A Precarização e Flexibilização Nas Relações de Trabalho

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Precarização e Flexibilização nas Relações de Trabalho 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho presta-se a elaborar considerações a cerca do fenômeno da flexibilização das relações do trabalho. Desta feita, vislumbramos uma conjuntura de cunho histórico que traz em suas bases a imposição de modelos estruturais às relações de trabalho que tendem a permitir a perpetuação do poder e da hegemonia do capital sobre o trabalho. Notamos que há uma ligeira medição de forças antagônicas entre o capital e trabalho, em que aquele, representado pelos patrões, procuram se sobrepor ao outro, ao trabalho, de representação assente na categoria dos trabalhadores. Percebemos que o fenômeno é uma realidade cada vez mais nítido no esboço da sociedade, dizemos até que há quem veja, de certo modo, um benefício trazido a algumas categorias de trabalhadores, como as mulheres, já que passaram de uma inibição a uma permissibilidade de exercício de atribuições que há tempos eram de monopólio masculino. Por outro lado, em face até mesmo do movimento de transformações insertos âmbito da sociedade, visto como um movimento pendular, em que ora se tem a hegemonia de algum fenômeno em detrimento de outro, é possível que ocorra uma alteração na estrutura do contrato individual de trabalho, e, por tal disposição, compete aos órgãos judiciários, sobretudo à Justiça do Trabalho, ser guardião da tutela dos direitos já injetados no rol dos conferidos aos sociais concernentes aos direitos trabalhistas. 2. BASES TÓRICAS DO DIREITO DO TRABALHO O Direito do Trabalho é constituído por duas palavras que se fizeram necessárias ao longo da história constitutiva da formação do homem – direito e trabalho. À primeira, dá-se inicialmente o sentido de conjunto de normas, diretrizes, modelos de comportamento segundo à acepção de determinado preceito, em face de uma sociedade e em determinada época. Dessa afirmativa decorre que o Direito é um fato histórico, conforme acentua Azevedo[1]. Todo Estado dispõe de ordenamento jurídico próprio, composto de normas nas quais se distinguem determinados valores protegidos pelo direito. Esses valores, ou bens jurídicos, contam com maior ou menor amparo perante as respectivas normas que os resguardam conforme a natureza e relevância que estas lhes emprestaram, no momento em que editadas e em face do ambiente social para o qual se destinaram; e como o substrato social se encontra em continuada alteração, também aquelas vão conhecendo periódicas mudanças, de acordo com a época e conveniência de sua manutenção, ou não. Desse modo, para compreenderem-se as transformações ocorridas no Direito, é imprescindível também que se conheçam as razões históricas que viabilizaram as transformações no seio da sociedade, em conformidade com o corolário ubi societas ibi jus. E é particularmente essa idéia que nos faz compreender a possibilidade de em algum momento da vida em sociedade determinado ato tido como crime deixar de sê-lo,

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Relações de Trabalho Precarizadas e Flexibilizadas

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Precarização e Flexibilização nas Relações de Trabalho 1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho presta-se a elaborar considerações a cerca do fenômeno da flexibilização das relações do trabalho. Desta feita, vislumbramos uma conjuntura de cunho histórico que traz em suas bases a imposição de modelos estruturais às relações de trabalho que tendem a permitir a perpetuação do poder e da hegemonia do capital sobre o trabalho.

Notamos que há uma ligeira medição de forças antagônicas entre o capital e trabalho, em que aquele, representado pelos patrões, procuram se sobrepor ao outro, ao trabalho, de representação assente na categoria dos trabalhadores.

Percebemos que o fenômeno é uma realidade cada vez mais nítido no esboço da sociedade, dizemos até que há quem veja, de certo modo, um benefício trazido a algumas categorias de trabalhadores, como as mulheres, já que passaram de uma inibição a uma permissibilidade de exercício de atribuições que há tempos eram de monopólio masculino.

Por outro lado, em face até mesmo do movimento de transformações insertos âmbito da sociedade, visto como um movimento pendular, em que ora se tem a hegemonia de algum fenômeno em detrimento de outro, é possível que ocorra uma alteração na estrutura do contrato individual de trabalho, e, por tal disposição, compete aos órgãos judiciários, sobretudo à Justiça do Trabalho, ser guardião da tutela dos direitos já injetados no rol dos conferidos aos sociais concernentes aos direitos trabalhistas.

2. BASES TÓRICAS DO DIREITO DO TRABALHO O Direito do Trabalho é constituído por duas palavras que se fizeram necessárias

ao longo da história constitutiva da formação do homem – direito e trabalho. À primeira, dá-se inicialmente o sentido de conjunto de normas, diretrizes, modelos de comportamento segundo à acepção de determinado preceito, em face de uma sociedade e em determinada época. Dessa afirmativa decorre que o Direito é um fato histórico, conforme acentua Azevedo[1].

Todo Estado dispõe de ordenamento jurídico próprio, composto de normas nas

quais se distinguem determinados valores protegidos pelo direito. Esses valores, ou bens jurídicos, contam com maior ou menor amparo perante as respectivas normas que os resguardam conforme a natureza e relevância que estas lhes emprestaram, no momento em que editadas e em face do ambiente social para o qual se destinaram; e como o substrato social se encontra em continuada alteração, também aquelas vão conhecendo periódicas mudanças, de acordo com a época e conveniência de sua manutenção, ou não.

Desse modo, para compreenderem-se as transformações ocorridas no Direito, é imprescindível também que se conheçam as razões históricas que viabilizaram as transformações no seio da sociedade, em conformidade com o corolário ubi societas ibi jus. E é particularmente essa idéia que nos faz compreender a possibilidade de em algum momento da vida em sociedade determinado ato tido como crime deixar de sê-lo,

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isso porque a própria sociedade assim o quer que seja, ou vice versa, isto é, algum ato humano venha a se constituir em um ato ilícito de natureza criminal:

Assim, conforme as exigências de ordem política, econômica ou cultural, um ato

antijurídico, que estava a merecer apenas uma repressão de caráter civil, é colocado pelo legislador sob outro prisma de valores, e a necessidade de proteger a ordem jurídica provoca, então, uma sanção mais rigorosa para a hipótese; ou ocorre o inverso, e o ato, embora continue sendo reconhecido como ilícito, deixa de sofrer aquela pena, passando a ser coibido ou condicionado a outros meios igualmente válidos para o restabelecimento do direito atingido[2].

Então, cremos que conceber o Direito mediante a pressuposição da sociedade

permite-nos compreender sua origem, principalmente se visualizarmos e se levarmos em consideração a sua gênese em face das várias teorias ou escolas jurídicas, como a escola jusnaturalista – para a qual o direito “é um conjunto de idéias ou princípios superiores, eternos, uniformes, permanentes, imutáveis, outorgados ao homem pela divindade, quando da criação, a fim de traçar-lhe o caminho a seguir e ditar-lhe a conduta mantida”; a escola teológica – segundo a qual o direito tem sua origem advinda diretamente de Deus, “já que as primeiras leis não teriam sido simplesmente inspiradas por Deus, mas escritas e outorgadas por Ele; a escola racionalista ou contratual – cuja acepção dada ao direito merece uma dupla causa para sua origem, uma buscada no direito natural (advinda da racionalidade do homem) e outra no direito positivo; a escola histórica do direito aponta que a razão de origem do direito se explicaria pela própria transformação histórica ocorrida em sede do próprio homem, isto é, “para ela, o Direito era um produto histórico, decorrente, não da divindade ou razão, mas sim da consciência coletiva dos povos, formado gradativa e paulatinamente pelas tradições e costumes”; a escola sociológica do direito assegura os fatos sociais como fundamentos de existência do Direito; e, finalmente (mas não exatamente nessa ordem) a escola marxista, para a qual, o Direito é explicado por meio de uma relação de poder. Não obstante as controvérsias existentes, sabe-se que cada uma dessas escolas tentou explicar a origem do Direito sob o olhar próprio de sua época. [3]

Dessa idéia, pode-se chegar à conclusão de que a própria sociedade por vezes se

confunde com a idéia de Estado, já que esse tem, em tese, por conseqüência, a aceitação das aspirações daquela, o que nos faz chegar ao pensamento de Marx, de que o Direito é determinado pelo Estado, consoante acentua Cavalieri Filho [4]:.

Para a teoria marxista, o Direito pressupõe o Estado. Surge somente quando há

uma sociedade – política, jurídica e economicamente organizada, com uma fonte emanadora do preceito jurídico e um órgão capaz de impor o cumprimento de suas prescrições. Isso significa que o Direito apenas sanciona uma relação já existente, aplicando uma regra a uma situação preexistente, regra essa única, que incide sobre diferentes pessoas, ainda que sejam em tudo desiguais. Fixa o Direito, acima de tudo, as relações econômicas que predominam em uma sociedade em certo momento histórico, razão pela qual Marx o considerava a expressão do interesse da classe dominante, instrumento ideológico de dominação da burguesia sobre o proletariado.

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No que diz respeito à outra palavra – trabalho – a qual tem sua origem no latim tripalium, o qual era um tipo de instrumento empregado para torturar; ou, ainda, uma canga que sobrepunha nos animais – faz de igual modo parte da constituição da nomenclatura do Direito do Trabalho, e passou também por concepções históricas distintas, de um sentido ora pejorativo a um senso ora significativo, valorativo, hodiernamente, conforme aponta Nascimento[5]:

Seria incompleto o conceito cujo método de abordagem estamos procurando

mostrar sem a verificação do conceito de trabalho – e não de direito do trabalho –, tema de filosofia do trabalho cujas raízes primeiras estão no pensamento da Antigüidade e da Idade Média – do trabalho como um castigo dos deuses –, no Renascimento – com as idéias de valorização do trabalho como manifestação da cultura –, e, mais recentemente, nos preceitos constitucionais modernos – do trabalho como direito, como dever, direito-dever ou, ainda, como valor fundante das sociedades políticas.

É dessa dialética existente entre Estado, Direito, trabalho, sujeitos (sociedade),

que surgem as razões de um Direito do Trabalho, consubstanciado na problemática advinda das chamadas relações de trabalho. Essas configuradas na tópica de que há um sujeito que manda, de um lado, e outro que obedece, do outro; o que demonstra haver uma relação de poder, vislumbrada, sobretudo, no contrato de trabalho, percebida na autonomia da vontade (ambígua) como força motriz que rege a liberdade de contratar, isto é: “a liberdade individual de contratar revela, nas relações de trabalho, um excessivo desequilíbrio entre as partes, em face do predomínio do mais forte sobre o mais fraco” (ARAÚJO, 2003, 29)[6].

Isso porque, convém assinalar, as lutas travadas com a Revolução Francesa em

busca de uma liberdade total de grupos sociais em face do Estado não proporcionaram de início um direito que percebesse que na relação entre os sujeitos há um que precisa ter um ponto de equilíbrio, um sustentáculo, um apoio para dar-lhe condições para reivindicar, na mesma proporção que o outro, direitos. Tendo em vista que o que se queria, naquele momento, era exatamente a retirada do Estado frente às decisões que envolvessem os particulares, e, neste caso, às relações de trabalho, o que consideravelmente acarretou num prejuízo àquele denominado de hipossuficiente.

Somente com a chamada Revolução Industrial, em que há um incremento na

produção de bens, com a descoberta da máquina a vapor, que as linhas gerais do direito do trabalho começam a fluir, trazendo assim o seu mais precioso fundamento – o princípio protetor do trabalhador. Não se quer dizer, com isso, que essa revolução tinha por ideal esse princípio, mas que, exatamente pelo antagonismo existente entre capital e (exploração de) trabalho (e sociedade), à conservação e preservação do poder que detinham os empregadores (grandes industriais, sobretudo), precisaram dar uma resposta favorável àqueles que poderiam se insurgir contra esse poder então instituído. 2. NORMAS DE CONTEÚDO LIBERAL

É com a Escola Liberal, representada por Adam Smith (1723-1790), que surge o conceito de normas que traziam uma conjetura liberal, assente na idéia de que via o

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“trabalho como a atividade humana aplicada á produção, medida e fundamento do valor”[7]. O que explicaria um vínculo de subordinação do empregado ao empregador, homem ao capital, como mecanismo normal determinado mercado, isto é, pelo que se convencionou a chamar de lei da oferta e da procura, conforme registra Nascimento (2006, 21). 3. PRINCÍPIO OU CARÁTER PROTECIONISTA COMO FUNDAMENTO DO DIREITO DO TRABALHO

A digressão histórica até aqui empreendida revela que a sociedade (para uns o próprio Estado) por muito não se preocupou com os acontecimentos decorrentes das relações de trabalho. O contrato, nesse prisma, era a própria lei em vigor, devendo prevalecer o que ali fosse estipulado. Essa particularidade gerou graves crises no plano econômico, tendo em vista que em se tratando de haver-se uma grande inserção de novos equipamentos de trabalho, haja vista a era das grandes descobertas cientificas, foram construídas máquinas cada vez mais potentes, e isso demandava maiores esforços por parte dos trabalhadores, com fins à produção cada vez mais em escala desproporcional às suas forças físicas. É nesse quadro que nasce a noção de direito de proteção ao trabalhador, este visto como parte mais frágil da relação de trabalho – o hipossuficiente. Mas não é tão-somente uma simples noção, trata-se de um princípio, aquele que vem fundamentar o novo ramo do Direito – o princípio de proteção, sobre o qual declara Araújo (2003, 182)[8]:

O Princípio da Proteção ao Trabalhador é o mais importante dos princípios do

Direito do Trabalho. Configura-se em um postulado universal de natureza trabalhista, posto que orientou a criação desse ramo jurídico em todos os países democráticos. Parte do pressuposto de que as partes celebrantes do contrato de trabalho acham-se em posição de desigualdade jurídica, haja vista que são diferentes economicamente, fazendo-se necessário criar normas capazes de mitigar esse desequilíbrio.

Estranhamente, e até de forma antagônica, os objetivos traçados pela Revolução

Francesa em busca de uma igualdade vista a partir da liberdade do indivíduo gerou uma desigualdade desse mesmo indivíduo em sociedade. E isso deu o norte para que surgisse o Direito do Trabalho com assento no princípio de proteção ao trabalhador. Esse princípio confere a esse ramo do direito o diferencial em relação aos demais.

Enquanto o Direito Civil considera os sujeitos como sendo portadores dos

mesmos direitos e deveres, em face de sua posição de igualdade jurídica, sendo essa característica um dado central do contratualismo civil, o fundamento do contrato de trabalho é diferente. Os indivíduos que vão manter uma relação de emprego encontram-se em situações diferentes um em face do outro[9].

De forma que o princípio protetor confere ao Direito do Trabalho o status de

guardião dos direitos do homem trabalhador, e por extensão, da própria sociedade, ou seja, “os preceitos de ordem pública que integram o Direito do Trabalho protegem não

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apenas o trabalhador isoladamente considerado, mas também toda a sociedade” (ARAÚJO, 2003, 183). 4. A PROTEÇÃO AO CONTRATO DE TRABALHO COMO ESCOPO DO DIREITO DO TRABALHO

O contrato de trabalho do Séc. XIX, esculpido nas idéias do pensamento individualista, não trazia normas que vislumbrassem preocupação com o trabalhador, já que:

A relação de trabalho repousava no livre acordo de vontades, em decorrência do qual o trabalhador se obrigava a prestar um serviço pessoal, a conduzir uma pessoa ou uma coisa, ou a construir uma obra para o arrendatário, mediante um salário, preço ou retribuição. Essa perspectiva denota que o trabalho humano não era considerado como um elemento fundamental para a sociedade e para o crescimento do Estado[10].

Mas o mundo está em constante movimento, e com ele tanto os homens em

sociedade quanto os próprios mecanismos de significados que recebem as relações intersubjetivas também passam por mudanças estruturais. Eis que o contrato de trabalho recebe do Direito do Trabalho uma nova roupagem, haja vista as novas aspirações sociais, e nesse conxtexto “são criadas leis dotadas de caráter de ordem pública, limitando a liberdade contratual e procurando proteger o hipossuficiente contra os abusos dos poderosos economicamente” (ARAÚJO, 2003, 41).

A nova ordem trouxe um espírito da proteção ao trabalhador quando da

realização do contrato de trabalho, o que acarretou em uma legislação trabalhista profundamente consistente de normas protetoras, amparadas, sobretudo na idéia principiológica da dignidade da pessoa humana.

A Constituição brasileira de 1988, por exemplo, elencou uma série de direitos

sociais previstos no Art. 7º[11], e dentre esses normas trabalhistas tanto de ordem organizacional quanto de cunho protetor, como auto-organização sindical e autonomia de administração do sindicato; incentivo à negociação coletiva; ampliação do direito de greve; generalização do regime do FGTS; aumento de 1/3 da remuneração de férias; ampliação da licença maternidade para 120 dias; criação da licença paternidade; inclusão de três estabilidades especiais: das empregadas gestantes, dos dirigentes sindicais e dos dirigentes da CIPA; equiparação constitucional dos trabalhadores urbanos e rurais; concessão de vários direitos trabalhistas aos domésticos, encontrados no parágrafo único.

Convém assinalar, outrossim, que a idéia de livre vontade, de autonomia da

vontade no contrato de trabalho seria mero discurso daqueles que detêm o poder de contratar, como contratante, ora, caso tais normas protetoras não houvesse dispostas na conjuntura do Direito do Trabalho. Em outras palavras, é a lei trabalhista que permite que a autonomia da vontade seja respeitada, quando se trata de abordá-la sob o ponto de vista do espaço ocupado pelo trabalhador na relação contratual. Ao revés, estar-se-iam ainda sob a égide de normas esculpidas do predomínio diretivo do século XIX:

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(...) nem mesmo se ocorresse a hipótese de ser conferido ao empregado um salário de ínfimo valor, insuficiente para assegurar as mais elementares necessidades de sua existência, poderia ser alegado um vício de consentimento. Ademais, o empregador não estava obrigado a respeitar, em benefício dos empregados, vítimas de acidentes, ou por fatos ocorridos no serviço que fossem prejudiciais à sua saúde, resultantes de negligência ou imprudência do patrão ou de seus representantes[12].

Diferentemente, no entanto, hoje o contrato de trabalho ganhou novos contornos

em face da esparsa legislação que rege as relações contratuais trabalhistas favorável aos empregados. Se dantes o que se evidenciava era a execução do trabalho diante da tão almejada produção, de forma a desconsiderar a pessoa do trabalhador, hoje esse mesmo trabalhador ganha o aspecto de autor principal dessa relação, pois, consoante se depreende da leitura do Art. 7º, da CF/88, os fins do trabalho são os de obtenção à melhoria do trabalhador, portanto, toda regra contida no contrato individual de trabalho terá que buscar esse fim, sob pena de ferir tal dispositivo constitucional. 5. A NOVA PROBLEMÁTICA DAS RELAÇÕES DE TRABALHO: DESREGULAMENTAÇÃO; PRECARIZAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO

Historicamente, o homem parece viver em um movimento pendular, em que em certa época há a predominância de uma estrutura modelar de vida – como nas várias acepções dadas ao modelo econômico de mercado; à Literatura; ao Direito – de forma a ser possível visualizar a hegemonia de um modelo em detrimento de outro. Dessa idéia perpassam os conceitos de liberalismo, Estado liberal, intervencionismo, Estado Social, Estado de Direito, neoliberalismo. Cada um desses movimentos teve, ou tem ou está tendo, ou ainda terá a sua época no seio da sociedade. Uma das formas de perceber-se essa rotineira alteração no modus vivendi do homem diz-se quanto à visualização das forças antagônicas havidas entre capital e trabalho.

Atualmente, encontra-se em discussão nas salas de aula das Faculdades de

Direito a noção de flexibilização das relações do trabalho. Esse conceito, conforme asseguram os estudiosos e os especialistas, é trazido das novas nuanças do liberalismo, hoje com nova roupagem, agora denominado de neoliberalismo, o qual “tenta impor a subordinação dos interesses humanos em face do capital, elevado à categoria de valor supremo da vida dos povos” (ARAÚJO, 2003, 122).

Podemos ver o fenômeno da flexibilização sob dois pontos de vista: um sob o

olhar dos que são contrários, um outro dos que são a favor. Esses já denotam uma ascendente flexibilização das relações do trabalho. E não é difícil de ser visualizada tal assertiva, pois há movimentos sociais que tendem a impor esse feito, como o movimento feminista, que lutou por uma igualdade de direitos entre homens e mulheres. Dessas lutas advêm as possibilidades de as mulheres poderem trabalhar em empregos que até pouco tempo era tido como de exclusividade predomínio masculino, como motorista de caminhão, ônibus, até mesmo em caldeiras de usinas siderúrgicas; enfim, em trabalhos insalubres e periculosos. O impedimento de a mulher trabalhar nesses tipos de emprego era consubstanciado numa norma de proteção à mulher, que mais tarde se viu que de certa forma a tirava do mercado de trabalho.

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Por outro lado, aqueles que se dizem contrários à flexibilização expõem que esse modelo de trabalho tende a promover uma desregulamentação do próprio contrato de trabalho, em que muitas normas de aspecto protecionista deixariam de existir, e assim os empresários, com vistas ao lucro a quaisquer custos facilmente podem impor suas próprias regras quando da propositura do contrato, já que a idéia de livre vontade passa a ter uma acepção unilateral, em que o patrão “dá as cartas” (aforismo popular), já que não haveria normas que regulamentassem a operacionalização da execução do trabalho.

Outro ponto que traz receio sobre a flexibilização diz-se quanto à precarização

havida na relação de trabalho, conseqüentemente à desregulamentação. Se o conceito de precarização está para o de tornar algo precário, prejudicado e fragilizado, também põe-nos em contato com o questionamento sobre o que será alvo da precarização.

De um lado, poder-se-ia cogitar da precarização da mão-de-obra, o que

acarretaria numa falta de especialização do empregado, o que traria prejuízos à empresa, em virtude de o trabalho final da execução do trabalho sairia mal-feito, portanto, prejudicado. Pensamos, todavia, tratar-se de ledo engano. Isso porque, em se confirmando o fenômeno ora tratado, seria possível ver uma mão-de-obra altamente qualificada realizando um trabalho com maior gasto de tempo, por um salário não compatível, e a realização do serviço ser de acordo com o esperado pelo empregador.

Deste modo, pensamos que para visualizarmos os efeitos ditos maléficos da

precarização das relações de trabalho, é imprescindível notar-se pelo ângulo do perdimento dos direitos já assegurados aos trabalhadores. Pois pensamos que o que faz com que exista uma idéia de livre vontade ou autonomia das vontades no contrato de trabalho é exatamente as normas que se por um lado compelem os empregadores a respeitarem os empregados, asseguram-lhes direitos. Assim sendo, o que se tornaria precário, fragilizado, nesse ínterim, seriam as normas de proteção ao trabalhador. Isso quando não ausentes por completo, como última cartada do neoliberalismo, o que aniquilaria toda a noção de livre vontade.

Finalmente, a última preocupação é a despeito do destino do próprio Direito do

Trabalho, “mais que isto: o Direito do Trabalho atual está em transformação ou em deformação?” (DALLEGRAVE NETO, 2003, 8), ante ao fenômeno da flexibilização e, de forma específica, qual o papel do Poder Judiciário do Trabalho diante desse novo quadro? No momento, não temos respostas, apenas percebemos o efeito do pêndulo sobre a nova conjuntura das instâncias da sociedade sobre a qual se diz haver um momento de passagem de uma realidade para outra, em que o capital parece estar mostrando sua força à desconstituição de direitos, conforme asseverado:

A propósito deste momento de transição, constatam-se propostas e exegeses

discrepantes: de um lado, chegando ao exagero de propor a alteração no caput do art. 7º da CF/88 para constatar que todos os direitos ali elencados poderão ser objeto de negociação coletiva via ACT ou CCT[13].

Não obstante os receios ora vigentes quanto à flexibilização, também cremos na

reação da classe trabalhadora, corroborada por pensamentos de homens que conseguem

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perceber a necessidade de proteger certos direitos já inseridos no âmago da sociedade, como medida protetora da própria sociedade:

Aqueles como o Min. Arnaldo Süssekind e Carlos Henrique Leite, que, ao

incluírem corretamente os direitos trabalhistas nas cláusulas pétreas, asseveram que os direitos relacionados no art. 7º do Estatuto Político não podem ser abolidos sequer por Emenda, o que dizer de fazê-lo mediante Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho. Importa lembrar que a categoria dos direitos sociais se constitui espécie do gênero direitos humanos e sob este prisma é que deve ser interpretada[14].

Conforme nos faz ver esse autor, importa proclamar a Justiça do Trabalho como

derradeiro refúgio dos direitos sociais concernentes aos do trabalho para que assim, consiga, com “seus juízes independentes, estáveis e imbuídos do princípio tutelar”[15], promovam uma verdadeira reação ao movimento o qual tem por acepção à Justiça o pensamento de que “há que ser extinta ou, ao menos, desaparelhada: ... quanto mais morosa melhor”.[16] Pois, assim fazendo estará promovendo não somente proteção à sua própria existência, mas sobretudo à própria sociedade, principalmente do lado que se mostra mais carente, a comunidade, essa berço da classe trabalhadora. 6. CONCLUSÃO Durante o procedimento de produção do presente trabalho trouxemos a lume uma questão que deveras se apresenta como uma das mais acirradas presentes no Direito do Trabalho, que é a questão da flexibilização das relações do trabalho. Para melhor delinearmos nosso pensamentos, preferimos escrever o presente texto em forma de título e subtítulos, conforme se tem: INTRODUÇÃO; BASES HISTÓRICAS DO DIREITO DO TRABALHO; NORMAS DE CONTEÚDO LIBERAL; PRINCÍPIO OU CARÁTER PROTECIONISTA COMO FUNDAMENTO DO DIREITO DO TRABALHO; A PROTEÇÃO AO CONTRATO DE TRABALHO COMO ESCOPO DO DIREITO DO TRABALHO; A NOVA PROBLEMÁTICA DAS RELAÇÕES DE TRABALHO: DESREGULAMENTAÇÃO; PRECARIZAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO. Ao longo da apresentação percebemos que há uma clara inserção do tema no que se dispõe a despeito do neoliberalismo, como movimento de perpetuação do poder político-econômico vigente. Aduz dizer, assim, há forças antagônicas que se superam, às vezes e parecem conviver de forma a suprir certas normas com fins a ora beneficiar, ora conceder direitos, mediante o travamento de lutas. Propusemos a falar que a sociedade, em face da dinâmica do movimento de transformações ocorridas em seu interior, está esposta às grandes decisões dos grupos econômicos, esses como representantes do capital.

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Finalmente, reconhecemos que à Justiça do Trabalho, enquanto que poder formalmente constituído da esfera judiciária, tem por objetivo a tutela de direitos em face do princípio protetor ao trabalhador, esse como hipossuficiente da relação de trabalho, por tais motivos, bem como por obtenção de garantias à sua própria existência significativa, deve permitir a inclusão de movimentos que tenham por propósito as lutas a favor da sociedade que clama, a mais e mais, por justiça social. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ARAÚJO, Eneida Melo Correia de. AS RELAÇÕES DE TRABALHO: Uma Perspectiva Democrática. São Paulo: LTr, 2003. 2. AUBIN, Gérad & BOUVERESSE, Jacques. Intoduction historique au droit du travail. Paris: Presses Universitaires de France, 1995, p. 104-105. Apud ARAÚJO, 2003, 40. 3. AZEVEDO, Luiz Carlos de. Introdução à História do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 4. CAVALIERI FILHO, Sérgio. PROGRAMA DE SOCIOLOGIA JURÍDICA. Rio de Janeiro. 5. DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Direito do Trabalho Contemporâneo: flexibilização e efetividade.: Forense, 2005. 6. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Saraiva, 2006. [1]AZEVEDO, Luiz Carlos de. Introdução à História do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. [2] Ibidem. [3]As citações deste período foram retirados do livro: CAVALIERI FILHO, Sérgio. PROGRAMA DE SOCIOLOGIA JURÍDICA. Rio de Janeiro: Forense, 2005. [4]CAVALIERI FILHO, Sérgio. PROGRAMA DE SOCIOLOGIA JURÍDICA. Rio de Janeiro: Forense, 2005. [5] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: Saraiva, 2006.

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[6]ARAÚJO, Eneida Melo Correia de. AS RELAÇÕES DE TRABALHO: Uma Perspectiva Democrática. São Paulo: LTr, 2003. [7] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 21. [8] ARAÚJO, Eneida Melo Correia de. AS RELAÇÕES DE TRABALHO: Uma Perspectiva Democrática. São Paulo: LTr, 2003. [9] Idem.