A recuperação do Rio dos Cochos e a preservação de vidas

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O rio dos Cochos deságua no São Francisco. Ele nasce no município de Cônego Marinho, na comunidade Cabeceira dos Cochos, Norte de Minas Gerais. Passa pelas comunidades Sumidouro, Sambaiba, Mamede, Roda D'água, São Bento, Baruzeiro e Bom Jantar, todas no município de Januária. Ao todo, o Rio dos Cochos percorre 8 comunidades rurais até chegar no Ipuera e finalmente cair no Rio São Francisco, passando pela vida de cerca de 300 famílias, em sua maioria agricultores e agricultoras familiares. A vida dessas comunidades gira em torno desse rio. Ele sempre foi muito importante para as famílias do entorno. Porém, de 30 anos para cá, ele começou a perder força e a produção das famílias a minguar. O Rio estava desaparecendo. Isso começou, na década de 80, quando o governo federal deu um incentivo fiscal e ofecereu para grandes empresas uma concessão para plantação da monocultura de eucalipto. Na época, as famílias estavam iludidas pela ideia da chegada do progresso. Aconteceram grandes desmatamentos nas cabeceiras dos rios. Muitas árvores nativas como pequizeiros e arvores importantes do cerrado foram retiradas pela raiz e em pouco tempo, o rio estava assoreado o que acabou causando grandes impactos nas comunidades e na vida do povo. Com isso, começou também um conflito de disputa pela água entre as comunidades. Preocupados, alguns moradores resolveram buscar compreender melhor o que estava acontecendo. Isso foi entre 1995 e 1998. Eles descobriram que antigamente as famílias agricultoras tinham mais diversidade na produção. Produziam de tudo quanto. Porém, com o tempo, essa produção foi desaparecendo porque o rio estava fraco. Descobriu-se então, que a forma como as famílias utilizam o rio, tirando a mata ciliar, plantando nas margens, também estava prejudicando a saúde dele. Com a terra pelada, a chuva não infiltrava tanto na terra e não alimentava o lençol freático. Surgiram muitas voçorocas, também conhecidas como barroca de enxurradas que levavam muita terra para o leito do rio, enfraquecendo mais e mais. Foi aí que os moradores preocupados, resolveram buscar apoio para recuperação do rio e revitalização da bacia. Escreveram um projeto e enviaram para muitos lugares, até que conseguiram apoio com uma entidade alemã chamada Miserior junto com a Cáritas Diocesana de Januária. Eles criaram um grupo de articuladores formado por Toninho, Jacy, Adailton, Edgar e Geraldinho. Mas logo, sentiram a necessidade de mobilizar e conscientizar mais pessoas. Jaci conta que as esposas foram as primeiras a serem mobilizadas e depois foram envolvendo mais participantes. A estratégia era além de conscientizar, identificar outras lideranças. Antes, o povo achava que reunir e largar as atividades familiares eram uma grande perda de tempo. Mas aos poucos e a medida que foram vendo os resultados, a luta e as articulações começaram a se Minas Gerais Ano 6 | nº 1009| outubro | 2012 Januária -MG Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas A RECUPERAÇÃO DO RIO DOS COCHOS E A PRESERVAÇÃO DE VIDAS 1 A união e a mobilização fizeram a diferença Depois de muita mobilização e conscientização, o Rio dos Cochos voltou a correr

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O rio dos Cochos deságua no São Francisco. Ele nasce no município de Cônego Marinho, na comunidade Cabeceira dos Cochos, Norte de Minas Gerais. Passa pelas comunidades Sumidouro, Sambaiba, Mamede, Roda D'água, São Bento, Baruzeiro e Bom Jantar, todas no município de Januária. Ao todo, o Rio dos Cochos percorre 8 comunidades rurais até chegar no Ipuera e finalmente cair no Rio São Francisco, passando pela vida de cerca de 300 famílias, em sua maioria agricultores e agricultoras familiares. A vida dessas comunidades gira em torno desse rio. Ele sempre foi muito importante para as famílias do entorno. Porém, de 30 anos para cá, ele começou a perder força e a produção das famílias a minguar. O

Rio estava desaparecendo. Isso começou, na década de 80, quando o governo federal deu um incentivo fiscal e ofecereu para grandes empresas uma concessão para plantação da monocultura de eucalipto. Na época, as famílias estavam iludidas pela ideia da chegada do progresso. Aconteceram grandes desmatamentos nas cabeceiras dos rios. Muitas árvores nativas como pequizeiros e arvores importantes do cerrado foram retiradas pela raiz e em pouco tempo, o rio estava assoreado o que acabou causando grandes impactos nas comunidades e na vida do povo. Com isso, começou também um conflito de disputa pela água entre as comunidades. Preocupados, alguns moradores resolveram buscar compreender melhor o que estava acontecendo. Isso foi entre 1995 e 1998. Eles descobriram que antigamente as famílias agricultoras tinham mais diversidade na produção. Produziam de tudo quanto. Porém, com o tempo, essa produção foi desaparecendo porque o rio estava fraco. Descobriu-se então, que a forma como as famílias utilizam o rio, tirando a mata ciliar, plantando nas margens, também estava prejudicando a saúde dele. Com a terra pelada, a chuva não infiltrava tanto na terra e não alimentava o lençol freático. Surgiram muitas voçorocas, também conhecidas como barroca de enxurradas que levavam muita terra para o leito do rio, enfraquecendo mais e mais. Foi aí que os moradores preocupados, resolveram buscar apoio para recuperação do rio e revitalização da bacia. Escreveram um projeto e enviaram para muitos lugares, até que conseguiram apoio com uma entidade alemã chamada Miserior junto com a Cáritas Diocesana de Januária. Eles criaram um grupo de articuladores formado por Toninho, Jacy, Adailton, Edgar e Geraldinho. Mas logo, sentiram a necessidade de mobilizar e conscientizar mais pessoas. Jaci conta que as esposas foram as primeiras a serem mobilizadas e depois foram envolvendo mais participantes. A estratégia era além de conscientizar, identificar outras lideranças. Antes, o povo achava que reunir e largar as atividades familiares eram uma grande perda de tempo. Mas aos poucos e a medida que foram vendo os resultados, a luta e as articulações começaram a se

Minas Gerais

Ano 6 | nº 1009| outubro | 2012Januária -MG

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

A RECUPERAÇÃO DO RIO DOS

COCHOS E A PRESERVAÇÃO DE VIDAS

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A união e a mobilização fizeram a diferença

Depois de muita mobilização e conscientização, o Rio dos Cochos voltou a correr

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fortalecer. Foram realizadas várias visitas de intercâmbios, visitas técnicas e seminários. Em 2003 os moradores da comunidade que se articulavam no projeto, resolveram criar a Associação dos Usuários da Sub- Bacia do Rio dos Cochos, também conhecida como ASSUSBAC. O objetivo era ter mais independência para tocar o projeto e melhorar o diálogo e as parcerias inclusive com as associações comunitárias da sub-bacia dos cochos. Para conscientizar mais pessoas, eles organizaram a primeira cavalgada ecológica do rio dos cochos que protestou e reivindicou do poder público o concerto das estradas de forma adequada e a criação das passagens molhadas. Essa cavalgada abriu uma sequencia de manifestações na cidade. Desde então, eles passaram a realizar cavalgadas ecológicas com objetivo de reivindicar políticas públicas e refletir sobre a situação do rio, além de resgatar a cultura das cavalgadas. Foi feita também parcerias com universidades para acompanhar de perto os trabalhos e projetos de pesquisa na região. Com incentivo, muitas famílias cercaram as margens do rio e a natureza foi voltando por si só. Até os animais que tinham sumido, começaram a voltar. Uma das estratégias que também deu muito certo para a contenção de enxurrada foi a implantação de barraginhas, que evitou mais assoreamento e contribui para alimentar o lençol freático. Hoje, Jacy percebe que o rio demora mais a secar no período de estiagem. Geraldinho conta que se não fosse as barraginhas, ele e sua família não estariam mais morando em sua casa. A enxurrada é grande e lá estaria tudo cheio de erosão. Um dos maiores desafios para a preservação do Rio dos Cochos foi o incentivo a geração de renda com

outras atividades que não degradam o meio ambiente. Ações como valorização e comercialização dos frutos do cerrado, criação de pequenos animais, como caprinos e abelhas tudo isso foi incentivado e acabou contribuindo para melhorar a qualidade de vida das pessoas da região. Foi incentivado também que as pessoas aproveitassem água da chuva ao invés de continuar sugando do rio. Adailton lembra como foi difícil. As famílias não tinham costume. Sempre no primeiro momento estranhavam a novidade, mas depois quando viam que dava certo elas acreditaram. Apesar dos grandes desafios, os resultados não param de aparecer. Hoje a ASSUSBAC ocupa espaços políticos no município de Januária, como Conselho Municpal de Meio Ambiente, entre outros, chegando até a participar da formação do Comitê da bacia Hidrográfica do São Francisco. Geraldinho acredita que o projeto só deu certo porque nasceu deles mesmo, não veio de cima para baixo como normalmente as ações chegam nas comunidades rurais. Maria das Graças, também conhecida como Sinhá, conta que o projeto é muito importantepois se não fosse ele, provavelmente os filhos deles não conheceriam o rio. O sonho dela é que seus filhos também lutem para que seus netos e futuras gerações conheçam e celebrem a vida do rio.

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Cavalgada ecológica para divulgação das lutas e conscientização

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Minas Gerais

Sindicato dos Trab. Rurais Porteirinha-MG

Apoio:

Programa Cisternas

Jovens com acesso a educação contextualizada tem feito a diferença na

luta em defesa do rio e do meio ambiente

Barraginhas de contenção de enxurrada