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A RASURA: FRANCISCO DE LIMA CERQUEIRA E ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA, AINDA... José Antônio de Ávila Sacramento Foi lançado em 24 de agosto de 2002, em São João del-Rei, com noite de autógrafos no Centro Cultural da Universidade Federal (UFSJ), Solar da Baronesa, o livro do professor são-joanense Oyama de Alencar Ramalho - “A RASURA – Francisco de Lima Cerqueira e Antônio Francisco Lisboa, O Aleijadinho, ainda...” . No dia 29 do mesmo mês a obra foi apresentada em Belo Horizonte, na Livraria da Travessa. A obra também já foi lançada em Portugal, na cidade do Porto, através da Fundação Lusíada. O evento aconteceu no dia 11 de abril de 2003, no Centro Regional do Porto da Universidade Católica, integrando o Colóquio “O Pensamento e a Obra de Pinharanda Gomes”. Nos outros livros escritos e já anteriormente lançados pelo professor Oyama (Um dia, com calma, eu te conto... - 1996, Ô Fumo!; outras histórias do João do Açúcar - 1997), pudemos observar que ele se apresentou como um bom ficcionista, um exímio contador de causos, enveredando a sua trama pelos tipos e trejeitos daqueles que habitam as nossas “muitas Minas”, capturando deles o ar de ingenuidade, o bom papo, a boa alma mineira e os seus típicos costumes. Mas nessa obra - A Rasura... - o autor se apresenta como um digno historiador, desenvolvendo bem os seus escritos, com o intelecto voltado exclusivamente para a verdade, buscando reexaminar tudo aquilo que já está estabelecido como “verdade”, mas que ainda não tem consistência para tal. Do que nos fala então, na sua obra, o autor? Ele nos alerta a respeito de uma dúvida que existe quanto à autoria do projeto arquitetônico (ou o risco, como muitos dizem) da construção da igreja de São Francisco de Assis, em São João del-Rei, um dos mais belos templos barrocos brasileiros; ele nos fala do (péssimo) costume adotado por espertalhões, os quais, na ânsia de valorizarem certas obras de arte, creditam-nas ao traço, macete e formão do mestre Aleijadinho sem nenhuma confiabilidade, como se isso as valorizasse cada vez mais e como se não houvesse alguém capaz de ser tão ou mais artista que Antônio Francisco Lisboa; ele discorre sobre as muitas tramas e interesses escusos que existiam (e ainda existem!) na mente de certos especialistas (ou espertalhões) no campo da arte; ele nos fala da sua preocupação com a evidente rasura cometida na ata de 11 de setembro de 1785, o único documento (adulterado!) em favor da participação de Antônio Francisco Lisboa na arquitetura de São João del-Rei, cujo nome foi anotado à margem, com caligrafia e tinta que parecem não ser daquela mesma época; nos fala de um rasurador, que parecendo agir apressadamente, se esqueceu de ler e/ou rasurar o mesmo nome que estava escrito no termo, um pouco mais adiante; nos fala da necessidade de sejam procedidos exames periciais grafotécnicos e de datação a

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A RASURA: FRANCISCO DE L IMA CERQUEIRA E ANTÔNIO FRANCISCO L ISBOA, AINDA ...

José Antônio de Ávila Sacramento

Foi lançado em 24 de agosto de 2002, em São João del-Rei, com

noite de autógrafos no Centro Cultural da Universidade Federal (UFSJ), Solar da Baronesa, o livro do professor são-joanense Oyama de Alencar Ramalho - “A RASURA – Francisco de Lima Cerqueira e Antônio Francisco Lisboa, O Aleijadinho, ainda...”. No dia 29 do mesmo mês a obra foi apresentada em Belo Horizonte, na Livraria da Travessa. A obra também já foi lançada em Portugal, na cidade do Porto, através da Fundação Lusíada. O evento aconteceu no dia 11 de abril de 2003, no Centro Regional do Porto da Universidade Católica, integrando o Colóquio “O Pensamento e a Obra de Pinharanda Gomes”.

Nos outros livros escritos e já anteriormente lançados pelo professor Oyama (Um dia, com calma, eu te conto... - 1996, Ô Fumo!; outras histórias do João do Açúcar - 1997), pudemos observar que ele se apresentou como um bom ficcionista, um exímio contador de causos, enveredando a sua trama pelos tipos e trejeitos daqueles que habitam as nossas “muitas Minas”, capturando deles o ar de ingenuidade, o bom papo, a boa alma mineira e os seus típicos costumes. Mas nessa obra - A Rasura... - o autor se apresenta como um digno historiador, desenvolvendo bem os seus escritos, com o intelecto voltado exclusivamente para a verdade, buscando reexaminar tudo aquilo que já está estabelecido como “verdade”, mas que ainda não tem consistência para tal.

Do que nos fala então, na sua obra, o autor? Ele nos alerta a respeito de uma dúvida que existe quanto à autoria do projeto arquitetônico (ou o risco, como muitos dizem) da construção da igreja de São Francisco de Assis, em São João del-Rei, um dos mais belos templos barrocos brasileiros; ele nos fala do (péssimo) costume adotado por espertalhões, os quais, na ânsia de valorizarem certas obras de arte, creditam-nas ao traço, macete e formão do mestre Aleijadinho sem nenhuma confiabilidade, como se isso as valorizasse cada vez mais e como se não houvesse alguém capaz de ser tão ou mais artista que Antônio Francisco Lisboa; ele discorre sobre as muitas tramas e interesses escusos que existiam (e ainda existem!) na mente de certos especialistas (ou espertalhões) no campo da arte; ele nos fala da sua preocupação com a evidente rasura cometida na ata de 11 de setembro de 1785, o único documento (adulterado!) em favor da participação de Antônio Francisco Lisboa na arquitetura de São João del-Rei, cujo nome foi anotado à margem, com caligrafia e tinta que parecem não ser daquela mesma época; nos fala de um rasurador, que parecendo agir apressadamente, se esqueceu de ler e/ou rasurar o mesmo nome que estava escrito no termo, um pouco mais adiante; nos fala da necessidade de sejam procedidos exames periciais grafotécnicos e de datação a

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respeito da referida rasura; ele nos deixa indignados com o ostracismo imposto a outras personalidades tão ou mais importantes quanto o Aleijadinho, no caso específico o artista Francisco de Lima Cerqueira, um dos maiores luminares da constelação artística de Minas Gerais, no dizer do historiador Luís de Melo Alvarenga. Por fim ele nos chama a pensar nos motivos que levaram a elite dominante daquela época a dar como louco o mestre Cerqueira, um dos construtores da igreja franciscana, que veio a morrer pobre e desvalido.

Alguns historiadores, antes do Oyama, chegaram a citar a tal rasura, ainda que timidamente, como se estivessem amedrontados; outros fizeram de conta que ela não existia, outros talvez a notaram e nada disseram, e outros tocaram no assunto com alguma coragem, sem contudo direcionarem o foco de suas atenções para a existência dela e o que o fato poderia representar historicamente. Agora aparece o Oyama tratando profundamente da questão em um livro específico, com uma tese bem defendida, o que poderá vir a mudar fatos até então tidos como verdadeiros na história da nossa arquitetura barroca.

O livro é uma edição luxuosa, feita em papel especial, que foi co-editada pela Fundação Lusíada e pela RCS ArteDigital. A Fundação Lusíada é uma instituição privada e independente dos poderes públicos, constituída em março/1986, presidida pelo intelectual português dr. Abel de Lacerda Botelho, e que tem por objetivo defender e divulgar a Cultura Portuguesa, através de colóquios, seminários e patrocínio de edições, em Portugal e no estrangeiro e a sua sede fica situada em Lisboa – Portugal. A RCS ArteDigital, sediada em São Paulo, é a empresa do renomado especialista em processos digitais, o fotógrafo Miguel Francisco Pacheco e Chaves, profissional com vasta experiência na área de captura de arquivos, confecção de catálogos museológicos e como não poderia deixar de ser, o empresário é também um apaixonado pela riqueza cultural deste país, especialmente por essa cultura palpitante e herança do gesto que habita as margens destas trilhas da Estrada Real, as quais serpenteiam a microrregião mineira dos Campos das Vertentes, onde ainda há muita história a ser pesquisada.

O prefácio de A RASURA... é da lavra do dr. Aristides Junqueira Alvarenga (respeitadíssimo ex-procurador Geral da República), as orelhas foram escritas pelo presidente da Fundação Lusíada, dr. Abel de Lacerda Botelho e a apresentação ficou a cargo deste escriba.

Oyama apresenta suas idéias magistralmente, num texto histórico bem escrito e com base em boas e respeitáveis fontes documentais. A bibliografia é apresentada através de um rol diversificado, de respeitáveis historiadores e de jornais de época, documentos nos quais o autor foi buscar os subsídios para as suas assertivas e desconfianças. Na segunda parte, dos anexos, estão apresentadas belíssimas fotografias de igrejas são-joanenses e seus riquíssimos detalhes, imagens creditadas aos profissionais João Ramalho Neto e Miguel Pacheco e Chaves. Constam dos anexos fac-símiles de importantíssimas

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fontes históricas primárias, tais como algumas páginas do Livro de Termos e Pastorais da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis (1751-1832), de correspondências do autor com o Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo e com o Arquivo Distrital de Viana do Castelo (Portugal). Nos anexos são ainda apresentadas as reproduções dos assentamentos de batismo do mestre canteiro português Francisco de Lima Cerqueira e de seus familiares, e certidões do Arquivo Distrital de Viana do Castelo. Foram anexadas ao livro perfeitas reproduções de páginas do testamento e do inventário de Lima Cerqueira, capturadas no arquivo do IPHAN local.

Após a atenta leitura do livro fica a certeza de que os estudiosos deverão estar prontos a reexaminar a História, analisando os escritos do Oyama. Aí, então, irá se formando um pelotão, uma companhia e, por fim, um exército composto daqueles que, indignados com essa situação nebulosa, perseguirão a verdade histórica buscando chegar o mais perto possível da realidade dos fatos relativos à nossa arquitetura barroca e arte sacra, assuntos que até então, no que se refere à construção do templo franciscano de São João del-Rei, estão nebulosamente contados e, como conseqüência, continuam gerando dúvidas e interpretações indevidas.

A RASURA: Francisco de Lima Cerqueira e Antônio Francisco Lisboa, O Aleijadinho, ainda... é obra importantíssima e que merece estar nas bibliotecas de todas as faculdades do País, principalmente as de história e arquitetura, além das outras escolas. É uma fonte histórica para constar nos melhores acervos bibliográficos, sobretudo os existentes em Minas Gerais, onde a arquitetura barroca brasileira teve o seu maior vulto. É literatura histórica que deve ficar disponível aos estudiosos, contribuindo nas necessárias reflexões de todos aqueles que estão interessados no assunto. É obra de leitura necessária, um instrumento de elo entre gerações, amantes das coisas de São João del-Rei e interessadas na preservação da sua história, no dizer do prefaciador Aristides Junqueira Alvarenga. É um trabalho de grande investigação histórica, altamente louvável, escrito com tal dignidade e probidade, que é merecedora do maior respeito literário, como bem escreveu o dr. Abel de Lacerda Botelho, ressaltando, ainda, a importância da Herança do Gesto, que o autor também procurou demonstrar.

O tema do livro é polêmico e poderá até despertar paixões. O leitor poderá até discordar dos escritos de Oyama Ramalho. Não poderá, porém, duvidar da honestidade dos seus propósitos e da contribuição que é oferecida por ele para que fatos ainda mal esclarecidos da nossa história possam encontrar explicações lógicas, alicerçadas na verdade e em provas documentais confiáveis.

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Capa do livro “A RASURA”