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ALCÂNTARA, Carlos Henrique Gomes de. GOMES, Ana Virgínia Moreira. A proteção do
trabalho doméstico após a emenda constitucional nº 72/2013 e a lei complementar nº 150/2015.
In: Revista Eletrônica do Curso de Direito do Centro Universitário UniOpet. Curitiba-PR. Ano
XIII, n. 22, jan/jun 2020. ISSN 2175-7119.
A PROTEÇÃO DO TRABALHO DOMÉSTICO APÓS A EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 72/2013 E A LEI COMPLEMENTAR Nº 150/2015
Carlos Henrique Gomes de Alcântara1
Ana Virgínia Moreira Gomes2
Resumo
O artigo analisa a proteção legal ao trabalho doméstico no Brasil a partir do exame da Emenda
Constitucional 72/2013 (EC 72/2013) e da Lei Complementar 150/2015 (LC 150/2015). A
análise terá como parâmetro o conceito de trabalho decente e as disposições da Convenção 189
da Organização Internacional do Trabalho, que reconheceu às trabalhadoras domésticas o
direito a condições justas de trabalho. O estudo elabora um quadro comparativo de direitos
trabalhistas antes e após as alterações normativas e, partir dessa análise, examina questões que
exemplificam desafios à igualdade de direitos entre trabalhadoras domésticas e o empregado
típico. O artigo explora em que medida o seguro desemprego do doméstico não foi equiparado
ao do empregado, a ausência de regulamentação expressa na LC 150/2015 acerca da multa do
art. 477, §8º da CLT, a falta de consenso doutrinário sobre o direito ao FGTS acrescido da
multa 40%, e o desafio da fiscalização do trabalho doméstico. O trabalho desenvolve uma
pesquisa bibliográfica, de natureza qualitativa e teórica, analisando revistas científicas sobre o
trabalho doméstico.
Palavras-chave: Trabalho doméstico; EC 72/2013; LC 150/2015; Convenção 189 OIT.
Abstract
The paper analyzes the domestic work’ legal protection in Brazil considering the Constitutional
Amendment 72/2013 (EC 72/2013) and Complementary Law 150/2015 (LC 150/2015). The
analysis will take as a parameter the concept of decent work and the provisions of Convention
189 of the International Labor Organization, which recognized to domestic workers the right
to fair working conditions. The study elaborates a comparative picture of labor rights before
and after the normative changes and, based on this analysis, examines issues that exemplify
challenges to equal rights between domestic workers and a typical employee. The paper
explores the extent to which domestic unemployment insurance was not equated with that of
an employee, the absence of regulation expressed in LC 150/2015 regarding the fine of art.
477, §8 of the CLT, the lack of doctrinal consensus on the right to FGTS plus the 40% fine,
and the challenge of inspecting domestic work. The work develops a bibliographic research, of
qualitative and theoretical nature, analyzing scientific magazines about the domestic work.
1Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). E-mail: [email protected] 2 Professora do programa de Pós-graduação em Direito e do Curso de Graduação em Direito na Universidade de
Fortaleza (UNIFOR) e Doutora em Direito na Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]
Keywords: Domestic Work; EC 72/2013; LC 150/2015; ILO Convention 189.
1.Introdução
O trabalho doméstico constitui uma das principais formas de trabalho no Brasil,
envolvendo mais 6 milhões de trabalhadores, possibilitando o acesso ao mercado de trabalho
principalmente para mulheres. Apesar da sua significância, as trabalhadoras domésticas3 não
tiveram a devida igualdade de direitos trabalhistas com relação aos empregados urbanos e
rurais, refletido na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que as excluía expressamente, e
na Constituição Federal de 1988 (CF/88).Com a promulgação da EC nº 72/2013, o direito do
trabalho brasileiro deu mais um passo para corrigir esse erro histórico ao assegurar a
remuneração pelo trabalho extraordinário com adicional de 50% sobre a hora normal, a fixação
da duração da jornada de oito horas e quarenta e quatro semanais e o reconhecimento de
acordos e convenções coletivas como as principais mudanças ocorridas, proporcionando, em
tese, melhorias nas relações e condições de trabalho.
Em 2015, a LC regulamentou a EC e revogou a lei 5.859/72, atribuindo novos direitos
e definições para a categoria, como o contrato de experiência, regime de doze horas de tralhado
por trinta e seis de descanso (12x36), o regime de trabalho por tempo parcial, a obrigatoriedade
do registro de horário, o adicional pela realização do trabalho noturno e por fim a fixação do
labor realizado por mais de dois na semana para ser considerada doméstica, aspecto até então
sem consenso no Tribunal Superior do Trabalho (TST)e que a diferencia da diarista.
O reconhecimento formal de direitos constitui um primeiro passo essencial para o
combate à precariedade do trabalho doméstico. Esta pesquisa possui como objetivo principal
analisar as principais mudanças ocorridas com vigência da Emenda Constitucional nº 72/2013
(EC nº 72/2013) e a Lei Complementar nº 150/2015 (LC nº150/2015) para o trabalho
doméstico, utilizando quadro comparativo de direitos trabalhistas antes e após essas alterações.
A análise terá como parâmetro o conceito de trabalho decente e a Convenção 189 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT). O estudo explora em que medida o seguro
desemprego do doméstico não foi equiparado com o do empregado típico, a ausência de
regulamentação expressa na LC nº150/2015 acerca da multa do art. 477, §8º da CLT, a falta de
consenso doutrinário sobre o direito ao FGTS acrescido da multa 40%, e o desafio da
fiscalização do trabalho doméstico.
3 O artigo utiliza o termo “trabalhadora doméstica” para designar trabalhadores e trabalhadoras.
O estudo foi dividido em quatro partes: primeiro será tratado os aspectos gerais, logo
após as características do trabalho doméstico, prosseguindo com a Convenção 189 da OIT e
finaliza com a EC nº 72/2013 e LC nº 150/2015.
2.Regulação do trabalho doméstico
No Brasil, a exploração do trabalho doméstico iniciou com os escravos trazidos da África
para trabalharem nas casas dos senhores, donos de terra, desenvolvendo atividades de cozinhar
e cuidar de crianças. Esse trabalho era realizado por mulheres negras escravizadas. Após a
abolição do trabalho escravo, em 1888, as mulheres libertadas não tinham um lugar fixo e
optavam por continuarem como domésticas em troca de comida e local para dormir
(MARTINS, 2002, p. 18)4. As trabalhadoras não tinham condições financeiras para sobreviver,
nem outra alternativa que não fosse o trabalho doméstico. A sua origem no Brasil ainda marca
as diferentes formas de discriminação sofridas pelas trabalhadoras domésticos ao longo do
tempo: social, jurídica e de cor (ALVARENGA; CORDEIRO, 2015, p. 45)5.
A exclusão jurídica ou precariedade legal sofrida estava evidente na Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), ao excluir a regulação do trabalho doméstico da sua proteção. Do
mesmo modo, a Constituição Federal de 1988, antes da EC nº 72/2013, não igualou o trabalho
doméstico do demais trabalhadores urbanos e rurais. Por exemplo, o parágrafo único do art. 7º
não garantia às trabalhadoras domésticas a jornada máxima de 8 horas diárias e 44 horas
semanais e nem o direito às horas extras com adicional de cinquenta por cento sobre a hora
normal. Conforme Souto Maior (2013, p. 79):
Culturalmente, precisamos assumir, de uma vez, que não se justifica direcionar à
empregada doméstica direitos inferiores aos que se conferem aos demais empregados,
sendo certo que os direitos trabalhistas, na sua dimensão básica, isto é, no patamar
mínimo, não foram concebidos em função do tipo de empregador (indústria, comércio
ou outros), mas para assegurar ao trabalhador, em qualquer atividade, a eficácia de
valores essenciais à preservação de sua condição humana.6
A dignidade da pessoa humana e a igualdade de direitos são fundamentos constitucionais
que no âmbito do trabalho visam à melhoria da condição social das trabalhadoras domésticas,
4MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do trabalho doméstico. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2002. 5ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; CORDEIRO, Lucas Raggi Tatagiba. O novo contrato de trabalho do
empregado doméstico. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, v. 27, n. 313, p. 44-58, jul.
2015. 6SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. De “Pessoa da Família” a “Diarista”. Domésticas: a Luta Continua! Revista
Síntese Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, v.24, n. 287, p. 75-86, maio 2013.
corroborando para a erradicação da pobreza e a diminuição das desigualdades. O trabalho
diário, cuidando de pessoas e das casas - lavar roupa, limpar, fazer a comida - merece respeito
social e o reconhecimento profissional no mercado de trabalho. Em razão da sua importância
– evidenciada durante a pandemia do Covid-19 – e da dignidade das trabalhadoras domésticas,
o direito deve assegurar o trabalho doméstico decente.
Conforme a OIT, o trabalho decente é aquele em que há um grau adequado de proteção
social, oportunidades de trabalho e renda, respeito aos direitos fundamentais no trabalho, e
garantia de instrumentos de voz e participação para os trabalhadores. Nesse sentido, o trabalho
decente é analisado sob o aspecto intrínseco e extrínseco. O primeiro está relacionado ao
aspecto pessoal do trabalhador, ligado ao sentimento de satisfação e utilidade com o trabalho,
além do reconhecimento pela sociedade. O segundo, extrínseco, é mais objetivo e relacionado
ao aspecto da legislação que confere proteção jurídica de direitos trabalhistas, como a duração
da jornada de trabalho (GAMBA, 2012, p. 190)7.
É inegável que, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil vem
caminhando no sentido de ampliar os direitos da trabalhadora doméstica com o objetivo de
equiparar a sua proteção a do empregado urbano e rural. Em 2013, o Brasil aprovou a EC nº
72, ampliando o rol de direitos fundamentais do trabalho garantido às trabalhadoras domésticas
ao alterar o Parágrafo Único do art. 7o da Constituição Federal de 1988. A EC nº 72 significou
um passo decisivo no sentido de conferir às trabalhadoras domésticas a mesma proteção
garantida ao empregado típico. Nos termos do novo quadro constitucional, a LC nº 150/2015
veio para regular o contrato de trabalho doméstico, consolidando os avanços trazidos pela EC
72.
3. Características do trabalho doméstico
O trabalho doméstico é aquele realizado dentro da residência do empregador, não
possuindo lucro advindo do trabalho prestado, pois caso contrário seria considerado uma
relação de emprego típico, sendo desenvolvido por pessoa física e havendo continuidade na
prestação do trabalho. A partir da promulgação da LC 150/2015, pode-se, portanto, perceber
as seguintes características da relação de emprego doméstico: pessoalidade, onerosidade,
7GAMBA, Juliane Caravieri Martins. Reflexões sobre a Convenção n. 189 da OIT – Trabalhadores Domésticos
e o recente acórdão do TRT da 2ª Região (horas extras para a empregada doméstica). Revista LTr legislação do
trabalho: publicação mensal de legislação, doutrina e jurisprudência, São Paulo, v. 76, n 02, p. 188-201, fev.
2012.
subordinação, continuidade. Conforme a lei, a empregada doméstica é aquela que presta
serviço de forma contínua, subordinada, onerosa, pessoal e com fins não lucrativos para pessoa
ou família em seu âmbito residencial por no mínimo 3 vezes por semana.8
Um elemento essencial da relação de emprego doméstico é a continuidade, que conforme
a LC150/2015 caracteriza-se no trabalho realizado por mais de 2 dias na semana. O serviço
contínuo deve ser prestado sem interrupção, com permanência em um local e por mais de duas
vezes por semana, não se enquadrando para aqueles que laboram como diarista, pois trabalham
de forma autônoma, em várias residências distintas e não mantêm vínculo empregatício. A
continuidade ressalta o comparecimento diário do empregado doméstico na residência, além
de diferenciá-lo do trabalhador doméstico autônomo (diarista).
Essa característica não se confunde com a não-eventualidade exigida como elemento
da relação jurídica do contrato de trabalho entre empregado e empregador, regidos pela CLT,
e se relaciona com a continuidade dos serviços da empresa, ou seja, não tem como requisito o
comparecimento diário do trabalhador, pois que se os serviços são prestados duas vezes por
semana, será considerado empregado comum, mesmo que não compareça todos os dias ao
trabalho. Além disso, se o empregador alegar fato obstativo ao vínculo de emprego, como por
exemplo, que o empregado trabalhava de forma não contínua, recairá para si o ônus probatório
na Justiça do Trabalho.
A não eventualidade, prevista o artigo 3° da CLT, se relaciona com as necessidades da
empresa, seja de forma permanente ou em determinados dias do mês, ou seja, tanto para quem
trabalha apenas nos fins de semana como para aqueles que laboram o mês inteiro, estão
abrangidos pela habitualidade, pois que analisados de acordo com a atividade do empregador
(CASSAR, 2018, p. 268)9.
Diferentemente do empregado comum, a empregada doméstica é a única que precisa
laborar por mais de dois dias na semana para ser considerada com o vínculo de emprego, sendo,
portanto, um aspecto negativo, pois o empregado típico não possui nenhuma restrição nesse
sentido, podendo ser reconhecida um relação de emprego mesmo que trabalhe menos do que
dois dias na semana.
Na hipótese de um professor que ensina regularmente em uma Universidade, mesmo
que somente em um dia na semana, sua atividade será considerada não eventual, diferentemente
do mecânico que realiza serviços consertando o ônibus da escola, que será eventual, mas para
8“Artigo 1º da Lei Complementar nº 150/2015”. 9CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2018.
o doméstico exige-se o requisito da continuidade de dois dias (MALLET; FAVA, 2014, p.
632)10.
Antes da promulgação da LC nº 150/2015, a lei 5.859/1972 não estipulou objetivamente
uma quantidade de dias para a configuração do trabalho doméstico e a jurisprudência do
Tribunal Superior do Trabalho (TST) definiu que o trabalho realizado por três dias na semana
não configuraria o vínculo empregatício, como decidiu nos seguintes julgamentos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. VÍNCULO DE EMPREGO. EMPREGADA
DOMÉSTICA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TRÊS VEZES POR SEMANA.
Demonstrada a divergência jurisprudencial, há de ser dado provimento ao Agravo de
Instrumento para determinar o processamento do Recurso de Revista. Agravo de
Instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO DE EMPREGO.
EMPREGADA DOMÉSTICA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TRÊS VEZES POR
SEMANA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Empregado doméstico é a pessoa física que
presta, com pessoalidade, onerosidade e subordinação, serviços de natureza contínua
e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, em função do âmbito residencial
destas. Evidenciando-se o labor por somente três vezes por semana, configura-se
o caráter descontínuo da prestação de trabalho, fora, portanto, do pressuposto
específico da Lei n.º 5859/72. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST-RR-
13800-73.2007.5.05.0030, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, DEJT de
24/5/2013)11 (grifo nosso).
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RELAÇÃO DE
EMPREGO DOMÉSTICO. CONTINUIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
Constatada a violação do art. 1º da Lei nº 5.859/72, impõem-se prover o agravo de
instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de
instrumento conhecido e provido. B) RECURSO DE REVISTA. RELAÇÃO DE
EMPREGO DOMÉSTICO. CONTINUIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Do
exame do art. 1º da Lei nº 5.859/72, percebe-se que o reconhecimento do vínculo
empregatício do doméstico está condicionado â continuidade na prestação dos
serviços, não se prestando ao reconhecimento do liame a realização de trabalho
durante alguns dias da semana. No caso, nota-se que efetivamente não restou
demonstrado o preenchimento do requisito da continuidade previsto no artigo
1º da Lei 5.859/72, mas, sim, o labor exercido em três vezes da semana. Recurso
de revista conhecido e provido. (TST-RR-2776-87.2011.5.02.0201, Rel. Min. Dora
Maria da Costa, 8ª Turma, DEJT de 15/8/2014)12 (negrito nosso).
Como visto acima, a LC foi mais benéfica para a empregada doméstica, especificando
a omissão da lei 5.859/72 no sentido de reconhecer o trabalho por mais de dois dias na semana,
em detrimento desses julgamentos antigos que não reconheciam o labor prestado três vezes na
semana. Vale ser ressaltado que na hipótese de uma empregada doméstica se sentir prejudicada
quando regida pela lei 5.859/72, a nova lei não poderá retroagir para beneficiar as demandas
10MALLET, Estêvão; FAVA, Marcos. Comentários ao artigo 7º, parágrafo único. In: CANOTILHO, J. J.
Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (coord.). Comentários à constituição do
Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. 11TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 4ª Turma. Recurso de Revista nº 13800-73.2007.5.05.0030, Rel.
Min. Maria de Assis Calsing. DEJT de 24.5.2013. 12TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 8ª Turma. Recurso de Revista nº 2776-87.2011.5.02.0201, Rel.
Min. Dora Maria da Costa. DEJT de 15.8.2014
com julgamento de mérito, por já ter constituído a coisa julgada, não podendo mais ser
rediscutida nos tribunais superiores.
O principal requisito que diferencia a diarista da empregada doméstica seria o da
continuidade no trabalho, pois aquela presta serviço a várias residências, geralmente por um
dia na semana, de acordo com a sua disponibilidade e conveniência, sendo remunerada por dia
de trabalho (diária), percebendo, em algumas situações, salário acima do mínimo legal durante
o mês. Porém, não possui carteira de trabalho assinada, labora de forma informal, sem vínculo
empregatício e sem direitos trabalhistas que as empregadas domésticas possuem.
Uma melhor remuneração a pequeno prazo pode ser maléfico para o futuro dessas
diaristas, pois ficarão desprovidas de outros direitos trabalhistas, como férias proporcionais,
acrescidas de 1/3, décimo terceiro salário, depósitos mensais de FGTS, seguro contra acidentes
de trabalho, seguro-desemprego, dentre outros que poderão garantir uma boa qualidade de vida
ao longo dos anos, com direito a aposentadoria, pois que segurado obrigatório da previdência
social.
A subordinação refere-se à condição do empregado que está às ordens do empregador
que detém legitimidade para isso. A subordinação se manifesta na realização dos serviços e
não sobre a pessoa do trabalhador, havendo uma limitação da autonomia de sua vontade para
a consecução dos fins almejados pelo empregador. “É indiscutível, portanto, que a
subordinação do empregado e o seu dever de cumprir as ordens do empregador engloba apenas
aquelas ordens que se configuram como lícitas, não ferindo, por conseguinte, seu direito à
saúde, à vida e a dignidade” (BELLO; STÜRMER, 2019, p. 90)13.
O requisito da onerosidade trata-se de contraprestação pelos serviços prestados, ou seja,
o empregado utiliza sua força de trabalho e em troca recebe uma verba paga pelo empregador.
Leva-se em consideração a força do trabalhador colocado à disposição do contratante, devendo
haver uma contraprestação econômica. A Constituição garante à trabalhadora doméstica o
direito a um salário-mínimo mensal sem redução ao longo do contrato de trabalho. Se a jornada
for inferior a prescrita na Constituição Federal (inciso XIII do artigo 7º da CF, ou seja, de oito
horas diárias ou 44 semanais), o salário poderá ser pago proporcionalmente, conforme o
disposto na Orientação Jurisprudencial nº 358:
SALÁRIO MÍNIMO E PISO SALARIAL PROPORCIONAL À JORNADA
REDUZIDA. POSSIBILIDADE. Havendo contratação para cumprimento de jornada
13BELLO, Diego Sena; STURMER, Gilberto. Poder disciplinar do empregador no trabalho doméstico. Revista
de Direito do Trabalho. São Paulo, v. 45, n. 205, p. 67-92, set. 2019.
reduzida, inferior à previsão constitucional de oito horas diárias ou quarenta e quatro
semanais, é lícito o pagamento do piso salarial ou do salário-mínimo proporcional ao
tempo trabalhado.14
Infelizmente, ainda é comum a denúncia de trabalhadoras domésticas que não recebem
nenhuma remuneração. Esses casos não descaracterizam a onerosidade da relação de trabalho,
mas sim configuram uma situação de trabalho em condições análogas à escravidão.
A pessoalidade refere-se ao serviço prestado por uma pessoa determinada, não podendo
ser substituído por outro trabalhador, salvo concordância expressa do empregador, devido às
qualidades que somente aquela pessoa possui. A pessoalidade significa que os serviços devem
ser prestados pela mesma empregada doméstica, não podendo ser substituída por outra pessoa.
Poderá ser realizada a substituição de forma temporária, desde que para atender aos direitos da
empregada titular, como as suas férias anuais ou licença maternidade, ou no caso em que o
empregador doméstico aceita a substituição por outra pessoa.
Nas agências de emprego online, que utilizam aplicativos via celular para contratação,
não há existência de vínculo de emprego entre o tomador de serviços e a empregada doméstica,
devido à falta da pessoalidade entre ambos, além dos serviços serem prestados de forma não
contínua (uma vez por mês ou semana, a cada quinzena, por exemplo). No entanto, a
pessoalidade pode estar presente entre a empresa de plataforma digital e a trabalhadora, sendo
considerado nesse caso empregada comum regido pela CLT e não doméstica, pois que um dos
requisitos para a configuração do emprego comum (fins lucrativos) estará presente com
empresa que oferece esse tipo de serviço e que não atende à finalidade não lucrativa para ser
considerado empregador doméstico.
O trabalho realizado não deve possuir fins lucrativos, ou seja, o local para o qual a
empregada doméstica realiza suas tarefas não pode ser comercial ou vinculado a qualquer tipo
de empresa, pois caso contrário se enquadraria como empregado urbano ou rural regido pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Pode ser citado o exemplo da faxineira de um
restaurante ou de um consultório médico. Mas uma empregada que labora de segunda a quarta
feira, com jornada das 08:00 as 17:00, com uma hora de intervalo, realizando serviços de
cuidadora de crianças, seria considerada empregado doméstico para fins da legislação.
Quando se fala “família”, deve-se compreender todos os habitantes que se beneficiam
dos serviços prestados pelo doméstico, como no exemplo de uma casa composta por um casal
e dois filhos ou na coabitação de três mulheres, mesmo que somente uma delas pague o trabalho
14ÍNDICES DE SÚMULAS DO TST. Disponível em: http://www.tst.jus.br/web/guest/sumulas. Acesso em: 13
maio 2020.
doméstico. Porém, no exemplo de uma cuidadora de idoso, quando o familiar para o qual a
empregada presta o seu serviço falece, o espólio responde pelas possíveis dívidas resultantes
do contrato de trabalho e os herdeiros só respondem por essas obrigações na proporção da
herança que tenham recebido, conforme artigo 1997 do Código Civil.
Outro exemplo seria o do sogro que mora com a filha do empregador em casas distintas,
mas se beneficia dos serviços da empregada doméstica, mesmo que aquele não pague
diretamente e não dê ordens, está se beneficiando dos trabalhos prestados e consequentemente
está compreendido no conceito de família.
Por fim, o âmbito residencial seria o bem móvel ou imóvel em que se estabelece os
familiares para o qual a empregada doméstica realiza seus serviços. Podem ser consideradas
unidades domésticas em equiparação a casa e apartamento convencionais, a de veraneio,
fazenda, carro, jato particular (MOURA, 2016, p. 173)15. Não necessariamente os serviços
devem ser prestados no interior de uma residência, pois há casos como o do motorista ou de
um segurança particular que laboram para uma família ou pessoa, sem fins lucrativos, e são
considerados empregados domésticos.
Esclarecendo o conceito de empregada doméstica, Garcia (2016, p. 253) afirma que “é
doméstico não só o empregado que exerce funções internamente, na residência do empregador,
como de limpeza, de faxina, de cozinhar, cuidando de crianças ou idosos, mas também o
jardineiro, o vigia da casa, o motorista etc”16. Porteiros, zeladores, faxineiros e serventes de
prédios de apartamentos residenciais não são considerados domésticos se os serviços estiverem
sendo prestados à administração do edifício e não a alguma das pessoas que residem no
condomínio (Lei nº 2.757/1956).
A expressão “âmbito residencial” deve ser interpretada extensivamente para ser
compreendida como sendo “para o âmbito residencial” e não necessariamente dentro de uma
residência, nela se incluindo as extensões que se desenvolvem a vida do lar, como a chácara ou
casa de veraneio em que a família a utiliza como lazer ou para os fins de semana. Uma obra
em construção, por exemplo, mesmo que seja para uma futura moradia, não pode ser
considerado uma extensão residencial, pois sua destinação inicialmente projetada para ser uma
casa pode ser alterada ao longo do tempo e vir a ser um empreendimento econômico. Portanto,
é doméstico tanto aquele que labora “para o” ou “no” âmbito residencial familiar.
15MOURA, Marcelo. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 16GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: Forense, 2016.
Apesar de ser um trabalho realizado na residência de outras pessoas diferentes de seus
familiares, deve ser considerado um labor profissional, já que poucos possuem habilidades
específicas ou tempo necessário para desenvolver atividades na residência ou em sua casa,
merecendo ser reconhecido socialmente. Em virtude da relação existente entre a trabalhadora
doméstica e os familiares, ainda persiste a informalidade decorrente disso, pois que o labor
prestado no âmbito residencial dificulta a fiscalização pelos auditores do Ministério do
Trabalho e dificulta a garantia de direitos contratuais e trabalhistas (MALLET; FAVA, 2014,
p. 630)17.
O serviço doméstico assegura que outras pessoas que compõem o núcleo familiar
possam desenvolver suas atividades pessoais, sem comprometê-las. Nisso reside o respeito que
devem existir entre todos, pois que todo trabalho possui sua dignidade social e importância,
contribuindo para o bem comum e ao trabalho decente (BARZOTTO; LANNER, 2018,p.20)18.
4. A Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma organização internacional, parte
do sistema da Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1919 pelo Tratado de
Versalhes. A OIT visa assegurar a justiça social para trabalhadores e trabalhadoras, elaborando
e aprovando em seu fórum multilateral normas internacionais relacionadas ao trabalho decente,
doméstico, forçado, infantil, futuro do trabalho, dentre outras questões.
Dentre as normas internacionais do trabalho do sistema da OIT, ressaltam-se as
convenções internacionais do trabalho. As convenções são tratados multilaterais aprovadas
pela Conferência Internacional do Trabalho da OIT e que precisam da ratificação do Estado-
membro para obrigarem internacionalmente o Estado ao seu cumprimento. As convenções
precisam, portanto, da ratificação do Estado para sua vigência interna (JORGE NETO;
CAVALCANTE, 2019, p. 210)19. No Brasil, o Presidente da República é quem possui
17MALLET, Estêvão; FAVA, Marcos. Comentários ao artigo 7º, parágrafo único. In: CANOTILHO, J. J. Gomes;
MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (coord.). Comentários à constituição do Brasil.
São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. 18BARZOTTO, Luciane Cardoso; LANNER, Maíra Brecht. Trabalho doméstico decente e fraternidade: a
legislação brasileira e a convenção 189 da OIT. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI: eficácia de
direitos fundamentais nas relações do trabalho, sociais e empresariais II. XXVII. Anais do XXVII Congresso
Nacional do Conpedi. Porto Alegre – RS, 2018, p. 8-23. 19JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do trabalho. 9. ed.
São Paulo: Atlas, 2019.
competência privativa para celebrar tratados internacionais, após o referendo do congresso
nacional, resolvendo definitivamente sobre os mesmos, ratificando-o ou não.
Em 2011, a OIT aprovou a Convenção 189, que dispõe sobre o trabalho decente para
as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos. A Convenção 189 é o primeiro tratado
internacional que dispõe sobre os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras domésticas. A
norma é considerada um marco no direito internacional do trabalho por formalmente incluir as
trabalhadoras domésticas no seu âmbito de proteção.
A norma internacional foi ratificada pelo Brasil em 31 de janeiro de 2018, conforme o
Decreto Legislativo nº 172/2017, entrando em vigência no âmbito internacional no dia 31 de
janeiro de 2019. Corroborando com isso estão Pamplona Filho e Teixeira Branco (2019, p. 8):
Em seguida, o texto da ratificação foi depositado no Escritório da Organização
Internacional do Trabalho - OIT em Genebra em 31 de janeiro de 2018, em ato no
qual o Brasil foi representado por sua embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo,
sendo o 25º país a formalizar a aceitação. Na forma do artigo 21,3, do texto
convencional, a sua vigência no Brasil se deu a partir do dia 31 de janeiro de 2019.
[...].20
O Brasil, no entanto, ainda não promulgou a ratificação da Convenção 189, de modo
que o tratado ainda não tem validade interna, o que deixa o país em situação de descumprimento
da Convenção perante a OIT.
A Convenção 189 constitui um instrumento de regulamentação internacional que
estabelece, dentre outros direitos, a idade mínima para o trabalho doméstico, que no caso
brasileiro, é de dezoito anos, além de tratar da oposição entre fiscalização do trabalho
doméstico e o direito à privacidade do empregador, com a adoção de medidas que possibilitem
o acesso ao domicílio, respeitando à privacidade do contratante. Ademais, o tratado trouxe a
regulação das agências privadas de emprego, não permitindo práticas abusivas, inclusive de
migrantes e nacionais, e estabeleceu um período de descanso semanal mínimo de vinte quatro
horas consecutivas, além do direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável. Fomentou o
acesso das empregadas domésticas aos meios de solução dos conflitos, seja judicial ou
extrajudicial. Nesse sentido, esclarecem Gomes e Tortell (2015, p. 149):
A ratificação da Convenção gera para o Estado-membro a obrigação de cumprir o
tratado internacional e se submeter ao procedimento de supervisão internacional do
20PAMPLONA FILHO, Rodolfo; BRANCO, Maurício de Melo Teixeira. A convenção n. 189 da OIT e a
superação do elemento continuidade da prestação dos serviços. Revista Direito UNIFACS – Debate virtual.
Bahia, n. 234, p. 01-25, dez. 2019. Disponível em: https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/issue/view/314.
Acesso em: 21 mar. 2020.
cumprimento das normas realizado pela OIT via envio regular de relatórios e
respostas a eventuais queixas ou reclamações. O objetivo desse procedimento não se
limita ao exame formal da compatibilidade da convenção com a lei nacional, mas
examina se o Estado vem ou não seguindo de fato e de direito a norma internacional
ratificada.21
A Convenção 189 da OIT possui 27 artigos estabelecendo melhorias nas condições de
trabalho doméstico, promovendo uma igualdade de condições entre os trabalhadores
domésticos e os demais trabalhadores típicos, dentre as quais podem ser destacadas: (1) a busca
pela eliminação do trabalho infantil doméstico, estabelecendo idade mínima de dezoito anos;
(2) proteção contra abusos, assédio e violência; (3) condições de emprego que proporcionem
um trabalho decente, como o estabelecimento de um contrato escrito estipulando direitos e
deveres; (4) proteção dos trabalhadores domésticos migrantes; (5) agências de emprego
privadas; (6) inspeção do trabalho.
Para garantir o direito ao trabalho decente, um importante instrumento desenhado pela
Convenção é o do acesso da trabalhadora doméstica às informações que devem estar
explicadas, de forma simples e de fácil entendimento, sobre os seus direitos e garantias, por
meio de um contrato de trabalho que esclareça, por exemplo, quais as atividades que serão
desenvolvidas, sua remuneração, a jornada de trabalho, férias remuneradas, períodos de
descanso e outros (GOMES; TORTELL, 2015, p. 146)22.
Como observam Barzotto e Lanner (2018, p. 17-18)23, com a ratificação da Convenção
189, houve uma busca pela qualidade dos vínculos de empregos, buscando diminuir a
discriminação de direitos trabalhistas existente em comparação a outros trabalhadores, além de
atribuir um reconhecimento na sua profissão, proporcionando e buscando uma diminuição na
informalidade existente e que essa não seja violadora de direitos fundamentais.
O patamar do trabalho decente evidencia a exploração do trabalhador e a violação de
direitos fundamentais em práticas ainda comuns no Brasil, como o trabalho doméstico infantil
e violência e o assédio contra trabalhadoras domésticas.
21GOMES, Ana Virgínia Moreira; TORTELL, Lisa. A convenção 189 da OIT e sua ratificação pelo Brasil:
principais disposições e compatibilidade com a lei brasileira. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 41,
n. 162, p. 139-163, mar./abr. 2015. 22GOMES, Ana Virgínia Moreira; TORTELL, Lisa. A convenção 189 da OIT e sua ratificação pelo Brasil:
principais disposições e compatibilidade com a lei brasileira. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 41,
n. 162, p. 139-163, mar./abr. 2015. 23BARZOTTO, Luciane Cardoso; LANNER, Maíra Brecht. Trabalho doméstico decente e fraternidade: a
legislação brasileira e a convenção 189 da OIT. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI: eficácia de
direitos fundamentais nas relações do trabalho, sociais e empresariais II. XXVII. Anais do XXVII Congresso
Nacional do Conpedi. Porto Alegre – RS, 2018, p. 8-23.
O trabalho doméstico exercido por menores de 18 anos, constitui uma das piores formas
de trabalho infantil, ou seja, aquelas suscetíveis de causarem problemas para a saúde e a moral
de crianças e adolescentes, conforme a Convenção 182 da OIT, que trata sobre as piores formas
de trabalho infantil, ratificada pelo Brasil.
O Brasil, através do Decreto 6481/2008, dispõe sobre a Lista das Piores Formas de
Trabalho Infantil, elencando o trabalho infantil doméstico em uma dessas formas. Alguns
esforços físicos que são utilizados pelas empregadas domésticas, como por exemplo, cozimento
de alimentos, varrição, limpeza da casa, assistência a pessoas, podem causar grandes esforços
pela repetição dos movimentos, exposição ao fogo, sobrecarga muscular, jornadas exaustivas
de trabalho, gerando consequentemente, lesões musculares, queimaduras, ansiedade e
transtornos no sono. O Decreto proíbe o trabalho do menor de dezoito anos nas atividades
descritas na Lista TIP, dentre elas, o trabalho doméstico.
Devido as condições econômicas familiares, meninas menores de dezoito anos são
obrigadas a trabalhar, por exemplo, como babás em residências desde cedo para ajudarem seus
pais. Essa ainda é uma realidade no Brasil, principalmente em regiões mais afastadas dos
grandes centros, onde a fiscalização é bastante reduzida. Nesse sentido Gomes e Tortell (2015,
p. 145) afirmam:
Assim, além das dificuldades próprias para a fiscalização do trabalho infantil, quase
sempre informal e escondido, no caso do trabalho infantil doméstico a certeza da
ausência de fiscalização é mais um fator que dificulta a proteção dessas trabalhadoras
e acaba por encorajar o uso de crianças no trabalho doméstico. Essa restrição retira
grande parte da força de campanhas e programas contrários ao trabalho doméstico
infantil, pois demonstra a pouca efetividade das normas que punem empregadores
que contratam crianças. No final, a falta de aplicação da lei tira a importância do
reconhecimento de direitos.24
No que tange à violência e ao assédio, a Convenção 189 orienta que os Estados adotem
medidas de proteção contra abuso, assédio e violência. No Brasil, os diplomas normativos
criados foram a Lei 11.340/2006 e a Lei Complementar nº 150 que afirmam em seu artigo 5º e
27, respectivamente:
Art. 5. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
24GOMES, Ana Virgínia Moreira; TORTELL, Lisa. A convenção 189 da OIT e sua ratificação pelo Brasil:
principais disposições e compatibilidade com a lei brasileira. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 41,
n. 162, p. 139-163, mar./abr. 2015.
[...]25
Art. 27. [...]
Parágrafo único. O contrato de trabalho poderá ser rescindido por culpa do
empregador quando:
[…]
VII – o empregador praticar qualquer das formas de violência doméstica ou familiar
contra mulheres de que trata o art. 5º da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.26
Em 2019, a OIT aprovou a Convenção 190 sobre a violência e o assédio no mundo do
trabalho. A Convenção 190 é um tratado bastante inovador ao estender sua proteção tanto a
trabalhadores formais e informais, independente do tipo de relação de trabalho. A norma
internacional, ainda não ratificada pelo Brasil, também passa a constituir uma importante
norma para o combate ao assédio e à violência no trabalho, inclusive quando a vítima seja a
trabalhadora doméstica, não importando se formal ou informal, se empregada ou autônoma.
5.A Emenda Constitucional nº 72/2013 e a Lei Complementar nº 150/2015
A promulgação da EC nº 72/2013 e da LC nº 150/2015 possibilitaram melhorias nas
condições sociais das empregadas domésticas, concretizando o princípio da dignidade da
pessoa humana (art. 1º, inciso III, Constituição Federal). Em 1988, a Constituição Federal
garantiu menos direitos trabalhistas a essa categoria em comparação aos trabalhadores urbanos
e rurais, ocasionado uma desigualdade de direitos, somado ao baixo reconhecimento social e
econômico. Longas jornadas de trabalho, falta de carteira de trabalho assinada, discriminações,
assédios e falta de voz continuaram a fazer parte da realidade das trabalhadoras domésticas.
O argumento da criação de um vínculo pessoal de confiança e de laços de convivência
e afeição ao longo do tempo são utilizados para justificar o não cumprimento de direitos. O
reconhecimento expresso de direitos busca descaracterizar essa narrativa – que dissimula a
exploração da trabalhadora doméstica –propiciando condições de desenvolvimento pessoal e
25BRASIL. Lei 11.340/2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos do §8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera
o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/L11340.htm. Acesso em: 20 fev. 2020. 26
BRASIL. Lei complementar nº 150, 1 de junho de 2015. Dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico; altera
as Leis no 8.212, de 24 de julho de 1991, no 8.213, de 24 de julho de 1991, e no 11.196, de 21 de novembro de
2005; revoga o inciso I do art. 3o da Lei no 8.009, de 29 de março de 1990, o art. 36 da Lei no 8.213, de 24 de
julho de 1991, a Lei no 5.859, de 11 de dezembro de 1972, e o inciso VII do art. 12 da Lei no 9.250, de 26 de
dezembro 1995; e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp150.htm. Acesso em: 07 abr. 2019.
profissional, pois estimula a valorização do trabalho e o seu reconhecimento perante a
sociedade, que foi durante anos desvalorizado.
O reconhecimento formal de direitos resta evidente na EC nº 72/2013 que alterou o
artigo 7º parágrafo único da Constituição Federal para aumentar direitos trabalhistas e
possibilitar uma equiparação entre os trabalhadores urbanos e rurais. Abaixo um quadro
sinóptico comparando direitos trabalhistas antes e após a EC nº 72/2013.
Quadro 1. Quadro sinóptico comparativo dos direitos trabalhistas antes e após a EC nº 72/2013.
Antes da EC nº 72/2013 Após a EC nº 72/2013
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente,
capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e
às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim;
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente,
capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e
às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim;
VI -irredutibilidade do salário, salvo o disposto em
convenção ou acordo coletivo;
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em
convenção ou acordo coletivo;
_____ VII – garantia do salário, nunca inferior ao mínimo,
para os que percebem remuneração variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na
remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
VIII – décimo terceiro salário com base na
remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
____ X – proteção do salário na forma da lei, constituindo
crime sua retenção dolosa;
____ XIII – duração do trabalho normal não superior a oito
horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada
a compensação de horários e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente
aos domingos;
XV – repouso semanal remunerado,
preferencialmente aos domingos;
____ XVI – remuneração do serviço extraordinário
superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do
normal;
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo
menos, um terço a mais do que o salário normal;
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo
menos, um terço a mais do que o salário normal;
____ XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego
e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados na lei; XIX – licença-paternidade, nos termos fixados na lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço,
sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço,
sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
____ XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por
meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXIV - aposentadoria; XXIV – aposentadoria;
____ XXVI – reconhecimento das convenções e acordos
coletivos de trabalho;
____ XXX – proibição de diferença de salários de exercício
de funções e de critério de admissão por motivo de
sexo, idade, cor ou estado civil;
____ XXXI – proibição de qualquer discriminação no
tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador
portador de deficiência;
____ XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho
a menores de dezesseis anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de quatorze anos.
Fonte: Elaboração própria.
Alguns direitos não eram regulados antes da EC nº 72/2013, como os incisos VII, X,
XIII, XVI, XVIII, XXII, XXVI, XXX, XXXI, XXXIII o que significa que havia diferenças
significativas entre empregados comuns e domésticos.
A EC nº 72/2013, que passou a vigorar a partir de 03 de abril de 2013 (03/04/2013),
trouxe mudanças importantes, dentre essas, ressalta-se: o reconhecimento das horas extras e do
trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, dado que não havia
limite fixo para o número de horas para o trabalho, ficando ao arbítrio do empregador
doméstico sua fixação. Em especial, no caso de empregadas domésticas que dormem no
emprego, a não limitação da jornada significava ficar permanentemente à disposição do
empregador.
A LC nº 150/2015 regulamentou a EC nº 72/2013, dispondo sobre os seguintes direitos:
licença maternidade, aviso prévio, indenização compensatório da perda do emprego (seguro-
desemprego), Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), previdência social, vale-
transporte (lei 7.418/1985), gratificação natalina (lei 4.749/1965), repouso semanal
remunerado, férias anuais remuneradas, trabalho noturno, intervalo interjornada, registro de
horário.
Houve a fixação da duração do contrato de trabalho que não excederá oito horas diárias
e quarenta e quatro semanais, assim como a possibilidade da redução da jornada, sob a
denominação de regime de tempo parcial que não ultrapassará vinte e cinco horas semanais
(artigo 3º). Sobre o tempo de duração do trabalho estipulou-se o regime de doze horas de
trabalho por trinta e seis horas de descanso (12x36), respeitados os intervalos de repouso e
alimentação, além do contrato de experiência que não poderá ultrapassar 90 dias.
O seguro desemprego foi estabelecido às empregadas domésticas, condicionado a
publicação da resolução do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador
(CODEFAT) para dispor sobre sua habilitação e concessão. Isso ocorreu em 26.08.2015, com
a Resolução nº 754, concedendo o direito a perceber durante três meses o benefício de um
salário mínimo, pago pelo INSS, desde que tenha trabalhado de carteira assinada durante
quinze meses nos últimos vinte e quatro meses anteriores ao término do contrato de trabalho.
Ou seja, mesmo que não tenha a carteira de trabalho assinada durante nove meses, ainda poderá
pleitear o benefício, desde que labore quinze meses com CTPS anotada, totalizando vinte e
quatro previstos na legislação.
Percebe-se diferenças entre o trabalhador regido pela CLT e a empregada doméstica,
corroborando para a não igualdade com o trabalhador típico. Primeiro porque o empregado
regido pela CLT possui legislação própria, a lei 7.998/1990, e pode solicitar o benefício se tiver
recebido salário durante doze meses nos últimos dezoito anteriores ao término do contrato.
Então, se seu contrato foi sem carteira assinada durante seis meses e posteriormente assinada
por doze, terá direito a quatro parcelas. De outra sorte, pode perceber a quantidade de até cinco
prestações salariais mensais pagas pelo INSS, desde que tenha carteira assinada durante vinte
e quatro meses.
O artigo 19 da LC nº 150/2015 autoriza a aplicação da CLT de forma subsidiária ao
contrato de trabalho doméstico. No que se refere ao prazo de pagamento das verbas devidas na
rescisão contratual, a LC nº 150/2015 não estabeleceu um limite temporal para quitação dos
valores discriminados no termo rescisório, devendo-se aplicar, em face da omissão, o disposto
nos §§ 6º e 8º do artigo 477 da CLT, pois, caso contrário, a empregada doméstica ficaria à
mercê de seu empregador, esperando indefinitivamente o recebimento dos valores da rescisão.
Nesse mesmo sentido, estão alguns julgamentos do Tribunal Regional do Trabalho da 7º
regiãodo Ceará, decidindo pela sua aplicação27, e outro julgamento em sentido contrário28.
Portanto, não é pacífico o entendimento sobre essa temática no TRT da 7º Região.
Para elucidar esses direitos trabalhistas, comparou-se de forma didática, por meio do
quadro abaixo, os direitos previstos na Lei nº 5.859/1972 e na LC nº 150/2015.
Quadro 2. Quadro sinóptico comparativo entre as leis 5.859/72 e LC nº 150.
LEI 5.859/1972 LEI COMPLEMENTAR Nº 150
----------- Duração normal do trabalho (art. 2)
----------- Trabalho em regime de tempo parcial (art. 3)
----------- Contrato de experiência (art. 4, inciso I)
----------- Regime 12x36 (art. 10)
----------- Registro de horário (art. 12)
----------- Intervalo interjornada (art. 13)
----------- Trabalho noturno (art. 14)
27 ” Por outro lado, tendo em vista o inadimplemento das verbas rescisórias, até a presente data, sem que tenha
havido culpa da reclamante, defiro a multa do artigo 477, §8º da CLT, devida também aos domésticos por força
do artigo 19, caput, da Lei Complementar nº. 150/2015, que autoriza a aplicação subsidiária da CLT”.
(FORTALEZA. 6ª Vara do Trabalho de Fortaleza. Reclamação Trabalhista nº 0000918-46.2017.5.07.0015. Juiz
titular Milena Moreira de Sousa, julgado em 30.04.2018).
“[...] ”Ademais, como bem se destaca na referida súmula (462 do TST), o art. 477, §8º, da CLT, é expresso em
excepcionar a condenação “quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora “, o que não é o caso dos
autos “. (TRT. 3º Turma. Recurso Ordinário nº 0001638-53.2017.5.07.0034. Desembargador relator Francisco
Tarcisio Guedes Lima Verde Junior, julgado em 05.06.2018). 28 “Por ausência previsão legal, já que regidos os trabalhadores domésticos pela Lei Complementar nº 150/2015 -
que não trouxe nenhuma novidade nesse sentido – e pelo artigo 7º, § único, CF/1988, impossível qualquer
condenação nas multas dos artigos 467 e 477 da CLT”. (FORTALEZA. 17ª Vara do Trabalho de Fortaleza.
Reclamação Trabalhista nº 0000823-10.2017.5.07.0017. Juiz titular José Henrique Aguiar, julgado em
10.07.2018).
Férias anuais remuneradas (art. 3) Férias anuais remuneradas (art. 17)
Segurados obrigatórios na Previdência (art. 4) Segurados obrigatórios na Previdência (art. 20)
FGTS facultativo para o empregador (art. 3-A) FGTS obrigatório para o empregador (art. 21)
----------- Aviso Prévio (art. 23)
Estabilidade da gestante (art. 4-A) Licença-maternidade de 120 dias (art. 25)
Seguro desemprego (art. 6-A) Seguro desemprego (art. 26)
----------- Simples Doméstico (art. 31)
----------- Fiscalização Direta (art. 44)
Fonte: Elaboração própria.
A empregada doméstica continuou sendo segurada obrigatória da previdência social,
pois já o era na legislação anterior revogada (Lei 5.859/1972).O FGTS passou a ser de
recolhimento obrigatório pelo empregador, somente sendo aplicado a partir de 01 de outubro
de 2015 após a edição da Resolução nº 780/2015 do Conselho Curador do FGTS. Nesse ponto
merece destaque para a jurisprudência que reconhecia o direito ao FGTS mesmo antes dessa
regulamentação, pois entendia alguns magistrados que apesar de ser facultativo, os
empregadores deveriam proceder ao recolhimento e consequentemente concediam no
julgamento.
O valor do FGTS que as empregadas domésticas aferem é de oito por cento (8%) da
sua remuneração acrescido da porcentagem de 3,2% para hipótese de despedida sem justa causa
depositados mensalmente pelo empregador. Segundo Vólia Bonfim Cassar (2018, p.
376)29,para que a empregada doméstica garanta a indenização de quarenta por cento (40%) do
FGTS, na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa prevista no artigo 10, inciso
I do Ato das Disposições Finais Transitórias (ADCT) combinado com o artigo 18, §1º da Lei
nº 8.036/90, será necessário o depósito mensal da porcentagem de três vírgula dois por cento
(3,2%), nos termos do artigo 22 da LC 150/2015.Em sentido diverso está LenaraGiron de
Freitas e Rodrigo de Freitas (p. 07, 2020)30 ao aduzirem que não seria devida a multa de 40%
quando o empregador já recolhesse a multa de 3,2%. Em que pese tais entendimentos, a LC
afirma no final do artigo 22 que os §§ 1º ao 3º do artigo 18 da Lei 8.036/1990 não se aplicam
aos empregados domésticos, ou seja, não se aplica a multa de 40% sobre o FGTS.
A despeito dessa crescente regulação, a informalidade e a precariedade constituem
desafios a efetivação às normas de proteção, refletidas no não cumprimento de condições
básicas de trabalho, como o não reconhecimento do vínculo empregatício, o descumprimento
da jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 semanais e o não pagamento de horas extras.
29CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2018. 30FREITAS, LenaraGiron de; FREITAS, Rodrigo de. A evolução da regulamentação do trabalho doméstico:
principais diferenças entre o trabalhador doméstico e o trabalhador urbano e suas complexidades. Revista dos
Tribunais Online, São Paulo, v. 209, p. 179-199, jan. 2020.
Ademais, a falta de controle estatal pelos auditores fiscais do trabalho constitui uma
problemática para a efetivação dos direitos trabalhistas, pois o trabalho é realizado na
residência do empregador, dificultando a fiscalização por ser a casa um local inviolável, não
podendo nela ingressar senão mediante autorização judicial ou do proprietário, nos termos do
art. 5, inciso XI, CF. Como explicam Barzotto e Lanner (2018, p. 11):
Após cinco anos de aprovação da EC 72, que equipara o serviço doméstico a todos
os outros trabalhos, o número real de trabalhadoras que acessam direitos trabalhistas
ainda é baixo no país. A informalidade ainda é predominante no setor. Soma-se ao
problema da informalidade o fato de o sindicato não poder fiscalizar o trabalho
doméstico, uma vez que esse de dá no âmbito residencial do empregador. A
fiscalização é indireta. Primeiro ouve-se a trabalhadora, faz-se o encaminhamento
para a superintendência regional do trabalho, que envia correspondência notificando
o empregador para se justificar.31
Para que haja algum grau de fiscalização no âmbito doméstico, a Instrução Normativa
110 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) elaborou formas de intervenção direta e
indireta que permitissem o controle do reconhecimento do vínculo empregatício, com
notificação e apresentação de documentos nas unidades do MTE de cada região, como a
carteira de trabalho assinada, seu contrato de trabalho e o controle da jornada de trabalho pelo
empregador, por exemplo. Na prática, é adotado o critério da fiscalização indireta, ou seja,
primeiro chega-se ao conhecimento do auditor fiscal, por meio de familiares ou populares, de
alguma irregularidade do trabalho doméstico, logo após expede-se uma notificação para o
empregador comparecer a superintendência regional do trabalho comprovar o cumprimento da
legislação trabalhista. Nesse sentido, Gomes e Costa (2016, p. 128) afirmam:
A fiscalização direta e indireta do trabalho doméstico é imprescindível para assegurar
as condições de trabalho previstas na legislação. A fiscalização indireta é feita sem
adentrar o domicílio do empregador, quando se pretende apenas aferir circunstâncias
que versam sobre questões salariais e a respeito do registro do empregado. Por
exemplo, o envio de notificação ao empregado, solicitando o comparecimento em
uma das unidades do MTE, levando consigo a documentação necessária para
comprovar a regularização da relação de trabalho, poderá demonstrar infrações
trabalhistas quanto ao valor pago da remuneração, das férias e outras verbas, diante
da análise da carteira profissional da trabalhadora, em que devem constar todos os
registros referentes às verbas vencidas e quitadas.32
6. Considerações Finais
31BARZOTTO, Luciane Cardoso; LANNER, Maíra Brecht. Trabalho doméstico decente e fraternidade: a
legislação brasileira e a convenção 189 da OIT. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI: eficácia de
direitos fundamentais nas relações do trabalho, sociais e empresariais II. XXVII. Anais do XXVII Congresso
Nacional do Conpedi. Porto Alegre – RS, 2018, p. 8-23. 32GOMES, Ana Virgínia Moreira; COSTA, Késia Rodrigues da. A fiscalização do trabalho doméstico: um
possível conflito entre a inviolabilidade do domicílio do empregador e a proteção do trabalho. Revista de Direito
do Trabalho, São Paulo, v. 42, n. 168, p. 123-144, mar./abr. 2016.
A LC nº 150/2015 regulamentou a EC e buscou uma equiparação de direitos trabalhistas
entre as trabalhadoras domésticas e o trabalhador típico, porém ainda de forma incompleta. A
regulação mesmo representando um avanço não é suficiente para enfrentar os obstáculos para
a efetivação desses direitos.
Este estudo observou que ainda há avanços importantes que devem ser feitos no campo
da fiscalização do trabalho. Mesmo que a LC disponha sobre a fiscalização direta do contrato
de emprego em seu artigo 44, na prática ocorre somente a fiscalização indireta, ou seja,
primeiro, há a notícia de alguma irregularidade realizada anonimamente, logo após a
Superintendência Regional do Trabalho do município notifica o empregador para que
compareça para esse local e demonstre as informações sobre o contrato de trabalho, como
carteira assinada, jornada, função, salário e outras informações importantes.
Há ainda direitos em relação aos quais não se observa a igualdade com os demais
trabalhadores. O seguro desemprego da empregada doméstica ainda precisa ser equiparado
com o do trabalhador comum, pois essa possui somente o direito a três salários mínimos de
seguro desemprego, desde que trabalhe quinze meses com carteira de trabalho assinada nos
últimos vinte e quatro meses anteriores ao término do contrato de trabalho. Enquanto o
empregado típico, pode perceber até cinco salários mínimos, desde que labore durante vinte e
quatro meses com carteira assinada.
Por fim, a política regulatória deve atentar para as condições materiais que ainda
sustentam a precariedade e vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas: a discriminação de
cor e gênero e a falta de políticas públicas de cuidado e responsabilidades familiares. Esses são
os desafios para o objetivo de assegurar às trabalhadoras domésticas o trabalho decente.
7. Referências
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piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação, aprovada pelo Decreto
Legislativo nº 178, de 14 de dezembro de 1999, e promulgada pelo Decreto nº 3.597, de 12 de
setembro de 2000, e dá outras providências. Disponível
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e no 11.196, de 21 de novembro de 2005; revoga o inciso I do art. 3o da Lei no 8.009, de 29 de
março de 1990, o art. 36 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, a Lei no 5.859, de 11 de
dezembro de 1972, e o inciso VII do art. 12 da Lei no 9.250, de 26 de dezembro 1995; e dá
outras providências. Disponível em:
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Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
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