares precisam de prévia aprovação do Congresso Nacional, a não

ser que as terras sejam destinadas à reforma agrária.

Para complicar a situação, as empresas alegam que agiram de boa-fé e que a proposta de

renovação, incluindo os valores pactuados, foi iniciativa do próprio governo e ameaçam com

pedidos milionários de indenização caso sejam obrigadas a deixar as áreas.

Ao todo, foram aditivados contratos com seis empresas plantadoras de eucalipto: Gerdau

S/A, Energética Florestal, Rio Rancho, Rima Industrial, Replasa Reflorestadora e Suzano Bahia

Sul Papel e Celulose. Todas alegam que os contratos foram prorrogados de acordo com a lei e

em comum acordo com as partes. Muitas já começaram o plantio nessas terras de mais um ciclo

de eucalipto, que é de sete anos. A decisão sobre o que vai ser feito está nas mãos da AGE, que

estuda a melhor saída jurídica para o caso.

Várias tentativas realizadas pelas empresas para efetivar o controle sobre as terras no alto

rio Pardo e garantia da produção de base florestal vem sendo experimentadas. Além das

iniciativas de usucapião, mais recentemente a estratégia das empresas vem sendo outra, a de

legitimar legislativamente a permanência de suas atividades em terras estatais, terras devolutas.

Através dos Deputados Estaduais Gil Pereira do PP e Jayro Lessa do PFL, entraram com o

Projeto de Emenda à Constituição Mineira (PEC 75-100/04), que tem como objetivo aumentar em

10 VEZES a quantidade de terras que o governo pode ceder à iniciativa privada, de 250 ha para

2.500 ha, legitimando assim a concessão estatal de terras públicas para a apropriação privada.

As estratégias da rede das empresas se articulam com as diretrizes e estratégias da CNA-

Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil . O atual modelo de atuação dessa rede prevê

do Jequitinhonha”. Boa parte dos contratos assinados entre as empresas e o Estado Ditador ainda na década de 70 venceriam entre os anos de 1998 e 2002. Ainda existem alguns contratos por vencer. Segundo ISTOÉ: “... As empresas ignoram o compromisso firmado de criar distritos florestais em troca de incentivos fiscais. Não cumpriram sua parte e além de não devolver as áreas que exploraram por mais de 2 décadas, estão tentando incorporar a propriedade ao seu patrimônio, com base na lei do Usucapião, que dá direito ao imóvel àquele que explorar por 20 anos ininterruptos” (WRM, 2002)”.

forte atuação no legislativo tanto estadual como federal, assim como a “flexibilização”9 da

legislação e também da adoção do discurso verde.

O discurso verde está presente no marketing das empresas. Possibilita o aumento dos

lucros, como por exemplo, o “seqüestro de dióxido de carbono da atmosfera”. Em Minas Gerais

uma grande empresa monocultora de eucalipto foi a primeira empresa do mundo a receber

certificados temporários de reduções de emissões no âmbito dos mecanismos de

desenvolvimento limpo (MDL) do protocolo de Kioto.

A atuação no legislativo visa retirar os “entraves” para a expansão da monocultura; a

“flexibilização” atua nos inconvenientes da legislação e o discurso verde busca justificar a

atividade.

Se, na implantação da monocultura, na década de 1970, o Estado totalitário garantiu

abundância de terras e subsídios à atividade, na atualidade os interesses das empresas

monocultoras de eucalipto, que continuam os mesmos: expansão de áreas e financiamento

público e lucros, utilizam o sistema político para fazê-lo. Tanto criando leis, como mudando as

existentes, como exemplo a mudança do código florestal demandada pelo setor do agronegócio.

Quando não consegue mudar a legislação, ou seja, retirar os entraves para sua expansão, a

rede da monocultura de eucalipto utiliza de seu poder político e econômico para “flexibilizar” a

legislação. Durante a pesquisa de campo acompanhei o caso da renovação de licenças de uma

grande empresa eucaliptocultora que atua em Minas Gerais. Essa empresa no processo de

renovação da licença ambiental10 para silvicultura e produção de carvão reuniu 26 fazendas de

sua propriedade localizadas em diversas macrorregiões do Estado (em diferentes biomas e que

atingem diferentes populações) em único processo de renovação de licenciamento e que foi

analisado e julgado em numa única Superintendência Regional de Meio Ambiente - SUPRAM11.

Apesar do Ministério Público ter indicado que o procedimento adequado seria analisar cada

empreendimento em sua referida regional do SUPRAM. O processo teve prosseguimento e além

da renovação do licenciamento ter sido feita em bloco em uma única unidade, foi renovada a

licença de uma fazenda nunca antes licenciada, ou seja, sem licença.

Outro procedimento comum nos relatórios de impacto ambiental e nos processos de análise

do impacto de grandes áreas é desconsiderar áreas adjacentes, por exemplo, não considerar o

carreamento de terras e enxurrada para dentro dos cursos d’água, apenas pelos cursos d’água

não estarem dentro da propriedade onde se encontra o empreendimento. O órgão público

responsável pelo licenciamento pouco questiona esse tipo de prática das empresas.

Esses são alguns exemplos para compreender como as práticas e concepções da rede da

monocultura de eucalipto se articulam e de como essa rede é movimentada no contexto do

conflito socioambiental articulando poder econômico e político. O discurso e a prática ambiental

9 ZHORI (2005) apresenta a noção de adequação ambiental.10 Licenciamento ambiental11 O Estado de Minas Gerais tem 11 regionais da SUPRAM

das empresas de eucalipto não têm comprometimento com a realidade socioambiental concreta, e

sim com as necessidades econômicas dos empreendimentos.

Considerações sobre as principais diferenças

No contexto da forte assimetria de poder econômico e político existente na trajetória do

conflito os diferentes grupos organizam suas estratégias. A estratégia de atuação da rede de

Geraizeiros se concentra na articulação local, entre as comunidades e organizações locais. É uma

estratégia forte que consegue mobilizar os recursos locais, porém em termos de representação

dos interesses nos fóruns decisórios não apresenta uma ação efetiva, o acesso da rede dos

geraizeiros se dá via comissões da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais e

Audiências Públicas. A atuação dessas comissões foi e é importante para coibir desmandos dos

órgãos policiais locais contra as comunidades, para apontar publicamente algumas ações ilegais e

fortalecer o moral das comunidades, porém efetivamente em termos do conflito a rede dos

geraizeiros tem poucos recursos de representação de seus interesses na Assembleia Legislativa

de Minas Gerais e na Câmara Federal. Apesar disso, por se tratar de uma rede de movimentos

sociais, conseguiu considerável eco das suas reivindicações.

Por outro lado a rede da monocultura de eucalipto localmente não tem uma articulação

muito evidente, mas é forte e incisiva no plano Estadual e Nacional, utilizando dos recursos da

frente Parlamentar Mineira da Silvicultura e da Frente Parlamentar de Silvicultura na Assembleia

Legislativa de Minas Gerais e no Congresso Nacional para garantir seus interesses e interferir na

formulação de políticas governamentais. A rede também é subsidiada com informações e suporte

técnico por instituições públicas de pesquisa e de pautar os meios de comunicação.

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