A QuestãO Da Palestina

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A Questão da Palestina L. Vatolina Primeira Edição: ...... Fonte: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política nº 14 - Outubro de 1948 . Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo , Julho 2007. Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License. A Palestina é um país agrário. É fraco seu desenvolvimento industrial. Aproximadamente 67% de sua população (1.912.000 habitantes, dos quais 1.143.000 Árabes e 600.000 Judeus) (1) ocupam-se na agricultura. Entretanto, a superfície de suas terras de cultura é muito restrita, não ultrapassando 8.000 quilômetros quadrados numa extensão total de 26.000 quilômetros quadrados. A densidade média da população é de 73 habitantes por quilômetros quadrado.

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A Questão da Palestina

L. Vatolina

Primeira Edição: ...... Fonte: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política nº 14 - Outubro de 1948 .

Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, Julho 2007.Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente

garantida nos termos da GNU Free Documentation License.

A Palestina é um país agrário. É fraco seu desenvolvimento industrial.

Aproximadamente 67% de sua população (1.912.000 habitantes, dos quais

1.143.000 Árabes e 600.000 Judeus)(1) ocupam-se na agricultura. Entretanto, a

superfície de suas terras de cultura é muito restrita, não ultrapassando 8.000

quilômetros quadrados numa extensão total de 26.000 quilômetros quadrados.

A densidade média da população é de 73 habitantes por quilômetros quadrado.

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A quem pertencem as terras? Perto de 45% dessas terras estão

concentradas nas mãos dos senhores feudais árabes, mais de 20% pertencem

aos fundos de colonização judaicos, que os cedem em arrendamento a longo

prazo aos colonos individuais e às cooperativas agrícolas judaicas(2); uma outra

parte é controlada pelas grandes sociedades judaicas e pela comunidade

religiosa muçulmana dos Vecufs.

Assim, os camponeses árabes, em sua grande massa, só dispõem de

pequenos pedaços de terra, que obtêm, por arrendamento, dos grandes

proprietários árabes os quais lhes impõem uma espécie de servidão. Quanto aos

camponeses sem terra, esses são também explorados nas plantações da

burguesia judaica.

No que se refere aos fundos de colonização judaica, a revista "Eretz Israel"

publicou índices relativos à atividade do mais importante entre eles, o "Kerem

Hassoyed", órgão financeiro da Agência Judaica(3) que, em 24 anos de

existência, recolheu 13 milhões de libras esterlinas entre os Judeus da Europa e

sobretudo da América, para a compra de terras na Palestina. Atualmente, dos

170.000 hectares aproximadamente, de que dispõe a população judaica na

Palestina, 30% pertencem ao "Kerem Hassoyed". E contam-se por dezenas de

milhares os proprietários árabes que perderam suas terras, devido à aquisição

das mesmas pelas sociedades de colonização judaica, ligadas ao Banco

Rothschild de Londres, assim como a outros bancos internacionais.

Além disso, graças aos créditos de que dispõem, em razão dessas ligações,

as plantações judaicas são munidas de equipamento técnico moderno enquanto

que as pequenas explorações árabes empregam, na sua maioria, métodos

primitivos de lavoura. Estas últimas cultivam principalmente cereais, que

servem para o consumo interno do país; aquelas cultivam especialmente ameixa

principal produto comercial do país e que é exportado para os Estados Unidos.

Já vimos que é fraco o desenvolvimento industrial da Palestina. A indústria

existente é sustentada por capitais ingleses, americanos, e, em pequena parte,

judeus, investidos principalmente na produção de potassa, de soda e de energia

elétrica, assim como na transformação do petróleo.(4) Quanto às empresas

industriais médias, essas pertencem, em grande parte, à burguesia judaica

imigrada. Graças à imigração dos operários judeus, que se produziu

principalmente durante os últimos anos, a experiência dos métodos modernos

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de produção difundiu-se nessa indústria, ao mesmo tempo em que se ampliava

o mercado interno.

A Imigração Judaica

Foi no período compreendido entre as duas guerras que se tornou mais

forte a imigração judaica na Palestina. Nos vinte anos que decorreram após a

obtenção do mandato sobre a Palestina, pela Inglaterra, de 1919 a 1939,

400.000 imigrantes judeus instalaram-se naquele país. Foi assim que a

composição da população modificou-se da seguinte maneira no decorrer desse

período: em 1919, contavam-se 65.000 judeus num total de 648.000 habitantes;

em 1939, contavam-se já 446.000 judeus num total de 1.502.000 habitantes;

em 1946, 600.000 em 1.800.000.

Ao mesmo tempo, aumentava consideràvelmente o afluxo dos capitais. Em

20 anos, 575 milhões de dólares foram investidos na Palestina, dos quais três

quarta partes a favor da burguesia judaica, sendo uma parte utilizada na

compra, para os imigrantes, das terras dos "felahs", enquanto a maior parte era

investida no comércio e na indústria. Como essa colonização das terras árabes

pelos Judeus poderia ter deixado de agravar consideràvelmente a tensão árabe-

judáica? Depois da ida de Hitler ao poder, do aguçamento da perseguição aos

judeus na Alemanha e das conseqüências da crise econômica na Europa, o

número dos imigrantes passou de 5.200 em 1929, 4.900 em 1930, 4.000 em

1931, 9.500 em 1932, a 33.300 em 1933, 42.300 em 1934 e 61.800 em 1936(5).

Nessas condições, como poderiam os Árabes deixar de temer a possibilidade de

se tornarem, um dia, minoria? Tanto mais que a Inglaterra excitava

artificialmente e explorava, para seus próprios fins imperialistas, a discórdia

árabe-judáica.

Indústria, Comércio e Finanças

Por mais fraca que seja, a indústria da Palestina, que trabalhou durante a

guerra, para as necessidades militares da Grã-Bretanha, desenvolveu-se, então,

consideràvelmente. Foi assim que o valor global da produção passou de 10

milhões de libras esterlinas em 1939 a 36 milhões em 1943. A percentagem da

população empregada na indústria passou, em conseqüência, de 14 em 1931, a

25 em 1942. Várias indústrias novas, trabalhando em parte para a população,

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foram, além disso, criadas no decorrer destes últimos anos: indústrias químicas,

farmacêutica, de silicatos, de conservas, etc.

Isso não altera o fato de que é muito fraco o capital nacional árabe.

Algumas pequenas empresas de transformação dos produtos agrícolas

(indústria do vinho, do sabão, etc.) são as únicas que se acham concentradas nas

mãos da burguesia árabe. É a burguesia judia quem controla a maior parte da

pequena indústria e da média, em particular a indústria de lapidação de

diamantes, que utiliza a matéria prima da União Sul-Africana, e que

recentemente tomou especial desenvolvimento, com a exportação dos

diamantes lapidados para os Estados Unidos. Dessa maneira, segundo os

cálculos da Agência Judaica, a produção das empresas judaicas passou de 9

milhões de libras, em 1937, a 20,7 milhões em 1942, e o número dos operários

que elas empregam passou ao mesmo tempo de 30.000 para 56.000. (6)

O comércio exterior, aliás, representa um papel importante na economia da

Palestina, economia essa que depende, em conseqüência da situação colonial do

país, da importação dos produtos manufaturados. (A balança comercial da

Palestina sempre foi passiva e acha-se coberta pelo produto das exportações

invisíveis, imigração, turismo, peregrinações). O volume total desse comércio

exterior passou, de 1939 a 1944, de 19,7 milhões de libras esterlinas, para 50 8

milhões(7). É conveniente observar, a esse respeito, que, enquanto que antes da

guerra a parte da Inglaterra atingia a perto de 20% nas importações e 50% nas

exportações da Palestina, e o segundo lugar era ocupado pela Alemanha, foram

os Estados Unidos e os países árabe que, durante a guerra, se beneficiaram com

um aumento da sua parte.

Do ponto de vista financeiro, a Palestina depende do capital inglês e

americano (Barclay's Bank, Banco de Hipotecas da Palestina, Banco central das

cooperativas, etc.), com o qual o capital judeu se acha ligado intimamente,

assumindo com frequência o papel de intermediário. Além disso, a Palestina,

durante a guerra, foi, como o Egito e a índia, credora da Inglaterra. A dívida

inglesa para com a Palestina é de 120 milhões de libras.

Uma História de Esperanças Malogradas e deViolências

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O período compreendido entre a primeira e a segunda guerra mundiais, foi

marcado, na Palestina, por uma agravação brusca das contradições internas, por

atritos e choques contínuos entre as autoridades britânicas e a população, por

um lado, e por outro lado entre Judeus e Árabes. A história da Palestina, nos

últimos anos, é uma história de promessas não cumpridas, de esperanças

Malogradas de violências e de ultrajes aos sentimentos nacionais dos dois

povos.

Até 1939, a Inglaterra contava principalmente com a burguesia judaica,

encorajando-lhe as aspirações sionistas. Ao mesmo tempo, fazia tentativas de

aproximação junto aos senhores feudais árabes, e provocava conflitos entre a

burguesia judaica e a grande massa dos camponeses árabes explorados por essa

burguesia e pouco a pouco eliminados de suas terras pela força do capital

judaico.

Assim, longe de criar no país as condições propícias à organização de uma

administração democrática, longe de estimular o desenvolvimento de órgãos

administrativos autônomos, como havia sido previsto pelo mandato, as

autoridades britânicas aplicaram na Palestina uma verdadeira política colonial

imperialista, usando de medidas arbitrárias e pouco se importando com o

direito. O fato de que as despesas com a polícia eram, sem termo de

comparação, as mais importantes do orçamento (18 milhões de dólares

americanos para a "manutenção da ordem", contra 2 milhões, apenas, para a

saúde pública e outro tanto para a educação) dá, aliás, uma idéia dessa política.

E se os ingleses sempre procuraram justificar suas medidas policiais invocando

a "discórdia" nacional e a dificuldade e fazer co-habitar Árabes e Judeus, isso

não passa de uma ironia, pois eram eles que, fieis à sua divisa: "divide et

impera" excitavam o antagonismo e o ódio, açulando os Árabes contra os

Judeus e os Judeus contra os Árabes e provocando periodicamente massacres e

progroms.

Grandes levantes antiimperialistas marcaram, também, a história da

Palestina nessa época, em 1920-21, 1929-33, 1936-38.

Esses levantes foram cruelmente reprimidos pela Inglaterra. Entretanto,

esse desejo de se libertar do domínio da Inglaterra, que persistia na grande

massa dos Judeus assim como nas dos Árabes, constituía o fator principal da

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aproximação entre esses dois povos e representava, portanto, uma ameaça

suplementar para a Inglaterra.

Por isso, o imperialismo inglês perseguia todos os elementos democráticos

e progressistas, apoiando-se ora na direita judia, ora nos meios reacionários

árabes, política que foi seguida tanto pelos governos trabalhistas quanto pelos

conservadores. E as comissões enviadas periodicamente pelo governo britânico

à Palestina, para "examinar a situação" só podiam pretender, nessas condições,

redigir projetos e propor paliativos incapazes de resolver o verdadeiro

problema.

O Livro Branco

Às vésperas da segunda guerra mundial, a Inglaterra reforçou seus

preparativos militares e estratégicos no Oriente-Próximo. Temendo uma

agressão por parte da Itália fascista, assinou um pacto militar com o Egito e se

viu obrigada, em certa medida, a fazer a revisão de sua política relativamente

aos Árabes da Palestina. No Livro Branco, publicado por ela em 1939, tornou-se

visível, com mais precisão, que ela se propunha a adotar uma política "que

levaria em conta os desejos da maioria árabe" e se apoiaria nas camadas sociais

superiores dessa maioria. Acabavam de se realizar, nessa época, importantes

manifestações antiimperialistas, ao mesmo tempo em que se tinham agravado

as relações árabe-judáicas, em conseqüência da intensificação da imigração

judaica.

Em novembro de 1937, os líderes árabes tinham exigido do comissário

inglês na Palestina a formação de uma administração árabe autônoma, a

interdição da venda das terras árabes aos colonos judeus e a interrupção

imediata da imigração judaica. Essas exigências tendo provocado a indignação

da população judia, o governo britânico instituiu uma comissão especial,

dirigida por Lord Pill, para o exame do problema da Palestina. A comissão

recomendou, então, a divisão do país em três partes sendo que uma formaria o

Estado Judaico, outra o Estado Árabe e a terceira ficaria sob controle inglês.

Mas o governo britânico julgou quimérico esse plano e anunciou a convocação

da conferência da Mesa Redonda de 1939, conferência a que tanto os líderes

políticos árabes quanto os líderes políticos judeus recusaram comparecer.

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O Livro Branco fixava da seguinte maneira os planos ingleses a respeito da

Palestina:

1.° — criação, num prazo de 10 anos, de um Estado Palestino

independente, se fosse realizado o acordo entre os Judeus e os

Árabes;

2.° — limitação da imigração judaica, ficando esta fixada, durante

5 anos, em 75.000 pessoas por ano, e, a partir de 1944, submetida

ao consentimento dos Árabes;

3.° — atribuição, ao alto comissário para a Palestina, do direito de

regulamentar e de proibir a transferência das terras de um

proprietário para outro.

A publicação do Livro Branco foi interpretada, não só pelos Judeus da

Palestina, mas também por numerosos ingleses, como o repúdio, por parte da

Inglaterra, dos compromissos assumidos outrora e relativos à criação do Lar

Nacional Judaico. Durante os debates no Parlamento, vários líderes

conservadores e trabalhistas tomaram posição, resolutamente, contra a política

proclamada pelo Livro Branco. O governo britânico anunciou, então, sua

intenção de submeter esse caso ao Conselho da SDN mas o início da segunda

guerra mundial forneceu o pretexto para adiar ainda uma vez a solução desse

problema.

O Problema de Biltmore e a Ação Judaica

Mais tarde, o governo britânico confirmou sua intenção de limitar

estritamente a imigração de judeus, e, a 28 de fevereiro de 1940, foram

publicadas na Palestina novas regras aplicáveis à colonização das terras. O país

era dividido em três partes; numa delas, era proibida a venda da terra aos

Judeus pelos Árabes; em outra, essa venda era limitada e, na terceira, era

admitido o livre povoamento das terras pelos Judeus. Entretanto, essa terceira

zona representava apenas 5% da superfície total do país.

Enquanto isso, a segunda guerra mundial tinha dado muito maior acuidade

ainda ao problema da criação de um lar nacional judaico. O fascismo escrevera

novas páginas sangrentas na história trágica do povo Judeu. Nas câmaras de

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tortura e nos campos de concentração hitleristas milhões de Judeus tinham

sofrido tormentos desumanos e tinham sido exterminados.

Com o início da guerra, afluirá para a Palestina uma imigração judaica

clandestina, com o apoio ativo da população judaica do país. Em face do perigo

representado pela Alemanha fascista, essa população judaica abandonara

provisoriamente a palavra de ordem de luta contra a política formulada no Livro

Branco. Ela contava apresentar novamente suas reivindicações à Inglaterra após

o fim da guerra. De 20.000 a 30.000 judeus serviam em destacamentos das

forças armadas inglesas.(8)

Depois, à medida que ia diminuindo a ameaça da agressão fascista, a

maioria dos judeus de Palestina travou a luta não só contra a administração

britânica mas também contra a Agência Judaica, que representava, naquela

época, o papel de intermediário entre a população judaica e a Inglaterra. Além

disso, em 1942, a maioria dos sionistas da Palestina havia formulado suas

reivindicações no programa de Biltmore. Esse programa pode ser resumido em

três pontos:

1. imigração ilimitada;

2. venda ilimitada das terras;

3. criação de um Estado judaico como objetivo final.

Esse programa se destinava a ganhar, para os sionistas, a massa dos judeus

médios da Palestina.

Entretanto, diante da penetração cada vez mais profunda dos Estados

Unidos no Oriente-Próximo, e diante da resistência reforçada da população

judaica da Palestina ao domínio inglês, tornava-se cada vez mais difícil para a

Inglaterra continuar a política exposta no Livro Branco. Nessas condições, no

momento em que a imigração de judeus só deveria ser admitida com o

consentimento dos Árabes, após haver expirado o período de 5 anos fixado pelo

Livro Branco para a entrada dos imigrantes, a administração inglesa, levando

em conta a situação criada pela guerra, autoriza a continuação da imigração.

Isso se passava na primavera de 1944 e foi no outono do mesmo ano, na véspera

das eleições americanas, que os Partidos Republicano e Democrata dos Estados

Unidos adotaram, com o fim de atrair eleitores, uma resolução a favor,

igualmente, na imigração judaica ilimitada.

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Liga Árabe e Congresso Sionista

Na mesma época, ainda, que a perspectiva próxima do fim da guerra e da

vitória dos Aliados gerou entre os povos dependentes do Oriente árabe a

esperança de ver realizadas as promessas de independência que lhes haviam

sido feitas. Espelhou-se amplamente nesses países o movimento de libertação

nacional. Os meios nacionalistas árabes exigiam com determinação cada vez

maior a evacuação de seus territórios pelas forças inglesas, o reconhecimento de

sua soberania e a instauração de sua independência.

Mas as tendências ultra-nacionalistas, pan-islamistas e pan-arábicas

predominavam entre os nacionalistas árabes, nas camadas superiores da

população, e foram exatamente essas tendências que a diplomacia inglesa

decidiu explorar em seu próprio interesse.

Foi então que se fundou, com o apoio da Inglaterra, a Liga dos países

árabes, por decisão da conferência dos ministros e dos representantes dos

Estados árabes. Tratava-se, no caso, de uma manobra da diplomacia britânica,

que garantira sua influência na Liga, graças aos sentimentos pró-inglêses de

seus membros como Nouri-Said, primeiro ministro do Iraque e secretário geral

da Liga, Azzam-Pacha, representante do Egito. Por intermédio da Liga, a

Inglaterra ficou doravante capacitada a controlar e dirigir a política exterior dos

países árabes.

Sabe-se que a finalidade oficial da Liga é a de coordenar a política

estrangeira dos Estados membros e realizar sua colaboração, em vista de

salvaguardar sua independência nos setores econômico, cultural, social e outros.

Sob essa máscara, entretanto, ela desenvolveu, desde o início, uma política

favorável aos interesses da Inglaterra. No que se refere ao problema da

Palestina, em todo caso, sabe-se como a Liga que é — tomemos nota disso —

uma emanação das camadas sociais superiores dos diferentes Estados árabes,

proclamou sem tardar que a Palestina era um país exclusivamente árabe e

tomou posição contra a imigração dos judeus. Por outro lado, decidiu fortalecer

a imigração na Palestina dos árabes da África do Norte, e tomou, com uma

celebridade que não lhe é habitual, várias medidas tendentes a boicotar as

mercadorias vendidas pelos judeus e a unir os partidos políticos árabes da

Palestina.

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Sem dúvida, o imperialismo britânico se vê obrigado a fazer certas

concessões na política que desenvolve a respeito do Oriente-árabe. Mas tenta

incessantemente reduzir a nada essas concessões, introduzindo-lhes toda

espécie de restrições e de emendas, no sentido de modificar apenas as formas

exteriores de seu domínio. Foi assim que, em seguida à conferência do Partido

Trabalhista na primavera de 1945, conferência de preparação das eleições,

durante a qual foi decidido abandonar inteiramente a política do Livro Branco

(um dos líderes trabalhistas, M. Dalton, pronunciou-se, então, a favor da criação

de um Estado Judaico) o Congresso sionista, que se realizou em Londres no

verão do mesmo ano, adotando uma resolução que exigia a criação, na

Palestina, de um Estado Judaico "uno e indivisível", preveniu a Inglaterra

contra qualquer espécie de "meias-medidas e adiamentos". Apresentava

também várias reivindicações urgentes:

1. — imigração ilimitada dos Judeus na Palestina;

2. — concessão de um empréstimo internacional para auxiliar a

transferência do primeiro milhão de judeus nesse país;

3. — auxílio Internacional para a organização do transporte dos

imigrantes para a Palestina, etc...

Por seu lado, Mr. Truman exigia do governo britânico, pouco tempo depois

do Congresso sionista, a autorização da entrada, na Palestina, de 100.000

Judeus europeus, isso com a finalidade de assegurar o apoio dos judeus tanto

nos Estados Unidos quanto na Palestina, país que o imperialismo americano

conta submeter à sua influência.

Foi então que o governo britânico, sem dar resposta à nota de Truman,

enviou reforços militares para a Palestina, o que provocou, nesse país, uma nova

onda de indignação e de vários atos de terrorismo. Na data aniversaria da

declaração Balfour(9), por exemplo, o "Haganah" organizou greves, dinamitou

trens e provocou perturbações em Tel-Aviv. Em Jerusalém, os terroristas judeus

dinamitaram, nessa época, o grande hotel "O Rei David", onde se encontrava

hospedado o estado-maior das tropas inglesas, e produziram-se, no Cairo, em

Trípoli e em outras cidades árabes, excessos anti-semitas.

Quanto à polícia inglesa, foi também contra a população judaica que,

auxiliada por um exército de 80.000 homens, ela se encarniçou com extrema

crueldade, multiplicando batidas, prisões e perseguições. Não pôde, entretanto,

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destruir os grupos terroristas clandestinos, que desfrutavam o apoio da

população .

O Relatório da Comissão Anglo-Americana de1948

Diante de tal situação, o governo britânico propôs aos Estados Unidos a

organização de uma comissão mista anglo-americana, com o objetivo de

examinar as condições políticas, econômicas e sociais da Palestina. Os Estados

Unidos que, conforme já dissemos, manifestam um interesse todo especial pelo

Oriente árabe em geral e, mais particularmente, pela Palestina, aceitaram. Essa

comissão publicou seu relatório em Londres, a 30 de Abril de 1946.

Convidando o mundo inteiro a "compartilhar da responsabilidade da sorte

dos Judeus vítimas da perseguição fascista" e notando que as manifestações do

anti-semitismo são uma herança direta do fascismo, propunha autorizar a

imediata imigração de 100.000 Judeus na Palestina, e assegurar a autonomia de

toda a população desse país.

Pode-se observar, entretanto, que ela se abstinha de mencionar a esse

respeito, que nem a Inglaterra nem os Estados Unidos combatiam realmente,

eles próprios, o anti-semitismo. O relatório constava ainda que a hostilidade

existente entre os Judeus e os Árabes, e a tendência de cada um desses povos de

assegurar seu domínio pela força, só podia destinar à falência o plano que visava

criar um ou vários Estados independentes, por que esses ficariam expostos ao

perigo da guerra civil. Por essas razões, a comissão recomendava prolongar o

mandato até o estabelecimento da tutela da ONU sobre a Palestina.

Tendo assim reduzido a questão da Palestina à hostilidade entre Judeus e

Árabes, a comissão anglo-americana guardou silêncio sobre a causa principal

dessa tensão: o domínio inglês sobre a Palestina e a existência do sistema do

mandato. Melhor ainda: embora reconhecendo a existência, na Palestina, de

uma "atmosfera de extrema tensão", a recrudescência da imigração clandestina

e o desenvolvimento "sinistro" das formações militares judias, recomendava

prolongar o mandato, o que não podia deixar de exasperar ainda mais tanto, os

Árabes quanto os judeus; os sionistas ficaram descontentes porque o relatório

não preconizava a criação do Estado judeu e os Árabes protestaram porque a

comissão não levara em conta seu desejo de criar uma Palestina árabe.

Page 12: A QuestãO Da Palestina

A conseqüência aliás foi clara: o terrorismo continuou, a administração

inglesa reprimiu sempre com a mesma dureza a imigração clandestina dos

judeus; a população judaica armou-se clandestinamente para sua autodefesa e

os Árabes aplicaram de forma sistemática a decisão da Liga relativa ao boicote

das mercadorias judias, enquanto iam por sua vez preparando formações

armadas.

O Ponto de Vista Soviético

Como se vê, a luta diplomática que se travou em torno da questão da

Palestina sempre foi extremamente completa. A Inglaterra e os Estados Unidos,

com efeito, mascaram constantemente suas verdadeiras intenções nesse setor,

com declarações solenes de toda espécie e com promessas. Essas duplicidade

foi, aliás, relevada em parte, no que se refere à política americana, pelos

documentos confidenciais citados por Burtley Cram em seu livro: "Atrás da

Cortina de Seda". Foi assim que — conforme provam esses documentos — cada

vez que eram feitas promessas aos Judeus, no sentido de resolver o problema da

Palestina, o Departamento de Estado nunca deixava de prevenir imediatamente

aos líderes árabes que não tomassem em consideração essas promessas.

Ao contrário, é muita nítida a posição da União Soviética quanto ao

problema da Palestina. E a União Soviética, país multinacional, onde foi

resolvido com sucesso o difícil problema das nacionalidades, pode falar com

conhecimento de causa. Graças aos sábios princípios da política leninista-

stalinista, sessenta nacionalidades diferentes vivem nos territórios soviéticos,

fraternalmente unidas, substituindo a velha Rússia czarista onde se sucediam os

progroms de judeus e os massacres dos Armênios. Existe, aliás, na URSS, uma

região autônoma judaica.

Tendo dado ao mundo inteiro o exemplo do triunfo de uma justa e eficaz

política das nacionalidades, a URSS não pode permanecer indiferente à sorte

dos povos que estão ainda oprimidos pelo imperialismo. Por isso mesmo, ela

sempre lutou com conseqüência e continua a lutar pelo reconhecimento da

independência dos Egípcios, dos Indonésios e dos outros povos dependentes e

escravizados. E a sorte do infeliz povo judeu, tão maltratado pela guerra, não

pode deixar de despertar sua simpatia.

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Em sua intervenção na sessão especial da Assembléia geral da ONU, A.

Gromyko, representante da União Soviética, examinou várias possibilidades

relativas à futura organização da Palestina. Indicou os seguintes projetos:

1. — formação de um único Estado árabe-judáico, sendo que os dois

povos devem gozar de direitos iguais;

2. — divisão da Palestina em dois Estados democráticos independentes,

um árabe e outro judeu.

A. Gromyko fez ressaltar, a esse respeito, que tanto os Árabes quanto os

Judeus possuem raízes históricas na Palestina e ocupam um lugar importante

na vida econômica e cultural desse país. Qualquer outra solução, desprezando

os direitos legítimos de um ou de outro povo, não poderia, portanto, dar uma

solução eqüitativa ao problema da Palestina, e só traria conseqüências

desastrosas.

Tomando esse fato em consideração, isto é, que a Palestina se tornou a

Pátria dos dois povos, a delegação soviética tinha chegado à conclusão de que "a

solução mais realista do problema seria a criação de um único Estado duplo,

árabe-judáico, independente e democrático". Nesse Estado, que garantiria,

efetivamente, partindo dos princípios democráticos, a igualdade dos direitos e a

colaboração econômica pacífica dos Árabes e dos Judeus, os povos veriam abrir-

se ante seus olhos perspectivas ilimitadas de desenvolvimento cultural e

econômico, para o máximo benefício de toda a população do Estado

democrático bi-nacional. Como o fez ainda notar A. Gromyko, a criação de um

Estado assim constituiria, além de tudo, um fundamento sólido para a co-

habitação pacífica e a colaboração dos Árabes e dos Judeus, não só no interesses

dos dois povos, mas também no da paz em todo o Oriente-Próximo.

Mas a brutal agravação das relações árabe-judaicas, a que hoje assistimos,

por culpa da intervenção estrangeira, só permitiu que fosse encarada a segunda

solução proposta pela delegação soviética, isto é, a divisão da Palestina em dois

Estados, dos quais um, o Estado de Israel, já está formado e reconhecido pela

URSS.

Mas, de um ou de outro modo, e apesar da forte opressão exercida sobre a

opinião pelos agrupamentos ultra-nacionalistas, tanto árabes quanto judeus, e

apesar, também, de toda sorte de subtilezas jurídicas, a União Soviética repele

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resolutamente qualquer projeto de organização da Palestina que não quisesse

levar em consideração os direitos legítimos quer dos Árabes, quer dos Judeus.

Início da página

Notas:

(1) "Bulletin of Current Statistics" — Maio de 1947. (retornar ao texto)

(2) Segundo os índices da Agência Judaica, 25% dos imigrados judeus fixaram-se nos

campos, 75% residem nas cidades. (retornar ao texto)

(3) A função da Agência Judaica foi prevista pelo art. 4, do mandato palestino de 1922 .

Sua finalidade é a de tomar, sob o controle da administração inglesa, todas as medidas

necessárias à criação do lar nacional judaico. (retornar ao texto)

(4) A grande refinaria do "Irak Petroleum Co.", em Haifa, transforma cerca de dois

milhões de toneladas por ano. (retornar ao texto)

(5) John Marlowe "Rebellion in Palestine" — 1946. (retornar ao texto)

(6) "Great-Britain and Palestine, 1915-1945" Royal Institute of International affaírs,

London, 1946, pág. 79. (retornar ao texto)

(7) Obra citada, pág. 80. (retornar ao texto)

(8) Segundo as informações do representante oficial da Agência Judaica, o Dr. Haim

Weizman, e o líder do Partido Sionista da Palestina, David Ben-Hurion, mais de 30.000

judeus auxiliaram a Grã-Bretanha a combater o fascismo. (retornar ao texto)

(9) Declaração pela qual, em 1917, o governo inglês prometia a criação de um lar

nacional judaico na Palestina. (retornar ao texto)