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93 RESUMO A QUEDA DO MURO DE BERLIM: UM ESTUDO COM FONTES BRASILEIRAS 1 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 93-110, out. 2010 Recebido em 30 de setembro de 2009. Aprovado em 7 de novembro de 2009. Carlos Federico Domínguez Avila I. INTRODUÇÃO Desde sua construção, em agosto de 1961, o muro de Berlim sempre foi identificado com o governo do Partido Socialista Unificado da Ale- manha (SED, na sigla em alemão) e especifica- mente com Walter Ulbricht e Erich Honecker. O máximo símbolo da divisão da cidade de Berlim, da Alemanha, do continente europeu e, em certo sentido, do conflito da Guerra Fria era justificado pelos dirigentes comunistas germano-orientais sob o argumento de proteger a economia da Repúbli- ca Democrática da Alemanha (RDA) do saqueio, do contrabando e da especulação – além de con- trolar a população e evitar a fuga em massa de trabalhadores qualificados para o setor oeste da cidade, território da República Federal da Alema- nha (RFA). Em 1971, Erich Honecker assumiu o cargo de primeiro secretário do SED, tornando- se, de fato, o chefe de Estado da RDA até sua O artigo explora os acontecimentos que resultaram na queda do muro de Berlim, bem como algumas das suas mais importantes conseqüências, inclusive no que diz respeito à reunificação alemã, em 1990. O texto utiliza prioritariamente fontes primárias resgatadas no Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exte- riores do Brasil – após vários anos de resguardo legal. Também são utilizadas fontes secundárias – isto é, literatura especializada na temática publicada no Brasil e no exterior. Analiticamente o artigo constata a transcendental relevância da queda do muro de Berlim e eventos subseqüentes, tanto na própria Alemanha, quanto na Europa e no mundo. Nessa linha, o texto alude ao colapso político e econômico da República Democrática da Alemanha (RDA), aos atores fundamentais que levaram ao esboroamento do muro, aos condicionantes domésticos, inter-alemães, europeus e globais que incidiram no processo de reunificação da nação alemã e aos dilemas específicos da cidade de Berlim no contexto geral da reunificação germânica. O trabalho inclui uma pós-data de novembro de 2009, em que se comenta brevemente as comemorações do vigésimo aniversário da queda do muro de Berlim. PALAVRAS-CHAVE: República Democrática da Alemanha; Berlim; Guerra Fria; reunificação alemã; Re- pública Federal da Alemanha. “renúncia”, em 17 de outubro de 1989 (MONIZ BANDEIRA, 2001) 2 . Mesmo com o abrupto e inesperado fim do seu governo, todas as fontes consultadas – tanto primárias como secundárias – sugerem que a era Honecker foi caracterizada por considerável di- namismo econômico, estabilidade política – ainda 1 O autor do artigo agradece os comentários dos doutores Amado Luiz Cervo e Lídia de Oliveira Xavier. Igualmente, agradecem-se as observações e recomendações dos dois pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política que avaliaram o texto ora publicado. 2 Cumpre reconhecer que o artigo privilegia uma perspec- tiva teórico-metodológica de pesquisa histórica. Procura- se um mínimo de originalidade ao considerar prioritariamente as fontes primárias – isto é, documenta- ção político-diplomática legalmente resguardada em um sig- nificativo arquivo brasileiro. Paralelamente, vale destacar que a literatura disponível sobre a queda do muro de Berlim, tanto a publicada no Brasil quanto no exterior, registra de forma abrangente o acontecimento e principalmente suas implicações. Porém, pouquíssima literatura fundamenta- se em pesquisa com documentação de arquivos históricos. Convém adiantar, também, que o texto não coloca como problema a questão das relações bilaterais do Brasil com a RDA, com a RFA ou com a Alemanha reunificada – essa tarefa fica pendente para futuras investigações. Mesmo assim, entende-se que os depoimentos dos diplomatas bra- sileiros são importantes e merecem ser trabalhados, inclu- sive para uma melhor compreensão do fenômeno e para complementar o conhecimento científico disponível sobre um acontecimento de interesse virtualmente global.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 93-110 OUT. 2010

RESUMO

A QUEDA DO MURO DE BERLIM:UM ESTUDO COM FONTES BRASILEIRAS1

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 93-110, out. 2010Recebido em 30 de setembro de 2009.Aprovado em 7 de novembro de 2009.

Carlos Federico Domínguez Avila

I. INTRODUÇÃO

Desde sua construção, em agosto de 1961, omuro de Berlim sempre foi identificado com ogoverno do Partido Socialista Unificado da Ale-manha (SED, na sigla em alemão) e especifica-mente com Walter Ulbricht e Erich Honecker. Omáximo símbolo da divisão da cidade de Berlim,da Alemanha, do continente europeu e, em certosentido, do conflito da Guerra Fria era justificadopelos dirigentes comunistas germano-orientais sobo argumento de proteger a economia da Repúbli-ca Democrática da Alemanha (RDA) do saqueio,do contrabando e da especulação – além de con-trolar a população e evitar a fuga em massa detrabalhadores qualificados para o setor oeste dacidade, território da República Federal da Alema-nha (RFA). Em 1971, Erich Honecker assumiu ocargo de primeiro secretário do SED, tornando-se, de fato, o chefe de Estado da RDA até sua

O artigo explora os acontecimentos que resultaram na queda do muro de Berlim, bem como algumas dassuas mais importantes conseqüências, inclusive no que diz respeito à reunificação alemã, em 1990. O textoutiliza prioritariamente fontes primárias resgatadas no Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exte-riores do Brasil – após vários anos de resguardo legal. Também são utilizadas fontes secundárias – isto é,literatura especializada na temática publicada no Brasil e no exterior. Analiticamente o artigo constata atranscendental relevância da queda do muro de Berlim e eventos subseqüentes, tanto na própria Alemanha,quanto na Europa e no mundo. Nessa linha, o texto alude ao colapso político e econômico da RepúblicaDemocrática da Alemanha (RDA), aos atores fundamentais que levaram ao esboroamento do muro, aoscondicionantes domésticos, inter-alemães, europeus e globais que incidiram no processo de reunificaçãoda nação alemã e aos dilemas específicos da cidade de Berlim no contexto geral da reunificação germânica.O trabalho inclui uma pós-data de novembro de 2009, em que se comenta brevemente as comemorações dovigésimo aniversário da queda do muro de Berlim.

PALAVRAS-CHAVE: República Democrática da Alemanha; Berlim; Guerra Fria; reunificação alemã; Re-pública Federal da Alemanha.

“renúncia”, em 17 de outubro de 1989 (MONIZBANDEIRA, 2001)2.

Mesmo com o abrupto e inesperado fim doseu governo, todas as fontes consultadas – tantoprimárias como secundárias – sugerem que a eraHonecker foi caracterizada por considerável di-namismo econômico, estabilidade política – ainda

1 O autor do artigo agradece os comentários dos doutoresAmado Luiz Cervo e Lídia de Oliveira Xavier. Igualmente,agradecem-se as observações e recomendações dos doispareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Políticaque avaliaram o texto ora publicado.

2 Cumpre reconhecer que o artigo privilegia uma perspec-tiva teórico-metodológica de pesquisa histórica. Procura-se um mínimo de originalidade ao considerarprioritariamente as fontes primárias – isto é, documenta-ção político-diplomática legalmente resguardada em um sig-nificativo arquivo brasileiro. Paralelamente, vale destacarque a literatura disponível sobre a queda do muro de Berlim,tanto a publicada no Brasil quanto no exterior, registra deforma abrangente o acontecimento e principalmente suasimplicações. Porém, pouquíssima literatura fundamenta-se em pesquisa com documentação de arquivos históricos.Convém adiantar, também, que o texto não coloca comoproblema a questão das relações bilaterais do Brasil com aRDA, com a RFA ou com a Alemanha reunificada – essatarefa fica pendente para futuras investigações. Mesmoassim, entende-se que os depoimentos dos diplomatas bra-sileiros são importantes e merecem ser trabalhados, inclu-sive para uma melhor compreensão do fenômeno e paracomplementar o conhecimento científico disponível sobreum acontecimento de interesse virtualmente global.

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que marcadamente despótica – e significativosavanços culturais, sociais, científico-tecnológicose desportivos em um país de 110 000 quilômetrosquadrados, com uma população de 16 milhões dehabitantes (em 1990) e com um produto per capitade aproximadamente US$ 8 000 – valor inferiorao da RFA, porém entre os mais altos do camposocialista e comparável ao de países como aGrécia, Portugal e Espanha. Para muitos, inclusi-ve para os diplomatas brasileiros lotados em BerlimLeste, a RDA era – ou parecia ser – um dos maisbem-sucedidos exemplos de socialismo realmen-te existente no Leste Europeu.

Um dos principais pilares da era Honecker foia sua estratégia econômico-social. Apoiados empesados subsídios estatais – de aproximadamente60 bilhões de marcos anuais em 1988 –, os diri-gentes comunistas acreditavam firmemente napossibilidade de manter a expansão do consumo,da produtividade e, de modo geral, a expansão doproduto (entre 4 e 5% no Plano Qüinqüenal 1986-1990). Contudo, relatórios procedentes da embai-xada brasileira em Berlim Leste sugerem que des-de 1987 era cada vez mais difícil lograr alcançaras ambiciosas metas e evitar os gravesdesequilíbrios macroeconômicos (dívida externa,déficit comercial, baixo crescimento da RendaNacional Produzida) (ARQUIVO HISTÓRICODO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIO-RES, 1988). Mesmo assim, a política econômicagermano-oriental continuou sendo rigidamenteenquadrada dentro da ortodoxia socialista, negan-do-se a aceitar inclusive as propostas de reformaeconômica – Perestroika ou reestruturação den-tro do socialismo – impulsionadas na União Sovi-ética por Mikhail Gorbachev (MCADAMS, 1988;ADOMEIT, 1990; MONIZ BANDEIRA, 2001).

Paradoxalmente, a negativa de impulsionar re-formas econômicas (e políticas) na RDA era sus-tentada no seu privilegiado relacionamento com aRFA, que se expressava fundamentalmente na“concessão de empréstimos a fundo perdido, do-ações de máquinas e equipamentos modernos, ma-nutenção das principais estradas de rodagem efacilidades no acesso de produtos da RDA (‘madein Germany’) ao Mercado Comum Europeu” (AR-QUIVO HISTÓRICO DO MINISTÉRIO DAS RE-LAÇÕES EXTERIORES, 1989a). Outras fontessugerem que Bonn terminava oxigenando – comsubsídios de aproximadamente três bilhões demarcos ocidentais – o sistema produtivo germano-

oriental e retardando a introdução de reformaseconômicas que, se tomadas no momento certo,poderiam ter permitido a continuidade político-institucional da RDA na década de 1990.

Cumpre acrescentar que Honecker terminourejeitando não somente a introdução de reformaseconômicas na RDA como também questionou aPerestroika impulsionada por Gorbachev na pró-pria URSS e em outros países socialistas – o queirritou profundamente o líder soviético e alentan-do os grupos ortodoxo-stalinistas do bloco, parti-cularmente na Tchecoslováquia, Romênia, Bulgáriae Cuba (MCADAMS, 1988).

Ainda que com uma estabilizada taxa de cres-cimento do produto, a realidade econômica daRDA no inicio de 1989 não parecia desesperadaou à beira do colapso. Percebe-se, sim, nas fon-tes documentais primárias a existência de um de-bate sobre a vinculação entre a formação de pre-ços, a produtividade interna e a manutenção dapolítica de subsídios na RDA. Em fevereiro de1989, informou-se ao Itamaraty que “a discussãosobre a atual situação das subvenções estatais parafins de manutenção do atual nível de preços vemsendo aflorada pelas autoridades Governamentaisdeste país e debatida por professores, sociólogose economistas, com ampla divulgação na impren-sa local”. Na opinião dos diplomatas brasileirosparecia evidente e urgente a necessidade de elevara produtividade dos trabalhadores e os investimen-tos para manter o padrão de consumo do país eos preços dos alimentos, aluguéis e tarifas de ser-viços (ARQUIVO HISTÓRICO DO MINISTÉ-RIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1989b).

No campo político, a estabilidade da eraHonecker era apoiada pela hegemonia do SED eseus parceiros. Até 1989 a oposição política erapraticamente inexistente e a sociedade civil germano-oriental parecia anestesiada ou desestruturada. Si-multaneamente um extenso aparelho policial enca-beçado pelo Serviço de Segurança do Estado – otristemente célebre Stasi – assegurava o controle ea vigilância da população, chegando ao extremo dequebrar lealdades familiares, profissionais e princi-palmente político-administrativas. Em um país ondepraticamente todos os habitantes acabavam sendofuncionários públicos, a lealdade ao partido (SED),ao Estado (RDA), ao líder (Honecker) e eventual-mente à polícia política (Stasi) era condição sinequa non para progredir na carreira profissional ousimplesmente para continuar sobrevivendo. Tal si-

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tuação era tolerada pelos homens mais velhos, queexperimentaram a rudeza do nazismo e da guerratotal, porém era claramente aborrecida e repudiadapelos jovens, que enxergavam poucas perspecti-vas futuras de desenvolvimento humano integral e,além disso, eram continuamente estimulados pelapropaganda econômico-consumista e política oci-dental, em geral, e da RFA, em particular.

Assim, até as celebrações do 1º de maio de1989 a documentação diplomática procedente deBerlim Leste não informava ou identificava qual-quer sintoma de decomposição interna no gover-no Honecker. O que era, sim, aguardado, era asubstituição do chefe de Estado, após quase vinteanos de governo, devido fundamentalmente à pro-gressiva deterioração da sua saúde. Com efeito,de informações obtidas no meio diplomático acre-ditado na capital germano-oriental, o embaixadorbrasileiro Ernesto Ferreira de Carvalho relatou, em14 de setembro, que “Honecker encontra-se já forade perigo de vida, mas, ao que parece, com cân-cer, o que lhe daria um prazo de vida limitado, quepoderia ser de 02 meses a 02 anos” (ARQUIVOHISTÓRICO DO MINISTÉRIO DAS RELA-ÇÕES EXTERIORES, 1989c)3. Acrescente-seque os dois nomes mais cotados para substituí-loeram Egon Krenz e Günter Schabowski. O pri-meiro qualificado como “um seguidor da políticaatual, anti-reformista, mais fechado e duro que opróprio Honecker, e sem a figura carismática da-quele”, isto é, um comunista tradicional de 52 anos.O segundo, de 60 anos, jornalista, casado comcidadã soviética e “amigo do grupo ligado aGorbatchov, de cujas idéias é favorável”, isto é,um comunista reformista ou gorbachovista(ADOMEIT, 1990).

II. ERICH HONECKER NO QUADRAGÉSIMOANIVERSÁRIO DA REPÚBLICA DEMOCRÁ-TICA DA ALEMANHA: O “BAILE DA ILHAFISCAL” DO PARTIDO SOCIALISTA UNI-FICADO DA ALEMANHA?

A RDA foi fundada em 7 de outubro de 1949e, com o motivo do quadragésimo aniversário, as

autoridades do Partido Socialista Unificado da Ale-manha estavam empenhadas em realizar uma im-portante demonstração de prestígio, poderio e in-fluência. Igualmente as comemorações prenunci-avam a inevitável mudança na liderança e o fim daera Honecker – o que certamente era de interessedo partido, do Estado, da sociedade germano-ori-ental e de atores internacionais com vínculos einteresses na Europa Central – particularmente daURSS de Gorbachev e da RFA do chancelerHelmut Kohl (MCADAMS, 1988; ADOMEIT,1990).

Contudo, a partir de 2 de maio de 1989, umconjunto de acontecimentos dentro da RDA e forado país terminaram – intencionalmente ou não –comprometendo não somente os festejos do ani-versário pátrio, como também forçando a renun-cia de Honecker, a queda do muro de Berlim, ocolapso do Estado dos operários e camponeses e,finalmente, a reunificação da nação alemã.

Hertle (2001), Moniz Bandeira (2001) e Gaddis(2005), entre muitos outros autores, bem como adocumentação enviada ao Itamaraty desde a re-presentação brasileira lotada em Berlim Leste, co-incidem em afirmar que os acontecimentossupracitados iniciaram naquele 2 de maio com adecisão do governo reformista da Hungria de des-mantelar as estruturas militares e – virtualmente –abrir sua fronteira comum com a Áustria. A notí-cia da abertura da fronteira austro-húngara bemno inicio das férias de verão na Europa impulsio-nou espontaneamente um grande número de jo-vens – e posteriormente de famílias completas –germano-orientais a tentar o êxodo para a RFA4.Ainda que Berlim Leste tenha reagido e protesta-do, Budapeste decidiu adotar um enfoque essen-cialmente humanitário diante do fluxo de refugia-dos procedentes da RDA – algo semelhante acon-teceu nas semanas seguintes com a entrada degermano-orientais nas embaixadas da RFA emPraga e Varsóvia. E em poucos dias o êxodo dosalemães tornou-se massivo e dramático para umpaís de 16 milhões de habitantes. Observe-se queaté dezembro de 1989 aproximadamente 350 000germano-orientais, principalmente jovens em ida-

4 Parece importante registrar que a política imigratória daRFA com relação aos germano-orientais era extremamentelaxa, e a concessão da cidadania germano-ocidental era pra-ticamente automática para os habitantes da RDA que con-seguiam ingressar em território da RFA.

3 Após a queda do muro de Berlim, Erich Honecker procu-rou refúgio na URSS, até que Boris Yeltsin determinou, em1992, sua extradição para a Alemanha, a fim de responder aprocesso judicial por abusos e desmandos durante seu lon-go governo. Contudo, em 1993, por razões humanitárias,acabou sendo libertado. Honecker passou os últimos diasde vida em Santiago de Chile, onde morava sua segundafilha, e faleceu naquele país em maio de 1994.

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de produtiva, abandonaram seus lares e trabalhosprovocando graves conseqüências econômicas,políticas, sociais, ideológicas e principalmente fa-miliares.

Segundo a documentação diplomática brasi-leira, foi até 8 de setembro de 1989 que o governode Honecker teria reconhecido a existência doêxodo – e qualificando-o de tentativa paradesestabilizar a RDA e empanhar as comemora-ções programadas para 6 e 7 de outubro. Na ava-liação preliminar dos diplomatas brasileiros, “es-ses acontecimentos vêem causando muitaintranqüilidade à população da RDA, especialmentede Berlim, e propiciaram a recente formação deum grupo político, o ‘Neues Forum’, constituídopor cerca de cem intelectuais e profissionais di-versos de todo o país, a maioria deles pertencenteà igreja evangélica, que se propõem estabelecerum novo tipo de diálogo com o governo. Caso asautoridades locais tolerem a existência de talagremiação, que, em princípio, encontra respaldona lei, o ‘Novo Fórum’ será o primeiro grupo po-lítico de oposição na história da RDA, embriãotalvez de um partido político de oposição [...].Somam-se a esses fatos, com mais um elementodesestabilizador, as especulações crescentes so-bre o estado de saúde de Erich Honecker, que hámais [de] dois meses não aparece em público”(ARQUIVO HISTÓRICO DO MINISTÉRIO DASRELAÇÕES EXTERIORES, 1989d).

Em comunicações subseqüentes, a questão doêxodo de germano-orientais continuou sendo abor-dada. Assim, em 6 de outubro, isto é, na vésperadas comemorações do quadragésimo aniversárioda RDA, o embaixador brasileiro ponderou queera “dramática e constrangedora” a saída de jo-vens “deixa[ndo] para trás emprego, casa, famili-ares e amigos, abandonando um país economica-mente bem sucedido, o único, aliás, ao que pare-ce, entre os socialistas, sem miséria e sem fome,mas sem liberdade, sem garantias, sem perspecti-vas de melhor padrão de vida” (ARQUIVO HIS-TÓRICO DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕESEXTERIORES, 1989e).

Cumpre acrescentar que a dramática emigra-ção de significativa parcela da população tambémterminou provocando uma rápida e enérgica rea-ção da até então anestesiada sociedade civilgermano-oriental. Particularmente relevante paraos fins deste artigo é constatar o surgimento deorganizações sociais e políticas anteriormente des-

conhecidas no país, com destaque para o deno-minado “Novo Fórum”, fundado em 9 de setem-bro de 1989, com propósito de impulsionar refor-mas socialistas dentro da RDA (FOUNDINGAPPEAL OF THE NEW FORUM, 1994). Igual-mente importante e inédito – pelo menos desde a(subjugada) insurreição popular de 1953 – foi oinicio, em setembro de 1989, de uma onda de pro-testos urbanos, com epicentro nas cidades deLeipzig e Dresden, e auspiciados pelas igrejas evan-gélicas e católicas.

Incentivados (ou não) por Bonn, o simultâneoêxodo migratório com destino à RFA, o surgimentode grupos políticos oposicionistas, a onda de pro-testos e os preparativos do quadragésimo aniver-sario da fundação do país marcados para 6 e 7 deoutubro colocaram o governo de Honecker – e opróprio regime comunista – em uma delicada en-cruzilhada com duas (ou três) alternativas: 1) ne-gociar com a oposição, procurando-se uma saídademocrática; 2) reprimir a oposição – seguindo oexemplo da denominada solução chinesa, isto é, oviolento enquadramento da oposição e a transfor-mação do país em uma gigantesca cadeia – e/ou 3)derrubar Honecker com um golpe palaciano paraimpor um acelerado programa de reformas se-gundo o modelo gorbachovista. Cumpre acres-centar que, em 26 de setembro de 1989, Honeckerteria autorizado o uso da força – isto é, uma cru-enta solução chinesa em alusão ao massacre napraça de Tiananmen, em Beijing, em 4e5 de junhode 1989 – após os festejos do aniversário da RDA(KRAMER, 1999).

Para o embaixador Ernesto Ferreira de Carva-lho, as comemorações da fundação da RDA ter-minavam sendo o equivalente do “Baile da IlhaFiscal” da monarquia brasileira em 1889. Enquantoo país estava no meio de uma gravíssima convul-são e sua própria existência como Estado inde-pendente começava a ser colocada em dúvida, aliderança da SED festejava as conquistas – reaisou imaginarias – da pátria. Assim, em 6 de outu-bro de 1989, em discurso perante os incondicio-nais, Honecker manifestou, por exemplo, que aRDA era um “posto avançado da paz e do socia-lismo”. Profética ou ilusoriamente garantiu que “aRDA cruzará o umbral do ano 2000 com a certe-za de que o socialismo é o futuro”. Reiterou suarejeição a uma eventual reunificação da nação ale-mã, criticou o revanchismo e o intervencionismode Bonn, condenou o ressurgimento do nazismona RFA, sublinhou as conquistas do bloco socia-

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lista e da China, advertiu contra aqueles que duvi-davam da força e das vantagens do socialismo, econcluiu afirmando candidamente que “em suaquinta década, o Estado dos operários e campo-neses alemães continuará comprovando – medi-ante suas ações para o bem-estar do seu povo emediante seus esforços pela paz, segurança e co-operação internacional – que sua fundação emOutubro de 1949 foi um divisor de águas na his-tória do povo Alemão e da Europa” (ERICHHONECKER ON THE 40TH ANNIVERSARY OFTHE GDR, 1994).

Ao mesmo tempo, a presença de Gorbachevem Berlim e suas recomendações às lideranças doSED – alertando-os de que “Quem chega tardedemais, a vida castiga” (Gorbachev apud MONIZBANDEIRA, 2001, p. 153) – não logrou conter arepressão militar, especialmente em Dresden, ondemais de 1000 pessoas foram arrestadas em 7 deoutubro, e muitas delas foram enviadas para a tris-temente recordada prisão da Stasi em Bautzen(ALTMANN, 1989)5. Contudo a jornada-chavefoi em Leipzig, em 9 de outubro (HERTLE, 2001).Muitos realmente temiam que, após o fim dos fes-tejos do aniversário da RDA e do retorno das de-legações estrangeiras aos seus países de origem,uma repressão violentíssima da oposição desar-mada – isto é, a aplicação da temida solução chi-nesa – fosse efetivamente realizada na cidade-berçodos protestos contra o SED. Observe-se queHonecker tinha assinado, em 26 de setembro, or-dens diretas e secretas para esmagar os revoltosos.E existiam persistentes rumores de que um novoTiananmen aconteceria em Leipzig. Kramer infor-ma que as forças de segurança germano-orientaisdestacadas naquela cidade tinham sido instruídasnos seguintes termos: “Camaradas: de agora emdiante se trata de uma guerra de classes [sociais].Hoje [9.10.1989] tudo será decidido: ou eles ounós. A vigilância de classe é essencial. Se oscassetetes não são suficientes, usem as armas defogo. [Se vocês encontrarem crianças], isso é ruimpara eles. Nós temos as armas, e não as temosem vão!” (KRAMER, 1999, p. 571).

Um apelo, in extremis, das autoridades soviéti-cas, junto com o chamado à prudência da igrejaluterana local, terminou impedindo o massacre dos

manifestantes em Leipzig. Assim, a solução chi-nesa, vivamente respaldada por Honecker e ou-tros integrantes da linha dura do SED, foi definiti-vamente desativada como alternativa para enfren-tar os problemas do país. E uma semana depois,em 17 de outubro, foi anunciada a renúncia deHonecker, por razões de saúde – e obviamentepor incompatibilidade com a dramática realidadepolítica, social e econômica do país6. Para os di-plomatas brasileiros, a saída de Honecker era algoesperado e natural7. Mesmo assim, o grupo linhadura conseguiu impor uma saída elegante para seulíder e confirmar um dos seus integrantes, EgonKrenz, há muito tempo considerado herdeiro na-tural, na Secretaria-Geral do SED.

III. O INTERLÚDIO DE EGON KRENZ, A QUE-DA DO MURO DE BERLIM E O ESBOROA-MENTO DO SOCIALISMO REALMENTEEXISTENTE NA RDA

Resultado de um evidente compromisso polí-tico no interior do Politbüro entre o grupo linhadura (ou honeckeriano), de um lado, e os refor-mistas (ou gorbachovistas), de outro, o governode Egon Krenz terminou sendo lembrado funda-mentalmente por sua breve duração (de 17 deoutubro a 14 de dezembro de 1989) e principal-mente pela sua decisão pessoal de autorizar – nahistórica noite de 9 de novembro de 1989 – a livremobilidade dos germano-orientais, a abertura dasfronteiras inter-alemãs e a tácita aceitação da que-da do muro que dividia a capital da Alemanha8.Na opinião da Embaixada brasileira, “Egon Krenzfoi sempre apontado como herdeiro presuntivo deHonecker e seu preferido, embora outros nomesem oportunidades diversas fossem igualmente ci-tados. Como Honecker, vem da ‘Juventude Livre

6 Junto com Honecker, foram “renunciados” JoachimHermann, responsável pela área político-ideológica, eGünter Mittag, o assim chamado “czar da economia” daRDA (HERTLE, 2001).7 Em 6 de outubro, o embaixador brasileiro em BerlimLeste informou ao Itamaraty que “há sinais evidentes deque Honecker deverá abandonar suas funções imediata-mente após os festejos de hoje e amanhã. Os médicos queo operaram [...] diagnosticaram uma total degeneração deseus órgãos internos” (ARQUIVO HISTÓRICO DO MI-NISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1989f).8 Hertle (2001) informa que, paralelamente, o SED nego-ciava um urgente pacote de assistência econômica com aRFA em troca da abertura gradual das fronteiras entre am-bos Estados alemães.

5 O documento em aprecio é o relato dos sofrimentosexperimentados pelo senhor Steffen Altmann, preso e sub-metido a todo tipo de abusos e humilhações.

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Alemã’, onde iniciou sua carreira política. É ho-mem de 52 anos – e isso conta a seu favor – masaparenta mais idade talvez por ser diabético. Con-tra ele é lembrado que na sua recente viagem àChina, onde chefiou a delegação da RDA nos fes-tejos do 40º aniversário da Revolução Chinesa, fezpronunciamento em favor das medidas de repres-são tomadas pelas autoridades daquele país. [...]No círculo diplomático há quem diga que o atualchefe do governo durará pouco, marcando passopara substituição por alguém mais identificado comas propostas de reforma reclamadas em diversascamadas da sociedade da RDA e de confiança dopovo” (ARQUIVO HISTÓRICO DO MINISTÉ-RIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1989g)9.

Oficialmente Krenz foi nomeado para o cargode chefe de Estado na Câmara do Povo – isto é, oParlamento da RDA – em 24 de outubro. No dis-curso de posse o novo governante reafirmou a vi-gência do artigo 1º da Constituição do país em quese expressava, dentre outras coisas, que “a RDA éum Estado socialista dos operários e dos campo-neses. É a organização política dos trabalhadoresda cidade e do campo, sob a liderança da classetrabalhadora e seu partido marxista-leninista”(KRENZ, 1989). Em outras palavras, Krenz enten-dia que o SED deveria continuar com a presunçãode ser a vanguarda iluminada do país. Igualmentealertou que “ninguém deveria desenhar falsas con-clusões a partir do desenvolvimento político daRDA. A República Democrática da Alemanha é umEstado socialista soberano, e tudo o que aconteceaqui é resultado da decisão soberana do nosso paíse seus cidadãos. As propostas e ‘sugestões’ daOTAN objetivando a abolição do socialismo pormeio de reformas continua não tendo chance!”(idem). Mesmo assim, reconheceu a urgente ne-cessidade de impulsionar políticas públicas paraconter o êxodo para a RFA, bem como atender asreivindicações sociais e políticas mais imediatas,dentre outras, conceder o direito de livre circula-ção – isto é, de viajar ao exterior sem restriçõesgovernamentais –, eleições livres, liberdade de im-prensa, respeito aos direitos humanos, mudançasna política econômica. O próprio futuro da RDAcomo Estado soberano estava comprometido.

Em tal sentido, e com muita razão e perspicá-cia, indagava-se o embaixador brasileiro duas se-manas antes da queda do muro: “E agora? Até queponto Krenz poderá resistir às forças oposicionis-tas, às reformas [gorbachovistas], se, como sediz, essa é a razão de ser de sua escolha. Mas, sevencido pelas circunstâncias, recolher e aplicaras propostas aceitas e em vigor em outros paísesvizinhos socialistas [ainda governados por comu-nistas de linha dura], qual será o futuro da RDA:subsistirá com[o] Estado soberano ou, sem a in-dividualidade nacional própria, terá questionada suaexistência política em favor da reunificação alemã– tabu e pesadelo de tantos. Caso contrário, fe-chando-se solitária, qual sua capacidade de so-brevivência na Europa de 1992, unida einterdependente. Curioso saber qual a preferênciada RFA. A reunificação ou a existência da RDAcomo um apêndice econômico seu, corredor deseu comércio para os países do leste. Tudo isso –e mais do que isso significa em poder político –em troca de 3 bilhões de dólares anuais em doa-ções e pagamentos diretos e indiretos além de fa-vores tarifários que têm permitido aos produtosda Alemanha do Leste chegar aos mercados daComunidade [Econômica Européia]. Como bemobservou um comentarista internacional,Alem[a]nha, por ora a República Federal Alemã,obteve na paz o que não ganhou em duas guerrasmundiais: riqueza, prestigio, hegemonia. Haveriaainda uma terceira hipótese – como as outras duasobjeto de futurologia – que não é tese nova masvai ganhando adeptos, a da transformação da RDAem Estado tampão, com neutralidade garantida aosmoldes da Áustria” (ARQUIVO HISTÓRICO DOMINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES,1989h).

Na verdade rapidamente tornou-se evidenteque Egon Krenz não tinha os necessários argu-mentos políticos ou econômicos para legitimar seugoverno e conquistar a obediência e aquiescênciados cidadãos germano-orientais. Sem o apóio eco-nômico-financeiro soviético – devido à crise naprópria URSS –, sem poder reprimir a populaçãoe com forte pressão doméstica (e externa), Krenztinha a difícil tarefa de tentar convencer os cadavez mais céticos compatriotas sobre a necessida-de de manter a confiança no projeto do socialis-mo renovado. Em tal sentido, o chefe de Estadoprocurou o apóio diretamente dos operários e cam-poneses, encontrando alguma acolhida e resso-nância. Porém, a dramática realidade do país tam-

9 No mesmo documento em apreço, Carvalho ponderouque “a saída de Honecker eram favas contadas, surpreen-dendo apenas pelas rapidez com que o Comitê Central agiue anunciou sua decisão” (ARQUIVO HISTÓRICO DOMINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1989g).

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bém demandava ações concretas para apaziguaros protestos e manifestações contrarias àhegemonia do SED.

De fato não pararam de crescer e de se disse-minar em toda a geografia nacional os protestoscontra Krenz, contra o SED e, em certos casos,contra a própria existência da RDA. Qual verda-deiro tsunami oposicionista, em 4 de novembrode 1989, uma inédita manifestação de 500 000pessoas expressou seu repúdio diante do regimecomunista. Cumpre acrescentar que, desde 1953,não se registravam protestos de tal magnitude nopaís. Os manifestantes eram homens e mulheresdo povo, intelectuais, e até membros reformistas(ou gorbachovistas) do próprio governo, dentreoutros.

Em 8 de novembro, os 18 membros doPolitbüro do SED – muitos destes com idadesacima dos 70 anos – colocaram seus cargos àdisposição. Ficou acertado que as vagas deveri-am ser preenchidas por lideranças reformistas (ougorbachovistas), encabeçadas pelo prefeito deDresden Hans Modrow, que assumiu o posto dePrimeiro-Ministro (em 17 de novembro) e poste-riormente de Primeiro-Secretário do partido.

No dia seguinte, Krenz aprovou a minuta dafutura lei de viagens – que deveria passar a vigo-rar formalmente após sua aprovação no Parlamen-to. Porém, no momento do anuncio da lei, o por-ta-voz Günter Schabowski informou, ao vivo, quea reforma migratória entraria imediatamente emvigor – isto é, que a partir daquela mesma noite aRDA permitiria a livre mobilidade dos cidadãosem todas as fronteiras do país, bem como nospontos de controle do muro de Berlim10. E, dian-te da imediata aglomeração de mais de 100 000berlinenses orientais nas adjacências do muro,Egon Krenz terminou endossando o anúncio, in-

clusive para evitar maior confusão e eventuaisacidentes11.

Testemunha direta dos dramáticos e emocio-nantes acontecimentos em Berlim o embaixadorCarvalho informou ao Itamaraty o seguinte: “Aca-bo de passar pelas duas fronteiras, a deBornholmer Strasse e a Checkpoint Charlie ondevi movimento inusitado de viaturas, a caminho dooutro lado e de centenas de pessoas, curiosos, nasua maioria, acompanhando o movimento” (AR-QUIVO HISTÓRICO DO MINISTÉRIO DASRELAÇÕES EXTERIORES, 1989i)12. Alguns diasdepois, Carvalho enviou ao Itamaraty um telegra-ma mais ponderado, ilustrativo e refletido dosacontecimentos. E devido à sua extraordinária re-levância histórica e analítica, o documento mere-ce ser apreciado e citado por extenso: “O murocaiu, já o disse, mesmo se seu esquálido esquele-to de concreto continua de pé, a enfear e dividir acidade, ao longo dos seus 162 km de extensão.Sabe-se, a propósito, que a Porta de Brandenburg,que a todo momento se espera seja desobstruída,destruindo-se o muro em sua volta, só não foiainda metaforicamente aberta, por receio das con-seqüências dramáticas com o ir e vir de enormesmassas de gente.

É sabido que o muro data de 1961 – mas a suahistória não tem cabimento aqui – sendo o marcovivo e concreto da divisão de políticas, de forçasopostas, de interesses contrários e de ideologiasdiferentes, e, por isso mesmo, o monumento maisdramático da Guerra Fria e o mais gritante e obvioargumento de propaganda anti-comunista. Mas,ademais, e sobretudo, foi a única maneira encon-

11 Segundo Hertle (2001), algumas autoridades da RDA eda URSS acreditavam na possibilidade de recuperar o con-trole e a lógica do muro – o que, finalmente, tornou-seinviável e irreversível. Tecnicamente, o muro começou a serdesmantelado pelas autoridades germano-orientais em 13de junho de 1990 – concluindo-se os trabalhos em novem-bro de 1991. Em 1º de julho de 1990 todos os postos decontrole foram formalmente fechados. Atualmente existempequenos trechos do muro preservados por motivos histó-rico-culturais.12 Cumpre acrescentar que o diplomata encerrou o docu-mento em aprecio com a seguinte frase: “Uma última ob-servação: em nenhum momento, quer os partidos políti-cos, quer os manifestantes, nas diferentes cidades da RDAexigindo reformas polític[as] e econômicas, se referiram àreunificação da Alemanha. Ao contrario todos tem enfatizadoa importância de existir dois Estados livres e soberanos” .

10 A transcrição do anúncio de Günter Schabowski é aseguinte: “As viagens privadas ao estrangeiro se podemautorizar sem apresentação dos requerimentos previamen-te existentes – seja motivação da viagem ou lugar de resi-dência. As autorizações serão emitidas sem delongas.” Ediante da pergunta de um jornalista sobre a data de entradaem vigor do projeto, Schabowski respondeu: “Passa a vi-gorar, segundo minhas informações, imediatamente”. Fi-nalmente acrescentou que “as viagens de duração perma-nente podem realizar-se em todos os postos fronteiriçosda RDA para a RFA e Berlim Ocidental, respectivamente”(Schabowski apud HERTLE, 2001, p. 157-158).

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trada pela então recém criada RDA para estancara hemorragia que ela sofria com a emigração paraa RFA, via Ost-Berlin, de seus melhores e maisqualificados cidadãos.

Entendendo-se as super-potências em assun-tos maiores, prevalecendo a ‘Detente’ à GuerraFria, reconhecidas as suas posições e respeitadasas áreas de interesse e influência, o muro não ti-nha mais razão de ser, como a existência de regi-mes marxista-leninistas-ortodoxos no leste euro-peu, após a ‘Glasnost e Perestroika’, deixou deter sentido.

Mas o muro de Berlim não é a Bastilha, quevalia mais pelo seu significado político do que pelasua importância carcerária: o muro continuava ater o papel importante de impedir a fuga de mãode obra qualificada... até que aconteceu o êxodovia Tchecoslováquia e Hungria. A partir daí tudofoi possível, e ‘o establishment’ se esboroou. Anão ser pelo retorno ao ‘status quo ante’, que meparece de todo impossível, o desdobramento na-tural e normal a seguir é conhecido: às reformaspolíticas que se vão sucedendo a alta velocidade,logo virão as reformas econômico-financeiras, jáem andamento promissor com a RFA e atravésdesta com a CEE, com vistas à entrada de capi-tais, criação de ‘joint-ventures’, transferência detecnologia e programas de ajuda, capazes de dar àeconomia da RDA o alento necessário para com-petir nos mercados internacionais – fora os doCOMECON – e, principalmente, fixar seus naci-onais em seu território” (ARQUIVO HISTÓRI-CO DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTE-RIORES, 1989j)13.

Entre a queda do muro (9-10 de novembro de1989) e a apresentação do assim chamado “Pro-grama de Dez Pontos”, de Helmut Kohl, para areunificação da Alemanha (em 28 de novembrodo mesmo ano), Krenz e Modrow fizeram o mai-or esforço para preservar a hegemonia do SED ea própria subsistência da RDA como Estado so-berano. Vale reconhecer-se que ambos os políti-cos germano-orientais continuavam apostando navia pacífica, negociada e eminentemente socialis-

ta. Igualmente, o desafio era avassalador tanto nocampo doméstico (garantir a governabilidade,impulsionar reformas econômicas, expandir a ci-dadania integral) quanto no campo externo (ne-gociar com aliados socialistas, com a RFA de Kohl,e com outros países com vínculos na questão ale-mã, européia e global).

Observe-se que a assunção de Hans Modrowao cargo de primeiro-ministro foi lograda por pres-são de Gorbachev (ADOMEIT, 1990). MonizBandeira (2001) sugere que Modrow – então se-cretario distrital do SED na cidade de Dresden –fazia muito tempo que era visto como o homemdos soviéticos na RDA para impulsionar as refor-mas. Ele era considerado honesto, sério, modera-do e competente. Igualmente, é interessante acres-centar que o próprio cargo de primeiro-ministro,que anteriormente era basicamente simbólico oucerimonial, foi reforçado e fortalecido com novascompetências, capacidades e recursos. No seudiscurso de posse, em 17 de novembro de 1989,Modrow delineou reformas em cinco campos es-pecíficos: política, economia, educação, meioambiente, e administração pública. No que diz res-peito especificamente à reforma política ponde-rou que ela eventualmente forneceria “uma novafundação para preservar e implementar uma polí-tica de auto-determinação para o povo da RDA”(MODROW, 1989). Modrow aceitava uma sen-sível aproximação com a RFA – inclusive a cria-ção de uma comunidade contratual –, porém re-jeitava “irrealistas e perigosas especulações sobrereunificação [alemã]” (idem).

Nos dias seguintes, Modrow anunciou seugabinete de governo e boas intenções no que dizrespeito à gestão das empresas estatais, àreestruturação das forças armadas e das agênciasde segurança do Estado, à constituição de comis-sões de inquérito para examinar acusações de abu-so de poder, enriquecimento ilícito, corrupção edesmandos na era Honecker, às reformas consti-tucionais, à integração de uma mesa redonda comsetores da oposição – em que se acordou a reali-zação de eleições livres, diretas, pluralistas e se-cretas no mês de março de 1990 –, dentre outrasquestões urgentes. Contudo, todas essas propos-tas pareciam insuficientes e extemporâneas. So-bre isso, o embaixador do Brasil ponderou comfranqueza e realismo: “A RDA, a meu ver, e deoutros também, padece de males pré natalinos:sua legitimidade e identidade nacional, que serãoquestionadas e psicanalizadas pelos seus filhos,

13 Em termos globais, a queda do muro de Berlim foiconsiderada como um dos acontecimentos mais importan-tes da história mundial e da história da Guerra Fria(HALLIDAY, 1990; RUTLAND, 1999; MONIZ BAN-DEIRA, 2001; GADDIS, 2005).

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até a solução final, que só virá, num primeiro es-tágio, com eleições livres, diretas, secretas e ho-nestas. Até lá seguirão as manifestações,trasanteontem em Berlim; anteontem, em Dresdene ontem como todas as segundas-feiras, há oitosemanas, em Leipzig; traduzindo a consciência dopecado original, sem expiação, e inconscientemen-te, as humilhações e frustrações, sofridas ao lon-go de 40 anos, nos quais, a população alemã doleste, calada e solitária, de bom nível cultural etradição universitária, foi tratada, qual rebanho deovelhas, sem garantias nem direitos, sob o tacãoda bota prussiana, que estava ali para defender aselites do partido, elas, sim com voz e vez, paraanunciar as mentiras triunfalistas e se beneficiar –e os seus – de sua[s] vantagens e privilé-gios”(ARQUIVO HISTÓRICO DO MINISTÉRIO DASRELAÇÕES EXTERIORES, 1989l)14.

Em conseqüência, tornou-se evidente que,mais do que reformas dentro do socialismo ou aformação de um Estado socialista independentecom uma economia socialista de mercado, a po-pulação germano-oriental estava interessada emincorporar-se rápida e irreversivelmente na RFA.Eis a relevância do então chanceler Helmut Kohl ede seu Programa de Dez Pontos para a Superaçãoda Divisão da Alemanha e da Europa (de 28 denovembro de 1989).

IV. O PROGRAMA DE DEZ PONTOS DE KOHLE ACONTECIMENTOS SUBSEQÜENTES:BREVES APONTAMENTOS SOBRE A REU-NIFICAÇÃO DA ALEMANHA

Ainda que uma avaliação detalhada do proces-so de unificação alemã exceda o escopo deste ar-tigo – inclusive porque muitas das negociaçõescorrespondentes foram realizadas fora das fron-teiras da RDA e porque a documentação primáriadisponível no momento é muito limitada quantoao assunto –, é importante, sim, destacar que navéspera da queda do muro de Berlim o chancelerKohl (1982-1998) realizava visita de trabalho naPolônia. Ao saber dos acontecimentos voou paraBerlim Ocidental e comemorou, in situ, o históri-co acontecimento como todos os outros alemães.Contudo, Kohl foi além. Segundo a documenta-

ção do Itamaraty, na noite de 9 para 10 de novem-bro, ele “foi o único que se referiu à reunificação,assunto polêmico, tabu mesmo, sobretudo naRDA” (ARQUIVO HISTÓRICO DO MINISTÉ-RIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1989m).Iniciou-se assim um rápido processo que culmi-nou em 3 de outubro de 1990, com a coroação daunificação da nação alemã.

Sob a perspectiva de Bonn e particularmentede Kohl, o evidente momento de fraqueza do SEDpoderia ser explorado para alcançar o antigo obje-tivo do chanceler Konrad Adenauer, qual seja, areunificação do país com a incorporação do terri-tório da RDA na RFA. Naturalmente, a históricaconquista poderia gerar importantes dividendospolítico-eleitorais para seu partido – a União De-mocrata-Cristã (CDU, na sigla em alemão). Mes-mo assim, o desafio da reunificação alemã eraextremamente complexo, ao exigir não somente oapoio político em ambos os Estados alemães, comotambém a aquiescência das outras potências comvínculos e interesses na questão alemã, particu-larmente das quatro grandes potências vitoriosasda II Guerra Mundial (União Soviética, EstadosUnidos, Grã-Bretanha e França, todas elas comdireitos de ocupação vigentes em território ale-mão, em geral, e na cidade de Berlim, em particu-lar) e de outros países da Europa central (particu-larmente, da Polônia e da Tchecoslováquia). Foinesse contexto geral que o chanceler Kohl apre-sentou, no Parlamento da RFA, em 28 de novem-bro de 1989, seu “Programa de Dez Pontos paraSuperar a Divisão da Alemanha e da Europa”(KOHL, 1989a).

Resumidamente o programa em questão pro-punha desenvolver um esforço coordenado emtrês níveis paralelos e interdependentes: o inter-alemão, o continental ou europeu, e o global. Nonível inter-alemão, Kohl reivindicava uma sensí-vel aproximação em todas as áreas com a RDA.Subentendia-se que o novo governo germano-ori-ental deveria submeter-se a um irreversível pro-cesso de democratização e de outras transforma-ções estruturais tanto econômicas (economia so-cial de mercado) como sociais (direitos humanos,cidadania, liberdades). O chanceler da RFA acre-ditava na constituição inicial de uma confedera-ção entre ambos os Estados alemães, posterior-mente no surgimento de uma federação, e final-mente na reunificação – em um prazo de dois atrês anos. No nível europeu, a proposta de Bonninsistia na construção da Casa Comum Européia,

14 Gale Stokes (1991) destaca que, além dos problemasestruturais da RDA, era necessário acrescentar aspectosintangíveis – e não menos importantes – tais como: ética,valores morais, ideais, direitos humanos, liberdade de esco-lha, religiosidade, multiculturalismo, dentre outros.

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na continuidade da agenda de Helsinque e, princi-palmente, na plena vigência da integração regional– inclusive com a perspectiva de criar a UniãoEuropéia em 1992. E, simultaneamente, Kohl afir-mava a necessidade de consolidar os entendimen-tos no sentido Leste-Oeste, reduzir o risco de umaguerra nuclear e manter a aderência da futura Ale-manha unificada no bloco ocidental. Cumpreacrescentar que trabalhar simultaneamente nos trêsníveis era fundamental e iniludível. Na opinião dochanceler germano-ocidental, era possível conci-liar os interesses de todos os atores, mediante aexecução de um processo de negociação pruden-te, razoável e equilibrado – além de estar dispostoa investir massivos recursos financeiros na RDAe nos países vizinhos, isto é, a denominada diplo-macia do Deutschmark.

Naturalmente, o Programa de Dez Pontos deKohl provocou importantes reações na RDA. In-clusive desde antes do anúncio do plano, parcelasignificativa da população adotou a idéia dareunificação, como alternativa para conseguir re-solver definitivamente a divisão do país – e con-seguir uma rápida incorporação ao primeiro mun-do. Nas faixas dos protestos – que anteriormenteafirmavam “nós somos o povo” – passou a pre-dominar o lema “nós somos um povo” (MONIZBANDEIRA, p. 159; 171), isto é, a nação alemãque deveria reconstituir-se após quatro décadasde espera.

Contudo, para os governos de Berlim Leste,Moscou e outras capitais européias – preocupa-das com o eventual ressurgimento do assim cha-mado perigo alemão – o Plano de Dez Pontos nãoera plenamente satisfatório. O embaixador Carva-lho informou a Brasília que a RDA aceitava discu-tir o aprofundamento da cooperação inter-alemã,porém rejeitava a proposta central de uma even-tual reunificação. Nessa linha, o diplomata brasi-leiro ponderou o seguinte: “Depreende-se dessasdeclarações que a RDA não quer abrir mão de doispreceitos básicos: socialismo e independência [...].No entanto, no último dia 27 [de novembro], otema da reunificação figurou pela primeira vez nasmanifestações que se realizam em frente à Igrejade São Nicolaus, em Leipzig e em outras cidadesdo país” (ARQUIVO HISTÓRICO DO MINIS-TÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1989n).

Paralelamente, Gorbachev questionou dura-mente o anúncio do Programa em conversa parti-cular com o então Ministro das Relações Exterio-

res da RFA, Hans-Dietrich Genscher. Para o Che-fe do Estado soviético a proposta de Kohl termi-nava sendo um virtual e inaceitável ultimato con-tra um Estado alemão igualmente soberano, inde-pendente e membro do Pacto de Varsóvia – alémde desconhecer os direitos de ocupação das po-tências vencedoras da II Guerra Mundial. Cate-goricamente, Gorbachev observou que “qualqueraceleração artificiosa terminará comprometendoou estorvando as significativas mudanças que es-tão sendo realizadas no processo de desenvolvi-mento dos Estados europeus, isto é, em uma áreacentral da política global” (SOVIET PROTOCOLOF A CONVERSATION BETWEEN MIKHAILGORBACHEV AND HANS-DIETRICHGENSCHER, 1989). E acrescentando o seguinte:“Penso que qualquer tentativa de aceleração arti-ficial não seria interessante para o povo de cadaEstado alemão. Os dois Estados alemães preci-sam reajustar suas relações dentro de um contex-to de esforço para a estabilização, na base do equi-líbrio e do respeito mutuo” (ibidem), alertando aGenscher que “hoje vocês estão agindo nesta li-nha [de ultimato] com a RDA, amanhã possivel-mente com a Polônia, com Tchecoslováquia, edepois com a Áustria” (ibidem)15. Em síntese,Gorbachev advertiu categoricamente contra o que– sob a perspectiva do Kremlin – parecia umaabusiva intervenção de Bonn nos assuntos inter-nos da RDA (ADOMEIT, 1990).

Mesmo assim, o processo de acelerada decom-posição econômica e política da RDA – junto coma limitada assistência soviética disponível, em fun-ção dos próprios problemas internos na URSS –não admitiam muitas alternativas. Observe-se, porexemplo, que na segunda semana de dezembrorenunciou Krenz e posteriormente foi realizadatotal reestruturação do partido – que terminou sen-do rebatizado com o nome de Partido do Socialis-mo Democrático (PSD).

Sobrou para Modrow a tarefa de fazer algopara evitar o colapso total e definitivo da RDA.Porém o tempo era muito curto, especialmenteapós a visita de Kohl ao país. Observe-se que emrelato recentemente publicado sobre aquela via-gem, Kohl destacou o seguinte: “A minha mais

15 Observe-se que inicialmente a opinião de Paris e Lon-dres em relação à eventual reunificação da Alemanha tam-bém era de ceticismo e eventual oposição.

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crucial experiência no processo de unificação ale-mã foi a visita a Dresden em 19 de dezembro de1989. Quando aterrissei com minha comitiva nairregular pista de concreto do aeroporto Dresden-Klotzsche, rapidamente me pareceu claro: esteregime está liquidado!” (KOHL, 1989b). Depoisde falar brevemente para as massas sobre demo-cracia, eleições, liberdade e unificação alemã, Kohle Modrow assinaram um comunicado conjuntocujo ponto fundamental era o estabelecimento deuma comunidade contratual – decisão que, agorasabemos, representou o ponta-pé inicial dareunificação da nação e do Estado.

O ritmo e a forma do processo de reunificaçãoaceleraram-se após o chamado às eleições de 18de março de 1990 (HAMILTON, 1992). No pro-cesso em questão, cada um dos grandes partidosgermano-ocidentais ajudou intensamente suacontraparte germano-oriental. E evidentemente avinculação – real ou imaginaria – de ajuda econô-mica da RFA em troca de eleições livres terminoufavorecendo os candidatos apadrinhados pelochanceler Kohl. Assim, a denominada “Aliança pelaAlemanha” triunfou com 48% dos votos e 193dos assentos no Parlamento. Acordos com outrasorganizações políticas favoráveis a uma rápidareunificação do país permitiram a nomeação deLothar de Maizière como primeiro-ministro paraum período de poucos meses até a incorporaçãoda RDA à RFA – em 3 de outubro de 1990.

Convém reiterar que não é possível abordardetalhadamente o processo de negociação que re-sultou na reunificação do país, inclusive porque,após a nomeação de Lothar de Maizière, a RDAdeixou de ser um ator ativo e passou a ser umsujeito de negociação entre grandes potências.Mesmo assim, é importante registrar a aprovaçãoe a implementação dos dois tratados de unificação– o econômico, monetário e social (assinado em18 de maio de 1990) e o político-administrativo(assinado em 31 de agosto de 1990)16 –, bemcomo o denominado acordo “2+4” (assinado em12 de setembro de 1990), em que as quatro gran-des potências vencedoras da última guerra aceita-

ram a reunificação do país, e o acordo sobre ofim da ocupação do território germano-oriental ea manutenção da Alemanha unificada dentro daOTAN (assinado em setembro de 1990)17. Igual-mente, é importante registrar a realização da pri-meira eleição pan-germânica em 2 de dezembrode 1990 – que confirmou Helmut Kohl comochanceler até o ano de 1998 (ARNOLD, 1991).

A avaliação geral da Embaixada brasileira so-bre a etapa final do processo de negociação entreas grandes potências era positiva. Após o vitalacordo Gorbachev-Kohl, nas montanhas doCáucaso, entre 15 e 17 de julho de 1990, Carva-lho ponderou o seguinte: “Tudo terminou bem.Foi um final feliz para a diplomacia de Kohl, esobretudo de Genscher, que soube conduzir asnegociações, com uns e outros, flexível emaneiroso, qual uma raposa, mas irredutível emtudo aquilo que pudesse vir a comprometer o ob-jetivo maior [isto é, a reunificação na nação ale-mã]”. (ARQUIVO HISTÓRICO DO MINISTÉ-RIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1990a)18.Acrescentou ainda que restavam problemas me-nores – porém não desprezíveis – tais como: aescolha da capital, direitos de propriedade, lei elei-toral, reconstrução nacional. Afortunadamente taisproblemas, observou, eram “não de monta, po-rém, a ponto de retardar a eleição do novo Gover-no, único e geral, em dezembro próximo, dataprevista para o desaparecimento da RDA, quepassará a ser, segundo li alhures, apenas ‘um péde página’ nos livros de história de amanhã”(idem).

E, com relação ao surgimento da Alemanhaunificada como principal potência da Europa cen-tral, o diplomata brasileiro ponderou, por extenso:“Que virá a seguir, é a pergunta que muitos for-mulam. Desde logo, nasce uma potênciaeconômic[a] e política de primeira grandeza, degrande densidade populacional para os termoseuropeus, de irresistível penetração econômico-comercial no leste-oeste, que a tornará a maiorforça no centro da Europa, capaz de alterar o ta-buleiro político internacional. E depois? O alemão

17 Os três instrumentos supra-citados estão disponíveisno arquivo virtual denominado German History inDocuments and Images (GERMAN HISTORICALINSTITUTE, 2009).18 Conferir também Adomeit (1990).

16 O Segundo Tratado de Unificação prevê a incorpora-ção do território da antiga RDA, então reorganizado admi-nistrativamente em cinco novas províncias: Mecklenburg-Vorpommen, Bradenburg, Sachsen-Anhalt, Sachsen eThüringen – além do particular caso da região metropolita-na de Berlim.

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de hoje: suas idiossincrasias, temperamento arro-gante, capacidade de organização e disciplina ar-raigada, pouco difere daquele de 1914 e 1939 masas condições, a conjuntura política, a situaçãoeconômica, o bem-estar social é todo outro, mui-to diferente e bem melhor. E de se ver, ainda, quea Alemanha Grande, de amanhã, não terá sido for-mada como a de 1914, com o espírito hegemônicoimperial, vindo de Bismarck, nem o revanchista,de 1939, fruto de Versailles, é antes, e sobretudo,conseqüência de um processo democrático, delivre escolha, de compromissos com a liberdade,mercado livre e acatamento da lei. Na verdade anova Alemanha unificada, é um presente da histó-ria, combinação de fatores exógenos, – fora docontexto em que as duas Alemanhas estavaminseridas – que as levaram a se unir num proces-so que teve sua própria dinâmica – tais, as refor-mas avançadas por Gorbachov – cuja seriedade everacidade, Genscher soube ver e antecipar pri-meiro que todos – os levantamentos da Polônia eHungria contra os regimes ditatoriais e, mais quetudo, o inconformismo e impaciência dos cida-dãos da RDA que procuraram, por todos os mei-os, o caminho da liberdade. O que poderia serapenas uma fuga do marasmo e opressão existen-tes, em busca de novos e melhores horizontes,tornou-se um levantamento nacional contra a di-visão das Alemanhas” (idem)19.

Salvo melhor interpretação, pela sua lucidez,coerência e consistência, o parágrafo anterior dis-pensa comentários adicionais.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS: WALTERMOMPER E A CONFIRMAÇÃO DE BERLIMCOMO CAPITAL FEDERAL DA ALEMANHAREUNIFICADA

“Entretanto, toques surgem desde [Berlim] Oes-te: ‘Queremos entrar!’ Por um momento o foco deatenção mudou para o lado ocidental: [O prefeitoWalter] Momper podia ser visto no meio da massa.Holofotes, microfones, câmeras. Seguidamente noteve mais paradas [nos pontos de controle do murode Berlim]. E aproximadamente à 1:00 am [de 10de novembro de 1989] começaram a correr. Umpunhado de guardas [da RDA] protegem sua fron-teira. As comportas se abrem, a barreira é levanta-da” (KRAUSHAAR & RIEDLE, 1990).

Assim noticiou o jornal Die Tageszeitung oexato momento em que o muro deixava de existircomo barreira física destinada a controlar a mo-bilidade humana entre os dois lados da cidade – eo prefeito Walter Momper era testemunha e parti-cipante dos festejos20. Para os fins deste artigo afigura de Momper é importante pelo seu persis-tente empenho em lograr não somente areunificação da Alemanha, como também a rápidae fluida integração especificamente da cidade deBerlim, a sua confirmação como capital da Ale-manha – o que não era tarefa simples – e a trans-formação produtiva, urbanística e política dessametrópole21. Afinal, tratava-se da capital de uma

19 Cumpre acrescentar que Carvalho descartou a possibi-lidade de um eventual ressurgimento do assim chamado“perigo alemão”, mas ponderou sobre a questão da ascen-são do racismo como desafio social, econômico e humani-tário. Nessa linha, argumentou o seguinte: “Com uma po-pulação de milhões de imigrantes espalhados de Londresao Leste da Europa, mão-de-obra barata e útil e, ainda, masnão tanto, necessária [...] é muito natural [que] sobreve-nham, num futuro próximo, problemas de convivência comos nacionais – mais ou menos graves – conforme sejamanos de abundância ou de escassez, que, aliás, aqui e ali, jávêm ocorrendo, embora minimizados. [...] Pode que por aí,sobretudo no que trata aos árabes, – mais contestatórios –muito especialmente os radicais, os fundamentalistas, ve-nham a surgir conflitos de efeitos multiplicadores que trans-cendam suas próprias fronteiras, com conseqüências polí-ticas imprevisíveis” (ARQUIVO HISTÓRICO DO MI-NISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1990a).Conferir também Hamilton (1992).

20 Militante do Partido Social-democrata da Alemanha(SPD), Momper assumiu a prefeitura de Berlim Ocidentalno inicio de 1989 e concluiu seu governo em 1991. Simulta-neamente, Momper também era presidente da Câmara Altada RFA (1989-1990). Tratava-se de político experiente ebem relacionado no interior do sistema político germano.Observe-se que o prefeito erigiu-se no mais conhecido,insigne e combativo porta-voz da causa berlinesa. Ao mes-mo tempo, não é possível descartar algum interesse políti-co-eleitoral próprio ou partidário no ativismo e engajamentode Momper na política local, regional e nacional.21 Outros assuntos polêmicos da época com relação espe-cificamente à reunificação da cidade de Berlim eram os se-guintes: o direito de propriedade dos imóveis nacionaliza-dos no passado pelas autoridades da RDA, questõesambientais, serviços públicos (transporte, comunicações,limpeza urbana, desenvolvimento social), a massiva chega-da de trabalhadores e refugiados procedentes de outraspartes da RDA e de outros países (inclusive pedidos deasilo de soldados soviéticos destacados na região interessa-dos em continuar morando na Alemanha), o ressurgimentodo nazismo e as relações mais ou menos convergentes entrea política local (com um prefeito do SPD) e a esfera federal(com hegemonia do CDU).

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potência em ascensão localizada em pleno cora-ção do continente europeu (ARNOLD, 1991).

Ainda que para alguns o estudo da reunificaçãoda cidade de Berlim possa parecer corriqueiro,paroquial ou irrelevante, a documentação políti-co-diplomática procedente da Embaixada – e pos-teriormente do Consulado-Geral – naquela cidadedemonstra um grande e persistente interesse noassunto. Com efeito, durante todo o ano de 1990os diplomatas brasileiros continuaram informan-do sobre tópicos especificamente berlinenses e seuparticular processo de reunificação – após maisde 40 anos de divergências. Relatou-se, por exem-plo, sobre o desmantelamento do check-pointCharlie – e a ida para um museu da famosa guaritanorte-americana, considerada como um dos sím-bolos mais relevantes da época da Guerra Fria.Também sobre a recuperação da plenitudeinstitucional e político-administrativa da cidadeanteriormente ocupada – ou protegida – por for-ças militares estrangeiras e sobre os preparativospara a primeira eleição pan-berlinense em muitasdécadas. Ponderou-se que, “se no passado Berlimfoi símbolo de um país e de um continente repar-tidos, hoje a cidade espelha com igual fidelidade acomplexa trajetória de forças e circunstâncias queimpulsionam o processo de reunificação. Essepapel vanguardista e aglutinador, que lhe impõesua geografia física e histórica, adquire nova di-mensão com a entrada em vigor do Tratado deUnião Econômica e Social entre dois sistemasfrontalmente antagônicos. Se essa característicasecular de Berlim não lhe credencia automatica-mente para ser a futura capital da Alemanhaunificada (como quer crer o prefeito de BerlimOcidental, Walter Momper), não há dúvida tratar-se de singular microcosmo dos desafios que opaís como um todo vivenciará com crescente in-tensidade” (ARQUIVO HISTÓRICO DO MINIS-TÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1990b).

Parece evidente, pois, a relevância e pertinênciade explorar fundamentado em fontes documen-tais brasileiras recentemente desclassificadas ointenso debate para confirmar não somente a uni-ficação física, social e psicológica da cidade,como também sua ascensão ao status de futuracapital da Alemanha reunificada – reconhecendo-se inclusive as implicações decorrentes desta de-terminação em termos de inserção e prestígio in-ternacional. Ao mesmo tempo, convém adiantarque o pleito em questão não era, em modo algum,de natureza narcisista. Pelo contrário, tratava-se

da intensa luta entre atores políticos que procura-vam garantir recursos orçamentários extra-ordi-nários para a capital do país, riqueza advinda deinvestimentos e salários do funcionalismo públicofederal, aprimoramento dos serviços públicos, vi-sibilidade nacional e internacional, dentre outrosassuntos22.

O debate em questão tornou-se particularmenteintenso no segundo semestre de 1990. A Embai-xada em Berlim Leste informou como pontos afavor da nomeação desta cidade a existência decertos preceitos legais e o apoio de lideranças po-líticas nacionais – tais como o Chanceler HelmutKohl, o Primeiro-Ministro Lothar de Mazière, oPresidente Richard von Weizsäcker. Argumentou-se igualmente que “mais do que uma compensa-ção pelas agruras e privações impostas pela pro-longada divisão da cidade, a recondução à condi-ção de Capital Federal simbolizaria na consciênciapopular o coroamento do processo de restaura-ção da identidade e dignidade nacionais. Haveriamesmo certa justiça histórica no fato de Berlim,cidade por tanto tempo submetida à ocupação ali-ada, viesse a corporificar o renascimento de umasoberania alemã democrática, capaz de exorcizaros demônios do passado nazista. [...] À cabeçadesse movimento encontra-se o prefeito-gover-nador de Berlim Ocidental, Walter Momper, que,em coordenação com sua contraparte oriental,Tino Schwierzina, vem insistindo na incorpora-ção ao texto final do Segundo Acordo de Unifica-ção a ser assinado até o final do ano, de referênciaao status de Berlim como Capital Federal, paraonde também a sede dos poderes executivo elegislativo deveria transladar-se” (ARQUIVO HIS-TÓRICO DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕESEXTERIORES, 1990c).

Momper e outros simpatizantes da propostatambém apresentaram outras considerações parareforçar sua posição, dentre elas: 1) os investi-mentos para revitalizar a cidade teriam conseqü-

22 Considere-se, a propósito, o impacto e as conseqüênci-as econômicas, políticas, sociais, urbanísticas e culturaisadvindas das transferências de capitais nacionais nos casosdo Brasil (Brasília), Nigéria (Abuja), Myanmar(Naypyidaw), dentre outras. Em tal sentido, argumentou-se que Berlim poderia desempenhar papel protagônico nocenário econômico, político, cultural, acadêmico e científi-co-técnico alemão e centro-europeu – inclusive servindo desede de instituições regionais e comunitárias, além das em-baixadas estrangeiras.

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ências em toda a região leste da Alemanha (isto é,na ex-RDA); 2) a cooperação entre as duas admi-nistrações da cidade tornar-se-ia exemplo e mo-delo para a reunificação nacional – em tal sentido,ambos os lados trabalharam de forma persistentee intensa para lograr o objetivo comum, inclusiveno que diz respeito à fusão administrativa comMomper à frente da prefeitura geral da cidade23;e 3) após o encerramento formal, em 3 de outu-bro de 1990, da proteção/ocupação da região deBerlim por tropas das potências vencedoras da IIGuerra Mundial seria possível identificar consi-deráveis espaços e imóveis para o desenvolvimentourbano local.

Contudo também existiam poderosas forçasque resistiam à transferência da capital para Berlim.Os principais expoentes da recusa eram, obvia-mente, as autoridades dos estados de Renânia doNorte-Vestfália – onde se localiza a cidade de Bonn– e Baviera. No caso dos primeiros existia o re-ceio de ficar “vazia e morta” após a partida damaior parte dos servidores públicos federais. Eno caso dos segundos, aparentemente as críticaseram resultado do seu tradicional e conhecido sen-timento federalista – e concomitantementeanticentralizador, antiprussiano. Igualmente pode-rosas eram as preocupações com os custos datransferência da capital – aproximadamente US$55 bilhões em uma década – no meio de um ca-ríssimo processo de reunificação nacional orçadoem, no mínimo, US$ 600 bilhões durante o decê-nio de 1990 (HAMILTON, 1992; WALKER, 1992).Não parece totalmente irracional, então, o modestoapóio da opinião pública alemã à transferência.Complementarmente, os críticos observaram quea presença de tropas soviéticas na região de Berlim– e no território da RDA – comprometia a viabili-dade política e de segurança da capital da Alema-nha reunificada. Finalmente, e não menos impor-tante, era a questão do estoque de imóveis – paramoradia, para escritórios e outros serviços, e paraindústrias – disponíveis em Berlim para satisfazeras demandas da burocracia federal e de mais de100 embaixadas de países do mundo todo.

Momper rebateu de forma mais ou menos con-vincente todas as críticas. Segundo relato dos di-plomatas brasileiros, o prefeito argumentou que “aincorporação, em condições justas e honrosas, dasprovíncias à federação alemã dependeria de Berlimreconquistar suas prerrogativas institucionais dopré-guerra” (ARQUIVO HISTÓRICO DO MINIS-TÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1990d).Nesse sentido, o prefeito colocava-se como defen-sor e protetor dos interesses de Berlim, em parti-cular, e da região leste da Alemanha – isto é, a ex-RDA –, em geral. Valeu-se de sua afortunada con-dição paralela de presidente da Câmara Alta paraapoiar a tese de Berlim, não se furtou de questionaras denominadas pretensões hegemônicas das gran-des províncias ocidentais com relação ao territórioda ex-RDA e advertiu que “somente um GovernoCentral com luz e vigor próprios pode[ria] assegu-rar o equilíbrio federativo nas atuais circunstanciasmarcadas pela profunda desigualdade entre as par-tes [ocidental e oriental do país]” (idem). Insistiuna importância de uma rápida, fluida e eficientereunificação da cidade como modelo e exemplo parao país. E acrescentou que Berlim teria as melhorescondições para corporificar o renascimento de umaAlemanha soberana e democrática – com alta ecrescente projeção internacional, localizada no co-ração da Europa (ARNOLD, 1991).

Observe-se que em encontro particular com oentão recém-chegado Cônsul-Geral do Brasil emBerlim, Embaixador Álvaro Gurgel de Alencar, oPrefeito Momper abordou esses e outros assun-tos de interesse comum. Ele confirmou seu es-forço em garantir a transferência efetiva – e nãomeramente simbólica – das principais agências eministérios para Berlim, processo gradual que de-moraria vários meses24. Igualmente, destacou to-dos os atributos da cidade para realizar plenamen-te suas tarefas como capital do país. Contudo,reconheceu alguns obstáculos: 1) o alto custo datransferência para o governo federal, 2) a defici-ente infra-estrutura, especialmente do lado orien-tal da cidade, 3) barreiras atitudinais de parcelassignificativas da população da ex-RDA em relaçãoaos benefícios, peculiaridades e outras caracte-rísticas das economias de livre mercado e 4) a

24 Observe-se que parte da burocracia federal, e especifi-camente o Ministério da Defesa, ficariam em Bonn. Taldeterminação demonstrava o interesse de manter vínculosconsistentes com a aliança militar ocidental (HAMILTON,1992).

23 A Prefeitura de Berlim Leste concordava plenamentecom o esquema de Momper. Porém, a documentação di-plomática brasileira comenta também o virtual vazio depoder e interlocução resultado do colapso do Estadogermano-oriental. Em tal sentido, confirma-se a hipótesede que Berlim continuava sendo um micro-cosmos do pro-cesso de reunificação em nível nacional.

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falta de investimentos dos grandes conglomera-dos alemães e estrangeiros. Finalmente, o prefei-to Momper indicou sua disposição para ajudar osgovernos que tivessem dificuldades para encon-trar instalações para suas embaixadas, inclusiveem condições acessíveis (ARQUIVO HISTÓRI-CO DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTE-RIORES, 1990e)25.

O status de Berlim como capital da Alemanhaterminou sendo assegurado no Segundo Tratadode Unificação, assinado em agosto de 1990 – ain-da que acertos posteriores devessem ser pactua-dos para lograr concluir o processo de transfe-rência até o ano de 1995. Cabe acrescentar quelogo após a unificação do país, tanto a cidade deBerlim, como a região da ex-RDA, experimenta-ram importantes – e às vezes dolorosos – ajustesestruturais com vistas a constituir uma economiade mercado (ARQUIVO HISTÓRICO DO MI-NISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES,1991)26. Os significativos investimentos públicose privados permitiram uma retomada do cresci-mento econômico após 1993. Contudo, e curio-

samente, de forma reiterada os observadores es-trangeiros constataram que, vários anos após aqueda do muro, o relacionamento entre os habi-tantes dos antigos setores leste e oeste da cidadede Berlim continua sendo pouco fluido. Surpre-endentemente pesquisas de opinião realizadas des-de a época da reunificação da cidade sugerem queainda existiria um invisível ou virtual muro psico-lógico entre significativas parcelas da comunida-de – hipótese que se demonstraria, por exemplo,com a baixíssima taxa de casamentos entre mo-radores dos dois setores da metrópole, popular-mente conhecidos como ossies e wessies (THENEWCOMERS LACK SELF-CONFIDENCE,1990; ‘CORTINA DE FERRO’ PERSISTE, 2004).

VI. PÓS-DATA DE NOVEMBRO DE 2009

Em 9 de novembro de 2009 foi comemoradoo vigésimo aniversário da queda do muro deBerlim. Na oportunidade houve encontros de lide-ranças políticas, festejos populares e apresenta-ções artísticas. A atual Chanceler Angela Merkel –recentemente reeleita no cargo e que no passadomorou na RDA –, Helmut Kohl, MikhailGorbachev, George Bush (pai) e outros atoresprivilegiados no processo de tomada que resultouna queda do muro e na reunificação alemã partici-param e festejaram o aniversário. Egon Krenz,quebrando um mutismo de vários anos, afirmouque a abertura das fronteiras evitou uma guerracivil e, mesmo reconhecendo a relevância dareunificação da nação, criticou a forma e o ritmoem que foi feita. Com ironia, constatou que “mui-tos alemães do Leste se sentem como cidadãosde segunda ou de terceira. Em lugar daquele ‘nóssomos o povo’ de 1989, muitos sentem hoje que‘nós éramos o povo’” (KRENZ, 2009). Cumpredestacar que a opinião de Krenz é compartilhadapor muitos habitantes do leste da Alemanha. Ob-serve-se, por exemplo, que nas últimas eleiçõesfederais, em 27 de setembro de 2009, osneocomunistas, agrupados na chamada coalizão“A Esquerda”, triunfaram em vários Estados daantiga RDA e atualmente são a terceira força polí-tica mais importante do país, com quase 12% dasimpatia do eleitorado.

Paralelamente, sob a perspectiva da política,da economia e da segurança internacional é evi-dente que a queda do muro de Berlim acabou sen-do um dos mais importantes acontecimentos doséculo XX. Trata-se de virtual divisor de águasna história mundial, e referência em quase todos

25 Aparentemente o diplomata brasileiro chegou a Berlimcom instruções de fusionar as atividades administrativasda antiga Embaixada na RDA e do Consultado em BerlimOcidental, procurando racionalizar a gestão dos recursos eeliminar duplicações. Cumpre acrescentar que o violentoaumento de preço dos aluguéis na cidade de Berlim, após areunificação do país, atingiu todas as representações diplo-máticas, e também no caso dos funcionários da representa-ção brasileira. Em novembro de 1990, Alencar informouque “vários desses funcionários [da repartição brasileira]simplesmente não podem mais, com os salários que rece-bem, entregar ao Consulado-Geral – locatário formal dosimóveis em que vivem – os recursos para pagamento dosalugueis”. Em conseqüência, resolveu-se transferir a ques-tão para a Embaixada brasileira em Bonn tomar as provi-dências cabíveis perante as autoridades germânicas (AR-QUIVO HISTÓRICO DO MINISTÉRIO DAS RELA-ÇÕES EXTERIORES, 1990f).26 O documento em apreço pondera sobre os seguintestópicos: 1) a grave contração das atividades econômicas noperíodo 1991-1992, geradas pela transição a uma economiasocial de mercado; 2) a questão do desemprego, subempregoe inflação; 3) comenta decisões judiciais com relação à pro-priedade de antigos imóveis confiscados e nacionalizados eao futuro dos servidores públicos da antiga RDA, ofere-cendo compensações financeiras para os primeiros e limi-tando a assimilação automática para os segundos; 4)questionamento da oposição e dos sindicatos diante dofechamento de empresas públicas e da perda de vagas detrabalho e 5) perspectivas econômicas futuras da regiãoleste da Alemanha. Conferir Hamilton (1992).

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os campos das Ciências Sociais – inclusive pelassuas implicações no que diz respeito ao fim daGuerra Fria e eventos subseqüentes. Em tal senti-do, vinte anos após a queda do muro e da abertu-ra das fronteiras inter-alemãs, muitas das previ-sões dos diplomatas lotados em Berlim no inicioda década de 1990, particularmente no caso das

ponderações supracitadas do Embaixador ErnestoFerreira de Carvalho, acabaram sendo convalida-das pelo desenvolvimento político, econômico eestratégico da Alemanha reunificada, consideradauma das principais potências nos primeiros anosdo século XXI.

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A QUEDA DO MURO DE BERLIM

FOUNDING APPEAL OF THE NEW FORUM(SEPTEMBER 9, 1989). 1994. In:JARAUSCH, K. & GRANSOW, V. (eds.).Uniting Germany: Documents and Debates,1944-1993. Oxford: Berghahn. Disponível em:http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/. Acessoem: 15.set.2009.

GERMAN HISTORICAL INSTITUTE, 2009.German History in Documents and Images(GHDI). Disponível em: http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/index.cfm.Acesso em: 15.set.2009.

SOVIET PROTOCOL OF A CONVERSATIONBETWEEN MIKHAIL GORBACHEV ANDHANS-DIETRICH GENSCHER (DECEMBER5, 1989). 2002. In: PLATO, A. Die VereinigungDeutschlands: Ein weltpolitisches Machtspiel.Berlin: s/n. Disponível em: http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/. Acesso em:15.set.2009.

THE NEWCOMERS LACK SELF-CONFIDEN-CE. 1990. Der Spiegel, Hamburgo, 12.nov.Disponível em: http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/. Acesso em: 15.set.2009.

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of Justice than the author himself has. Scholars such as Charles Beitz and Thomas Pogge defendmechanisms of international distributive justice that seem to be more in line with the cosmopolitanismof the “principle of difference” that can be found within A Theory of Justice than are other effortsthat Rawls himself made in his later work, more oriented toward international issues, The Law ofPeoples. More specifically, we maintain that Pogge and Beitz developed more solid arguments (therelativization of the principle of the absolute sovereignty of States and international transfer ofnatural resources) for transporting the “principle of difference” into the international arena thanwhat can be found within Rawls’ proposal on “the duty of aid” in The Law of Peoples. We therebydemonstrate that Rawls’ disciples are more faithful to the cosmopolitan spirit at the internationallevel than he himself was, for three reasons: their belief in a world community of fellow citizenswithin an international institutional structure; the idea that the global production of collective resourcesshould be redistributed through a principle of dense distribution and, finally, the notion that redistributionthat can only be just insofar as it demands the moral reform of international institutions (InternationalMonetary Fund, World Trade Organization, World Bank, principle of sovereignty etc.) in such a wayas to improve the life conditions of world’s poorest peoples. Thus, this article discusses the mostprogressive legacy of authors whom, in taking their inspiration from Rawls, developed argumentsthat were more adequate than his own for nourishing a cosmopolitan spirit within the internationalarena.

KEYWORDS: normative theories of International Relations; distributive justice; reforminginternational institutions.

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INTERNATIONAL AGREEMENTS AND PARLIAMENTARY CONTROL IN BRAZIL

Simone Diniz and Cláudio Ribeiro

This article analyzes how federal representatives have exercised their functions in both “legislative”and “political” control in deliberation around international acts. The literature in the field seems toindicate that in Brazil, legal control is faulty, and that within the field of International Relations, muchthe same could be said. A reconstitution of legislative procedures regarding legislative bills (PDL)has enabled us to identify patterns of interaction of powers, showing that the Executive prevails indeliberations on international agreements. Beyond the fact that the Legislature has only the prerogativeof presenting objections to these bills, the Executive must control the time that deliberation oninternational acts is able to take within permanent commissions and, in most cases, the nominationof relaters. In short, even more than within domestic politics, the precepts of the Federal Constitutionand the control mechanisms for the agenda that is available to Executive power place significantrestrictions on operating fields in deliberations on international agreements, primarily with regard to“legislative control”. The efficacy of control mechanisms of the “political” type, such as requestsfor information, remain circumscribed by the potential constraints of the electoral order.

KEYWORDS: international acts; legislative processes; Executive power; Legislative power;parliamentary control.

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THE FALL OF THE BERLIN WALL: A STUDY BASED ON BRAZILIAN SOURCES

Carlos Federico Domínguez Avila

This article explores both the events that led to the fall of the Berlin wall and some of its mostimportant consequences, including those pertaining to German reunification in 1990. We rely largelyon primary sources that have been obtained from the Ministry of Foreign Relations’ Historical

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Archives – after several years of legal protection. Secondary sources are also used – that is,specialized literature on this theme published in Brazil and abroad. Analytically speaking, we verifythe transcendental relevance of the fall of the Berlin wall and subsequent events, both within Germanyand in Europe and the rest of the world. In this direction, we allude to the political and economiccollapse of the German Democratic Republic (GDR), to the most important actors involved in thecrumbling of the wall, to domestic, Inter-German, European and global factors that were incisive inthe processes of reunification of the German nation and to the specific dilemmas of the city ofBerlin within the general context of Germanic reunification. We include a post-data from Novemberof 2009, with some brief comments on the 20th anniversary commemoration of the fall of the BerlinWall.

KEYWORDS: Democratic Republic of Germany; Berlin; Cold War; German reunification; FederalGerman Republic.

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METHODOLOGICAL INDIVIDUALISM, RATIONALITY AND INSTRUMENTAL ACTION:RAYMOND BOUDON’S COGNITIVE PROPOSAL

Bruno Sciberras de Carvalho

This article analyzes the theoretical propositions of Raymond Boudon's methodological individualism,which seeks to disassociate itself from perspectives that emphasize the notion of instrumentalrationality such as understandings of rational choice. Differences between instrumental conductand the idea of cognitive rationality proposed by this sociologist hark back to central themes ofcontemporary social reflection, most specifically the possibly problematic ties between the sociologicaltradition and a certain economic ontology. To reveal the particularities of Boudon’s methodologicalindividualism as well as his notion of cognitive rationality, I first expound on his major critiques of theinstrumental paradigm. I then go on to debate the alternatives he suggests, particularly the notionthat agents incorporate beliefs or theories simply because they have “good reasons” to do so, aswell as his notion of “diffuse rationalization”. Finally I seek to analyze the way in which this Frenchauthor’s theory points to flaws in the economistic view of rationality, although presenting somepropositions that are lacking in precision. Thus, while he signals the important lack of connectionbetween individual agency and social context that inheres within rational choice theory, Boudonelaborates a universalist conception of rationality that seems to overlook the circumstantial anddefined bases of social reality.

KEYWORDS: Social Theory; methodological individualism; rationality; instrumental action.

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THE STATE IN DURKHEIM: ELEMENTS FOR A DEBATE ON HIS POLITICALSOCIOLOGY

Márcio de Oliveira

The fact that there is a political sociology to be found in Durkheim has caused polemic and is acontroversial matter, in Brazil as well as France, particularly because this sub-field does not appearwithin the author’s own division of Sociology into sub-areas. This paper argues that there areelements that enable us to recognize a Durkheimian political sociology. This is concretized througha detailed examination of the theoretical evolution of his thought since he returned from Germany in1886. Following in the tracks of Marcel Mauss, who analyzed his work, and picking up as well fromwhere his most important biographers (Lukes and Fournier) leave off, we look at how themes thatare properly political (in particular, the State) emerge within Durkheimian sociology. We concludeby asserting that it is not through reflection on the issue of power (or the State) in itself, but rather

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de justice internationale, présentent une position plus cohérente avec l’esprit de l'œuvre Une Théoriede la Justice, que son auteur lui-même. Des auteurs comme Charles Beitz et Thomas Pogge,défendent des mécanismes de justice distributive internationale plus cohérents avec le cosmopolitismedu “principe de la différence”, de l’œuvre Une Théorie de la Justice que n’importe quel autreeffort que Rawls fait dans ce sens, dans son œuvre postérieur, plus centré sur les questionsinternationales : Les Droits des Peuples. Plus spécifiquement, nous soutenons que Pogge et Beitzont développé des arguments (la relativisation du principe de la souveraineté absolue des Etats et letransfert international de ressources naturelles), plus solides pour transporter le “principe de ladifférence” au scénario international, que la proposition “rawlsienne” de “devoir d'assistance”, trouvéedans Le Droit des Peuples. Ainsi, nous démontrons que les disciples sont plus fidèles à l’espritcosmopolite pour le plan international que Rawls, en raison de trois choses : la croyance de cesauteurs en une communauté globale de citoyens dans une structure institutionnelle internationale ;l’idée selon laquelle, la production globale de ressources collectives doit être redistribuée à partird’un principe distributif dense ; et pour finir, une redistribution qui peut être juste seulement si elleexige des réformes morales des institutions internationales (Fonds Monétaire International, OrganisationMondiale du Commerce, Banque Mondiale, principe de la souveraineté etc.); dans le sens d’améliorerles conditions de vie des individus les plus pauvres de tous les peuples du système. Cet article al’intention donc, de discuter l’héritage le plus progressif d’auteurs que, en s’inspirant en Rawls, ontdéveloppé des arguments plus cohérents avec l’esprit cosmopolite pour le plan international.

MOTS-CLES : théories normatives de Relations Internationales ; Justice Distributive ; réformes desinstitutions internationales.

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LES ACCORDS INTERNATIONAUX ET LE CONTROLE PARLEMENTAIRE AU BRESIL

Simone Diniz et Cláudio Ribeiro

L’article analyse l’actuation des députés fédéraux dans l'exercice de leurs fonctions de “contrôlelégislatif ” et aussi de “contrôle politique”, dans la délibération des actes internationaux. La littératuretend à indiquer qu’au Brésil, il y a un déficit en matière de contrôle législatif et, dans le domaine desRelations Internationales, le diagnostique n’est pas très différent. La reconstitution des procédureslégislatives des projets de décret législatif (PDL), nous a permis d’identifier le standard d’interactionentre les pouvoirs, avec la constatation que l’Exécutif domine la délibération des accordsinternationaux. En plus du fait que le Législatif a seulement la prérogative de présenter des exceptionsaux décrets législatifs, l’Exécutif a une façon de contrôler le temps pour la délibération des actesinternationaux dans les commissions permanentes et l’indication des rapporteurs dans la majoritédes cas. En résumé, plus encore que dans la politique intérieure, les préceptes de la ConstitutionFédérale et les mécanismes de contrôle de l’agenda à disposition du pouvoir Exécutif, limitent demanière significative le domaine de performance du pouvoir Législatif dans la délibération des accordsinternationaux, principalement par rapport au “contrôle législatif”. L’efficace de mécanismes decontrôle du type “politique”, comme les demandes d'information, restent circonscrits aux possiblescontraintes d’ordre électorale.

MOTS-CLES : actes internationaux ; processus législatif ; pouvoir Exécutif ; pouvoir Législatif ;contrôles parlementaires.

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LA CHUTE DU MUR DE BERLIN : UNE ETUDE AVEC DES SOURCES BRESILIENNES

Carlos Federico Domínguez Avila

L’article explore les événements qui ont résulté à la chute du mur de Berlin, bien comme quelquesunes de ses plus importantes conséquences, y compris par rapport à la réunification allemande, en

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1990. Le texte utilise prioritairement, des sources primaires récupérées dans l'Archive Historique duMinistère des Relations Extérieures du Brésil – après plusieurs années de précaution légale. Dessources secondaires sont aussi utilisées – c’est-à-dire, de la littérature spécialisée dans le thème,publiée au Brésil et à l’étranger. Analytiquement, l’article constate la transcendantale importance dela chute du mur de Berlin et les événements subséquents, en Allemagne elle-même, en Europe etdans le monde. En suivant cette ligne de raisonnement, le texte fait référence au collapse politique etaussi économique de la République Démocratique de l’Allemagne (RDA) ; aux acteurs fondamentauxqui ont mené à l’effondrement du mur ; aux contraintes nationales, interallemandes, européennes etmondiales, qui ont abouti au processus de réunification de la nation allemande et aux dilemmesspécifiques de la ville de Berlin dans le contexte général de la réunification germanique. Le travailinclut une postdate de novembre 2009, où les commémorations du vingtième anniversaire de la chutedu mur de Berlin, sont brièvement commentées.

MOTS-CLES : République Démocratique de l’Allemagne ; Berlin ; Guerre Froide ; réunificationallemande ; République Fédérale de l’Allemagne.

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L'INDIVIDUALISME METHODOLOGIQUE, LA RATIONALITE ET L’ACTIONINSTRUMENTALE : LA PROPOSITION COGNITIVE DE RAYMOND BOUDON

Bruno Sciberras de Carvalho

L’article analyse les propositions théoriques de l’individualisme méthodologique de Raymond Boudon,qui cherche à s’extirper des perspectives qui mettent l’accent sur la conception de “rationalitéinstrumentale”, comme la compréhension du choix rationnel. Les différences entre la conduiteinstrumentale et l’idée de rationalité cognitive proposées par le sociologue, impliquent des thèmescentraux de la réflexion sociale actuelle, principalement des possibles liaisons problématiques entrela tradition sociologique et certaine ontologie économique. Pour montrer la particularité del’individualisme méthodologique de Boudon et sa notion de rationalité cognitive, j’expose premièrementses principales critiques au paradigme instrumental. Ultérieurement, je discute les alternatives suggéréespar Boudon, principalement l’idée que les agents intègrent des croyances ou des théories simplementparce qu’ils ont “des bonnes raisons”, et leur notion d’une “rationalisation diffuse”. Finalement, jecherche analyser de quelle façon la théorie de l’auteur français pointe des failles de la vision économistede rationalité, bien qu’il présente quelques propositions inexactes. Ainsi, au même temps qu’il signaleun manque important de connexion entre l’agence individuelle et le contexte social dans la théorie duchoix rationnel, Boudon élabore une conception universaliste de rationalité qui ne semble pas observerles fondements de circonstance et aussi délimités de la réalité sociale.

MOTS-CLES : Théorie Sociale ; individualisme méthodologique ; rationalité ; action instrumentale.

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L’ETAT CHEZ DURKHEIM : DES ELEMENTS POUR UN DEBAT SUR SA SOCIOLOGIEPOLITIQUE

Márcio de Oliveira

L’existence d’une sociologie politique chez Durkheim provoque des polémiques. C’est un sujetcontroversé, pas seulement au Brésil, mais spécialement en France. Surtout parce que ce “sous-domaine”, n'est pas constaté dans la division des domaines de la Sociologie, présentée par l’auteurlui-même, quand il était en vie. Ce travail défend la théorie selon laquelle, il y a des éléments quipermettent de penser à la sociologie politique de Durkheim. Ça se fait par une analyse détaillée del’évolution théorique de sa logique depuis 1886, quand Durkheim a retourné en Allemagne. En suivantl’indice laissé par Marcel Mauss et en analysant ses œuvres et les œuvres de ses deux biographesles plus importants (Lukes et Fournier), nous enquêtons comment les thèmes proprement politiques