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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão Região Sul 1 A Prática Interdisciplinar CTS: uma experiência com a temática Drogas Elton Luiz Guimarães da Costa (Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) [email protected]) Verno Krüger (Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) - [email protected]) Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade 1. Introdução Este trabalho integra as atividades feitas com alunos de uma turma de séries iniciais que me motivaram na definição de minha dissertação que está sendo elaborada no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da FaE-UFPEL. Nesta, estou propondo uma hipótese curricular de Biologia para o Ensino Médio fundamentada em pressupostos em pressupostos Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) (SOLOMON, 1993; SOLOMON e AIKENHEAD, 1994; SANTOS & SCHNETZLER, 1997; SANTOS & MORTIMER, 2000), e em metodologias do Modelo de Investigação na Escola (PORLÁN e RIVERO 1998). O uso destes pressupostos em uma proposta curricular se justifica pelo fato de eu entender que o processo educativo é bastante complexo, envolvendo fatores psíquicos, biológicos, sociais, culturais, políticos, ideológicos, trabalhistas, epistemológicos e econômicos. Esta gama de fatores envolve os processos de ensino e de aprendizagem, sendo sempre desafiadores para os professores. Neste sentido meu interesse pela temática desta investigação ocorreu a partir de uma reflexão sobre a minha prática, enquanto professor do Ensino Fundamental, Médio e Superior em instituições particulares da região Sul do RS. Preocupado em desenvolver conteúdos de Ciências de modo mais dinâmico e que despertasse o interesse dos estudantes por meio de atividades do cotidiano dos alunos de uma forma crítica e interdisciplinar fundamentei-me principalmente em Cañal e Porlán (1998), Cañal (1994), Porlán (1994) e Porlán e Rivero (1998). Assim, procurei um “novo olhar” sobre a forma como construir e partilhar ideias, conceitos e conhecimentos, por suas implicações no modo segundo o qual compreendo e enfrento os problemas do nosso cotidiano (SOLOMON, 1993; AIKENHEAD, 1994; SANTOS & SCHNETZLER, 1997; SANTOS &

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A Prática Interdisciplinar CTS: uma experiência com a temática Drogas

Elton Luiz Guimarães da Costa (Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) – [email protected])

Verno Krüger (Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) - [email protected])

Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade

1. Introdução

Este trabalho integra as atividades feitas com alunos de uma turma de séries iniciais que me

motivaram na definição de minha dissertação que está sendo elaborada no Programa de Pós-Graduação em

Ensino de Ciências e Matemática da FaE-UFPEL. Nesta, estou propondo uma hipótese curricular de

Biologia para o Ensino Médio fundamentada em pressupostos em pressupostos Ciência, Tecnologia e

Sociedade (CTS) (SOLOMON, 1993; SOLOMON e AIKENHEAD, 1994; SANTOS & SCHNETZLER,

1997; SANTOS & MORTIMER, 2000), e em metodologias do Modelo de Investigação na Escola

(PORLÁN e RIVERO 1998).

O uso destes pressupostos em uma proposta curricular se justifica pelo fato de eu entender que o

processo educativo é bastante complexo, envolvendo fatores psíquicos, biológicos, sociais, culturais,

políticos, ideológicos, trabalhistas, epistemológicos e econômicos. Esta gama de fatores envolve os

processos de ensino e de aprendizagem, sendo sempre desafiadores para os professores. Neste sentido meu

interesse pela temática desta investigação ocorreu a partir de uma reflexão sobre a minha prática, enquanto

professor do Ensino Fundamental, Médio e Superior em instituições particulares da região Sul do RS.

Preocupado em desenvolver conteúdos de Ciências de modo mais dinâmico e que despertasse o interesse

dos estudantes por meio de atividades do cotidiano dos alunos de uma forma crítica e interdisciplinar

fundamentei-me principalmente em Cañal e Porlán (1998), Cañal (1994), Porlán (1994) e Porlán e Rivero

(1998).

Assim, procurei um “novo olhar” sobre a forma como construir e partilhar ideias, conceitos e

conhecimentos, por suas implicações no modo segundo o qual compreendo e enfrento os problemas do

nosso cotidiano (SOLOMON, 1993; AIKENHEAD, 1994; SANTOS & SCHNETZLER, 1997; SANTOS &

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MORTIMER, 2000). Neste sentido a relação entre juventude e as drogas se entrelaça de tal modo em nossos

dias que se torna quase impossível não pensar sobre esta problemática, que está presente cotidianamente em

distintos espaços, que vão desde o familiar, passando pelas ruas e bairros, cidades e campos e atingindo de

forma marcante o ambiente escolar, sem esquecer o espaço da mídia.

A sociedade brasileira possui, assim, um enorme problema social, que de modo indistinto atinge a

todos, ricos e pobres, habitantes da zona rural ou urbana, homens e mulheres e em especial a juventude. Na

tentativa de enfrentar o grave problema gerado pelo consumo de drogas lícitas ou ilícitas, muitas instituições

buscam promover ações em dois níveis: o da prevenção esclarecendo jovens dos perigos de consumir

drogas, e o do tratamento, que busca resgatar a saúde dos que se tornaram viciados.

Este processo de reflexão sobre as problemáticas do cotidiano e ação em minha sala de aula foi o

fundamento para o desenvolvimento de minha proposta de dissertação de mestrado, bem como desse

projeto, fundamentada como já foi dito na perspectiva CTS e do Modelo de Investigação na Escola (MIE).

Entendo que há uma multiplicidade de fatores que os aproximam como as concepções de conhecimento

científico fundamentadas em epistemologias evolucionistas; concepções pedagógicas referenciadas no

construtivismo sociocultural; metas educativas, nas quais se destacam o desenvolvimento da autonomia e do

senso crítico dos alunos e a formação para a cidadania e também de currículos flexíveis e contextualizados a

partir da investigação de problemas relevantes relacionados com a realidade dos alunos, sendo essa

problemática caracterizada pela temática drogas com uma preocupação comum: uma forte

interdisciplinaridade, conforme descreverei na continuidade.

2. Procedimentos Metodológicos

Entendo que a escola enquanto instituição social que forma o cidadão torna-se o ambiente adequado

para processos de prevenção sobre drogas e a escola, como instituição educativa privilegiada na socialização

dos indivíduos, tem sido chamada a mediar tal situação. Esta mediação tem gerado consequências no

entendimento desta ação educativa, na organização e ampliação curricular e, principalmente, no papel dos

professores. A estes é atribuída a responsabilidade de organizar ações preventivas que, pela estrutura

organizacional da escola e pelas características dos currículos escolares, ainda são isoladas. Entendo que por

isso seu sucesso é limitado como relata Ribeiro (2001) e, portanto essa temática é objeto de vários projetos

desenvolvidos pelos educadores nas escolas brasileiras.

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Muitas vezes estes projetos equivocadamente questionam o que influencia o jovem a fazer uso de

droga, desconsiderando seus interesses e anseios frente à realidade a qual pertence. Não é sem razão que a

cada ano, segundo dados do Ministério da Saúde citados por Ribeiro (2001, pág 71), aumenta o uso de

drogas, principalmente entre os adolescentes, sendo o seu início cada vez mais precoce variando entre os 10

e 12 anos, quando não menos. Atualmente não há distinção de gênero, atinge tanto meninas como meninos.

O projeto foi desenvolvido em uma turma de 7ª série com 34 alunos que tinham idades que variavam

de 12 aos 14 anos. Não havia nenhum repetente e a renda familiar era bem diversificada, pois, a escola,

apesar de ser particular, fornecia bolsas de estudos para filhos de funcionários da Universidade mantenedora,

bem como, para a comunidade em geral.

Na análise dos conhecimentos prévios, verificou-se que esses alunos demonstraram um interesse

muito grande pelo tema e que apresentavam sobre dependência, uso e abuso. Cito como exemplo, a crença

de que o uso e o abuso de drogas não atingiam pessoas de diferentes grupos sociais, ou seja, era

característica somente de pobres e favelados. Relaciono estas concepções como originadas das visões que a

mídia muitas vezes nos “mostra”, o que aumenta preconceitos. A partir destes conhecimentos prévios, coube

uma reflexão por parte da escola, quanto ao modo como tratar desta questão, uma vez que os dados

demonstram tanto a aceleração do uso de drogas lícitas (álcool, tabaco e medicamentos) quanto de drogas

ilícitas (maconha, cocaína, crack, etc.) aumenta em larga escala.

As famílias também foram mobilizadas com reuniões, mas em um primeiro momento houve baixa

adesão e envolvimento (6 famílias) mas, com o desenvolver do projeto, esse número aumentou

consideravelmente como a adesão de mais famílias, totalizando 23. Com essas famílias foram feitos

levantamentos (questionários) sobre o uso de drogas lícitas e ilícitas e sobre conhecimento sobre drogas, a

partir de um questionário com 12 perguntas, sendo 6 de múltipla escolha e 6 com respostas semi

estruturadas.

Nesse levantamento prévio com as famílias me chamou a atenção à utilização indiscriminada de

drogas lícitas como as psicotrópicas psicoléticas (que inibem a atividade mental, como barbitúricos,

tranqüilizantes maiores – Amplictil - e tranqüilizantes menores – Librium) e também as psicotrópicas

psicoanaléticas (as que estimulam a atividade mental, como anfetamina e benzedrina). Já as psicotrópicas

psicodisléticas (substancias despersonalizantes e alucinogênicas - euforizantes como álcool, ópio, cocaína -,

alucinógenos - maconha, LSD ) foram menos citadas nesse levantamento.

Considerando as dimensões que circundam a complexa problemática referente às drogas, é

imperativo que este tema seja abordado de forma contextualizada, a partir de uma dimensão interdisciplinar

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do Ensino de Ciências - visto que por si este tema já é interdisciplinar. Assim devemos considerar a

realidade como esta se apresenta, reconhecendo sua complexidade a partir das dimensões sociais,

econômicas, culturais, biológicas e psicológicas diferenciadas inerentes ao contexto dos sujeitos. Para tal,

reflexão, planejamento e ação se fazem imprescindíveis na melhoria da abordagem metodológica acerca do

tema.

Nesta abordagem devem-se levar em consideração os aspectos históricos, tradição e cultura. Ao

longo do tempo a humanidade usou, e continua usando, as drogas de diversas: para a nutrição física, cura de

doenças, alimentar sonhos ou alcançar o transcendente, influenciar o humor, buscar a paz ou a excitação,

enfim, simplesmente para abstrair do mundo que cerca o homem e o perturba em dado momento da sua

existência.

Na atualidade, as drogas são classificadas em lícitas (fumo e álcool, por exemplo) e ilícitas

(maconha, cocaína, crack...). Somente no século XX é que começaram a surgir proibições globais ao uso de

entorpecentes. Primeiro, nos EUA, em 1948. Depois, em 1961, em mais de 100 países (Brasil entre eles),

após uma convenção da ONU, pois, segundo um relatório publicado pela entidade em 2005, há cerca de 340

milhões de usuários de drogas no planeta. Na escola os currículos preveem ações de prevenção tanto das

lícitas como das ilícitas, sendo o foco deste trabalho a prevenção de drogas ilícitas.

Isso está de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL, 1998, p. 273) “as

drogas psicoativas podem assumir um papel importante na vida dos adolescentes como recursos

facilitadores da comunicação, da busca do prazer ou na lida com os novos desafios que se apresentam.”

Daí, a grande expectativa criada em torno da capacidade da escola e dos professores promoverem a

prevenção ao uso destas substâncias. Para os PCNs: “é inegável que a escola seja um espaço privilegiado

para o tratamento do assunto, pois o discernimento no uso de drogas está diretamente relacionado à

formação e às vivências afetivas e sociais de crianças e jovens, inclusive no âmbito escolar” (BRASIL,

1998, p.271).

Assim, os PCNs enfatizam que este tema deve possuir uma abordagem transversal, bem como

interdisciplinar, ou seja, permeando toda a prática educativa. Estes documentos consideram ainda, em

determinadas realidades, que o consumo de drogas é fator de risco já entre alunos das primeiras séries do

ensino fundamental, daí sua inclusão nos PCNs de 1o e 2

o Ciclos do Ensino Fundamental (BRASIL, 1997).

Para possuir uma abordagem interdisciplinar penso que:

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Tal organização curricular enseja a interdisciplinaridade, evitando-se a segmentação, uma vez

que o indivíduo atua integradamente. Assim, somente se justifica o desenvolvimento de um dado conteúdo quando este contribui diretamente para o desenvolvimento de uma competência

para formação cidadã. Os conhecimentos não são mais apresentados como simples unidades

isoladas de saberes, uma vez que estes se inter-relacionam, contrastam, complementam,

ampliam e influem uns nos outros. Disciplinas são meros recortes do conhecimento,

organizados de forma didática e que apresentam aspectos comuns em termos de bases

científicas, tecnológicas e instrumentais. (BRASIL, 2002, p. 30).

Baseando-me nessas evidencias dos documentos oficiais e na realidade dos jovens de nossa região

propus esse projeto à escola onde foram feitas quatro reuniões: A primeira: somente eu (coordenador do

projeto) e a equipe diretiva da escola; A segunda: eu, a equipe diretiva, outros professores interessados (mais

quatro professores) e os representantes a universidade mantenedora da escola; após a aprovação dos mesmos

aconteceu a terceira: com os pais (de pouca adesão em um primeiro momento) da 7ª série da escola, e por

último a quarta: onde houve a participação de todos os envolvidos para explicações e esclarecimento de

dúvidas.

A partir dessas reuniões foi estabelecido que o desenvolvimento do projeto acontecesse nas aulas de

Ciências (de minha responsabilidade), pois, a preocupação dos pais era com o “conteúdo do livro”. Assim,

estabeleci a estratégia do esquema 1 explicitado abaixo:

ESQUEMA 1

O esquema 1 está de acordo com os propósitos das Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL,

2002), com as características por mim introduzidas CTS e do MIE especificamente a metodologia na sala de

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aula, como o exercício da pesquisa e a identificação e caracterização de discussões propostas para a

contextualização dos conteúdos a nível da Educação Básica. Assim o levantamento das concepções dos

alunos sobre o uso de drogas e o conhecimento dos professores envolvidos no projeto fez com que houvesse

uma interação maior entre todos e, ao mesmo tempo, pudéssemos desenvolver o “caminho” para que então

os alunos desenvolvessem habilidades como, por exemplo; leitura, pesquisa, escrita, apresentação de

trabalhos e autonomia sobre a problemática social de nossa realidade, e assim fosse se constituindo como

verdadeiros cidadãos indo ao encontro dos pressupostos teóricos citados anteriormente e do esquema 1,

constituindo um novo “conhecimento escolar”.

Entendo que esse novo “conhecimento escolar” não se caracteriza pelo domínio dos conteúdos

dominantes no ensino de ciências, bem como, em uma ordem tradicional observada na maioria dos livros de

Ciências. Assim esse novo “conhecimento escolar” parte do pressuposto de aproximar conhecimentos

científicos ao cotidiano do aluno e trata também de “quebrar” o método dominante das aulas tendo como

fundamental importância que não existe uma verdade absoluta, pronta, não questionável e que para cada

situação problema podemos resolver por diversos caminhos e de diversas formas.

Assim, ao conceber o tema da prevenção ao uso indevido de drogas me propus a buscar possíveis

orientações que me levassem às transgressão do currículo oficial. Encontrei respaldo nos Parâmetros

Curriculares Nacionais de Ciências Naturais para abordar o tema bem como subsídios enquanto Tema

Transversal. Numa perspectiva de problemática social, esta temática sobre as drogas está inserida como

tema transversal no eixo temático de Educação para a Saúde e, sendo integrada com o desenvolvimento de

conteúdos conceituais do terceiro e quarto ciclos de Ciências (BRASIL, 1996), o que corresponde ao

período do 6º ao 9º ano (5ª à 7ª série) da estrutura atual.

Por tratar-se de uma questão social muito pertinente, esse tema tem natureza diferenciada das áreas

convencionais. Trata de processos que estão sendo intensamente vividos pela sociedade, pelas comunidades,

pelas famílias, pelos estudantes e educadores em seu cotidiano. São temas debatidos em diferentes espaços

sociais, como em organizações não governamentais e instituições religiosas, em busca de soluções e de

alternativas, confrontando posicionamentos diversos tanto em relação à intervenção no âmbito social mais

amplo, quanto à atuação pessoal. Trata também das questões urgentes que interrogam sobre a vida humana,

sobre a realidade que está sendo construída e que demandam transformações macrossociais e também de

atitudes pessoais, exigindo, portanto, ensino e a aprendizagem de conteúdos relativos a essas dimensões de

modo contextualizado, interdisciplinar, crítico e integral (BRASIL, 1998, p. 26).

Assim então entendi que estas ações de prevenção devem ocorrer de forma diferenciada indo ao

encontro dos jovens em suas angústias, problemas e incertezas, e até mesmo na falta de conhecimento sobre

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a temática inerentes à fase de seu desenvolvimento. Por isto, então, adotei referenciais que orientassem este

processo principalmente de maneira formativa, tendo como foco objetivos atitudinais, tais como

conscientização, crítica, tomada de decisões, etc., referenciados pelos conceituais e procedimentais. Estes

aspectos serão abordados na continuidade.

Assim o projeto teve como base uma perspectiva sistêmica e complexa do mundo relacionando-se

com “as ideias e a realidade – também a realidade escolar – como sistemas em evolução, descritos e

analisados a partir de seus elementos constituintes, das interações entre eles e das mudanças que se

verificam no decorrer do tempo” (PORLÁN, RIVERO e MATÍN DEL POZO, 1997; p.56 apud KRUGER,

2000, p.53), possibilitando para alunos e professores “[...] estabelecer relações entre as partes e entre as

partes e o todo, para assim compreender o funcionamento da estrutura em seu conjunto, para então poder

modificá-la” (GRUPO DE INVESTIGACIÓN EM LA ECUELA, 1991a p.9).

Em consonância com o citado acima a característica interdisciplinar, faz parte dos estudos CTS, bem

como do Modelo de Investigação na Escola (MIE), ou seja, tratar de forma integrada os diversos saberes das

áreas de conhecimentos tradicionais, que hoje, ainda, continuam sendo de forma majoritária sendo

abordados de forma fragmentada e descontextualizada. É objetivo também dessa metodologia, ao se

incorporar no ensino as preocupações CTS, refletindo sobre os fenômenos sociais e as condições da

existência humana sob a perspectiva da ciência e da tecnologia.

A intenção foi de delinear uma estratégia metodológica baseada nos pressupostos do MIE e CTS para

o contexto dessa escola particular da cidade de Pelotas/RS e de conteúdos que pudessem, a partir da

realidade dos alunos, proporcionar uma formação desejada de cidadãos. Isso se deve a certa

complementaridade entre os dois modelos na abordagem metodológica. Enquanto o enfoque CTS indica a

necessidade de estratégias didático-metodológicas com orientações construtivistas o MIE propõe currículos

abertos e flexíveis constituídos a partir de problemas relevantes socialmente para os alunos, favorece o

aprofundamento das discussões metodológicas e apresenta referências para uma metodologia construtivista

por investigação de problemas, numa abordagem sociocultural. Portanto, destaca-se a compreensão de que,

metodologicamente, parte-se dos problemas de relevância social para os conceitos científicos e destes

retorna-se aos temas.

De acordo com as informações iniciais sobre a metodologia acima descritas e sob o amplo espectro

da hipótese curricular pretendida no projeto drogas, pretendeu-se discutir conteúdos de diversas disciplinas

(interdisciplinarmente) de uma 7ª série relacionando com questões sociais, econômicas, políticas e até

ambientais. Partindo da síntese entre o MIE e o enfoque CTS, uma proposta de investigação de problemas

de relevância social, conforme esquematizado no esquema 2 abaixo:

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ESQUEMA 2

Assim, este projeto de ensino teve como objetivo promover o favorecimento de aprendizagens sobre

a temática a partir de um modelo didático estruturado como síntese entre os pressupostos do MIE e os CTS

para discutir a participação cidadã nas problemáticas da cidade e, principalmente, do contexto dessa

comunidade escolar.

No planejamento desse projeto, os conteúdos (conceituais, atitudinais e procedimentais) foram

selecionados em função da temática e estruturados e articulados com as outras disciplinas em 3 Unidades

Didáticas (UD) objetivando que o problema proposto pudesse ter uma resposta.

Mas antes do planejamento e estruturação das UD foi realizado um levantamento junto à Secretaria

Municipal de Educação sobre o número total de escolas da rede de ensino da cidade de Pelotas/RS que

tinham projetos sobre a temática drogas. Não obtive as respostas que esperava, pois os dados não deram

informações conclusivas. Então busquei informações na Secretaria Municipal de Saúde e descobri que só

havia uma única escola que tinha um envolvimento com a prevenção de drogas. Realizei uma visita nessa

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escola, estadual, para conversar com os envolvidos e fui muito bem recebido, bem como, me expuseram os

objetivos do projeto.

Assim, percebi que para um bom desenvolvimento do projeto, seria necessário estruturar algumas

etapas que ocorreram da seguinte forma:

a) adoção de um problema a ser investigado;

b) investigação das concepções prévias;

c) construção de hipóteses e argumentos;

d) desenvolvimento de conteúdos conceituais;

e) formulação do conhecimento construído;

f) comunicação e socialização do conhecimento.

A estruturação das três Unidades Didáticas (UD) foram orientada por uma ideia força entendida

“como elemento central, ou pequeno conjunto de metas (conteúdos de qualquer tipo) e as suas aplicações

práticas, e que constituem o núcleo das aprendizagens que se pretendem conseguir [...]” (GONZALES et al

1999, p.23) e que mantenham relação com os aspectos sociais, econômicos e científicos-tecnológicos,

contextualizado-os dentro da realidade do local. Outro aspecto importante a ser destacado é que a

organização e o planejamento da UD teve o caráter de uma hipótese curricular, com “[...] um certo sentido,

uma orientação, [...] e desenvolveu uma certa visão de mundo nos sujeitos que aprendem” (GARCIA, 1998,

p.19 apud KRUGER, 2000, p.64).

A hipótese curricular interdisciplinar é apresentada a seguir:

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Conforme já comentei anteriormente, esse projeto sobre a temática drogas tinha como objetivo geral,

ou ideia força central, o desenvolvimento de uma temática interdisciplinar, mas que tivesse como referencias

teóricas os pressupostos do enfoque CTS e do Modelo de Investigação na Escola, conforme detalhei no

planejamento do projeto cujo o desenvolvimento será descrito a seguir.

A Unidade – I teve um caráter e enfoque problematizador e também exploratório, o que fica nítido ao

examinarmos as ideias-forças dessa unidade. A partir dos interesses e curiosidades dos explicitados pelos

alunos, pretendi investigar o conhecimento e a visão que eles tinham sobre a utilização e prevenção sobre as

drogas em seu cotidiano, o que foi como conhecimento de partida para o desenvolvimento da unidade,

focando na resolução de duas problemáticas: o que são drogas lícitas e ilícitas e como a utilização influi na

qualidade de vida da população.

Para alcançar estes objetivos, os alunos foram organizados em pequenos grupos (de 3 a 5

componentes), os quais foram mantidos pelos 5 professores em 6 disciplinas em suas respectivas disciplinas

envolvidas no projeto (Ciências, Geografia, História, Matemática, Filosofia e Artes) para realizarem um

levantamento exploratório sobre o uso de drogas lícitas e ilícitas, assim como, as leis que as regem e

classificam.

Para que isso fosse possível entendi que a pesquisa na sala de aula seria a melhor opção para esse

trabalho interdisciplinar, pelo seu significado e relevância para a educação cidadã e para a alfabetização

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científica e tecnológica das pessoas é uma das alternativas possíveis (DEMO, 1998; RAMOS, 2004). Nesse

sentido, criou-se ações que envolvessem e estimulassem os alunos em atividades de pesquisa (MORAES,

GALIAZZI e RAMOS, 2004). Isso aconteceu não somente na escola, pois os alunos e familiares foram

pesquisar e até mesmo realizaram entrevistas com secretários e coordenadores da Secretaria de Saúde de

Saúde, Vereadores, Delegados de Polícia e ONGS que combatem o uso de drogas bem como as que apoiam

famílias de viciados.

Ao retornarem com esses dados pesquisados para escola, mais precisamente para sala de aula, os

grupos iniciaram a organização das informações, elaboraram relatórios e síntese e nos seminários (de cada

disciplina) enfatizavam os aspectos específicos e relativos a cada uma delas e discutiam e socializavam o

conhecimento construído através destas pesquisas iniciais.

Assim, questionando os vários agentes envolvidos ou atingidos pela problemática das drogas,

sobretudo aos responsáveis por coordenarem e legislarem sobre a temática e dos recursos e ações

envolvidas, os alunos puderam realizar um diagnóstico inicial da problemática que está sendo tratada e que

serviu de referência para o desenvolvimento da Unidade II.

Na Unidade II, foi aprofundada conceitualmente a temática a partir da discussão de questões

relacionadas com os processos de fabricação das drogas nelas envolvidas, aspectos históricos, a utilização,

prevenção e tratamento. Neste contexto se discutiu conteúdos relacionados com a tecnologia utilizada,

regiões geográficas propícias para plantação e produção de drogas, capitalismo e globalização, evolução das

drogas e processos históricos correlacionados, problemas de saúde pública, dependência química, gastos

pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Isso favoreceu para o desenvolvimento de conteúdos interdisciplinares,

discussões sobre o desenvolvimento de um compromisso social.

Nessa etapa, houve também a necessidade de trabalhar conteúdos conceituais para que houvesse uma

maior compreensão dos alunos e consequentemente um maior embasamento para as discussões nos

seminários.

Em um debate promovido pela escola e pelos alunos com a participação dos coordenadores dos

cursos da área da saúde da Universidade mantenedora da escola, do coordenador da Secretaria da Saúde e

dos pais dos alunos dessa 7ª série, com duração de duas horas e meia, os alunos fizeram vários

questionamentos, pertinentes à tecnologia e aos interesses, ou falta, do desenvolvimento científico e social.

Por fim, o debate focalizou, na discussão sobre como prevenir ou inibir o acesso às drogas sejam elas lícitas

ou ilícitas na cidade de Pelotas/RS. Tudo que foi discutido pelos alunos junto aos palestrantes/debatedores

convidados foram, posteriormente, utilizadas pelos alunos para subsidiar discussões, em sala de aula, para

aprofundamento da temática e para elaboração de uma síntese.

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Por sua vez, na Unidade III, procurei destacar novamente os agentes envolvidos na problemática das

drogas em Pelotas, bem como seu caráter complexo, condicionado principalmente por interesses políticos e

socioeconômicos, por motivações, expectativas e por valores. Enfatizei a importância da Alfabetização

Científica e Tecnológica (ACT) nas aprendizagens dos alunos e da comunidade escolar para suas respectivas

autonomias e senso crítico, como elementos centrais na construção da cidadania, e, por consequência, na

participação ativa do cidadão na tomada de decisões em questões públicas que envolvem a Ciência e

Tecnologia.

Foi nítida a evolução da turma das questões mais técnicas e conceituais para as situações mais

complexas que envolvem essa problemática, e que repercute em todos os meios de comunicação da época,

principalmente, sobre a legalização da maconha.

As reflexões sobre este fato específico, bem como, a insistência de alguns pais com a preocupação

com os conteúdos majoritários, possibilitaram refazer o planejamento inicial das atividades e das estratégias

de ensino, o que provocou uma mudança significativa na sequência prevista, na qual se buscou enfatizar

uma participação mais ativa dos alunos e de suas famílias nas atividades de tomada de decisões. Resolveu-se

então organizar na escola um “Congresso de Consenso” de todas as disciplinas sobre a temática drogas na

“Primeira Mostra das Ciências” com a temática Saúde para que houvesse a apresentação e exposição dos

trabalhos desenvolvidos em todas as disciplinas, participantes ou não do projeto. Essa estratégia de ensino

referenciada no enfoque CTS sugere uma boa forma de participação pública em problemas relacionados ao

enfoque CTS “[...] um modelo de participação pública que, baseado num enfoque CTS, trata de abrir e

compartilhar o processo de tomada de decisão [...]” (CEREZO et al, 2000).

Essa nova proposta metodológica, pretendeu favorecer o desenvolvimento da autonomia dos alunos

responsabilizando-os compartilhadamente pelas aprendizagens, com o objetivo de tomarem decisões a partir

da realização de um júri, em um modelo dos tribunais para questões sócias que envolvam Ciência,

Tecnologia e Sociedade. Os principais objetivos dessa atividade, que envolveu membros da paróquia da e da

Universidade mantenedora da escola, professores, pais e alunos foram de expandir as oportunidades de

acesso dos alunos a tomada de decisões sobre assuntos que envolvam sociais relevantes, assim como

melhorar a compreensão dos assuntos CTS a partir de um debate unindo os conhecimentos disciplinares

estimulando o pensamento complexo e, ainda, aprofundando a democracia mediante o estímulo da

implicação cívica nos processos decisórios públicos.

Esta estratégia metodológica, o Congresso de Consenso, girou em torno de um dilema – O que fazer

para prevenir/minimizar o uso de drogas em nosso cotidiano? – e teve como propósito de que os alunos

exercitassem a autonomia, a construção de argumentos e pudessem se certificar da importância da

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Alfabetização Científica e Tecnológica (ACT), no sentido de trazer segurança e responsabilidade na tomada

de decisão.

As atividades do Congresso de Consenso ocorreram a partir da formação de três grupos: o grupo

contra a liberação das drogas, o grupo a favor da liberação e um júri formado pelos alunos, professores e

membros da comunidade escolar. A proposta foi realizar um debate entre os dois grupos, onde um construiu

e defendeu argumentos sobre a liberação das drogas e outro grupo também fez o mesmo só que contra a

liberação das drogas.

Com essa organização, os grupos assumiram suas posições no debate, que durou aproximadamente

duas horas, cuja estrutura foi estruturada pelos alunos com auxílio de outros professores, principalmente, de

filosofia pela proximidade e formação profissional também na área jurídica, possibilitando um

aperfeiçoamento do modelo de júri no encontro.

Antes do Congresso de Consenso acontecer houve três reuniões com alunos e pais para esclarecer

como iria acontecer esse processo na Mostra das Ciências da escola delegando as funções. Os pais se

mostraram bastante envolvidos e animados com o projeto interdisciplinar e realizaram muitas perguntas a

respeito do projeto em desenvolvimento e do Congresso de Consenso. A adesão dos pais nesses encontros

foi quase que total o que animou muito os alunos, professores e a equipe diretiva da escola.

Após as delegações de funções os alunos buscaram aprofundar ainda mais os conhecimentos,

tomando várias iniciativas por conta própria, passando a pesquisar com mais determinação e a consultar

outros professores, autoridades, parentes e amigos. Isto, nitidamente, permitiu o desenvolvimento de

argumentos mais consistentes e conduziu a reflexões mais profundas e sistemáticas, ou seja, uma visão mais

abrangente que foi discutida e socializada.

Deve-se destacar também que no Congresso de Consenso todos os alunos, pais e visitantes da Mostra

das Ciências da escola puderam assistir na condição de “público”. Além disso, a organização do debate

decidiu que os grupos pró e contra as drogas poderiam convidar um “especialista” que tivesse experiência na

área, conhecimento e interesse no assunto e possibilidade de contribuir na fundamentação dos argumentos

dos grupos.

O Congresso de Consenso superou as expectativas, pois os questionamentos acabaram se estendendo

e muito o tempo estipulado de uma hora. As discussões e argumentações foram estimulantes e contagiantes

ao público presente (aproximadamente de 100 pessoas assistindo). Durante as discussões “o júri” resolveu

oportunizar ao público presente também a realizar perguntas alternadas para os grupos devido a todos

estarem muito interessados no debate.

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Contudo, aspectos relativos aos danos à saúde, à associação das drogas como a violência e relações

sexuais, entre outros, apareceram durante e depois do debate. Esses registros comprovam que os estudantes

valorizaram a discussão das questões sociais e de saúde, em termos gerais. Esse resultado pode ser

considerado como altamente positivo, por entender-se que o aspecto social não deve ser desvinculado do

conhecimento escolar. Educar para a cidadania implica no estudo das drogas, mas também, no estudo dos

aspectos éticos, morais econômicos e ambientais que permeiam a temática do uso de substâncias

psicotrópicas (SANTOS; SCHNETZLER,1997).

Neste sentido, Santomé (1998, p. 73) comenta: “A interdisciplinaridade propriamente dita é algo

diferente, que reúne estudos complementares de diversos especialistas em um contexto de estudo de âmbito

mais coletivo [...]”. O aluno do ensino interdisciplinar tem capacidade para solucionar problemas que

ultrapassam os limites de uma disciplina, sua visão de mundo é globalizada e, em seu pensamento, as

matérias estão interligadas.

De toda forma, convém não esquecer que, para que haja interdisciplinaridade, é preciso que haja

disciplinas. As propostas interdisciplinares surgem e desenvolvem-se se apoiando nas disciplinas; a própria

riqueza da interdisciplinaridade depende do grau de desenvolvimento atingido pelas disciplinas e estas, por

sua vez, serão afetadas positivamente pelos seus contatos e colaborações interdisciplinares (SANTOMÉ,

1998, p.61).

A interdisciplinaridade de que tratamos no presente trabalho compreendeu na troca e cooperação,

uma verdadeira integração entre as disciplinas com enfoque CTS de modo que as fronteiras entre elas

tornem-se invisíveis para que a complexidade do objeto de estudo se destaque. Nesta visão interdisciplinar,

o tema a ser estudado está acima dos domínios disciplinares.

Pensando nessas características de interdisciplinaridade a participação dos alunos durante o processo

de ensino e de aprendizagem, bem como, o reconhecimento das concepções prévias dos alunos como parte

do processo; a tomada do cotidiano como fundamentais ao processo; por realocar os estudantes em situações

problematizadoras e por possibilitar o reconhecimento de um método científico passível das inferências

humanas, demonstrando que a ciência é inacabada e é diretamente atingida pelas vontades humanas.

Assim acredito que a riqueza dessa atividade residiu em uma multiplicidade de aspectos, pertinentes

às aprendizagens: conceituais, na medida que é favorecida uma evolução conceitual pelo ativo envolvimento

do aluno e por sua motivação no desenvolvimento e articulação dos conceitos das disciplinas e na sua

transformação e utilização em argumentos; atitudinais, favorecendo nos alunos uma atitude crítica e

reflexiva, pertinente à posição que assumem frente ao coletivo e a si próprios; procedimentais, quando são

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valorizadas, sobretudo, a tomada de decisão, a construção e a organização de argumentos e sua defesa

pública em diversos contextos.

Mesmo após a atividade proposta na Mostra das Ciências da escola os alunos e familiares

continuaram repercutindo a decisão do júri nas últimas 3 semanas, que se seguiram ao Congresso de

Consenso e que restavam de aula no final do ano de 2012, os pontos positivos da decisão e negativos, o que

poderiam ter feito de diferente para obterem um resultado diferente. Não há dúvida quanto à característica

carregada em valores (éticos, estéticos, culturais, religiosos e políticos) para todos aqueles que participaram

dessa atividade.

3. Justificativa do eixo escolhido

Tendo em vista a necessidade contemporânea de uma alfabetização científica que supere o caráter

metódico, conteúdista, descontextualizado e dogmático do ensino de ciências majoritário (PORLÁN e

RIVERO, 1998), me concentrei na elaboração de um projeto que permitisse integrar a abordagem CTS ao

ensino de ciências da escola básica.

Neste trabalho, apresentamos uma proposta de inserção do enfoque CTS no ensino de ciências da

escola básica por meio da temática drogas – organizadas habitualmente em diversas escolas – com o

objetivo de ampliar e ultrapassar os limites da simples apresentação, explicação e exemplificação de

descobertas científicas e artefatos tecnológicos.

Entendo que a visão crítica do enfoque CTS corresponde a uma educação problematizadora, de

caráter reflexivo, de desvelamento da realidade de caráter interdisciplinar, assim como propôs Paulo Freire

(1970). Na visão de Freire (1970), a educação deveria ocorrer por meio de uma reflexão dialógica entre

educador-educando, em uma perspectiva de prática para liberdade. Nesse sentido, o conteúdo educacional

deve ter um papel de transformação, em que seus termos geradores, repletos de sentido para os educandos,

sejam instrumentos para repensar o mundo.

Justifica-se o eixo escolhido por se tratar do relato de uma experiência de aplicação de um projeto

interdisciplinar em um contexto real, ou seja, uma sala de aula de 7ª série, bem como, na comunidade da

escolar que envolvia está turma.

4. Considerações finais

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O resultado desta proposta permitiu avaliar que a utilização dos referenciais teóricos adotados para

esse contexto é uma alternativa para superar as dificuldades identificadas no ensino de Ciências, pois

possibilitou observar a evolução dos conhecimentos dos alunos em relação a temática, assim como, um

envolvimento significativo dos mesmos e de seus familiares estabelecendo uma grande rede entre os

professores envolvidos, famílias e escola no combate e conscientização deste problema tão comum em nossa

sociedade e principalmente entre os adolescentes da cidade de Pelotas/RS.

Nesse sentido, esse projeto demonstrou um caminho possível para utilização deste modelo didático

no desenvolvimento dos currículos escolares partindo de projetos interdisciplinares construídos

coletivamente, pensados e executados pelo maior número possível de professores de uma escola, além de

incluir alunos, funcionários, familiares e entidades do entorno da escola.

Com isso, procura-se responder às necessidades relacionadas com a concepção da natureza complexa

e sistêmica do modelo, assim como promover mecanismos para enfrentar as dificuldades formativas dos

professores e a fragmentação do currículo.

Por fim, o MIE e o enfoque CTS constituem exemplos de “novos” e importantes discursos que

valorizam a pluralidade e a diversidade, orientando a educação científica geral para propostas político-

pedagógicas que viabilizem a educação numa dimensão emancipatória dos agentes envolvidos. Contudo,

não penso nesse modelo didático como uma prescrição, a ser seguida. Fazer isso seria negar a essência do

MIE assim como do enfoque CTS, que preconizam, em todas as situações, currículos com enfoques locais

que se estendam para uma abrangência global, e a promoção da autonomia, do espírito critico e da

construção da cidadania através dos conteúdos desenvolvidos em nossas salas de aula.

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