A Psicopedagogia e a linguagem escrita no conceito pós moderno

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 A Psicopedagogia e a linguagem escrita no contexto pós-moderno 126 Psicopedagogia A Psicopedagogia e a linguagem escrita no contexto pós-moderno Cristiene de Paula Alencar 1 Márcia Siqueira de Andrade 2 1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Católica de Goiás. Pós- graduada em Psicopedagogia pela Universidade Salgado de Oliveira. Mestre em Psicopedagogia pela Universidade de Santo Amaro. Mestranda em Psicologia Educacional pelo UNIFIEO. 2 Mestre e Doutora em Psicologia da Educação pela PUC/SP. Coordenadora do Programa de Psicologia Educa- cional – UNIFIEO. RESUMO Este artigo trata de relacionar a visão de mundo sistêmica pós-moderna à psicopedagogia para esclarecer o valor e a função da linguagem, em especial a escrita no processo de desenvolvimento do sujeito-autor e suas relações com o meio sócio- histórico-cultural. Aborda sobre o objeto de estudo da psicopedagogia a fim de apresentar as possibilidades que a psicopedagogia possui, para garanti r a compreensão dos fatos, das coisas, dos conceitos e do mundo, num olhar ampliado e integrador, para posteriormente apresentar a importância da escrita, evitando assim compreensão reducionista desse processo de desenvolvimento humano. PALAVRAS-CHAVE Escrita. Pós-moderno. Processos.  ABS TRAC T This article is to relate the vision of post-modern world Systemic the psicopedagogia to clarify the value and the function of language, especially in the writing process of developmen t of the subject-author and his relationship with the socio-historic al-cultural.  Addressing on the o bject of study of psicoped agogia to present the possib ilities that psicopedago gia have to have an understanding of the facts of things, the concepts and the world, a look enlarged and integrator, to subsequently present the importance of writing, avoiding an understanding this small process of human development. KEY-WORDS  Writing. Postm odern. Process.

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A Psicopedagogia e a linguagemescrita no contexto pós-moderno 126

Psicopedagogia

A Psicopedagogia e alinguagem escrita no

contexto pós-moderno

Cristiene de Paula Alencar 1

Márcia Siqueira de Andrade2

1 Graduada em Pedagogia pelaUniversidade Católica de Goiás. Pós-graduada em Psicopedagogia pelaUniversidade Salgado de Oliveira.Mestre em Psicopedagogia pelaUniversidade de Santo Amaro.

Mestranda em Psicologia Educacionalpelo UNIFIEO.2 Mestre e Doutora em Psicologia daEducação pela PUC/SP. Coordenadorado Programa de Psicologia Educa-cional – UNIFIEO.

RESUMO

Este artigo trata de relacionar a visão de mundo sistêmica pós-moderna àpsicopedagogia para esclarecer o valor e a função da linguagem, em especial a escritano processo de desenvolvimento do sujeito-autor e suas relações com o meio sócio-histórico-cultural. Aborda sobre o objeto de estudo da psicopedagogia a fim de

apresentar as possibilidades que a psicopedagogia possui, para garantir a compreensãodos fatos, das coisas, dos conceitos e do mundo, num olhar ampliado e integrador,para posteriormente apresentar a importância da escrita, evitando assim compreensãoreducionista desse processo de desenvolvimento humano.

PALAVRAS-CHAVE

Escrita. Pós-moderno. Processos.

 ABSTRACT

This article is to relate the vision of post-modern world Systemic the psicopedagogiato clarify the value and the function of language, especially in the writing process of development of the subject-author and his relationship with the socio-historical-cultural.

 Addressing on the object of study of psicopedagogia to present the possibilities thatpsicopedagogia have to have an understanding of the facts of things, the concepts and

the world, a look enlarged and integrator, to subsequently present the importance of writing, avoiding an understanding this small process of human development.

KEY-WORDS

 Writing. Postmodern. Process.

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Psicopedagogia

 Ao relacionar a psicopedagogia ao desenvolvimento da linguagem escrita

no contexto pós-moderno, considero primeiramente fundamental resgatar a

história da Psicopedagogia e esclarecer sobre seu status de cientificidade e

objeto de estudo.

Em Bossa (1994, p.10), Visca aponta para o fato de a psicopedagogia ter sido originalmente uma opção subsidiária da medicina e da psicologia,

revelando que esta se perfilou como conhecimento independente e

complementar, possuída de objeto de estudo, que trata do processo de

aprendizagem e de recursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios.

Nádia Bossa (1994, p.12) afirma que a definição do objeto de estudo da

psicopedagogia passou por fases distintas, em diferentes momentos históricos

que repercutem nas produções científicas. Primeiramente, o objeto de estudo

era o “sujeito que não podia aprender”, concebia-se o “não-aprender” peloenfoque que salientava a falta, priorizando a reeducação e procurando vencer 

as defasagens de aprendizagem. Posteriormente o “não-aprender” é carregado

de significados e não se opõe ao aprender; neste caso, o objeto de estudo é

sempre “o sujeito aprendendo”.

 Atualmente a psicopedagogia trabalha com concepção de processo de

aprendizagem que considera a interferência de um aparelho biológico com

disposições afetivas e intelectuais que interferirão na forma de relação do

sujeito com o meio. Essas disposições são consideradas influenciantes e

influenciadas pelas condições sócio-culturais do sujeito e por conseqüência

pelo seu meio. Dessa forma, numa visão mais ampliada do sujeito, a

psicopedagogia considera a aprendizagem um processo complexo, centrado

no indivíduo e na sua relação com o meio sócio-cultural.

 Andrade (2001, p. 6), discute os aspectos epistemológicos relacionados à

psicopedagogia enquanto disciplina que reivindica a especificidade de sua

área de estudos e o status de cientificidade, caracterizando o pensamento

científico na pós-modernidade como o momento de crise do determinismo,

no qual uma rede de investigações sucumbe sobre as disciplinas, gerandonovos campos de conhecimento.

 A disciplina, principalmente a partir do renascimento, constitui possibilidade

de o desenvolvimento do pensamento científico constituir método de validação

do conhecimento. Porém Fernandéz (in: ANDRADE, 2001, p.7) considera a

psicopedagogia, enquanto disciplina, como indisciplinada :

  Nossa disciplina é indisciplinada, como o são o desejo e o saber.

Indisciplinada porque conhece a falta, os limites. No reconhecimento

da carência está a potência...  A psicopedagogia vai constantemente discutindo seus fundamentos

e construindo suas ferramentas.

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Psicopedagogia

Para Andrade (2002, p.5), o status da psicopedagogia está não na abolição

da idéia de organização, e sim na necessidade de esta ser concebida e

introduzida para englobar as disciplinas parciais, reconhecendo a interligação

de todas na construção do todo.

Propõe-se aqui uma psicopedagogia que ultrapasse as relações causais elineares, crenças que eram da visão de mundo newtoniana, para uma visão de

inter-relação, em que as fronteiras e os limites são relativos e flexivos, num

contexto pós-modernista onde o conhecimento não se fragmenta, porém se

percebe necessário conhecer as partes para relacioná-las e articulá-las ao todo.

Capra (2001) afirma que estamos vivendo atualmente uma crise análoga

em nossa sociedade, pois temos notícias todos os dias pelos jornais de

numerosas manifestações, de crises energéticas, de desastres ecológicos, crise

na assistência à saúde, taxas elevadas de inflação, desemprego, poluição entreoutros, que para o autor são facetas diferentes de uma só grande crise, a crise

de percepção que a humanidade atualmente apresenta.

[...] deriva do fato de estarmos tentando aplicar os conceitos de uma

visão de mundo obsoleta – uma visão de mundo mecanicista da

ciência cartesiana-newtoniana – a uma realidade que já não pode

mais ser entendida em função desses conceitos. Vivemos hoje num

mundo globalmente interligado, no qual os fenômenos biológicos,

 psicológicos, sociais e ambientais são todos interdependentes. (CAPRA,

2001,p.14)

  A tendência do pensamento neopositivista, do mecanicismo, da idéia

fragmentada, nos conduz a uma busca incessante de uma única resposta, de

uma única verdade. Uma característica forte do pós-modernismo é essa

sensação de desconforto pessoal e intelectual que as incertezas nos trazem. A

psicopedagogia, entretanto, nos remete à diversidade, ao olhar amplo, ao ver 

o todo e não só as partes. Mesmo porque a compreensão aqui tratada depende

do ponto de vista, de uma forma de ver tudo em movimento constante e

maravilhosamente interligado.

Para Fernandéz (2001, p. 90), a autoria de pensamento pode ser definida

como o processo ou ato de produção de sentidos ou de sentimentos, e de

reconhecimento de si mesmo como protagonista dessa produção. Neste sentido

é preciso ressaltar a idéia de reconhecimento, pois aquele que não se reconhece

autor, não poderá manter de sua autoria. Ser autor é fazer produzir e responder-

se pela sua produção.

O reconhecer-se atinge dois aspecto: a atividade do pensamento e a

necessária conexão entre os limites da realidade, que delimitam o espaço emque o pensar torna-se necessário e, ao mesmo tempo, possível. Assim, a autoria

do pensar é condição para a autonomia da pessoa e esta, por sua vez, favorece

a autoria de pensar.

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Psicopedagogia

Pensar supõe entrar nos desejos, vendo o possível e o impossível,

trabalhando na direção de fazer provável algo do possível, na habilidade e na

possibilidade de eleger e de decidir. O pensar para Fernandéz (2001, p.91)

ancora-se entre a inteligência e o desejo (de saber) – entre o sujeito e o mundo,

na intersubjetividade.Pensarmos a psicopedagogia dessa forma pressupõe a superação de muitos

conceitos, dentre eles o de disciplina. Será preciso conceber um campo do

conhecimento em que as unidades, sejam elas áreas ou conceitos, possam ser 

consideradas enquanto padrões interligados...  (ANDRADE, 2001, p. 8)

Podemos agora propor, rever nossos conceitos num olhar 

psicopedagogicamente mais ampliado e tratar aqui da produção de sentidos

que o desenvolvimento da linguagem proporciona, em especial a escrita.

Compreendendo o sujeito aprendente como autor de seu pensamento, ao incluí-lo num contexto sócio-histórico-cultural atualmente caracterizado pelo

momento pós-moderno, tentaremos discutir brevemente sobre a função da

linguagem escrita e de sua importância para o desenvolvimento humano e

para a compreensão de sua natureza.

 A linguagem é uma das inúmeras categorias da ação humana que usamos

no nosso incessante vir a ser, tornar-nos. (LEONEL, Maria Libania; FONSECA,

1998, p. 117)

Benveniste (in: CRUZ, 1998, p. 103) afirma que nunca chegaremos aohomem separado da linguagem, pois o que encontramos no mundo é o homem

falante, o homem falando a outro, acreditando que é a linguagem que permite

a própria definição do ser humano. Para Cruz (1998 p. 105) é a língua assumida

pelo homem que fala e, na condição de intersubjetividade, a única que torna

possível a comunicação linguística, considerando que o homem se constitui

como sujeito na e pela linguagem.

Na mesma autora encontramos a citação de Von Foerster (1996), em que

este acredita estar a linguagem e a realidade ligadas, considerando que o

mundo é imagem da linguagem e que esta vem primeiro e o mundo é, portanto,

uma conseqüência dela, ressaltando ainda a necessidade de compreender o

que vemos, caso o contrário, não vemos.

[...] a construção do mundo deverá ser uma proposta como uma

 possibilidade suplementar e não como uma verdade que rejeitaria as

outras leituras de mundo. (ELKAIM, in: CRUZ, 1998, p. 104)

Uma nova percepção sistêmica e pós-modernista nos compromete a tomar 

atitudes de permanente vigilância contra a tentação da certeza, reconhecendo

que nossas certezas não são provas da verdade. O mundo que cada um vê não

é o mundo e sim um mundo.

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Psicopedagogia

Segundo Vygotsky (in: REGO, 1995, p. 63), a conquista da linguagem

representa um marco no desenvolvimento do homem, em que a capacidade

especificamente humana para linguagem habilita as crianças a providenciarem

instrumentos auxiliares na solução de tarefas difíceis, a superarem a ação

impulsiva, a planejarem a solução para um problema antes de sua execução ea controlarem seu próprio comportamento. A linguagem tanto expressa o

pensamento da criança, como age de forma organizadora desse pensamento.

Os signos e as palavras constituem para as crianças um meio de contato

social com outras pessoas, considerando ainda que tanto para adultos, quanto

para crianças a função primordial da fala é o contato social, a comunicação,

tornando-se o desenvolvimento da linguagem impulsionado pela necessidade

de comunicação.

 Vygotsky (1998, p.1) assevera que enquanto não compreendermos a inter-relação de pensamento e palavra, não poderemos responder e nem mesmo

colocar corretamente qualquer uma das questões mais específicas desta área.

De acordo com o autor, estudos genéticos sobre a relação entre a fala e o

pensamento revelam que estes têm origens diferentes e a uma certa altura

essas linhas de desenvolvimento se encontram e se transformam em

pensamento verbal e a fala racional. Revelando ainda que o desenvolvimento

da fala e do pensamento, embora dinâmico e não linear, segue um processo

de estágios que se inicia e evolui da fala exterior para a fala egocêntrica e

desta para uma interior.

 A fala exterior diz respeito à fala mais primitiva da criança, essencialmente

social que se divide posteriormente em fala egocêntrica e fala comunicativa,

ambas sociais, mas com funções diferentes.

 A fala egocêntrica emerge quando a criança transfere formas sociais e

cooperativas de comportamento para a esfera das funções psíquicas

interiores e pessoais, quando as circunstâncias obrigam-na a parar e a

 pensar, e o mais provável é que ela pense em voz alta. A fala egocêntrica,

dissociada da fala social geral, com o tempo vai se tornando fala

interior, tornando-se elo genético de grande importância na transição

da fala oral para a fala interior. (VYGOTSKY, 1998, p.23)

[...] o verdadeiro curso do desenvolvimento do pensamento não vai

do individual para o socializado, mas do social para o individual.

(VYGOTSKY, 1998, p.24)

 A criança primeiro utiliza a fala como meio de comunicação e de contato

com outras pessoas, faz apelos verbais a um adulto para conseguir algo desejado

que ela sozinha ainda não consegue realizar. Isso não representa ainda como

instrumento de pensamento, por não servir como planejamento de seqüências

a serem realizadas e utilizadas.

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Psicopedagogia

Para a resolução de um problema, (como alcançar um brigadeiro

que está em cima de uma geladeira), a criança faz apelos verbais a

um adulto. Nesse estágio a fala é global, tem múltiplas funções mas

não serve ainda como um planejamento de sequências a serem

realizadas. Vygotsky chamou essa fala de discurso socializado. (REGO,1995, p. 66)

 A mesma autora afirma que posteriormente à fala socializada, dirigida ao

adulto para resolver um problema, esta é internalizada e a criança passa a

apelar para si mesma na tentativa de solucionar uma questão e, nesse caso, a

fala, além de realizar funções emocionais e comunicativas começa a ter função

planejadora. A criança agora estabelece diálogo com ela mesma, o que

 Vygotsky nomeou de discurso interior.

[...] ( é como se ela falasse para ela mesma: “ Preciso arrumar um jeito de alcançar esse doce. posso usar uma escada ou um banco”)...

a fala passa a proceder a ação e funcionar como auxílio de um

 plano já concebido mas ainda não executado. (REGO, 1995, p. 66)

Existe ainda uma fala intermediária que funciona como transição entre o

discurso socializado e o interior. Neste momento, a fala acompanha a ação e

se dirige ao próprio sujeito da ação, e a criança fala alto, mas não dialoga com

outro interlocutor, dialoga consigo mesma. Por exemplo: “ como eu posso

pegar aquele brigadeiro que está tão longe? Ah... já sei! Vou subir na mesa!”.

(REGO, 1995, p. 67)

O domínio da linguagem pode aqui ser observado como meio de mudanças

radicais no desenvolvimento, mudanças que possibilitam à criança novas

formas de comunicação com o meio, com outros indivíduos e ainda a

organização do seu modo de agir e de pensar. Neste último momento é que a

linguagem e o pensamento se encontram.

Esquematicamente, podemos imaginar o pensamento e a fala como

dois círculos que se cruzam. Nas partes que coincidem, o pensamento

e a fala se unem para produzir o que se chama de pensamento

verbal. (VYGOTSKY, 1998, p. 58)

Não é apenas por meio da aquisição da linguagem falada que o indivíduo

adquire formas mais complexas de se relacionar com o mundo e de desenvolver 

seu pensamento. O aprendizado da linguagem escrita representa novo e grande

salto no desenvolvimento da pessoa.

Para Vygotsky (in: REGO, 1995, p. 68), este aprendizado é produto cultural

construído ao longo da história da humanidade. A complexidade desse

processo está associada ao fato de a escrita ser um sistema de representação

da realidade extremamente sofisticada, que ativa uma fase de desenvolvimento

dos processos psicointelectuais, o que provoca uma mudança radical de suas

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Psicopedagogia

características gerais. O domínio desse sistema complexo de signos fornece

novo instrumento de pensamento, que propicia diferentes formas de organizar 

a ação e permite outro tipo de acesso ao patrimônio da cultura humana (o

conhecimento).

É importante ressaltar que a compreensão da linguagem escrita é efetuadaprimeiramente por meio da linguagem falada e, quando esta última

gradualmente é reduzida e abreviada, a linguagem falada “desaparece” como

elo intermediário, dando lugar significativo para a linguagem escrita.

[...] o aprendizado da linguagem escrita envolve a elaboração de

todo um sistema de representação simbólica da realidade... identifica

uma espécie de continuidade entre as diversas atividades simbólicas:

os gestos, desenhos e o brinquedo...contribuem para o desenvolvimento

da representação simbólica (onde signos representam significados)...(REGO, 1995, p. 69)

Dada a importância do domínio da linguagem escrita para o indivíduo,

 Vygotsky (1998, p.139) faz um apelo para a necessidade de compreender a

linguagem escrita por meio da sua pré-história, enfatizando a questão de esta

ocupar um lugar estreito na prática escolar, onde se ensina a criança a desenhar 

letras e a construir palavras, mas não se ensina a ela a linguagem escrita; por 

isso, mecaniza-se o ato de ler o que está escrito, que acaba por obscurecer a

linguagem escrita. Este treinamento, embora requeira atenção e esforços

enormes, acaba se tornando fechado e relegando a linguagem escrita viva ao

segundo plano. Dessa forma, a atividade escrita é imposta ao sujeito, de fora

para dentro, vinda das mãos dos professores; parece mais, portanto, com

habilidade técnica; mais do que com desenvolvimento de sentidos e de

significados, que é o que a linguagem pode proporcionar de maior valor ao

ser humano.

Em Vygotsky (1998) a linguagem escrita constitui um sistema particular 

de símbolos e de signos, num simbolismo de segunda ordem que vai

gradualmente se tornando simbolismo direto. Constituída por um sistema designos que designam os sons e as palavras faladas (signos das relações e

entidades reais) e este domínio na criança representa o longo processo de

desenvolvimento das funções comportamentais complexas. É constituído tanto

de evoluções, quanto de involuções. A história do desenvolvimento da

linguagem escrita nas crianças é, por isso, plena de descontinuidades. Para

 Vygotsky:

[...] somente a visão ingênua de que o desenvolvimento é um processo

  puramente evolutivo, envolvendo nada mais do que acúmulos

graduais de pequenas mudanças e uma conversão gradual de uma

  forma a outra, pode esconder-nos a verdadeira natureza desses

 processos. (VYGOTSKY, 1998, p. 141)

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A Psicopedagogia e a linguagemescrita no contexto pós-moderno 133

Psicopedagogia

Para o autor a primeira tarefa da investigação científica é revelar essa

pré-história da linguagem escrita, compreender o que leva as crianças a

escreverem, distinguirem quais os pontos importantes desse desenvolvimento

e quais as grandes mudanças que ele proporciona ao sujeito.

 Assim, ele diz que o início dessa história começa com o aparecimento dogesto, como signo visual para a criança, que corresponde à escrita no ar,

enquanto os signos escritos representam simples gestos fixados. Passa

posteriormente pelo desenvolvimento do simbolismo do brinquedo, na

possibilidade de a criança utilizar alguns objetos como brinquedos e executar 

com eles gesto representativo, que pode ser compreendido como um sistema

complexo da fala através de um gestual que adquire gradualmente significado,

Neste caso a representação simbólica no brinquedo é essencialmente uma

forma particular de linguagem num estágio precoce que leva à linguagem

escrita.

O desenvolvimento do simbolismo no desenho é outra etapa do

desenvolvimento pelo qual a linguagem escrita passa. O desenvolvimento da

linguagem escrita nas crianças se dá pelo deslocamento do desenho de coisas

para o desenho de palavras; para isso, a criança deverá descobrir que se pode

desenhar, além de coisas, também a fala. Segundo Vygotsky:

Foi esta descoberta, e somente ela, que levou a humanidade ao

brilhante método da escrita por letras e frases; a mesma descoberta

conduz as crianças à escrita literal. (VYGOTSKY, 1998, p. 153)

 Assim, o brinquedo de faz-de-conta, o desenho e a escrita devem ser 

  vistos como momentos diferentes de um processo unificado de

desenvolvimento da linguagem escrita, que, embora pareça desconexo,

errático e confuso, faz parte de uma linha histórica que conduz às formas

dessa linguagem.

Podemos, portanto, perceber não só a importância da compreensão da

linguagem escrita para o desenvolvimento pessoal e intelectual humano, sua

função essencial de meio de comunicação com o outro, como também

relacionar a influência marcante da história e da cultura social nesse processo.

Por isso, mais uma vez, se faz necessário ressaltar que o momento histórico

pós-moderno, que vivemos atualmente, nos coloca na posição de uma ação

psicopedagógica voltada para um olhar ampliado das coisas, dos conceitos e

dos fatos como um todo. Salientamos ainda que ninguém é uma ilha, fazemos

parte de um todo, de um sistema global, todos interelacionados, como uma

grande rede de conexões, em que a parte constrói o todo e o todo as partes.

 A visão de mundo que está surgindo a partir da física moderna podecaracterizar-se como orgânica, holística e ecológica... O universo deixa de

ser visto como uma máquina composta por uma infinidade de objetos para

ser descrito, indivisível, cujas partes estão inter-relacionadas e só podem ser 

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A Psicopedagogia e a linguagemescrita no contexto pós-moderno 134

Psicopedagogia

entendidas como modelos de um processo cósmico. (CAPRA in ANDRADE,

2001, p. 8)

Referências

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iniciando a discusão. Memnon: cadernos de Psicopedagogia, n. 1, v. 1, p.

4-13, 2001.

_____.  A escrita inconsciente e a leitura invisível. São Paulo: Memnon,

2002

BOSSA, Nádia Aparecida. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir 

da prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982.

CRUZ, Helena Maffei (1998). Funções da linguagem: uma contribuição às

terapias construcionistas. Anais do III Congresso Brasileiro de Terapia

Familiar. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Terapia Familiar, 1998.

p. 103-107.

FERNANDÉZ, Alicia. O saber em jogo: a psicopedagogia propriciando autorias

de pensamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.

LEONEL, Maria Libania; FONSECA, Sonia Regina da.   A comunicação nafamília sob a ótica pós-moderna.   Anais do III Congresso Brasileiro de

Terapia Familiar. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Terapia Familiar,

1998. p. 114-117.

REGO, Teresa Cristina.  Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da

educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

 VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins, 1998.

_____. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins, 1998.