a Psicologia e a educação moral

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 A Psicologia e a Educação Moral Psychology and Moral Education      A     r      t      i     g     o 584 Leonardo Rodrigues Sampaio Universidade Federal do Vale do São Francisco PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2007, 27 (4), 584-595

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A Psicologia e a

Educação Moral

Psychology and Moral Education

     A    r     t     i    g    o

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Leonardo RodriguesSampaio

Universidade Federal doVale do São Francisco

PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2007, 27 (4), 584-595

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Resumo: Na Psicologia, o campo de estudos sobre o desenvolvimento

moral, a partir de uma perspectiva psicogenética, teve início com otrabalho O Juízo Moral na Criança, escrito por Jean Piaget, em 1932.

Nesse livro, o psicólogo suíço relata uma série de experimentos quedemonstram que a moralidade se desenvolve com o passar do tempo e

à medida que novas aquisições no campo cognitivo e afetivo são

conquistadas pelo sujeito. De lá para cá, esse campo de estudos tem

crescido constantemente e produzido novas teorias e propostas deintervenção no âmbito da educação moral. O objetivo deste artigo é

apresentar uma breve visão sobre algumas das principais teoriaspsicológicas que abordam a questão do desenvolvimento moral,

demonstrar algumas propostas de aplicação dessas teorias em programas

de intervenção e argumentar que a Educação se apresenta como um

espaço privilegiado para o desenvolvimento desse tipo de atividade, quenão tem sido devidamente aproveitado no Brasil.

Palavras-chave: moralidade, Psicologia, Educação.

Abstract: In Psychology, the branch of studies about moral development,

from a psychogenetic perspective, began with the 1932 book  Moral  Judgment of the Child . In this book, Jean Piaget refers to a set of 

experiments demonstrating that morality and acquisitions in the cognition

and affective field are related. Nowadays, this field of studies has grownconstantly and produced new theories and intervention accounts in the

scope of moral education. The objective of this paper is to present a

brief overview of the main psychological theories that deal with moral

development, demonstrating some interventions and arguing that

education is a privileged space for the development of social moral

awareness which has not been duly used to advantage in Brazil.

Key words: morality, Psychology, Education.

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afetividade, Piaget (1932/1994) sustenta que nãose poderia falar de estágios de desenvolvimentomoral propriamente ditos, uma vez que existemvariações muito grandes entre as dimensões damoral e entre os valores de diferentes culturas,

sendo que, em alguns aspectos, os julgamentosheterônomos tendem a prevalecer, mesmo emsujeitos adultos. Tal fato levou-o a concluir queo mais correto seria falar sobre as diferentes fasesde heteronomia e autonomia ao longo da vida econsiderar os diferentes contextos nos quais ainvestigação é realizada.

Piaget (1932/1994) rejeitou perspectivas quepropagavam que os valores morais sãodiretamente introjetados pelas pessoas, e queo papel dos pais e professores deve ser o deensinar às crianças noções como certo e errado,  justo e injusto através de métodos baseadosunicamente na coerção, imposição de normase valores ou utilização de reforços e punições.Ele concebia que as interações sociais têm umpapel muito importante para o desenvolvimentoda consciência moral autônoma, por ofereceroportunidades para que os sujeitos sedescentrem cognitivamente e sejam capazesde enxergar a realidade a partir dos pontos devista de outras pessoas. Nesse sentido, as

interações sociais são essenciais para odesenvolvimento moral, desde que as partesenvolvidas sejam tratadas igualitariamente, quese reconheçam como dignas de seremrespeitadas e se sintam comprometidas com orespeito às opiniões e valores dos outros.

Os princípios das suas teorias foram investigados

e desenvolvidos ao longo dos anos, e deram

origens a outras que compartilham a perspectiva

psicogenética daquele autor. Uma dessas teorias

é a mundialmente conhecida teoria dos estágiosmorais, do psicólogo americano LawrenceKohlberg. Diferentemente de Piaget, Kohlberg

(1964;1976;1992); acredita que o

desenvolvimento da moralidade se dê através

de estágios sequenciais hierarquicamenteorganizados. Além disso, esse autor critica Piaget

ao afirmar que as questões propostas pelopsicólogo suíço eram passíveis de revelar mais

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Estudos sobre odesenvolvimento moral

Em sua única obra destinada à investigação damoralidade, Piaget (1932/1994) apresenta uma

série de experimentos que demonstram que oraciocínio moral se transforma e se desenvolveao longo da infância e da adolescência. Atravésda aplicação de dilemas morais simples, Piagetinvestigava as concepções que crianças dediferentes idades possuíam sobre as regras dos jogos, a mentira, o roubo, a justiça, entre outras.Outra estratégia utilizada em suas investigaçõesera pedir para que crianças brincassem com ele,ensinando-o como se comportar diante dasregras de alguns jogos, como o pique e o jogode bolinhas de gude. Piaget fingia não conhecer

as regras que regulamentam as brincadeirasinfantis para poder questionar as crianças àmedida que o jogo prosseguia.

De maneira geral, ele observou que criançasmuito novas se comportam de maneiraheterônoma diante de questões morais, eacreditava que o respeito unilateral pelas regrasestabelecidas por figuras de autoridade é aessência da moralidade. Nesse sentido, criançaspor volta dos cinco anos ainda não são capazes

de refletir, de maneira autônoma, sobrequestões morais, de questionar as convençõessocialmente estabelecidas e de construir umaconsciência moral independente dos adultos,até que fatores de ordem cognitiva, afetiva esocial interajam adequadamente. Entre essesfatores, por exemplo, estariam a diminuiçãodo egocentrismo infantil, a descentraçãocognitiva e o estabelecimento de relaçõessociais, nas quais predominam a cooperação eo respeito mútuo. A partir da interação desses

e de outros fatores, a criança passa areconhecer-se como igual diante das outraspessoas, a conceber que as noções moraisdependem do estabelecimento de acordossociais que buscam privilegiar o grupo comoum todo e a ter uma consciência moralverdadeiramente autônoma.

Apesar de considerar que a moralidade tendaa desenvolver-se paralelamente à cognição e à

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 Através daaplicação de

dilemas moraissimples, Piaget investigava as

concepções quecrianças de

diferentes idades possuíam sobre as

 regras dos jogos, a

mentira, o roubo, a justiça, entre

outras.

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o conteúdo do pensamento do que a estruturade raciocínio das crianças, o que teria levado

Piaget a não identificar estágios dedesenvolvimento moral altamente delimitados.

Para Kohlberg (1964;1976; 1992); assim comopara Piaget (1932,1994), o desenvolvimentoda moralidade está ligado, sobretudo, aodesenvolvimento cognitivo e afetivo e àsinterações sociais estabelecidas ao longo davida. Utilizando-se de um instrumentodenominado Moral Judgment Interview (MJI),que se constitui de uma série de dilemas moraishipotéticos, Kohlberg construiu uma tipologia

na qual se organizam três grandes níveis,compostos, cada um, por dois estágios.

O primeiro nível seria o pré-convencional(estágios 1 e 2), durante o qual predominamnoções hedonistas e egoístas, nas quais se buscaassegurar apenas os interesses pessoais; osegundo nível é o convencional (estágios 3 e4), em que as noções morais se vinculam aocumprimento das convenções sociais, para queo sujeito seja aceito e bem-visto pelos outros;por fim, o terceiro nível é o pós-convencional(estágios 5 e 6), no qual prevalece o respeito

pelas instituições sociais e pelos direitoshumanos. Segundo os dados obtidos porKohlberg e seus colaboradores, ao longo dosanos, uma parcela muito pequena da populaçãoestadunidense chega a atingir o 5º estágio dedesenvolvimento moral, e apenas algumasfiguras históricas, como Gandhi, Madre Terezae Luther King, teriam alcançado o 6º estágio.

Kohlberg (1964 apud Hoffman, 1976, 1992)destaca que um fator primordial para aconstrução da noção de justiça – que é central

na sua teoria – seria as interações nas quaisexistem oportunidades de role-taking e duranteas quais os sujeitos interagem e tomam aperspectiva de outras pessoas, imaginando oque elas pensam ou sentem. A idéia por trásdesse pressuposto baseia-se na concepçãopiagetiana de que o desequilíbrio socio-cognitivoprovocado por processos de tomada deperspectiva obriga os indivíduos a vivenciarem

conflitos capazes de motivá-los a buscar níveismais elevados de desenvolvimento e estados

de equilíbrio cada vez mais estáveis. Nessesentido, à medida que o sujeito confronta seuponto de vista com o de outras pessoas, vê-se

obrigado a refletir sobre suas próprias idéias e abuscar o refinamento ou o melhoramento dasmesmas, através da construção de argumentosmais sólidos e complexos, o que transformaum processo cognitivo em uma atividade deordem metacognitiva.

Os dados de pesquisas coletados ao longo dosanos, bem como as reflexões teóricas

produzidas a partir dos trabalhos de Piaget(1932,1994) e Kohlberg (1964 apud Hoffman,

1976, 1992), deram subsídios para que Blatt,em 1975, juntamente ao próprio Kohlberg,elaborasse um programa de intervenção voltadopara a promoção do desenvolvimento moral.Esses pesquisadores demonstraram ser possívelfazer os sujeitos evoluírem um ou dois estágiosmorais através da promoção de debatescoordenados, nos quais estejam envolvidostemas morais.

Em linhas gerais, a proposta desse programa é

organizar grupos formados por sujeitos dediferentes níveis de desenvolvimento e,estimulando-se o respeito entre os membrosdo grupo, fazer com que haja confronto deargumentos, promoção de conflitossociocognitivos e oportunidade de tomadas deperspectivas. Segundo Biaggio (1997), a técnicade Blatt e Kohlberg não busca promover aeducação moral pelo relativismo ou peladoutrinação, mas pelo conflito cognitivoproduzido nos debates, que possibilita aoprofessor/ orientador criticar as respostas morais

de níveis inferiores sem ser desrespeitoso paracom as opiniões dos alunos e sempredeterminar quais sejam as respostas“corretas”.

Com base na pesquisa de Blatt e Kohlberg(1975), Kohlberg e seus colaboradoreselaboraram e implantaram programaseducacionais voltados para o desenvolvimento

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da autonomia moral de estudantes e para acriação de ambientes democráticos em escolaspúblicas dos Estados Unidos (Kohlberg, Power,Higgins, 1989). Dentre esses trabalhos,destacam-se as escolas secundárias alternativas

Cluster (Massachusetts) e a Escola Scardale(Nova York). Nestas, Kohlberg e seuscolaboradores buscaram criar ambientesdemocráticos nos quais alunos e professorestinham direito de opinar igualitariamente e sereuniam em pequenos e grandes grupos(através de uma espécie de assembléia geral)para discutir questões ligadas às normasescolares, atitudes individuais ou grupais,punições, etc, e chegar a decisões coletivasque refletissem a vontade da maioria dos

membros da “comunidade”. De acordo comBiaggio (1997), alguns estudos demonstraramque o trabalho de Kohlberg foi efetivo parapromover avanços na atmosfera moral dasescolas durante os quatro primeiros anos defuncionamento do programa.

No Brasil, o trabalho de Dias (1999) demonstrauma aplicação eficaz da técnica de discussãode Blatt e Kohlberg (1975) para promoveravanços no julgamento moral. Utilizando-se deum delineamento experimental, essa autoraorganizou dois grupos (experimental e controle)de adolescentes com diferentes níveis de julgamento moral e avaliou-os em um pré-testeatravés do Defining Issues Test . Durante quatromeses, os participantes do grupo experimentalparticiparam de sessões de discussão sobredilemas morais, cujos temas eles mesmohaviam escolhido previamente, enquanto ogrupo de controle manteve as atividadesescolares rotineiras. Nos resultados do pós-teste, Dias observou que, no grupo

experimental, o número de participantes queavançou foi significativamente superior aonúmero de participantes que regrediu nosestágios kohlbergianos de julgamento moral,enquanto, no grupo controle, não houvediferenças entre o número de participantes queavançaram e os que regrediram. Além disso,

no grupo experimental, a média dos escoresde avanço foi superior à média dos escores de

regressão, ao passo que, no grupo controle, nãohouve diferenças significativas entre essas duasmédias.

Outro exemplo interessante de aplicação da

técnica supracitada pode ser observado noestudo de Biaggio e col. (1999), quedemonstrou que o método desenvolvido porBlatt e Kohlberg também pode ser utilizado parapromover avanços nos níveis de maturidade deoutros tipos de julgamentos. Nesse estudo, ospesquisadores trabalharam com um grupo dedezesseis adolescentes, durante um semestreletivo, utilizando dilemas com assuntos ligadosà ecologia. Nos resultados, observou-se queapenas os adolescentes que participaramefetivamente das discussões haviam aumentado

significativamente seus escores de maturidadenos julgamentos relacionados às atitudesambientais favoráveis, o que indica aimportância de aspectos motivacionais paraeficácia da técnica de discussão.

Seguindo uma linha de raciocínio semelhante àdos trabalhos anteriores, Covell e Howe (2001)desenvolveram um currículo voltado para oaprendizado sobre os direitos da criança, quefoi testado em escolas canadenses,

paralelamente ao currículo regular. Para tanto,foram feitas atividades de role-play, discussões,debates sobre direitos e responsabilidades e odesenvolvimento de projetos comunitários.Covell e Howe observaram que, após seis mesesde intervenção, as crianças e adolescentes quetomaram parte do programa demonstrarammaiores níveis de auto-estima, preocupaçãocom os direitos dos outros e de conhecimentosobre os direitos individuais e coletivos do queoutros que não haviam participado do programa.

Os resultados dos estudos descritosanteriormente corroboram o pressupostopiagetiano de que os conflitos cognitivosoriginados nas interações sociais têm potencialpara promover avanços de desenvolvimento,além de demonstrar que a técnica de Blatt eKohlberg é eficaz em fomentar a evolução nosníveis de julgamento sócio-moral. Além disso,os trabalhos de Biaggio (1997), Biaggio e col.

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(1999) e Dias (1999) sugerem que intervençõesdessa natureza podem ser prontamenteadaptadas ao contexto educacional brasileiro,desde que existam algumas condições como,por exemplo, envolvimento e capacitação dos

professores, organização de espaços (físicos etemporais) adequados, motivação dos alunos,integração do programa ao currículo regular e,acima de tudo, a criação de um climademocrático no qual prevaleça o respeito mútuoentre os membros da comunidade escolar.

A importância dos trabalhos de Piaget eKohlberg para o desenvolvimento do campode estudos sobre a moralidade, e para aPsicologia como um todo, é incontestável. Maisespecificamente, destaca-se que, a partir daperspectiva psicogenética desses autores, amoralidade passou a ser vista como umadimensão que evolui sob influência dasinterações sociais e do desenvolvimentocognitivo-afetivo, e não pode, portanto, serdiretamente ensinada tal como os conteúdoscurriculares tradicionais da escola. Apesar dessaimportância, alguns teóricos têm criticado essesautores ao afirmar que o estudo da moralidade,a partir das perspectivas piagetiana ekohlbergiana, enfatiza, sobremaneira, fatores de

ordem cognitiva e desconsidera a importânciaque a vida afetiva tem para a moralidade.

No entanto, é preciso lembrar que, na teoriade Piaget (1962; 1932,1994; 2001; 1964/ 2005), cognição e afetividade apresentam-secomo aspectos indissociáveis do funcionamentomental e que, nesse sentido, não se pode falarde condutas que representam aspectos deapenas uma dessas dimensões. Kohlberg(1992), por sua vez, afirma que uma

interpretação errônea de sua teoria e da teoriade Piaget levou algumas pessoas a acreditaremque o desenvolvimento cognitivo determina odesenvolvimento da afetividade. SegundoKohlberg, o que ele e Piaget propõem é queafetividade e cognição possuem uma baseestrutural comum e paralela, e que os  julgamentos morais não são puramentecognitivos, mas possuem componentes afetivose motivacionais.

Apesar de não ser procedente uma críticalevantada sobre um possível viés cognitivistadas teorias piagetiana e kohlbergiana, faz-senecessário salientar que, mesmo esses autorestendo considerado que a afetividade tem um

papel importante na construção da moralidade,nem um nem outro estudaram comprofundidade qual seria esse papel e quaisprocessos psicológicos estariam envolvidos narelação entre cognição, afetividade emoralidade. Com base nessa lacuna empírico-teórica e partindo do pressuposto de que aafetividade, tanto quanto a cognição, édeterminante para o desenvolvimento moral,outros autores têm construído teorias sobre amoralidade cuja orientação epistemológicadiverge daquelas adotadas por Piaget e

Kohlberg. Um desses autores é Martin L.Hoffman.

Na ciência psicológica, a relação entreafetividade e cognição já havia sido amplamentediscutida por grandes autores como Carl Rogers,Gordon Alport e Sigmund Freud, mas foi só comos trabalhos de Hoffman que a vida afetivapassou a ser investigada a partir de umaperspectiva desenvolvimentista e ganhoudestaque fora do contexto clínico. Na teoria

de Hoffman (1987, 1991), destaca-se oimpacto que o desenvolvimento da empatiatem sobre o julgamento e comportamentomorais. Para esse autor, a empatia diz respeitoa uma experiência vicária, na qual um sujeitovivencia uma resposta afetiva que é maisadequada a uma outra pessoa do que a elamesma. Essa resposta seria produzida,sobretudo, em momentos nos quais o sujeitopercebe que a outra pessoa vivencia sensaçõesnegativas, dolorosas ou está em situação de

perigo potencial, o que desperta estadosafetivos semelhantes no próprio observador.

Nesse sentido, e diferentemente de outrosautores do campo da Psicologia dapersonalidade, para Hoffman (1987; 1991), aempatia não diz respeito a um encontro exatode emoções, porque as pessoas são incapazesde sentir exatamente o que os outros sentem.Ao invés disso, ele sugere que, por meio das

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 Na ciência

 psicológica, a relação entreafetividade ecognição já haviasido amplamentediscutida por grandes autorescomo Carl Rogers,Gordon Alport eSigmund Freud,mas foi só com ostrabalhos de

 Hoffman que avida afetiva

 passou a ser 

investigada a partir de uma

 perspectivadesenvolvimentistae ganhoudestaque fora docontexto clínico.

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representações mentais que as pessoasconstroem umas sobre as outras e das pistassituacionais que se fazem mais relevantes nomomento em que ocorrem as interaçõessociais, os seres humanos são capazes de

vivenciar, vicariamente, diferentes tipos deafetos empáticos. Entre esses afetos, destacam-se o sentimento de injustiça, o ódio e asimpatia.

Apesar de julgar que a empatia seja elementofundamental para a constituição da moralidade,Hoffman (1987; 1991) também considera aimportância que fatores cognitivos têm para odesenvolvimento moral. Para esse autor, coma evolução nas capacidades de tomada deperspectiva e de elaboração de representaçõesmentais, os indivíduos passam a poderdesenvolver a empatia com pessoas que estãodistantes espacialmente e/ou temporalmente,aplicando a elas os mesmos julgamentos moraisaplicados a pessoas que estão mais próximas.Por meio dessa propriedade é que, porexemplo, algumas pessoas são capazes de sentircompaixão pelas famílias das vítimas do furacãoque devastou, há algum tempo, a cidade deNova Orleans, nos Estados Unidos, mesmo queessas pessoas não estejam lá.

No que diz respeito especificamente àcompaixão – que é um dos componentes dosentimento de simpatia –, Hoffman (1987;1989

a; 1989

b;1991) argumenta que questões

afetivas influenciam fortemente a elaboraçãodos julgamentos morais e o engajamento emações pró-sociais. Assim, a simpatia, além deproduzir um sentimento de angústia oupreocupação, também possui um componentemotivacional que impele o indivíduo a buscar

uma forma de aliviar o sofrimento, a injustiçaou o revés do próximo. A simpatia seria, então,a explicação para o fato de algumas pessoas seengajarem em ações sociais que buscam

promover maior qualidade de vida paraindivíduos marginalizados, excluídos ou quesofrem algum tipo de injustiça, mesmo que,para isso, elas tenham que sacrificar algumasvontades pessoais.

Segundo Hoffman (1987; 1991), além dessapropriedade motivacional, a empatia seria muitoimportante para a internalização e escolha deprincípios morais em situações nas quaisdiferentes cursos de ação se tornam possíveis

e que dilemas morais se estabelecem. Essaimportância se revela na medida em que aassociação entre um princípio moral e um afetoempático/simpático cria uma representaçãomental afetivamente carregada, chamada dehot-cognition. Essa representação é fundamentalpara a promoção do desenvolvimento moral,pois, em uma situação na qual o sujeito tenhaque escolher entre um ou mais princípiosdisponíveis, ou tenha que internalizar um novoprincípio, o processo passa a ser mediado porum componente afetivo, com característicasclaramente altruísticas. Além disso, as hot-

cognitions teriam a capacidade de dirigir ocomportamento do sujeito em situações futuras,o que possibilita a aplicação imparcial deprincípios morais a contextos diferentesdaqueles nos quais as hot-cognitions foramoriginalmente constituídas.

Partindo de pressupostos semelhantes àquelespropostos por Hoffman (1987; 1991), uma sériede autores (Kristjaânsson, 2004) tem afirmado

a importância de que se investiguem, com maisprofundidade, as relações entre aspectosafetivos, cognitivos e a moralidade. No Brasil,citam-se, como exemplos, os trabalhos deCeconello e Koller (2000) e Araújo (2000) eLima (2004). Além disso, tem-se discutido(Ruiz, Vallejos, 1999; Araújo, 2000; Verducci,2000) cada vez mais a importância de que aeducação moral passe a ser guiada porparâmetros que não enfatizem apenas ummodelo puramente racional/cognitivista, masque se paute na constituição de programas nosquais aspectos afetivos possam ser englobadosàs propostas de intervenção.

Stephan e Finlay (1999), por exemplo, fazemuma revisão de alguns programas de intervençãocujos objetivos eram promover a autonomiamoral e o engajamento em comportamentospró-sociais, estimulando a capacidade de role-

taking e o desenvolvimento de habilidades

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 No que diz respeito

especificamente àcompaixão – que

é um doscomponentes do

sentimento desimpatia –,

 Hoffman (1987;1989a; 1989b;

1991) argumentaque questões

afetivasinfluenciam

fortemente aelaboração dos

 julgamentos moraise o engajamento

em ações pró-sociais.

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empáticas, através de atividades comodiscussão sobre dilemas morais, role-plays,debates com a participação de pessoas dediferentes grupos étnico-raciais, etc. Umdiferencial desses programas em relação à

técnica de Blatt e Kohlberg (1975) é que, emalgumas dessas atividades, solicita-seexplicitamente que os participantes tentem secolocar no lugar das outras pessoas e a imaginaro que elas estariam pensando ou sentindo.Como Batson e cols. (1995) demonstraram,esse tipo de instrução tem o potencial paraestimular componentes cognitivos e afetivos daempatia, passíveis de influenciar ocomportamento e o julgamento moral daspessoas. Tal fato pode ser de bastante valia parao campo da educação moral, visto o potencialque esse tipo de técnica pode ter.

Psicologia moral e Educação:espaço de interlocução

Considerando-se as importantes descobertasempíricas e reflexões teóricas produzidas nocampo do desenvolvimento moral ao longo dosanos, uma questão se impõe: como esses dados

têm sido transformados em ações voltadas para

o desenvolvimento de indivíduos moralmenteautônomos e comprometidos com o respeito

ao próximo? Na nossa perspectiva, essas açõesse apresentam, ainda, de maneira muito tímida,considerando-se a enorme quantidade de dados  já produzidos e uma necessidade social cadavez mais forte. Exemplo da existência dessanecessidade é que se fala constantementesobre uma possível inversão de valores nacontemporaneidade. Por conseguinte, prega-se que esse processo é responsável por levaras pessoas a não se pronunciar diante de, e atémesmo a concordar com atos que feremviolentamente a dignidade humana. Acessaralgum meio de informação e analisar asprincipais manchetes, conversar com os colegasno trabalho, ou mesmo olhar para fatos docotidiano com um pouco mais de atenção já ésuficiente para que se perceba que realmenteexiste alguma coisa errada ou “invertida” emnossa sociedade: o mundo vive com medo de

ameaças terroristas, as nações promovemguerras por interesses escusos, crescem asdesigualdades sociais, a miséria e o sofrimentodas pessoas, autoridades utilizam-se do poderpara desviar dinheiro de pessoas mais

necessitadas, etc.

A partir de uma análise sobre essa realidade edo potencial que o conhecimento tem parapromover transformações sociais, uma segundaquestão deve ser formulada: é possível utilizar 

o conhecimento produzido no campo de

investigações sobre o desenvolvimento moral

 para promover ações capazes de transformar a

realidade social supracitada? Antes de tudo, éimportante salientar que, com taisquestionamentos, não estamos tentandoencontrar uma “fórmula para salvar ahumanidade de si mesma”. A proposta dopresente trabalho é muito mais modesta, esugere apenas que a Educação moral tem muitoa contribuir para a construção de uma sociedademais justa e solidária, na qual os sujeitos sãomoralmente autônomos e se respeitammutuamente. Todavia, ressalta-se que essacontribuição deve passar, necessariamente, poruma análise cuidadosa do conhecimento até

então produzido em diversas áreas e por uma

reflexão acerca da construção de espaços nosquais esses conhecimentos possam seraplicados de maneira eficaz. A nosso ver, umdesses espaços é constituído justamente na

interface ocupada pela Psicologia e pelaEducação, no âmbito da educação moral.

Não é de hoje que esses dois campos exerceminfluência um sobre o outro e contribuem para

o desenvolvimento científico e social. Apesardas dificuldades em se transformar resultados

de pesquisa e conhecimento psicológico empráticas educativas e da ocorrência de algumasdistorções desse conhecimento, quando de sua

aplicação ao contexto escolar, considera-se quea inter-relação entre Psicologia e Educação tem

sido muito produtiva e promissora. Porém, no

que diz respeito especificamente à educaçãomoral, julga-se que ainda não há uma verdadeira

aproximação entre esses campos.

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...é possível utilizar 

o conhecimento produzido nocampo deinvestigaçõessobre odesenvolvimentomoral para

 promover açõescapazes detransformar a

 realidade social supracitada? 

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Nesse sentido, a Psicologia tem se mostradomuito eficaz em investigar e compreender osprocessos envolvidos no desenvolvimentosócio-moral, ao mesmo tempo em quecaminha muito lentamente quando se pensa

na aplicação do conhecimento produzido forade contextos experimentais. A Educação, porsua vez, trabalha com questões pertinentes paraa promoção do desenvolvimento sócio-moral,mas de maneira puramente didática e comênfase, sobremaneira, apenas nos aspectoscognitivos envolvidos naquele processo. Alémdisso, em nosso país, a Educação sofre comuma enorme dificuldade de eleger temasprioritários para a formação dos estudantes,pois, de maneira geral, o ingresso naUniversidade ou no mercado de trabalho temse tornado o último e mais importante objetivodo sistema educacional brasileiro.

Os Parâmetros CurricularesNacionais e o desenvolvimentomoral

No que se refere à questão da educação moral,

observa-se que essa temática é abordada pelos

Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, mais

especificamente nos trechos em que se discutea questão dos temas transversais e da ética.Segundo tal documento, a Educação deve estar

voltada não só para o ensino de conteúdos

acadêmicos tradicionais, mas também preocupada

com a formação de cidadãos comprometidos com

o respeito pelo meio ambiente, a diversidade

cultural, a dignidade e o valor da vida humana.

Para alcançar essas metas, sugere-se que adiscussão sobre temas como saúde, pluralidade

cultural, meio ambiente, orientação sexual e a

própria ética esteja acoplada ao ensino dedisciplinas tradicionalmente trabalhadas nas

escolas, como Física, Química, História, etc.

Ressalta também que a informação deve ser vistacomo um dos fatores responsáveis pela formação

e transformação de valores e atitudes, mas não

como o único, pois os educadores devem

considerar também o conhecimento e os valores

que as crianças trazem para o ambiente escolar.

O texto dos PCNs destaca que um dos objetivosdo ensino fundamental deve ser capacitar osalunos para: “compreender a cidadania como

  participação social e política, assim como

exercício de direitos e deveres políticos, civis e

sociais, adotando, no dia a dia, atitudes desolidariedade, cooperação e repúdio às injustiças,

respeitando o outro e exigindo para si o mesmo

respeito” (BRASIL, 1997, p. 09). Nesse sentido,a educação brasileira deve ser norteada porprincípios que assegurem a dignidade da pessoahumana, a igualdade de direitos entre aspessoas, a participação e a co-responsabilidadepela vida social. Como exemplos de práticasescolares nas quais se possa promover aformação de uma consciência cidadã, os PCNssugerem atividades nas quais os indivíduospossam construir regras de convivência, autilização de discussões coletivas acerca desituações-problema, com temáticas ligadas aorespeito mútuo e à cooperação e odesenvolvimento de projetos nos quais osestudantes realizem ações voltadas para apromoção da cidadania, entre outras.

A nosso ver, conseguir fazer com que as açõespessoais e institucionais se baseiem nosprincípios defendidos pelos PCNs é o objetivo

principal desejado por qualquer Estadodemocrático e meta a ser perseguida por todoprograma de intervenção que vise a promovero desenvolvimento sócio-moral. Porém, umaanálise superficial do sistema educacionalbrasileiro já é suficiente para indicar que aproposta mais geral dos Parâmetros CurricularesNacionais, na maioria dos casos, não vem sendoefetivamente colocada em prática. Os fatoresque impedem que o projeto de educação cidadãsugerido pelos PCNs se transforme em açõesrealmente efetivas têm sido amplamentediscutidos e dizem respeito, sobretudo, aquestões culturais, econômicas e políticas maisamplas, sobre as quais não se pretende debruçarno presente trabalho. Como já foi dito, o quese pretende, neste artigo, é sugerir apossibilidade de construção de um espaço dediálogo e interlocução entre a Psicologia morale a Educação, no qual se possa pensar melhornessas questões e no qual o conhecimento

592

  A Psicologia e a Educação Moral

PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2007, 27 (4), 584-595

“compreender acidadania como

 participaçãosocial e política,

assim como

exercício dedireitos e deveres

 políticos, civis esociais, adotando,

no dia a dia,atitudes de

solidariedade,cooperação e

 repúdio àsinjustiças,

 respeitando ooutro e exigindo

 para si o mesmo respeito” 

(BRASIL, 1997, p. 09)

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possa ser verdadeiramente transformado emações.

Compartilhando da perspectiva psicogenéticade autores como Piaget, Lev Vigotsky e Henri

Wallon, considera-se que a escola se constituiem um espaço privilegiado de interação, noqual o desenvolvimento deve ser promovido e

amplamente estimulado em todas as suasdimensões. Na escola, os alunos se deparamcom a diversidade em suas várias nuances(cultural, social, ideológica, etc) e têm queaprender a respeitar regras e costumes vigentesnaquela instituição, ao mesmo tempo em quenão perdem sua individualidade. Nesse sentidoé que a escola é vista como um local onde se

formam conflitos das mais diversas ordens,importantíssimos para a constituição dasubjetividade.

De maneira geral, observa-se que existempressupostos comuns entre as teorias de autorescomo Piaget e Kohlberg e a proposta defendidapelos Parâmetros Curriculares Nacionais

1.

Considera-se, por exemplo, o destaque queambos dão às interações sociais e às atividadesque promovem desequilíbrios socio-cognitivoscom vista à promoção do desenvolvimento moral.Todavia, considera-se que o diálogo entrePsicologia e Educação ainda é insuficiente paraque se possa pensar em ações que vão além doparadigma racionalista/ intelectualista e que, aomesmo tempo, sejam viáveis. Segundo Dias

(1999), algumas pesquisas demonstram que, namaior parte das escolas brasileiras, existe umaprevalência de modelos educacionais nos quaispredominam a heteronomia moral, a coerção eo respeito unilateral, características essas querepresentam entraves ao desenvolvimento deuma consciência moral autônoma, tal qual haviasido proposto por Piaget.

Concordamos com Galvão (2004) quandoafirma que a Educação não pode ter, como metamáxima, apenas o desenvolvimento intelectual,visto que essa dimensão representa apenas ummeio para que se possa chegar aodesenvolvimento da pessoa como um todo.

Nesse sentido, os dados produzidos no campodas investigações psicológicas podem ser defundamental importância para a construção denovas propostas para a educação moral, nasquais se considere o papel da afetividade para

a formação de indivíduos moralmenteautônomos e socialmente comprometidos.

Conceber a Educação como um espaçodialógico no qual esses processos sejam vistosa partir de uma perspectiva mais afetiva erepensar a própria noção de moralidadeconfiguram bons pontos de partida. Além disso,redefinir os objetivos da educação moral e daprópria Educação como um todo é elementoimprescindível para que a interface entrePsicologia e Educação seja fortalecida.

Transformar teorias (sejam elas científicas,políticas ou de qualquer outro tipo) e resultadosde pesquisa em ações capazes de mudar arealidade é um processo difícil e meticulosopara o qual se fazem necessárias clareza dosobjetivos, coerência da proposta eresponsabilidade na implementação da mesma.Se esses objetivos passam pelo aprendizadomeramente didático (ou “frio”, como diriaHoffman) de princípios ou padrões ideais de

comportamento, e por uma aprendizagem denível meramente lingüístico, então os modelospropostos para a educação moral atuais dãoconta do recado. Contudo, se o objetivo éformar cidadãos que, além de falar sobreprincípios morais ideais, sejam verdadeiramentecomprometidos com esses princípios e com aconstrução de uma sociedade mais justa,considera-se que novos modelos devam serpropostos.

O processo de mudança no âmbito da educaçãomoral já foi iniciado em outros países, mas, noBrasil, ele caminha muito lentamente, comenorme distanciamento entre prática e teoria.Considera-se de fundamental importânciamaior aproximação entre Psicologia e Educação,no sentido de que se possam pensar,conjuntamente, estratégias para aplicação doconhecimento na elaboração de políticaspúblicas educacionais voltadas para a formação

593

Leonardo Rodrigues Sampaio

1 Para uma discussão mais

aprofundada sobre esta

questão, sugere-se

consultar Oliveira (2001).

PSICOLOGIA CIÊNCIA EPROFISSÃO, 2007, 27 (4), 584

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da consciência cidadã. Algumas dessasestratégias podem passar pela criação deambientes educacionais nos quais os alunosaprendam a opinar e a serem responsáveispelas suas decisões, nos quais o conhecimento

sobre o desenvolvimento sócio-moral e afetivofaça parte da formação dos educadores, ondetemas como ética, valores, direitos e justiçapossam ser discutidos democraticamente, e nosquais prevaleça o respeito mútuo entre osmembros do grupo. Por fim, julga-se que oaperfeiçoamento e a adequação de propostascomo as de Blatt e Kohlberg (1975) e aquelasdescritas por Stephan e Finlay (1999) sejammuito importantes para a transformação darealidade educacional e social brasileira. Talvez,dessa maneira, o potencial que a Educação tempara transformar a realidade social e para formarindivíduos socialmente responsáveis, solidáriose comprometidos com o respeito aos direitoshumanos seja plenamente aproveitado.

Considerações finais

As investigações psicológicas sobre a moralidadee a afetividade evoluíram bastante nas últimastrês décadas e produziram um corpo de dadosmuito significativo para a compreensão dos

processos envolvidos na vida em sociedade.Partindo de teorias psicológicas como as de Piaget,Kohlberg e Hoffman, têm-se desenvolvidotrabalhos de intervenção que visam a promovero desenvolvimento sócio-moral e afetivo emcontextos educacionais. De maneira geral, paísescomo os Estados Unidos têm investido bastanteem programas desse tipo e no desenvolvimentode novas tecnologias educacionais.

No caso do Brasil, apesar dos ParâmetrosCurriculares Nacionais proporem que o

desenvolvimento moral e a formação da

consciência cidadã devem ser estimulados nasescolas desde as primeiras séries, não se tem

notícia de ações que sejam realmente eficazespara promover tal desenvolvimento.

Considera-se que uma aproximação maior entrea Psicologia e a Educação poderá colaborar

muito para a elaboração de ações que

transformem a proposta geral dos PCNs empolíticas públicas efetivas e práticas educacionais

mais sofisticadas, que ousem desafiar ahegemonia do paradigma racionalista/ 

intelectualista presente em nosso sistema

educacional. No âmbito da educação moral,aspectos afetivos devem ser considerados tão

importantes quanto aspectos cognitivos, afinalde contas, a moralidade não pode ser ensinada

como outro conteúdo qualquer, pelo menos

não nos moldes clássicos em que um sujeitoensina e o outro aprende passivamente.

A verdadeira consciência moral autônoma deve

ser construída através de interações nas quaisprevaleçam o respeito mútuo e a cooperação,

e nas quais a afetividade seja vista como umdos fatores responsáveis pela mobilização dasações em nível pessoal e interindividual. Como

diria o próprio Piaget (1962, p.3), “... não há

atos de inteligência, mesmo de inteligência

 prática, sem interesse no ponto de partida e

regulação afetiva durante todo o processo de

uma ação, sem prazer do sucesso ou tristeza no

caso do fracasso”.

594

  A Psicologia e a Educação Moral

Leonardo Rodrigues SampaioMestre em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco.

Universidade Federal Do Vale Do São Francisco – UNIVASF. Campus Petrolina. Colegiado dePsicologia. Av. Deputado Manoel Novaes s/n. Bairro Maria Auxiliadora. CEP: 56302-970. Petrolina –PE. Fone: (87) 3863-9046.E-mail: [email protected]

Recebido 15/08/06 Reformulado 07/02/07 Aprovado 08/02/07

2.Por exemplo, no texto

dos PCNs afirma-se que

a autonomia moral é um

estágio de

 d e s e n v o l v i m e n t o

 psicológico atingido

 pelos indivíduos.

3.Como exemplo, cita-se

a proposta do programa

  LVEP – Living ValuesEducational Program , a

qual vem sendo

atualmente trabalhada

nos Estados Unidos.

 Este programa visa, em

linhas gerais, capacitar 

 professores para que os

mesmos possam

contribuir para o processo

de internalização de

valores morais dos seus

alunos.

PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2007, 27 (4), 584-595

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Referências