A questão nacional na América Latina*

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A questão nacional na América Latina* Octavio lanni Prefácio A questão nacional pode estar na base de algumas lutas e controvérsias fundamentais dos países da América Latina. Em diferentes épocas, principalmente em conjunturas críticas mais profundas, reabre-se a problemática nacional. Alguns dos principais temas da história e pensamento latino-americanos põem em causa as origens, transformações, crises e dilemas da sociedade nacional, do Estado-Nação. A Nação pode ser vista como uma configuração histórica, em que se organizam, sintetizam e desenvolvem forças sociais, atividades econômicas, arranjos políticos, produções culturais, diversidades regionais, multiplicidades raciais. Tanto o hino, a bandeira, o idioma, os heróis e os santos, como a moeda, o mercado, o território e a população adquirem sentido no contexto das relações e forças que configuram a Nação. A Nação pode ser uma formação social em movimento; pode desenvolver-se, transformar-se, romper-se. Na América Latina, as guerras e revoluções de independência estão na origem da Nação, estabelecendo alguns dos seus traços principais. As revoluções burguesas são momentos fundamentais do modo pelo qual essa Nação reorganiza aqueles traços e elabora novos As revoluções populares são outras conjunturas da maior importância, quando se trata de conhecer os traços e movimentos da sociedade nacional. Tanto assim que a Nação burguesa pouco tem a ver com a socialista, que emerge da revolução popular; e abre outra história. A problemática nacional revela-se de forma particularmente aberta quando se colocam alguns dos temas clássicos do pensamento latino-americano. Esses temas sempre implicam em aspectos mais ou menos fundamentais das forças e relações sociais que organizam, desenvolvem, transformam, ou rompem a sociedade nacional, o Estado-Nação. Os desencontros entre a sociedade e o Estado são um desafio permanente nos países da América Latina, no continente e nas ilhas. Os partidos políticos e os movimentos sociais preocupam-se seriamente com eles. Todos que se dedicam a pensar a democracia e a ditadura são obrigados a examinar esse desafio. A atividade política de grupos e classes sociais, na cidade e no campo, defronta-se com ele Esse é um desafio prático e teórico fundamental para todos. Muitos dizem que a sociedade civil é débil, pouco organizada. Falam em instabilidade política congênita. Afirmam que as dualidades estruturais são antigas e insuperáveis: arcaico-moderno, patrimonial-racional, indo-americano, afro-americano, costa-serra, litoral-sertão, ibérico-europeu, barbárie-civilização, caliban-ariel. São dualidades que empurram para a frente e arrastam para trás; fazem o caminho tortuoso, labiríntico, mágico. O círculo vicioso da causação circular cumulativa seria a chave de uma história de miséria, violência, autoritarismo, tirania. Na América Latina, a história estaria atravessada pelo precário, provisório, * Texto apresentado no Simpósio Interpretações Contemporâneas da América Latina, realização do Instituto de Estudos Avançados Universidade de São Paulo São Paulo, 24 e 25 de junho de 1987 - Sala do Conselho Universitário.

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A questão nacionalna América Latina*Octavio lanni

Prefácio

A questão nacional pode estar na basede algumas lutas e controvérsiasfundamentais dos países da AméricaLatina. Em diferentes épocas,principalmente em conjunturascríticas mais profundas, reabre-se aproblemática nacional. Alguns dosprincipais temas da história epensamento latino-americanos põemem causa as origens, transformações,crises e dilemas da sociedade nacional,do Estado-Nação.

A Nação pode ser vista como umaconfiguração histórica, em quese organizam, sintetizam edesenvolvem forças sociais, atividadeseconômicas, arranjos políticos,produções culturais, diversidadesregionais, multiplicidades raciais.Tanto o hino, a bandeira, o idioma,os heróis e os santos, como a moeda,o mercado, o território e a populaçãoadquirem sentido no contexto dasrelações e forças que configurama Nação. A Nação pode ser umaformação social em movimento; podedesenvolver-se, transformar-se,romper-se.

Na América Latina, as guerras erevoluções de independência estão naorigem da Nação, estabelecendo algunsdos seus traços principais. Asrevoluções burguesas são momentosfundamentais do modo pelo qualessa Nação reorganiza aqueles traçose elabora novos As revoluçõespopulares são outras conjunturas damaior importância, quando se trata deconhecer os traços e movimentos dasociedade nacional. Tanto assim que aNação burguesa pouco tem a ver com a

socialista, que emerge da revoluçãopopular; e abre outra história.

A problemática nacional revela-se deforma particularmente aberta quandose colocam alguns dos temas clássicosdo pensamento latino-americano. Essestemas sempre implicam em aspectosmais ou menos fundamentais dasforças e relações sociais queorganizam, desenvolvem, transformam,ou rompem a sociedade nacional,o Estado-Nação.

Os desencontros entre a sociedade e oEstado são um desafio permanentenos países da América Latina, nocontinente e nas ilhas. Os partidospolíticos e os movimentos sociaispreocupam-se seriamente com eles.Todos que se dedicam a pensar ademocracia e a ditadura são obrigadosa examinar esse desafio. A atividadepolítica de grupos e classes sociais, nacidade e no campo, defronta-se comele Esse é um desafio prático e teóricofundamental para todos.

Muitos dizem que a sociedade civil édébil, pouco organizada. Falam eminstabilidade política congênita.Afirmam que as dualidades estruturaissão antigas e insuperáveis:arcaico-moderno, patrimonial-racional,indo-americano, afro-americano,costa-serra, litoral-sertão,ibérico-europeu, barbárie-civilização,caliban-ariel. São dualidades queempurram para a frente e arrastampara trás; fazem o caminho tortuoso,labiríntico, mágico. O círculo viciosoda causação circular cumulativa seria achave de uma história de miséria,violência, autoritarismo, tirania. NaAmérica Latina, a história estariaatravessada pelo precário, provisório,

* Texto apresentado no Simpósio Interpretações Contemporâneas da América Latina,realização do Instituto de Estudos Avançados — Universidade de São Paulo — São Paulo,24 e 25 de junho de 1987 - Sala do Conselho Universitário.

inacabado, mestiço, exótico,deslocado, fora do lugar, folclórico.Nações sem povo, nem cidadãos;apenas indivíduos e população.

Por isso, dizem, o Estado é forte, ademocracia episódica, a ditadurarecorrente. São as elites deliberantes —militares, civis, oligárquicas,empresariais, tecnocráticas — quesabem e podem. Chega-se a afirmarque um poder estatal esclarecido,apoiado na sabedoria da ciência, ouiluminado pela vontade política,poderá educar a sociedade, dinamizara economia, conferir responsabilidadeaos partidos, criar a opinião pública,lançar o país no leito da legalidade,legitimidade, democracia. Oautoritarismo congênito e recorrenteseria uma contingência da transiçãodo caos à ordem, dos séculos depatrimonialismo escravista à repúblicademocrática, do poder oligárquico aoracional, do absolutismo ibérico àliberal-democracia. Assim, a sociedadecivil seria retirada da sua debilidadeessencial; do vício para a virtude.

São muitas as lutas e controvérsiasque implicam na problemáticacompreendida pela questão nacional.

A Formação da Sociedade Nacional

A questão nacional se coloca desde oinício da história, no primeiromomento, como dilema prático eteórico. As guerras e revoluções deindependência sintetizam-seprecisamente nesse dilema. O que háde épico nas lutas simbolizadas porTausaint Louverture, Francisco deMiranda, Simón Bolívar, José Artigas,José Morelos, Miguel Hidalgo,Bartolomé Mitre, Bernardo O'Higgins,Antonio Sucre, José Bonifácio, FreiCaneca, Ramón Betances, José Martí emuitos outros, está enraizado na

façanha destinada a emancipar acolônia, criar o Estado, organizar aNação. Retirá-la do colonialismo,absolutismo, mercantilismo,acumulação originária, conferindo-lheum nome. A criação do Estado,segundo os princípios adotados naconstituição, em conformidade com asforças sociais, as peculiaridades daeconomia, as diversidades regionais,raciais e culturais, tudo isso representao empenho de descobrir o perfilda Nação.

A sociedade nacional se forma aospoucos, de modo contraditório, emvais-e-vens, como se estivessedemoradamente saindo do limbo.Paulatinamente, nas terras americanas,os conquistadores vão se tornandonativos, colocam-se em divergência eoposição em face da metrópole,passam a lutar pela pátria. Surgem asinconfidências, insurreições, revoltas,revoluções, nas quais estão presentesnativos, crioulos, nacionais, mestiços,mulatos, índios, negros, espanhóis,portugueses, ingleses, franceses,holandeses e outros. Começam adelinear-se a sociedade, o Estado, aNação, em torno de uma cidade,região, movimento, líder; ou cidades,regiões, movimentos, líderes. Nessesentido é que "a nação é uma categoriahistórica" (PÉREZ, 1981, p. 3). Oterritório e o povo formam-se nessahistória. "É um fenômeno geralmenteaceito que, entre os séculos XVII eXVIII, o nativo deixou de sentir-seespanhol (poderíamos acrescentartambém português) e passou aconsiderar-se americano" (CORREA,1966, tomo VII, p. 373). Estava emcurso a formação das nacionalidadeslatino-americanas.

Esse é um momento primordial dalarga, difícil e contraditóriametamorfose da raça em povo, ou dapopulação de trabalhadores em povo

O que há de épico naslutas simbolizadas porTausaint Louverture,Francisco de Miranda,Simón Bolívar, JoséArtigas, José Morelos,Miguel Hidalgo,Bartolomé Mitre,Bernardo O'Higgins,Antonio Sucre, JoséBonifácio, Freí Caneca,Ramón Betances, JoséMartí e muitos outros,está enraizado nafaçanha destinada aemancipar a colônia,criar o Estado, organizara Nação.

de cidadãos. Mas estamos, ainda, nocomeço dessa história. "Os dirigentesdecididos a conquistar o poderpolítico, os intelectuais teóricos daliberdade, acorrem necessariamente,em um dado momento, aodescontentamento das massas, àrevolução da miséria. Mas, aqui, asmassas são — em diversas proporçõese segundo os diferentes países — índios,mestiços, negros, livres ou escravos''

(VILAR, s/d, p. 50). Ainda não sãoum povo, em termos políticos. "Comoconvencê-los de que formavam parte,junto com a minoria nativa, da mesma'nação', de uma mesma 'pátria'?"(VILAR, s/d, p. 50). Acontece que oEstado nacional que começava aformar-se emergia como um núcleo deinteresses de setores dominantes,geralmente brancos. Apoiava-se naexploração do trabalho de escravos,

ex-escravos, encomiendados,yanaconas, peões, agregados, colonos,mineiros, artesãos, camaradas,operários e outros, compreendendoíndios, mestiços, negros, mulatos ebrancos de origens nacionais diversas.

A gênese de cada sociedade nacionalcompreende tanto a luta contra ametrópole como as divergênciasinternas, além dos conflitos comvizinhos. "Alguns dos novos estados —Uruguai e Bolívia — encontraram suaverdadeira identidade precisamente noconflito com seus vizinhosamericanos." Mas cabe lembrar que,em diversos casos, "as massas tinhamescassa devoção pelas nações em queviviam"; tanto assim que "os índiosnão se integraram nas novas nações''(LYNCH, 1980, p. 373). Em outrostermos, era o que acontecia com osnegros. "O sistema político dos novosestados representava a determinaçãonativa de controlar índios e negros, aforça rural de trabalho." Tratava-sede "conter as castas" inferiores (Idem,p. 379-80). Simultaneamente,desenvolvem-se as diversidades edesigualdades entre a cidade e ocampo, as regiões. Desde o início, estáem curso a luta pela terra e peladisciplina do trabalho.

Junto com as diversidades sociais,econômicas, culturais e raciais,formaram-se também as regionais.Logo se revelou um singular efundamental desencontro entre asregiões, a cidade e o campo, a regiãoe a Nação. As tropelias oligárquicas, osseparatismos, o contrapontocivilização e barbárie, ou centralismoe federalismo, nascem nesse contexto.O dilema estava no princípio dahistória; e entra pelo século XX,naturalmente, em outros termos. Odesafio consiste em construir umsistema político unitário e federativoque "compreenda e concilie as

liberdades de cada província e asprerrogativas de toda a Nação, soluçãoinevitável e única que resulta daaplicação aos dois grandes termos doproblema argentino — a Nação e aProvíncia — da fórmula chamada hojea presidir a política moderna,consistindo na combinação harmônicada individualidade com a generalidade,do localismo com a nação, ou seja daliberdade com a associação"(ALBERDI, 1981, p. 118-9).

O problema regional tem a maiorimportância, na maioria dos paíseslatino-americanos. No Brasil, é básico,pelos problemas específicos de cadaregião e suas implicações nos arranjosdo poder estatal. Ressurge emdiferentes conjunturas. Ele é um dossegredos de Os Sertões, de Euclides daCunha. Esta obra está inspirada noincidente de Canudos, ocorrido emfins do século XIX, em um lugarejodos confins do estado da Bahia. Diantedo que se dizia ser o fanatismo emonarquismo de um grupo de sitiantespobres, o Estado brasileiro foi levadoa mobilizar forças militares e policiais,bem como a imprensa e os meiospolíticos. A opinião pública foiinduzida a tomar posição contra aremota comunidade liderada porAntônio Conselheiro. No início doconflito a grita geral era o pedido deextermínio, feito pelos estudantes,pelos deputados e senadores, pelosintelectuais, pelos jornalistas, pelosmilitares. Mas no momento em que oextermínio se efetiva, todo o mundose escandaliza. Ao nível do discurso,os termos pejorativos dados aoscanudenses são substituídos pelaspalavras "brasileiros" e "irmãos".Mortos, tornam-se humanos ecompatriotas. Muitos, que antesfalavam em "horda de mentecaptos","fanáticos", "galés", "jagunços", agorarecusam-se "a participar das

comemorações da vitória. A vergonhanacional é geral. O Exército é cobertode opróbrio. Passado o perigo, vem oremorso. Há um processo generalizadode mea culpa", que "explica em grandeparte o imediato e extraordinário êxitode Os Sertões e a guindada de seu autorà celebridade. Como todo grande livro,este também organiza, estrutura e dáforma a tendências profundas do meiosocial, expressando-as de maneirasimbólica. Tudo se passa como se oprocesso de expiação da culpa coletivativesse atingido seu ponto mais altonesse livro" (GALVÃO, 1981, p. 79).

No singular e no geral, a questãonacional se coloca, reiteradamente, nocurso da história. Mas cabe reconhecerque, em certas conjunturas, ela setorna mais aberta, cria desafios novos,reabre dilemas anteriores em outrostermos "O século XIX caracterizou-sepelas tentativas de criar nações a partirdas facções dispares e fragmentáriasque constituíam a sociedade. Pelaaltura das décadas de 1880 e 1890, oprolongado esforço para restaurar aordem e a unidade, em grande parte,obtivera êxito em praticamente todasas nações latino-americanas; o poder seconsolidara nas mãos dos interessesoligárquicos, estreitamente associadosaos elementos mercantis-empresariais,e de uma nova geração de caudilhos da'ordem e progresso'. Seguiu-se umperíodo de estabilidade, prosperidadee construção de infra-estruturasnacionais." (WIARDA, 1983, p. 27-8.)

O nacionalismo, portanto, não é umsó; cria-se e recria-se, no âmbito dasconjunturas históricas, segundo o jogodas forças sociais internas e externas."As atitudes nacionalistas e ainda osentimento de pertencimento a umanação, começaram sendocaracterísticas das classes alta e média(daí, entre outras coisas, suasvinculações tradicionais com as

posições de direita); somente maistarde os sentimentos nacionalistas sedifundem nas classes populares."(GERMANI, 1960, p. 54.) Mas onacionalismo das diversas categoriassociais não é o mesmo. Seria equívocoimaginar que o patriotismo do militar,o protecionismo do comerciante eindustrial e o antiimperialismo desetores populares expressam o mesmonacionalismo. São várias e diversas asNações que estão em causa nascontrovérsias nacionalistas.

No século XX, o dilema continua emaberto. Multiplicam-se os debates eestudos sobre a questão nacional, ouseus aspectos. As pesquisas sobreoligarquia, populismo, militarismo,liberalismo e democracia, ou economiaprimária exportadora, enclave,industrialização substitutiva deimportações, dependência,bilateralismo, multilateralismo,imperialismo, dívida externa, muitasvezes, compreendem a problemáticanacional. Surgem interpretações sobrea instabilidade política congênita, asdualidades básicas, o círculo viciosoda causação circular cumulativa, amarginalidade social, bem comoclasses, movimentos sociais, partidospolíticos, lutas sociais, golpes deEstado, revoluções e contra-revoluções.Alguns propõem tipologias ou escalas,nas quais poderiam classificar-se asNações mais ou menos formadas,no continente e nas ilhas.

Vejamos um exemplo, uma espéciede escala de nacionalidades,provavelmente inspirada na conjunturacrítica dos primeiros anos da décadados 60. Então, os governos dosEstados Unidos e dos países daAmérica Latina estavam mobilizadoscontra a revolução socialista vitoriosaem Cuba desde 1959. Essa revoluçãoreabria a problemática nacional eapontava outro modo de encaminhá-la,

resolvê-la. A escala sugere o "grau emque diversos países latino-americanostornam-se verdadeiras sociedadesnacionais". Toma por base "critérios,tais como a integração étnica dapopulação, a história política, no quese refere à coesão ou desorganização,à complexidade da cidade e ao âmbitoocupacional do sistema econômico, aograu de autonomia ou dependência daszonas rurais e ao poder político docampesinato, no caso de que possuaalgum, fatores de mobilidade e assimpor diante. São estes os paíseslatino-americanos que mais próximosestão de constituir o estado-nação:Uruguai, Argentina, Cuba, Costa Ricae Chile, talvez em escala descendente".A categoria seguinte pode incluir "ospaíses que avançam rapidamente nosentido do estado-nação, com sólidoconsenso social apoiando essatendência. Em ordem descendentediscutível, tais países são: México,Colômbia, Brasil, Venezuela e,recentemente, a RepúblicaDominicana. A terceira categoriainclui os países nos quais os grupossuperiores se movem fortemente nadireção de metas nacionalistas,enquanto que o corpo social respondecom apatia. São eles: Peru, Bolívia,Guatemala, Equador, El Salvador ePanamá, sempre numa ordemdiscutível E, por fim, em Honduras,Paraguai, Nicarágua e Haiti hálentidão de movimentos, pois quasetodos os setores sociais estãoestacionários" (SILVERT, 1968,p.16)1.

Nato é necessário dizer que essa escalade nacionalidades foi questionadapelos movimentos da história, noâmbito de cada um e todos os países,

no continente e nas ilhas. Houve oChile socialista de Allende e há ofascista de Pinochet; houve aexperiência socialista em Granada,liderada por Maurice Bishop, edestruída pela invasão militarnorte-americana; houve ditadurasmilitares, de cunho fascista, naArgentina, Brasil e Uruguai,destroçando experiências democráticase conquistas culturais da maiorimportância; houve a vitória daRevolução Sandinista na Nicarágua;há uma revolução popular emmarcha em El Salvador. "A guerradura sete anos. O exército, com umefetivo de 60 mil homens bemarmados pelos americanos, não

l Consultar também Gino Germani no seu livro: "Política y sociedade en una época detransición" (1962).

Muita coisa houve e háno curso dessa história.

As desigualdades econtradições escondidas

nas diversidadesnacionais irrompem e

revertemperiodicamente a

fisionomia da Nação.

consegue derrotar os seis milguerrilheiros que combatem o governo,38% dos quais sob mulheres."(COSTA, 1987, p.7.)

Muita coisa houve e há no curso dessahistória. As desigualdades econtradições escondidas nasdiversidades nacionais irrompem erevertem periodicamente a fisionomiada Nação.

Castas e Classes

A questão nacional é um dilema que .continua em aberto. "Na AméricaLatina não concluímos plenamente atravessia no sentido da unidadenacional "(PALACIOS, 1983, p. 19.)As desigualdades sociais, regionais,raciais e culturais, que se manifestamem termos políticos e econômicos, noâmbito de grupos, classes, movimentossociais e correntes de opinião pública,ressurgem periodicamente, comodesafios. São várias as diversidades queescondem desigualdades, gerandocontradições mais ou menos básicas.

Na Argentina, Brasil, Colômbia,México, Peru e Venezuela, entreoutros países, continua importante ocontraponto região e Nação: provínciae Nação, costa e serra, planície emontanha, litoral e sertão. Os arranjosentre os interesses predominantes nasregiões e, em especial, entre as regiõese a capital, são básicos para amanutenção de estruturas de poder. Ogamonalismo, caciquismo,coronelismo, mandonismo e outrasformas de dominação patrimonial, ouoligárquicas, sempre têm raízes naprovíncia e na capital. Asdesigualdades regionais são recriadas,quando não criadas, nos arranjos dosblocos de poder que organizam ogoverno, regime ou Estado. "Existeuma aliança ofensiva e defensiva, uma

troca de favores entre os dominadoresda capital e os da província: se ogamonal da serra serve de agentepolítico para o mandão de Lima, omandão de Lima defende o gamonalda serra quando abusa barbaramentedo índio. "(GONZÁLEZ PRADA,1982, p. 175.)

Esse é um tecido antigo, na colcha deretalhos em que se desenha o mapa daNação, na maioria dos países. Aconteceque a Nação burguesa formada naAmérica Latina é uma curiosamontagem. Parece múltipla,desconexa, insólita. Mas estáorganizada segundo os.princípios domercado, da liberdade e igualdade deproprietários de mercadorias. Por issoé que o seu principal tecido, as linhasmestras da sua anatomia, revelam-sea partir da economia política(PALACIOS, 1983/CORDERA eTELLO, 1984).

No Brasil, as desigualdades entreíndios, negros e brancos são umdilema periodicamente reiterado, nahistória e no imaginário. O mito dademocracia racial não impede que asdesigualdades e os antagonismosmanifestem-se por dentro e por foradas diversidades, das multiplicidadesque parecem coloridas. O índiocontinua a lutar pela terra, cultura emodo de vida, em condições cada vezmais adversas. "O índio vive comindependência. Não precisamosdepender de ninguém." Não é verdadeque "o branco tenha mais sabedoriaque índio" (JURUNA, 1982, p. 219).O índio "vive com o pensamento dele,ele tem sabedoria da própria vida dele.Só não sabe explicar com palavras.Porque foi muito difícil para aprendera linguagem do branco" (Idem,p. 245). O fundamental é "reconhecero índio brasileiro como povo, comoíndio da nação e como índio datribo" (Idem, p. 259). O negro, por

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seu lado, continua a lutar contra opreconceito, em várias formas. "Comose combater este preconceito que geramarginalização econômica, social ecultural de ponderável faixa da atualpopulação brasileira? Para nós, nãoadiantam campanhas humanitárias,educacionais ou de fundo filantrópico.Necessita-se criar um universo socialnão competitivo, fruto da economia deuma sociedade que saia do plano dacompetição e do conflito e entre nafaixa da planificação e dacooperação." (MOURA, 1977, p. 87.)

Na Bolívia, Equador, Guatemala,México, Paraguai e Peru, além dasdesigualdades regionais e outras,ressaltam as que opõem índio, mestiçoe branco, compreendendo as condiçõessociais, culturais, econômicas epolíticas que diversificam, classificame antagonizam. É como se toda umalarga história, desde os temposcoloniais, estivesse sintetizada nopresente. "É inegável que a grande

maioria dos índios guatemaltecos — etambém uma razoável percentagem deoperários agrícolas de origemindígena — carecem totalmente deuma noção sequer geográfica do queé a Guatemala e que, em geral, nãoparticipam da pátria guatemalteca,apesar de que a Constituição daRepública os defina como cidadãoscom todos os direitos."(MARTINEZPELÁEZ, 1979, p. 591-2.)

O que ocorre na Guatemala ocorre noPeru, naturalmente em outros termos."As comunidades ainda isoladas deíndios, não conhecem do Peru senão abandeira. Não sabem sequerpronunciar o nome da pátria; ouniverso termina para eles nos limitesdo distrito; não conheciam nemconhecem, quase todas elas, o nome daprovíncia, muito menos o dodepartamento. 'Bandera piruana!', sim,sabem dizer. E procuram proteger-secom ela das incursões dos fazendeiros,das autoridades políticas, dos policiais.

E a agitam quando se sentem felizes."(ARGUEDAS, 1982, p. 272.)

Outra vez, as desigualdades e osantagonismos culturais, econômicos epolíticos emergem desde asdiversidades raciais. "Nossa forma degoverno se reduz a uma grandementira, porque não merece chamar-serepública democrática um estado emque dois ou três milhões de indivíduosvivem fora da lei." (GONZÁLEZPRADA, 1982, p. 178.)

A rigor, os contornos das Naçõesindígenas não acompanhamexatamente as mesmas linhasestabelecidas pelas Nações burguesas;têm outros desenhos. Às vezesestendem-se muito além, no espaço eno tempo, na história e no imaginário.

As Nações indígenas transbordam dageografia e história. Assim como ostrês ou quatro séculos de colonialismoinvadem o século XX, também asdezenas de séculos de cultura, modode vida e trabalho de Nações indígenasinvadem as Nações burguesas, noséculo XX. "As fronteiras culturais elingüísticas da América Hispânica rarasvezes coincidem com as estatais, namaioria das vezes traçadasarbitrariamente e freqüentementemodificadas." (MALMBERG,1974, p. 135.)

Outra vez se põe o contrapontopassado e presente, isto é, presente epassado. "A cultura indígena de toda aárea andina da Bolívia e Peru tinha talforça, e os índios continuaram a sertão numerosos, que isto teveconseqüências duradouras na situaçãolingüística e cultural da zona. NosAndes peruanos, o quechua continuaa ser a língua da população; inclusive,emprega-se em escolas e igrejas, para oensino e a prédica religiosa. Bem pertoda capital podemos encontrar índios

que não entendem o espanhol" (Idem,p. 139.)

Em perspectiva histórica ampla, apermanência de Nações indígenas, bemcomo africanas, de permeio àsnacionais formadas desde os temposcoloniais, torna as relações, processose estruturas sociais bastante complexose contraditórios; muito além damultiplicidade colorida. Há padrões evalores remanescentes da sociedade decastas, produzida pelo colonialismo eescravismo, subsistindo junto aosvalores e padrões da sociedade declasses que emerge a partir do séculoXIX. Tanto assim que, no século XX,as sociedades nacionais continuam amesclar o passado e o presente, a castae a classe, o patrimonialismo e oliberalismo.

Os séculos de colonialismo eescravismo, compreendendo índios,mestiços, negros, mulatos e brancosoriginários de diferentesnacionalidades, produziram as linhasde casta. Além das desigualdades ehierarquias sociais, econômicas epolíticas, desenvolveram-se asdiversidades culturais, compreendendolíngua, religião, família, padrões evalores culturais, modalidades deconsciência, visões do mundo. Oescravismo e o colonialismo nãosubordinaram tudo. A estrutura decastas não dissolveu nem aoriginalidade nem a força das culturase modos de vida de quechuas, aymaras,guaranis, maias, astecas, caribes eoutras Nações indígenas. O mesmo sepode dizer dos membros de Naçõesafricanas transportados para o NovoMundo como escravos.

É claro que o fim do colonialismo, aindependência das antigas colônias, aabolição da escravatura do negro e doíndio, a diversificação das atividadeseconômicas, a expansão do capitalismo

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no campo e cidade, a industrialização,a urbanização e outros processosestruturais, criaram a sociedade declasses. O escravo se transforma emtrabalhador livre, o senhor em burguês.Tanto assim que emergem outrosarranjos da estrutura social, idéiasdiferentes, novas modalidades de lutassociais. Os dilemas da democracia,que floresce e fenece, simbolizammuito do que passa a ser a sociedadenacional, a Nação burguesa.

Entretanto, nas estruturas de classessubsistem as linhas de casta. O índio eo mestiço, assim como o negro e omulato, sabem e sentem que adiscriminação que os atinge não éapenas a de classe, do mercado, dasociedade competitiva, mas de raça,isto é, de casta. É como se umremanescente arqueológico, pretéritode longe, fosse recriadocotidianamente na trama das relaçõesde classes. Tanto assim que ostrabalhadores brancos, negros,mulatos, índios, mestiços e outros sãoclassificados diferencialmente pelosque os empregam, compram a suaforça de trabalho. Aliás, distinguem-seentre si, na mesma fábrica, fazenda eoutros locais de trabalho.

Esse problema adquire significadoespecial, quando queremoscompreender como se forma ere-forma a Nação. Tudo leva a crerque a Nação tem a fisionomiaburguesa, em geral branca, organizadasegundo a racionalidade do mercado,mercadoria, lucro, mais-valia, Tem amáscara das classes dominantes. Nãoreflete, a não ser em escassa medida, ossegmentos subordinados da sociedadenacional. Sem esquecer que essessegmentos estão estruturados em umaforma muito singular, combinandolinhas de classe e casta, passado epresente.

Nesse sentido é que o poder burguêsexpressa, principalmente, uma parte daNação. A multiplicidade não aparecena organização do Estado nacional, anão ser como ideologia, colorido,folclore. Ao contrário, amultiplicidade não só escondedesigualdades como pode sermanipulada em favor dos que detêmo poder econômico, político, militar.Por isso a história das formas da Naçãoesconde-se na história das formas doEstado.

São diversas e surpreendentes asformas da Nação na América Latina.Podem ser oligárquica, liberal,populista, autoritária, democrática. Oque cabe ressaltar é que a forma daNação muda ou consolida-se, nesta ounaquela ocasião, conforme o jogo dasforças sociais internas e externas. Aconstituição, hino, bandeira, idioma,moeda, mercado, heróis e santos são apenasalguns elementos de uma realidadehistórico-social complexa,contraditória, em movimento.

Terra e Liberdade

A história da formação da sociedadenacional latino-americana é a históriade uma longa luta pela terra. Noprimeiro dia, todos ouviram o grito:— Terra à vista! No depois, sempre, háa colonização, bandeirismo,pioneirismo, busca do ouro, coleta deespeciarias, escambo com os nativos,donatárias, sesmarias, escravização doíndio e do negro, economia primáriaexportadora, enclave, industrializaçãosubstitutiva de importações,associações de capitais, latifúndio,fazenda, plantação, engenho, estrada,rodovia, barragem, agroindústria,fábrica, cidade. Sempre se repete ogrito: — Terra à vista! Desde oprimeiro dia, está em andamento aluta pela terra. Desenvolve-se um

longo processo de monopolização dapropriedade e exploração da terra.

O problema agrário também está nabase da questão nacional, como umdos seus aspectos mais importantes.Nos países da América Latina esseproblema sempre envolve índios,mestiços, negros, mulatos e brancosnacionais e imigrantes; e não apenascamponeses, operários, grileiros,latifundiários, fazendeiros etc. Estãoem causa diferentes formas deorganização social e técnica dotrabalho, produção e apropriação. Afamília, a comunidade, a cooperação,a divisão social do trabalho, ocamponês e o operário mesclam-setodo o tempo na produção para omercado e para o autoconsumo.

Durante a época colonial,compreendendo a escravatura e outrasformas de trabalho compulsório, já seestabeleciam as linhas mestres deuma estrutura agrária problemática,polarizada na sesmaria, latifúndio,fazenda, plantação, engenho e outrasformas de organização social e técnicada produção. É nessa época que seestabelecem algumas das marcas quedelimitarão o território nacional.

Depois da independência, com opredomínio dos interesses oligárquicosassociados à economia primáriaexportadora, ao enclave, realizaram-sevastas operações de deslinde edemarcação de terras devolutas,indígenas, comunais, ocupadas. Muitascomunidades indígenas, Naçõesinteiras, foram desalojadas de suasterras, ou mesmo liquidadas. NoMéxico, Nicarágua, Argentina, Brasil eoutros países, estava em marcha aorganização do Estado nacional, aformação do mercado de trabalho, amonopolização da propriedade daterra. Esse era um capítulofundamental da revolução burguesa,

no qual a criação do trabalhador livreacompanhava a transformação daterra em propriedade privada,mercadoria.

A revolução agrária, provocada pelaacumulação originária em curso noséculo XIX e entrando pelo XX,desalojou, expulsou, proletarizou elumpenizou muitos trabalhadoresrurais. Indios e mestiços aqui, negrose mulatos acolá, além de brancosnacionais e imigrantes em várioslugares, muitos foram e continuam aser alcançados pelas marchas econtramarchas da revolução agráriaque acompanha os desenvolvimentosdo capitalismo no campo.Simultaneamente, criam-se,desenvolvem-se ou agravam-se asdesigualdades sociais, culturais, raciais,regionais (MOLINA ENRÍQUEZ,1979/ROMÁN, 1979/LIMA, 1954).

Persiste, no entanto, a luta pela terra.Trabalhadores rurais das mais diversascategorias lutavam, e continuam alutar, pela posse e uso da terra; pelaconservação, conquista ou reconquistada terra. Na maioria dos países, oproblema agrário está na base dealguns dilemas tais como: asarticulações das regiões com a Nação;as desigualdades sociais, culturais eoutras; a metamorfose da populaçãoem povo.

Naturalmente, cabe lembrar que areforma agrária realizou-se em algunspaíses, e em outros continua arealizar-se. No México, Bolívia, Chilee Peru, entre os países capitalistas,houve distribuição de terras atrabalhadores. No México chegou-seà proposta de ejido coletivo, comouma forma de resgatar as baseseconômicas, sociais e culturais dacomunidade indígena. Não há dúvidade que houve realizações notáveis emalguns países. Mas também houve e

Depois daindependência, com o

predomínio dosinteresses oligárquicosassociados à economiaprimária exportadora,

ao enclave, realizaram-sevastas operações de

deslinde e demarcaçãode terras devolutas,

indígenas, comunais,ocupadas. Muitas

comunidades indígenas,Nações inteiras,

foram desalojadas desuas terras, ou

mesmo liquidadas.

há decepções, recuos. As famílias enúcleos camponeses criados com areforma agrária acabam subordinadosaos mecanismos de mercado, sãoobrigados a abrir mão de uma parcelacrescente do produto de seu trabalho,ou transformam-se em operáriosdisfarçados. Há casos em que as terrasdistribuídas são as piores, menosférteis, distantes dos meios decomunicação e mercados, ou mesmoimpróprias para cultivo e criação. Istoé, o problema agrário passa acolocar-se em outros termos, masainda adverso aos trabalhadores rurais.

Acontece que a reforma agrária temsido uma operação principalmenteeconômica, a despeito deapresentar-se, à primeira vista, comosocial, política. Nem sempre éacompanhada de medidas políticas quefavoreçam o engajamento dotrabalhador rural no sistema nacionalde poder, salvo como subalterno,administrado, regulado. Implica nacidadania tutelada, por meio do

sindicalismo governamental, aassistência técnica e o créditomanipulados por agências do poderpúblico etc. Ou seja, não se traduz emconquistas políticas democráticas.Tudo se subordina aos mecanismos domercado, às exigências da produção,produtividade, lucro.

Não há dúvidas de que no Méxicorealizou-se uma reforma agrária deamplas proporções. Os governos dizemque "já não há mais terras paraentregar aos camponeses". De fato, areforma agrária modificoudrasticamente as estruturas fundiáriasdo país, destruindo "formas dedominação e exploração" secularesMas os camponeses passaram adefrontar-se com novas modalidadesde subordinação. Estão sujeitos a"uma exploração mais eficaz". Há um"neolatifundismo ", resultante daforma pela qual a sociedadecamponesa passou a ser submetida aoindustrialismo. Os mecanismos demercado, os processos de

financiamento, as exigências damaquinização e quimificação criaramnovos e poderosos vínculos doscapitais industrial, bancário ecomercial com a produção camponesa.O neolatifundismo opera com base nos"critérios de maximização dosrendimentos econômicos",estabelecidos conforme os movimentosdos mercados nacional e internacional."Surgiram novas e talvez maisrefinadas formas de opressão, quemantêm o campesinato em posiçãosubordinada, dependente, e sujeito auma exploração mais eficaz. "(WARMAN, 1980, p. 27-8.)

A reforma agrária realizada no Peru, apartir da década dos 60, não produziua emancipação do camponês, índio,mestiço ou branco. As exigências daindústria, comércio e banco logo setornaram imperativas. O governo e osgrupos dominantes, nacionais eestrangeiros, empenham-se emredefinir as relações do campesinatobeneficiado pela reforma com asexigências da economia nacional, istoé, do grande capital. Trata-se de abrirpossibilidades de operação deempreendimentos agroindustriais, oque envolve a redefinição dos limitesda propriedade agrária; criar"dispositivos adequados paracapitalizar na agricultura ". Para isso,"o governo do Peru introduzirámudanças na reforma agrária de1969- 76, a fim de possibilitar oinvestimento agropecuário privado,que atualmente é proibido"(TRIVERI, 1987, p, 17),

Nesse sentido é que o problemaagrário continua a ser um aspectoimportante da questão nacional,Expressa desigualdades e antagonismossociais que dizem respeito a famílias,grupos sociais e setores de classes,compreendendo remanescentes deNações indígenas deslocados,

expropriados, desenraizados de suascondições de vida, trabalho e cultura.

A terra não se reduz à natureza, aoterritório; ela é social, histórica; ganhaas formas que lhe dá o trabalho. "Àsvezes o camponês fala da terra comode algo sagrado." (LACAYO, 1982,p. 224.)

Os sentidos físicos e espirituais deleestão particularmente desenvolvidosno que se refere às suas formas. Paraele, ela pode ser virgem, mata, campo,serrado, pampa, montanha, vale,desmatada, queimada, seca, úmida,fofa, fértil, gorda, semeada, cultivada,descansada, pronta. Sem terra, ocamponês sente-se morrer, errante. "Écomo um zumbi" (LACAYO, 1982,p. 225), arrancado do seu elemento,desenraizado. É da terra que searrancam as raízes de muita gente,muito povo.

A revolução burguesa não tem sidocapaz de resolver o problema agrário,no que se refere aos interesses deamplos setores da sociedade nacional.Pode-se imaginar que as desigualdadesoriginárias desse problema alimentamcontradições que podem ser decisivasna emergência de movimentos sociais,protestos, revoltas. Toda revoluçãopopular na América Latina conta comsegmentos camponeses, quando nãoarranca do mundo camponês. Ahistória de Tupac Amaru, Wilka,Antônio Conselheiro, Zapata, Villa,Sandino e muitos outros, desde ostempos coloniais até o século XX,passa pelo mesmo grito: — Terra eliberdade! A revolução socialista emcurso no continente e nas ilhas temraízes distantes, longas.

A Quinta Fronteira

Poucas vezes a Nação se delimita nafronteira. Tanto pode ultrapassá-la

como manter-se aquém. O território éum espaço que a sociedade, o povo, osgrupos e as classes criam e recriam, naquantidade e na qualidade. Mas o queé singular no território da Nação éque ele é história. Por seu povo,cultura, organização social, atividadeseconômicas, geopolíticas etc., a Naçãotransborda da sua fronteira; ou nemchega a alcançá-la.

A problemática nacional sempreimplica nas relações externas. Afisionomia do México, no que se refereao nacionalismo, à valorização dacultura popular, às heranças astecas emaias, à mexicanidade, aoautoritarismo, à matança deTlatelolco, naturalmente tem relaçãocom a história e vicissitudes davizinhança dos Estados Unidos. "Aperda de mais da metade do territórionacional para os Estados Unidosmarcou a consciência política da naçãoaté os nossos dias." (CASANOVA,1985, p. 101.)

Em outros termos, a questão nacionalno Uruguai, Paraguai e Bolívia implicanas relações com a Argentina e oBrasil, além dos Estados Unidos; semesquecer a influência da Inglaterra emtempos passados. Todo o Caribe fazparte de um capítulo fundamental dageopolítica norte-americana. Esses eoutros fatos apontam para aimportância das relações externasno desenho da sociedade nacional.

Na América Latina, as relaçõesexternas constituem umadeterminação essencial; entramdecisivamente na definição do perfilda Nação. Uns falam eminterdependência, parceria, associaçãoetc.; outros se referem à subordinação,perda da soberania, administraçãoexterna. Podem mudar asinterpretações, mas todos reconhecema importância das relações externasna conformação externa e interna

tanto do Haiti como do México, doParaguai como do Brasil.

Por isso é que a expressão quintafronteira pode ser um fato e umametáfora. No caso do Panamá, é umarealidade decisiva. "Começamos umprocesso que vai garantir às futurasgerações a erradicação dessa QuintaFronteira. Porque vejam, vejam estecaso: o Panamá limita ao Norte com oAtlântico, ao Sul com o Pacífico, aOeste com Costa Rica, a Leste com aColômbia e no centro com os gringos.Onde já se viu!" (TORRIJOS,1984, p. 17.)

Em outros países, a quinta fronteirapode ser um fato ou uma metáfora.Em 1954, uma invasão de tropasmercenárias organizadas pelo governonorte-americano interrompeu umprocesso de reformas democráticas damaior importância na Guatemala. Em1965, uma invasão de forças militaresnorte-americanas e brasileirasinterrompeu uma revolução popularem curso na República Dominicana.Em 1973, a assessoria norte-americanae brasileira foi decisiva para adeposição do governo socialista deSalvador Allende. Em 1983, tropasnorte-americanas invadem Granada,

interrompendo a experiência socialistado governo Maurice Bishop. Em 1987,o governo norte-americano continua afinanciar e organizar tropasmercenárias contra o governosandinista da Nicarágua. E financia acontra-revolução também em ElSalvador. "Foi na America Centralque o Pentágono inaugurou o chamado'conflito de baixa intensidade',modalidade de guerracontra-insurgente que pretende evitar,para os EUA, os custos políticos emilitares registrados no Vietnam. OsEUA entram com as armas, o dinheiro,os planos e os assessores; o pais comos soldados." (COSTA, 1987, p. 7.)

Essa é uma longa história, vinda doséculo XIX, atravessando ocontinente e as ilhas, os mares e asmontanhas, os governos, os regimese as formas do Estado nacional. Namaioria dos casos, sem metáforas(NEARING e FREEMAN, 1966/BEMAN, 1928/RONNING, 1970/BARBER e RUNNING, 1966/DREIFUSS, 1986).

Porto Rico é um caso particularmenteimportante do que é a problemáticanacional. Colônia da Espanha até1898 e dos Estados Unidos desde essadata. Um povo com as característicashistóricas, culturais, sociais e raciaisconstruídas no largo de muitas lutas.Entretanto, não alcançou a vitórianas batalhas pela independênciatravadas contra a Espanha. Foisubmetido militarmente pelos EstadosUnidos em um momento dessasbatalhas. Nunca resolveu o seu dilema.Oscila entre as opções polarizadaspelos três partidos principais: estadista,autonomista e independentista. Oestadista propõe a pura e simplestransformação da ilha em um estadoda federação norte-americana, ao passoque o autonomista preconiza a

manutenção da situação atual, vigentedesde a década dos 40, quando seformou o Estado Livre Associado. E oindependentista luta pela emancipaçãonacional. É claro que há distintastendências em cada partido. Mastodos são obrigados a colocar-se àproblemática nacional. Noindependentista, há tendências quelevantam a proposta de socialismo,como um modo de resolver a questãonacional e a questão social, emconjunto.

Os partidos autonomista e estadistapredominam no cenário políticonacional. Às vezes, revezam-se nocontrole da administração da ilha,sempre em consonância com osinteresses organizados nas instituiçõesjurídico-políticas estabelecidas pelosnorte-americanos. O estatuto vigente,de Estado Livre Associado, conferea Porto Rico a condição de um paísadministrado por organizaçõespolíticas locais, mas em conformidadecom as diretrizes políticas, jurídicas,econômicas, militares e culturais dogoverno dos Estados Unidos.

Note-se que o portorriquenho écidadão norte-americano desde 1917.Sua moeda é o dólar. E o inglês é alíngua que é obrigado a falar e escreverquando os interesses norte-americanosestão em causa. O Congresso dosEstados Unidos "recruta jovens e osenvia à guerra", desde a PrimeiraGuerra Mundial; "decide quem entrae sai, conforme as suas leis deimigração e emigração; mantém, aqui,um tribunal federal que processa econdena portorriuenhos conforme asleis federais; controla o rádio e atelevisão, e sem a sua anuência não sepode levantar em nosso país uma torreemissora, nem enviar ou recebermensagem alguma através destes meiosde comunicação". Também "controla

nosso comércio e a nossa economiamediante o monopólio". E "mantémum absoluto e incrível controle sobreos fretes marítimos e aéreos".Interfere "com exclusividade nas leissobre falência, naturalização ecidadania". Inclusive, "dirige comexclusividade as relações exteriores".E "cobre terra, mar e arportorriquenhos com seu exército,marinha e aviação, sem sequer ouvir onosso parecer nem consentimento,para encobrir as aparências de umsistema que tem a pretensão de serdemocrático" (MALDONADO DENIS,1974, p. 190-1)2.

Apesar de atravessado peloscompromissos de setores sociaisdominantes locais com osnorte-americanos, o povo sente-sediferente, diverso, oposto, comreferência aos Estados Unidos. Apesarde atravessado pelo bilingüismo, oinglês permanece o idioma externo,referido à coisa pública, ao passo queo espanhol característico do lugar éo idioma que vale para o público eo privado, a razão e o sentimento, amemória e a história, a dita e a desdita.

Quando quer pensar-se no pretérito,durante os quatro séculos decolonização ibérica, pensa-se emespanhol. E quando quer pensar-se nopresente, influenciado pela dominaçãoe administração dos norte-americanos,pensa-se em espanhol, complementadopelo inglês. O inglês pode serindispensável na prática dos negóciospúblicos relacionados com osinteresses dos norte-americanos e seusassociados locais. Também o é no quese refere à cultura universal que seencontra nesse idioma, por suaprodução original e traduções.

Entretanto, a maioria do povo afirmae reafirma o espanhol como forma depensar e sentir, ser e devir.

Uma parte essencial da vida e trabalho,história e cultura do portorriquenho,sintetiza-se neste idioma. O espanholportorriquenho falado e escritoexpressa as mais diversas realizações elutas compreendidas no passado epresente. A produção intelectual revelaaspectos fundamentais danacionalidade, em termos de análisese impressões, ficção e interpretações,memória e história. Não é possívelpensar e lutar em Porto Rico sem levarem conta as lutas e os pensamentos deBetances, Hostos, Albizu Campos emuitos outros. São muitas as obrasem que muito da nacionalidadeportorriquenha se revela como históriae imaginário: Antônio S. Pedreira,Insularismo; Tomás Blanco,Prontuário Histórico de Puerto Rico;Manuel Maldonado Denis, PuertoRico; José Luis González, El País deCuatro Pisos; Ángel Quintero Rivera,José Luis González, Ricardo Campos eJuan Flores, Puerto Rico: identidadnacional y clases sociales; Manuel A.Alonso, El Gibaro; Manuel ZenoGandia, La Charca; Luis Pales Matos,Tuntún de Pasa y Grifería; Luis RafaelSánchez, La Guaracha del MachoCamacho; Luis Hernández Aquino(org.), Cantos a Puerto Rico(Antologia Siglos XIX y XX). Háestudos que buscam essa historia lálonge, como em Tribu y Clase en elCaribe Antiguo, de Francisco Moscoso.Há toda uma memória do povoresgatada e decantada na sua produçãointelectual. Tanto assim que o povoportorriquenho pode pensar-se nopassado e no presente; e no futuro.

2 Depoimento de Yamil Galib, diante da Comissão do Estatuto, transcrição de Manuel Mal-donado Denis.

Mas Porto Rico é uma Naçãoatravessada pela geopolíticanorte-americana. Uma geopolítica quenão compreende apenas o Caribe, esim o conjunto da América Latina.Envolve a defesa ou segurança dosEstados Unidos, compreendendo opredomínio desse país nas ilhas e nocontinente. É óbvio que entram aíinteresses econômicos, políticos eculturais, além dos militares. Aindaque um objetivo básico seja a lutaideológica entre capitalismo esocialismo, cabe reconhecer que háinteresses norte-americanos noHemisfério Ocidental que se opõemaos interesses de europeus e japoneses.Convém não esquecer que durante aSegunda Guerra Mundial osnorte-americanos aproveitaram paraexpulsar esses interesses e alargar a suapenetração. Depois, com as váriasfases da Guerra Fria, a ilha de PortoRico continuou a ser importante,redefinida segundo as exigências das

conjunturas críticas emergentes noCaribe, América Central e o conjuntoda América Latina. O exército,marinha e aviação que cobrem terra,mar e ar portoriquenhos cobremterra, mar e ar latino-americanos.Porto Rico é um caso singular,extremo, do que tem sido a diplomaciatotal dos Estados Unidos noHemisfério Ocidental, que é aexpressão mais freqüente nessadiplomacia.

Sob o domínio norte-americano,desenvolveu-se uma revoluçãoburguesa insólita. Verdadeirarevolução econômica, com sériastransformações sociais, políticas emesmo culturais. Mas o povo, mesmobeneficiado por ela, sente-seadministrado, ocupado. "Ascontradições de uma revoluçãoburguesa incompleta e impostacolonialmente encobriram osignificado do imperialismo para a luta

social e política do proletariado. . .Significava modernização daeconomia: opressiva e alienante, pelasrelações de trabalho capitalistas, maspositiva quanto ao desenvolvimentodas forças produtivas, especialmente otrabalho livre, elemento que possibilitaa alternativa socialista. Significava,além disso, o estabelecimento dasliberdades civis: liberdade de reunião,associação, imprensa, palavra etc., quetornavam possível, por outro lado, odesenvolvimento de organizaçõesoperárias." (RIVERA, 1981, p.34-36.)

Uma revolução burguesa colonial,colonizadora, que não resolve aquestão nacional.

No entanto, essa sociedade nacionalafirma e reafirma as suaspeculiaridades no contraponto com osEstados Unidos. Sente-selatino-americana e nãonorte-americana. Seus heróis sãoBetances, Hostos, Albizu Campos emuitos outros3. Possui sua histórialiteratura, poesia, teatro, cinema,pintura e outras produções, nas quaisressoam lutas e façanhas nacionais. Oseu sentido de humor é uma armacarregada de passado e presente. Airreverência, a burla da solenidade,sermão ou arenga têm raízes nacultura popular. Por sua arte e sátiraverifica-se que o povo portorriquenhoestá decidido a sobreviver "dequalquer maneira" (GONZÁLEZ,1980, p. 102/SÁNCHEZ, 1983).É claro que Porto Rico tem as suascontradições internas. As suasdiversidades regionais, raciais eculturais são desafios da maiorimportância, no que se refere ao modopelo qual se forma e expressa o povo.

É evidente que os partidos principaisrefletem as divergências e oposições degrupos e classes. As polarizaçõesestadismo, autonomismo eindependentismo têm raízes nasdiversidades internas. Pode-se mesmodizer que essas diversidades sãotrabalhadas em termos práticos eideológicos, segundo os interesses quepredominam na organização do poderque administra o país.

Entretanto, os problemascompreendidos por essas diversidadesestão subordinados ao da soberania.Trata-se de uma sociedade comhistória, façanhas, cultura, povo,literatura, poesia e riso, obrigada aobilingüismo imposto, à moedaestrangeira, ao passaporte alheio, aomilitar da ocupação. "Uma nação nãopode existir sem a posse de toda a suariqueza material. A agricultura, aindústria, o comércio, ascomunicações, franquias e toda formade riqueza têm de estar em mãosnacionais para poder assegurar avida da nacionalidade." (ALBIZUCAMPOS, 1984, p. 22.)

Trata-se de uma sociedade obrigada aorganizar o seu modo de vida etrabalho principalmente, ouexclusivamente, conforme asexigências externas. "Porto Ricoapresenta o cenário de um naufrágiodos valores humanos maisimportantes: a honra, o patriotismo,o sacrifício. No que se refere à moral,o imperialismo ianque nos levou aodesprezo de nós mesmos" (Idem,p. 24.)

Os mesmos laços que negam, criamnovas possibilidades de reafirmação danacionalidade. As lutas ressurgem em

3 Estes são alguns mártires das lutas dos últimos anos: Arnaldo Dario Rosado, Carlos SotoArrivi, José Rafael Caballero, Santiago Mari Pesquera, Carlos Muñiz Varela, Angel Char-bonier e Angel Rodriguez Cristóbal.

outros patamares. "A independência,como futuro do povo de Porto Rico,depende essencialmente da felizconclusão de uma luta tenaz em prolda conservação da nacionalidadeportorriquenha." (MALDONADODENIS, 1974, p. 234.)

Os novos patamares criados pelocolonialismo institucionalizado noEstado Livre Associado permitemresgatar lutas e lições passadas. Sãolutas e lições que, muitas vezes, vêmdesde longe, do fundo do povo. "Apátria é a humanidade de um povo. Apátria em Porto Rico a constituimostodos os portorriquenhos."Legalmente, Porto Rico "não pode serpropriedade exclusiva de uns poucos".A pátria sempre quer dizer"comunidade de irmãos. E entreos irmãos, por lei natural, não podeexistir amo." (RIVERA, 1981, p. 30)4.

Sob todos os aspectos, Porto Rico éuma Nação sem Estado, no sentidode que não se expressa em um Estadoque reflete a cara do povo. Osadministradores pensam e falam eminglês. Para comunicar-se com o povo,traduzem para o espanhol. Possuemdupla solidariedade, uma das quais éa principal. Não expressam o idioma, acultura, a história, a irreverência dopovo. Correspondem a um poderalheio, estranho, estrangeiro. Por issoPorto Rico é uma Nação em buscade um Estado.

Estados Associados

A Nação não se delimita na fronteira,mas por suas relações internas eexternas, de cunho social, econômico,político e cultural. Não é na geografiaque se localiza a fronteira. Ela está na

sociedade, Estado, história. O jogo dasforças sociais, compreendendo grupose classes, movimentos e partidos,configura o Estado-Nação: soberano,subordinado, associado etc.

A história de Porto Rico mostra comoé um Estado Livre Associado, isto é,administrado segundo os interesses dogoverno dos Estados Unidos. Um casoextremo, na gama das situaçõeslatino-americanas. Revela umatendência muito forte do que são asrelações dos Estados Unidos com ospaíses da América Latina. Tanto assimque se pode afirmar que há outrosEstados associados no continente e nasilhas. Definem-se como soberanos,interdependentes, aliados, parceirosdos Estados Unidos. Mas tambémpodem ser Estados-Livres-Associados."Uma sociedade vive uma situaçãocolonial quando é governada emfunção dos interesses econômicos declasses dominantes de uma sociedadeestranha." (MARTÍNEZ PELÁEZ,1979, p. 574.)

Nessa situação, fica difícil descobriralguns contornos ou algumasdeterminações essenciais à Nação."Não existe uma história nacional.Trata-se de uma mistificação, que tema sua origem no fato de que nossospaíses têm vivido passivamente aconformação das suas estruturassociais por forças que operam,principalmente, do exterior; têmsofrido as suas mudanças sociais, emlugar de as promover eles próprios; eque se têm visto empurrados em suastransformações estruturais por grandesmudanças na correlação das forçasimperialistas, mudanças com as quais,como é óbvio, pouco têm tido quever. Paradoxalmente, a atitude de

4 As declarações entre aspas - conforme Ángel Quintero Rivera - são de Ramón RomeroRosa, tipógrafo e líder operário, 1904.

acomodação passiva a forças queatuam de fora, ao inibir tododiscernimento no plano daconsciência, induz à ilusão oposta:a da autogestão das própriascaracterísticas, no que estas têmde fundamental E assim se fala emhistória nacional" (ARRUBLA,1984, p. 71-2.)

A quinta fronteira vai e vem. Poucasvezes está no território. Masfreqüentemente está nas relaçõeseconômicas, políticas, militares,culturais. Influencia ou mesmo criainstituições. Além do mais, osconsórcios não têm pátria. Associam-seaqui ou lá, segundo as exigências domovimento do capital. "Se em cadanação não encontrassem gente que, empequeno, fazem o mesmo que eles emgrande, não poderiam dominar tantospovos e propriedades. Entendem-sefacilmente com essa gente e, juntos,empenham-se em ganhar mais com omenor esforço." (ARGUEDAS,1982, p. 211.)

Muitas vezes, setores das classesdominantes, ou classes dominantesinteiras, com os seus associados declasses médias, parecem uma quintafronteira. "As burguesias nacionais,que vêem na cooperação com oimperialismo a melhor fonte devantagens, sentem-se bastante donasdo poder político para nãopreocupar-se seriamente com asoberania nacional" (MARIÁTEGUI,1969, p. 87.)

Daí resulta uma dissociação entrelargos segmentos da sociedadenacional e as tendências quepredominam nas esferas de poder. "Aaristocracia e a burguesia nativas nãose sentem solidarizadas com o povopelo laço de uma história e umacultura comuns." (Idem, p. 88.)

Em vários casos, as classes dominantes

e a maioria do povo parecem raçasdiferentes, estranhas, como em Naçõesconquistadas.

Sob vários aspectos, a quinta fronteiraé realidade e metáfora. Não apenasno Panamá e em Porto Rico, mastambém no México, Brasil, Argentinae outros países. Nos últimos tempos,o volume da dívida externaconstituiu-se numa determinaçãoessencial da gestão interna dosassuntos econômicos, políticos esociais em vários países. Isso implicano desenvolvimento da crise doEstado-Nação. "Em termos reais, ospagamentos anuais de juros dospaíses latino-americanos consomematé 50% de seu Produto NacionalBruto. A conseqüência prática é queos juros são pagos não a partir docrescimento econômico, mas graças anovos empréstimos de credores que,por sua vez, produzem uma carga dejuros maior nos anos seguintes. Anatureza circular do problema éilustrada pela escalada da dúvidalatino-americana desde o início dacrise, em 1982: a dívida do Méxicoaumentou de US$ 77 bilhões paraUS$ 102 bilhões; a da Argentina, deUS$ 36 bilhões para US$ 53 bilhões;a do Brasil, de US$ 74 bilhões paraUS$ 108 bilhões." (KISSINGER,1987, p. 53.)

O círculo vicioso embutido na dívidarevive a metáfora da venda do marpelo ditador perpétuo. Diante de umadívida descomunal, impossível de serpaga pela Nação, o tirano vende omar, com todos os seus tesouros,mistérios e magias. "Levaram o Caribeem abril, levaram-no em peçasnumeradas os engenheiros náuticosdo embaixador Ewng para semeá-lolonge dos furacões nas auroras desangue e de Arizona, levaram-no comtudo o que tinha dentro, meu general,com o reflexo de nossas cidades,

nossos tímidos afogados, nossosdragões dementes." (MÁRQUEZ,1975, p. 238.)

O tema da fronteira está na história eno pensamento latino-americanos.Nem sempre na mesma linguagem,fórmula, cor, som, imagem. Mas é umelemento permanente, uma espécie deobsessão enlouquecida, iluminada.

Umas vezes sao os agrimensores quechegam, descidos na planície não sesabe vindos de onde. Deslindam edemarcam as terras indígenas, tribais,comunais, familiares, camponesas,apossadas, devolutas. Transformamtoda terra em propriedade privada dosoutros, em monopólio de alguns. De

nada adiantava provar a posse pelotrabalho, cultura e moradia. Osagrimensores não faziam caso."Andavam de cá para lá,insolentemente, medindo tudo eanotando coisas em seus livroscinzentos com grossos lápis decarpinteiro." Eles estavam em todaparte, protegidos por homens a cavalo.Uma tempestade sem chuva nemvento. "Muitos camponeses, montadosem seus burricos, carregando galinhase porcos, abandonavam suaschoupanas, entre os gritos e aslágrimas das mulheres, pararefugiarem-se nas montanhas."(CARPENTIER, 1966, p. 111-2.)

Os agrimensores plantam o que não

medra, estiola. Plantam uma fantásticacerca caminhando sem parar, comendoas terras com a voracidade de bichodo outro mundo. "Fazia semanas quea cerca tinha nascido nos capinzaisde Rancas." Os homens corriam,temendo ser alcançados "por aqueleverme que sobre os humanos levavauma vantagem: não comia, nãodormia, nem se cansava". Muitosrezavam "nas praças, aterrados", jáque não podiam mais fugir. "Oshabitantes das terras baixas podiamembrenhar-se nas selvas ou subir para

as cordilheiras. Mas eles viviam notelhado do mundo." Não pode seroutra coisa, "essa cerca é coisa dodemo" (SCORZA, 1972,p. 12-3, 29).

A poética da quinta fronteira vailonge. Pode ser a cerca, o canal, adívida, a invasão, o mar. Mas vailonge, não pára. Pode ser a AnacondaCopper Mining, Mr. Smith, oPresidente Roosevelt. Ela tem muitasformas, está sempre na história e noimaginário dos povos da AméricaLatina, uma obsessão enlouquecida,iluminada.

Outras e muitas vezes se recolocam asformas históricas da Nação: soberana,independente, interdependente,associada, parceira, subordinada,administrada. Só na aparência afronteira está lá fora. Muito maisfreqüentemente está no de dentro, queleva para fora (MELO NETO, 1986,p.70-5)5.

Esse é um dos dilemas que reabremperiodicamente o debate sobre oconjunto dos países do continente edas ilhas. Por isso em todo debatesobre a questão nacional formam-secorrentes visando acomodar ouresolver o dilema da quinta fronteira,em escala internacional: Monroísmo eBolivarismo, Hemisfério Ocidental eIbero-americanismo, Imperialismo eNuestra América. A utopia de Bolívar,Martí, Betances, Sandino e muitosoutros ilumina muita história. Cadaum e todos lançam desafios e abremhorizontes. Sintetizam lutas efaçanhas de grupos e classes,movimentos sociais e partidospolíticos.

Cada experiência, vitória ou derrota éuma façanha que pode abrirperspectivas para outros, ou todos."Porto Rico e as outras Antilhasconstituem o campo de batalha entreo imperialismo ianque e oibero-americanismo. A solidariedadeibero-americana exige que cesse todaingerência ianque neste arquipélago,para restaurar o equilíbrio continentale assegurar a independência de todasas nações colombianas. Dentro dessasuprema necessidade, é imprescindívelnossa independência. Nossa situaçãodolorosa sob o império dos EstadosUnidos é a situação que Norte-Américapretende impor a todos os povos docontinente. Nossa causa é a causa

continental. Os pensadoresibero-americanos vêem claro oproblema conjunto da América Ibéricadiante do imperialismo ianque. Setriunfa a absorção norte-americana emnossa terra, o espírito de conquistaianque não terá freios..."(ALBIZU CAMPOS, 1984, p. 19-20.)

A quinta fronteira é uma determinaçãoessencial dos contornos e movimentosde cada sociedade nacional. Pode serrealidade ou ficção: canal, base militar,enclave, joint venture, doutrina desegurança nacional, civic action, guerrade baixa intensidade ou low profile,indústria cultural, idioma do outro,valores da civilização ocidentale cristã interpretados pelogoverno norte-americano,Estado-Livre-Associado. Tantoarticula a associação, parceria,interdependência entre setoresdominantes estrangeiros e locais, comodesenvolve desigualdades eantagonismos internos, compreendidosnessas mesmas relações. Pode-se dizerque a descoberta, ou invenção, daquinta fronteira é um momentoessencial da questão nacional. Éolhando no de fora que se descobreo que está dentro. O de dentro ficamais nítido, quando se vê o que selevou para fora.

A Nação Imaginária

A Nação está na história e noimaginário. É uma realidadeinquestionável, consubstanciadana sociedade civil e no Estado. Mastambém é uma fabulação. Ressoa nopensamento do historiador, filósofo,escritor. A Nação que aparece noimaginário, não é a da história. Nãoestá no real. Pode nascer de um

5 Alusão ao poema "Generaciones y Semblanzas".

incidente, personagem, situação. Masnão permanece nesse ponto. Solta-senos espaços e movimentos propiciadospelo idioma, a cor, o traço, a imagem,o som. No romance, poesia, teatro,pintura, música, cinema, ela é fantasia,quimera, obsessão. É fruto dainventiva, liberdade poética,linguagem, imaginação. Há muitasNações no imagináriolatino-americano. Cada época,escola, tendência artística cria omundo à sua feição. Talvez se possamesmo dizer que a Naçãolatino-americana tem sido barroca,romântica, parnasiana, realista,moderna, mágica. A do imaginário,é pura invenção.

Na produção intelectual sobre aditadura, a Nação histórica eimaginária revela-se particularmentenítida, surpreendente, insólita. Háescritos sobre as formas do Estado, osregimes políticos, os populismos emilitarismos, nos quais o que seprocura é conhecer a anatomia daditadura.

A ditadura pode ser uma configuraçãoparticularmente extrema daproblemática nacional. Essa é umaépoca em que a Nação é levada afundir-se no poder estatal. A figurado ditador personifica o governo,o regime, o Estado e a Nação. Tudose refere a ele. Tanto assim que omaniqueísmo toma conta de todos.Quem não é favorável ao governo,é contra. Impossível a indiferença,a dúvida.

Há ditaduras de meses, anos. Outraslevam décadas. Podem ser abertas edisfarçadas, civis e militares. Háperpétuas, marcando de modoprofundo a cultura política nacional,o estilo de governo, as estruturasestatais, a visão da história, pretéritoe presente.

A freqüência, força e duração dasditaduras produzem uma espécie deobsessão na vida e pensamentolatino-americanos. Esse é um temaque atravessa o continente e as ilhas.Várias formas de Estado confundem-secom ditaduras abertas ou dissimuladas,civis ou militares, episódicas ouperpétuas. Por isso é que na históriae sociologia, teatro e cinema, romancee poesia, é grande a presença doditador, ditadura ou tirania. "NaAmérica hispânica a ditadura é, aomesmo tempo, a forma de governomais freqüentemente praticada e amais fundamentalmente desprovida delegitimidade. Sendo assim, não ésurpreendente que o exame dasraízes históricas das ditadurashispano-americanas tenha sido tãoamiúde, empreendido na perspectivade um conflito entre o vício e avirtude." (DONGHI, 1986, p. 24.)

É tão importante o desafio prático eteórico representado pela recorrênciae força da ditadura, que algunsencontram as suas raízes no passadodistante, remoto, colonial, absolutista,ibérico, da contra-reforma. O desafioé tão forte que o pensamento e aimaginação deslocam-se para a largaduração, a filosofia da história, aevasão sofisticada, erudita, pretérita. Aproliferação de regimes autoritários"não é uma aberração moral oupolítica, mas a manifestação de umestilo de comportamento político,uma disposição secular da sociedadelatino-americana" (VÉLIZ, 1984,p. 15). Como a matriz está no passado,o presente está condenado. Poderesignar-se à sabedoria do pretérito.

Em vários momentos a história e oimaginário confundem-se. Noempenho de buscar as condições,origens e raízes da tirania, algunsparecem reificar o passado.Abandonam o jogo das forças sociais,

Ocorre que a tiranialatino-americana

muitas vezes supera aimaginação.

Apresenta-se como umarealidade inverossímil.

É algo que é dado nahistória e vida das

pessoas, grupos,classes, sociedade.É verossímil, mas

contém um elementode absurdo, paroxismo,

loucura.

perdem de vista a historicidade dasconjunturas críticas, desesperam-sediante da recorrência, força e duraçãoda tirania.

Ocorre que a tirania latino-americanamuitas vezes supera a imaginação.Apresenta-se como uma realidadeinverossímil. É algo que é dado nahistória e vida das pessoas, grupos,classes, sociedade. É verossímil, mascontém um elemento de absurdo,paroxismo, loucura. "Cardoza yAragón disse um dia a Carpentier quea realidade supera os romances deditadores. Carpentier respondeu quese os romancistas narrassem a realidadeseus romances seriam 'inverossímeis'.'A realidade é inverossímil', replicouCardoza, acrescentado uma reflexãoimpessoal: — "Há algo mais. . . Aimaginação não pode inventar umSomoza." (CASANOVA, 1986,p. 222.)

Um personagem particularmenteimportante na produção artísticalatino-americana é o tirano. Está noromance, poesia, teatro, pintura eoutras formas. Metido em incidentes,vivendo situações. Em váriosromances, o tirano é o personagemprincipal, em torno do qual gravitamministros, secretários, diplomatas,empresários, fazendeiros, intelectuais,duplos, sombras; ao mesmo tempoque aí gravitam a sociedade, ahistória, a Nação. Alguns exemplaresnotáveis da galeria de tiranos sãocriados por Miguel Ángel Asturias,El Señor Presidente; Alejo Carpentier,El Recurso del Método; Arturo UslarPietri, Oficio de Difuntos; JorgeZalamea, El Gran Burundún-Burundáha Muerto; Oduvaldo Vianna Filho,Papa Highirte; Gabriel GarcíaMárquez, El Otoño del Patriarca;Augusto Roa Bastos, Yo El Supremo.Esses são alguns textos, dentre os quelidam com o tirano, como personagem,

coleção de incidentes e situações;ressoando a sociedade, a história e aNação.

Todos estão empenhados emdesvendar o mistério da tirania, semdanificar o tirano. Trata-se decompreendê-lo vicariamente,desvendar o seu modo de pensar,sentir, agir. Buscar o segredo do seupoder, como graça e danação. Nosromances sobre ditadoreslatino-americanos "percebemos opoder através dessa figura carismáticaque o exerce, a qual revela a aparênciade toda potestade humana. Nossapercepção do poder é a da pessoa queo conquistou e a ele se aferra até nãoser nada mais do que isso, poder"(RAMA, 1976, p.16).

O poder do tirano está em que eleabsorve e sintetiza não só o governo,o regime e o Estado, mas também asociedade, o povo e a Nação. Estarealiza-se e dissolve-se nele. "OSupremo é a abstração da Nação,não é humano e encarna-se na pessoado Dr. Francia." Tudo está iluminado esombreado pela mesma figura, singulare plural. "O poder de Francia é,paradoxalmente, incorpóreo(transcendental) e também encarnadoem um ser humano mortal, que tratao Paraguai como se fora uma extensãoda sua própria pessoa." (FRANCO,1986, p. 186, 188.)

O que sobressai é a Naçãorepresentada, personificada,sintetizada, simbolizada e dissolvidano tirano. O tirano como presidente,generalissimo, magistrado, supremo,patriarca. Princípio e fim de todas ascoisas, de todos. Ele institui opresente e o passado. Movimenta ouestanca o devir. Tem o poder deinstituir a ordem e o progresso. "OSupremo é aquele que o é por suanatureza. Nunca nos lembra outro

senão a imagem do Estado, da Nação,do Povo, da Pátria. "(ROA BASTOS,1977, p. 56.)

Institui o certo e o errado, o permitidoe o proibido, dissolvendo a realidadeno inverossímil, fazendo tudouniversal. "Dito-te uma circular a fimde instruir os funcionários civis emilitares sobre os fatos cardinais denossa Nação. Quando a lerem, estesbestas analfabetos acreditarão que falode uma Nação imaginária." (Idem,p. 52.)

A figura do ditador, manifesta edesenvolvida nas relações com os seuscoadjuvantes, expressa aspectos maisou menos fundamentais da situaçãonacional. Independentemente dasescolas literárias em que se inscrevem,da qualidade artística de cada um, osromances retratam aspectosimportantes da questão nacional. Sãovários os temas e dilemas nelespresentes. Lidam com as mais variadasexpressões da cultura latino-americana.Apontam as diversidades raciais,culturais, religiosas, lingüísticas,econômicas, políticas, regionais,sociais. Mostram a difícil econtraditória metamorfose dapopulação em povo, das múltiplasformas sociais de vida e trabalho emsociedade nacional, Estado-Nação.Revelam a metamorfose da históriaem façanha, do tempo em duração,do tirano em prisioneiro da tirania. Emvários países, se não em todos, háromances que constróem a fisionomiada sociedade nacional, enquantohistória, cultura, lutas sociais,vitórias, derrotas, façanhas. Ficabastante nítida a ressonância daNação no romance; e deste na imagemque uns e outros podem construir daNação. Na América Latina, o romanceinventa a sociedade nacional.

A Nação espelha-se na figura do

ditador. O ditador é levado às últimasconseqüências, enquanto fantasia doescritor. O tratamento literário dessafigura permite levá-la aos maisincríveis paroxismos. A ambição demando eleva o poder ao absurdo, detal modo que o tirano se imaginaabsoluto, em si. De tão longe que seleva, como figura e figuração do poder,acaba por perder quaisquer vínculoscom os outros: familiares, auxiliares,secretários, ministros, setores sociais,povo, população. É tamanho oisolamento em que se põe que terminapor sentir-se imagem, reflexo, sombrade si mesmo. Aos poucos, sente-setão só que se imagina vendo-sepóstero, depois de ter existido. Aídescobre plenamente o ponto devista do povo. Parecia respeitado,seguido, admirado, idolatrado. Narealidade, era invejado, desconfiado,temido, odiado, satirizado.

O paroxismo do poder revela-se nasolidão e desdobra-se na duração dotempo. Para ele, o tempo não passa,repassa; não flui, reflui. Adquire ocontorno do círculo fechado, torna-seestático, parado, mesmo, atônito,prisioneiro de si. De tanto dominar atodos e a tudo, as atividades e asopiniões, os amigos e os inimigos, operto e o longe, o tirano acaba pordesprezar o curso da história, osmovimentos da sociedade, asfaçanhas do povo. Fecha-se numcírculo atônito, monumento de simesmo petrificado. Glória e vítima doseu poder perpétuo, granítico. Imaginaque a duração da sua estátua podealterar a duração da história.

O escritor do romance da ditaduranão escapa ao fascínio da sua criação.Na singular dialética das relaçõescriador e criatura, aos poucos, ficaimperceptível a linha que separa oreal e o imaginário, a figura e afiguração, a pessoa e o personagem,

o dito e o mito. De tanto compreendero poder, evitando satanizar ouangelizar o ditador, o escritor pareceentregar-se ao seu personagem,tornar-se cúmplice do algoz. Queminventou o romance : o escritor ou otirano? Esse o preço que o artistapaga para desvendar os paroxismosda sua criatura. O pathos da tiraniaarrasta o leitor, o tirano e o escritor.

Mas é mera aparência o fascínio doditador sobre o escritor e o leitor. Anarração flui todo o tempo sob o signodo riso. Desde o primeiro momento, ohumor permeia a construção danarrativa. A força do poder, odesmesurado da façanha, a insólitaduração do tempo, a reversão dafigura do ditador em outro, duplo,sósia, sombra de si mesmo, aconstrução de obras públicasmonumentais, a reprodução depalácios, capitólios, templos e óperasde modelos estrangeiros, a venda domar para pagamento da dívida, opalácio do governo transformado emestabulo, os tapetes e as cortinasfeitos pastagens de vacas, são muitasas invenções que desvendam aparódia. Tudo é iluminado pelaironia, caricatura, escárnio, grotesco,gargalhada, riso devastador. Tudo secarnavaliza, a partir de uma profunda,surpreendente e insólita compreensãodo tirano visto na ótica do povo.

A Nação está na história e noimaginário. Umas vezes a históriavai além da imaginação. Outras, éesta que revela o que não se vê nahistória.

Talvez se possa dizer que a Naçãoseja uma singular criatura, umaestranha obra de arte. Nelasintetizam-se as façanhas da sociedadecivil e a força do Estado demiurgo. Acomunidade ilusória não é o Estado,mas a Nação que aparece na história e

no imaginário. Tanto assim que elapode ser barroca, romântica,parnasiana, realista, moderna,labiríntica, mágica. Como o são osque a formam, quando lhe incutema imaginação.

História e Nação

A Nação não surge pronta, acabada.Forma-se e conforma-se ao longo dahistória. Nasce e renasce, segundo osmovimentos do seu povo, forçassociais, formas de trabalho e vida,controvérsias e lutas, façanhas eutopias. Resgata ou esquece tradiçõesreais e imaginárias, conforme afisionomia que se pretende construirno presente, segundo a utopia que vaibuscar no futuro. Está sempre emmovimento. Afina e desafina.

O hino, bandeira, idioma, moeda,mercado, meios de comunicação,instituições, padrões, valores, heróis,santos conferem a todos a ilusão deque fazem parte da mesma Nação. Ooperário, camponês, empregado,funcionário, artesão, comerciante,estudante, intelectual e outros,compreendendo o índio, mestiço,negro, mulato, amarelo e branco sãolevados a imaginar-se no espelho dohino, bandeira, idioma, moeda,mercado, governo, regime, Estado.

Mas a Nação está atravessada pordiversidades sociais, culturais,políticas, econômicas, regionais, raciaise outras. Uns afirmam que elas sãonaturais, inevitáveis, como o coloridoda multiplicidade; que as desigualdadessão incidentes na conformação dasdiversidades. Outros alegam que asdesigualdades freqüentementeescondem-se nas diversidades; que osantagonismos espreitam todo o tempo,desde as diversidades sociais, raciais,regionais, culturais e outras.

Entretanto, o que reina, sobretudo esobretodos, é a ilusão da identidadesimbolizada no Estado.

O Estado não só simboliza como élevado a interferir nas relaçõesinternas e externas que configurama Nação. A partir dos interesses querepresenta, ou interpreta, confere àsociedade nacional esta ou aqueladireção. Às vezes detém uma grandecapacidade de mando, ou desmando,podendo incutir na sociedade esta ouaquela direção. Outras vezes pareceestar em descompasso, desligado oumesmo oposto às tendências dasociedade

São as forças sociais presentes nasociedade civil que conferem aoEstado, em última instância, acapacidade de exercer este ou aquelecomando, direção. O povo, os grupossociais e as classes sociais, por suaatividade na política, economia ecultura, criam e recriam as condiçõesde organização do governo, regime,Estado. As formas do Estado, asrecorrências do autoritarismo e asvicissitudes da democracia têm as suasraízes nas relações internas e externasque movimentam a sociedade civil.Mas a sociedade civil não se esgota naconstituição, códigos, instituições,

sindicatos, partidos, movimentossociais e correntes de opinião. Elatem raízes, também, nas diversidadese desigualdades sociais, culturais,regionais, raciais e outras, sem asquais se torna pouco inteligível.

A problemática da questão nacionalestá presente em boa parte daprodução intelectual relativa a cadaum e todos os países da AméricaLatina, no continente e nas ilhas. Estána história e sociologia, teatro ecinema, pintura e música, romance epoesia. Nessa produção, ressoam emultiplicam-se os temas, de talmaneira que a Nação parece vagarna história e no imaginário.

Talvez se possa dizer que algumas dasprincipais obras da produçãointelectual latino-americana lidamcom aspectos mais ou menosrelevantes da questão nacional. Amenção de obras relativas a algunspaíses pode dar uma idéia do desafioreiterado que essa problemática exerceentre cientistas sociais, filósofos,escritores, artistas.

ARGENTINA: Domingo F. Sarmiento,Facundo (Civilización y Barbárie);Juan B. Alberdi, Bases y Puntos dePartida para la Organización Políticade la República Argentina; EzequielMartinez Estrada, Radiografia de laPampa; José Hernández, Martin Fierro.

PERU: José Carlos Mariategui, SieteEnsayos de Interpretación de laRealidad Peruana; Víctor Raúl Hayade la Torre, El Imperialismo y elApra; José Maria Arguedas, Todas lasSangres; Julio Cotler, Estado y Naciónen el Perú.

MÉXICO: Andrés Molina Enríquez,Los Grandes Problemas Nacionales;Samuel Ramos, El Perfil del Hombrey la Cultura en México; Octavio Paz,El Laberinto de la Soledad; PabloGonzález Casanova, La Democracia

en México; bem como a pinturamuralista mexicana de Orozco, Riverae Siqueiros.

PORTO RICO: Antonio S. Pedreira,Insularismo; Tomás Blanco,Prontuário Histórico de Puerto Rico;Manuel Maldonado Denis, PuertoRico: una InterpretaciónHistórico-Social; José Luis González,El País de Cuatro Pisos; Ángel G.Quintero Rivera, "Clases Sociales eIdentidad Nacional", Luis Pales Matos,Tuntun de Pasa y Grifería; Manuel A.Alonso, El Gibaro.

BRASIL: Oliveira Vianna, Evolução doPovo Brasileiro; Gilberto Freyre,Interpretação do Brasil; SérgioBuarque de Holanda, Raízes do Brasil;Caio Prado Júnior, Evolução Políticado Brasil; José Honório Rodrigues,Aspirações Nacionais; RaymundoFaoro, Os Donos do Poder; FlorestanFernandes, A Revolução Burguesa noBrasil; Lima Barreto, Triste Fim dePolicarpo Quaresma; Mário deAndrade, Macunaíma.

Todos estão interessados emcompreender como se forma o povo,a sociedade, o Estado, a Nação; emcertas conjunturas ou no largo dahistória. Colocam-se os dilemasrelativos às diversidades sociais,culturais, raciais, regionais e outras.Resgatam e esquecem tradições reais eimaginárias, ao mesmo tempo quenarram controvérsias e lutas, façanhase utopias. Querem formar ouconformar a Nação ao passado oufuturo, desde o presente.

Na América Latina, a Nação pareceencontrar-se sempre em formação. Nãoestá no começo, avançou muito, mascontinua a articular-se e rearticular-se,buscando o seu lugar. Quase todos ospaíses contam com várias, ou muitas,constituições em sua história. Tiveramque começar de novo, recomeçar

muita coisa, ou tudo. Os golpes, ossurtos de autoritarismo, as ditadurasperpétuas povoam a história. Ademocracia floresce e fenece.

O povo continua a formar-se, secompreendemos que povo é umacoletividade de cidadãos. O quepredomina é a população detrabalhadores, na qual encontram-secamponeses, mineiros, operários,empregados e outros; em geral,compreendendo índios, mestiços,negros, mulatos, amarelos, brancos.Uma população heterogênea,aglutinada ou dispersa, quanto àscaracterísticas culturais, lingüísticas,religiosas e outras. Populaçãoespalhada e concentrada, na cidade ecampo, nesta ou naquela região. Osgrupos, classes, sindicatos, partidos,movimentos sociais e correntes deopinião pública estão atravessadospelas diversidades culturais, raciais eregionais. São várias as condiçõeshistóricas — naturalmente, segundo aspeculiaridades de cada país — quedificultam ou distorcem ametamorfose da população detrabalhadores em um povo decidadãos; pessoas que pertenceme sentem-se pertencer à sociedadenacional.

Acontece que a sociedade civil e oEstado encontram-se edesencontram-se. Freqüentementedissociam-se. A sucessão de crises,golpes de Estado, ditaduras einterrupções de experiênciasdemocráticas assinalam o periódicodivórcio entre as tendênciaspredominantes na sociedade civile as do Estado. O Estado nem estásolto no ar, nem é demiurgo. Maisfreqüentemente, é prisioneiro depequenos grupos, as classeseconômica, política e militarmentemais fortes; os que mandam.

Daí a impressão mais ou menospermanente de que a Nação éprovisória, está por formar-se,procura o seu lugar na história. Podeser oligárquica, liberal, populista,autoritária, democrática. Está sempreem movimento. Afina e desafina.Sim, a Nação não está pronta, acabada.Ao contrário, as crises e rupturassucedem-se. Depois de décadas de umprocesso democrático ascendente,pode ocorrer o retrocesso, o golpe deEstado, a recorrência autoritária, aditadura. Destróem-se vastasconquistas sociais, políticas eculturais. Precisamente os que falamem civilização, Ocidente etc.,mergulham a sociedade na barbáriefascista.

Há conjunturas críticas nas quais oEstado e a sociedade civil dissociam-sebastante, estranham-se amplamente.Diante da violência organizada econcentrada no Estado militarizado, aserviço do grande capital, o povoresiste, subsiste. Mas dá a impressãode que vaga perdido na solidão dospampas, coxilhas, planaltos, costas,serras, montanhas, vales, matas,campos e construções. Muitos sãoobrigados a confinar-se dentro de si.Parecem sonâmbulos, zumbisextraviados de um país inexistente.

"No que se refere à sociedade, ia-searraigando a idéia da desproteção, oobscuro temor de que qualquer um,por inocente que fosse, poderia cairnaquela infindável caça às bruxas,apoderando-se de uns o medoparalisante e de outros uma tendênciaconsciente ou inconsciente parajustificar o horror. Por algum motivoserá, murmurava-se, em voz baixa,como que querendo, assim, abrandaros terríveis e inescrutáveis deuses,vendo como empesteados os filhos ouos países desaparecidos... No delíriosemântico, polarizado por expressões

como 'marxismo-leninismo''apátridas', 'materialistas e ateus''inimigos dos valores ocidentais ecristãos', tudo era possível Desdeaquele favorável a uma revoluçãosocial até os adolescentes generososque iam às favelas para ajudar seusmoradores, todos caíam na rede:dirigentes sindicais que lutavam poruma simples melhora de salários,jovens que tinham sido membros deum centro estudantil, jornalistas quenão eram devotados à ditadura,psicólogos e sociólogos por pertencera profissões suspeitas, jovenspacifistas, freiras e sacerdotes quehaviam levado os ensinamentos deCristo às favelas. E amigos de qualquerum deles, e amigos desses amigos,gente que havia sido denunciada porvingança pessoal e por seqüestradossubmetidos à tortura." (ComisiónNac. Desaparición de Personas,1985, p. 9-10.)

Poucos são os países latino-americanosque não passaram algum tempo, oulargo tempo, por esse horror. Esses sãofatos antigos e atuais, pretéritos epresentes. Estão incrustados emagências do poder estatal, na culturapolítica de grupos e classesdominantes. A repressão contra osdescontentes, os que lutam porconquistas sociais, os que almejamuma sociedade alternativa, converte-seem "exercício administrativo" regular."A piedade e a compaixão tornam-sedesonrosas" (MORSE, 1982, p. 160),para quem exerce a sagrada missão desalvar a pátria militar, a civilizaçãocristã, o mercado do capital.

Nem por isso, no entanto, apagam-seas lutas pela democracia política esocial. Os mais diversos setores dasociedade, na cidade e no campo, porseus movimentos sociais e partidospolíticos, insistem nas suas

reivindicações sociais, políticas,econômicas, culturais. Em todos oslugares, as reivindicações e lutasreabrem a problemática da questãonacional. No limite, a Nação está emvias de realizar-se de forma maisplena quando se organiza nos moldesde uma democracia política e social.Nesse momento é que a maioriaaparece no âmbito do Estado-Nação,

A Nação tem adquirido a fisionomiaque lhe conferem os que mandam,nesta ou naquela época. Tanto assimque tem sido oligárquica, liberal,conservadora, populista, autoritáriademocrática. São distintas as formasda Nação burguesa. Mas pouco, ounada, expressam do operário,camponês, empregado e outrascategorias que compõem o povo;pouco ou nada expressam dasdiversidades e desigualdades regionais,culturais e outras. Em geral, subsistea impressão de que não se concluinunca a sua formação.

Talvez se possa afirmar que asrevoluções burguesas verificadas nospaíses latino-americanos nãoresolveram satisfatoriamente algunsaspectos básicos da questão nacional.Em quase todos os países, não seformou o povo, como coletividadede cidadãos. O operário, camponês,empregado e outras categorias, muitasvezes como índio, negro ou branco,não ingressaram de forma ampla nosespaços da cidadania. As diversidadese desigualdades sociais, raciais,regionais e culturais, expressas emtermos políticos econômicos,mostram que a fisionomia da Naçãoburguesa pouco ou nada reflete dacara do povo.

As revoluções populares em curso naAmérica Latina no século XX sugeremoutras formas de organizar asociedade nacional, o Estado-Nação.

Pode-se dizer que um dos segredos darevolução cubana, assim como dasandinista, está em que sãorevoluções nacionais, ao mesmotempo que sociais. Fundam-se nasdesigualdades que a revoluçãoburguesa, em Cuba e na Nicarágua,não foi capaz de resolver, ouencaminhar de modo a articularmaiores segmentos da população em

termos de povo, de coletividade decidadãos. Além das contradições declasses, em âmbito interno e externo,entram em causa as contradiçõesculturais, raciais e regionais. Isto é,o operário, camponês, mineiro,empregado e outros ingressam naluta também como membros de umpovo desprezado por suascaracterísticas culturais e raciais.

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