A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO DA OBESIDADE A PARTIR …...Multiprofissional em Saúde (RIMS/HU/UFSC),...
Transcript of A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO DA OBESIDADE A PARTIR …...Multiprofissional em Saúde (RIMS/HU/UFSC),...
1
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO DA OBESIDADE A PARTIR DAS
TEORIAS FEMINISTAS E ESTUDOS DE GÊNERO
Mayara Zimmermann Gelsleichter1
Resumo: Este artigo tem por objetivo responder como a produção de conhecimento feminista e de
gênero apresenta questões/noções relacionadas à obesidade em mulheres. Este problema advém da
experiência de trabalho enquanto Assistente Social do Programa de Residência Integrada e
Multiprofissional em Saúde (RIMS/HU/UFSC), em especial, da atuação junto à Política de Atenção
em Alta Complexidade aos usuários com Obesidade do Serviço de Cirurgia Bariátrica. O estudo é
bibliográfico e de abordagem qualitativa (MINAYO, 2001), tendo como técnica a análise de conteúdo
na modalidade temática (BARDIN, 1977). A pesquisa foi realizada no mês de setembro de 2016, e
teve como corpus os periódicos indexados na Plataforma Scielo online: Revista Estudos Feministas
(REF) e Cadernos PAGU. Os descritores utilizados para a pesquisa foram: “obesidade”,
“alimentação”, “distúrbio alimentar” e “gorda”. Os sofrimentos e exclusões que vivenciam as
mulheres com obesidade acarretam contextos que acirram iniquidades de gênero. Considerando a
recente projeção da obesidade como questão de saúde pública, devido, principalmente, o elevado
índice de manifestação nos países desenvolvidos é que se considera a análise da obesidade um desafio
emergente para a produção de conhecimento orientada pelas teorias feministas e estudos de gênero.
Palavras-chave: Obesidade, Gênero, Feminismo.
Introdução
Este artigo tem por objetivo responder como a produção de conhecimento feminista e de
gênero apresenta questões/noções relacionadas à obesidade em mulheres. Este questionamento
advém de minha aproximação com as teorias feministas e estudos de gênero, elucidadas a partir da
disciplina “Gênero, Políticas Públicas e Serviço Social”, que cursei, no primeiro semestre de 2016. É
importante acrescentar a intrínseca motivação advinda de minha experiência profissional, como
Assistente Social do Programa de Residência Integrada e Multiprofissional em Saúde
(RIMS/HU/UFSC), em especial, da atuação junto à Política de Atenção em Alta Complexidade aos
usuários com Obesidade do Serviço de Cirurgia Bariátrica, durante os anos de 2014 e 20152.
1 Mayara Zimmermann Gelsleichter, Especialista em Residência Integrada Multiprofissional em Saúde
(RIMS/HU/UFSC), Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa
Catarina (PPGSS/UFSC), integrante do Núcleo de Estudos em Serviço Social e Relações de Gênero
(NUSSERGE/UFSC). Assistente Social do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos
(PAEFI) no Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), São José - SC/Brasil. Endereço do CV
Lattes: (http://lattes.cnpq.br/3314850749484736). E-mail: [email protected]. 2 O HU/UFSC conta com o Programa desde 2009, vide elaboração e implementação do projeto alicerçado pela Lei nº
11.129/2005 e instituído mediante proposta do Ministério da Educação (MEC). Desta forma, a RIMS é uma modalidade
de ensino de pós-graduação lato sensu, voltada para a educação em serviço e destinada às categorias profissionais que
integram a área de saúde. No HU/UFSC, é composta pelas áreas de: enfermagem, farmácia, nutrição, fisioterapia,
psicologia, serviço social, odontologia e fonoaudiologia. Já a Residência Médica é instituída desde 1980, no HU/UFSC.
2
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Os atendimentos do Serviço Social às usuárias e usuários, em processo de avaliação e
acompanhamento pré-cirúrgico do HU/UFSC, foram imprescindíveis para me aproximar desta
realidade social. Soma-se a esta trajetória, as demais vivências ligadas ao paradoxo da obesidade,
como a questão de gênero e pobreza, cotidianamente presentes nas dimensões, pública e privada, da
vida contemporânea de grande parte das mulheres acompanhadas por este Serviço.
A problemática de gênero aflora nos campos de trabalho de assistentes sociais, nos quais não
se realizam, em geral, análises fundamentadas nas teorias feministas e de gênero. Conforme, sugere
Lisboa (2010, p.74):
“é necessário inventar, reinventar uma nova forma de produzir conhecimento em Serviço
Social a partir da afirmação da nossa identidade e a partir das demandas que surgem no
cotidiano de nossas práticas que configuram a transversalidade de gênero” (LISBOA, 2010,
p.74).
Esta lacuna na formação profissional resulta no encobrimento de questões pungentes ao
serviço social e às políticas públicas, que, se não trabalhadas, podem acentuar violências de gênero,
entre outros desdobramentos, corroborando com o aprofundamento das desigualdades sociais. No
entanto, a recente produção de conhecimento a partir da RIMS (GELSLEICHTER; ZUCCO, 2016;
GELSLEICHTER; ALVES, 2015; KLITZKE; ZUCCO, 2016; BERNARDO; ZUCCO, 2015) sugere
a importância desta apreensão no contexto social do HU/UFSC.
A historiadora Joana Pedro salienta que “entrar para a história tem sido um valor disputado”
(PEDRO, 2005, p.83); ou seja, de que precisamos pensar criticamente sobre a invisibilidade
ideológica da história das mulheres, visto que a forma tradicional de se escrever história, privilegiava,
em geral, os homens. Compreendo, então, que os estudos voltados para as questões de gênero, em
especial, às mulheres, correspondem às conjunturas históricas, nas quais, as relações de poder são
mais ou menos favoráveis à produção de conhecimento de e por mulheres. Nesta direção, “gênero
pode ou não importar para mim e para os outros; em nosso meio sociocultural, importa sempre.”
(TELLES, 1992, p. 50).
Para Pedro (2005), gênero é uma categoria de análise, assim como classe, raça/etnia, geração.
Telles (1992, p. 50) reforça que “gênero é uma categoria, um modo de fazer distinções entre pessoas;
uma construção cultural que classifica com base em traços sexuais, expandindo-se por cruzamentos
de representações e linguagens”. A norte-americana Scott atenta para a presença da categoria gênero
Ademais, a RIMS tem a duração mínima de dois anos, equivalente a uma carga horária de 5.760 horas de formação, deste
total, considera-se que 20% das atividades são teóricas e 80% práticas. Os residentes devem cumprir uma carga horária
de 60 horas semanais e em regime de dedicação exclusiva. (Portaria MEC/MS Nº 1.077/2009).
3
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
nos meios acadêmicos na década de 1980. Retrata que o “gênero parece integrar-se na terminologia
científica das ciências sociais e, por consequência, dissociar-se da política – (pretensamente
escandalosa) – do feminismo” (SCOTT, 1989, p.06). Prossegue situando que “neste uso, o termo
gênero não implica necessariamente na tomada de posição sobre a desigualdade ou o poder, nem
mesmo designa a parte lesada (e até agora invisível)” (SCOTT, 1989, p.06).
Compondo este argumento, Costa (1998) reconhece que, num primeiro momento, o gênero
desconstrói a natureza não essencial da mulher. Sugere, então, o que considera o paradoxo da mulher,
pois, assegura o anti-essencialismo epistemológico ao passo que demanda o essencialismo político.
Assim, defende que
“a categoria mulher torna-se, portanto, uma posição política e o campo movediço e arriscado
de ação e reflexão dos estudos feministas em contraposição ao porto seguro dos estudos de
gênero (ou de masculinidades) dentro da academia” (COSTA, 1998, p.133).
Nesta direção, construo e justifico o interesse em abordar a categoria mulher neste estudo. No
entanto, relativizo, conforme Piscitelli (2002, p.11), que “o trabalho com gênero mantêm um interesse
fundamental na situação da mulher, embora não limitem suas análises ao estudo das mulheres”. A
literatura produzida pelas ciências sociais e de saúde (AGUIRRE, 2006, FERREIRA;
MAGALHÃES, 2005, FELIPPE, 2003) direcionam a prevalência da obesidade em mulheres,
considerando especificidades relacionadas às iniquidades de gênero, ou seja, “que elas possuem
oportunidades mais limitadas, carregam maiores responsabilidades sociais e possuem uma imagem
corpórea subvalorizada, interferindo na qualidade de vida” (PEÑA; BACALLAO, 2006, p.09-10).
Os dados epidemiológicos convergem nesta perspectiva, segundo o Ministério da Saúde
(2015), ao apontarem que a obesidade tem prevalência maior entre mulheres (18,2%) em comparação
aos homens (17,6%). Em relação ao tratamento cirúrgico da obesidade, considerado a intervenção
mais complexa para a perda de peso, é importante perceber a disparidade percentual das cirurgias
nessa população, pois são as mulheres as que mais realizam o procedimento.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica apontou que em 2013 cerca de
70% das pessoas que fizeram cirurgia bariátrica no país eram mulheres entre 35 e 45 anos. A pesquisa
de Fuchs et al. (2015) indica que 80% dos pacientes que efetuam cirurgia bariátrica nos Estados
Unidos são mulheres, percentual que se manteve inalterado no período do estudo (1998-2010). Já no
HU/UFSC o maior número de usuários internados por obesidade nos últimos 10 anos são mulheres
(GELSLEICHTER; ALVES, 2015, p. 152). Esta discrepância parece sinalizar contextos
diferenciados entre homens e mulheres na atenção em saúde e no “cuidado” com o corpo. Ademais,
a problemática da obesidade, assim como suas compreensões e conceitos, são abordadas a partir de
4
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
diferentes perspectivas. Na atualidade, esta discussão tem sido projetada por organismos
internacionais – a saber, Organização Mundial da Saúde (OMS), como uma manifestação de
insegurança alimentar e nutricional que acomete populações de todo mundo em largas escalas,
revelando-se um agravo extremamente complexo e um dos maiores desafios em pauta para a saúde
pública. Desta feita, compreender como as teorias feministas e os estudos de gênero abordam a
temática da obesidade em mulheres é uma tentativa de ampliar as discussões acerca desta temática.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa realizada é exploratória e de abordagem qualitativa (MINAYO, 2001), tendo como
técnica a análise de conteúdo, na modalidade temática (BARDIN, 1977). Foi realizada no mês de
setembro de 2016, e teve como corpus os periódicos indexados na Plataforma Scielo, online: Revista
Estudos Feministas (REF) e Cadernos PAGU. O critério de escolha dos periódicos refere-se à
projeção nacional das revistas, ao fácil acesso, devido a disponibilização online e gratuita de ambas,
e a legitimidade acadêmica nos estudos de gênero e teorias feministas desde seus lançamentos na
década de 1990. Os descritores utilizados para a identificação dos textos e construção do corpus
foram: ‘obesidade’, ‘alimentação’, ‘distúrbio alimentar’ e ‘gorda’. Do levantamento realizado, obtive
os seguintes resultados quantitativos:
01. Tabela referente aos resultados de busca dos descritores nos periódicos
Os critérios de inclusão delimitados para a coleta de dados tiveram como referência o estudo
de Lima e Mioto (2007). Contemplam: parâmetro temático, relacionado ao objeto da pesquisa;
parâmetro lingüístico, inserção de texto somente no idioma em português; principais fontes dos
Descritores/Periódicos Revista Estudos Feministas Cadernos PAGU
‘obesidade’ 00 01
‘alimentação’ 02 02
‘distúrbio alimentar’ 00 00
‘gorda’ 00 00
5
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
artigos indexados nos periódicos: Revista Estudos Feminista (REF) e Cadernos PAGU; parâmetro
cronológico sem especificação de data para o levantamento dos dados.
Segundo tais critérios, foram selecionados quatro artigos dos cinco encontrados. O primeiro
artigo da REF, intitulado “Aleitamento materno ou artificial: práticas ao sabor do contexto. Brasil
(1960-1988)”, não seguiu o critério relacionado ao tema, sendo resultado de uma análise de discurso
sobre aleitamento materno. Assim, diverge da proposta de pensar a questão da obesidade em
mulheres.
A leitura flutuante subsidiou uma visão geral do conteúdo, um primeiro levantamento da
discussão e a organização do material, com destaque às unidades de registro. Após essa primeira
aproximação, continuei com a leitura transversal e iniciei o processo de codificação e categorização.
Nesta etapa, destaquei os principais temas relacionados ao objeto de estudo. Em seguida, levantei os
sentidos mais recorrentes nos artigos, que convergem/divergem entre si. Por fim, realizei a
interpretação dos dados, a partir das categorias orientadoras do estudo.
Caracterização dos periódicos
As informações utilizadas para a caracterização dos periódicos/artigos foram: título do
periódico; título do artigo/assunto; autoras; formação; ano de publicação. Estes dados
compreenderam o contexto de produção dos textos que integraram o corpus, conforme consta no
quadro abaixo:
02. Tabela referente às informações dos periódicos/artigos.
Texto Título do
periódico Título do artigo Autora Formação
Ano de
publicação
01 PAGU Obesidade como deficiência: o
caso dos judeus
Sander L.
Gilman Historiador 2004
02 PAGU
A senhora da casa ou a dona da
casa?
Construções sobre gênero e
alimentação
no Egito Antigo
Thais Rocha
da Silva
Mestranda em Letras
Orientais 2012
03 PAGU Alimentação e codificação
social. Mulheres, cozinha e
estatuto
Rosa Maria
Perez
Antropóloga 2012
6
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
04 REF Trabalho doméstico: desafios
para o trabalho decente Solange
Sanches
Pesquisadora na
Organização
Internacional do
Trabalho no Brasil
2009
A Revista Estudos Feministas (REF) é publicada quadrimestralmente, indexada e
interdisciplinar, possui circulação nacionalmente e internacionalmente. Seu primeiro número foi
publicado em 1992, durante seus 24 anos de produção, vem contribuindo para a consolidação dos
estudos feministas e de gênero no Brasil. É vinculada à Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH), localizando-
se na região sul. Observa-se a incipiente produção sobre a temática, a partir dos descritores utilizados,
na Revista. Os Cadernos PAGU, também são publicados quadrimestralmente em uma perspectiva
interdisciplinar. A revista objetiva contribuir para a ampliação e o fortalecimento do campo
interdisciplinar dos estudos de gênero no Brasil e para o intercâmbio internacional. Sua primeira
publicação data do ano de 1993. É vinculada ao Sistema COCEN (Coordenadoria de Centros e
Núcleos) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) no estado de São Paulo. A maior
representatividade de artigos, deve-se, especialmente, a publicação do Caderno 39, no ano de 2012,
intitulado Gênero e Alimentação.
Evidencia-se a majoritária autoria dos textos por mulheres de áreas de formação
interdisciplinares, que compreendem as áreas das ciências sociais. Este dado condiz com os objetivos
das revistas. Contudo, em relação à autoria, um dos artigos é escrito por um homem – texto um. Pode-
se, a partir deste marcador, situar que o próprio título do texto referencia uma abordagem masculina
“o caso dos judeus”.
Ademais, observa-se a incipiente produção sobre a temática, a partir dos descritores utilizados,
em ambas as revistas. Parece que o tema da obesidade, ainda não é amplamente discutido pelos
estudos feministas. É possível indicar que o tema da obesidade, esteja mais referenciado pelo campo
das ciências da saúde, como nutrição e medicina, justificando a escassez de artigos neste corpus. A
utilização do descritivo ‘gorda’ se deve a perspectiva política utilizada por mulheres ativistas do
Movimento Gorda3.
3 Em um breve levantamento nos meios de comunicação, é possível encontrar páginas no Facebook relacionadas a este
movimento, são:
Vai ter Gorda (https://www.facebook.com/MovimentodasGordinhas/),
Voz das Gordas (https://www.facebook.com/VozdasGordas/?fref=ts),
7
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Análises dos artigos em foco: temas, sentidos e interpretações
Chama atenção no corpus, principalmente, nos textos um, dois e três o recorte epistemológico
de apresentar suas temáticas referenciadas por uma realidade histórica e regional diferenciada –
espaço e tempo, categorizados como marcadores sociais. Cada um destes textos expõe a faceta do
gênero feminino, seja em relação à alimentação/obesidade situando um contexto cultural, social,
econômico e religioso. O texto um reconstitui as representações culturais do corpo obeso a partir do
caso dos judeus; o texto dois trata de uma etnografia na região da Índia rural e o texto três realiza um
breve histórico sobre a produção acadêmica relativa aos estudos da alimentação no Egito antigo, com
suas articulações no campo de gênero. Sobre este dado, podemos considerar a leitura dos marcadores
sociais de diferença, ou seja, que “cada uma dessas categorias de classificação está associada a uma
determinada posição social, possui uma história e atribui certas características em comum aos
indivíduos nela agrupados” (ZAMBONI, 2013, p.14).
Somente o texto dois trouxe referenciou discussões por categorias do campo dos estudos de
gênero, por exemplo: o trabalho doméstico e o universo feminino. Os textos um e três, não
apresentam formulações teóricas sobre gênero, ou seja, constroem sua fundamentação teórica voltada
para a relação da alimentação e suas determinações no meio social, religioso, cultural. Neste sentido,
Pedro (2005) atenta para a recorrência do uso da categoria gênero, citada em artigos e livros, sem
uma prática reflexiva aprofundada sobre o assunto. O texto dois apresenta um embate fundamental
nos estudos de gênero, que “os pós-colonialistas podem questionar o feminismo (ocidental)
predominante, apontando o seu fracasso ou incapacidade de incorporar questões raciais, ou a sua
tendência a estereotipar ou generalizar em excesso a questão da “mulher do Terceiro Mundo”
(BAHRI, 2013, p. 662). Nesta relação, o feminismo pós-colonial questiona as abordagens
estritamente ocidentais e evidencia outras narrativas para os estudos de gênero. Sobre gênero, pós-
colonialismo e egiptologia, a autora elabora:
“é justamente pelo fato de ser uma disciplina tão particular que barrou muitos “ismos” das
primeiras feministas, sobretudo ideias de uma opressão universal das mulheres, já que as fontes
demonstram que as mulheres egípcias, por outro lado, tinham um estatuto legal diferenciado
se comparadas às suas vizinhas do Mediterrâneo” (Texto 02).
Gordativismo (https://www.facebook.com/gordativismo/?fref=ts),
Precisamos falar de Gordofobia (https://www.facebook.com/precisamosfalardegordofobia/?fref=ts),
Beleza sem Tamanho (https://www.facebook.com/BelezasemTamanhoBlog/),
Movimento Gordo da Bahia (https://www.facebook.com/MovimentoGordoDaBahia/?fref=ts), Fattitude (https://www.facebook.com/fattitudethemovie/).
8
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Amplia-se neste horizonte, o cuidado epistemológico em apreender as realidades condizentes com a
Índia rural e os judeus.
A alimentação pode ser compreendida como “um ato vital, sem o qual não há vida possível,
mas, ao se alimentar, o homem cria práticas e atribui significados àquilo que está incorporando a si
mesmo, o que vai além da utilização dos alimentos pelo organismo” (MACIEL, 2001, p.145). Esta
perspectiva sociocultural se evidencia, nos textos dois e três:
“é preciso ir além do fato básico de que alimentar-se é simplesmente ingerir alimentos, mas ter
em vista que as formas pelas quais a ingestão de alimentos é construída socialmente se
articulam com outras formas de sociabilidade. As várias formas de comer passam pela divisão
sexual do trabalho, de organizações de sistemas em torno do alimentar-se (banquete, rituais,
etc.) e, mais ainda, pela linguagem. A história da alimentação deve, portanto, evidenciar o
aspecto cultural, social das escolhas sobre o que, onde e como comer (Texto 02).
“será um lugar-comum afirmar que, em qualquer sociedade, a alimentação é uma forma
intrínseca de cultura. Como comer, onde comer, com quem comer e, acima de tudo, o que
comer, são elementos essenciais de significação cultural e de atribuição de estatuto.
Efectivamente, o comportamento alimentar distingue posicionamentos sociais, gênero,
afiliação religiosa, estado de vida” (Texto 03).
Nesta perspectiva, podem-se traçar importantes articulações socioculturais entre alimentação e
gênero. Conforme Silva (2012, p.67) “a historiografia sobre a alimentação por muitos anos
privilegiou aspectos ligados à biologia” (SILVA, 2012, p. 67). Esta mesma discussão perpassou os
estudos de gênero, ao questionar a essencialização da mulher a partir de um determinismo biológico.
Em relação à alimentação e gênero os textos sugerem a confluência da mulher com a casa.
Neste núcleo de sentido a relação da mulher com o alimento pode vincular-se ao processo de cozinhar.
O texto três, a partir da realidade da Índia rural, situa que a produção dos alimentos se deve ao homem,
o que lhe favorece maior poder na hierarquia de gênero. Assim, o preparo dos alimentos se deve às
mulheres. A autora informa ainda, a distribuição desigual dos alimentos no interior da família, sendo
o homem o primeiro a comer. Desta forma, à mulher “está reservada uma maior escassez de
alimentos, no interior de uma hierarquia de gênero favorável aos homens” (PEREZ, 2012, p. 246).
Um estudo realizado na Argentina, pela antropóloga Aguirre (2006), situa uma hierarquia semelhante
à supracitada. A autora sinaliza que o trabalho das mulheres entrevistadas refere-se a atividades
domésticas não especializadas, sem definição de carga horária e mais prolongadas – conforme se
percebe o processo de preparar os alimentos. Aguirre (2006) verifica que essas mulheres não
participam de todas as refeições da casa, principalmente para garantir que os homens e filhos (as)
consumam os alimentos mais nutritivos, restringindo sua dieta a um contexto de carências
nutricionais.
9
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Sobre as análises que referenciam alimentação e gênero à problemática do trabalho
doméstico, o texto quatro é representativo desta condição:
“esses afazeres compreendem o cuidado com o lar, o que envolve a realização de um grande e
variado conjunto de atividades: serviços de limpeza, arrumação, cozinha, cuidado das roupas
e outros itens de vestuário, e, em muitos casos, cuidado de crianças, idosos ou mesmo plantas
e animais domésticos” (Texto 04).
Podemos pensar que “existe uma importante aproximação entre a obesidade e as pressões
geradas no contexto do trabalho desenvolvido pelas mulheres, seja ele com vínculo empregatício
formal ou o trabalho não remunerado (cuidado)” (GELSLEICHTER; ALVES, 2015, p.333). Desse
modo, o texto quatro, destaca uma análise fundamental da determinação da obesidade, mesmo que,
tenha restringido seus apontamentos à questão do trabalho, não sendo a obesidade uma preocupação
de estudo.
Em relação à obesidade, apenas o texto um trabalha as especificidades de uma construção
moral/religiosa do judeu obeso. Em contraposição, a perspectiva de gênero, não referencia diferenças
entre homens e mulheres. O texto não adota, inclusive, uma linguagem inclusiva de gênero. O texto
é escrito no masculino, denotando uma invisibilidade da mulher no contexto da obesidade. Acerca
dos saberes relacionados à questão da obesidade, o autor pontua profundas dificuldades vividas e
experimentadas cotidianamente por obesos:
“continuamente encontram várias formas de discriminação, incluindo a exclusão intencional
ilegal, os efeitos discriminatórios das barreiras arquitetônicas, de transporte e comunicação,
regras e políticas superprotetoras, falha em fazer modificações em equipamentos e práticas
existentes, padrões de qualificação e critérios excludentes, segregação e relegação a serviços,
atividades, benefícios, empregos ou outras oportunidades inferiores” (Texto 01).
Este contexto é apresentado por Gelsleichter e Zucco (2016, p.15) a partir do
acompanhamento de mulheres com obesidade. As autoras retratam aspectos referentes à
“preconceito, isolamento e constrangimento social são sentimentos presentes na vida das
mulheres em função de sua obesidade. Ganham materialidade em decorrência de violências
explícitas ou quando, implicitamente, são excluídas da vida social. Atravessar a estreita
catraca do ônibus, sentar em cadeiras, realizar a higiene íntima, amarrar os cadarços, comprar
sapatos e roupas, são desafios diários que promovem dor e destituição”.
Neste sentido, observa-se que as discussões de obesidade e gênero são residuais. Quando se
problematiza alimentação e gênero, destacam-se as atribuições referentes à questão do lar e não às
implicações da alimentação da mulher. Quando se apresenta o tema da obesidade, referencia-se a
construção cultural do corpo masculino atravessado por marcadores de religião.
10
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Considerações finais
Devido à escassa produção de conhecimento sobre obesidade em mulheres nos periódicos
pesquisados, considera-se que são apresentadas noções que se relacionam ao tema, mas que não
realizam análises específicas do objeto em questão. Conforme os indicadores epidemiológicos
demonstram, a obesidade, em sua forma grave, é acentuada nas mulheres. A discrepância nos dados
que referenciam os números de realização de cirurgias bariátricas entre homens e mulheres, revelam
que não há imparcialidades no processo saúde/doença da obesidade.
Os sofrimentos e exclusões que vivenciam as mulheres com obesidade, acarretam contextos
que acirram iniquidades de gênero. Considerando a recente projeção da obesidade como questão de
saúde pública, devido, principalmente, o elevado índice de manifestação nos países desenvolvidos, é
que se considera a análise da obesidade um desafio emergente para a produção de conhecimento
orientada pelas teorias feministas e estudos de gênero.
Referências
AGUIRRE, P. Aspectos socioantropológicos da obesidade na pobreza. In: M. Peña, & J. Bacallao,
Obesidade e pobreza: um novo desafio de saúde pública (pg. 12-26). São Paulo: Roca, 2006.
BAHRI, D. Feminismo e/no Pós-colonialismo. Estudos Feministas, Florianópolis, 21(2): 659-688,
maio-agosto/2013.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa, 1977: Edições 70.
BERNARDO, F.R; ZUCCO, L.P. A centralidade do feminino no método canguru. Sex., Salud Soc.
(Rio J.) no.21 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2015.
BRASIL. Vigitel Brasil 2014: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por
inquérito telefônico – Brasília: Ministério da Saúde, 2015.
COSTA, C.L. O tráfico do gênero. Cadernos pagu (11) 1998: pp.127-140.
COUNIHAN, C.M. KAPLAN, S.L. Food and gender: identy and Power (food in history and
culture). 1998.
FELIPPE, F. M. O peso social da obesidade. In: Revista Virtual Textos & Contextos, nº2, dez,
2003.
FERREIRA, V. A; MAGALHÃES, R. Obesidade e pobreza: o aparente paradoxo. Um estudo com
mulheres da Favela da Rocinha, Rio de Janeiro, Brasil. In: Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro,
2005.
11
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
GELSLEICHTER, M. Z; ALVES, F. L. Famílias, obesidade e políticas de atenção em saúde no
Brasil: trabalho e cuidado no processo e saúde-doença. In: ?Familias Contemporáneas –
Intervenciones Contemporáneas? Familias e Nueva Matriz de Protección Social. Montevidéu, 2015,
p. 328-340.
GELSLEICHTER, M.Z; ZUCCO, L.P. Quanto pesa a mulher com obesidade? Trabalho de Conclusão
de Residência. Hospital Universitário Professor Ernani Polydoro de São Thiago, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.
GILMAN, S.L. Obesidade como deficiência: o caso dos judeus. Cadernos pagu (23), julho-
dezembro de 2004, pp.329-353.
KLITZKE, C; ZUCCO, L.P. Violência de gênero: como os/as profissionais a identificam. Trabalho
de Conclusão de Residência. Hospital Universitário Professor Ernani Polydoro de São Thiago,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.
LIMA, T. C. S.; MIOTO, R. C. T. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento
científico: a pesquisa bibliográfica. Revista Katálysis, v.10, n. especial, p. 37-45, 2007.
LISBOA, T.K. Feminismos, Pesquisa e Producao do conhecimento em Servico Social. 2010, UNB.
MACIEL, M.E. Cultura e alimentação ou o que têm haver os macaquinhos de Koshima com Brillat-
Savarin? Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 7, n. 16, p. 145-156, dezembro de 2001.
PEDRO, J. M. Traduzindo o debate: o uso da categoria genero na pesquisa historica. Historia. Sao
Paulo. v. 24, n.1, 2005. p 77-98.
PEÑA, M; BACALLAO, J. Obesidade entre os pobres: um problema emergente na América Latina
e Caribe. In: M. Peña, & J. Bacallao, Obesidade e pobreza: um novo desafio de saúde pública (pg.
02-11). São Paulo : Roca, 2006.
PEREZ, R.M. Alimentação e codificação social. Mulheres, cozinha e estatuto. Cad.
Pagu no.39 Campinas July/Dec. 2012.
PISCITELLI, A. Recriando a (categoria) Mulher?. In: ALGRANTI, L. (Org.). A prática Feminista e
o Conceito de Gênero. Textos Didáticos, nº 48. Campinas, IFCH-Unicamp, 2002, p. 7-42.
RODRIGUES, C. Múltiplas rotas feministas. Rev. Estud. Fem. vol. 13
no.3 Florianópolis Sept./Dec. 2005.
SANCHES, S. Trabalho doméstico: desafios para o trabalho decente. Estudos Feministas,
Florianópolis, 17(3): 312, setembro-dezembro/2009.
SILVA, T.R. A senhora da casa ou a dona da casa? Construções sobre gênero e alimentação no
Egito Antigo. Cadernos pagu (39), julho-dezembro de 2012:55-86.
STENZEL, L.M. Obesidade: o peso da exclusão. Edipucrs. 2ª edição. Porto Alegre, 2003.
TELLES, N. Autora. In.: JOBIN, José Luis (Org.). Palavras da crítica: tendências e conceitos no
estudo da Literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992, p. 45-63.
12
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
UFSC/HU. Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde 2011/2013.
Florianópolis, 2010.
ZAMBONI, M. Marcadores sociais. Sociologia. Especial. n18. 2013.
The obesity knowledge production from feminist theories and gender studies
Abstract: This article aims to answer how the feminist and gender knowledge production presents
issues/notions related to obesity in women. This problem comes from the work experience as a Social
Worker of the Integrated Residency Multi-professional Health Program (RIMS/HU/UFSC), in
particular, from the performance along with the High Complexity Attention Policy for users with
Obesity of the Bariatric Surgery Service. The study is a bibliographical and qualitative approach
(MINAYO, 2001), having the content analysis technique in the thematic modality (BARDIN, 1977).
The research was carried out in September 2016, and had as corpus the indexed journals in the
Platform Scielo online: Feminist Studies Magazine (REF) and Cadernos PAGU. The descriptors used
for the research were: "obesity", "feeding", "eating disorder" and "fat". The sufferings and exclusions
experienced by women with obesity entail contexts that intensify gender inequities. Considering the
recent projection of obesity as a public health issue, due mainly to the high rate of manifestation in
developed countries, the analysis of obesity is considered an emerging challenge for the production
of knowledge guided by the feminist theories and gender studies.
Keywords: Obesity, Gender, Feminism.