A Primeira Guerra Mundial

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A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL Stephanos Demetriou Stephanou Neto 1 No início do século XX, a Europa se estabelecia, cada vez mais, como o centro social, cultural, político e econômico do mundo: “apesar do desenvolvimento dos Estados Unidos e do Japão, a Europa exercia em 1914 a supremacia econômica e política sobre o resto do mundo” 2 . Entretanto, é no próprio apogeu que encontramos alguns dos motivos para o esfacelamento destes países, cerne contraditório e irradiador do primeiro grande conflito mundial. O progresso desenfreado, principalmente da França, Inglaterra, Império Alemão e Império Austro-húngaro, gerou uma série de descontentamentos entre os trabalhadores, desencadeando uma inédita onda de protestos e manifestações organizadas contra as precárias condições de trabalho e salariais enfrentadas pelos operários. Apesar de todo o progresso alcançado pelas nações europeias, grande parcela da população não detinha nenhum benefício e não participava da incipiente sociedade de consumo. Revindicavam agora a sua parcela. Ademais, diante do excesso de produção e da consequente carência mercadológica, bem como da necessidade de garantir matéria-prima e mão-de-obra mais barata à indústria. Ainda, era primordial a consolidação de posições políticas e econômicas perante o cenário externo. Os elementos estruturais foram, aos poucos, fragilizando um sistema que parecia sólido, criando um clima de hostilidade generalizado. 1 Stephanos Demetriou SN é Licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). 2 AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1978. p. 237.

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A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Stephanos Demetriou Stephanou Neto1

No início do século XX, a Europa se estabelecia, cada vez mais, como o

centro social, cultural, político e econômico do mundo: “apesar do desenvolvimento

dos Estados Unidos e do Japão, a Europa exercia em 1914 a supremacia econômica e

política sobre o resto do mundo”2. Entretanto, é no próprio apogeu que encontramos

alguns dos motivos para o esfacelamento destes países, cerne contraditório e irradiador

do primeiro grande conflito mundial.

O progresso desenfreado, principalmente da França, Inglaterra, Império

Alemão e Império Austro-húngaro, gerou uma série de descontentamentos entre os

trabalhadores, desencadeando uma inédita onda de protestos e manifestações

organizadas contra as precárias condições de trabalho e salariais enfrentadas pelos

operários. Apesar de todo o progresso alcançado pelas nações europeias, grande parcela

da população não detinha nenhum benefício e não participava da incipiente sociedade

de consumo. Revindicavam agora a sua parcela.

Ademais, diante do excesso de produção e da consequente carência

mercadológica, bem como da necessidade de garantir matéria-prima e mão-de-obra

mais barata à indústria. Ainda, era primordial a consolidação de posições políticas e

econômicas perante o cenário externo. Os elementos estruturais foram, aos poucos,

fragilizando um sistema que parecia sólido, criando um clima de hostilidade

generalizado.

1 Stephanos Demetriou SN é Licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

2 AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1978. p. 237.

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A Alemanha, dominada pelo pangermanismo3 e insatisfeita com o

domínio francês do Marrocos (com o apoio da Inglaterra), exigia uma nova divisão

territorial para suprir as exigências de sua economia emergente (o Marrocos era um

importante ponto comercial). Por outro lado, a França sentia-se prejudicada com a perda

do território da Alsácia-Lorena, que a privava das minas de ferro e carvão lá existentes e

visava o revanchismo4. A Rússia, por sua vez, desejava o domínio da região balcânica e

impediu a Alemanha de construir uma estrada de ligação entre Berlim e Bagdá, que era

um importante eixo petrolífero, fundamental para as pretensões evolutivas de qualquer

país. Ainda existia a questão do Império Austro-Húngaro que, ao anexar os territórios

da Bósnia-Herzegóvina, impediu a concretização da união dos povos sérvios. Bastaria,

portanto, qualquer acontecimento mais ríspido para servir de estopim ou pretexto para

uma guerra.

Em 28 de junho de 1914, o estudante servo Gavrilo Princp, membro da

organização revolucionária Mão Negra, assassina o herdeiro ao trono do Império

Austro-Húngaro, o arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa, em Sarajevo, capital

da Bósnia. Instaurada a investigação para apurar os fatos, o Império Austro-Húngaro

impõe uma série de condições que não são aceitas pelos sérvios, que “na crise que se

seguiu, como nenhuma potência aceitou a derrota diplomática, a guerra venceu a

diplomacia”5 e declara guerra à Sérvia. Em seguida a Alemanha se junta ao Império

Austro-Húngaro. Enquanto que, Inglaterra, Rússia e França saem em defesa dos

Sérvios, iniciando, assim, a Primeira Guerra Mundial.

Estabelecido o conflito, era imaginado que seria de rápida solução: as

estratégias elaboradas e o farto uso de novas tecnologias (lança-chamas, gases tóxicos,

metralhadoras, aviões, verbi gratia), corroborava para este sentimento entre os

3 Ideia de superioridade de sua raça sobre as demais, que pretendia criar um estado unificado para os povos de origem germânica.

4 A França desejava se vingar do tratado de 1870, quando a Alemanha, vencedora da batalha franco-prussiana, anexou o território francês da Alsácia-Lorena. O revanchismo se caracterizava por uma obstinação desmedida para a desforra contra a Alemanha, em um restabelecimento com o passado francês.

5 AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1978. p. 237.

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responsáveis pela batalha. Em um primeiro momento, foi exatamente o que ocorreu: na

chamada guerra de movimentos, o exército alemão, extremamente preparado, avançava

devastadoramente na direção da França. Entretanto, posteriormente, os alemães se

arrastam lentamente, divididos entre duas frentes de batalhas (a oriental contra a Rússia

e a ocidental contra a França) e a falta de logística suficiente para tamanho

empreendimento. O avanço no território francês é combatido pela resistência organizada

pelos generais Joffre e Gallieni, estabilizando o embate numa angustiante e prolongada

guerra de trincheiras:

“...todos os exércitos criaram sistemas de trincheiras semelhantes... A linha do

front, protegida por um emaranhado de arame farpado, tinha uma linha de

apoio paralela a algumas centenas de metros de retaguarda, além de uma

linha de reserva mais atrás.”6

Durante o período, a economia dos países participantes estava voltada

para a indústria bélica. Toda a mão-de-obra e todos os recursos existentes foram

mobilizados e aplicados em função das necessidades apresentadas pela guerra. A

população sofre forte racionamento de alimento e começa a mobilizar-se contra o

combate, questionando fortemente o seu valor e a sua legitimidade.

A Europa vivia dias constrangedores. A guerra de trincheiras expôs aos

olhos do mundo a fragilidade da belle epoquê e outras potencias estavam dispostas a

lutarem pelos holofotes da glória civilizatória.

O ano de 1917 foi decisivo para o conflito. A entrada dos Estados

Unidos, apoiando os aliados França, Inglaterra e, desde 1915, a Itália, determina o fim

da pretensão de vitória da Alemanha. Os americanos se decidiram “quando a Alemanha

declarou ao presidente Wilson sua intenção de bloquear as Ilhas Britânicas e a França,

tornando perigosa a situação dos navios neutros. Em abril, o congresso (…) declarou

6 KEEGAN, John. História ilustrada da Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Ediouro, 2004. p. 209.

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guerra à Alemanha.”7 Por outro lado, a Rússia estava em meio a uma revolução: “em

março, eclodiu a revolução na Rússia, causada pelas enormes baixas, cansaço de

guerra e crises econômicas.”8

“A guerra continuava e a situação do exército e da população civil tornava-se

desesperadora. Crescia o grupo revolucionário socialista e o governo burguês

não pôde resistir ao poder dos sovietes – conselhos de soldados, operários e

camponeses – liderados pelos bolcheviques.”9

Os bolcheviques10, liderados por Lênin, tomaram o poder em novembro

de 1917. Insatisfeitos com a política imperialista da Rússia, que ainda encontrava-se

num sistema feudal, os bolcheviques implementaram o socialismo. Em março de 1918,

a Rússia assina o tratado Brest-Litovsk, que determinou a saída dos soviéticos da

Primeira Guerra Mundial e determinou, principalmente, uma ruptura da Rússia com o

mundo ocidental capitalista, que passaria a dividir a humanidade nesta dualidade

econômica.

A Alemanha, com a entrada dos Estados Unidos na guerra e a saída da

Rússia, passa a se preocupar unicamente com a parcela ocidental do embate, que,

novamente, se encontrar em grandes movimentações. Mas o poder do exército da

Alemanha gradualmente diminuía e, em meio a profundos sinais de crise e

manifestações cada vez mais constantes, Guilherme II abdica ao Império. Um conselho

provisório liberado pelo socialista Friedrich Ebert, assume o poder, precipitando a

7 AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1978. p. 242.

8 Atlas da história do mundo. São Paulo: Folha de São Paulo, 1995. p. 248.

9 JANOTTI, Maria de Lourdes. A Primeira Guerra Mundial: o confronto de imperialismos. São Paulo: Atual, 1992. p. 48.

10 Membros do partido Bolchevique. O bolchevismo era uma “corrente política revolucionária marxista surgida na Rússia no começo do século XX que, sob a orientação de Lênin, deu origem a um partido verdadeiramente proletário.” Apud: AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 67.

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assinatura do tratado de rendição. Ao final de 1918 é proclamada a República de

Weimar.

No ano seguinte, os países aliados assinam o tratado de Versalhes, onde

indicam a Alemanha como a única responsável pela guerra. Determinaram uma sensível

diminuição do território germânico, que acarretou no surgimento de países e/ou na

ampliação de outros, tais como: Polônia, Iugoslávia, Tchecoslováquia, Finlândia,

Estônia e Lituânia. Impõem, também, pesada limitação ao exército Alemão, ao

desmilitarizar as regiões de fronteira e obrigá-lo a entregar grande parte do armamento,

navios e aviões para a frança, Inglaterra e Bélgica. Com o intuito de impedir novos

conflitos, o exército da Alemanha seria reduzido para apenas 100.000 (cem mil)

homens, a fabricação e a importação de armas, por outro lado, estariam proibidas. Ainda

impuseram à Alemanha o dever de pagar vultuosa indenização a título de compensação

por perdas e danos. 11 A França recebe o almejado território da Alsácia-Lorena e a

Áustria se separa da Hungria.

“O resultado político da guerra não é menos repugnante: a Europa arruinada

como centro da civilização mundial... Tudo do que houve de pior no século, a

inanição ou exílio de classes inimigas, o extermínio de raças marginalizadas, a

perseguição de pensadores e artistas dissidentes, a extinção de pequenas

soberanias nacionais, a destruição de parlamentos e a ascensão de comissários

e senhores de guerra ao poder, passando sobre a voz de milhões, foi originado

na primeira guerra mundial.”12

Os Estados Unidos se consolidam como a grande potência hegemônica

mundial, ganhando muitos dividendos e prestígio político no auxílio na reconstrução

dos países europeus. Entretanto, o liberalismo econômico sofrera um forte abalo, com

11 A reparação consistia em valor pecuniário, mercadorias e bens. Além de obrigar a Alemanha sua frota militar, patentes de inovações tecnológicas, produtos químicos, carvão e ferro. O que deveria servir como mera reparação de danos revertida à reconstrução das cidades destruídas, acabou proporcionando verdadeiro enriquecimento ilícito de alguns membros dos aliados.

12 KEEGAN, John. História ilustrada da Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Ediouro, 2004. p. 453.

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os governos controlando cada vez mais a economia e seus aspectos de produção e

distribuição. A degradação do sistema liberal e dos ideais democráticos, favorece a

radicalização na administração. No avanço das prerrogativas socialistas, consagradas

pela revolução de 1917, vários países implantam regimes ditatoriais.

A crise era devastadora: problemas estruturais, cidades destruídas e

fragilidade industrial. Povos rivais unidos pela nova divisão de fronteiras, geraram

embates entre as etnias discordantes. O tratado de Versalhes e a situação da Europa, em

meio a abalos de identidade e de instabilidade econômica, política e social, são motivos

suficientes para se definir o término da Primeira Guerra Mundial como uma trégua

momentânea para a longa e penosa restruturação do velho continente.

Neste contexto, os sinais de um confronto são facilmente reconhecíveis.

O crescimento do autoritarismo é um flagrante dos próximos passos litigiosos: na

Alemanha, Adolf Hitler prepara os primeiros movimentos do nefasto regime nazista e,

na Itália surgiria o fascismo com Benito Mussolini. Estava semeado os antecedentes da

Segunda Guerra Mundial.

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