A PRIVATIZAÇÃO DA DEMOCRACIA

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A PRIVATIZAÇÃO DA DEMOCRACIA Um catálogo da captura corporativa no Brasil Organização Gonzalo Berrón e Luz González

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    A PRIVATIZAO DA DEMOCRACIA

    Um catlogo da captura corporativa

    no BrasilOrganizao

    Gonzalo Berrn e Luz Gonzlez

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    SUMRIO

    APRESENTAO

    INTRODUO

    PREFCIO: CORPORAES E PODER POLTICO: NOTAS DO FRONTLADISLAU DOWBOR

    1. ALIMENTOS: CONCENTRAO E IMPACTOS SCIOAMBIENTAIS MARCEL GOMES

    2. CTNBIO: 100% TRANSGNICOS YAMILA GOLDFARB

    3. ENSINO SUPERIOR, POLTICA DE INCLUSO E NEGCIOS: OS CASOS DO PROUNI E DO FIES FILOMENA SIQUEIRA , DANIEL MARTINS SILVA

    4. MEIO AMBIENTE: MENTIRAS VERDADEIRAS E VERDADES ESCANTEADAS JOANA CARDA

    5. DONOS DA MDIA E DE MUITO MAIS VERIDIANA ALIMONTI, GUSTAVO GINDRE

    6. O COMPLEXO FRMACO-POLTICONAJLA PASSOS

    7. ARMAS PARA QUEM? POLTICA E ECONOMIA DE UMA INDSTRIA MORTALMARCEL GOMES, DANIEL SANTINI

    8. HABITAO POPULAR, POLTICA DE INCLUSO E NEGCIOS:UM OLHAR SOBRE O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDAPIERO LOCATELLI

    SOBRE O VIGNCIA

    CRDITOS E AGRADECIMENTOS

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    APRESENTAO

    A presente publicao pretende fornecer uma radiografia da captura corporativa em alguns dos principais setores da econo-mia brasileira no momento atual: alimentos, com especial des-taque para o caso dos transgnicos (biossegurana); educao; finanas; juros; meio ambiente; mdia; sade (indstria farma-cutica); segurana (indstria de armas); e setor imobilirio.

    Em cada um dos artigos a seguir, tentamos identificar (a) os mecanismos que as empresas utilizam para capturar o poder poltico e econmico em diversos setores da economia brasileira e (b) quem so os principais afetados por essa captura.

    Este um documento elaborado de forma colaborativa com diversas organizaes e indivduos, e nossa inteno, ao compi-lar esses casos, a de fornecer informaes e subsdios para ou-tros indivduos e organizaes que atuem ou desejem atuar na defesa do interesse pblico e no combate crescente desigualda-de econmica no Brasil.

    O texto completo e outras informaes atualizadas so-bre esses e outros setores esto disponveis no site do Vigncia: www.vigencia.org.

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    INTRODUO

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    a- Novos e velhos desafios no quadro poltico brasileiro

    Apresentamos esta publicao em meio a uma intensa discusso sobre a atuao dos poderes econmicos no Brasil e seu impacto sobre a nossa democracia. um debate crucial, que deve apro-fundar a anlise sobre os efeitos estruturantes da participao poltica dos atores econmicos na economia e na sociedade, mas que no pode ser abordado levianamente, nem utilizado de for-ma instrumental na contenda poltico-eleitoral, como tem sido o caso at agora: preciso reconhecer a complexidade da interao Estado-empresas.

    Na contramo da banalizao do debate sobre essa rela-o, que expe contradies dos dois lados do espectro polti-co, a proposta desta publicao , por meio de estudos de caso em diferentes setores, fornecer um panorama da influncia que as empresas exercem sobre os processos polticos no Brasil de forma a favorecer seus interesses privados. O que constatamos, aps investigar os principais mecanismos dos quais elas se uti-lizam em diferentes fruns democrticos, a existncia de um ciclo perverso, que despreza os interesses de diversas parcelas da sociedade brasileira sobretudo os dos trabalhadores e traba-lhadoras do campo e da cidade e radicaliza ainda mais as nos-sas j profundas desigualdades sociais.

    Trata-se de um quebra-cabea cujas peas centrais so: o capitalismo extremo, que fornece o marco para um cenrio dinmico no qual atores econmicos que aqui denominamos genericamente empresas, mas que possuem diversas morfo-

    INTRODUO

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    Introduo

    logias, e incluem bancos e fundos de investimento interagem entre si, ou com Estados e organismos internacionais, que no so outra coisa seno as entidades que representam a sobe-rania popular nos regimes democrticos, e, por fim, os ativistas da sociedade civil, que participam nos nveis internacional e do-mstico e que tambm se apresentam de mltiplas formas e com diversas densidades (movimentos sociais, sindicais e polticos, ONGs, redes, comunidades de base, afetados, formaes polti-cas diversas etc.).

    Nesse jogo, os atores econmicos tentam capturar as ins-tituies de representao poltica nacionais e supranacionais, ou seja, os Estados e organismos internacionais, de diversas for-mas, de modo que seus interesses se transformem em decises pblicas (leis e normas, polticas pblicas, programas governa-mentais, licitaes, decises judiciais) que favoream primor-dialmente os interesses das empresas. Resta sociedade civil a tarefa de denunciar e contra-arrestar essa captura pela via da disputa sobre os rumos do Estado atravs da mobilizao civil, campanhas e outras atividades.

    um jogo desigual, que se traduz em: a) crescente privati-zao da democracia ou seja, um cenrio no qual, graas a diver-sas formas de influncia, empresrios controlam mecanismos centrais da dinmica democrtica (eleies, trabalho parlamen-tar, programas, obras, poder judicirio etc.) que, por sua vez, resulta em b) polticas pblicas, leis e acordos internacionais que favorecem os interesses econmicos das grandes corporaes transnacionais e redundam em c) maior concentrao econmi-ca, que produz d) atores econmicos cada vez mais poderosos em relao s outras esferas da sociedade, cuja existncia resulta em e) sociedades mais pobres, tanto em termos econmicos quanto de soberania. E so essas sociedades de extremos cada vez mais distantes, nas quais o interesse geral no tem expresso no sis-tema de representao poltica, que tm sido a marca central do capitalismo global contemporneo que chamamos de capitalis-mo extremo.

    Ou seja, o que constatamos a vigncia da contradio sim-ples, mas tenaz e mutante, que jaz no cerne do capitalismo: a da dominncia de grandes atores econmicos na arena poltica de democracias capitalistas de forma a explorar os demais setores menos favorecidos da sociedade. E este acmulo respalda a ne-cessidade de construir e sistematizar um debate pblico sobre a privatizao da democracia brasileira no sculo 21.

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    b - Capitalismo extremo: concentrao e desigualdade

    Passados mais de 30 anos do incio da chamada globalizao, o modelo de mundializao da economia via abertura e desregula-mentao global dos mercados em termos de comrcio e inves-timentos produziu um novo padro de concentrao e interna-cionalizao da economia. Ao mesmo tempo, operou uma feroz desorganizao das relaes no mundo do trabalho e configurou novas relaes de consumo, padres culturais e de relaciona-mento com a natureza e com o nosso habitat rural e urbano. As crises condensadas no crack de 2008 desnudaram, por um lado, o carter mais selvagem e irracional dessa globalizao e, por outro, a resilincia do mercado e, sobretudo, a promiscuidade entre os interesses privados, as empresas e as agncias pbli-cas os governos e as entidades governamentais internacionais.

    O saldo geral desse processo tem sido uma economia trans-nacional fora do controle dos governos nacionais, nas mos de um nmero cada vez menor de grupos econmicos e uma distribui-o de riqueza recordista em termos de desigualdade. A concentra-o e a desigualdade so as duas caractersticas centrais do que cha-mamos de capitalismo extremo: a extrema concentrao de riquezas e a tendncia extrema concentrao da propriedade das empresas.

    Cada vez menos e maiores empresas O artigo de Ladislau Dowbor nesta publicao cita um estudo do Instituto Federal Suo de Pesquisa Tecnolgica que selecionou os 43 mil grupos empresariais mais importantes do mundo e analisou como se d, por meio de participaes cruzadas e fu-ses interempresariais, o controle do conjunto. A pesquisa che-gou a uma cifra impressionante que mudou a viso que temos do sistema econmico mundial: 737 grupos apenas controlam 80% do mundo corporativo, sendo que, destes, um ncleo de 147 controla 40%. Destes 147, 75% so essencialmente grupos finan-ceiros. Um grupo to limitado no precisa fazer conspiraes misteriosas, so pessoas que se conhecem no campo de golfe ou no Open de Tnis da Austrlia, se ajeitam confortavelmente en-tre si, afirma Dowbor. Falar em mecanismos de mercado neste clube restrito no faz muito sentido.1

    No Brasil, forte a existncia de conglomerados empre-sariais que possuem donos com propriedade cruzada em vrias

    1 Vitali, Glattfelder e Battistoni, Zurich, 2011; Ver A rede do po-der corporativo mundial, 2012. Disponvel em: http://dowbor.or-g/2012/02/a-rede-do-poder-cor-porativo-mundial-7.html/.

    Introduo

    http://dowbor.org/2012/02/a-rede-do-poder-corporativo-mundial-7.html/http://dowbor.org/2012/02/a-rede-do-poder-corporativo-mundial-7.html/http://dowbor.org/2012/02/a-rede-do-poder-corporativo-mundial-7.html/

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    empresas. Segundo Lazzarini, so entidades que surgem devido a dois atributos tpicos das redes societrias brasileiras: os con-srcios (vrios donos associados a um mesmo projeto ou empre-sa) e as pirmides de controle (donos com participaes em uma empresa intermediria que, por sua vez, agrega posies em di-versas outras).2 O autor chama a ateno para o vnculo direto ou indireto desses aglomerados com o BNDES ou os fundos de penso das estatais. Segundo ele, o principal problema justa-mente a reduo da competio: se trs grupos se juntam em um consrcio, so dois concorrentes a menos em um setor.3 A cartelizao o passo seguinte.

    Uma outra caracterstica desse fenmeno no nosso pas tem sido a acelerao das fuses e aquisies. Em uma fuso, duas (ou mais) empresas viram uma, na aquisio, uma (ou mais) empresas compram outra ou seja, nas duas operaes, sempre ocorre a di-minuio de ao menos uma entidade.4 No perodo de 2002 a 2015, a velocidade das fuses e aquisies pulou de uma mdia de 384 em 2002/2005, para 646 em 2006/2009 e, finalmente, para 793 em 2010/2015.5 Ou seja, dobraram em um perodo de menos de dez anos. Alguns exemplos desse tipo de operaes ocorrem em reas com muito impacto na vida cotidiana dos cidados. Em 2015, a ame-ricana United Health, que j comprara a Amil em 2012 por R$ 10 bilhes, comprou o Hospital Samaritano de So Paulo por R$ 1,3 bi-lho. Na rea da educao, a fuso entre os grupos Kroton e Anhan-guera em 2014 criou uma empresa com valor de mercado de mais de R$ 24 bilhes e, no ano seguinte, a Estcio Participaes, um dos maiores grupos educativos particulares do pas, adquiriu a Faculda-de Nossa Cidade pelo valor de R$ 90 milhes. No setor de alimentos, em 2012, o grupo francs Casino assumiu o controle do Grupo Po de Acar, e, entre outros exemplos, em 2015, a Hortifruti comprou a sua concorrente em So Paulo, a Natural da Terra. No setor de turis-mo, tambm no ano passado, a CVC comprou a Submarino viagens por R$ 80 milhes. Isso quer dizer que menos atores possuem cada vez maiores participaes no mercado (market share), tornando-se, por isso, mais poderosos na determinao dos preos, da qualidade dos produtos e dos servios, alm das condies impostas aos seus usurios, consumidores e fornecedores.

    A cada dia, um Brasil e um mundo mais desiguaisA Oxfam liberou em janeiro deste ano um informe baseado no relatrio do Credit Suisse que afirma que a distncia entre ricos e pobres est chegando a novos extremos, sendo que o 1% mais rico da populao mundial acumula mais riquezas atualmente que

    2 Lazzarini, Srgio G. Capitalis-mo de Laos. So Paulo: Cam-pus, 2011.

    3 Lazzarini, op. cit. p.112.

    4 H operaes mais complexas que implicam a compra de par-tes ou aes de uma determinada empresa (compra de participa-es no-controladoras), ou duas empresas que criam uma terceira sem desaparecer (Joint Venture).

    5 Pricewaterhouse and Cooper. Fuses e Aquisies no Brasil, Dezembro de 2015, 2016. Dis-ponvel em: http://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/servicos/assets/fusoes-aquisicoes/2015/pwc-fusoes-aquisicoes-dezem-bro-15.pdf.

    Introduo

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    todo o resto do mundo junto. Para a organizao, essa apenas a evidncia mais recente de que vivemos atualmente em um mundo caracterizado por nveis de desigualdade no registrados h mais de um sculo.

    Segundo a Oxfam, a crescente desigualdade econmica ruim para todos ns ela mina o crescimento e a coeso social. No entanto, as consequncias para as pessoas mais afetadas pela po-breza no mundo so particularmente graves.6 Segundo o relatrio:

    - Em 2015, apenas 62 indivduos detinham a mesma ri-queza que 3,6 bilhes de pessoas a metade mais afetada pela pobreza da humanidade. Esse nmero representa uma queda em relao aos 388 indivduos que se enquadravam nessa categoria h bem pouco tempo, em 2010.

    - A riqueza das 62 pessoas mais ricas do mundo aumentou em 45% ou mais de meio trilho de dlares (US$ 542 bi-lhes) nos cinco anos posteriores a 2010, saltando para US$ 1,76 trilho.

    - A riqueza da metade mais pobre caiu em pouco mais de US$ 1 trilho no mesmo perodo uma queda de 38%.

    - Desde a virada do sculo, a metade da populao mundial mais afetada pela pobreza ficou com apenas 1% do aumen-to total da riqueza global, enquanto metade desse aumento beneficiou o 1% mais rico da populao.

    - O rendimento anual mdio dos 10% mais pobres da po-pulao mundial aumentou menos de US$ 3 em quase um quarto de sculo. Sua renda diria aumentou menos de um centavo a cada ano.

    Se a situao mundial preocupante, a Amrica Latina e o Brasil permanecem em situao particularmente crtica em termos de distribuio de riquezas. Nosso pas um dos mais desiguais do mundo: 0,5% da populao economicamente ativa concentra 43% da riqueza7 e os 8% mais ricos possuem 87% da riqueza8. Apesar de polticas redistributivas nos ltimos anos terem contribudo para aumentar a participao dos mais po-bres na riqueza nacional, o processo de acumulao do capital tem crescido velozmente - enquanto o PIB cresceu 19% entre 2007 e 2013, por exemplo, a renda dos super-ricos (0,3% dos declarantes) subiu 39% e, segundo alguns autores, chega a neu-tralizar a recente melhoria na distribuio de renda 9.

    6 Oxfam Brasil. A Economia para o 1%, 2016. Disponvel em: http://www.oxfam.org.br/noticias/rela-torio_davos_2016 e http://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Infor-me%20Oxfam%20210%20-%20A%20Economia%20para%20o%20um%20por%20cento%20-%20Janeiro%202016%20-%20Relatrio%20Completo.pdf.

    7Gobetti, S. e Orair, R. Jabuticabas Tributrias e a Desigualdade no Bra-sil, Valor Econmico, 31.jul.2015. Disponvel em .

    8Avila, R. Os dados da riqueza do Bra-sil e a estrutura tributria, Brasil De-bate, 8.jan.2015. Disponvelem http://brasildebate.com.br/ os-dados-da-riqueza-do-brasil-e-a- estrutura-tributaria.

    9Silveira, C. Breves consideraessobre IR e a distribuio de renda no Brasil, Brasil Debate, 21.ago.2015. Disponvel em http://brasildeba-te. com.br/breves-consideraco-es-sobre-ir- e-a-distribuicao-de-renda-no-brasil.

    Introduo

    http://www.oxfam.org.br/noticias/relatorio_davos_2016http://www.oxfam.org.br/noticias/relatorio_davos_2016http://www.oxfam.org.br/noticias/relatorio_davos_2016http://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Informe%20Oxfam%20210%20-%20A%20Economia%20para%20o%20um%20por%20cento%20-%20Janeiro%202016%20-%20Relatrio%20Completo.pdfhttp://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Informe%20Oxfam%20210%20-%20A%20Economia%20para%20o%20um%20por%20cento%20-%20Janeiro%202016%20-%20Relatrio%20Completo.pdfhttp://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Informe%20Oxfam%20210%20-%20A%20Economia%20para%20o%20um%20por%20cento%20-%20Janeiro%202016%20-%20Relatrio%20Completo.pdfhttp://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Informe%20Oxfam%20210%20-%20A%20Economia%20para%20o%20um%20por%20cento%20-%20Janeiro%202016%20-%20Relatrio%20Completo.pdfhttp://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Informe%20Oxfam%20210%20-%20A%20Economia%20para%20o%20um%20por%20cento%20-%20Janeiro%202016%20-%20Relatrio%20Completo.pdfhttp://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Informe%20Oxfam%20210%20-%20A%20Economia%20para%20o%20um%20por%20cento%20-%20Janeiro%202016%20-%20Relatrio%20Completo.pdfhttp://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Informe%20Oxfam%20210%20-%20A%20Economia%20para%20o%20um%20por%20cento%20-%20Janeiro%202016%20-%20Relatrio%20Completo.pdf

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    c- Os afetados

    O capitalismo extremo tem custos polticos, sociais, econmicos, am-bientais e culturais. Tem impacto na sade da populao, cujo aces-so a medicamentos limitado pelo preo proibitivo que o sistema de patentes assegura s empresas farmacuticas. Afeta tambm a educao, porque, com um sistema pblico insuficiente, as pessoas ficam a merc das ofertas particulares, que so de pior qualidade no caso das universidades ou caras demais no caso do ensino prim-rio e secundrio, quando o direito educao deveria ser garantido pelo Estado. Tem custo para o bolso dos consumidores, que arcam com juros exorbitantes s aplicados no Brasil, e para os que procu-ram uma moradia digna, mas no conseguem ter acesso a ela tanto por causa do alto preo dos aluguis e imveis em um mercado de escassez dominado por agentes privados especulativos quanto pela dificuldade em obter crdito.

    Esse sistema impe custos aos pequenos produtores agrco-las, que ficam refns dos contratos de servio com as grandes pro-cessadoras de alimentos, ou a cada dia mais dependentes dos agro-txicos e das sementes transgnicas vendidas com exclusividade por algumas transnacionais. Prejudica a sade de quem se alimenta desses produtos produzidos com crescentes doses de veneno. Tem impacto sobre todos os seres que vivem neste planeta, ao impor obstculos ou deturpar as polticas para frear o aquecimento global, e efeitos diretos nas populaes cujo ambiente de vida e forma de sustento so alteradas pela construo de barragens e obras como Belo Monte. Afeta os jovens, em particular negros e negras, que morrem assassinados por causa dos lobbies da bala, que, por um lado, promovem a venda de armas e a cultura da violncia e, por ou-tro, a ideia de que o Estado deve se equipar cada vez mais para com-bater a violncia e a criminalidade, o que resulta em nosso altssimo ndice de letalidade policial e na cada vez mais intensa represso s manifestaes sociais com novas armas menos letais. Ao acirrar a concentrao da capacidade de transmitir informao e produzir cultura, tambm impacta toda a populao, que fica refm do olhar interessado dessas poucas fontes.

    So muitos os afetados homens e mulheres, jovens e velhos, negros, brancos, ndios, urbanos, rurais, migrantes. Por limitaes de tempo e de recursos, esta publicao s pde tratar de alguns se-tores. Mas este catlogo no teria sentido no fosse para chamar a ateno para os impactados, sobretudo daqueles com menos recur-sos para se defender.

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    d- A captura corporativa

    O poder estrutural das empresasO papel dos chamados grupos de interesse, incluindo em-

    presas e associaes empresariais, no desenho e implementao de polticas pblicas tem interessado a cientistas sociais h pelo menos quatro dcadas. Marxistas chamaram ateno para o poder estrutural das elites econmicas, que advm tanto de seu domnio ideolgico ou seja, seu poder de neutralizar ideias contrrias a seus interesses10 quanto de seu poder econmico: por terem a capacidade de aumentar ou reduzir seu investimento, criar ou reduzir empregos e determinar outros fatores cruciais para o desempenho das economias nacionais, empresrios no pre-cisam fazer nada para ter seus interesses defendidos pelos go-vernantes, sempre temorosos dos efeitos eleitorais da retrao econmica11. O conceito de posio privilegiada dos interesses empresariais, de Charles Lindblom (1977), pretendia sintetizar a ideia de que o setor empresarial tinha um papel privilegiado diante de outros grupos sociais devido ao seu poder estrutural na economia. Diferentemente de perspectivas que atestavam a neu-tralidade poltica das entidades econmicas, defendia-se que o Estado, nas democracias capitalistas, funcionava como uma fer-ramenta do poder empresarial. Tambm os tericos pluralistas, que descreviam o sistema democrtico como uma poliarquia de diferentes grupos competindo cada um por seus prprios inte-resses12 apontavam as empresas como grupos particularmente aptos a exercer presso poltica sobre os governos, principal-mente por terem mais recursos para tanto13.

    A chamada globalizao econmica adicionou novas di-menses questo da captura ao reduzir o espao poltico (policy space) de que dispem os pases para legislar.14 A crescente mo-bilidade do capital e consequente competio por investimentos, por exemplo, aumentou o poder estrutural do capital privado ao fazer com que grupos de investidores ganhassem o que Susan Strange15 chamou de autoridade para recompensar ou punir polticas econmicas de pases por sua simples capacidade de mover fbricas ou recursos de um pas para outro. Assim, quan-do normas so percebidas por governantes ou legisladores ou apontadas por governos estrangeiros como prejudiciais a esse ambiente favorvel ou competitividade do pas nos merca-dos internacionais, elas podem ser abandonadas ou ameniza-das, mesmo que tenham sido implementadas em nome do bem

    10Por exemplo, Poulantzas, N. The problems of the capitalist state. In: J. Urry e J. Wakeford (eds.) Power in Britain. London: Hei-nemann Educational Books, 1973; e Miliband, R. The State in Ca-pitalist Society. London: Quar-tet Books, 1969.

    11Przeworski, A. e Wallerstein, M. Structural Dependence of the State on Capital. American Poli-tical Science Review 82:1, 1988; Far-nsworth, K. Business, politics, policy and power In: Hodgson, Susan M. e Irving, Ze (org.). Policy Reconsidered: Mea-nings, Politics and Practices, Bristol: Policy Press, 2007.

    12 Dahl, R. A. Polyarchy: partici-pation and opposition. New Haven: Yale University Press, 1973.

    13 Dahl, R. A. e Lindblom, C. E. Poli-tics, economics and welfare. Chicago: University of Chicago Press, 1976; e Lindblom, C. E. Po-litics and Markets. New York: Basic Books, 1977. Pesquisadores da rea da economia tambm tm, desde Stigler, se dedicado a ma-pear os fatores que levam regula-dores, que deveriam agir guiados pelo interesse pblico, a desenhar e implementar normas favorveis ao setor que deveriam estar regu-lando a chamada captura regula-tria. O foco da literatura sobre a chamada captura regulatria tem sido o mapeamento de incentivos e desincentivos para a captura dos reguladores e legisladores em m-bito domstico. Para um resumo das principais contribuies, ver Dal B, 2006.

    14 O perodo tambm viu o surgi-mento de diversos novos grupos de interesse, tais como empresas transnacionais.

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    pblico, sendo que o poder estrutural das empresas to maior quanto for a dependncia desses governos de investimentos es-trangeiros ou da exportao de poucas variedades de matrias-primas ou commodities.16

    Exemplos do poder estrutural das empresas no faltam no Brasil. A poltica fiscal seja talvez o cenrio no qual esse poder se mostre mais claramente. Apesar de o Brasil ser um dos nicos pases do mundo a no taxar lucros e dividendos de empresas no imposto de renda de pessoa fsica, o que priva o pas de uma receita extra de cerca de R$ 43 bilhes por ano,17 por exemplo, a elite econmica ameaa retirar o apoio ao governo a cada tenta-tiva de ajustar a poltica fiscal no sentido de repartir a conta com o setor mais rico, e afirma que a nica soluo para equilibrar as contas da nao cortar gastos sociais. As desoneraes fiscais concedidas pelo governo a certos setores, sem nenhuma condi-o social em troca, j custaram ao pas mais de R$ 260 bilhes, sendo R$ 68 bilhes s entre 2011 e 2014.18

    As formas de captura Captura poltica As empresas no tm poder estrutural su-

    ficiente para determinar as aes de todos os governos em todos os setores. A tentativa de atrair votos e/ou a presso de outros grupos de interesse (sindicatos, associaes ambientalistas e ou-tras) contribuem para que polticos decidam regular certas ati-vidades empresariais. Os empresrios afetados passam, ento, a se engajar ativamente para influenciar o desenho e a implemen-tao de polticas seja por meio do lobby, do financiamento de campanhas polticas, do apoio a think tanks, cientistas ou insti-tutos de pesquisa que contribuem para a definio de agendas e issues, da participao institucional em comisses e agncias reguladoras, ou outros.19

    Chamamos de captura poltica a influncia assimtrica, ou desproporcional em relao a outros atores sociais, das empre-sas privadas ou entidades representativas do setor sobre os pro-cessos e instncias de tomada de deciso dos poderes pblicos, de forma a beneficiar seus prprios interesses, muitas vezes em detrimento do interesse pblico.

    Na captura poltica, as decises sobre a elaborao e modi-ficao das leis (de competncia do Legislativo), sobre a interpre-tao e aplicao das leis (Judicirio) e sobre o desenho e execu-o das polticas pblicas (Executivo) so influenciadas para que seja favorecido o lucro de atores econmicos especficos.

    15 Strange, S. Territory, State, Au-thority and the Economy: A New Realist Ontology of Global Politi-cal Economy. In: Robert Cox (ed.) The New Realisms: Perspec-tives in Multilateralism and World Order. Tokyo: United Nations University Press, 1997.

    16 Farnsworth, K. and Holden, C. The Business-Social Policy Nexus. Journal of SocialPolicy, vol. 35, issue 3, 2006. A crise financeira de 2008 renovou o interesse das sociedades por uma maior regulao do merca-do, sobretudo o financeiro. Por isso, toda a discusso em torno da teoria da captura regulatria ainda muito atual para com-preender o tamanho do poder que o mercado, especialmente as grandes empresas, tm diante da sociedade (Etzioni, Amitai. The capture theory of regulationsRevisited. Society, v. 46, n. 4, p. 319-323, 2009.). Estudos sobre o papel dos grupos de interesse demonstram que, tradicional-mente, os atores empresariais, mais do que outros, conseguem assegurar decises em seu favor. Em debates que exigem alto co-nhecimento tcnico, por exem-plo, empresas e entidades repre-sentativas, respaldadas por mais informao, podem promover mais facilmente, entre os agentes pblicos, uma agenda ou deci-so congruentes com seus inte-resses particulares (Culpepper, Pepper D. Quiet politics and business power: Corporate control in Europe and Japan. Cambridge: Cambrigde Universi-ty Press, 2010.). No por acaso, os governos estabelecem interaes estreitas com os empresrios em processos decisrios, sobretudo naqueles em que h necessidade de informaes precisas e experti-se numa determinada agenda poltica.

    Introduo

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 17

    O enfraquecimento ou a diluio de regulaes que contro-lam a conduta de determinado setor econmico, o conhecimento antecipado de planos ou programas governamentais, a partici-pao em conselhos ou comisses encarregadas de desenhar ou implementar polticas pblicas, o financiamento de campanhas polticas, o lobby e a promoo de bancadas parlamentares no Congresso, bem como a contratao de polticos e funcionrios pblicos com contatos no governo so alguns dos mecanismos utilizados por empresas para influenciar as decises polticas.

    No Brasil, a captura poltica ocorre em cada um dos se-tores-chave da economia: grandes empresas de biotecnologia pressionam pela autorizao da comercializao de produtos pouco seguros; farmacuticas influenciam o desenho de leis de patentes para lucrar o mximo possvel com medicamentos es-senciais; donos de emissoras de rdio e TV elegem-se deputa-dos para aprovar leis que os favoream; empreiteiras financiam campanhas polticas para garantir que seus interesses sejam de-fendidos no Legislativo e no Executivo etc.

    Alm da captura institucional, as empresas tambm ten-tam influenciar decises polticas por meio do que chamamos de captura cultural ou ideolgica. Esse tipo de captura ocorre quando os atores econmicos, por meio dos meios de comunica-o, da publicidade, da produo de conhecimento cientfico e de outros mecanismos, disseminam vises de mundo, valores ou conceitos determinando quais so as formas mais desejveis de agir, consumir e pensar, ou difundindo a ideia de que essas so as nicas possveis formas de ao, consumo ou pensamento. Pior ainda a tentativa de diversos atores econmicos de incutir a ideia de que agir de acordo com seus interesses equivale a agir de acordo com o interesse pblico. Entre os exemplos notrios de captura ideolgica no mbito global esto aqueles perpetra-dos pela indstria farmacutica, que dissemina a ideia de que o desenvolvimento de novos medicamentos s possvel graas ao atual sistema de patentes; e o das empresas de petrleo que financiam cientistas e congressos que afirmam que a mudana climtica no existe.

    Alm disso, grandes empresas tm a capacidade de forta-lecer ideologias favorveis aos seus interesses colaborando com determinadas classes polticas, seja deslegitimando um governo sob ataque ou apoiando operaes que subvertem o jogo demo-crtico, tais como golpes de Estado. Casos histricos de destaque so: o papel da empresa norte-americana ITT no Chile em 1973 (ajudando financeiramente a derrubada de Salvador Allende), ou

    17 Vila, Isabela. Imposto sobre lucros e dividendos geraria R$ 43 bi ao ano, Carta Maior, 17 set. 2015. Disponvel em: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Imposto-sobre-lucros-e-dividendos-geraria-R$-43-bi-ao-ano/7/34522.

    18 Inesc. Estudo do Inesc reve-la que desoneraes tributrias afetaram investimento social, 7 set. 2015. Disponvel em: http://www.inesc.org.br/noticias/no-ticias-do-inesc/2015/setembro/estudo-do-inesc-revela-que-de-soneracoes-tributarias-afetaram-investimento-social.

    19 Farnsworth, K. and Holden, C. The Business-Social Policy Nexus. Journal of SocialPolicy, vol. 35, issue 3, 2006.Segundo alguns pesquisadores, empresas dependentes de tran-saes com governos tendem a dedicar mais recursos atuao poltica. Aps analisar 24 estu-dos sobre a atuao das empre-sas como grupos de interesse em Washington, Grossman (2014) concluiu que os setores mais ati-vos so aqueles que tm mais a perder com aes governamen-tais (seja pela deciso de parar de comprar seus servios ou pela de restringir suas atividades por meio de normas).

    Introduo

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 18

    as relaes de apoio mtuo entre empresariado e regime militar no Brasil (1964-1985).

    Captura econmica As empresas privadas tambm se utili-zam de seu poder econmico para se apropriar de uma fatia des-proporcional da riqueza social ou dos bens comuns, em um pro-cesso que chamamos de captura econmica. A financeirizao de praticamente todos os setores da economia, a manuteno de altas taxas de juros e a ameaa por grupos de investidores de retirar in-vestimentos de determinado pas caso certas condies econmi-cas no sejam cumpridas so exemplos das formas pelas quais as empresas se utilizam de seu poder econmico para ampliar ainda mais a concentrao de riqueza em suas mos. A rea social no escapa desta lgica: previdncia social, sade, educao, sane-amento e mobilidade tambm se transformaram em objetos da acumulao dos mercados financeiros.

    A captura no mbito internacional A captura corporativa evi-dentemente no ocorre apenas no nvel nacional. Tanto pelo ca-rter transnacional das maiores empresas operantes hoje quanto pela ausncia de mecanismos regulatrios globais eficazes para lidar com elas, a esfera internacional terreno frtil para todos os tipos de captura.

    Para Gleckman, o modelo de governana global atual est fa-lido: suas instituies esto falidas, j que so remanescentes do estado-centrismo e est demonstrado que no so capazes de governar a globalizao contempornea, conter a mudana clim-tica ou dar conta das falncias sociais sistmicas.20 Por um lado, as empresas foram adquirindo nos anos da globalizao um cres-cente peso poltico devido aos ganhos de escala de seus mercados e de sua produo, que impulsionaram a necessidade das fuses e aquisies, resultando em maior concentrao e volume das em-presas na economia global.

    Por outro lado, o sistema se ressente da ausncia de uma institucionalizao da participao que defina regras para criar condies de concorrncia equitativa entre sociedade civil e em-presariado nos processos polticos globais.21 No Brasil, por exem-plo, ainda no foi possvel criar espaos institucionalizados para a democratizao das decises da poltica externa, reivindicao de muitos atores sociais. Na Europa, o Corporate Europe Observa-tory (CEO), uma organizao sediada em Bruxelas que monitora os lobbies empresariais sobre as instituies da Unio Europeia, fez um levantamento sobre a influncia das empresas nas nego-ciaes da Associao Transatlntica sobre Comrcio e Investi-mentos mais conhecida pela sua sigla em ingls, TTIP. O CEO

    20 Gleckman, Harris Multi-stake-holder governance seeks to dislodge multilateralism em The State of Civil Socie-ty Report, Johanesburg: Civi-cus, 2014. Disponvel em: http://c i v i c u s . o r g /i m a g e s /s to r i e s /SOCS%202014.pdf, p.183.

    21 Milkler, John. Global Companies as actors in Global Policy and Governance. In: Mikler, John (org.) The Handbook of Glo-bal Companies.Malden: Wiley-Blackwell, 2013.

    Introduo

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 19

    constatou que, para elaborar a proposta da UE, foram realizadas 528 reunies, das quais 88% foram com lobistas empresariais e s 9% com grupos de interesse pblico. A cada dez reunies com os empregadores, por exemplo, houve uma com os trabalhadores. A maioria das empresas ou associaes empresariais eram euro-peias, mas foram ouvidos tambm lobistas dos Estados Unidos. Um dos temas prioritrios para esse setor foi o da cooperao regulatria, uma srie de ferramentas para as empresas pressio-narem em Bruxelas, Washington ou outras capitais contra leis ou normas que pudessem ferir interesses empresariais, geralmente contra outros grupos sociais22 ou seja, garantias para proteger as eventuais vantagens adquiridas no TTIP de futuras ingerncias polticas por parte dos Estados.

    Outro mecanismo de captura utilizado pelos atores eco-nmicos na esfera internacional a chamada abordagem mul-tissetorial (multistakeholder approach), que advoga a participao igualitria de atores privados e pblicos nos processos globais de tomada de deciso. O Frum Econmico Mundial, por exemplo, levou adiante um amplo processo de consulta e produziu um do-cumento chamado Iniciativa de Redesenho Global (Global Rede-sign Initiative), que se pretende o manual mais abrangente para um sistema de governana global ps-Estado-nao, do qual a abordagem multissetorial parte central. O informe afirma que a governana multissetorial uma modalidade parcial de substitui-o das decises intergovernamentais. Essa forma de lidar com a governana que tem sido promovida tambm em vrios nveis dos rgos da ONU, os quais tm recomendado institucionalizar a parceira pblico-privado no nvel global.23

    A captura e o enfraquecimento da democracia A captura poltica e a captura econmica por empresas privadas so problemticas no apenas por contriburem para que o interesse privado prevalea sobre o interesse pblico, ampliando ainda mais a desigualdade econmica e social tanto dentro de um pas quanto entre pases, mas tambm porque enfraquecem a prpria demo-cracia. Em primeiro lugar, gera-se um sentimento de impotncia institucional ou seja, cidados sentem que no h instncias s quais recorrer (ou, se as h, no sabem quais so) para lidar com os problemas que enfrentam, j que as instncias existentes presu-mem Estados mais fortes do que empresas privadas. Alm disso, a super-representao de grupos minoritrios em fruns democr-ticos contribui para a percepo por parte dos cidados de que as instituies democrticas no os representam.

    22Veja toda a informao no link do CEO www.corporateeurope.org.

    23 Gleckman, Harris Several exam-ples of practical multistakehol-der governance exist already: the Marine Stewardship Council, the Forest Stewardship Council, the Global Fund to Fight AIDS, Tu-berculosis and Malaria, the Kim-berley Process to certify un-cut diamond sales and the UN Secre-tary-Generals new UM Partner-

    Introduo

    http://www.corporateeurope.org

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 20

    e- Algumas rotas de fugaComo avanar rumo ao desmantelamento da captura corpora-tiva, das desigualdades que ela gera e da regulamentao dos atores econmicos, em um mundo crescentemente interdepen-dente, mas que opera totalmente fora do controle e da soberania dos povos? Quaisquer possveis solues para essa pergunta devem in-cluir a participao dos principais afetados pela captura, e no fin-gimos aqui termos receitas para resolver esse problema. Propomos, contudo, que necessrio pulverizar o excesso de poder empre-sarial que permite o assalto s instituies governamentais e am-pliar a mobilizao e participao da sociedade para reforar a capacidade do Estado de resistir a presses poderosas.

    Entre as medidas com potencial para bloquear a tendncia ascendente de desigualdade social e concentrao da propriedade empresarial em poucas mos, esto:

    - A eliminao dos direitos de propriedade intelectual, que impedem o acesso sade de milhes para manter o lucro de poucas farmacuticas;

    - A reverso dos acordos de livre comrcio e investimentos, que desobstruem o caminho do lucro das grandes corpora-es, contra os interesses dos trabalhadores e dos pequenos e mdios produtores do campo e da cidade;

    - A eliminao dos tribunais gerados por esses mecanismos, que julgam majoritariamente em favor das empresas e contra os Estados e povos;

    - A limitao do tamanho das empresas (e de todas as suas va-riantes em termos de propriedade) para evitar monoplios, cartis e operaes contra usurios e consumidores derivadas de sua posio privilegiada no mercado;

    - A retirada dos bens comuns da natureza da esfera de atuao dos setores privados;

    - A eliminao de parasos fiscais;

    - O fim dos acordos de dupla tributao;

    - A implementao de reformas tributrias progressivas que onerem as grandes fortunas e as heranas, mecanismos que s favorecem a concentrao e a perpetuao dos que j ricos, continuam ricos.

    Introduo

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 21

    Definitivamente, preciso ampliar o controle pblico da economia, porque, ao contrrio do que diz o credo da mo invisvel do mercado, s fortalecendo o pblico que o bem co-mum pode ser realizado.

    Adicionalmente, como dissemos, no jogo democrtico, ampliar os mecanismos de transparncia e participao da so-ciedade nas decises relativas a polticas pblicas a melhor me-dida para blindar o pblico, ou seja, o que de todos, contra a cooptao por parte dos poderes econmicos nacionais ou, pior ainda, estrangeiros. A participao social chave durante o desenho e a implementao das polticas pblicas que aspiram a proteger o interesse pblico, em oposio aos interesses par-ticulares ou privados das empresas ou setores. Deve, por isso, ser promovida e apoiada de forma adequada pelas instituies pblicas. Transparncia e acesso informao so pr-con-dies para uma participao real da sociedade civil e devem ser garantidas. Os governos devem ser ativos na promoo da par-ticipao social e as organizaes sociais devem demand-la de forma ativa.

    Algumas medidas que poderiam contribuir para a proteo dos procedimentos democrticos e das instituies pblicas da captura so:

    - Ampla reforma poltica, realizada por Assembleia Nacional

    - Constituinte especfica para este fim;

    - Aperfeioamento das leis anticorrupo, com penas maio-res para ambos os agentes da corrupo;

    - Proibio efetiva ao financiamento empresarial de cam-panhas eleitorais e de partidos;

    - Fixao de limites baixos para as contribuies pessoais para os partidos e as campanhas;

    - Promoo do financiamento pblico dos partidos e das campanhas.

    Introduo

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 22

    f- Palavras finaisComo vimos, a captura corporativa privatiza a democracia no nvel nacional por meio da captura poltica institucional e cul-tural, e, pela captura econmica, permite que as empresas se apropriem de uma parcela cada vez maior das riquezas da socie-dade. A esfera internacional tambm uma arena muito pouco sujeita a controles democrticos claros, na qual os Estados, in-fluenciados pelas prprias comunidades de negcios, fracassam na criao de normas para proteger os direitos. De fato, os pases caminham em sentido oposto, defendendo acordos de comrcio e investimento que aumentam o poder das empresas. Alguns au-tores chamam esse cenrio de o novo direito corporativo glo-bal24, ou arquitetura da impunidade, j que permitem que os atores econmicos operem praticamente sem constrangimentos sociais ou ambientais.

    O Estado incorporado e a radicalizao do pblicoOs vrios casos e situaes expostas nesta publicao mostram que os efeitos da captura so ruins para a sade, a educao, o acesso moradia, o meio ambiente e os direitos humanos em ge-ral. O quadro ainda pior para as populaes pobres dos pases pobres, que so as que menos recursos possuem para enfrentar as situaes de adversidade. Na maioria dos casos, um maior ativismo pblico e estatal necessrio. Quem teme o Estado democrtico o mercado, no aqueles que almejam o bem co-mum. Os povos que almejam o bem comum temem as tiranias dos poucos, ou das mquinas estatais controladas por democra-cias privatizadas que servem aos interesses de alguns. Renunciar a uma viso do Estado que consagre o pblico e o bem comum pode significar a eliminao definitiva do comum, mais ainda no contexto das nossas sociedades complexas. Ainda assim, o Esta-do que consagra o pblico atravs da sua radicalizao deve ser no um Estado-pai, mas um Estado-parte um Estado do qual a sociedade seja e se sinta partcipe. Ao mesmo tempo, em vez da privatizao do Estado pelos agentes do mercado, a sociedade precisa ter o Estado incorporado no bojo de sua luta por mais direitos para todos e todas.

    A contradio entre a prevalncia do poder econmico e a defesa da democracia e dos direitos para todos/as, mesmo que vigente e persistente nas nossas sociedades, no de forma al-guma intransponvel em favor do polo mais despojado da equa-o. Mesmo antes de atingirmos uma utopia de uma sociedade

    ship Facility, op cit, p.185.24 Hernandez Zubizarreta, Juan The New Global Corporate law , Amsterdam: The Transna-tional Institute, January 2015 . Disponvel em: https://www.tni.org/en/briefing/new-global-cor-porate-law.

    Introduo

    luzgonzalezNotanota ficou cortada

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 23

    de iguais, vivendo em paz e harmonia entre si e com a natureza, podem ser identificadas formas intermedirias de existncia que fortaleam o exerccio da democracia em sociedades modernas, complexas e globais como as nossas na atualidade. Mas, para isso, precisamos sair da caixa em que o capitalismo extremo nos colocou e nos libertarmos das restries ideolgicas nas quais sua refinada captura cultural nos enreda; sem medo de navegar em rumos alternativos.

    Introduo

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 24

    00 - Ttulo Nome do Autor

    PREFCIO

    CORPORAES E PODER POLTICO: NOTAS DO FRONT

    LADISLAU DOWBOR

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  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 26

    00 - Ttulo Nome do Autor

    CORPORAES E PODER POLTICO: NOTAS DO FRONT1LADISLAU DOWBOR

    PREFCIO

    Olhar o sculo 21 pelas lentes do sculo passado no ajuda. Quando pensamos o mundo da economia, pensamos ainda em interesses econmicos e mecanismos de mercado. A poltica, o poder, os impostos, o setor pblico representariam outra di-menso. No nova a ruptura destas fronteiras, a penetrao dos interesses de grupos econmicos privados na esfera p-blica. O que novo a escala, a profundidade e o grau de or-ganizao do processo. O que j foram deformaes fragmen-tadas, penetraes pontuais atravs de lobbies, de corrupo e de portas-giratrias entre o setor privado e o setor pblico se avolumaram e, por osmose, esto se transformando em um po-der poltico articulado no qual o interesse pblico aflora apenas por momentos e segundo esforos prodigiosos de manifesta-es populares, de frgeis artigos na mdia alternativa, de um ou outro poltico independente. O poder corporativo se tornou sistmico, capturando uma a uma as diversas dimenses de ex-presso e exerccio de poder.

    Uma forma a prpria expanso dos tradicionais lobbies. A Google, por exemplo, tem hoje 8 empresas de lobby contrata-das apenas na Europa, alm de financiamento direto de parla-mentares e de membros da Comisso. provvel que tenha de pagar 6 bilhes de euros por ilegalidades cometidas na Europa. Os gastos da Google nesta rea j se aproximam dos da Micro-soft. A Google mobilizou congressistas americanos para pres-sionarem a Comisso: O esforo coordenado por senadores e membros do Congresso, bem como de um comit de congres-sistas, fez parte de um esforo sofisticado, com muitos milhes de libras em Bruxelas, com que a Google montou a ofensiva para travar as resistncias sua dominao na Europa. 2

    1Uma viso mais detalhada da anlise apresentada no pre-sente artigo pode ser encontrada em: http://dowbor.org/2015/11/l a d i s l a u - d o w b o r - o - c a o t i -co-poder-dos-gigantes-finan-ceiros-novembro-2015-16p.html/; a dimenso propriamente brasileira da deformao finan-ceira encontra-se em: http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2015/10/15-FES-Res-gatando-o-potencial-finan-ceiro-do-pas.pdf.

    2Marks, Simon e Davies, Harry. Revealed: How Google enlist-ed members of the US Con-gress. The Guardian, 17 dez. 2015. Disponvel em: http://www.theguardian.com/world/2015/dec/17/google-lobbyists-con-gress-antitrust-brussels-eu.

    http://dowbor.org/2015/11/ladislau-dowbor-o-caotico-poder-dos-gigantes-financeiros-novembro-2015-16p.html/http://dowbor.org/2015/11/ladislau-dowbor-o-caotico-poder-dos-gigantes-financeiros-novembro-2015-16p.html/http://dowbor.org/2015/11/ladislau-dowbor-o-caotico-poder-dos-gigantes-financeiros-novembro-2015-16p.html/http://dowbor.org/2015/11/ladislau-dowbor-o-caotico-poder-dos-gigantes-financeiros-novembro-2015-16p.html/http://dowbor.org/2015/11/ladislau-dowbor-o-caotico-poder-dos-gigantes-financeiros-novembro-2015-16p.html/http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2015/10/15-FES-Resgatando-o-potencial-financeiro-do-pas.pdfhttp://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2015/10/15-FES-Resgatando-o-potencial-financeiro-do-pas.pdfhttp://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2015/10/15-FES-Resgatando-o-potencial-financeiro-do-pas.pdfhttp://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2015/10/15-FES-Resgatando-o-potencial-financeiro-do-pas.pdfhttp://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2015/10/15-FES-Resgatando-o-potencial-financeiro-do-pas.pdfhttp://www.theguardian.com/world/2015/dec/17/google-lobbyists-congress-antitrust-brussels-euhttp://www.theguardian.com/world/2015/dec/17/google-lobbyists-congress-antitrust-brussels-euhttp://www.theguardian.com/world/2015/dec/17/google-lobbyists-congress-antitrust-brussels-euhttp://www.theguardian.com/world/2015/dec/17/google-lobbyists-congress-antitrust-brussels-eu

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 27

    Prefcio: Corporaes e poder poltico: notas do front Ladislau Dowbor

    Enquanto os lobbies ainda podem ser apresentados como formas externas de presso, muito mais importante o financia-mento direto de campanhas polticas, atravs de partidos ou inves-tindo diretamente nos candidatos. No Brasil a lei promulgada em 1997 autorizou as empresas a financiar candidatos, com impactos desastrosos, em particular no comportamento de parlamentares, que passaram a formar bancadas corporativas. Em 2010 os Estados Unidos seguiram o mesmo caminho, levando a que hoje os ameri-canos comentem que temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar. No Brasil finalmente o STF decretou a ilegalidade da prtica, a valer a partir das prximas eleies. Mas em 2015 ainda temos uma bancada ruralista, uma da grande mdia, outra das em-preiteiras, uma dos bancos, uma das montadoras, e contam-se nos dedos os representantes do cidado. O truncamento do Cdigo Flo-restal e consequente retomada da destruio da Amaznia, o blo-queio da taxao de transaes financeiras e tantas outras medidas, ou ausncia de medidas, como o caso da imposio sobre fortunas ou capital improdutivo, resultam desta nova relao de foras que um Congresso literalmente comprado permite.

    A captura da rea jurdica adquiriu imensa importncia, e se d por vrias formas. Foi notria a tentativa dos grandes ban-cos brasileiros, por meio de financiamentos de diversos tipos, de colocar as atividades financeiras fora do alcance do PROCON e de outras instncias de defesa do consumidor. Nos Estados Uni-dos, um juiz de uma comarca americana decide colocar a Argen-tina na ilegalidade no quadro dos chamados fundos abutres, pondo-se claramente a servio da legalizao da especulao fi-nanceira internacional, e acima da legislao de outro pas.

    Uma forma particularmente perniciosa de captura do judi-cirio se deu atravs dos acordos ditos settlements, pelos quais as corporaes pagam uma multa mas no precisam reconhecer a cul-pa, evitando assim que os administradores sejam criminalmente responsabilizados. Assim os administradores corporativos e finan-ciadores ficam tranquilos em termos de eventuais condenaes. Jo-seph Stiglitz comenta: Temos notado repetidas vezes que nenhum dos responsveis encarregados dos grandes bancos que levaram o mundo borda da ruina foi considerado responsvel (accountable) dos seus malfeitos. Como pode ser que ningum seja respons-vel? Especialmente quando houve malfeitos da magnitude dos que ocorreram nos anos recentes? 3

    A GSK, por exemplo, um gigante da rea farmacutica, fez um acordo com a justia americana para compensar fraude ge-neralizada com trs tipos de medicamentos pagando 3 bilhes

    3Stiglitz, Joseph. Paper apresen-tado no painel Defending Human Rights no Forum on Business and Human Rights, Genebra, 3 dez. 2013. Disponvel em: http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/ForumSession2/State-ments/JosephStiglitz.doc.

    http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/ForumSession2/Statements/JosephStiglitz.dochttp://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/ForumSession2/Statements/JosephStiglitz.dochttp://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/ForumSession2/Statements/JosephStiglitz.dochttp://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/ForumSession2/Statements/JosephStiglitz.doc

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 28

    de dlares. A notcia da condenao por fraude que atingiu mi-lhes de pacientes no causou prejuzo significativo empre-sa, cujas aes subiram ao se constatar que tinha lucrado com a fraude mais do que o valor da multa. Os aplicadores financeiros consideraram que o seu dinheiro fora bem defendido. Esta des-responsabilizao hoje generalizada, abrindo uma porta para-lela de financiamento de governos graas s ilegalidades. Para dar alguns exemplos, o Deutsche Bank est pagando uma multa de 2,6 bilhes de dlares em 2015, o Crdit Suisse est pagando 2,5 bilhes por condenao em 2014 e assim por diante, envol-vendo todos os gigantes corporativos. Um exerccio de sistema-tizao da criminalidade financeira pode ser encontrado no site Corporate Research Project, que apresenta as condenaes e acor-dos agrupados por empresa.

    Hoje as corporaes dispem do seu prprio aparato jur-dico, como o International Centre for the Settlement of Invest-ment Disputes (ICSID) e instituies semelhantes em Londres, Paris, Hong Kong e outros. Tipicamente, iro atacar um pas por lhes impor regras ambientais ou sociais que julgam desfa-vorveis, e process-lo por lucros que poderiam ter tido. A dis-puta jurdica constitui uma dimenso essencial dos tratados TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) na esfera do Atlntico e TPP (Trans-Pacific Partnership) na esfera do Pacfico, ao amarrar um conjunto de pases com regras internacionais em que os Estados nacionais perdero a capacidade de regular ques-tes ambientais, sociais e econmicas, e muito particularmente, as prprias corporaes. Pelo contrrio, sero as prprias cor-poraes a impor-lhes, e a ns todos, as suas leis. Nas palavras de Lus Parada, um advogado de governos em litgio com gru-pos mundiais privados, a questo finalmente de saber se um investidor estrangeiro pode forar um governo a mudar as suas leis para agradar ao investidor, em vez de o investidor se adequar s leis que existem no pas. 4

    Outro eixo poderoso de captura do espao poltico se d atravs do controle organizado da informao, construindo uma fbrica de consensos sobre a qual Noam Chomsky nos deu an-lises preciosas.5 O alcance planetrio dos meios de comunicao de massa e a expanso de gigantes corporativos de produo de consensos permitiram que se atrasasse em dcadas a compreen-so popular do vnculo entre o fumo e o cncer, que se travasse nos Estados Unidos a expanso do sistema pblico de sade, que se vendesse ao mundo a guerra pelo controle do petrleo como uma luta para libertar a populao iraquiana da ditadura e para

    4Provost, Claire e Kennard, Matt. The obscure legal system that lets corporations sue countries, The Guardian, 10 jun. 2015. Disponvel em: https://www.google.com/url?q=http://www.theguard-ian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-cor-portations-sue-states-ttip-ic-s i d & s a = U & v e d = 0 a h U K E -wid0aacve3JAhWJXR4KHX-k H A v 4 Q F g g F M A A & c l i -e n t = i n t e r n a l - u d s - c s e & u s -g=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQ.

    5Ver em particular o documentrio Chomsky & Cia, legendado em portugus, https://www.youtube.com/watch?v=IHSe9FRGpJU .

    Ladislau DowborPrefcio: Corporaes e poder poltico: notas do front

    https://www.google.com/url?q=http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-corportations-sue-states-ttip-icsid&sa=U&ved=0ahUKEwid0aacve3JAhWJXR4KHXkHAv4QFggFMAA&client=internal-uds-cse&usg=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQhttps://www.google.com/url?q=http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-corportations-sue-states-ttip-icsid&sa=U&ved=0ahUKEwid0aacve3JAhWJXR4KHXkHAv4QFggFMAA&client=internal-uds-cse&usg=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQhttps://www.google.com/url?q=http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-corportations-sue-states-ttip-icsid&sa=U&ved=0ahUKEwid0aacve3JAhWJXR4KHXkHAv4QFggFMAA&client=internal-uds-cse&usg=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQhttps://www.google.com/url?q=http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-corportations-sue-states-ttip-icsid&sa=U&ved=0ahUKEwid0aacve3JAhWJXR4KHXkHAv4QFggFMAA&client=internal-uds-cse&usg=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQhttps://www.google.com/url?q=http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-corportations-sue-states-ttip-icsid&sa=U&ved=0ahUKEwid0aacve3JAhWJXR4KHXkHAv4QFggFMAA&client=internal-uds-cse&usg=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQhttps://www.google.com/url?q=http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-corportations-sue-states-ttip-icsid&sa=U&ved=0ahUKEwid0aacve3JAhWJXR4KHXkHAv4QFggFMAA&client=internal-uds-cse&usg=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQhttps://www.google.com/url?q=http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-corportations-sue-states-ttip-icsid&sa=U&ved=0ahUKEwid0aacve3JAhWJXR4KHXkHAv4QFggFMAA&client=internal-uds-cse&usg=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQhttps://www.google.com/url?q=http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-corportations-sue-states-ttip-icsid&sa=U&ved=0ahUKEwid0aacve3JAhWJXR4KHXkHAv4QFggFMAA&client=internal-uds-cse&usg=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQhttps://www.google.com/url?q=http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-corportations-sue-states-ttip-icsid&sa=U&ved=0ahUKEwid0aacve3JAhWJXR4KHXkHAv4QFggFMAA&client=internal-uds-cse&usg=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQhttps://www.google.com/url?q=http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-corportations-sue-states-ttip-icsid&sa=U&ved=0ahUKEwid0aacve3JAhWJXR4KHXkHAv4QFggFMAA&client=internal-uds-cse&usg=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQhttps://www.google.com/url?q=http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-corportations-sue-states-ttip-icsid&sa=U&ved=0ahUKEwid0aacve3JAhWJXR4KHXkHAv4QFggFMAA&client=internal-uds-cse&usg=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQhttps://www.youtube.com/watch?v=IHSe9FRGpJUhttps://www.youtube.com/watch?v=IHSe9FRGpJU

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 29

    proteger o mundo de armas de destruio em massa. A escala das mistificaes impressionante.

    Ofensiva semelhante em escala mundial, e em particular nos EUA, foi organizada para vender ao mundo no a ausncia da mudana climtica os dados so demasiado fortes mas a suposio de que h controvrsias, adiando ou travando a ine-vitvel mudana da matriz energtica. James Hoggan realizou uma pesquisa interessante sobre como funciona esta indstria. A articulao poderosa, envolvendo instituies conservado-ras como o George C. Marshall Institute, o American Enterprise Institute (AEI), o Information Council for Environment (ICE), o Fraser Institute, o Competitive Enterprise Institute (CEI), o Heartland Institute, e evidentemente o American Petroleum Institute (API) e o American Coalition for Clean Coal Electrici-ty (ACCCE), alm do Hawthorne Group e tantos outros. As Koch Industries e ExxonMobil so poderosos financiadores. Sempre petrleo, carvo, produtores de carros e de armas, muitos repu-blicanos e a direita religiosa.6

    Campanhas deste gnero so veiculadas por gigantes da mdia. No Brasil, 97% dos domiclios tm televiso, que ocupa 3 a 4 horas do nosso dia, e que est presente nas salas de espera, nos meios de transporte, incessante bombardeio que parte de al-guns poucos grupos. No nvel mundial, Rupert Murdoch assume tranquilamente ser o responsvel pela ascenso e suporte a Mar-gareth Thatcher, financiou um sistema de escutas telefnicas em grande escala na Gr-Bretanha, sustenta um clima de dio de direita atravs da Fox, sem receber mais que um tapinha na mo quando se revelam as ilegalidades que pratica. No Brasil, com o controle da nossa viso de mundo por quatro grupos privados os Marinho, Civita, Frias e Mesquita o prprio conceito de imprensa livre se torna surrealista, e os impactos na Argentina, no Chile, na Venezuela e outros pases so impressionantes em termos de promoo das vises mais retrgradas e de gerao de clima de dio social.

    A vinculao da dimenso miditica do poder com o siste-ma corporativo mundial em grande parte indireta, mas muito importante. As campanhas de publicidade veiculadas empurram incessantemente comportamentos e atitudes, centradas no con-sumismo obsessivo dos produtos das grandes corporaes. Isto amarra a mdia de duas formas: primeiro, porque pode dar ms notcias sobre o governo, mas nunca sobre as empresas, mesmo quando entopem os alimentos de agrotxicos, deturpam a fun-o dos medicamentos ou nos vendem produtos associados com

    6 Hoggan, James. The Climate Cov-er-up: the crusade to deny global warming. Vancouver, Toronto: Greystone Books, 2009. Ver: http://dowbor.org/200 9/12/climate-cover-up-the-cruza-de-to-deny-global-warming-2.html/; sobre os financiadores, ver: http://dowbor.org/2010/04/petroleira-dos-eua-deu-us-50-mi-a-ceticos-do-clima-6.html/.

    Ladislau DowborPrefcio: Corporaes e poder poltico: notas do front

    http://dowbor.org/2009/12/climate-cover-up-the-cruzade-to-deny-global-warming-2.html/http://dowbor.org/2009/12/climate-cover-up-the-cruzade-to-deny-global-warming-2.html/http://dowbor.org/2009/12/climate-cover-up-the-cruzade-to-deny-global-warming-2.html/http://dowbor.org/2009/12/climate-cover-up-the-cruzade-to-deny-global-warming-2.html/http://dowbor.org/2010/04/petroleira-dos-eua-deu-us-50-mi-a-ceticos-do-clima-6.html/http://dowbor.org/2010/04/petroleira-dos-eua-deu-us-50-mi-a-ceticos-do-clima-6.html/http://dowbor.org/2010/04/petroleira-dos-eua-deu-us-50-mi-a-ceticos-do-clima-6.html/

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 30

    a destruio da floresta amaznica. Segundo, como a publicidade remunerada em funo de pontos de audincia, a apresenta-o de um mundo cor-de-rosa de um lado, e de crimes e perse-guies policiais de outro, tudo para atrair a ateno pontual e fragmentada, torna-se essencial, criando uma populao desin-formada ou assustada, mas sobretudo obcecada com o consumo, o que remunera as corporaes que financiam estes programas. O crculo se fecha, e o resultado uma sociedade desinformada e consumista. A publicidade, o tipo de programas e de informa-o, o consumismo e o interesse das corporaes passam a for-mar um universo articulado e coerente, ainda que desastroso em termos de funcionamento democrtico da sociedade.

    A expanso dos lobbies, a compra dos polticos, a invaso do judicirio e o controle dos sistemas de informao da socieda-de representam alguns dos instrumentos mais importantes da captura do poder poltico geral pelas grandes corporaes. Mas o conjunto destes instrumentos leva, em ltima instncia, a um mecanismo mais poderoso: a apropriao dos prprios resulta-dos da atividade econmica, por meio do controle financeiro em pouqussimas mos.

    Vejamos agora um pouco o que so estas grandes corpo-raes. surpreendente, mas at 2012 no tnhamos nenhum estudo global de como funciona a rede mundial de controle corporativo. O Instituto Federal Suo de Pesquisa Tecnolgica, um tipo de MIT da Europa, selecionou 43 mil grupos mundiais mais importantes e estudou em profundidade como se d, atra-vs de participaes cruzadas e de fuses interempresariais, o controle do conjunto. Chegou a uma cifra impressionante que mudou a viso que temos do sistema econmico mundial: 737 grupos apenas controlam 80% do mundo corporativo, sendo que nestes um ncleo de 147 controla 40%. Estes ltimos gi-gantes so essencialmente (75%) grupos financeiros. Ou seja, no precisam controlar diretamente o processo decisrio, se-guram o sistema, digamos assim, pelas partes delicadas, que o acesso aos recursos. Um grupo to limitado no precisa fa-zer conspiraes misteriosas, so pessoas que se conhecem no campo de golfe ou no Open de Tnis da Austrlia, se ajeitam confortavelmente entre si. Os autores da pesquisa concluem claramente que falar em mecanismos de mercado neste clube restrito no faz muito sentido.7

    Franois Morin, assessor do banco central da Frana, con-centra a sua anlise na forma como os 28 maiores entre estes gigantes se articulam. Na anlise esto todos: JPMorgan Chase,

    7 Vitali, Glattfelder e Battistoni, Zurich, 2011; Ver: A rede do pod-er corporativo mundial, 2012. Disponvel em: http://dowbor.or-g/2012/02/a-rede-do-poder-cor-porativo-mundial-7.html/ .

    Ladislau DowborPrefcio: Corporaes e poder poltico: notas do front

    http://dowbor.org/2012/02/a-rede-do-poder-corporativo-mundial-7.html/http://dowbor.org/2012/02/a-rede-do-poder-corporativo-mundial-7.html/http://dowbor.org/2012/02/a-rede-do-poder-corporativo-mundial-7.html/

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 31

    Bank of America, Citigroup, HSBC, Deutsche Bank, Santander, Goldman Sachs e outros, com um balano de mais de 50 trilhes de dlares em 2012, quando o PIB mundial foi de 73 trilhes. A relao com os Estados particularmente interessante, pois a dvida pbli-ca mundial, de 49 trilhes, est no mesmo nvel que o faturamento dos 28 grupos financeiros que Morin analisa, tambm da ordem de 50 trilhes. Os Estados, fruto do endividamento pblico com gigan-tes privados, viraram refns e tornaram-se incapazes de regular este sistema financeiro em favor dos interesses da sociedade.8 Face aos Estados fragilizados pelo endividamento, o poder dos grandes atores bancrios privados parece escandaloso, em particular se pensarmos que estes ltimos esto, no essencial, na origem da crise financeira, logo de uma boa parte do excessivo endividamento atual dos Estados.9

    Os 28 controlam igualmente os chamados derivativos, essen-cialmente especulao com variaes de mercados futuros: o volu-me atingido em 2015 de mais de 600 trilhes de dlares, oito vezes o PIB mundial. Se pensarmos que tantos pases aceitaram reduzir os investimentos pblicos e as polticas sociais, inclusive o Brasil, para satisfazer este pequeno mundo financeiro, no h como no ver a dimenso poltica que o sistema assumiu. Os grandes traders de commodities controlam nada menos que o comrcio dos gros (milho, trigo, arroz, soja), os minerais metlicos, os minerais no metlicos e os recursos energticos, ou seja, o sangue da econo-mia mundial. As gigantescas variaes dos preos do petrleo, por exemplo, no resultam de variaes da produo ou do consumo, muito estveis na escala planetria, mas dos processos especulati-vos dos gigantes financeiros.10

    O sistema hoje articulado. Um aporte particularmente forte de Franois Morin a anlise de como este grupo de bancos foi se dotando, a partir de 1995, de instrumentos de articulao, a GFMA (Global Financial Markets Association), o IIF (Institute of Interna-tional Finance), a ISDA (International Swaps and Derivatives As-sociation), a AFME (Association for Financial Markets in Europe) e o CLS Bank (Continuous Linked Settlement System Bank). Morin apresenta em tabelas como os maiores bancos se distribuem nestas instituies. O IIF, por exemplo, verdadeira cabea pensante da fi-nana globalizada e dos maiores bancos internacionais, constitui hoje um poder poltico assumido: O presidente do IIF tem um sta-tus oficial, reconhecido, que o habilita a falar em nome dos grandes bancos. Poderamos dizer que o IIF o parlamento dos bancos, seu presidente tem quase o papel de chefe de Estado. Ele faz parte dos grandes tomadores de deciso mundiais.11

    8 Morin, Franois. Lhydre mon-diale: loligopole bancaire. Qu-bec: Lux Editeur, 2015, p.36. Ver: h ttp : / /d ow b o r. o r g /2 0 1 5 /0 9 /francoismorin-lhydre-mon-diale-loligopole-bancaire-lu-x-editeur-quebec-2015-165p-is-bn-978-2-89596-199-4.html/.

    9Ibid.

    10Sobre os derivativos e o poder dos traders de commodities, ver o nosso Produtores, intermedirios e consumidores, 2013, http://dowbor.org/?s=produtores%2C+inter-medi%C3%A1rios+e+consumi-dores.

    11Morin, Franois. op. cit. , p.61.

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    http://dowbor.org/2015/09/francoismorin-lhydre-mondiale-loligopole-bancaire-lux-editeur-quebec-2015-165p-isbn-978-2-89596-199-4.html/http://dowbor.org/2015/09/francoismorin-lhydre-mondiale-loligopole-bancaire-lux-editeur-quebec-2015-165p-isbn-978-2-89596-199-4.html/http://dowbor.org/2015/09/francoismorin-lhydre-mondiale-loligopole-bancaire-lux-editeur-quebec-2015-165p-isbn-978-2-89596-199-4.html/http://dowbor.org/2015/09/francoismorin-lhydre-mondiale-loligopole-bancaire-lux-editeur-quebec-2015-165p-isbn-978-2-89596-199-4.html/http://dowbor.org/2015/09/francoismorin-lhydre-mondiale-loligopole-bancaire-lux-editeur-quebec-2015-165p-isbn-978-2-89596-199-4.html/http://dowbor.org/?s=produtores%2C+intermedi%C3%A1rios+e+consumidoreshttp://dowbor.org/?s=produtores%2C+intermedi%C3%A1rios+e+consumidoreshttp://dowbor.org/?s=produtores%2C+intermedi%C3%A1rios+e+consumidoreshttp://dowbor.org/?s=produtores%2C+intermedi%C3%A1rios+e+consumidores

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 32

    O controle destes gigantes financeiros que passaram a reger a economia mundial e as decises internas das naes hoje simplesmente pouco vivel, tanto pela dimenso, como pela estrutura organizacional sofisticada de que hoje dis-pem, alm evidentemente dos sistemas de controle sobre a poltica, o judicirio e a mdia e portanto a opinio pblica conforme vimos acima. Mas um instrumento particularmente importante deste poder reside no uso dos parasos fiscais, que a partir da crise de 2008 foram suficientemente estudados para que tenhamos hoje os contornos do seu funcionamento. Basicamente, para um PIB mundial da ordem de 73 trilhes de dlares, o estoque de recursos financeiros em parasos fis-cais se situa hoje entre 21 e 32 trilhes de dlares segundo a Tax Justice Network, cifra que o Economist arredonda para 20 trilhes. Para se ter uma ideia dos valores, a grande deciso da cpula mundial sobre o clima, em Paris em 2015, foi de alo-car at 2020 100 bilhes de dlares para salvar o planeta do aquecimento global: em cinco anos, duzentas vezes menos do que est aplicado em parasos fiscais, capital improdutivo e em grande parte ilegal.

    Mas no se trata apenas do desvio improdutivo de recur-sos financeiros necessrios para financiar a reconverso tec-nolgica que nos permita parar de destruir o planeta e asse-gurar a incluso produtiva de bilhes de marginalizados para reduzir a explosiva desigualdade. Trata-se de um mecanismo poderoso de privar os Estados de qualquer controle: pratica-mente todas as grandes corporaes tm filiais ou empresas laranja nos parasos fiscais, onde o dinheiro simplesmente desaparece em termos formais, para reaparecer com nomes de outras empresas, gerando um espao branco onde o se-guimento do fluxo financeiro se interrompe, permitindo toda classe de ilegalidades, em particular a evaso fiscal e inme-ras atividades ilegais como o comrcio de armas e drogas.12

    Com o poder hoje muito mais na mo dos gigantes fi-nanceiros do que nas empresas produtoras, passou-se a exi-gir resultados de rentabilidade financeira que impossibilitam iniciativas, no nvel dos tcnicos que conhecem os processos produtivos da economia real, de preservar um mnimo de de-cncia profissional e de tica corporativa. Temos assim um caos em termos de coerncia com os interesses de desenvolvi-mento econmico e social, mas um caos muito direcionado e lgico quando se trata de assegurar um fluxo maior de recur-sos financeiros para o topo da hierarquia.

    12Um excelente estudo destes me-canismos pode ser encontrado em Shaxson, Nicholas. Treasure Islands: uncovering the damage of offshore banking and tax havens. Nova Iorque: St. Martins Press, 2011. Ver: http://dowbor.org/2015/10/nicholas-shaxson-treasure-is-lands-uncovering-the-dama-ge-of-offshore-banking-and-ta-x-havens-st-martins-press-new-york-2011.html/.

    Ladislau DowborPrefcio: Corporaes e poder poltico: notas do front

    http://dowbor.org/2015/10/nicholas-shaxson-treasure-islands-uncovering-the-damage-of-offshore-banking-and-tax-havens-st-martins-press-new-york-2011.html/http://dowbor.org/2015/10/nicholas-shaxson-treasure-islands-uncovering-the-damage-of-offshore-banking-and-tax-havens-st-martins-press-new-york-2011.html/http://dowbor.org/2015/10/nicholas-shaxson-treasure-islands-uncovering-the-damage-of-offshore-banking-and-tax-havens-st-martins-press-new-york-2011.html/http://dowbor.org/2015/10/nicholas-shaxson-treasure-islands-uncovering-the-damage-of-offshore-banking-and-tax-havens-st-martins-press-new-york-2011.html/http://dowbor.org/2015/10/nicholas-shaxson-treasure-islands-uncovering-the-damage-of-offshore-banking-and-tax-havens-st-martins-press-new-york-2011.html/http://dowbor.org/2015/10/nicholas-shaxson-treasure-islands-uncovering-the-damage-of-offshore-banking-and-tax-havens-st-martins-press-new-york-2011.html/

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 33

    De que tamanhos estamos falando? As 29 corporaes fi-nanceiras classificadas no SIFI (Systemically Important Financial Institutions) trabalham cada uma com um capital consolidado mdio (consolidated assets) da ordem de $1,82 trilhes para os ban-cos e $0,61 trilhes para as seguradoras analisadas. Para efeitos de comparao lembremos que o PIB do Brasil, 7 potncia mun-dial, da ordem de $1,4 trilhes. Mais explcito ainda lembrar que, de acordo com os dados de Jen Martens, o sistema das Na-es Unidas dispe de 40 bilhes de dlares anuais para o con-junto das suas atividades, o que por sua vez representa apenas 2,3% das despesas militares mundiais.13

    Se tem uma coisa que no falta no mundo, so recursos. O imenso avano da produtividade planetria resulta essencial-mente da revoluo tecnolgica que vivemos. Mas no so os produtores destas transformaes, desde a pesquisa fundamen-tal nas universidades pblicas e as polticas pblicas de sade, educao e infraestruturas, at os avanos tcnicos nas empre-sas efetivamente produtoras de bens e servios, que levam van-tagem: pelo contrrio, ambas as esferas, pblica e empresarial, encontram-se endividadas nas mos de gigantes do sistema fi-nanceiro, que rendem fortunas a quem nunca produziu, e que conseguem, ao juntar nas mos os fios que controlam tanto o setor pblico como o setor produtivo privado, deformar radical-mente o desenvolvimento sustentvel hoje vital para o mundo.

    Ladislau Dowbor professor titular de economia da PUC-SP, consultor de vrias agncias da ONU e autor de dezenas de livros sobre o desenvolvimento econmico e social. Os seus textos es-to disponveis online em http:///dowbor.org em regime Creative Commons.

    13Adams, Barbara e Martens, Jens. Fit for whose purpose? - Private fund-ing and corporate influence in the United Nations. Nova Iorque: GPF - Global Policy Forum, 2015. Dis-ponvel em: https://www.global-policy.org/images/pdfs/images/pdfs/Fit_for_whose_purpose_online.pdf.

    Ladislau DowborPrefcio: Corporaes e poder poltico: notas do front

    http:///dowbor.orghttps://www.globalpolicy.org/images/pdfs/images/pdfs/Fit_for_whose_purpose_online.pdfhttps://www.globalpolicy.org/images/pdfs/images/pdfs/Fit_for_whose_purpose_online.pdfhttps://www.globalpolicy.org/images/pdfs/images/pdfs/Fit_for_whose_purpose_online.pdfhttps://www.globalpolicy.org/images/pdfs/images/pdfs/Fit_for_whose_purpose_online.pdf

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 34

    00 - Ttulo Nome do Autor

    1

    ALIMENTOS: CONCENTRAO E IMPACTOS SCIOAMBIENTAIS

    MARCEL GOMES

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 35

    00 - Ttulo Nome do Autor

    FORA POLTICA

    Polticos articulam-se em favor dos produtores

    rurais, frigorficos, usinas sucroenergticas e

    processadores de gros.

    DOS 513 DEPUTADOS FEDERAIS ELEITOS

    Alguns dos temas em tratamento no parlamento

    que favorecem os ruralistas:263DEPUTADOS FAZEM PARTE DA BANCADA

    FORMA-SE A

    BANCADA RURALISTA

    51% 49%

    REDEFINIO DO TRABALHO ESCRAVO

    TERCEIRIZAO LABORAL

    DEMARCAO DE TERRAS INDGENAS

    SISTEMA AGROALIMENTAR

    Produo agrcola at o processamento e elaborao dos alimentos e as redes varejistas.

    MODELO CONCENTRADOR,FORTALECE OS OLIGOPLIOS E

    PREJUDICA O PEQUENO PRODUTOR

    PAS DE CULTURA AGROPECURIA Faturamento em 2014

    1,6 mi de empregos

    Participao na indstria:

    16,9% em 200420,2% em 2014

    RESULTADOS

    60% sem carteira assinada

    30 dos 104 casos de trabalho escravo em 2015

    61% dos casos de trabalho infantil

    ALTO NDICE de doenasocupacionais na agroindstria

    JBS aplicou em 2014 R$ 367 mi em campanhas dos mais diversos partidos.

    PRINCIPAIS SETORES ALTAMENTE CONCENTRADOS

    Carnes, soja, suco de laranja, indstria agroalimentar e varejo.

    PARTICIPAO ESTRANGEIRADIMINUI A PARTIR DO PLANO REAL

    D0S 10 MAIORES GRUPOS, 6 SO BRASILEIROS

    PARTICIPAO DOS 4 MAIORES GRUPOS

    2014

    20%1995 2004

    20% 34%

    MERCADO CONCENTRADO

    10%DO PIB

    CRESCENTE INFLUNCIA POLTICA

    ALIMENTOS E CAPTURA CORPORATIVA

    GRUPOS FINANCIAM

    CAMPANHAS POLTICAS

    R$ 525 bi

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 36

    00 - Ttulo Nome do Autor

    ALIMENTOS: CONCENTRAO E IMPACTOS SCIOAMBIENTAIS

    A. PanoramaO complexo denominado Indstria de Alimentao representa um dos mais importantes setores da economia brasileira, sen-do responsvel pela gerao de cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do pas. Bastante diversificado, rene companhias que atuam em diferentes ramos do chamado sistema agroali-mentar, da produo de insumos para a agropecuria ao varejo de produtos acabados em grandes supermercados. So conside-radas atividades da Indstria de Alimentao a produo, a ven-da e o processamento de gros, carnes, laticnios, doces e pratos prontos congelados, por exemplo.

    Em 2014, o setor faturou R$ 525 bilhes e gerou 1,6 milho de empregos, segundo a Associao Brasileira das Indstrias da Ali-mentao (ABIA). Sua participao no valor do produto gerado pelo conjunto da indstria de transformao cresceu durante o ciclo de alta dos preos das commodities, com reflexos nos preos finais dos alimentos, passando de 16,9% em 2004 para 20,2% em 2014.

    Ainda que tal ciclo tenha chegado ao fim, puxado pela de-sacelerao da economia mundial (com destaque para a China), pouco provvel que o setor perca protagonismo no pas. A Or-ganizao das Naes Unidas para a Alimentao e a Agricultu-ra (FAO) e a Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), em estudo conjunto, apontam que o Brasil pode se tornar o maior exportador global de alimentos at 2024, a maior parte como commodities.1

    Para isso, o Brasil conta com uma forte cultura agropecu-ria iniciada ainda no perodo da colonizao portuguesa, com os engenhos de acar , disponibilidade de terras, clima favo-rvel em boa parte do pas e um grande mercado consumidor,

    MARCEL GOMES

    1

    1 Relatrio em OCDE-FAO Pers-pectivas 2015-2024. Dispon-vel em: https://www.fao.org.br/download/PA20142015CB.pdf.

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 37

    Marcel Gomes1. Alimentos: Concentrao e impactos scioambientais

    seja no prprio pas ou no exterior. O Estado brasileiro e as polticas pblicas tm desempenhado papel decisivo em toda essa trajetria.

    Esse cenrio tem, cada vez mais, atrado a ateno do ca-pital estrangeiro, mas no a ponto de diminuir a participao de companhias de capital nacional no setor. Ao contrrio. Desde o incio do Plano Real, em 1995, as companhias estrangeiras per-deram participao no faturamento do conjunto dos 25 maiores grupos em atuao no pas, de 52% para 41%.2

    Dos dez maiores grupos atuantes no pas em termos de faturamento, seis so brasileiros e quatro, estrangeiros como se pode notar na tabela a seguir. A maior companhia a Bunge, que faturou US$ 9,5 bilhes em 2014. A empresa atua nos mais diversos setores do sistema agroalimentar: fornece insumos para agricultores, processa gros e controla marcas prprias nos supermercados.

    MAIORES GRUPOS ATUANTES NO BRASIL EM TERMOS DE FATURAMENTO

    Fonte: FIPECAFI/Revista Exame

    Do ponto de vista da concentrao, possvel identificar dois movimentos diferentes desde o incio do Plano Real. Entre 1995 e 2004, o setor de alimentao se concentrou. O processo, porm, tomou o sentido contrrio aps aquele ano. Essa a con-cluso do estudo3 que analisou o tema a partir dos ndices CR4 e CR8, bastante empregados em anlises do tipo. Tais indicadores medem a porcentagem de mercado que detida pelas maiores empresas no caso do CR4, as quatro maiores, e no caso do CR8, as oito maiores.4

    PAS DE ORIGEM NOME DA EMPRESA FATURAMENTO 2014

    1 EUA Bunge US$ 9,502 bi

    2 Brasil JBS US$ 8,980 bi

    3 Brasil BRF US$ 8,919 bi

    4 EUA Cargill US$ 8,906 bi

    5 Frana LDC US$ 3,969 bi

    6 Brasil Copersucar Cooperativa US$ 3,819 bi

    7 Brasil Coamo US$ 2,805 bi

    8 Reino Unido/ Holanda Unilever US$ 2,433 bi

    9 Brasil Copersucar US$ 2,140 bi

    10 Brasil Aurora US$ 2,105 bi

    2 Gomes, Marcel. Globalizao e concentrao no sistema agroali-mentar brasileiro, nov. 2015, ainda no publicado.

    3 Ibid.

    4De modo geral, pode-se apontar que CR4 de 0 = competio per-feita; CR4 entre 0 e 0,49 = baixa concentrao; CR4 entre 0,5 e 0,79 = mdia concentrao; CR4 entre 0,8 e 0,99 = alta concen-trao; e CR4 de 1 = monoplio. Para que os clculos se tornassem possveis, vrias bases de dados foram levantadas.

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 38

    O CR4 saltou de 0,2 para 0,34 entre 1995 e 2004, o que sig-nifica que as quatro maiores empresas do setor de alimentao elevaram o controle do faturamento total do mercado de 20% para 34%. Em 1995, os quatro maiores grupos eram Nestl, Uni-lever, Copersucar e Bunge, nesta ordem; em 2004, passaram a ser Bunge, JBS, BRF e Cargill.

    A partir de 2004, porm, o grau de concentrao passou a cair, e o CR4 de 2014 voltou ao patamar de 20 anos antes (0,2). O CR8 seguiu curva semelhante. Essa nova fase pode ser associada ao incio do ciclo de alta dos preos das commodities, em 2002. Esse processo incentivou a entrada de novos atores no setor e a abertura de novos negcios, favorecendo a desconcentrao industrial.

    Na mdia global, apesar da intensa expanso rumo aos pa-ses emergentes, a Indstria de Alimentao no to concentra-da. Dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, por suas siglas em ingls) apontam que as 50 maiores companhias controlam menos de 20% do mercado global.5 preciso ressal-tar, porm, que esses ndices refletem o conjunto da Indstria de Alimentao. Em reas especficas, como a da carne, houve concen-trao. Em 2008, Sadia e Perdigo se fundiram, criando a BR Foods, uma das maiores exportadoras do Brasil.6 E, em 2010, JBS e Bertin se uniram para criar a maior empresa de carnes do mundo.7

    Pelas mesmas razes, o setor de suco de laranja tambm chama a ateno. O mercado concentrado no apenas no Bra-sil, mas em todo o mundo. As trs grandes empresas que operam no territrio nacional tambm dominam o comrcio global do produto. So elas Cutrale (30% da produo mundial), Citrosu-co (25%) e Luis Dreyfus (15%). Em 2011, a fuso da Citrosuco, do grupo Fisher, com a Citrovita, do grupo Votorantim, chegou a ser avaliada no Conselho Administrativo de Defesa Econmica (Cade), mas acabou aprovada.8

    No ramo da soja, a mesma coisa. Bunge, Cargill, ADM e Luis Dreyfus controlam cerca de 55% do mercado brasileiro.9 Como o mercado de fornecimento de insumos para o produtor tambm concentrado, o sojicultor situa-se em posio fragilizada na par-te intermediria da cadeia. Numa ponta, sofre presso sobre cus-tos de sementes e qumicos. Na outra, sobre seu preo de venda.

    No setor de laticnios, a pulverizao ainda dita o tom do mercado. As dez maiores empresas dominam s 33% do mercado brasileiro. No entanto, especialistas avaliam que a tendncia de aumento da concentrao para patamares mais prximos aos de outros pases da Amrica Latina, na casa dos 60%. A compra da Itamb pela Vigor, em 2013, seria um prenncio desse processo.10

    5 Global Food Industry. USDA. Dis-ponvel em: http://www.ers.usda.gov/topics/international-marke-ts-trade/global-food-markets/global-food-industry.aspx.

    6 O Globo. Sadia e Perdigo anun-ciam oficialmente a fuso e criam a Brasil Foods, 19 mai. 2009. Dis-ponvel em: http://oglobo.globo.com/economia/sadia-perdigao-anunciam-oficialmente-fusao-criam-brasil-foods-3153057.

    7 Borba, Julia. Cade aprova fuso e JBS e Bertin formam a maior em-presa de carnes do mundo, Folha de So Paulo, 14 abr. 2016. Disponvel em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/04/1264334-ca-de-aprova-fusao-e-jbs-e-bertin-formam-a-maior-empresa-de-carnes-do-mundo.shtml.

    8 Christliche Initiative Romero. Brazil, market leader in oran-ge production. Disponvel em: http://www.ci-romero.de/super-market_orangejuice/.

    9 O dado de 2006, disponvel em: Costa, Nilton Luiz e Cordeiro de Santana, Luiz. Estudo da con-centrao de mercado ao longo da cadeia produtiva da soja no Bra-sil, Revista de Estudos Sociais, n.32, v.16, p.111, 2014.

    10 Estado Contedo. Rabobank v maior consolidao do setor de lcteos no Brasil, Revista Glo-bo Rural, 14 jan. 2015. Disponvel em: http://revistagloborural.glo-bo.com/Noticias/Criacao/Leite/noticia/2015/01/rabobank-ve-maior-consolidacao-do-setor-de-lacteos-no-brasil.html.

    Marcel Gomes1. Alimentos: Concentrao e impactos scioambientais

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 39

    Mas no so s as empresas vinculadas diretamente agro-pecuria as que possuem oligoplios. Na agroindstria que supre diretamente o varejo, a dominao de alguns produtos supera a metade do mercado. o caso, por exemplo, da maionese Hell-manns, com 55% do chamado marketshare. A dona da marca a Unilever, dona de outros campees de vendas, como Knorr, Mai-zena, suco Ades e sorvete Kibon.11

    No varejo, a concentrao das empresas tambm existe e se acentuou nos ltimos anos. Cinco grandes grupos controlam pouco mais de 50% das vendas. So eles Po de Acar, Carre-four, Walmart, Cencosud e Zaffari. A informao da Associao Brasileira de Supermercados (Abras). mais do que a concentra-o estimada no plano global, no qual as 15 maiores companhias supermercadistas controlam 30% do mercado.12

    B. Mecanismos de capturaO apoio financeiro a campanhas eleitorais uma das formas mais visveis da captura empreendida por empresas de ali-mentos. Nas eleies de 2014, o maior doador do pas foi a JBS, que aplicou R$ 367 milhes em campanhas dos mais di-versos partidos.

    O que leva uma empresa como a JBS a doar milhes para a campanha de polticos que eventualmente ocuparo cargos no Executivo, no Legislativo ou em estatais? A resposta no passa necessariamente pela afinidade ideolgica entre a em-presa e candidatos, uma vez que os mais diversos partidos, da

    esquerda direita, foram beneficiados pelas doaes.A realidade que uma companhia como a JBS s pde

    ser estruturada assim como outras ligadas ao agronegcio a partir de emprstimos a juros subsidiados pelo Tesouro Na-cional. Entre 2005 e 2014, a JBS pegou emprestados R$ 2,5 bilhes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BN-DES), que foram liberados para operaes como financiamento de

    exportaes e compra de equipamentos.No est claro como e por que a JBS foi uma das empresas

    apoiadas pelo BNDES dentro do programa de campees nacio-nais, que visava estruturar companhias brasileiras para disputar mercado no exterior. Uma Comisso Parlamentar de Inqurito (CPI) chegou a ser formada na Cmara dos Deputados para inves-tigar o banco e seus emprstimos, mas o pedido para que os donos

    do frigorfico fossem convocados a depor jamais foi aprovado.

    11 Reprter Brasil. A concentrao das empresas nas gndolas do supermercado, 11 jan. 2015. Dis-ponvel em: http://reporterbrasil.org.br/2015/01/a-concentracao-das-empresas-nas-gondolas-do-supermercado/.

    12 Global Food Industry. USDA. http://www.ers.usda.gov/topics/international-markets-trade/global-food-markets/global-food-industry.aspx.

    Marcel Gomes1. Alimentos: Concentrao e impactos scioambientais

  • A Privatizao da Democracia - Um catlogo da captura corporativa no Brasil 40

    Notcias divulgadas na ocasio do conta que o PMDB, par-tido mais beneficiado pelas doaes da JBS, articulou em favor dos empresrios, inclusive o presidente da Cmara, Eduardo Cunha.13 O PMDB recebeu R$ 13,6 milhes da companhia, dos quais R$ 6,6 milhes foram direcionados ao diretrio da sigla no

    Rio de Janeiro.O apoio de empresas da Indstria de Alimentao para ele-

    ger candidatos afinados com seus interesses no exclusividade da JBS. Outros frigorficos, usinas sucroenergticas e processa-dores de gros so tradicionalmente grandes doadores eleito-rais, ao lado dos setores bancrios e da construo civil. Segundo dados do Tribunal Superior, os partidos gastaram nas eleies de 2014 o valor recorde de R$ 5,1 b