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II CONINTER Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013 A QUESTÃO DA UTILIZAÇÃO DE TERMOS TÉCNICOS PROCESSUAIS PENAIS POR DETENTOS SOB A ÓTICA DA SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA: ANÁLISE DA LINGUAGEM ORAL E ESCRITA. MARQUES, Bruna (1); LYRA, Pedro (2); LUQUETTI, Eliana (3) 1. UENF. CCH Campos dos Goytacazes/RJ [email protected] 2. UENF. CCH Campos dos Goytacazes/RJ [email protected] 2. UENF. CCH Campos dos Goytacazes/RJ [email protected] RESUMO O presente trabalho objetiva ressaltar a utilização de termos técnicos jurídicos de cunho processual penal, por detentos da Cadeia Pública da cidade de Tombos/MG, com a análise de seu uso na linguagem oral e escrita. Tomou-se como embasamento teórico, sobretudo, as orientações da Sociolinguística. O corpus para observação da linguagem oral consistiu-se dos resultados de questionário aplicado aos internos. As análises apontaram para o fato de que a variação não ocorre de forma desordenada, a linguagem é suscetível à influência do meio e que o detento usa da variação e consequente compreensão da linguagem, notadamente dos termos técnico-jurídicos, para se valerem de institutos beneficentes ao cumprimento de sua pena. Para o estudo do uso dos termos técnicos processuais penais através da linguagem escrita, foram reproduzidas para análise petições escritas pelos detentos da cadeia pública de Tombos/MG, remetidas à Vara das Execuções da mesma cidade, a fim de averiguar o uso prático desse enriquecimento vocabular, em busca da desburocratização do sistema judiciário com a obtenção de benefícios durante o cumprimento da pena privativa de liberdade. Palavras-chave: Linguagem. Variação Linguística. Sociolinguística.

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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades

Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013

A QUESTÃO DA UTILIZAÇÃO DE TERMOS TÉCNICOS PROCESSUAIS PENAIS POR DETENTOS SOB A ÓTICA DA SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA: ANÁLISE DA LINGUAGEM ORAL E ESCRITA.

MARQUES, Bruna (1); LYRA, Pedro (2); LUQUETTI, Eliana (3)

1. UENF. CCH

Campos dos Goytacazes/RJ [email protected]

2. UENF. CCH

Campos dos Goytacazes/RJ [email protected]

2. UENF. CCH

Campos dos Goytacazes/RJ [email protected]

RESUMO

O presente trabalho objetiva ressaltar a utilização de termos técnicos jurídicos de cunho processual penal, por detentos da Cadeia Pública da cidade de Tombos/MG, com a análise de seu uso na linguagem oral e escrita. Tomou-se como embasamento teórico, sobretudo, as orientações da Sociolinguística. O corpus para observação da linguagem oral consistiu-se dos resultados de questionário aplicado aos internos. As análises apontaram para o fato de que a variação não ocorre de forma desordenada, a linguagem é suscetível à influência do meio e que o detento usa da variação e consequente compreensão da linguagem, notadamente dos termos técnico-jurídicos, para se valerem de institutos beneficentes ao cumprimento de sua pena. Para o estudo do uso dos termos técnicos processuais penais através da linguagem escrita, foram reproduzidas para análise petições escritas pelos detentos da cadeia pública de Tombos/MG, remetidas à Vara das Execuções da mesma cidade, a fim de averiguar o uso prático desse enriquecimento vocabular, em busca da desburocratização do sistema judiciário com a obtenção de benefícios durante o cumprimento da pena privativa de liberdade.

Palavras-chave: Linguagem. Variação Linguística. Sociolinguística.

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INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta a utilização do vocabulário jurídico processual penal por internos da cadeia

pública da cidade de Tombos/MG, tendo em vista as variações utilizadas, pautadas em bases da

Sociolinguística, com foco na linguagem oral, bem como a exteriorização deste enriquecimento

vocabular efetivada através da produção de petições processuais.

A escolha do tema levou em consideração o fato de que há diversos estudos que demonstram a

variação lexical e semântica da linguagem de detentos, no entanto, a maioria aborda negativamente

tal mudança. Desta forma, o presente artigo pretende enfatizar um lado positivo da modificação

ocorrida no vocabulário dos reeducandos, ou seja, aqueles que cumprem uma pena devido a uma

sentença penal condenatória, os quais passam a utilizar termos técnicos jurídicos habitualmente

empregados por estudantes e aplicadores do Direito, durante o período de detenção.

Buscou-se analisar a utilização de termos processuais penais, a fim de reforçar a ideia de

surgimento das variações linguísticas por influência do fator social no qual estão inseridos. Nesse

sentido, cabem algumas considerações sobre o contexto no qual os presos estão inseridos.

A cadeia pública de Tombos, atualmente sob a responsabilidade do Delegado da Polícia Civil de

Minas Gerais, Doutor Diego Candian Alves, foi inaugurada em 1º de janeiro de 1946 e abriga,

atualmente, 21 internos, sendo 15 aguardando julgamento e seis condenados. O estabelecimento

penal abriga internos das cidades de Tombos, Pedra Dourada/MG e ainda alguns distritos

localizados nas proximidades destas. O nível de escolaridade dos internos, no geral, é de Ensino

Fundamental incompleto (primeira à quarta série), sendo que a data mais antiga de prisão é de 02

julho de 2002 e os crimes mais comuns entre as condenações são por furto e homicídio.

Tendo em vista o objetivo apontado, em síntese: destacar o uso de termos de cunho processual

penal pelos internos, procurando enfatizar a importância do estudo da sociolinguística para verificar

e valorizar as variações de linguagem, sobretudo as que ocorrem dentro de ambientes de

segregação, tais como a cadeia pública de Tombos/MG, utilizou-se juntamente com as pesquisas

bibliográficas sobre o assunto, a coleta do corpus: termos técnicos processuais penais

compreendidos e utilizados pelos internos. A coleta ocorreu por questionário (em anexo) aplicado

entre os dias 20 e 26 de março de 2013. Os pesquisados foram escolhidos aleatoriamente dentro da

cadeia pública.

O questionário inclui desde perguntas pessoais: idade, tempo de detenção, grau de escolaridade e

seis termos jurídicos penais a serem marcados de acordo com a compreensão e utilização.

No que tange à análise da linguagem escrita, valendo-se do uso do conhecimento dos termos

técnicos processuais penais adquiridos pelos detentos da cadeia pública de Tombos/MG, foram

copiadas para averiguação, algumas petições escritas a próprio punho pelos reeducandos que

foram remetidas à Vara das Execuções Criminais da Comarca de Tombos/MG, a fim que de fossem

analisadas e atendidas diversas solicitações pela autoridade apreciadora, demonstrando assim,

que além de adquirir essa variação na linguagem oral, com enriquecimento vocabular, devido ao

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chamado catatau, ou seja, petições confeccionadas pelos próprios presos em busca da concessão

de benefícios durante o cumprimento de sua pena privativa de liberdade.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A

LÍNGUA, A SOCIEDADE E A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA.

A história da humanidade e a história da sociedade estão sempre entrelaçadas à história da

linguagem. Segundo Alkmim (2001, p. 21) “[...] a história da humanidade é a história de seres

organizados em sociedade e detentores de um sistema de comunicação oral, ou seja, de uma

língua”. A língua é abordada por Sausurre (1998) como um produto social, quando na ocasião o

referido autor diferencia língua e fala.

Vários pesquisadores se ocupam de estudar a língua e suas relações com a sociedade ou que

influências esta poderia ter sobre aquela. Para Schleicher apud Alkmim, o desenvolvimento da

linguagem era comparado ao de uma planta que nasce, cresce e morre segundo as leis físicas.

Ainda de acordo com o referido linguista: “Cada língua é o produto da ação de um complexo de

substâncias naturais no cérebro e no aparelho fonador” e ainda discorre que [...] “a língua é o critério

mais adequado para se proceder à classificação racional da humanidade” (p. 23).

Diante de tais proposições, parte-se do principio de terem língua e sociedade uma estreita relação

entre si, e que a língua é um produto social, sofrendo fortes influências da sociedade. A partir do

século XX, a linguística passa a ter um papel importante na relação linguagem e sociedade.

Ferdinand Saussure por ocasião define a língua, por oposição à fala como o objeto central da

Línguística.

Para Saussure (1977), a língua seria um sistema invariante, ou seja, o referido autor optou por

trabalhar com a língua como abstração, deixando de lado as variações da fala. Ainda

embasando-nos nas concepções de Saussure, a língua é um fato social, no sentido de que os

indivíduos a adquirem como sistema convencional através de suas relações e convívios sociais.

Tarallo (1994) afirma que Saussure tinha a consciência sobre a importância de natureza etnológica,

histórica e política da língua, mesmo apesar de seus estudos terem sido embasados para o

organismo linguístico interno, já que reconhecia a língua como um produto homogêneo, invariável e,

portanto, sua análise partia da observação como comportamento linguístico de um indivíduo.

Bakhtin (1929 ) faz uma crítica a Saussure ao dizer que

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação morfológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal realizado através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.

Em meados do século XX, mais especificamente na década de 1950, com os pesquisadores William

Bright e Fishman o aspecto concreto da língua passa a ser considerado, ou seja, a fala. Bright então

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afirma que é de seu interesse ter como objeto de estudo a diversidade linguística, e ainda observou

as diferenças de esfera social na língua. Este autor divulgou a sociolinguística, porém estudos

sistematizados apenas foram realizados mais tarde com os estudos de William Labov.

A língua não pode ser entendida como individual, ao contrário, ela é social. Labov discorda de

Saussure, Chomsky e outros que defendem uma homogeneidade na língua e ignoram a

heterogeneidade na língua (FIGUEROA, 1996). Para o referido autor a língua é um fato social e

heterogêneo. Ele defende as variações linguísticas e não a língua como sendo homogênea e

invariável.

Labov, com seus estudos sistematizados, observava como as diferenças de esferas regionais e de

classes influenciavam diretamente na língua. Ele foi o precursor da sociolinguística, um ramo da

linguística. Desta forma a Sociolinguística se estabelece enquanto o ramo da linguística que estuda

a língua partindo do ponto de vista de sua relação com a sociedade, seja no sentido de um recorte

regional, social ou histórico. De acordo com Monteiro (2000), o objeto de estudo desta disciplina é a

diversidade linguística. Nesse sentido, Mollica (2008, p. 7) caracteriza a sociolinguística como

[...] uma das subáreas da Linguística e estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais. Esta ciência se faz presente num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando precipuamente os empregos linguísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo.

Segundo Figueroa (1996), quando dizemos ser a sociolinguística o estudo da língua em seu

contexto social, isso não pode ser interpretado de maneira incorreta. A Sociolinguística de Labov

não é uma teoria da fala, nem o estudo do uso da língua com o propósito exclusivo de descrevê-la,

mas o estudo do uso da língua no sentido de verificar o que ela revela sobre a estrutura linguística e

suas variações.

Partindo desse pressuposto, como todas as demais ciências, a Sociolinguística oferece vários

modelos teórico-metodológicos com o objetivo de investigar a variação da mudança. Uma das

linhas mais conhecidas e adotadas é a Teoria da Variação ou Teoria Variacionista que, “[...]

instrumentaliza a análise sociolinguística” (MOLLICA; BRAGA, 2003). As autoras afirmam, ainda,

que “À sociolinguística interessa a importância social da linguagem, desde pequenos grupos

socioculturais a grandes comunidades” (p. 47).

Nesse contexto, a Sociolinguística Variacionista tem seu foco na descrição estatística de

fenômenos variáveis, e essa descrição permite a observação da interferência de fatores linguísticos

ou não na realização das variantes. O modelo Laboviano para esta Teoria propõe que a variação

linguística é uma condição do sistema linguístico e ainda afirma que as variantes da língua não

ocorrem de forma aleatória, mas pelo contrário possuem um certo grau de regularidade e mais

ainda, estão sempre relacionadas a fatores sociais

A variação linguística, quando entendida como um princípio geral e universal das línguas, de forma

que pode ser descrita e analisada, serve de pressuposto para a sociolinguística que se refere ao

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fato de que toda variação é motivada tanto por fatores internos ao sistema linguístico, quanto por

fatores externos.

[...] podemos esperar que os fatores sociais estejam profundamente envolvidos na atuação do por que o estudo se fez em um lugar especial, no tempo e no espaço...o nosso primeiro problema é o de determinar os aspectos do contexto social da língua, que estão conectados com mudança linguística... Seria, portanto, correlacionar os nossos dados linguísticos com as medidas de posição social ou comportamento podendo ser repetido em outro ponto no tempo (LABOV, 1972, p. 47).

No que concerne à variação relacionada ao seu uso, ou seja, a linguística centrada no uso, segundo

Tomasello apud Martelotta, como o próprio nome diz: “[...] seria uma modalidade de estudo da

língua em que considera haver uma relação estreita entre a estrutura das línguas e o uso que os

falantes fazem delas nos seus contextos reais de comunicação” (p. 55). Ainda de acordo com os

pressupostos de Martelotta (2011, p. 60) “[...] os falantes tendem a adaptar sua fala aos diferentes

contextos de comunicação, o que significa que as regras mais gerais que emergem a partir das

operações do sistema são ativadas em combinação com eventos específicos de uso”.

Desta forma, os sujeitos veem significado e a necessidade de adaptação de suas falas, em

referência ao seu contexto social, ou seja, a realidade em que estão inseridos. Os falantes veem

significados em termos nem sempre comuns ao outros em função de suas necessidades de

comunicação e de seu contexto social.

Desse modo, o objetivo desta pesquisa é analisar o entendimento de termos técnicos jurídicos de

cunho processual penal, pelos detentos da Cadeia Pública da cidade de Tombos/MG. No que diz

respeito a termos relacionados ao dia a dia dos detentos e que nem sempre são termos utilizados

em uma comunidade de fala que não esta inserida neste contexto. Além de ressaltar a

exteriorização de tal conhecimento realizada a partir da confecção de petições de cunho processual

penal, elaboradas pelos próprios detentos, e endereçadas à Vara das Execuções Criminais, a fim

de obter benefícios durante o cumprimento de sua pena privativa de liberdade.

UTILIZAÇÃO DE TERMOS TÉCNICO-JURÍDICOS PROCESSUAIS PENAIS

PELOS INTERNOS DA CADEIA PÚBLICA DE TOMBOS/MG: ANÁLISE DA

LINGUAGEM ORAL.

A partir de leituras sobre a Sociolinguística e do resultado da pesquisa de campo realizada na

cadeia pública de Tombos/MG, destacam-se algumas variações linguísticas ocorridas entre os

reeducandos quanto ao uso e entendimento de termos jurídicos.

Cabe informar que o questionário aplicado aos dez reeducandos envolveu termos de cunho técnico

processual penal, que são normalmente apenas usados entre os estudantes e operadores do

direito. São eles: remição de pena, saída temporária, livramento condicional, sentença condenatória

transitada em julgado, progressão de regime e casa do albergado.

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De maneira geral o que se observou, é que os reeducandos, mesmo aqueles com pouca instrução

escolar, compreendem e passam a utilizar tais termos normalmente, notadamente aqueles que

visam ser agraciados com algum tipo de benefício no cumprimento da pena.

Notou-se que a grande maioria, quase em unanimidade, entende o significado de termos definidos

pela Lei de Execuções Penais, nº 7.210/84, como por exemplo, remição, como sendo a diminuição

de um dia de pena para cada três dias trabalhados, conforme o estabelecido no artigo 126 e

seguintes da LEP. Sabem ainda que saída temporária, significa autorização para sair do

estabelecimento em que cumprem pena, por até sete dias, desde que respeitado o intervalo de

quarenta e cinco dias, de acordo com o compreendido no artigo 122 e seguintes da legislação em

epígrafe. Compreendem livramento condicional como a antecipação de liberdade do condenado,

desde que cumpridas determinadas condições durante um certo tempo, segundo o que reza o artigo

131 e seguintes da lei de execuções penais. Além de terem conhecimento de que sentença

condenatória transitada em julgado é aquela para a qual não é cabível nenhum recurso. Têm

ciência de que progressão de regime denota passar de um regime mais rigoroso, tal como o regime

fechado, para um menos rigoroso, por exemplo, para o regime semiaberto. E ainda que casa do

albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto e limitação

de fim de semana, de acordo com o artigo 93 e seguintes da legislação em comento.

Aqueles que não estão inseridos em meios de segregação, normalmente não conseguem alcançar

tais significados, visto que não são termos utilizados habitualmente no meio em que se encontram,

a teoria variacionista sociolinguística consegue explicar tal compreensão pelos detentos tendo em

vista o meio social em que se encontram, muitas vezes, tendo que se comunicar com operadores do

direito, tais como advogados, promotores e juízes, passando a ter contato com termos novos para

ter, então, seu modo de se expressar, mas que passam a ter maior importância no cumprimento de

sua pena, daí a necessidade de compreender tais termos processuais penais.

De maneira geral, as análises apontaram para o fato de que a língua não varia de forma

desestruturada, há uma explicação para a variação, e ainda de que termos de uso tão restrito dos

operadores do direito passam a ser corriqueiros entre aqueles que têm sua liberdade restringida, e é

possível notar que mesmo entre leigos, há o uso de tais termos extremamente técnicos, causando

um desapercebido enriquecimento vocabular dos reeducandos.

PETIÇÕES ESCRITAS POR DETENTOS DA CADEIA PÚBLICA DE

TOMBOS/MG.

É de grande valia que os detentos compreendam os termos técnicos processuais penais que regem

a execução de sua pena privativa de liberdade, mas de nada adiantaria tal conhecimento sem que

este alcançasse as mãos dos julgadores, no caso em epígrafe, as Varas de Execuções Criminais. O

presente capítulo visa analisar esse direito de petição, tão comum em diversos Juízos da Execução.

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A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é de fato a lei magna do sistema

brasileiro, ela traz os embasamentos políticos, a estrutura do país, os deveres, os direitos genéricos

e básicos que guiam o Brasil.

Vale ressaltar que o artigo 5º da Carga Magna elenca os direitos e garantias individuais

assegurados a todos os brasileiros, em contrapartida, elencando um rol de limitações aos cidadãos.

É de se destacar a profunda ligação entre o Direito Constitucional de o Direito Penal pátrio, tendo

em vista que o primeiro rege e fundamenta o segundo. Conforme pontua Mauricio Antonio Ribeiro

Lopes (2000, 175):

O Direito Penal funda-se na Constituição, no sentido de que as normas que o constituem ou são elas próprias normas formalmente constitucionais ou são autorizadas ou delegadas por outras normas constitucionais. A Constituição – como regra geral – não contém normas penais completas, isto é, não prevê condutas nem as censura através de penas ou medidas de segurança, mas contém disposições de Direito Penal que determinam em parte o conteúdo de normas penais.

No que tange especificamente aos detentos, seus direitos são garantidos pela Magna Carta, pelo

Código Penal, e mais de detalhadamente pela Lei 7.210/84, nominada por Lei de Execução Penal,

ou simplesmente conhecida no meio jurídico e prisional por LEP.

Quando alguém transgride normas de cunho penal, nasce para o Estado o dever de punir, no

entanto, não há que se levar em conta punições ilimitadas e apartadas de princípios. Deve-se

considerar que o reeducando é sujeito de direitos, não podendo simplesmente rechaçá-lo da

sociedade, vez que ele ainda é parte integrante desta. Deve-se embasar a aplicação da pena

visando sua reinserção ao meio social, respeitando sua condição de pessoa humana titular de

direitos e deveres no ordenamento legal.

Mister ressaltar que incidentes da Lei de execuções penais, tais como remições, liberdade

provisória, progressão de regime e outros, são decididos pelo Poder Judiciário, com fulcro no

Princípio da Jurisdicionalidade, para que se garanta o Devido Processo Legal, e não haja supressão

de direitos do Detento. Conforme salienta Mirabete (2004):

[...]é preciso que o processo de execução possibilite efetivamente ao condenado e

ao Estado a defesa de seus direitos, a sustentação de suas razões, a produção de suas provas. A oportunidade de defesa deve ser realmente plena e o processo deve desenvolver-se com aquelas garantias, sem as quais não pode caracterizar-se o “devido processo legal”, princípio inserido em toda Constituição realmente moderna.

O presente capítulo deste estudo visou analisar o funcionamento na prática do Direito de petição

dos detentos às autoridades judiciárias. Tal direito encontra embasamento jurídico no artigo 41,

inciso XIV da Lei 7.210/84, segundo o qual “constituem direitos do preso: XIV – representação e

petição a qualquer autoridade, em defesa de direito.”

Este Direito de Petição, encontra o alicerce constitucional no artigo 5º, que reza em seu inciso

XXXIV: “são a todos assegurados, independente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos

Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder.”

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A respeito de tal direito, leciona Jorge Miranda (2000, p. 278) que “o direito de petição enquanto

instrumento de defesa dos direitos fundamentais pode ser considerado um direito natural”.

Corrobora esse entendimento, o Ilustre Mestre José Afonso da Silva ao declarar:

O direito de petição define-se „como o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou situação‟, seja para denunciar uma lesão concreta, e pedir a reorientação da situação, seja par solicitar uma modificação do direito em vigor no sentido mais favorável à liberdade.

Levando-se em conta que a maioria da população carcerária não possui recursos para contratar

defensor e diante da inexistência da Defensoria Pública em muitas comarcas, como é o caso da

Cidade de Tombos. Embasado na garantia constitucional, o detento ao valer-se do entendimento de

que faz jus a algum benefício em sede de execução criminal, endereça sua petição ao Juízo da

Execução, estando a autoridade destinatária obrigada a receber, analisar e decidir a respeito da

solicitação requerida, sendo passível, inclusive, de ter contra si um Mandado de Segurança, em

caso de omissão, pela violação de direito líquido e certo do reeducando.

Dentre os detentos são conhecidos termos tais como catatau, catu ou falante que são usados para

designar as petições escritas pelos próprios reeducandos, para que a Autoridade Judiciária aprecie

suas solicitações, tais como progressão de regime, saída temporária, livramento condicional, dentre

outros. Destaque-se que apenas com base em ensinamentos da sociolingüística variacionista, é

que os detentos inicialmente tem alcance dos significados de forma oral de tais termos processuais

penais relativos à execução criminal. Tais embasamento sociolingüístico afirma que a linguagem é

suscetível à influência do meio e que o detento usa da variação e consequente compreensão da

linguagem, notadamente dos termos técnico-jurídicos, para se valerem de institutos beneficentes ao

cumprimento de sua pena.

Sendo assim, os próprios detentos tomam a iniciativa de providenciar o andamento de sua

Execução Penal, não deixando apenas à mercê do Magistrado, Ministério Público ou de advogado,

sendo que muitas das vezes seu patrono é um defensor dativo, que só solicitará alguma mudança

nos rumos da pena do reeducando, se solicitado pelo próprio detento. Assim, o preso, pautado no

seu direito de peticionar, embasado no enriquecimento vocabular processual penal adquirido

graças à influencia sofrida pelo meio em que se encontra, vai em busca da concessão de direitos

que lhe são garantidos em sede constitucional e por lei ordinária.

Ressalte-se o sucesso dessa prática, vez que possibilita de forma simples e rápida o acesso dos

Reeducandos ao Poder Judiciário , para a defesa de direitos ou combate a ilegalidades ou abuso de

poder, com a conseqüente desburocratização da Execução Penal.

Foram anexados ao presente estudo, algumas petições elaboradas por detentos da Cadeia Pública

de Tombos, remetidas à Vara das Execuções Criminais da Comarca da mesma cidade. Vale

ressaltar que as solicitações mais comuns dos reeducandos são relativas à saída temporária, visto

que é um direito que cabe ao preso dentro de um intervalo de 45 dias, desde que se encontre em

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regime semiaberto de cumprimento de pena, e que tenha bom comportamento, devidamente

declarado em atestado carcerário.

Encontra-se também em anexo, uma petição elaborada por um detento, dirigida diretamente ao

Superior Tribunal de Justiça, demonstrando novamente conhecimento de termos técnicos

processuais penais e da existência de um órgão superior de julgamento dentro do Poder Judiciário,

o que hodiernamente apenas é da ciência de estudiosos e aplicadores do direito, reforçando mais

uma vez a idéia de que há o surgimento de variações linguísticas por influência do fator social no

qual estão inseridos os detentos.

Ressalte-se que para a preservação da identidade dos reeducandos subscritores das solicitações,

foram apagados das cópias das petições qualquer referência quanto ao seu nome, identificação do

magistrado e número dos autos processuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises realizadas durante a produção deste artigo apontaram para a seguinte questão: a

linguagem é suscetível à influência do meio.

A variação da língua dos internos prova que o contexto muda a linguagem e pelo olhar

sociolinguístico observa-se que o homem é um ser historicamente situado. O detento usa tal

variação que possibilita seu enriquecimento vocabular com termos técnicos jurídicos de cunho

processual penal, a fim de se inteirar dos benefícios e punições que pode receber durante o

cumprimento de sua pena.

A linguagem é influenciada pelo contexto, no caso dos presidiários, observa-se que a privação da

liberdade acaba por induzir à utilização de termos jurídicos, que são, em sua grande maioria, de

desconhecimento total da grande parte da sociedade.

Pode-se afirmar que o presente estudo visou realizar algumas observações acerca da linguagem

dos presos, principalmente com enfoque ao vocabulário processual penal e ainda ressaltar que a

exteriorização desse novo vocabulário técnico processual adquirido no meio em que estão inseridos

ocorrem através das petições escritas pelos próprios detentos (catataus) e remetidas às

autoridades judiciárias. Sendo possível observar que o aprendizado de termos tão técnicos são

utilizados pelos reeducandos a fim de obter benefícios na esfera da Execução Criminal, no que

tange ao cumprimento de sua pena privativa de liberdade.

Devendo-se destacar o sucesso dessa prática, vez que possibilita de forma simples e rápida o

acesso dos Reeducandos ao Poder Judiciário , para a defesa de direitos ou combate a ilegalidades

ou abuso de poder, com a conseqüente desburocratização da Execução Penal.

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SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística geral. São Paulo, Cultrix, 1977. (título original, 1916).

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros,

2003.

TARALLO, Fernando. A pesquisa Sócio-Lingüística. 4ª. Edição. Ática. 1994

TOMASELLO, Michael. Constructing a language: a usage-based theory of language

acquisition. Cambridge/ London: Harvard University Press, 2003.

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ANEXO I

O presente questionário destina-se ao artigo: A questão da utilização de termos técnicos processuais penais por detentos

sob a ótica da sociolinguística variacionista, com a finalidade de coleta de dados, para o Mestrado em Cognição e

Linguagem – UENF.

Nome: ___________________________________________________________________

Idade: ________________________

Tempo de detenção: _____________

Grau de escolaridade: ( ) fundamental completo; ( ) fundamental incompleto – 1ª à 4ª série; ( )fundamental

incompleto – 5ª à 8ª ( )ensino médio completo; ( )ensino médio incompleto.

O que você entende por:

1. Remição de pena:

( ) Diminuir 1 dia de pena para cada 5 de trabalho;

( ) Diminuir 1 dia de pena para cada 3 de trabalho;

( ) Aumentar 1 dia de pena para cada 3 dias de trabalho.

2. Saída Temporária:

( ) Autorização para sair do estabelecimento em que cumpre pena por até 7 dias, respeitando o intervalo de 45 dias;

( ) Autorização para sair do estabelecimento em que cumpre pena por até 10 dias, respeitando o intervalo de 30 dias.

3. Livramento Condicional:

( ) Antecipação de liberdade do condenado, desde que cumpridas determinadas condições durante um certo tempo;

( ) Antecipação de liberdade do condenado, sem a necessidade de cumprimento de nenhuma condição.

4. Sentença Condenatória Transitada em Julgado

( ) Sentença que cabe recurso;

( ) Sentença que não mais cabe recurso.

5 Progressão de Regime

( ) Passar de um regime mais rigoroso (por exemplo: fechado) para o um menos rigoroso (por exemplo: semiaberto);

( ) Passar de um regime menos rigoroso (por exemplo: semiaberto) para um mais rigoroso (por exemplo: fechado).

6. Casa do Albergado

( ) Destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto e limitação de fim de semana;

( ) Destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime semiaberto;

( ) Destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado.

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ANEXO II

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ANEXO III

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ANEXO IV