A Rainha Das Ciencias

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1 Resumos Literários Conhecimento Específico A Rainha das Ciências Gilberto Geraldo Garbi A Rainha das Ciências Gilberto Geraldo Garbi 1 - OS PRIMÓRDIOS DA MATEMÁTICA A primeira pergunta que nos surge ao iniciar o estudo da História da Matemática é: “Quando, como e onde começou a Matemática? Da mesma forma que as duas anteriores, esta questão não encontra uma resposta fácil, mas podemos obter bons indícios olhando sumariamente as histórias do Universo, da vida sobre a Terra e da dramática trajetória do Homem desde o seu surgimento. Com o surgimento da Agricultura, chegamos a um marco crucial na História da Humanidade. Ao aprender a cultivar as plantas para delas obter alimentos e insumos, o homem deu início à primeira grande revolução em sua forma de viver. A Agricultura permitiu o aumento mais rápido da população, fixou o Homem à terra e obrigou-o a organizar-se socialmente de forma mais complexa: foi preciso aprender a planejar e a dividir o trabalho, assim como a compartilhar a terra e seus frutos. O Homem foi forçado também, a compreender melhor os ciclos das estações do ano e contar o tempo por meio de calendários. Isso o levou a observar os astros e a aprimorar sua percepção sobre aquilo a que chamamos número. Se fizesse sentido dar uma resposta menos imprecisa sobre como e quando começou a Matemática, poderíamos dizer que foi com o início da Revolução Agrícola, por volta de 9000 a.C. Tal resposta, entretanto, deve ser recebida com muita cautela porque se sabe, por exemplo, que muitos milênios antes daquela revolução existia razoável volume de comércio entre pessoas e tribos e nenhum comércio se faz sem rudimentos de Aritmética. Nas raízes da escrita sempre estiveram presentes as necessidades de se efetuar assentamentos numéricos, em especial os referentes à produção, estoques, transações comerciais e arrecadação de impostos. Alguns especialistas, inclusive, acreditam que a escrita foi criada primordialmente para tornar possíveis os registros numéricos. Somente mais tarde passou a ser utilizada para os relatos históricos dos povos e de seus soberanos 2 - MESOPOTÂMIOS, EGÍPCIOS E CHINESES Sobre egípcios e mesopotâmios, é preciso inicialmente esclarecer um detalhe importante: enquanto o Egito foi um país independente, ao longo de pelo menos três milênios, até ser conquistado pelo rei persa Cambises, em 525 a.C.. Já a Mesopotâmia foi sempre uma região muito conturbada por guerras entre diversos povos da região, cada um impondo-se temporariamente sobre seus antecessores. A invenção da escrita, em meados do quarto milênio a.C., deu grande impulso à Matemática. Os escribas foram os primeiros a adquirir conhecimentos sobre os números, até porque era a eles que as pessoas certamente recorriam sempre que enfrentavam algum problema mais difícil. Por sua vez, foram os arquitetos e construtores primitivos os pioneiros na solução das questões básicas da Geometria. É fácil compreender que as primeiras soluções de problemas aritméticos e geométricos deram-se de maneira prática, sem preocupações com formalidades teóricas. Foi assim, por experimentação, indução e algum raciocínio, que a Matemática começou. É fato que os mais antigos documentos, indubitavelmente matemáticos, que chegaram até nós são tabletes sumérios de barro cozido, datando

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1 Resumos Literários – Conhecimento Específico A Rainha das Ciências – Gilberto Geraldo Garbi

A Rainha das Ciências Gilberto Geraldo Garbi

1 - OS PRIMÓRDIOS DA MATEMÁTICA

A primeira pergunta que nos surge ao

iniciar o estudo da História da Matemática

é: “Quando, como e onde começou a

Matemática? Da mesma forma que as duas

anteriores, esta questão não encontra uma

resposta fácil, mas podemos obter bons

indícios olhando sumariamente as histórias

do Universo, da vida sobre a Terra e da

dramática trajetória do Homem desde o seu

surgimento. Com o surgimento da

Agricultura, chegamos a um marco crucial

na História da Humanidade. Ao aprender a

cultivar as plantas para delas obter

alimentos e insumos, o homem deu início à

primeira grande revolução em sua forma de

viver.

A Agricultura permitiu o aumento mais

rápido da população, fixou o Homem à terra

e obrigou-o a organizar-se socialmente de

forma mais complexa: foi preciso aprender

a planejar e a dividir o trabalho, assim como

a compartilhar a terra e seus frutos. O

Homem foi forçado também, a

compreender melhor os ciclos das estações

do ano e contar o tempo por meio de

calendários. Isso o levou a observar os

astros e a aprimorar sua percepção sobre

aquilo a que chamamos número.

Se fizesse sentido dar uma resposta

menos imprecisa sobre como e quando

começou a Matemática, poderíamos dizer

que foi com o início da Revolução Agrícola,

por volta de 9000 a.C.

Tal resposta, entretanto, deve ser recebida

com muita cautela porque se sabe, por

exemplo, que muitos milênios antes

daquela revolução já existia razoável

volume de comércio entre pessoas e tribos

e nenhum comércio se faz sem rudimentos

de Aritmética.

Nas raízes da escrita sempre estiveram

presentes as necessidades de se efetuar

assentamentos numéricos, em especial os

referentes à produção, estoques,

transações comerciais e arrecadação de

impostos. Alguns especialistas, inclusive,

acreditam que a escrita foi criada

primordialmente para tornar possíveis os

registros numéricos. Somente mais tarde

passou a ser utilizada para os relatos

históricos dos povos e de seus soberanos

2 - MESOPOTÂMIOS, EGÍPCIOS E CHINESES

Sobre egípcios e mesopotâmios, é

preciso inicialmente esclarecer um detalhe

importante: enquanto o Egito foi um país

independente, ao longo de pelo menos três

milênios, até ser conquistado pelo rei persa

Cambises, em 525 a.C.. Já a Mesopotâmia

foi sempre uma região muito conturbada

por guerras entre diversos povos da região,

cada um impondo-se temporariamente

sobre seus antecessores.

A invenção da escrita, em meados do

quarto milênio a.C., deu grande impulso à

Matemática. Os escribas foram os primeiros

a adquirir conhecimentos sobre os

números, até porque era a eles que as

pessoas certamente recorriam sempre que

enfrentavam algum problema mais difícil.

Por sua vez, foram os arquitetos e

construtores primitivos os pioneiros na

solução das questões básicas da Geometria.

É fácil compreender que as primeiras

soluções de problemas aritméticos e

geométricos deram-se de maneira prática,

sem preocupações com formalidades

teóricas. Foi assim, por experimentação,

indução e algum raciocínio, que a

Matemática começou.

É fato que os mais antigos

documentos, indubitavelmente

matemáticos, que chegaram até nós são

tabletes sumérios de barro cozido, datando

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de aproximadamente 2200 a.C., mas como

os egípcios escreviam sobre papiros

facilmente degradáveis, eles podem ter

produzido documentos ainda mais antigos e

que se perderam. É preciso lembrar,

entretanto, que existem tabletes sumérios

de cerca de 3500 a.C., quando ainda eram

usados símbolos anteriores aos

cuneiformes, que já traziam registros

numéricos.

Os babilônios já sabiam resolver

equações do primeiro e do segundo graus

(estas pelo método do “completamento do

quadrado”), conheciam a propriedade geral

dos triângulos retângulos hoje chamada de

Teorema de Pitágoras, calculavam

corretamente certas áreas e volumes,

calcularam a diagonal de um quadrado de

lado unitário com a excelente aproximação

1,414213 (provavelmente por algum

método iterativo), etc.

Alguns documentos que chegaram até

nós mostram que, no começo do segundo

milênio a.C., o nível de conhecimentos

egípcios já era bastante elevado. Dois

destes documentos tornaram-se

particularmente célebres e contêm, ambos,

diversos problemas de Aritmética e

Geometria com suas respectivas soluções. O

primeiro deles é o chamado Papiro de

Ahmes (ou Rhind), escrito por volta de 1650

a.C. pelo escriba Ahmes e descoberto no

século XIX pelo egiptólogo escocês A. Henry

Rhind. O segundo mais importante

documento matemático deixado pelos

egípcios é o chamado Papiro de Moscou.

3 - TALES, DE MILETO

A Jônia, um conjunto de colônias nas

ilhas e no litoral da Anatólia, foi o

verdadeiro berço da Filosofia e da

Matemática dedutiva. As causas de um dia

haver surgido de lá uma verdadeira febre

intelectual em todas as direções em que o

pensamento humano pode se voltar

constituem, talvez, o maior mistério da

História da Civilização.

Também na Magna Grécia a Filosofia e

a Matemática desenvolveram-se antes que

Atenas acordasse para elas.Na cidade Jônia

de Mileto (hoje em território pertencente à

Turquia), viveu um homem admirável, mais

tarde considerado um dos Sete Sábios da

Grécia Antiga, chamado Tales. Ele é

considerado o primeiro filósofo e o primeiro

matemático grego e é provável, mas não

aceito unanimemente, que tenha vivido

entre 640 a.C. e 564 a.C.

Embora a Filosofia, a Astronomia e a

Matemática fossem suas paixões, a

atividade rotineira de Tales era o comércio.

Nenhum de seus trabalho chegou até nós

no original, de modo que é impossível

avaliar como suas provas foram construídas

ou mesmo se elas poderiam ser aceitas

modernamente, mas o importante, o

lançamento da semente da Matemática

Dedutiva, já havia sido feito.

4 – PITÁGORAS, DE SAMOS (E, DEPOIS,

CROTONA)

A cerca de 50 quilômetros de Mileto,

na ilha Jônia de Samos, nasceu o homem

que veio a emprestar seu nome ao mais

conhecido dentre todos os teoremas da

Matemática: Pitágoras.

Também sobre ele o que se conta é um

misto de fatos e lendas, sendo muito difícil

distinguir uns dos outros. O período em que

transcorreu sua vida não é conhecido com

exatidão, mas conjectura-se que tenha sido

de 586 a.C. a 500 a.C. Alguns autores

antigos afirmam que houve contato pessoal

entre Pitágoras e Tales, mas outros

historiadores têm dúvidas sobre isso.

Entretanto, é certo que Pitágoras foi

fortemente influenciado pelas ideias de

Tales.

A região de Anatólia onde se situava Mileto estava, em meados do século VI a.C.,

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vivendo um período de grande turbulência em razão dos movimentos de formação e expansão do império Persa. Samos ainda resistiu até 520 a.C. mas, percebendo tal clima de insegurança e detestando o tirano Polícrates, que governava a ilha, Pitágoras deixou-a e, após passar algum tempo no Egito e, talvez, na Mesopotâmia, mudou-se para a cidade de Crotona, ao Sul da península italiana. Naquela cidade da Magna Grécia Pitágoras fundou, por volta de 540 a.C., uma escola voltada ao estudo da Filosofia, das Ciências Naturais e da Matemática. Embora Tales tenha sido o primeiro a

declarar que as verdades matemáticas

devem ser provadas pelo raciocínio,

acredita-se que foram os pitagóricos os

primeiros a produzir demonstrações

razoavelmente rigorosas.

A irmandade dos pitagóricos tornou-se

muito poderosa e influente em Crotona até

que a população revoltou-se contra ela.

Pitágoras foi forçado a refugiar-se na cidade

de Metaponto, também na Magna Grécia,

onde, diz-se, que morreu assassinado

durante uma rebelião popular.

5 – OS PRÉ–PLATÔNICOS

A crença de que o mundo era formado

por números inteiros e por relações entre

eles estava muito arraigada na filosofia dos

pitagóricos. Um dia, no entanto, estudando

qual deveria ser a medida da diagonal do

quadrado e supondo que ela pudesse ser

expressa pela relação entre dois inteiros,

chegou-se a um absurdo. Estabeleceu-se,

então, outra forma de se referir a uma

relação entre grandezas que não possa ser

expressa por um número racional é dizer

que as duas grandezas não admitem uma

unidade comum de medida, ou seja, que

elas são incomensuráveis.

O inesperado aparecimento dos

irracionais causou forte impacto entre os

pitagóricos porque, até então, todas as

provas dos teoremas envolvendo

proporções e semelhança haviam suposto

que, dados dois segmentos, duas áreas ou

dois volumes quaisquer, sempre existia

entre suas medidas uma relação exprimível

por meio de números inteiros. Várias lendas

surgiram a respeito desse episódio.

Uma delas diz que os pitagóricos

lançaram Hipasus ao mar, afogando-o por

haver revelado a estranhos aquele fato

desconcertante. Outra diz que Hipasus

morreu em um naufrágio, castigado pelos

deuses pelo mesmo motivo.

6 – OS TRÊS PROBLEMAS CLÁSSICOS

A Trissecção do Ângulo, a Quadratura

do Círculo e a Duplicação do Cubo passaram

para a História como Os Três Problemas

Clássicos e geraram uma infinidade de

estudos que ajudaram a promover avanços

na Geometria. Entretanto, a civilização

grega desapareceu sem que as soluções

fossem encontradas. Somente no século

XIX, passados mais de 23 séculos, os

matemáticos modernos resgataram a honra

de seus colegas gregos, provando que as

soluções não foram encontradas

simplesmente porque as construções são

impossíveis com régua e compasso (a rigor,

a trissecção do ângulo é possível apenas em

casos particulares, como 90°, 180°, etc.,

sendo impossível de uma forma geral).

7 – PLATÃO E SEUS DISCÍPULOS

Platão (427 a.C. – 347 a.C.), cujo

verdadeiro nome era Arístocles, foi um dos

mais brilhantes, lúcidos e nobres espíritos já

produzidos por nossa espécie. Acima

de tudo um grande filósofo, Platão soube

reconhecer o valor da Matemática não

apenas por ser indispensável à

compreensão do mundo físico mas,

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também, por habituar seus praticantes a

conduzir o raciocínio de maneira lógica.

8 – EUCLIDES E OS ELEMENTOS

Em 338 a. C., Filipe II da Macedônia

venceu as tropas reunidas de Atenas e

Tebas e conseguiu colocar sob seu comando

a maioria das cidades-estados gregas.

Entretanto, Filipe II foi assassinado e o

trono coube a seu filho de apenas 20 anos,

ex-aluno de Aristóteles, que entrou para a

História como Alexandre, o Grande, o maior

general da Antiguidade. Em 334 a.C.,

Alexandre atravessou o Helesponto e, em

sete anos, conquistou a Pérsia e chegou ao

Norte da Índia. O Egito foi tomado em 332

a.C. e ali, no delta do Nilo, ele fundou uma

cidade portuária que recebeu o nome de

Alexandria. Alexandre morreu em 323 a.C.

Seu império foi dividido entre os três

maiores de seus generais: Seleuco (Síria,

Mesopotâmia, Anatólia e planalto da

Pérsia), Antígono (Grécia continental e

Macedônia) e Ptolomeu (Egito). Assim

começou o Helenismo, a disseminação da

cultura grega no Oriente Próximo.

Por volta de 300 a.C., Ptolomeu,

estimulado por um filósofo chamado

Demétrio, de Falero, decidiu fazer de

Alexandria um grande centro do saber e da

cultura. Mudando-se para Alexandria,

idealizou criar ali um centro de estudos

muito superior aos de outras cidades do

mundo grego, em especial dotando-o de

uma grande biblioteca. Com o apoio de

Ptolomeu, Demétrio começou a atrair para

Alexandria os maiores pensadores do

mundo grego e foi assim que, por volta de

300 a.C., um matemático de nome Euclides

passou a ensinar a Geometria ali.

Pouco se sabe sobre Euclides. Com

segurança, podemos apenas dizer que foi

diretor da área de Matemática do Museu de

Alexandria, que lá ensinou os Elementos e

outros livros e que esteve no auge de sua

genialidade por volta de 300 a.C. Parece,

também, não haver dúvidas quanto aos

objetivos de Euclides ao escrever seus

Elementos, em 13 livros: tratava-se de

material didático para o ensino de

Geometria (elementar) aos iniciantes.

9 – ARQUIMEDES, DE SIRACUSA

Arquimedes, nascido em 287 a.C. na

cidade de Siracusa, na ilha da Sicília, foi o

maior gênio da Antiguidade. Seus feitos nos

campos da Matemática e da então

incipiente Física foram admiráveis e

credenciavam-no a integrar o seleto rol dos

três maiores matemáticos de todos os

tempos, junto a Isaac Newton (1642 – 1727)

e Carl Friedrich Gauss (1777 – 1855).

Arquimedes foi o inventor da polia

composta, por meio da qual uma força

menor pode ser multiplicada (às custas da

redução da velocidade de deslocamento) de

modo a superar outra maior.

Arquimedes morreu em 212 a.C., aos

75 anos, vitimado pela 2ª guerra Púnica,

entre Roma e Cartago. O rei de Siracusa

colocou-se ao lado de Cartago e, em

consequência, a cidade foi atacada pelos

exércitos de Roma, comandados pelo

general Marcelo.

No que diz respeito aos navios

romanos, puseram-se ao lado das muralhas

litorâneas para que os soldados as

escalassem, “gigantescos postes saíram dos

muros sobre os navios e afundaram alguns,

soltando sobre eles grandes pesos. Outros

foram levantados para o ar por um braço de

ferro... e mergulhados no fundo do mar”.

“Ao final, os romanos foram reduzidos a tal

estado de alarme que bastava verem um

pedaço de corda ou uma peça de madeira

aparecer por cima da muralha para

começar a gritar: ‘cuidado, Arquimedes está

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apontando uma de suas armas contra nós”’.

(Plutarco)

Em toda a História, ele representa o

matemático que esteve tantos séculos à

frente de seu tempo. É pouco provável que

isso venha a se repetir, mesmo no mais

longínquo futuro. Quem lê sobre a vida e a

obra de Arquimedes fica compelido a

afirmar que ele possuiu a maior mente

matemática de todos os tempos, mas é

impossível prová-lo por critérios objetivos.

Entretanto, também por critérios objetivos,

é impossível assegurar que alguém o tenha

superado.

10 – APOLÔNIO, DE PERGA

A Universidade de Alexandria teve seu

nome ligado a muitos matemáticos e

astrônomos de grande valor. Três deles,

verdadeiros gigantes da Matemática,

caracterizaram o período que, mais tarde,

veio a ser chamado de a Idade de Ouro

daquela escola: Euclides, Arquimedes e

Apolônio.

Apolônio nasceu em 262 a.C., na

cidade de Perga, ao Sul da Anatólia, e

provavelmente estudou em Alexandria,

sendo certo que ali lecionou por algum

tempo. Foi nessa fase que realizou seus

melhores trabalhos, vindo a adquirir

reputação tão elevada que, ainda em vida,

já era conhecido como O Grande Geômetra.

Apolônio foi também astrônomo e

sabe-se que várias de suas obras foram

perdidas, podendo-se apenas avaliar o

conteúdo de algumas delas através de

referências feitas posteriormente por

outros. Sua obra prima Cônicas, pela qual é

mais lembrado, chegou até nós quase

completa. Aquele volumoso tratado foi

composto em oito livros, contendo mais de

480 proposições rigorosamente

demonstradas sobre a elipse, a hipérbole e

a parábola. Sete de tais livros chegaram até

nós, quatro em grego e três em árabe,

contudo, um foi perdido. Com base em

indicações de Papus, que viveu mais de

cinco séculos depois, o grande astrônomo

inglês Edmond Halley (1656-1742) fez-lhe

uma restauração parcial.

Apolônio foi o primeiro a empregar os

termos elipse, hipérbole e parábola e a

mostrar que elas podem ser geradas

seccionando-se um cone duplo por meio de

um plano de inclinação variável em relação

a seu eixo. Quando, a partir do

Renascimento, a Matemática recebeu

vigoroso impulso, célebres geômetras como

Fermat, Descartes, Pascal e, em especial,

Isaac Newton, beberam fartamente das

cristalinas águas das obras de Apolônio,

principalmente suas Cônicas.

Muitas das históricas demonstrações

dadas por Newton nos Principia, sobre os

movimentos elípticos dos astros do Sistema

Solar, utilizaram propriedades das secções

cônicas que haviam sido reveladas 19

séculos antes pelo O Grande Geômetra.

11 – NOVE SÉCULOS DA UNIVERSIDADE DE

ALEXANDRIA

A mais antiga das universidades

européias, a de Bolonha, na Itália, foi

fundada em 1088. De lá até agora (2010)

transcorreram 922 anos. A Universidade de

Alexandria atravessou séculos turbulentos,

entremeados por períodos de tranquilidade,

e viveu fases de glória, decadência e

reerguimento, até ser definitivamente

fechada pelos conquistadores árabes no

ano 641 d.C. A duração de sua existência

foi, portanto, cerca de 940 anos, o que

demonstra que, somente por volta do ano

2028, a mais velha das universidades da

Europa terá vivido um período tão longo

como aquele em que a escola de Alexandria

manteve-se em atividade. Este fato

admirável, sobre o qual os livros pouco

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comentam de, fala por si mesmo sobre o

que aquele núcleo de saber legou para as

gerações futuras e explica o grande número

de sábios da Antiguidade que passaram por

ele.

Já no primeiro século de existência a

Universidade viveu sua Idade de Ouro, com

Euclides, Arquimedes e Apolônio. Também

da mesma época foi o grande astrônomo

Aristarco, de Samos (circa 310 a.C. – 230

a.C.). Também na fase áurea viveu o célebre

Erastótenes, de Cirene (275 a.C. – 195 a.C).

Por volta de 140 a.C., destacou-se na

Universidade um grande geômetra e

astrônomo, de nome Hiparco. Nascido em

Niceia em 180 a.C. e falecido em 125 a.C.,

Hiparco é considerado o criador da

Trigonometria.

Em 31 a.C. o Egito tornou-se uma

província do Império Romano e a

Universidade enfraqueceu-se ainda mais.

Somente um século após a tomada do Egito

por Roma a Universidade veio a produzir

um novo gênio, na pessoa do grande Herão,

de Alexandria. Tratava-se de homem de

vastos conhecimentos, não apenas na

Matemática mas, também, na

Astronomia,Física e Engenharia. Vários de

seus trabalhos chegaram até nós, mas ele é

mais lembrado hoje pela chamada Fórmula

de Herão, que permite calcular a área de

um triângulo conhecidas as medidas dos

três lados.

Viveu Menelau, poucas décadas depois

de Herão, cujas melhores obras parecem

ter sido produzidas por volta de 100 d.C..

Sabe-se que escreveu um tratado sobre

cordas de um círculo, ou seja, sobre a antiga

Trigonometria. Tal obra perdeu-se, mas seu

precioso tratado Esférica foi salvo por

tradutores árabes e nos mostra o quão

talentoso foi seu autor.

Cerca de meio século após Menelau,

por volta de 150 d.C., trabalhou na

Universidade um grande gênio, de nome

Klaudius Ptolemanios, atualmente

conhecido por Cláudio Ptolomeu. Vários de

seus tratados sobreviveram, versando sobre

Geografia, Cartografia, Astrologia,

Astronomia, Matemática e Música. Seu

trabalho mais importante chama-se Coleção

Matemática, um volumoso tratado de

astronomia matemática também conhecido

por Almagesto.

Quase um século após Cláudio

Ptolomeu, acredita-se que por volta de 250

d.C., um grande talento matemático

floresceu na Universidade. Ele é conhecido

por Diofante de Alexandria e sua grande

contribuição se deu nos campos da Álgebra

e da Teoria dos Números.

Cerca de 50 anos depois de Diofante,

por volta de 300 d.C., trabalhou na

Universidade um geômetra de excepcional

talento, conhecido como Papus, de

Alexandria. Papus é com justiça considerado

o último dos grandes geômetras gregos. Se

a Idade de Ouro da Universidade foi o século

de Euclides, Arquimedes e Apolônio, o

século de Diofante e Pappus foi sua Idade de

Prata, o verdadeiro canto de cisne daquela

célebre escola.

Depois de Papus, a decadência da

Universidade não mais cessou. Nesta fase

final, viveram os comentaristas que se

tornaram importantes como fontes de

informações, mas sem o talento dos

grandes vultos do passado. Os principais

foram Têon, Hipácia, Proclo, Simplício e

Eutócio.

O Egito caiu em 641 d.C., sob o Califa Omar, que fechou definitivamente o farol do saber que brilhara em Alexandria por quase um milênio. Uma longa e escura noite caiu sobre a ciência do Ocidente e, por pelo menos seis séculos, a Europa esteve fora do mapa mundial dos avanços matemáticos.

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12 – ÁRABES, HINDUS, CHINESES E A

EUROPA MEDIEVAL

Enquanto o Império romano do

Ocidente ruía e o Islã erigia seu grande

reino, na Índia, a Matemática vivia um

período de especial florescimento. Muito

antes, por volta de 3000 a.C., quando os

egípcios e sumérios construíam as bases de

suas notáveis civilizações, um povo

igualmente desenvolvido habitou o norte da

Índia, em Mohenjo Daro. Suas cidades

dispunham de ruas pavimentadas, redes de

água e esgoto, piscinas públicas e banheiros

nas residências. Os campos eram irrigados,

uma escrita própria fora criada e um

intenso comércio estimulava a economia da

região. É quase certo que uma civilização

assim evoluída possuía muitos

conhecimentos práticos de Aritmética e

Geometria.

Por meio do contato com outros povos

e por iniciativa própria, a Índia desenvolveu-

se na Astronomia e na Matemática e o fez

tão bem que veio a ensinar o mundo a

utilizar o instrumento com que hoje

trabalhamos na Aritmética: o sistema

posicional de numeração na base dez,

empregando dez símbolos, um dos quais, o

zero. É importante e justo, entretanto,

ressaltar que os maias, na América Central,

já usavam um sistema posicional com um

símbolo para o zero por volta do século V

d.C., provavelmente antes dos hindus.

O mais importante dos clássicos

matemáticos da China antiga denomina-se

Kiu-chang Suan-shu (Aritmética em Nove

Seções) e, como ocorre com os demais, sua

idade é conjectural: supõe-se que seja

contemporâneo do I-king e do Chou Pei

(século XII a.C.). A partir da virada do

século XV para o XVI, uma verdadeira febre

pelo estudo das ciências, a começar pela

Matemática, passou a varrer países como a

Itália, a França, a Inglaterra, a Alemanha e a

Holanda: finalmente, o gênio matemático

da Europa conseguira libertar-se da garrafa.

13 – O NASCIMENTO DE UMA NOVA

MATEMÁTICA

Um milênio se passou desde o fim da

matemática grega até o início do século XVI.

Nesse longo período, pouquíssimo de

realmente novo foi criado em Matemática.

Em 1473, em Torun, na Polônia, nasceu

Niklas Koppernigk, ou Nicolau Copérnico, o

homem que desencadeou uma revolução

que se propagou por todas as áreas do

saber. Em 1506 começou a desenvolver um

sistema astronômico com base em suas

observações dos corpos celestes. Logo

constatou que a hipótese geocêntrica, de

Aristóteles e Cláudio Ptolomeu, não era

compatível com a realidade e que a teoria

dos egípcios era uma forma artificial de se

ajustar os fatos àquela hipótese.

Sabendo das dificuldades de aceitação

do heliocentrismo, já que a Bíblia colocava a

Terra e o Homem no centro do Universo e

que a Igreja, abalada em 1517, pelo cisma

protestante, tornara-se extremamente

sensível a tudo o que pudesse parecer

heresia, ele continuou suas pesquisas em

silêncio. Na mesma época em que

Copérnico revolucionava a Astronomia, a

Álgebra também passava, no norte da Itália,

por profundas transformações.

No mesmo período, e na mesma

região, viviam dois matemáticos cujos

nomes entraram para a História: Girolamo

Cardano (1501 – 1576) e Nicolò Fontana

(1500 – 1557), apelidado Tartaglia.

Galileu nasceu em Pisa, em 15 de

fevereiro de 1564, o primogênito dentre os

sete filhos de um culto comerciante. Aos

dezessete anos entrou na Universidade de

Pisa para estudar Medicina e logo passou a

criticar os conceitos médicos e fisiológicos

herdados de Aristóteles e Galeno. Sua

passagem pela medicina foi breve e ele logo

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a deixou, levado pela paixão pela

Matemática e pela Física. Em pouco tempo

Galileu captou a essência daquelas ciências

e começou a meditar sobre elas, formando

sua própria visão física do Universo.

Em 1611, foi recebido pelo Papa,

novamente, falou à cúpula da Igreja sobre

suas descobertas astronômicas que

divulgava livremente em livros e palestras.

Não tardaria muito para que a situação

mudasse drasticamente e ele passasse a ser

perseguido pelo clero em razão de seus

trabalhos científicos.

Outro gênio da Matemática e da

Astronomia, foi Johannes Kepler. Kepler

nasceu, em 1571, em uma cidadezinha da

Alemanha, chamada Weil der Stadt, e viveu

cerca de seis décadas atormentado por

muitos problemas. Nascido

prematuramente, filho de um aventureiro

irresponsável, Kepler escapou da morte por

varíola aos quatro anos e guardou para

sempre as cicatrizes deixadas em seu corpo.

Dotado de uma inclinação inata pela

Matemática e pelas ciências, conseguiu

estudar em um seminário e na Universidade

de Tübingen.

Em 1594, Kepler passou a ensinar

Matemática em um seminário protestante

em Graz, na Áustria. Acreditando que o

Universo era regido por leis matemáticas e

afirmando que a Geometria fazia parte da

mente de Deus, Kepler buscava uma

roupagem matemática com que vestir suas

observações do Sistema Solar.

Dois grandes discípulos de Galileu

foram Bonaventura Cavalieri (1598 – 1647)

e Evangelista Torricelli (1608 – 1647).

Bonaventura Cavalieri, nascido em Milão,

foi professor da Universidade de Bolonha

por 18 anos e escreveu volumosa obra nos

campos da Matemática, Óptica e

Astronomia. O trabalho pelo qual ele é hoje

mais lembrado denominou-se Geometria

Indivisibilibus (1635) e nele Cavalieri expôs

seu método para o cálculo de áreas ou

volumes de certas figuras delimitadas por

linhas ou superfícies curvas. Evangelista

Torricelli (1608 – 1647), mais conhecido por

seus estudos no campo da Física, onde

inventou o barômetro, também, foi um

grande matemático.

14 – DESCARTES, FERMAT E PASCAL

Na virada do século XVI, que já

produzira gênios como Copérnico, Tartaglia,

Cardano, Ferrari, Bombelli, Viète, Napier,

Galileu, Kepler, Torricelli, Cavalieri e

Desargues, o destino ainda fez nascer na

França três gigantes – Descartes, Fermat e

Pascal.

René Descartes nasceu em La Haye,

Touraine, em 31 de março de 1596, filho de

um jurista bem sucedido. As condições

materiais da família permitiram que

Descartes jamais tivesse que lutar por seu

sustento mas, ao contrário do que se

poderia imaginar, muito cedo ele deu início

a uma incessante luta pelo enriquecimento

do espírito.

Em 1617, Descartes mudou

bruscamente o rumo de sua vida,

integrando-se ao exército holandês em

Breda, para adquirir outros conhecimentos

sobre o mundo.

Descartes desligou-se do exército em

1621 e mudou novamente o foco de suas

atenções, visitando vários países da Europa

do Norte e a Itália, retornando a Paris em

1625. Os quatro primeiros anos desta fase

de sua vida foram dedicados à construção

de sua filosofia, profundamente

influenciada pelas descobertas do

Renascimento, em especial na Astronomia.

Como alguns princípios deveriam ser

assumidos, Descartes considerou que a

existência do ser estar inquirindo o

Universo poderia ser aceita como verdade

absoluta, daí decorrendo sua famosa frase:

Page 9: A Rainha Das Ciencias

9 Resumos Literários – Conhecimento Específico A Rainha das Ciências – Gilberto Geraldo Garbi

“Penso, logo existo” (“Cogito, ergo sum”).

Ao final, Descartes produziu uma complexa

filosofia em que: o mundo é formado por

espírito e matéria, o Universo não passa de

matéria em incessante movimento e os

fenômenos naturais são explicáveis pelo

movimento da matéria.

Na mesma época em que viveu

Descartes, outro célebre francês, Pierre de

Fermat (1601? – 1665), dedicou seu

excepcional talento ao estudo amadorístico

da Matemática e nela deixou sua marca de

gênio. O título que a posteridade lhe

outorgou, O Príncipe dos Amadores,

espelha bem o afeto e a admiração que

Fermat grangeou junto às gerações de

profissionais que o sucederam nos últimos

quatro séculos.

Durante décadas Fermat envolveu-se

em pesquisas sobre temas então

atualíssimos, como Óptica, Teoria das

Probabilidades e aquilo a que hoje

chamamos de Cálculo Diferencial mas,

dentro de seu leque de interesses, a Teoria

dos Números ocupava o centro do palco.

Dominando o grego antigo, não teve

dificuldade em estudar geômetras clássicos

como Apolônio e Papus, até que lhe caiu

nas mãos a versão em Latim e Grego da

Aritmética, de Diofante, publicada na

França por Bachet de Méziriac, em 1621.

Dissecando os teoremas que Diofante

encontrara 13 séculos antes, Fermat foi

adicionando às margens do livro preciosos

comentários contendo suas próprias

descobertas e inovando em relação ao

grego.

E foi um de tais comentários marginais

que deu origem ao que veio mais tarde a

ser chamado de O Último Teorema de

Fermat, questão que ocupou as melhores

mentes matemáticas do mundo durante

três séculos e meio, até ser resolvida em

1993 pelo inglês Andrew Wiles.

Em 19 de junho de 1623, quando

Descartes e Fermat estavam,

respectivamente, com 27 e 22 anos, nasceu

na cidade de Clermont Ferrand um menino

chamado Blaise Pascal, cuja curta e

turbulenta vida foi marcada pela

genialidade nas Ciências Exatas, pelo

misticismo religioso, pela profundidade

filosófica, pela doença e por intensos

sofrimentos físicos e mentais.

Sabendo que a Matemática costuma

absorver de tal maneira o espírito daqueles

que por ela se apaixonam, a ponto de

negligenciarem outros campos igualmente

importantes da formação intelectual,

Étienne procurou manter o menino

afastado dela o quanto lhe foi possível.

Enquanto isso educou-o dentro de uma

orientação humanística, fazendo-o estudar

Latim, Grego e os autores clássicos. Mas a

curiosidade de Blaise em saber o que era a

Matemática fazia com que ele sempre

questionasse o pai sobre o tema, sem

jamais receber resposta.

Desde os sete anos Pascal vivia em

Paris e, aos catorze, passou a frequentar,

junto com o pai, as reuniões matemáticas

semanais que Mersenne promovia em sua

casa. Foi ali que, aos dezesseis anos,

conheceu Desargues, que estava revelando

ao mundo as técnicas da Geometria

Projetiva. Desargues explicou-lhe do que se

tratava e estimulou-o estudar as cônicas por

meio dela. A resposta de Pascal foi

imediata: em pouco tempo produziu um

trabalho, denominado Essay pour les

Coniques (Ensaio sobre as Cônicas), onde

apresentou um dos mais belos teoremas de

toda a Geometria.

15 – FAÇA-SE NEWTON! E TUDO FOI LUZ...

Isaac Newton, nascido em

Woolsthorpe, Inglaterra, em 1642 e falecido

em Londres em 1727, é generalizadamente

Page 10: A Rainha Das Ciencias

10 Resumos Literários – Conhecimento Específico A Rainha das Ciências – Gilberto Geraldo Garbi

considerado o maior intelecto já produzido

pela Humanidade no âmbito das Ciências

Exatas. Suas realizações no campo da Física

e da Matemática foram de tal maneira

importantes que não há exagero em

creditar-se a ele a criação do arcabouço

físico-matemático dentro do qual começou

a ser construída a civilização tecnológico-

industrial em que vivemos hoje.

Dentre os inúmeros gênios que nossa

espécie conseguiu gerar, Newton é o único

que pode ostentar os galardões de

pertencer simultaneamente aos grupos dos

maiores físicos e dos maiores matemáticos

de todos os tempos. Ninguém, antes ou

depois dele, teve tanta perspicácia e

sensibilidade em penetrar nos segredos do

Universo, através de experiências que

requeiram excepcional talento e habilidade,

e em utilizar a Matemática como um facho

de luz em sua caminhada desbravadora.

Na Matemática suas criações mais

lembradas, pela incomparável importância,

foram os Cálculos Diferencial e Integral, mas

ele deixou também grandes contribuições

em áreas como o Cálculo Numérico, Séries

Infinitas, Álgebra, estudos diversos sobre

curvas, leis da potenciação (Binômio de

Newton), etc. Na Física, sistematizou as leis

da Dinâmica (o que permitiu estudo

abrangente dos corpos em movimento),

formulou a Lei da Gravitação Universal,

sistematizou a Óptica e concebeu a Teoria

das Cores. Para levar a cabo de suas

pesquisas, projetou e construiu

pessoalmente, valendo-se de sua grande

habilidade manual, complexos instrumentos

científicos, em particular telescópios e

lentes.

Gottfried Wilhelm Leibniz, nascido em

Leipzig, Alemanha, em 1646, e falecido em

Hannover, em 1716, foi uma das mais

brilhantes inteligências de todos os tempos.

Reconhecido posteriormente como um

verdadeiro gênio universal, pela

abrangência de sua cultura, Leibniz foi

jurista, diplomata, estudioso da teoria

política, filólogo, filósofo, historiador,

lógico, geólogo, teólogo, inventor de uma

máquina de calcular e matemático de

altíssimo nível.

A Geometria Analítica, o conceito de

função, o método de Fermat para o traçado

de tangentes, os estudos de Cavalieri sobre

os “indivisíveis”, tudo apontava para uma

nova modalidade de cálculo que

sistematizasse a operação a que Eudóxio,

dois mil anos antes, denominara

“exaustão”. Leibniz percebeu tal momento

histórico, captou o espírito matemático da

época e entrou por um caminho que o

conduziu aos Cálculos Diferencial e Integral.

Em 1676, durante uma missão

diplomática a Londres, Leibniz, que já

trabalhava nas questões dos Cálculos,

visitou a Royal Society e teve acesso a uma

cópia do manuscrito De Analysi, de Newton.

Hoje os especialistas acreditam que, mesmo

tendo tido acesso ao De Analysi, Leibniz

concebeu suas idéias sobre os Cálculos

independentemente da influência de

Newton. Embora tenham chegado aos

mesmos resultados, Newton e Leibniz

deram à questão tratamentos muito

diferentes, inexistindo qualquer evidência

de plágio.

No mesmo ano em que Leibniz

anunciava ao mundo a criação dos Cálculos,

1684, ocorreu um fato que veio a afetar

profundamente o restante da vida de

Newton e dar à Ciência um impulso

decisivo. Por volta dos anos 1660, Newton

sabia que as forças de atração entre os

astros eram inversamente proporcionais

aos quadrados das distâncias mas, nada

havendo publicado, outros astrônomos e

físicos continuaram a estudar os

movimentos celestes na tentativa de

entender suas leis. Isaac Newton faleceu em

20 de março de 1727, antes de completar

Page 11: A Rainha Das Ciencias

11 Resumos Literários – Conhecimento Específico A Rainha das Ciências – Gilberto Geraldo Garbi

85 anos, debilitado pela gota, por

inflamações pulmonares e por pedras na

bexiga.

Mesmo sem os modernos meios de comunicação, toda a Inglaterra e os centros científicos da Europa logo receberam a notícia e choraram sua perda. A nobreza do país, à qual ele também havia sido alçado pelas mãos de uma rainha, decidiu proporcionar-lhe funerais à altura de sua grandeza e de sua importância na história da civilização.

Newton está sepultado em local de

destaque na Abadia de Westminster, entre

reis, nobres, poetas e outras personalidades

do Império Britânico. Em torno dele,

descansam Michael Faraday, o gênio da

eletricidade, George Green, grande

matemático do século XIX, Lord Kelvin,

físico, James Clerck Maxwell, que previu

matematicamente a existência das ondas

eletromagnéticas, e Paul Dirac, um dos

maiores físicos nucleares do século XX. A

poucos passos desta constelação repousa

Charles Darwin, o naturalista que formulou

a teoria da evolução das espécies. Assim, Sir

Isaac Newton, o prematuro e póstumo filho

de um lavrador analfabeto, após uma longa

e fecunda vida em que incansavelmente

buscou desvendar os segredos do Universo,

finalmente encontrou repouso eterno

naquele pequeno pedaço de Paraíso.

16 – EULER, O MESTRE DE TODOS NÓS

Uma entre as várias maneiras possíveis

de se começar a apresentação da vida e da

obra do grande Leonhard Euler (1707 –

1783), talvez a mais sintética seja dizer que

ele foi um furacão que varreu o território da

Matemática durante a maior parte do

século XVIII e que, nas quase seis décadas

de sua vida, matematicamente produtiva,

dominou o cenário mundial das Ciências

Exatas, sem que qualquer outra das grandes

figuras da época pudesse disputar-lhe o

cetro. Euler é, sem dúvida, e de longe, o

matemático que mais obras produziu em

todos os tempos, cobrindo todas as áreas

então conhecidas da Matemática e criando

outras que não haviam sido sequer

vislumbradas por seus antecessores. Ao

final da vida, Euler havia escrito cerca de

900 tratados, livros e estudos, cuja

velocidade de produção jamais conseguiu

ser acompanhada pelos editores ou jornais

acadêmicos dedicados àquele tipo de

publicação. Euler escreveu sobre Álgebra,

Geometria, Teoria dos Números, Topologia,

Cálculo, Equações Diferenciais, Geometria

Diferencial, Cálculo das Variações, Música,

Astronomia, Mecânica, Engenharia,

Acústica, Mecânica Celeste, entre outros

assuntos. Com a aparente facilidade de que

falava Plutarco, referindo-se a Arquimedes.

François Arago, físico e matemático francês

da mesma época, apelidou-o de

“encarnação da análise” e costumava dizer

que “Euler calcula com a mesma facilidade

com que as pessoas respiram e as águias

pairam no ar”.

17 – GAUSS, O PRÍNCIPE DOS

MATEMÁTICOS

Para qualquer pessoa familiarizada

com a Matemática, o nome de Carl

Friedrich Gauss (1777 – 1855) é sinônimo de

genialidade suprema, de talento

inexplicável, de raciocínio lógico em seu

estado mais puro. Titã, Colosso de Rodes,

Príncipe dos Matemáticos, foram alguns dos

codinomes que seus colegas, com

justificado respeito e admiração,

concederam-lhe ao longo de uma das mais

espetaculares carreiras já vistas nas Ciências

Exatas. É entendimento geral que apenas

dois outros gigantes da Matemática podem

ombrear-se a Gauss: Arquimedes e Newton.

Gauss foi o mais precoce dentre todos

os gênios, um verdadeiro Mozart da Rainha

das Ciências. Filho de um honrado, mas

inculto trabalhador braçal da cidade de

Brunswick, Alemanha, ele tinha pouco mais

Page 12: A Rainha Das Ciencias

12 Resumos Literários – Conhecimento Específico A Rainha das Ciências – Gilberto Geraldo Garbi

de três anos quando mostrou ao pai um

erro que este cometera ao calcular o

quanto deveria pagar a alguns pedreiros

que o auxiliavam. Também com essa idade

começou a perguntar aos adultos os

significados das várias letras e rapidamente

alfabetizou-se por si mesmo. Sua mãe,

Dorothea, apesar da pequena escolaridade,

era muito inteligente e logo percebeu o

valor daquele tesouro que trouxera ao

mundo.

É amplamente conhecida a maior

façanha matemática de Gauss quando,

ainda menino, tendo sido enviado à escola

aos sete anos, aos nove começou a receber

aulas de Aritmética de um obscuro

professor primário chamado Büttner. Certo

dia, ele mandou as crianças somarem os

inteiros de 1 a 100, esperando, com isso,

mantê-los ocupados por bastante tempo.

Para sua surpresa, o garotinho Gauss,

depois de poucos minutos, dirigiu-se à mesa

do professor e entregou-lhe uma pequena

lousa com o resultado correto: 5.050.

Büttner percebeu que seu jovem aluno não

reagia como as outras crianças, mas, ao

contrário, raciocinava como um verdadeiro

matemático. Passou então a entregar a ele

livros mais avançados e encarregou seu

assistente de 17 anos, Johann Martin

Christian Bartels, também apaixonado pela

Matemática, de orientar o garoto.

Bartels conseguiu conquistar para seu

jovem amigo as atenções de um

matemático de nome Zimmermann e este

apresentou-o, aos 14 anos, à autoridade

máxima da região, o Duque Ferdinand, de

Brunswick. O Duque, generoso e

esclarecido, reconheceu o grande valor de

Gauss e decidiu conceder-lhe um patrocínio

que se estendeu por muitos anos. Como

Euler, ele era também um gênio linguístico

e já dominava o Grego, o Latim, o Inglês, O

Francês e o Dinamarquês.

Ao chegar a Göttingen, Gauss estava

totalmente tomado por sua paixão pela

Teoria dos Números, certamente

influenciado pelo que lera em Euler (Gauss

sempre dizia: A Matemática é a Rainha das

Ciências e a Teoria dos Números é a Rainha

da Matemática).

No dia 30 de março de 1796,

Gauss deu início a um diário onde passou a

registrar sinteticamente suas melhores

ideias, muitas delas jamais cogitadas

anteriormente por outros e que abriram

novos campos para a pesquisa Matemática.

Ao todo, foram 146 anotações, a última

delas de nove de julho de 1814.

O diário somente foi

descoberto 43 anos após sua morte, junto a

um de seus netos, e a comunidade

matemática ficou perplexa ao constatar que

muito do que se imaginava terem sido

realizações modernas já havia sido pensado

por ele décadas antes (duas de suas

anotações não foram compreendidas até

agora).

É quase impossível sumarizar tudo o

que Gauss produziu nos campos das

matemáticas pura e aplicada, mas podemos

acrescentar que ele conduziu a Geometria

Diferencial iniciada por Euler a níveis muito

altos, realizou intensos trabalhos

geodésicos; publicou uma obra-prima sobre

Astronomia; desenvolveu pesquisas sobre

eletricidade e magnetismo; estudou as

funções de variáveis complexas. Ele fez,

também, uma corajosa, profunda e

inovadora incursão pela Geometria,

tornado-se o primeiro matemático a

desenvolver um sistema logicamente

coerente em que o postulado das paralelas

não mais obedecia à formulação euclidiana.

Gauss entrou conscientemente naquele

estranho território antes de qualquer outro

geômetra. Seu desinteresse em publicar o

que descobrira acabou permitindo que dois

outros matemáticos divulgassem trabalhos

Page 13: A Rainha Das Ciencias

13 Resumos Literários – Conhecimento Específico A Rainha das Ciências – Gilberto Geraldo Garbi

equivalentes antes dele e fossem aclamados

criadores das geometrias não-euclidianas.

Gauss morreu aos 78 anos, em sua

casa, no observatório de Göttingen, ainda

desfrutando plenamente de seus

incomparáveis dotes intelectuais. Dentre as

inúmeras homenagens que recebeu, uma

foi muito especial, por ter vindo do Rei

George V, de Hannover. Da mesma forma

que a rainha Anne, da Inglaterra, elevara

Newton à nobreza, concedendo-lhe o título

de Cavaleiro do Império Britânico, o

mencionado monarca mandou cunhar uma

medalha em que o reino oficializava o título

que o mundo já havia informalmente

outorgado a nosso herói. Contendo em uma

face a nobre efígie de Gauss perfilado, na

outra a medalha exibe estas palavras:

GEORGIUS V

REX HANNOVERAE

MATHEMATICORUM

PRINCIPI

(Jorge V, rei de Hannover, ao Príncipe dos

Matemáticos)

18 - MATEMÁTICOS FRANCESES PRÉ E PÓS

REVOLUÇÃO

Excetuada a Grécia Antiga, nenhum

país produziu tantos matemáticos de

renome quanto a França. Além de ser

impossível medi-las objetivamente, gênios

como Newton e Leibniz, que mudaram os

rumos da História com a invenção dos

Cálculos, e Gauss, cuja monumental obra

dispensa comentários, distorcem toda

tentativa de comparação. Mas é indiscutível

que a França desempenhou um papel

decisivo na criação da Matemática

Moderna.

20 – GEOMETRIAS NÃO-EUCLIDIANAS

A expressão “Geometrias Não-

Euclidianas” costuma provocar uma falsa

ideia de extrema dificuldade. A maioria dos

livros não tem contribuído para dissipar

esta impressão: os que falam

genericamente sobre o tema, enunciando

estranhas propriedades sem prová-las,

parecem considerar os leitores incapazes de

compreender as demonstrações enquanto

os volumosos tratados que entram em

minúcias causam desânimo já à primeira

folheada.

Os primeiros teoremas não-euclidianos

foram achados pelo padre jesuíta italiano

Girolamo Giovanni Saccheri (1667 -1723).

Nascido em San Remo, foi professor de

retórica, filosofia e teologia em Milão,

Turim e Pávia. Em Milão teve contato com

grandes matemáticos italianos da época,

entre eles o famoso professor Tommaso

Ceva, irmão de Giovanni, o descobridor do

Teorema de Ceva. Foi assim que conheceu

os Elementos, apaixonou-se por eles e

desenvolveu seu agudo raciocínio lógico.

Sabendo de tentativas feitas anteriormente,

no sentido de demonstrar o quinto

postulado, em especial a do árabe Nasir Ed-

din, publicada com comentários pelo inglês

John Wallis (1616 – 1703), Saccheri resolveu

encontrar por si mesmo uma prova. Pouco

antes de morrer, depois de longos anos de

estudos, publicou suas conclusões em um

célebre livro chamado “Euclides ab omni

naevo vindicatus” (Euclides livre de todas as

máculas). Seu livro terminou de forma

melancólica porque ele entrara bastante em

um novo mundo, passeara por ele e

retornara não acreditando em sua

existência.

O esforço de Saccheri, entretanto, não

foi perdido porque outros matemáticos

leram sua obra e tentaram ir mais adiante.

Um deles foi o suíço Johann Heinrich

Page 14: A Rainha Das Ciencias

14 Resumos Literários – Conhecimento Específico A Rainha das Ciências – Gilberto Geraldo Garbi

Lambert (1728 – 1777), famoso por ter sido

o primeiro a demonstrar a irracionalidade

do número π.

É provável que Gauss tenha lido os

trabalhos de Saccheri e Lambert, mas é

impossível afirmá-lo. Cartas escritas entre

1813 e 1831 mostram que ele deduzira,

sem encontrar contradições, vários

teoremas daquilo a que inicialmente

chamou de Geometria Anti-Euclidiana,

depois Geometria Astral e, finalmente,

Geometria não-Euclidiana. Uma de suas

conclusões foi que naquela geometria a

soma dos ângulos de um triângulo é menor

do que dois retos. Entretanto, para evitar

polêmicas ou por ainda recear que seus

raciocínios contivessem alguma falha, ele

nada publicou e sempre pedia o máximo de

confidencialidade a seus correspondentes,

quando escrevia sobre o assunto.

Além do plano, existem outras

superfícies de curvatura constante e nula

em todos os pontos, por exemplo as

superfícies cônicas ou cilíndricas. Assim,

tomados três pontos quaisquer sobre uma

superfície cônica e unindo-os por

segmentos de geodésicas, fica formado um

triângulo (não-retilíneo) cuja soma dos

ângulos internos é igual a dois retos, como

nos triângulos retilíneos sobre o plano.

A Esfera, por sua vez, é uma superfície

de curvatura constante e positiva em todos

os pontos e, assim, a soma dos ângulos

internos dos triângulos esféricos é sempre

maior do que dois retos, como já sabiam os

gregos. Haveria superfícies de curvatura

constante e negativa? A resposta é sim. Um

exemplo é a chamada Pseudo-esfera,

superfície gerada pela rotação da Tractriz

em torno de sua assíntota (na Tractriz a

tangente por um ponto qualquer sobre ela

forma, entre o referido ponto e o

cruzamento dela com o eixo dos x, um

segmento de comprimento constante).

Infelizmente, para quem está

começando a estudar as Geometrias não-

Euclidianas, sua representação sobre uma

folha de papel introduz distorções

inevitáveis: as retas, por exemplo, ora são

desenhadas como as retas euclidianas, ora

são desenhadas como linhas curvas. Isso

provoca um choque no leitor, uma vez que

ele, com razão, acha que todas as retas,

dentro de uma mesma geometria, devem

ser iguais. É uma pena, mas a representação

das Geometrias não-Euclidianas sobre uma

folha de papel é tão distorcida como, por

exemplo, a de um tubo euclidiano sobre a

mesma folha, e precisamos nos acostumar

com esse fato.

21– AS IMPOSSIBILIDADES DOS TRÊS

PROBLEMAS CLÁSSICOS

O que ocorreu com os três problemas

clássicos é um belo exemplo da

perseverança dos matemáticos e da

necessidade que, às vezes, se tem de

esperar por séculos ou mesmo milênios de

evolução da Matemática, até que uma

questão seja definitivamente esclarecida.

22 – BOOLE, CANTOR E DEDEKIND

Durante mais de um milênio, a Álgebra

foi vista apenas como um conjunto de

regras relativas às operações aritméticas

com números e às manipulações dos

símbolos que representam números e

aquelas operações. Em meados do século

XIX, entretanto, o matemático inglês

George Boole (1815 – 1864) mostrou que a

Álgebra poderia libertar-se dos números e

trabalhar também com outros tipos de

entes, por exemplo, os conjuntos e as

proposições da Lógica.

George Boole nasceu em Lincoln,

Inglaterra, filho de um pequeno e simples

lojista. Aos 16 anos, pressionado pela falta

de recurso dos pais, conseguiu um emprego

Page 15: A Rainha Das Ciencias

15 Resumos Literários – Conhecimento Específico A Rainha das Ciências – Gilberto Geraldo Garbi

como professor primário, função que

exerceu durante três anos. Precisando

aprender alguma Matemática para ensinar

a seus alunos, resolveu pesquisá-la nos

livros que conseguia encontrar e logo deu-

se conta de que era dotado de grande

talento natural para as Ciências Exatas. Em

pouco tempo, e por si mesmo, avançou a

ponto de poder entender as difíceis obras

de Laplace e Lagrange. Em essência, ele

percebeu que as manipulações algébricas

não necessitam restringir-se ao âmbito dos

números porque baseiam-se em princípios

lógicos aplicáveis de forma muito mais

ampla.

George Ferdinand Ludwig Philip Cantor

nasceu em São Petersburgo, Rússia, em

uma família profundamente religiosa. Seu

pai era um judeu convertido ao

protestantismo e sua mãe, também

descendente de judeus convertidos e hábeis

na música, já nasceu católica. Dela, Cantor

herdou dons artísticos, tendo sido um

talentoso desenhista, como o comprovam

alguns trabalhos que deixou. A influência

das várias visões religiosas da família parece

ter sido decisiva no misticismo de Cantor e

em sua forma peculiar de enxergar o mundo

e a Matemática.

Aos 11 anos, mudou-se para Frankfurt

e foi na Alemanha que estudou e passou

quase toda a vida. Diplomado em

Matemática, Física e Filosofia pela

Universidade de Berlim, onde foi aluno de

Weierstrass, ele conseguiu apenas tornar-se

professor na despretensiosa Universidade

de Halle. Seu sonho de ensinar em Berlim,

então um dos melhores centros

matemáticos do mundo, jamais se realizou,

principalmente devido à forte oposição que

Leopold Kronecker (1823 – 1891) fazia a

suas ideias nada convencionais.

Depois de realizar pesquisas na Teoria

dos Números e nas Séries Trigonométricas,

ele voltou suas atenções para os conjuntos

infinitos e nessa área, a partir de 1870,

passou 25 anos produzindo trabalhos de

grande importância e originalidade. Cantor

casou-se em 1874, no mesmo ano em que

provou a não-enumerabilidade do

Contínuo. Durante sua lua-de-mel em

Interlaken, ele conheceu o matemático

Richard Dedekind (1831 – 1916) que, como

ele, cultivava ideias consideradas

excêntricas e era rejeitado pelo alto mundo

acadêmico da Matemática alemã.

Dedekind, como Gauss, nasceu em

Brunswick, filho de um professor de Direito.

Em 1850 ele foi admitido na Universidade

de Göttingen, como estudante de Física e

Matemática, e ali foi um dos mais

talentosos alunos de Gauss. Em 1862 ele

retornou a Brunswick, para ensinar no

Colégio Técnico local e nessa modesta

posição permaneceu durante 50 anos.

A maioria dos trabalhos de Dedekind

procurou fornecer uma compreensão

rigorosa sobre a natureza dos números

reais. Embora não tenha sido o primeiro a

perceber a dificuldade, logo no início de sua

carreira ele constatou que, exceto quanto

aos números inteiros e aos racionais, a

fundamentação lógica da teoria dos

números reais era frágil ou mesmo

inexistente.

Dedekind morreu aos 84 anos, de

causas naturais, mantendo-se ativo física e

mentalmente até o final. Então, de seu

humilde posto de professor de um colégio

técnico, ele já havia, pacientemente,

conquistado o reconhecimento de seus

pares e se tornado um símbolo da escola do

rigor matemático.

23 – A MATEMÁTICA CONTEMPORÂNEA

Muitas pessoas mesmo com bons

conhecimentos, costumam perguntar se

existem hoje gênios matemáticos como no

passado: onde se encontram? quem são

Page 16: A Rainha Das Ciencias

16 Resumos Literários – Conhecimento Específico A Rainha das Ciências – Gilberto Geraldo Garbi

eles? a que tipo de atividade se dedicam?

ainda resta algo de importante a ser

realizado na Matemática?

A primeira e a segunda parte da

pergunta são fáceis: sim, vivem hoje gênios

tão brilhantes como os do passado e eles,

de um modo geral, estão em universidades,

institutos de pesquisas científicas, agências

governamentais dos países ricos e em

grandes corporações. Nenhum dos gênios

atuais adquiriu a popularidade de um

Newton, um Gauss ou um Euler e a maioria

permanece incógnita fora de suas

comunidades. Depois de Einsten, o físico-

matemático Stephen Hawking é um dos

raros que o público sabe quem é (a ponto

de comprar milhões de exemplares de seus

incompreensíveis livros). Aliás, ele ocupa

em Cambridge a mesma cátedra que já

pertenceu a Newton e isso fala por si só.

Mas os gênios de hoje são desconhecidos

porque se dedicam a tipos tão abstrusos de

Matemáticas que é impossível explicá-las

aos leigos.

Já que somos incapazes de descrever o

que fazem atualmente os gênios da

Matemática, talvez o melhor seja mostrar

alguns exemplares marcantes do que foi

feito no século XX. Comecemos por um

tema que recebeu muita atenção nas

décadas que antecederam e sucederam a

passagem ao século XX: A Axiomática.

Vimos que muita Matemática havia sido

construída sobre bases frágeis e que era

preciso revisar certos conceitos e axiomas.

A surpreendente descoberta da

possibilidade de serem construídas outras

geometrias, além da euclidiana, entretanto,

alertou os geômetras. Adiantemos, pois,

que essa questão convenceu os geômetras

de que aqui estava faltando um postulado,

hoje conhecido como o Princípio da

Continuidade.

O italiano Giuseppe Peano (1858 –

1932) apresentou seus célebres axiomas da

Aritmética, mostrando que toda Análise

pode ser construída a partir deles.

Aprofundando ainda mais as bases da

Aritmética, Bertrand Russell (1872 – 1970) e

Alfred North Whitehead (1861 – 1947)

procuraram provar que toda a Matemática

pode ser construída exclusivamente por

meio das leis da Lógica.

Estas duas provas de consistência,

entretanto, eram condicionais, ou relativas,

e os matemáticos do início do século XX

desejavam obter provas absolutas da

consistência dos axiomas da Aritmética e da

Geometria. Foi ao procurar por elas que um

jovem gênio lógico-matemático austríaco,

de 25 anos, chamado Kurt Gödel (1906 –

1978), que abalou o mundo ao enterrar o

sonho de Hilbert e outros de se realizar uma

axiomatização completa e consistente de

todos os campos da Matemática. Ela

costuma ser chamada de “teorema da

incompletude” por implicar que todo o

sistema axiomático consistente é

necessariamente incompleto, ou seja,

incapaz de permitir as provas de todas as

verdades da área em estudo.

Falemos um pouco sobre o papel da

Matemática contemporânea na realização

do verdadeiro milagre que são as

comunicações, em voz, imagem e dados,

que hoje cobrem os mais remotos pontos

do Planeta. Os trabalhos teóricos do gênio

escocês, o físico-matemático James Clerk

Maxwell (1831 – 1879), podem ser

considerados um dos marcos históricos

dessa revolução.Em 1876, um escocês que

fora professor de surdos no Canadá e

radicado nos Estados Unidos, de nome

Alexander Graham Bell (1847 -1922),

inventou o telefone, transmitindo a voz por

meio de correntes elétricas sobre fios. Duas

décadas depois, em 1895, utilizando ondas

eletromagnéticas, Guglielmo Marconi (1874

– 1935) criou o rádio, com o que a voz

Page 17: A Rainha Das Ciencias

17 Resumos Literários – Conhecimento Específico A Rainha das Ciências – Gilberto Geraldo Garbi

passou a ser transmitida a distâncias muito

grandes.

Em 1906 o americano Lee De Forest

(1873 – 1961) inventou o triodo e

desencadeou a revolução da Eletrônica,

inicialmente voltada às comunicações, mas

que, rapidamente, se fez presente em todas

as áreas da tecnologia.

Citá-los todos seria exaustivo e

mencionar apenas alguns poderia ser

injusto. Deste modo, vamos eleger um deles

para simbolizar todo aquele admirável

grupo de heróis: o gênio matemático norte-

americano Claude Shannon (1916 – 2001),

do Massachusetts Institute of Technology,

cuja Teoria Matemática da Informação

fundamentou grande parte dos avanços

feitos nas modernas comunicações.

24 – AS MULHERES E A MATEMÁTICA

Uma importante contribuição de René

Descartes à civilização raramente é

lembrada: seus livros de Filosofia estão

entre os primeiros que despertaram nas

mulheres, já na segunda metade do século

XVII, o interesse pelas Ciências. E foi um

escritor cartesiano, François Poulain de La

Barre, quem afirmou, em seu livro

Del’égalité des deux sexes, 1673: “A mente

não tem sexo”. Embora em pequeno

número, mulheres começaram a assistir a

conferências sobre Ciência e Filosofia e não

tardou para que algumas, mais brilhantes e

corajosas, também se dispusessem a

entreter plateias falando sobre o tema. Foi

neste clima que notabilizou-se Gabrielle

Émilie Le Tonnelier de Breteuil. Filha de um

barão, casou-se, aos 19 anos, com o

Marquês Du Châtelet e continuou a estudar

os antigos clássicos da literatura, os

filósofos notáveis à época – Descartes,

Locke e Voltaire – e a Matemática. Seu

marido não compartilhava tais interesses e

ela veio encontrar sua alma-gêmea em

Voltaire, com quem manteve um longo e

furtivo relacionamento intelecto-amoroso.

Mme.du Châtelet não foi um gênio

científico ou uma criadora de novações

matemáticas mas, com sua brilhante

inteligência e com o prestígio de seu nome,

mostrou à Europa da época que as

mulheres tinham plenas condições de

aprender ciência de alto nível. Sua tradução

dos Principia, difícil empresa para qualquer

matemático e à qual dedicou enormes

esforços, ficou concluída pouco antes de

seu falecimento, com apenas 43 anos, ao

dar à luz um filho.

Em 1678, em Pádua, Elena Lucrezia

Piscopia tornou-se a primeira mulher a

receber um título universitário na Itália. Foi

necessário esperar mais de quatro décadas

até que uma segunda doutora italiana

surgisse, agora em Bolonha. Ela foi Laura

Catharina Bassi (1711 – 1778), a filha

prodígio de um advogado cujos demais

filhos haviam todos morrido.

Vida análoga teve a maior matemática

que a Itália já produziu até hoje, Maria

Gaetana Agnesi (1718 – 1799), outra

menina prodígio que se tornou célebre. Seu

pai, um professor de Matemática em

Bolonha e que teve 20 filhos, ofereceu-lhe

todos os estímulos e oportunidades para

que ela estudasse. Assim que começou a

fazer descobertas próprias, Sophie passou a

assinar seus trabalhos sob o pseudônimo

masculino de Antoine LeBlanc.

Na primeira metade do século XIX, a

escocesa Mary Fairfaix Somerville (1780 –

1872) tornou-se famosa por seus feitos na

Matemática. Nascida em uma família rica,

quando menina ela bisbilhotava às

escondidas as aulas de Geometria que seu

irmão recebia de um professor que ia a sua

casa. Conta-se que, para ter em mãos o livro

de Euclides, teve que pedir ao irmão que

comprasse para ela, uma vez que a

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18 Resumos Literários – Conhecimento Específico A Rainha das Ciências – Gilberto Geraldo Garbi

Geometria não era bem-vista como leitura

para moças. Aos 24 anos, casou-se com um

homem rico que, como o marido de

Mme.du Châtelet, era incapaz de

acompanhá-la intelectualmente.

Mary não necessitou encontrar uma

versão escocesa de Voltaire, pois o marido

morreu três anos depois, deixando-lhe uma

herança e a liberdade de continuar seus

estudos matemáticos.

Quando falamos sobre os primórdios

dos computadores Charles Babbage (1792 –

1871) foi apresentado como um notável

pioneiro, cujo verdadeiro valor somente foi

reconhecido modernamente. É importante,

também, dizer que Babbage teve uma

colaboradora: Ada Lovelace (1815 – 1852),

uma mulher brilhante e versada em

Matemática, com quem ele discutia as

soluções dos problemas técnicos e que o

ajudou muito em suas pesquisas e,

também, na administração de suas finanças.

A próxima heroína da Rainha das

Ciências surgiu na Rússia dos Czares e foi a

célebre Sofia Korvin-Krukovsky

Kovalevskaia, também conhecida como

Sonja Kovalevsky. Nascida em Moscou em

1850, em uma família abastada e culta, cuja

governanta era inglesa, Sofia teve a

oportunidade de aprender Matemática no

próprio ambiente em que vivia.

Dentre as grandes potências científicas

do mundo à época, a Alemanha foi a última

a produzir um grande gênio matemático

feminino. Mas o fez ao melhor estilo

alemão, apresentando aquela que é, por

muitos, considerada a maior matemática

até hoje: Amalie Emmy Noether (1882 –

1935). Filha de Max Noether, um

matemático da Universidade de Erlanger.

Ali ela iniciou seus estudos, doutorando-se

com a tese Sobre Sistemas Completos de

Invariantes para Formas Biquadradas

Ternárias. Sua especialidade era Álgebra

Superior, campo em que deixou

importantes e originais contribuições. Mais

tarde, ela foi estudar em Göttingen, à época

o melhor centro de pesquisas matemáticas

do mundo, liderado por David Hilbert.

Alguns professores chegaram a dizer que os

militares alemães ficariam escandalizados

ao saber que, em Göttingen, os alunos

tinham que aprender Matemática aos pés

de uma mulher.

Hilbert não se deixou demover por

esse tipo de argumento e contratou Amalie,

dizendo: “Não vejo como o sexo da

candidata possa ser um argumento contra

sua admissão. Afinal, nós somos uma

universidade e não uma casa de banhos”.

Bibliografia:

A Rainha das Ciências: um passeio histórico

pelo maravilhoso mundo da matemática

Gilberto Geraldo Garbi

3ª edição ver. e ampl.

São Paulo: Editora Livraria da Física

2009