A presença de deus

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Trabalho de conclusão de curso de Ir Fernanda Olivette dos Santos, ascj. - Graduada em Teologia pela Faculdade Vicentina.

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  • 1. FACULDADE VICENTINA CURSO DE BACHARELADO DE TEOLOGIA FERNANDA OLIVETTE DOS SANTOS A PRESENA DE DEUS NO SER HUMANO E A BUSCA DE SENTIDO EM VIKTOR FRANKL CURITIBA 2012

2. FERNANDA OLIVETTE DOS SANTOS A PRESENA DE DEUS NO SER HUMANO E A BUSCA DE SENTIDO EM VIKTOR FRANKL Monografia apresentada ao curso de Bacharelado de Teologia da Faculdade Vicentina de Filosofia e Teologia, como requisito parcial para a obteno do Grau de Bacharelado em Teologia. Orientador: Prof. Ms. Agenor Sbaraini. CURITIBA 2012 3. AVALIAO 4. DEDICATRIA Dedico este trabalho aos meus pais, irmos, familiares e amigos que sempre me apoiaram, acreditaram em minhas capacidades. Ao Instituto das Apstolas do Sagrado Corao de Jesus, pelas oportunidades que me foram oferecidas no decorrer deste curso. E sem dvida a Viktor Emil Frankl, autor estimvel, o qual tenho grande apreo e gratido pela coragem de acreditar no ser humano, acreditar que o homem capaz sobre quaisquer condies, quando encontra em si um espao de liberdade no qual Deus se revela. Dedico enfim a todas as pessoas que buscam um sentido mais profundo em sua existncia, e que so sensveis presena constante, ao Permanecer de Deus no peregrinar desta jornada. 5. AGRADECIMENTOS Primeiramente a minha gratido a Deus, fonte da vida a qual um dia me concedeu, e que a cada passo na minha caminhada se deixa encontrar, por um dia conceder a graa da vocao a vida consagrada, e me chamou a ser Apstola do seu Corao, pelo Carisma deixado a minha querida Me e Mestra Cllia Merloni. E a certeza de que sem Ti nada posso fazer, e me dizes: Permanecei em Mim (JOO 15:5) A meus pais, Sebastio Lara dos Santos e Zilda Olivette dos Santos, que um dia com coragem constituram uma famlia fundamentada no amor e na ousadia de sonhar com um futuro prspero, educando seus filhos na verdade, honestidade e na F, ensinando-me o valor de uma famlia, a beleza da gratuidade e o amor que se doa sem medidas; Aos meus irmos: Niclia, Joo, Maria Isabel e Francisca, que esto sempre presente em minha vida, acreditando em minhas capacidades e mostrando-me o valor da perseverana, da presena e da partilha, com eles todos os meus familiares que sempre estiveram muito presente em minha vida; Ao Instituto das Apstolas do Sagrado Corao de Jesus, na pessoa da Ir. Maria de Lourdes Castanha, por no medir esforos na nossa formao de Apstola, agradeo por esta maravilhosa oportunidade de fazer o Curso de Teologia; Ir. Maria Vilma Ravazzoli, e demais superioras que me acompanharam no decorrer do curso, Ir. Joceli Zanin, e Ir. Maria Adlia Cella, e a minha comunidade religiosa do Colgio Imaculada Conceio, que com a presena nica de cada uma, me ensinam a me exercitar na generosidade ao chamado de Deus e a me empenhar sempre mais na vida comunitria; Ao orientador deste trabalho, Pe. Agenor Sbaraini, pelas conversas e trocas de idias ao longo do trabalho, pela disponibilidade de tempo e pela pacincia e sabedoria orientando-me com calma e seriedade. 6. As preciosidades da minha vida, amigos e amigas que no decorrer dessa jornada sempre estiveram ao meu lado, me encorajando, apoiando, mostrando novas possibilidades, acreditando nas minhas capacidades e, com a singularidade de cada um, me mostrando o valor das amizades sinceras, partilhando comigo a vida, Dom nico que Deus os confiou e que expressam de forma to singular me auxiliando na busca de Deus, busca constante que faz parte fundamental da minha existncia. A Ir. Ilza Ravazzoli e as minhas coirms de Juniorato de perto ou de longe, que estiveram ao meu lado, dando-me apoio, e que me mostraram que possvel, sim, uma vivncia fraterna em comunidade, com deciso e empenho pessoal dirio; Aos colegas, que juntos compartilharam muitos momentos ao longo dos anos de Curso, agradeo a confiana depositada em mim. Ao corpo administrativo e docente, aos funcionrios e amigos acadmicos da FAVI, que conosco partilharam suas vidas e dividiram seus dons e conhecimentos. 7. EPGRAFE quem busca sempre encontra Deus, porque se d conta de que sempre estava nele antes mesmo de busc-lo [...] o mistrio de Deus a raiz de nossa prpria vida. (Leonardo Boff) Ele (Deus) a realidade primeira, fundamental, onipresente e onicompreensiva, que nos tira do nada com um purssimo ato de amor, e com igual amor nos mantm no ser. Para Deus, pois, que corre espontneo e insistente o nosso pensamento; para ele corre insaciavelmente, como a cora para a nascente da gua, porque dele pouco sabemos, apesar de a histria das religies e da humanidade ter colecionado tantas mensagens a seu respeito. (Mondin) Rompeu Deus o silncio: saiu de seu mistrio, dirigiu-se ao homem e desvendou- lhe os segredos de sua vida pessoal; comunicou-lhe seu desgnio inaudito de uma aliana que levasse a uma participao de vida. (Latourelle) Naquele momento eu sabia pouco de mim ou do mundo, s tinha na cabea uma frase, sempre a mesma: desde minha estreita priso chamei o meu Senhor e ele me respondeu desde o espao na liberdade. (Frankl) O homem no capaz de viver por mecanismos de defesa e dar a vida por formaes reativas, mas o homem capaz sim de viver por valores e ideais e dar a vida por eles se for preciso. (Frankl) 8. RESUMO O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a presena de Deus e a busca de sentido a partir de uma reflexo filosfica, teolgica e psicolgica da compreenso da presena de Deus no ser humano, identificada na dimenso transcendente ou espiritual. Abordarei o tema baseada na concepo filosfica e teolgica de: Rudolf Otto, Descartes, Santo Toms de Aquino e Santo Agostinho, busco compreender que a presena de Deus na existncia humana a busca de afirmar a essncia do homem como ser que se realiza plenamente na relao com Deus, h no homem um intuito de realizao que vai alm de sua realidade imanente. Atravs da Revelao, Deus se autocomunica ao ser humano e o ser humano busca responder a este anseio presente em seu ser. Posteriormente, refletirei sobre a teoria da Logoterapia do autor e fundador Viktor Emil Frankl e sobre a busca de sentido e a presena ignorada de Deus. Frankl na sua teoria tem uma viso mais antropolgica, mais completa do homem, busca complementar as dimenses psicofisiolgicas com a dimenso espiritual, reconhecendo ser fundamental, com uma percepo aberta do mistrio transcendente do ser e a sua dimenso humana profunda. O Deus apresentado por Frankl ou apresentado pela Teologia, um Deus que vem em resposta aos anseios humanos, que toca o ser na sua essncia e assim o leva a perceber que sua vida no tem somente a dimenso imanente, mas tambm transcendente. Finalizarei, considerando que a presena de Deus vem a responder os anseios presentes no ser humano que pela liberdade, busca responder de forma responsvel a sua prpria vida pautada na sua experincia de f. PALAVRAS CHAVES: Presena de Deus; Viktor Frankl; busca de sentido. 9. ABSTRACT This present project aims to reflect on God's presence and search for meaning from a philosophical, theological and psychological understanding of God's presence in man, identified in the transcendent or spiritual dimension. Discuss the issue based on the philosophical and theological: Rudolf Otto, Descartes, St. Toms de Aquino and St. Agostinho, I seek to understand God's presence in human existence is the pursuit of affirming the essence of man as a being who is fully realized in relationship with God is in man a purpose that goes beyond the completion of its immanent reality. Through revelation, God comunicate to human and human being seeks to respond to this yearning present in your being. Later, I will reflect on the theory of the author and founder of Logotherapy Viktor Emil Frankl and the search for meaning and ignored the presence of God. Frankl in his theory has a more anthropological, more complete man, seeking complementary psychophysiological dimensions with the spiritual dimension, recognizing the fundamentals man with an open awareness of the transcendent mystery of being and its profound human dimension. The God presented by presented by Frankl or theology is a God who comes in response to the yearnings human being touching and so in essence makes him realize that his life has not only the dimension immanent but also transcendent. Finalized, whereas the presence of God comes to meet the desires present in human freedom that seeks to respond responsibly to your own life guided in their faith experience. Keywords: Presence of God; Viktor Frankl; search for meaning. 10. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 A felicidade na perspectiva de Viktor Frankl......................................................... 49 11. 10 SUMRIO INTRODUO..........................................................................................................10 1 A PRESENA DE DEUS E A BUSCA DE SENTIDO EM VIKTOR FRANKL ...14 1.1 A busca do ser humano pelo transcendente e pela presena de Deus em sua existncia..........................................................................................................14 1.2 A condio humana e a busca por realizao ............................................16 1.3 A dimenso transcendente do ser humano e a busca de sua unidade primeira ....................................................................................................................19 1.4 Deus no pensamento teolgico filosfico e teolgico dogmtico............22 1.5 Revelao de Deus ao homem.....................................................................25 1.6 Deus no inconsciente humano.....................................................................29 1.6.1 Sntese Biogrfica de Viktor Frankl e o Deus no inconsciente.....................32 2 A BUSCA DE SENTIDO.....................................................................................35 2.1 A presena ignorada de Deus no ser humano............................................35 2.2 O homem espiritual, dimenso notica segundo Frankl ...........................39 2.2.1 Autotranscendncia......................................................................................41 2.2.2 O inconsciente transcendente e a conscincia ............................................43 2.3 Vazio existencial e a busca de sentido em Viktor Frank............................46 2.4 Logoterapia, religio e Teologia...................................................................50 3 A EXPERINCIA COM DEUS COMO RESPOSTA BUSCA DE SENTIDO...52 3.1 O pensamento teolgico e o pensamento Frankliano ...............................54 3.2 Presena de Deus como sentido da existncia humana. ..........................57 3.3 O anseio humano por autotranscender, de encontrar-se em Deus..........61 3.4 Sentido espiritual da existncia humana ....................................................64 3.5 Deus e um sentido frente ao sofrimento humano ......................................67 3.6 A liberdade e a resposta do homem a Deus ...............................................70 CONSIDERAES FINAIS......................................................................................73 REFERNCIAS.........................................................................................................76 12. 11 INTRODUO Nesta pesquisa abordaremos a questo sobre a presena de Deus e a busca de sentido da vida em Viktor Frankl. Atravs de uma anlise teolgica, psicolgica e filosfica buscar subsdios para compreender que a busca do ser humano pelo transcendente o auxilia a responder ao seu anseio por um sentido sua vida, de que forma a experincia da presena Deus vem significar situaes existenciais do ser humano. Abordaremos a reflexo de alguns pensadores sobre a presena de Deus no mais profundo do ser humano, e a condio prpria do ser humano de buscar a Deus, dado que a dimenso espiritual, transcendente algo que diferencia determinantemente o ser humano dos demais seres. Percebendo a complexidade do ser humano e de sua busca de realizao como um ser integral, notamos que mesmo diante de tantas propostas de felicidade e facilidade de meios que prometem garantia de uma vida plena, cmoda e prazerosa, surge a dvida. Como pode diante de tudo isto o ser humano se sentir to distante de si e muitas vezes com um profundo vazio existencial? Qual a dimenso de Deus nesta resposta que venha descobrir uma adequada verdade orientadora a toda a sua vida? Sem dvida, a percepo da realidade em que estamos inseridos nos leva a refletir que, diante de tantas propostas e facilidades que os avanos tecnolgicos, os meios de comunicao e mtodos diversos de auto-ajuda proporcionam, o ser humano ainda se encontra to distante de si, sentindo-se s e diante de algumas situaes difceis que no consegue superar deseja encontrar no seu interior algo que d sentido s suas experincias e que o faa superar suas perspectivas. O ser humano precisa e tende a perceber-se como um ser limitado, porm, com uma essncia que o leva a superar e almejar sempre algo a mais. Quando buscamos compreender o ser humano no devemos deixar de consider-lo como um ser que se realiza de uma forma pessoal, mas tambm como um ser Transcendente, onde busca sua unidade e a realizao da sua totalidade. Percebendo-se limitado, busca sua dimenso sobre-humana, como afirma o autor Viktor Frankl, assim, a nossa prpria vida carrega em si um sentido, a de restaurar a nossa unidade primeira; por isso, buscar ampliar a nossa percepo da Presena de 13. 12 Deus na interioridade do ser humano para compreendermos a realizao do mesmo atravs de sua dimenso espiritual. Pensando nesta perspectiva, refletiremos sobre a presena de Deus no ser humano, como um Deus presente mesmo quando o homem no se d conta da busca inata por Ele, e como a experincia do ser humano, nesta nsia de encontrar uma resposta vigente sua existncia, o auxilia a encontrar um por qu, como afirma Frankl, com a frase de Nietzsche Quem tem um 'por que' enfrenta qualquer 'como' 1 . com grande apreciao ao autor Viktor Emil Frankl que se buscar discorrer sobre os anseios humanos do Transcendente e a busca de sentido, o autor mesmo afirma: a vida tem um sentido potencial sob quaisquer circunstncias, mesmo as mais miserveis. Analisar a realidade humana, perceber a dimenso transcendente, nos remete, sem dvida, a sempre mais compreender o ser humano como de fato limitado na sua condio humana. Porm, com um impulso ao transcendente que o impulsiona, a ponto de em certos momentos da vida, se apoiar a esta experincia para fazer com que supere e encare a vida de frente, busque viver com sua totalidade. Com o intuito de refletir sobre este tema, e tambm com o anseio de perceber a riqueza e a preciosidade com que Deus se revela ao ser humano e a busca deste na relao com Deus, que se procurar uma resposta para esta relao indispensvel com o transcendente. No contato com a realidade constata-se que existem pessoas que se sentem plenamente realizadas, mesmo em meio s dificuldades e experincias da vida, e outras que no conseguem se sentir plenas, mesmo diante de boas condies, caindo em depresses, suicdios, no conseguindo se relacionar de forma saudvel e positiva. Algumas pessoas, aparentemente, so participantes de alguma denominao religiosa, de algum grupo mais especfico para o aprofundamento da f, e mesmo assim demonstram que esta experincia no traz resposta vigente aos seus anseios, no conseguindo ter esta relao com Deus que vai alm de uma crena herdada. Em contraste, encontramos pessoas simples que, com pouco conhecimento e 1 Viktor Frankl. Em Busca de Sentido Um Psiclogo no Campo de Concentrao. p.08 14. 13 aprofundamento da f, podem ter tanta clareza e encontrar fora para superar as dificuldade e serem inteiras. Partiremos do pressuposto que o ser humano um ser que por si s se percebe incompleto e neste sentir-se incompleto busca um ser fora de si ao qual dar de certa forma uma resposta, ser o ponto de esperana frente a suas limitaes prprias de sua condio humana. Aps buscaremos alguns elementos na teoria do autor Viktor Frankl para compreender a busca de sentido presente no homem, segundo a Logoterapia, principalmente quando se faz referncia presena ignorada de Deus no ser humano e a busca de sentido, finalizando assim o que compreendemos da busca do ser humano pelo transcendente, esta experincia do homem com Deus, e como a mesma pode auxiliar o ser humano na busca de sentido e de realizao. Para findar a pesquisa buscaremos compreender o que de fato a presena de Deus, e a sua revelao ao Homem pode responder ao sentido da vida humana, nos referindo que Este perpassa pelo sofrimento humano, pela liberdade para fazer que o prprio sentido da vida humana seja compreendida e aderida pelo homem, sendo Deus o centro de toda a existncia, e o anseio de todo corao humano. 15. 14 1 A PRESENA DE DEUS E A BUSCA DE SENTIDO EM VIKTOR FRANKL Atravs de alguns autores, buscaremos compreender a presena de Deus, partindo de algumas percepes filosficas, teolgicas e psicolgicas de Deus e da experincia humana com o Transcendente, buscando assim compreender a presena de Deus na existncia humana e a busca do homem pelo Transcendente. Dando continuidade posteriormente abordaremos alguns elementos na teoria de Viktor Frankl para compreender a busca de sentido presente no homem e presena ignorada de Deus no ser humano e a sua relao de Deus como este ser presente no mais intimo do ser humano. 1.1 A busca do ser humano pelo transcendente e pela presena de Deus em sua existncia A presena de Deus na existncia humana a busca de afirmar a essncia do homem como ser que se realiza plenamente na relao com Deus. E esta relao d sentido s demais experincias que o ser humano possa vivenciar neste mundo, pois percebemos no homem um intuito de realizao que vai alm de sua realidade imanente. Sendo um ser que busca significar sua existncia, h presente no homem de todas as pocas e tempos da histria, o anseio por algo que vale a pena, algo que o leve a se sentir realizado em sua totalidade. Percebendo a harmonia presente no universo e em tudo o que h em sua volta, e que no pode ser empiricamente analisada e compreendida como um todo, por instigaes e estudos cientficos, o ser humano percebe-se parte de um todo que no depende de sua interferncia direta ou indireta para manter-se, h uma fora onipotente e onisciente que faz tudo funcionar na sua devida harmonia, h uma fonte geradora de toda a vida imanente. O anseio presente no ser humano tanto como resposta vida e como realizao de seu ser como um todo, se realiza na relao que estabelece com Deus, presena indagada por grandes pensadores, telogos e filsofos. No fundo se compreende, porm, que jamais ser abrangida a grandeza e a totalidade de seu mistrio. Sobre isto Mondin (1997, p. 07) afirma 16. 15 Ele (Deus) a realidade primeira, fundamental, onipresente e onicompreensiva, que nos tira do nada com um purssimo ato de amor, e com igual amor nos mantm no ser. Para Deus, pois, que corre espontneo e insistente o nosso pensamento; para ele corre insaciavelmente, como a cora pra a nascente da gua, porque dele pouco sabemos, apesar de a historia das religies e da humanidade ter colecionado tantas mensagens a seu respeito. A presena de Deus no ser humano, o faz transcender de suas condies humanas percebendo que a fonte primeira de onde provm uma resposta vigente para o sentido de sua vida, no de dimenso meramente humana mas transcende, vai alm, ultrapassa as realidades existentes e d esperana realidade futura, dando as experincias desta vida sempre a possibilidade de se apoiar em Deus, a fonte de perfeio que acolhe e d o sentido verdadeiro s experincias humanas. Deus se auto-comunica ao ser humano pela revelao, e o ser humano que por Ele atrado, busca responder a este anseio presente em seu ser, pois a experincia religiosa, mais do que ser uma experincia a respeito de Deus sobretudo algo que parte de Deus. De fato, desde o incio dos tempos, na criao e nos relatos bblicos, Deus usa toda a sua ao criadora no ato de criar o homem sua imagem e semelhana e esta iniciativa primeira, e gratuita vem da parte de Deus, sendo que Deus no precisava criar o homem, mas se sente impelido a partilhar o seu Dom de ser, criando a obra prima da criao, o homem. No decorrer da histria da salvao, desde o Antigo Testamento at os nossos dias, a interveno Divina decorre em todos os aspectos da histria. Deus afirma constantemente a sua atividade criadora recriando o homem e todo o universo, portanto h uma experincia criadora atuante e contnua na histria do ser humano, a qual precede a existncia dele, dado que Deus existe desde toda a eternidade. A auto-revelao de Deus, manifestada a Moiss: Eu sou o Senhor teu Deus (EXDO, 20:2), expressa a presena de Deus e mais do que entender o homem como mera criatura dependente do criador, percebemos com que zelo o prprio Deus o cria sua imagem e semelhana e quer ser o seu Deus, fazer parte da relao deste ser criado, e esta relao pautada na liberdade inscrita em todo corao humano. Sobre isto Gomes (1987, p. 55) cita uma frase de Pascal bem propcia para reafirmar a idia: Consola-te, no me procurarias se j no me houvesses achado. 17. 16 O ser humano uma oscilao da realizao e da busca profunda de ser. Com esta expectativa, sero abordados temas que auxiliaro na compreenso da dimenso humana e espiritual transcendente do ser humano e da presena de Deus na sua essncia, para buscarmos compreender como a presena de Deus pode dar resposta busca de sentido presente no homem. Esta iniciativa de busca parte de Deus, pois antes de o homem procurar, Deus se deixa encontrar pelo homem e j est porta de seu corao para entrar: Eis que estou porta e bato. Se algum ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo. (APOCALIPSE, 3:20). Sobre isto Leonardo Boff (1974, p. 9) afirma que quem busca sempre encontra Deus, porque se d conta de que sempre estava nele antes mesmo de busc-lo [...] o mistrio de Deus a raiz de nossa prpria vida, ficando assim presente que suscitado por Deus no homem esta busca pelo infinito que Ele prprio e de certo modo poderamos afirmar que, existe no corao humano a eterna saudade do criador que o formou e o sustenta, mesmo quando por liberdade o homem no quer entrar em relao com Deus, mas Deus continua buscando o homem, pois Deus no pode negar-se a si mesmo (II TIMOTEO, 2:13). 1.2 A condio humana e a busca por realizao Cada vez mais o homem moderno envolvido nas possibilidades existentes no mundo tecnolgico, massificante e utilitarista, busca fora de si a realizao de seu ser, ansiando por algo externo, que tambm no sacia a sua busca. Lana-se novamente a outra busca muitas vezes material e individualista, fechando-se em seu egosmo e perdendo cada vez mais as relaes saudveis e necessrias de seu vnculo afetivo e existencial. O ser humano distancia-se de sua crena religiosa ou a busca como realizao meramente sensvel e emotiva, onde por certo, diante das dificuldades e diferentes situaes da vida, estas podero no dar o suporte necessrio para que transcenda e supere tais situaes. O auxiliando a fazer um caminho de f sem perder de foco que sua vida vai alm destes fatos, e se deixando cair assim em 18. 17 depresses, suicdios, drogas, vcios e demais situaes presentes na humanidade atual. A realidade e a condio prpria do ser humano caracterizam-no como um ser que por liberdade tem a capacidade de realizar-se, sendo o protagonista de sua vida, pautando-a em valores morais, ticos e buscando ser sensvel lei natural como: no matar, no roubar, enfim, procurando uma vida harmoniosa socialmente; com isto poder-se-ia afirmar que de fato deveria se sentir realizado. Porm, sabemos que, nem sempre vivendo todos estes pressupostos, o ser humano se sente pleno em sua totalidade de ser. No decorrer da histria muitos pensadores buscaram compreender o Homem, como ser diferente dos demais seres. Como se percebe, este ser, que capaz de se tornar protagonista de sua existncia, diferencia-se dos demais seres, pois faz indagaes a si mesmo e a respeito da realidade que o cerca, na busca de fazer com que sua existncia se torne significativa e venha a dar respostas vigentes para toda a sua existncia, questes essenciais como: quem sou? De onde vim e para onde vou? Um aspecto determinante que caracteriza o ser humano como diferente dos demais seres a capacidade de perceber e dispor-se com o uso da razo a empreender na relao com o transcendente, perceber que sua vida tem uma dimenso alm do aqui e do agora. O homem constitudo de duas dimenses: a material ou imanente, e a espiritual ou transcendente, sendo que ambas influenciam determinantemente em sua vivncia, porm ele constantemente um buscador da verdade e visa que esta venha a significar as experincias concretas de sua vida como relacionamentos, dinmicas internas como fases da vida e do amadurecimento humano e tambm de dinmica espiritual (JULIATO, 2012, p. 33). A busca desta verdade pode ser direcionada tanto pela dimenso imanente como pela transcendente, porm claro que mesmo sendo caminhos diferentes estes caminhos no so autoexcludentes, mas sim complementares, pois todo e qualquer caminho que seja traado pelo homem visa a sua realizao como um ser em sua totalidade, de natureza imanente e sua busca inata pela relao com o transcendente, ou seja, sua natureza transcendente. Para Descartes na modernidade, ele como representante do racionalismo, afirma, em sua terceira Meditao sobre o Homem, que o homem uma coisa que 19. 18 pensa (DESCARTES, 1973, p. 99). Assim caracterizado o homem para Descartes, como uma coisa capaz de conhecer toda a natureza, pois ele no tem a mesma natureza que as outras coisas. Sendo distinguido assim dos demais seres, pela sua capacidade do uso da razo utiliza de suas capacidades para intervir no meio em que se encontra, podendo conhecer a natureza, avaliar diferentes elementos e transformar o meio e os objetos segundo as suas necessidades, aperfeioando-se e ampliando seu campo de percepo sobre sua existncia e tudo o que existe, afirmando assim que o homem se envolve com tudo o que o cerca tendo um amplo e variado campo de relaes. Na perspectiva de um ser, que diante dos demais seres tem esta capacidade, surgem-nos alguns questionamentos, diante de uma realizao financeira, moral e tica, e o homem usufruindo de suas capacidades mentais, racionais para desenvolver-se tecnolgica, psicolgica, e cognitivamente, perguntamo-nos: O que falta para o ser humano alcanar a felicidade to almejada? Qual a dimenso que o leva a perceber-se incompleto na natureza mais profunda de seu ser? Podemos cham-la de unidade primeira? Realidade transcendental? E dentro desta realidade qual seria a dimenso da presena e revelao de Deus no ser humano? O homem percebendo-se limitado, busca sua dimenso sobre-humana, como afirma Viktor Frankl2 ; assim, a nossa prpria vida carrega em si um sentido, a de restaurar a nossa unidade primeira; por isso, buscar ampliar a nossa percepo da presena de Deus na interioridade do ser humano, leva-nos a refletir como afirma Gomes (1987, p. 37) que: [...] nas pessoas, h uma instncia que jamais poder ser contaminada por qualquer enfermidade, por mais grave que seja; a crena que a pessoa chamada vida para ser responsvel e muito mais para dar de si do que para tirar da vida qualquer coisa. O ser humano precisa e tende a perceber-se como um ser limitado, porm, com uma essncia em si mesmo que nada e nem ningum diminui em sua dignidade, que o leva a ultrapassar e almejar sempre algo que o faa superar-se, h no ser humano busca de algo alm do que meramente buscar-se em si mesmo, 2 Viktor Emil Frankl (Viena, 26 de maro de 1905 2 de setembro de 1997) foi um mdico e psiquiatra austraco, fundador da escola da Logoterapia, que explora o sentido existencial do indivduo e a dimenso espiritual da existncia. Disponvel em: < http: // www. logoterapiaonline. com. br/ pages/ normal/ viktor.php>. Acesso em: 14/02/2012. Sero feitos relatos biogrficos do autor posteriormente. 20. 19 leva-o a projetar-se com nfase, acreditando nas suas possibilidades, uma crena na qual vale a pena investir a sua existncia. Quando no busca possibilitar-se a um futuro mais prspero, a uma realidade que vai alm de todas as decepes presentes no mundo, sendo estas no mbito de relaes, trabalho ou de nvel pessoal, tende a se frustrar. O ser humano desenvolve-se com novas qualidades, possibilidades diante dos desafios presentes e percebendo algo que, segundo a sua percepo, de suma importncia e resignifica todas as suas expectativas sem perder a esperana no mundo presente. Esta percepo de que h em si alguma coisa que o leva a projetar-se e compreender-se em Deus, e perceber que somos intrinsecamente um em Deus, ou seja, somos de tal forma envolvidos com o Transcendente que nos encontramos Nele. Este mesmo Deus que habita em ns leva a busc-lo, e de fato compreend-lo dentro de nossos limites da razo, quando se d a revelar-se, e isto acontece, na realidade humana, atravs de grandes enfoques teolgicos ou no cotidiano de nosso existir. O ser humano ento intrinsecamente atrado por Deus, e encontra em Deus sua essncia, e a resposta para as experincias de sua vida. Para refletirmos sobre este tema aprofundaremos os seguintes conceitos: A dimenso transcendente do ser humano, atravs de um breve enfoque no pensamento teolgico filosfico sobre Deus, a unidade primeira do ser humano e Revelao de Deus ao Homem. 1.3 A dimenso transcendente do ser humano e a busca de sua unidade primeira Compreender o ser humano levar em considerao a sua dimenso subjetiva, social, psquica, mas tambm, considerar que h nele algo que o leva a perceber que sua vida vai alm de sua realidade humana, algo sobre-humano que envolve a si prprio e as demais realidades que o cercam. Podemos afirmar que somente o ser humano tem a capacidade de transcender, e comumente compreende-se transcender como ir alm do ordinrio; em Filosofia algo fora do alcance da ao ou do conhecimento. Segundo certos filsofos, o real transcendente ao pensamento (AURLIO, 2012), mesmo que 21. 20 alguns venham afirmar que esta realidade criao humana, no h como negar que h uma fora vital que move o universo, uma fora primeira que gera todas as demais coisas criadas. O homem pode conhecer a existncia de Deus por dois caminhos: um, natural, e o outro sobrenatural. O caminho natural para conhecer a Deus tem como ponto de partida a criao, quer dizer, as coisas que nos rodeiam. Somente com a luz da razo, o homem sabe que nem as coisas nem ele tem em si mesmos a razo de ser, porque tiveram princpio e tero fim: so seres contingentes, seres criados e dependentes. Por isso, atravs do que foi criado, o homem pode chegar ao conhecimento da existncia de Deus, Criador, Ser necessrio e eterno, causa primeira e fim ltimo de tudo. (CATECISMO DA IGREJA CATLICA, 1993) O homem no marcado simplesmente pela finitude, pela contingncia, e pelos instintos como os demais seres. Ele se distingue pela auto-transcendncia. O homem um ser profundamente excntrico (encontra-se fora de seu centro); est submetido a um profundo estmulo para superar-se, ir adiante, para avanar em direo ao infinito e ao eterno. Aspira uma realizao de si mesmo que seja plena, total e definitiva, mas no tanto na ordem do ter, do prazer e do poder, quanto na ordem do ser. Santo Toms de Aquino (1225-1274) escreveu: o homem sente o ardente desejo de viver para sempre, de jamais morrer. Ao mesmo tempo que o homem se compreende como um ser que visa algo a mais, se apega s coisas temporais, dado que a busca de segurana faz parte da condio humana, e isto no s como realizao de suas condies limites da humanidade mas tambm, como plenitude do ser Homem; no encontra sua realizao em conceitos expressos por grandes filsofos ou teorias, mas pode atingi-la na dimenso espiritual, isto no mundo de Deus. Este Algo Alm do humano, pode ser designado como transcendente, desde o pensamento aristotlico, vem se afirmando, que h no ser humano um elemento divino, na mesma medida em que ultrapassa no todo que constitui o homem, torna- o virtuoso e bem-aventurado. Spinosa (1636-1677) dizia que a essncia do homem constituda por certas modificaes dos atributos de Deus. Fichte aponta como tarefa do homem adequar-se unidade e imutabilidade do Eu absoluto de Deus. Para Hegel (1807, p. 427) o homem essencialmente Esprito e o Esprito Deus: [...] conquanto considerado finito por si mesmo, o homem tambm imagem de Deus e fonte da infinidade em si mesmo, pois o fim de si mesmo e tem em si o valor infinito e a destinao eternidade. 22. 21 Se o homem possui uma compreenso pr-ontolgica do ser de Deus, ela no lhe foi conferida pelos grandes conceitos e especulao cientfica ou do conhecimento humano, mas vem de Deus, e tem nele valor e objetivo supremo da transcendncia, pois o conhecimento humano por mais que amplie-se a cerca de diferentes reas do conhecimento jamais conseguir compreender o mistrio de Deus e da existncia humana em sua totalidade. A razo humana representa o limite permanente a partir do qual o homem se anuncia quilo que ele compreende ser, mas jamais compreender o seu Ser homem, que tender para Deus, e encontrar- se em Deus, ou, se preferirem, o homem desejo fundamental de ser Deus (HEIDEGGER) Sobre a relao humana com o sagrado Rudolf Otto (1917) afirma que h no ser humano uma atrao pelo ser Numinoso (este fazendo referncia a Deus) que ao mesmo tempo em que o homem o percebe inatingvel pela razo, dando-se conta de sua nulidade frente ao sagrado o homem tomado pelo medo a primeiro momento o homem se desorienta, mas o homem sente uma atrao pelo sagrado. Afirma o seguinte: Sob o aspecto, o numinoso mysterium fascinans; enquanto sob o aspecto da fora e da transcendncia, que incutem terror, mysterium tremendum. Diante do numinoso, percebido como santo, como totalmente outro, nasce o sentimento de infinito respeito por um objeto dotado de valor absoluto. (OTTO, 1917) Na busca de encontrar-se nesta tendncia de ir alm dos seus limites como um impulso para o infinito, s tem um sentido porque vai em direo a Deus. S ento esta tendncia ilimitada para o autotranscender satisfeita, a nossa orientao para o mistrio do amor e do temor reverencial efetivada. Podemos ento, perceber que no ser humano em sua totalidade h um resqucio de ser transcendente. Afirmar ento que de fato o ser humano percebe dentro de si este impulso ao transcendente como um apelo intrnseco de sua realidade, perceber que mesmo sendo um ser com limites e variantes no decorrer de sua vida, ele encontra sua essncia e o centro de sua vida quando busca relacionar-se com Deus, dado que em Deus encontra-se o centro da pessoa humana. No decorrer da histria, principalmente quando se trata de Filosofia, muitos filsofos de renome dialogaram sobre Deus, alguns at afirmaram que Deus morreu como, por exemplo, Nietzsche (1985), mas percebemos que com o intuito de neg-lo 23. 22 se acaba afirmando a sua existncia, pois no precisamos dialogar sobre algo que no existe e se o tentamos por que de fato isto ainda causa em ns dvida de sua no existncia. O ser humano s pode ser compreendido, quando contemplado como um ser que se realiza de forma pessoal, e tambm como um ser transcendente, onde constantemente busca sua unidade e realidade transcendental. Para Santo Agostinho (citado por NODARI, 2011, p. 151), O homem um ser que busca compreender-se. O homem o nico ser vivo que pergunta por sua prpria natureza e se coloca a si mesmo como problema. Ele tem conscincia de sua grandeza e de sua fragilidade. Talvez se possa afirmar que a grandeza do homem esteja justamente em reconhecer sua fraqueza. Por este motivo o ser humano de forma mais notria se diferencia dos demais seres tambm pela sua sensibilidade de captar experincias e torn-las sensveis e significativa estabelecendo relaes com as mesmas quando passa por situaes semelhantes, propondo-se problemas e formulando perguntas sobre as estruturas, sobre as origens e procurando respostas vigentes. 1.4 Deus no pensamento teolgico filosfico e teolgico dogmtico Pensar em Deus na verdade um intuito de compreendemos Deus como um problema, pois todo o conhecimento sobre Deus limitado pelo conhecimento humano, podemos afirmar que o problema de Deus o prprio problema do homem e do sentido de sua vida, pois neste ser o homem busca se compreender e busca argumentos que o auxiliem a responder o seu ser e a sua existncia na sua totalidade, e encontrar uma resposta que perpasse toda sua existncia. (MONDIN, 1997, p. 05) Para abordarmos este tema refletiremos o ponto de vista da Teologia filosfica3 e da Teologia dogmtica, pois iremos acercarmos tanto da questo da 3 Embora a teologia filosfica tendo em comum com a Filosofia da Religio, com a Histria das Religies, com a Teologia Dogmtica e com a Metafsica o mesmo objeto material (Deus), a Teologia Filosfica distingue-se delas pelo objeto formal. Enquanto a Teologia Dogmtica (ou sobrenatural, revelada) estuda Deus partindo de Deus mesmo, da sua auto-revelao e, portanto, mediante a luz da f, a Teologia Filosfica estuda Deus partindo das criaturas, da realidade humana e de tudo o que acontece neste mundo, e o seu nico instrumento cognitivo para se aproximar de Deus, o faz somente de uma maneira (MONDIN, 1997, p. 11-12). 24. 23 Revelao (Teologia Dogmtica), como da realidade humana. Para estudarmos, ou melhor, buscarmos aprofundar a questo de Deus, devemos de forma muito sincera afirmar como Mondin (1997, p. 25): A ele (Deus) se chega mais facilmente com o corao do que com a mente. Para chegar a Deus com a mente o homem deve cultivar sobretudo trs disposies: pureza de viso, senso de admirao e virtude da humildade. Para os pensadores filsofos, Deus o princpio que torna possvel o mundo ou o ser em geral, fonte ou garantia de tudo o que h de excelente no mundo, sobretudo na realidade humana. Pela Metafsica busca-se mostrar que Deus o ser que se auto-sustenta e tambm o ltimo fundamento dos entes. Para comear a pensar em Deus temos que compreender a afirmao de Xavier Zubiri, para quem pensar em Deus pensar no problema teologal do ser humano e este tema no diz respeito somente ao contedo do saber sobre Deus, mas sim que o problema radical de Deus para o homem de hoje (ZUBIRI, 2002, p. 13)4 . E este problema cabe de certa forma aos crentes em Deus, pois se fosse falar de Deus para um ateu no seria um problema dado que no cr na existncia dele. O problema de Deus problema essencial do homem que d clareza a todos os demais aspectos da sua existncia: tica, ao Direito, Economia. Deus, como disse Pascal, uma aposta que precisamos encarar. Segundo Kant, o conceito de Deus o mais difcil de compreender, mas tambm o mais inevitvel para a razo especulativa humana. A mesma convico j havia sido expressa, muitos sculos antes. Mondin (1997, p. 05) relata que Plato j afirmava que: de capital importncia um pensamento correto sobre os deuses, se quiser conduzir bem a prpria vida. Para os filsofos, Deus ato puro. Santo Toms de Aquino (1980, p. 17)5 introduz a distino entre o ser e a essncia dividindo a Metafsica em duas partes: a do ser em geral e a do ser pleno, que Deus. De acordo com essa distino, o nico ser realmente pleno, no qual o ser e a essncia se identificam, Deus. Deus ento o Ser que existe como fundamento da realidade das outras essncias que, uma vez existentes, participam de seu Ser. Isso equivale afirmar que so criaturas, e nelas o ser diferente da essncia, pois pelo fato de serem criaturas so seres no 5 Cfr. Suma teolgica. Vol.I. Questo II- Artigo II, p. 17. 25. 24 necessrios. Deus que permite s essncias realizarem-se em entes, em seres existentes. Outros aspectos importantes da Filosofia tomista so as provas da existncia de Deus. Em um de seus mais famosos livros, a Suma Teolgica, de 1225, So Toms de Aquino prope cinco provas da existncia de Deus: 1. O primeiro motor: tudo aquilo que se move movido por outro ser. Se no houvesse um primeiro ser movente, cairamos num processo indefinido, logo necessrio chegar a um primeiro ser movente que no seja movido por nenhum outro e este ser Deus. 2. A causa eficiente: todas as coisas existentes no mundo no possuem em si prprias a causa eficiente de suas existncias. Devem ser considerados efeitos de alguma causa. So Toms afirma ser impossvel remontar indefinidamente procura das causas eficientes. Logo, necessrio admitir a existncia de uma primeira causa eficiente, responsvel pela sucesso de efeitos. Essa causa primeira Deus. 3. Ser necessrio e ser contingente: este argumento variante do segundo. Afirma que todo ser contingente, do mesmo modo que existe, pode deixar de existir. Mas, se assim fosse, tambm agora nada existiria, pois aquilo que no existe somente comea a existir em funo do que j existia. preciso admitir, ento que h um ser que sempre existiu, um ser absolutamente necessrio, que no tenha fora de si causa da sua existncia, mas ao contrrio, que seja a causa da necessidade de todos os seres contingentes. Esse ser necessrio Deus. 4. Os graus de perfeio: em relao a qualidade de todas as coisas existentes, pode-se afirmar a existncia de graus diversos de perfeio. Assim, afirmamos que tal coisa melhor que outras, ou mais bela, ou mais poderosa, ou mais verdadeira etc. Ora, se uma coisa possui mais ou menos determinada qualidade positiva, isso supem que deve existir um ser com o mximo dessa qualidade, no nvel da perfeio. Devemos admitir, ento, que existe um ser com o Mximo de bondade, de beleza, de poder, de verdade, sendo, portanto, um ser Mximo e pleno, e este Deus. 5. A finalidade do ser: todas as coisas brutas, que no possuem inteligncia prpria, existem na natureza cumprindo uma funo, um objetivo, uma finalidade, semelhante flecha dirigida pelo arqueiro. Devemos admitir, 26. 25 ento, que existe algum ser inteligente que dirige todas as coisas da natureza para que cumpram seu objetivo e este ser Deus. 1.5 Revelao de deus ao homem A autorevelao de Deus ao homem pode ser direta ou indireta, pessoal, ou impessoal, atravs da natureza ou atravs da Histria. Deus est sempre presente na realidade humana. Como afirma Latourelle (1981, p. 5): Rompeu Deus o silncio: saiu de seu mistrio, dirigiu-se ao homem e desvendou-lhe os segredos de sua vida pessoal; comunicou-lhe seu desgnio inaudito de uma aliana que levasse a uma participao de vida. O encontro dado pela revelao vem da autoridade divina e sua revelao exige o homem voltado para esta relao, deixando ao homem a liberdade de abrir- se ou no. A revelao o mistrio primordial, o que nos comunica todos os outros, pois a manifestao do desgnio salvfico de Deus, premeditado desde toda eternidade que ele realizou em Jesus Cristo. (LATOURELLE, 1981, p. 05) A revelao de Deus ao homem o acontecimento decisivo, pois leva o homem a perceber-se na sua dimenso transcendente, e para que isto acontea indispensvel a opo da f feita pelo homem. Esta opo de f no ser um caminho que se faz s escuras mas sim na capacidade de aderir a esta revelao divina com a resposta da f dada por sua capacidade racional e de forma livre sendo que a liberdade identifica o homem como um ser capaz de relacionar-se e participar ativamente nesta relao de revelao e resposta de f. Na Teologia nada se explica que no seja pautada luz da Revelao divina; tudo a ela se refere. Por este fato parece ser algo to paradoxalmente implcita, to evidente como verdade e certa que precisam ser explicitadas, como auxlio resposta mais consciente e responsvel. Assim se parte da f, para uma inteligncia da f. No cristianismo se apoia a Sagrada Escritura como fonte inspirada e na Igreja como instituio divina. Fides quaerens intellectum: uma busca do esprito, uma prospeco do mistrio j aceito na f. (LATOURELLE,1981, p. 07) O importante escreve Baillie (1956), citado por Latourelle (1981, p. 8): 27. 26 [...] que haja correspondncia total entre a inteligncia da revelao e a inteligncia da f que a recebe. F e revelao, sendo noes corelativas, como palavra e resposta, uma reflexo sobre a revelao necessria haver de fecundar e vivificar uma teologia da f. Dado que a revelao mais do que um fato um mistrio divino, onde Deus fala, e intervm, Jesus Cristo foi a sua forma mais densa de interveno na histria humana, revelando-nos que a revelao sempre existiu no decorrer da histria mas que como seres humanos ela no se revela e se realiza em ns em sua plenitude, ou seja, ela existe mas ainda no podemos descobrir tudo o que ela , pois parte do Mistrio que Deus. O homem se dispe a fazer caminhada de f frente ao mistrio de Deus, usando suas capacidades de conhecimento, e de experincias para buscar ampliar sua relao com Deus, mas ciente que esta ser de sua parte sempre limitada. A resposta do homem na sua essncia, porm, a f e esta fundamental ao homem diante de Deus: Crer em Deus no somente crer na existncia, mas repousar nele como um sustentculo inabalvel, refugiar-se nele como num asilo seguro, tender a Ele como ao prprio fim ltimo. (TORINO, 1964, p. 233) O ato de crer em Deus leva o ser humano, colocar suas expectativas neste Deus que segundo a sua crena mesmo que no interfira da forma da qual o homem espera mesmo assim continua a dar resposta frente s situaes da vida. E Denzingher (1789) confirma isto dizendo que a f : [...] uma virtude sobrenatural, graas qual, sob a inspirao e o auxlio da graa de Deus, acreditamos como verdadeiro aquilo que Deus nos revelou, no apoiando sobre a verdade ntima colhida com a luz da razo natural, mas sobre a autoridade de Deus mesmo que o revela, o qual no pode enganar-se nem enganar. Para tanto se faz necessrio refletir sobre o papel da f na revelao de Deus dado que esta a resposta do homem a Deus. A f uma das noes mais profundaS da Sagrada Escritura, pois esta f se traduz na obedincia, confiana, fidelidade e perseverana. J no Novo Testamento a f aparece como resposta adequada do homem revelao de Deus que manifesta seu plano de salvao em Jesus. Esta revelao apresentada por Cristo um convite a todos os homens para estar em comunho de vida com as Pessoas Divinas. O homem aceita o convite de Cristo por meio da f. Nos Evangelhos sinticos ter f significa reconhecer em Jesus o salvador messinico (MATEUS, 27: 42; MARCOS, 1: 5-32), que age com o poder 28. 27 de Deus para salvar os homens. Sendo assim, a f uma resposta do homem ao kerigma e ao testemunho dos Apstolos. Neste sentido crer significa aceitar a mensagem evanglica e aderir inteiramente a Cristo e ao seu projeto. Crer um ato de submisso da inteligncia e da vontade do homem todo, a Deus que salva e s exigncias da salvao. uma conformidade da mente e do corao. A f, portanto, uma obedincia ao Evangelho: O Evangelho que eu anuncio a mensagem de Jesus Cristo revelao de um mistrio envolvido em silncio desde os sculos eternos, agora, porm manifestado [...] dado a conhecer a todos os gentios para elev-los a obedincia da f [...] ( ROMANOS, 16: 25) H um aspecto de confiana e doao na f, mas tambm um aspecto intelectual, pois crendo deve-se reconhecer a verdade de Cristo6 e a sua ressurreio7 Porm, a f permanece sempre um dom de Deus: para crer preciso a iluminao divina8 por conseguinte, a f na Sagrada Escritura encerra os seguintes aspectos: (1) Um aspecto intelectual: admite como verdadeiro tudo o que o Pai revela no seu Filho atravs dos Apstolos; (2) Um aspecto afetivo: confiana e adeso total a Cristo. (3) Um aspecto efetivo: orientar a prpria conduta segundo as exigncias da salvao: a obedincia da f. Para tanto, preciso a obedincia da f a Deus que se revela, pela qual: A Deus que revela devida a obedincia da f 9 pela f, o homem entrega-se total e livremente a Deus oferecendo a Deus revelador o obsquio pleno da inteligncia e da vontade 10 e prestando voluntrio assentimento Sua revelao. Para prestar esta adeso da f, so necessrios a prvia e concomitante ajuda da graa divina e os interiores auxlios do Esprito Santo, o qual move e converte a Deus o corao, abre os olhos do entendimento, e d a todos a suavidade em aceitar e crer a verdade 11 . Para que a compreenso da revelao seja sempre mais profunda, o mesmo Esprito Santo aperfeioa sem cessar a f mediante os seus dons (JOO PAULO II, 1967, DEI VERBUM. n 05) O ser humano chamado a dar de forma voluntria o assentimento revelao feita por Ele, e correspond-la pela ao da graa. Para que se comunique esta f, exige-se a graa prvia de Deus e os auxlios internos do 6 (1 CARTA A TIMTEO, 2:4) 7 (ROMANOS, 10: 9-10). 8 (2 CARTAS AOS CORINTIOS, 4:5-6). 9 (ROMANOS. 16:26; ROMANOS. 1:5; II CORINTIOS. 10: 5-6). 10 Cfr. II Conclio Niceno, Denzingher. 303 (602); IV Concilio Constantinopolitano, sess. X, can. 1: Denz. 336 (650-652). 11 Cfr. Conclio Vat. I, Const. dogm. De fide catholica, Dei Filius, cap. 4: Denzingher.1800 (3020). 29. 28 Esprito Santo, tornando sempre mais profunda a compreenso da revelao e aperfeioando continuamente a f por meio de seus dons. Desde o perodo patrstico, ao se visualizar a teologia que se encontrava envolvida no contexto helnico, vemos a sua busca de aperfeioamento. A Patrstica conta com dois princpios: Intellige ut credas, crede ut intelligas crer para entender, entender para crer, ideal amplamente desenvolvido por Santo Agostinho. No h separao entre f e razo. Para esse fim foi desenvolvida uma linguagem simblica (evocativa). Desde ento sempre houve iniciativas, discusses e prelees com o objetivo de harmonizar f e razo, para dar ao homem contemporneo as condies de responder aos apelos mais profundos de sua existncia, sobre a f e razo afirmado pela Igreja catlica atravs de seu representante Papa, Joo Paulo II, na Carta Encclica Fides et Ratio, de Joo Paulo II (1998, p. 5) A razo e a f constituem como duas asas pelas quais o esprito humano se eleva para a contemplao da verdade. Foi Deus quem colocou no corao do homem o desejo de conhecera verdade e, em ltima anlise, de conhecer a ele, pra que, conhecendo-o e amando-o, possa chegar tambm verdade plena sobre si prprio. pelo uso correto da razo que o homem se descobre e se realiza, encontra o sentido para existir. O conhecimento inerente ao homem, nico ser criado que possui a capacidade intelectiva. A razo lhe confere grande potencial de conduzir a si e aos outros. A procura pela verdade, que somente pode ser obtida com o auxilio da razo, faz do homem um ser que no se satisfaz facilmente e procura sempre mais abarcar os mais recnditos mistrios da verdade. Mondin (1987, p.03) afirma isso citando So Toms de Aquino: A razo uma ajuda propcia para conhecer mais facilmente determinado objeto e com maior certeza aquelas verdades que, por si, esto agrupadas, e para tornar-lhe acessveis aquelas verdades sobrenaturais que superam toda a sua capacidade. Santo Toms de Aquino reconhece a autonomia da razo, mas no admite o fato de que ela sozinha seja capaz de penetrar nos mistrios de Deus, apesar de ser Ele a sua finalidade. Ele enxerga a razo como uma luz concedida por Deus ao homem, para que este alcance a cincia do bem e do mal. (MONDIN, 1987, p.21) De fato, o ser humano foi criado por Deus com uma grande capacidade reflexiva que o permite elaborar, metodicamente, pensamentos com os quais conduz a humanidade para onde quer, levando-a a um progresso profcuo ou a um retorno ao caos. 30. 29 A f o ato de aceitar algo que no evidente, que no est explcito, contudo torna-se racionalmente aceita se fundamentada com premissas coerentes. A f proporciona a razo obter com maior agilidade e credibilidade o seu objetivo, a verdade. Por mais que a razo se esforce para provar determinadas proposies, somente a f capaz de lhe conceder a aceitao de que no pode obter tudo o que quer. A razo orienta a cincia para a tentativa de descobertas de questes emergentes que se afloram ao longo do desenvolver da humanidade. A f para os que creem uma luz que os ilumina em momentos difceis, fazendo-os aceitar muitas questes que o homem no capaz de solucionar. 1.6 Deus no inconsciente humano Como anteriormente comentamos, para compreender o ser humano temos que contempl-lo em sua totalidade. No se poderia deixar de lado a dimenso psicolgica do Homem e assim, de Deus no inconsciente do ser humano. A Psicologia da Religio dar-nos- um fio norte para que reflitamos posteriormente sobre a presena de Deus. Deus se revela na dimenso inconsciente do homem. O encontro de Deus com o homem, apresentado pela Psicologia, se refere a uma idia que a psique tem de Deus, este Deus como algo conhecido, experimentado, sentido, intudo, representado ou formulado por uma pessoa. Esta experincia ou percepo de Deus sofre alteraes ao longo da vida do indivduo, devido prpria etapa da vida em que o indivduo se encontra, e de certa forma sofre diferentes percepes muitas vezes sendo de mbito subjetivo, levando- nos a questionar quanto a sua autenticidade ou at mesmo as possveis distores, dado as suas abstraes pautadas em experincias e percepes conceituais subjetivas. Esta experincia foge de qualquer aspecto dogmtico, teolgico ou doutrinal, pois no apresenta limitaes conceituais pr-estabelecidas e previamente comprovadas. A experincia, ou percepo da imagem de Deus aparece aos psiclogos como um continuado a revelar-se dentro e atravs da psique ou 31. 30 entendido com uma linguagem mais crist atravs da alma, como afirma Hillman (1985, p.39). A primeira coisa que o paciente procura no analista, faz-lo consciente de tudo o que o faz sofrer, levando-o a seu mundo de experincias. Experincia e sofrimento so palavras de h muito associadas alma. Alma, entretanto, no um termo cientfico, sendo hoje em dia raramente utilizado em psicologia [...] Os termos alma e psique podem ser utilizados alternadamente, embora a tendncia seja escapar ambiguidade do termo alma, recorrendo-se psique por ser mais moderno e biolgico. Psique empregado como fato natural concomitante vista fsica, sendo talvez redutvel. Alma, por outro lado, apresenta sobre tons romnticos e metafsicos, compartilhando suas fronteiras com a religio [...] Poderamos com o mesmo autor, afirmar que a alma teria um atributo mais simblico, por amparar um fator humano desconhecido que faz possvel a existncia de significados, que transforma fatos em experincias e que se comunica atravs do amor. Sobre isto afirma: [...] de que forma a anlise profunda conduz a alma, e como esta por sua vez, envolve inevitavelmente a anlise com a religio mesmo com a Teologia, visto que a religio vivida como experincia nasce da psique humana, sendo por causa disso um fenmeno psicolgico. (HILLMAN, 1985. p.42) Poderamos afirmar que o inconsciente guarda na memria como um programa interno que possui uma linguagem prpria, utilizando-se de metforas, e no usa dados da razo reais ou no para avali-las. Para que esta venha a desenvolver-se basta uma emoo, associ-la a outra situao vivida, ou muitas vezes pensamentos, teis, reais ou no. O inconsciente, que est diretamente relacionado com todas as nossas experincias ou fatos que no momento no que veio ocorrer, nem sempre o percebemos. Todos os nossos atos de certa forma, guardam em si uma dimenso da inconscincia, pois mesmo que seja um ato comum do nosso dia a dia, o realizamos sem estar com plena conscincia. Por exemplo, o ato de escovar os dentes, dirigir um carro, cortar um alimento fazemos de forma automtica, este ato vem consciente quando acontece um acidente ou devemos ter uma reao rpida e comeamos a prestar mais ateno no ato realizado. O inconsciente tem uma importncia por nos defender dos perigos e guardar informaes do passado. Tem uma capacidade infinita, pois o crebro recebe diariamente milhares de estmulos e mensagens, constantemente, sendo que estes na maioria das vezes ficam armazenados na memria inconsciente. 32. 31 Este aspecto se realiza na dimenso dos nossos sentimentos nos quais muitas vezes no temos plena conscincia de como o mesmo interfere na nossa percepo da realidade, reaes e influncias nos nossos relacionamentos. Sobre o inconsciente Jung (1991, p. 123) escreveu: Assim definido, o inconsciente descreve um estado de coisas extremamente fluido: tudo o que sei, mas que no momento no estou pensando; tudo aquilo de que antes eu tinha conscincia, mas de que agora me esqueci; tudo o que percebido pelos meus sentidos, mas que no foi notado pela minha mente consciente; tudo aquilo que, involuntariamente e sem prestar a ateno, sinto, penso, recordo, quero e fao; todas as coisas futuras que esto tomando forma em mim e que em algum momento chegaro conscincia: tudo isto o contedo do inconsciente. Jung dizia tambm que a conscincia no se cria a si mesma; emana de profundezas desconhecidas. O consciente o que nos leva a discernir, organizar funes apropriadas para determinadas situaes, raciocinar as devidas reaes, aes e percepes a serem consideradas. Ao contrrio do inconsciente, ele tudo a que temos acesso pelo crebro, em perfeito estado de raciocnio. Quanto mais a nossa conscincia for segura de dados, mais estaremos conscientes e assim daremos menos possibilidades de atos inconscientes. Jung faz referncia ao consciente, ao inconsciente, e tambm se refere ao subconsciente e este seria como um canal que busca ligar ao mundo espiritual, conectando-o a tudo e a todos, sendo assim, como que um poder infinito, que cria crenas boas ou ms, e este conjunto como um mapa mental o qual influenciar e guiar as experincias humanas. Levando assim a compreenso que est presente na psique humana um espao que o leva busca do espiritual. Ento, esta dimenso que leva o homem a perceber-se incompleto a prpria presena de Deus que o leva a transcender e questionar o que no est adequada dignidade existente no homem desde sua concepo com e na realidade primeira. Deus no inconsciente levar em considerao tudo o que faz o indivduo questionar- se, sofrer psiquicamente, alm de princpios morais e princpios humanos, e perceber que sua vida tem uma dimenso mais profunda e divina. Pois, na percepo de qualquer rea de conhecimento ou de percepo que busque compreender o ser humano, e incluindo aqui a religio e a psicologia, onde ambas se referindo alma ou a psique, precisa compreender de fato o ser humano em sua totalidade, buscando compreender sem descartar uma de suas dimenses, pois ambas partem da mente humana para buscar subsdios que fundamentem a 33. 32 sua razo de ser, buscando auxiliar o homem a ter uma viso maior da dignidade de seres humanos. Hillman (1984, p.41) se refere alma da seguinte forma: A alma confere, d sentido, transforma acontecimentos em experincias, comunica-se pelo amor e tem uma explicao religiosa realando assim a importncia da alma para compreenso da teologia e da psicologia. Como se daria esta experincia psicolgica de Deus ento numa dimenso inconsciente? Viktor Frankl aborda o tema do Transcendente em perspectiva psicolgica a Logoterapia12 , conhecida como terapia do sentido. O autor e fundador da escola, Viktor Frankl, afirma: No se trata de um simples inconsciente instintivo, mas tambm de um inconsciente espiritual. O inconsciente no se compe unicamente de elementos instintivos, mas tambm espirituais. Desta forma, o contedo do inconsciente fica consideravelmente inconsciente e espiritualidade inconsciente. (FRANKL, 2010, p.19) Para melhor compreender a dinmica da presena de Deus e a experincia do homem na busca de responder a sua prpria existncia e como a presena de Deus vem contribuir para a resposta de sentido da vida, daremos continuidade no prximo captulo, abordando a teoria do autor Viktor Frankl que nos auxiliar nesta temtica, abordaremos brevemente a histria de vida do autor. 1.6.1 Sntese Biogrfica de Viktor Frankl e o Deus no Inconsciente A importncia de refletir sobre a busca de sentido no qual o homem est constantemente inserido numa dimenso mais que meramente sociolgica e psicolgica ou em qualquer outra dimenso, poderamos afirmar que essencialmente que este questionamento visaria uma dimenso existencial. Para este tema nos referiremos ao autor Viktor Emil Frankl. Ele era mdico psiquiatra, neurologista austraco, fundador da terceira Escola Vienence de Psicologia, a Logoterapia. Esta prope uma viso diferenciada das 12 O termo "logos" uma palavra grega que significa tambm "sentido". Assim, a "Logoterapia concentra-se no sentido da existncia humana, bem como na busca da pessoa por este sentido" (Frankl)."Para a Logoterapia, a busca de sentido na vida da pessoa a principal fora motivadora no ser humano... A Logoterapia considerada e desenhada como terapia centrada no sentido. V o homem como um ser orientado para o sentido". Disponivel em: (Frankl). http: // pt. wikipedia.org /wiki/Logoterapia. Acesso em 15/08/2012. 34. 33 concepes psicolgicas de sua poca, buscando abordagens fenomenolgicas existencialistas13 , humanista e testa. Busca compreender a existncia atravs dos fenmenos especificamente humanos. Mais do que relatar experincias observadas em consultrio o autor descreve atravs de sua teoria o que sentiu e observou em si mesmo e nas demais pessoas e seu comportamento na situao limite do campo de extermnio nazista durante a segunda guerra mundial, pois o autor vem da descendncia judia, por isso a observao psicolgica realizada por ele mais que uma observao, um testemunho. Abordando assim mais que relatos conceituais ou meramente tericos, partiremos da experincia de quem dentro de um campo de concentrao, juntamente com sua famlia e sua esposa, sentiu o que de fato a presena de Deus auxiliaria a superar as situaes adversas de sua vida. Viktor Frankl foi preso juntamente com sua esposa no mesmo ano em que se casaram, no ano de 1942, nos campos de concentrao perde sua esposa e seus pais. Frankl passa por quatro campos nazista entre 1942 a 1945 o mais conhecido deles o famoso Auschwitz (1944). Sendo uma pessoa em meio a todos os horrores existentes nos campos de concentrao o autor comea a ser mais que mero pesquisador o que j era anteriormente, comea a aplicar sua teoria, a Logoterapia (terapia da busca de sentido). Frankl percebe e relata em seus livros alguns momentos marcantes de sua vida, e sua observao nos campos de concentrao, pois percebia que as pessoas que buscavam um sentido para a vida eram mais resistentes; as que tinham como certa misso a ser realizada aps todas as torturas impostas sobreviviam e encontravam fora para passar por tais humilhaes. Frankl foi discpulo de Freud e Adler, porm sua teoria diferenciou-se muito dos conceitos propostos pelos dois pesquisadores anteriores, pois Frankl no acreditava que a pessoa humana caminhasse pelo mundo sob a fora dos impulsos, e comea a desenvolver alguns pontos que tornaram diferenciais de sua teoria psicolgica. Afirma: [...] o ser humano livre e responsvel e tem conscincia de 13 A palavra Fenomenologia origina-se do grego, composta por duas partes: FENMENO: Aquilo que se mostra para ns, primeiramente pelos sentidos; e LOGIA: Capacidade de refletir, um discurso esclarecedor. Ento a fenomenologia uma atitude de reflexo do fenmeno que se mostra para ns, na relao que estabelecemos com os outros, e com o mundo no decorrer de nossa existncia. Disponvel no site: http://www. psicoethos. com. Br / si / site / 0402 /p / O % 20 que % 20 % C3 % A 9 %20Fenomenologia. Acesso em 16/07/2012. 35. 34 sua responsabilidade; que incondicionado, busca um sentido para sua vida e traz dentro de si um Deus inconsciente. (GOMES, 1987, p. 11) Para o autor a experincia humana, essencialmente, se orienta para alm de si mesma, para algo alm, pois o leva a usar sua capacidade de transcender uma situao extremamente desumanizadora, manter a liberdade interior e desta maneira, no renunciar ao sentido da vida, apesar destas situaes. Diante de suas experincias, o homem perceber-se responsvel perante um Outro, que o faz autotranscender . A Logoterapia, como aponta Frankl no viera negar as duas teorias existentes em Viena, a de Freud e a de Adler, mas afirmar que o sentido da existncia, seu verdadeiro significado, descobrir que cada ser humano tem sua misso nica nesta terra. A teoria de Frankl aponta o ser humano como um ser livre e responsvel com conscincia de sua responsabilidade. Ele traz dentro de si inconscientemente Deus e incondicionado a uma busca de sentido, refletindo sobre a presena de Deus no ser humano a sua busca de sentido. No captulo seguinte, abordaremos o pensamento de Frankl, para tentar compreender a presena ignorada e a busca de sentido. 36. 35 2 A BUSCA DE SENTIDO A busca de sentido presente no homem como um anseio de o fazer perceber-se capaz de Ser mais que o mero existir imanente. Partiremos de pressupostos da teoria de Viktor Frankl para buscarmos compreender ao que queremos nos referir quando colocamos a busca de sentido presente no homem. Abordaremos tambm sobre a presena ignorada de Deus, e a dimenso notica apresentada pela Logoterapia, pois Frankl considera que somente ser compreendido o homem em sua totalidade quando for acolhido tambm na sua dimenso espiritual. Seguiremos abordando alguns aspectos da teoria frankliana. 2.1 A presena ignorada de Deus no ser humano Viktor Frankl na sua teoria tinha uma viso mais antropolgica, mais completa do homem, buscando complementar as dimenses psicofisiolgicas com a dimenso espiritual, reconhecendo ela ser fundamental, com uma percepo aberta do mistrio transcendente do ser e a sua dimenso humana profunda, busca integrar o ser humano considerando-o esta dimenso e levando-os a perceberem-se dignos de sua singularidade e comprometidos de forma responsvel frente vida e seus desafios. A presena ignorada de Deus no ser humano apresentada pelo autor como a pessoa profunda em seu ser, e nesta profundidade encontra-se a manifestao de Deus, como uma parte mais sadia presente no ser humano a qual no sofre interferncia condicionante de mbito externo. Nestas situaes o meio somente ter interferncia se a pessoa conscientemente e livremente optar por se deixar condicionar, deixando assim claro que sobre qualquer situao, o nico responsvel pela decadncia ou superao o indivduo, reforando a responsabilidade do ser humano. Sobre isto Xausa (2005, p. 39) relata sobre Frankl: Na priso Frankl observou que muitos dos seus colegas, tendo-lhes sido extrados at o ltimo grau os recursos fsicos, acabavam perdendo os seus princpios morais e tambm os sentimentos da prpria individualidade, considerando-se s parte de uma massa da gente, rebaixando assim sua existncia ao nvel da vida animal. Entre as reaes generalizadas dos prisioneiros estava tambm a dos homens que iam de barraco em barraco consolando os demais, dando o ltimo pedao de po que possuam [...] Ficava patente que o tipo de pessoa em que se convertia o prisioneiro era resultado de uma deciso ntima. Muitos se submetendo 37. 36 fora das circunstancias tornavam-se prisioneiros tambm em seu ntimo e pereceram at antes da condenao morte; alguns, porm, caminhavam para o forno de cabea erguida, ao que Frankl chamou de poder de resistncia do esprito com a ltima das liberdades humanas [...] O ser humano um ser por excelncia por esta capacidade de opo sobre quaisquer situaes, e diante disto podemos ao mesmo tempo comprend-lo e auxiliar o mesmo a perceber-se consciente da responsabilidade diante da realidade, mas no para que se frustre, mas se perceba capaz de responder com segurana esta realidade, no se condicionando frente a ela e podemos compreender que na medida em que o ser busca resposta numa dimenso transcendente, encontra uma fora que o faz superar com muito mais facilidade. Nas suas anlises psicolgicas Viktor Frankl descobriu que a religiosidade um estado latente no interior do homem. Esta, muitas vezes, s revelada atravs do inconsciente por meio de sonhos. Esta tendncia inconsciente para Deus que Frankl chamou de estado inconsciente de relao com Deus ou presena ignorada de Deus. Afirmando Frankl presena ignorada de Deus no inconsciente ele no quer instituir uma divinizao do inconsciente, nem pode ser considerada uma afirmao pantesta14 , Deus no est plenamente em ns, ou ocultista, como afirmar a oniscincia do inconsciente, como uma afirmao teolgica de que Deus vive no inconsciente. 15 Referindo-se a esta presena de Deus no ser humano podemos cair no erro de constituir uma relao inconsciente com Deus, no se pode querer considerar que est presente no ser humano esta relao inconsciente, tirando ento a responsabilidade do eu consciente, a responsabilidade do ser religioso da pessoa, ressarcindo do homem a possibilidade de deciso e de livre arbtrio, e distanciando da relao que conhecemos deste Deus que sobre quaisquer condies considera a liberdade humana. 14 O pantesmo a crena de que o Universo ou a natureza e Deus so idnticos. Sendo assim, os adeptos dessa posio, os pantestas, no acreditam num deus pessoal, antropomrfico ou criador. A palavra derivada do grego pan (que significa "tudo") e theos (que significa "Deus"). Embora existam divergncias dentro do pantesmo, as ideias centrais dizem que deus encontrado em todo o Cosmos como uma unidade abrangente. O pantesmo tende a divinizar os elementos da natureza, referindo-se prpria natureza por Deus. Disponivel em: http://pt.wikipedia.org /wiki / Pante%C3% ADsmo. Acesso em 15/08/2012. 15 Cfr. FRANKL, 2010, p. 56 e 60. 38. 37 Para Frankl, o ser humano encontra um sentido nas situaes quando consciente de sua responsabilidade e se torna responsvel pelas mesmas. Relata sobre uma espcie de f inconsciente, um inconsciente transcendental que inclui a dimenso religiosa, pois por meio dela que estabelecemos relao com este Transcendente presente em ns. Essa f inconsciente da pessoa, que se nos revela e est englobada e includa no conceito de seu inconsciente transcendente, significaria ento que sempre houve em ns uma tendncia inconsciente em direo a Deus, que sempre tivermos uma ligao intencional, embora inconsciente, com Deus. E justamente este Deus que denominamos inconsciente. Nossa formulao de um Deus inconsciente no significa, porm, que Deus, em si mesmo e por si mesmo, seja inconsciente; ao contrario, quer dizer que, s vezes, Deus permanece inconsciente para ns, que nossa relao com ele pode ser inconsciente, ou reprimida, e, assim, oculta para ns mesmos. (FRANKL 2010, p.58-59) A Logoterapia parte do pressuposto fenomenolgico que a prpria condio humana possibilita sermos seres com conscincia e com responsabilidade, ou seja, est presente em todo e qualquer ser humano, sobre quaisquer condies a potenciao da conscincia da responsabilidade, no estar consciente de ter responsabilidade (FRANKL, 2010, p. 57) o autor tambm afirma sobre a responsabilidade: Com essa espiritualidade inconsciente no ser humano, que qualificamos como inteiramente ciente onde so tomadas as grandes decises existencialmente autnticas; a partir disso deduzimos, nem mais, nem menos, que alm da conscincia da responsabilidade, ou a responsabilidade consciente, deve existir algo como uma responsabilidade inconsciente. (FRANKL, 2010.p. 57) Refletindo ento sobre a importncia da conscincia e da responsabilidade consciente que se pode notar que o homem chamado desde sua parte mais profunda a sempre mais ser protagonista de sua existncia. Gera assim, por meio da responsabilidade um ser que se relaciona com liberdade, e chamado a tornar-se significativo, no tanto pela parte centrada em si, mas na medida em que se lana ao altrusmo, percebendo-se til e agente ativo no mundo por meio de suas caractersticas subjetivas e no mera massa em meio a uma multido de pessoas, respeitando assim sua singularidade e a dos demais. Fazendo referncia ao termo Deus ou o termo Transcendente muito utilizado pelo autor, e entendido como a capacidade humana de transcender, ir alm e perceber que h um Outro a quem se busca compreender e responder, com liberdade e responsabilidade. 39. 38 A compreenso de Frankl sobre o transcendente vem diretamente influenciada pela concepo da fenomenologia e reduo transcendental de Husserl16 que transcender era compreendido como a capacidade de entender o mundo na sua transparncia, isto significa conhecer o sujeito como situado no seu nvel de intencionalidade notica e de seus correlatos noemticos,17 para isto se pressupem a certeza do mundo e pela reduo fenomenolgica, o mundo visto como correlatos da conscincia. Estes correlatos so entendidos como vivncia objetiva, como objeto significativo, diante do qual o homem v suas aes conscientes, com intencionalidade, com seu elemento real da vivncia subjetiva. Sendo assim, a relao que se estabelece com o objeto no meramente como relao externa independente, mas visto como dois plos que entre si so correlativos da relao intencional da conscincia. Para Frankl, para a Fenomenologia e consequentemente para a Logoterapia, o ego transcendental, o sentido, compreendido como uma potencialidade oculta em cada situao e que deve ser descoberta pela conscincia. Esta necessidade independe de outras necessidades, pois est presente em todas as situaes. O significado da vida muda constantemente em qualquer circunstncia, por dados que mudam no decorrer da vida das pessoas este significado pode ser apresentado em trs vias: praticando uma ao ou criando uma obra (uma causa); lendo a experincia de algo ou algum alm de si mesmo, experimentando outra pessoa em sua singularidade (uma pessoa); e uma experincia dolorosa (uma situao). A vida continua a ser significativa sob quaisquer condies ou circunstncias. Frankl afirmando e reconhecendo o inconsciente espiritual, descarta de certa forma um homem pensado simplesmente no mbito da racionalizao e intelectualidade, buscando assim respeitar a sua essncia, o mesmo no se pode 16 Edmund Gustav Albrecht Husserl (Pronitz, 8 de Abril de 1859 Friburgo, 26 de Abril de 1938) foi um matemtico e filsofo alemo, conhecido como o fundador da Fenomenologia. Disponvel em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Edmund_Husserl#Biografia.Aceso em 15/08/12. 17 Nomtico vem de Noema: Uma frase, estria, raciocnio ou histria que serve para fazer entender algo diferente do que dito. O emprego de um noema feito quando no encontramos palavras para explicar a coisa de que temos uma ideia. uma tentativa (muitas vezes falha) de aproximao do entendimento de quem ouve da ideia de quem fala. O conto do pintassilgo ou alegoria da caverna de Plato para fazer entender que a realidade pode no ser tal, como a que nos dada. Disponvel em: http://www.dicionarioinformal. com. br / noema /. Acesso 15/08/2012. 40. 39 ser pensado exclusivamente por sua racionalizao ou por meio de teorias prticas, mas buscar compreend-lo como um ser em sua totalidade. Esta totalidade compreendida como a presena de Deus que o lana a um anseio interno de perceber-se alm das expectativas meramente humanas, pois em certos momentos de sua vida, deve compreender que de certa forma veio ao mundo sozinho e parte deste sozinho, mas a sua vida carrega em si um valor inestimvel e nico, um sentido do qual vale a pena passar da melhor forma pela existncia humana, e que pode dar de si muito mais que receber deste mundo algo que o faa sentir-se realizado em sua essncia de ser mesmo diante das desiluses existentes. 2.2 O homem espiritual, dimenso notica segundo Frankl O que difere o homem dos outros animais a sua dimenso notica, entendida esta por Frankl, como um estado noodinmico, ou seja, um estado de tenso entre o que o ser humano e o que deveria ser, a sua capacidade de projetar-se ao futuro, perceber que as situaes da vida permanecem somente por um perodo e assim com esperana projetar-se a um futuro mais prspero. A dimenso notica parte essencial da existncia humana, sendo esta chamada pelo autor tambm de dimenso espiritual, assim propriamente dito a existncia humana espiritual. Esta dimenso considerada superior s demais. A Logoterapia chama dimenso notica a capacidade humana de autodistanciamento e de auto- transcendncia. Nesta dimenso, o autor apresenta como possibilidade da espiritualidade se manifestar no inconsciente, reconhecendo que a pessoa profunda, ou espiritual- existencial sempre inconsciente. Referindo-se a isto, o autor no busca afirmar que a espiritualidade facultativa ou obrigatria, porm latente. O que ele busca afirmar que a dimenso espiritual fundamentalmente inconsciente, por estar presente mesmo quando o ser humano no se dispe, porm homem algum pode e consegue afirmar com subsdios racionais que est plenamente no controle de sua vida, do universo, e que no h uma fora geradora de vida, algo ou algum de onde partiu tudo o que temos ao nosso redor, mesmo que alguns a identifique com outra denominao, cosmo, deuses, enfim o ser 41. 40 humano nunca sabe em sua totalidade o que chamado a ser em sua plenitude. Ele afirma: [...] a pessoa profunda, a saber, a pessoa profunda espiritual, aquela e somente ela que merece ser chamada assim, no verdadeiro sentido da palavra, irreflexvel por ser passvel de reflexo e, neste sentido, pode ser chamada tambm de inconsciente. Desta forma, enquanto a pessoa espiritual pode, basicamente, ser tanto consciente quanto inconsciente, podemos dizer que a pessoa profunda espiritual obrigatoriamente inconsciente, no apenas facultativamente. Em outras palavras, na sua profundeza, no fundo, o espiritual necessrio por ser essencialmente inconsciente. (FRANKL, 2010, p. 27) Esta dimenso espiritual, chamada pelo autor tambm de dimenso notica, identificada pela vivncia da liberdade e da responsabilidade e caracterizada pela capacidade humana de responder pela liberdade de como o ser humano venha a atuar no momento que responde s situaes ou se posiciona diante das diferentes circunstncias presentes de sua existncia. Esta liberdade afirmada pelo Frankl pressupe uma liberdade para efetivar seu posicionamento no mundo, e este manifesta a irrepetibilidade e carter de algo nico constituinte de cada ser humano. Abordar este tema como existncia humana na sua dimenso espiritual, afirmar, com o autor, que o ser humano um ser responsvel e deve ser consciente de sua responsabilidade, e na medida que busca responder a esta fora que o move entra em relao com o transcendente e acredita responder a sua vida de uma forma mais total, ainda que sempre limitada. Sobre a liberdade Frankl afirma: A experincia da vida no campo de concentrao mostrou-nos que a pessoa pode muito bem agir fora dos esquemas. H suficientes exemplos, muitos deles hericos, que demonstraram ser possvel superar a apatia e reprimir a irritao; e que continua existindo, portanto, um resqucio de liberdade do esprito humano, de atitude livre do eu frente ao meio ambiente, mesmo nessa situao de coao aparentemente absoluta, tanto exterior como interior [...] No campo de concentrao se pode privar a pessoa de tudo, menos da liberdade ltima de assumir uma atitude alternativa frente s condies dadas. E havia alternativa! A cada dia, a cada hora no campo de concentrao, havia milhares de oportunidades de concretizar essa deciso interior, uma deciso da pessoa contra ou favor da sujeio aos poderes do ambiente que ameaavam priv-la daquilo que sua caracterstica mais intrnseca- sua liberdade- e que a induzem, com a renncia liberdade e dignidade, a virar mero joguete e objeto das condies externas, deixando-se por eles cunhar um prisioneiro tpico do campo de concentrao. (FRANKL, 2011, p. 88) O ser humano, visto que est sempre exposto a estmulos e determinaes de diversas formas no mbito externo, requer uma responsabilidade de maneira sempre mais ativa, criativa e prpria de forma a expressar o seu jeito de ser, a forma 42. 41 particular e nica de cada indivduo, pois esta forma de responder que lhe dar suporte frente aos variados estmulos, leva-o a perceber-se responsvel frente situao. Fazendo referncia a esta resposta livre e responsvel, Viktor Frankl cita diferentes maneiras de enfrentar a mesma circunstncia, pois na sua experincia no campo de concentrao, entre seus companheiros havia uns que pelo desespero frente presso nazista se jogavam nas cercas eltricas tirando assim a vida de forma voluntria e outros que sofriam, tinham duras penas mas resistiam, pois tinham a esperana de que algo os esperava ao sair dali: uma pessoa a amar, uma obra a realizar, um Deus a quem servir. Nesta liberdade de resposta, aqueles prisioneiros colocavam-se diante das situaes conferindo sempre a elas um sentido, um motivo ou razo pela qual valesse a pena superar e continuar vivos. A parte mais saudvel existente no ser humano identificada como espiritual ou transcendente e esta no determinada, mas sim determinante da pessoa frente a sua responsabilidade de responder com liberdade e conscincia as diversas situaes da vida, sendo que esta responsabilidade e a liberdade no so consideradas somente frente a grandes situaes e decises da vida mas sim, frente a todas as situaes do cotidiano, encontrando assim um sentido na vida humana, um motivo o qual vale a pena empreender todas as energias. Aps darmos alguns enfoques necessrios sobre a dimenso notica do homem, abordaremos a questo da autotranscendncia, algo de grande importncia na teoria da Logoterapia e de diferencial notrio e consequentemente para o encontro com Deus no inconsciente. 2.2.1 Autotranscendncia Como j afirmamos, o que diferencia determinadamente a Logoterapia das demais teorias o reconhecimento da possibilidade humana de transcender e de distanciar-se de uma forma meramente cientfica e emprica de seu tempo, que considerava o homem meramente no mbito do poder e do prazer e se deixava de lado o espiritual, o que a Logoterapia veio considerar com grande estima. Foi por este motivo que Frankl se distanciou tanto de Freud quanto de Adler. 43. 42 O autor reconhece que a vida humana constantemente envolvida por experincias de transcendncia, devido a fatos simples do cotidiano, nas realidades que fogem de seu conhecimento cognitivo. Pois mesmo que se amplie a nvel emprico as coisas, no se esgota o todo dos objetos e das coisas existentes. Por este motivo o ser humano envolto muitas vezes percebendo-se encantado com a beleza que o cerca, o gerar de uma nova vida no seio materno, o maravilhar-se por uma flor a desabrochar no jardim com tanta vivacidade, os sentimentos mais sinceros e duradouros por pessoas que nos so queridas, como em situaes de sofrimento, onde se percebe a fora da vida que no se deixa suprimir. O homem tem a capacidade para ir alm de si mesmo, para algum ou alguma coisa fora de si, que o lana esperana. Como afirmamos na dimenso notica citado anteriormente, existe no ser humano uma tenso entre o ser e o que deveria ser; este conflito compreendido como algo que no pode vir diretamente do ser humano se no tivesse a transcendncia este Algo mais que o leva a projetar-se, a desejar ser sempre mais, perceber-se limitado porm com possibilidade de superar-se e acreditar em suas capacidades e desenvolv-las no mximo de suas possibilidades em busca de sua realizao, de crena num mundo mais prspero e do sentido da vida Frankl define a religio: a conscincia que o homem tem de sua dimenso sobre-humana, e nesta dimenso se apoia a f bsica no sentido ltimo da vida. O fato de se ver como um ser no mundo, mas com lastros alm, no infinito, faz de ns pessoas cheias de esperana na vida. (GOMES 1987 p. 55.) H neste ente que de certa forma busca ser responsvel, a necessidade de responder transcendncia, usando de sua liberdade, conscincia e capacidade de conhecimento, estabelecendo relao com Deus, sendo que a prpria Transcendncia que o provoca a sair de si. Para a Logoterapia a pessoa no prioridade para si, mas medida que se doa por uma causa ou algum se autorrealiza, a leva a sair de si e projetar-se em algo que a leva a perceber-se participante ativa no meio em que se encontra. Todo sentimento humano busca uma relao com um outro. A Logoterapia tenta induzir o individuo a uma escolha responsvel e livre para uma relao de um EU com um TU. Este tu entendido como transcendncia. Este Tu no percebido pelos sentidos, mas sim experienciado, e esta experincia nunca se d por completa 44. 43 e encerrada imanentemente, dado que este Tu um ser Absoluto, e o eu humano limitado nas suas condies prprias. O Absoluto procurado pelo homem considerado como um anseio inerente ao homem, e isto reconhecido como a Presena ignorada de Deus, uma f inconsciente. Esta capacidade humana considerada como caracterstica ontolgica. A auto-transcendncia assinala o fato antropolgico fundamental de que a existncia do homem sempre se refere a alguma coisa que no ela mesma - a algo ou a algum, isto , a um objetivo a ser alcanado ou existncia de outra pessoa que ele encontre. Na verdade, o homem s se torna homem e s completamente ele mesmo quando fica absorvido pela dedicao a uma tarefa, quando se esquece de si mesmo no servio a uma causa, ou no amor a outra pessoa. como o olho, que s pode cumprir sua funo de ver o mundo enquanto no v a si prprio (FRANKL, 1991, p. 18). Compreende-se assim que esta dimenso humana presente no ser humano o que de certa forma o desafia e impulsiona superao de seus limites e ao desenvolvimento de suas potencialidades, buscando responder s questes impostas pela prpria vida, dado que para Frankl no o homem que se indaga sobre a vida; a prpria vida que pede respostas ao homem, e realizando suas atividades, se que podemos afirmar como mera atividade, dado a singularidade de cada ser humano, tornando-se assim significativa a sua vida e compreendendo-se como realizada em seu sentido profundo. 2.2.2 O Inconsciente Transcendente e a Conscincia Viktor Frankl se refere ao inconsciente espiritual, sua compreenso que a dimenso notica tambm inconsciente, e manifesta atravs da intuio. Esta intuio entendida como a voz da conscincia, algo que no vem de si prprio, a conscincia identificado por Frankl como a presena de Deus. entendida ento como algo de transcendente, algo que venha de certa forma orient-lo, como uma autoridade que o leva, e o incita ao dever ser; que de certa forma o orienta de forma mais eficaz o seu querer, a sua busca de sentido e sua realizao; faz compreender o seu ser responsvel e assim a buscar responder esta voz que o motiva a algo a mais, que o leva a uma deciso, a um eu ativo e decisivo. O ser humano pode assim ser verdadeiramente ele prprio tambm nos seus aspectos inconscientes. Por outro lado, ele verdadeiramente ele 45. 44 prprio somente quando no impulsionado, mas responsvel. O ser humano propriamente dito comea onde deixa de ser impelido e cessa quando cessa de ser responsvel. O ser humano propriamente dito manifesta-se onde no houver um id a impulsion-lo, mas onde houver um eu que decide. (FRANKL, 2010, p. 21) Como j citamos anteriormente, o relacionamento com o Tu transcendente pode estar oculto, inconsciente; mas como se refere a uma possibilidade humana todo homem instigado a relacionar-se com este Transcendente e poder intensificar a sua relao com o mesmo, na medida em que o busca, e se dedica atravs da f nesta experincia com Deus. A conscincia entendida como algo distinto de mim, considerada como a voz da Transcendncia, pois algo que no vem do prprio ser humano; tem carter transcendente que nos leva a compreender o ser humano e sua personalidade num sentido mais profundo, e que diferencia de forma determinante dos demais animais. A pessoa humana atravs de sua conscincia adquire um novo significado, uma instancia extra-humana, pela sua origem e seu vnculo transcendente. Esta instancia extra-humana deve no entanto ser de carter pessoal, ontolgico, leva a imagem fiel da pessoa. A conscincia s pode ser entendida em seu sentido pleno quando a concebermos luz de uma origem transcendente. (FRANKL, 2010, p. 50.) A conscincia no poder ser compreendida em sua totalidade como ontolgica do ser humano. Sobre a conscincia Frankl ainda afirma: A conscincia s ser inteligvel a partir de uma regio extra-humana. Na verdade, em ltima instncia, somente ser compreensvel se entendermos o ser humano na sua condio de criatura, para que possamos dizer: como senhor da minha vontade sou criador, como servo da minha conscincia, porm, sou criatura. Em outras palavras, para explicar a condio humana de ser livre suficiente basear-nos na sua existencialidade; porm, para explicar a condio humana de ser responsvel, precisamos recorrer transcendentalidade de ter conscincia. (FRANKL, 2010, p. 50) Sendo a conscincia a voz da Transcendncia e por isso ela mesma transcendente, o ser humano que se diz irreligioso ignora essa transcendncia da conscincia, no tenha que este no tem conscincia e responsabilidade diante dela, porm no questiona pelo que responsvel nem de onde provm a sua conscincia, no vai alm; este aceita a conscincia como facticidade psicolgica, como meramente imanente. A pessoa religiosa assume o risco de perguntar alm. A responsabilidade de ignorar esta presena transcendente da conscincia uma possibilidade bsica da pessoa. Sobre isto Frankl (2010, p. 57) afirma. 46. 45 Com efeito, justamente a pessoa religiosa deveria saber que a liberdade para tal deciso (ignorar a transcendncia da conscincia) uma liberdade desejada e criada por Deus; a pessoa a tal ponto livre, feita livre por seu Criador, que essa liberdade uma liberdade at para o no, que vai to longe que a criatura tambm pode se decidir contra seu prprio Criador, que pode inclusive renegar Deus. O ser humano chamado a ser responsvel e para ser responsvel precisa ser para algum, ou algo fora de si, pois para si prprio no pode responsabilizar-se, pois no se pode ter um imperativo categrico autnomo, pois ele s ser vlido exclusivamente pela transcendncia e no pela imanncia; se o id impulsionado, o eu fundamentalmente responsvel, ou seja, para: [...] ser livre pouco, ou nada, se no houver um para qu. Porm, ser responsvel tambm no tudo, se no soubermos perante que somos responsveis. Por conseguinte, da mesma forma que no podemos derivar do querer o dever, j que, recordando as belas palavras de Goehte, todo querer apenas um querer, precisamente porque deveramos faz-lo, ou seja, todo ato da vontade pressupe uma noo do que se deve fazer. (FRANKL, 2010, p. 54) De uma pessoa livre exige-se que faa escolhas, que se