A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em...
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Mestrado em Economia – Faculdade de Economia, Universidade do Porto
A política monetária do BCE desde 2007 e perspetivas
para o futuro: a evolução das taxas de juro diretoras
Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Economia pela Faculdade de
Economia do Porto
por
Juliano António de Lima Ventura
Orientado por: Prof. João Loureiro
Junho, 2018
i
Nota biográfica
Juliano António de Lima Ventura nasceu a 4 de junho de 1994 no concelho de
Felgueiras, distrito do Porto. É licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da
Universidade do Porto desde 2015 e frequenta o Mestrado em Economia na mesma
instituição de ensino.
Em 2016 fez um estágio curricular relacionado com a avaliação de projetos de
investimento, nomeadamente no âmbito do Portugal 2020 e do IAPMEI-Comércio
Investe, na empresa Margem – Formação e Consultoria, Lda.
ii
Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, à minha avó, a toda a minha família e
amigos pelo apoio, compreensão, dedicação e paciência que demonstraram ao longo desta
caminhada.
Agradeço ao Professor João Loureiro pela orientação, disponibilidade e dedicação
que sempre me proporcionou durante a realização desta dissertação.
Por último, agradeço a todos os que fizeram parte do meu percurso académico,
principalmente aos meus amigos que sempre me ajudaram em tudo que lhes era possível
e contribuíram para que a minha passagem pela FEP tenha sido ainda mais frutífera.
iii
Resumo
Nos últimos anos, a Área do Euro passou, em várias ocasiões, por relevantes
ameaças, com reflexo em vários segmentos do sistema financeiro. Tudo começou com a
crise financeira global de 2008, a que se seguiu uma crise económica e, finalmente, a crise
das dívidas soberanas. Em alguns momentos chegou mesmo a temer-se a desintegração
da União Monetária Europeia e o fim do euro.
Para fazer face às situações de emergência que foram surgindo, o Banco Central
Europeu (BCE) viu-se obrigado a adotar medidas de política monetária bem diversas
daquelas que vinha adotando desde que entrou em funções em 1999. A partir da segunda
metade da presente década, as ameaças à estabilidade da Área do Euro começaram
gradualmente a dissipar-se e a nova preocupação passou a ser a abordagem à reversão das
medidas não convencionais de política monetária adotadas pelo BCE.
Esta dissertação apresenta e discute, de forma sintética, a política monetária do
BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de
juro diretoras. Adicionalmente, discute o que poderá ser a política monetária na Área do
Euro nos próximos anos, nomeadamente o processo de convergência para a normalidade.
Para o efeito, o trabalho apoia-se numa revisão alargada da literatura.
Tendo o BCE começado já a reduzir a compra de ativos ao abrigo do Asset
Purchases Programme (APP), é provável que o início da subida das taxas de juro
diretoras ocorra no futuro próximo. Neste aspeto, são várias as questões que se colocam,
nomeadamente em relação aos timings adequados para a reversão e sobre o que será o
“novo normal” A discussão destes tópicos encerra este trabalho.
Códigos JEL: E44, E52, E58, E63, F45, G21, H62, H63.
Palavras-chave: Políticas monetárias não convencionais; taxas de juro negativas;
quantitative easing; crise do subprime; crise das dívidas soberanas.
iv
Abstract
In the last years, the Euro Area has experienced significant threats on several
occasions, with reflection in several segments of the financial system. It all started with
the global financial crisis of 2008, followed by an economic crisis and finally the
sovereign debt crisis. At times, the disintegration of the European Monetary Union and
the end of the euro came to be feared.
To deal with emergency situations, the European Central Bank (ECB) was forced
to adopt monetary policy measures quite different from those it had adopted since taking
office in 1999. From the second half of this decade, the threats to the stability of the Euro
Area began to gradually dissipate, and the new concern became the approach to the
reversal of the unconventional monetary policy measures adopted by the ECB.
This dissertation presents and discusses, in a synthetic way, the monetary policy of
the ECB over the last 10 years, focusing, in particular, on the evolution of the euro interest
rates. In addition, it discusses what could be the monetary policy in the Euro Area in the
coming years, namely the process of convergence towards normality. For this purpose,
the work is based on a broad literature review.
As the ECB has already begun to reduce the purchase of assets under the Asset
Purchases Program (APP), it is likely that the beginning of the rise of the euro interest
rates will occur in the near future. In this aspect, there are several questions that are posed,
namely regarding timings suitable for reversion and what will be the "new normal". The
discussion of these topics concludes this work.
JEL Codes: E44, E52, E58, E63, F45, G21, H62, H63.
Keywords: Unconventional monetary policies; negative interest rates; quantitative
easing; subprime crisis; sovereign debt crisis.
v
Índice
Nota biográfica ................................................................................................................. i
Agradecimentos ............................................................................................................... ii
Resumo ............................................................................................................................ iii
Abstract ........................................................................................................................... iv
Índice de quadros .......................................................................................................... vii
Índice de figuras ............................................................................................................ vii
1. Introdução ................................................................................................................ 1
2. A política monetária convencional do BCE .......................................................... 4
2.1. O funcionamento da União Económica e Monetária ................................................. 4
2.2. Os instrumentos convencionais de política monetária ............................................... 6
2.2.1. Facilidades permanentes ......................................................................................... 6
2.2.2. Operações de mercado aberto ................................................................................. 7
2.2.3. Sistema de reservas legais ....................................................................................... 8
2.3. Mecanismos de transmissão da política monetária .................................................... 9
3. A política monetária do BCE no pós-2007.............................................................. 13
3.1. O eclodir da crise do subprime nos EUA ................................................................ 13
3.2. A propagação da crise do subprime e o impacto na Área do Euro .......................... 15
3.3. A resposta do BCE à crise do subprime .................................................................. 19
3.4. O eclodir da crise das dívidas soberanas e a resposta do BCE ................................ 25
3.5. O início da recuperação económica e o combate à deflação na Área do Euro ........ 30
4. A redução das taxas de juro levada ao limite ......................................................... 35
4.1. Fatores impulsionadores e consequências positivas ................................................ 36
4.1.1. Garantir a estabilidade de preços .......................................................................... 36
4.1.2. Incrementar o crescimento económico ................................................................. 38
vi
4.1.3. Garantir a estabilidade no setor bancário e nos restantes mercados financeiros .. 40
4.1.4. Redução do crédito malparado ............................................................................. 43
4.1.5. Redução das taxas de juro bancárias e aumento do crédito à economia real ........ 44
4.1.6. Garantir a eficácia dos mecanismos de transmissão da política monetária .......... 47
4.1.7. Alívio orçamental dos Estados da Área do Euro .................................................. 48
4.1.8. Incrementar o investimento privado ..................................................................... 52
4.1.9. Descida das taxas de juro reais ............................................................................. 54
4.2. Principais críticas à redução das taxas de juro diretoras .......................................... 56
4.2.1. Aumento da poupança e redução do consumo ...................................................... 56
4.2.2. Criação de bolhas especulativas ........................................................................... 57
4.2.3. Saída de capitais .................................................................................................... 59
4.2.4. Reduzido impacto no investimento ....................................................................... 59
4.2.5. Alocação ineficiente de recursos .......................................................................... 60
4.2.6. Incentivo ao endividamento .................................................................................. 60
4.2.7. Limitação das políticas monetárias no futuro ....................................................... 61
4.2.8. Redução das margens de lucro dos bancos ........................................................... 62
4.2.9. Limites para as taxas de juro diretoras .................................................................. 64
5. Perspetivas para a política monetária na AE ......................................................... 65
5.1. Pré-condições para a subida das taxas de juro diretoras .......................................... 65
5.1.1. Condições económicas e inflação ......................................................................... 66
5.1.2. Solidez do setor bancário e estabilidade nos mercados financeiros ..................... 67
5.1.3. Impacto sustentável sobre os encargos de financiamento do setor privado.......... 71
5.1.4. Solidez das finanças públicas ............................................................................... 74
5.1.5. Prejuízos para o BCE ............................................................................................ 77
5.1.6. Impacto em países que não adotaram medidas de PMNC .................................... 78
5.2. Princípios fundamentais para a reversão das medidas de PMNC ............................ 78
vii
5.2.1. Os timings certos para a reversão das medidas de PMNC .................................... 80
5.2.2. A velocidade a que se devem reverter as medidas de PMNC .............................. 81
5.2.3. Os instrumentos prioritários na reversão das medidas de PMNC ........................ 82
5.2.4. O “novo normal” das taxas de juro diretoras ........................................................ 84
5.2.5. A importância da coordenação entre bancos centrais ........................................... 85
6. Conclusão ............................................................................................................... 87
Referências bibliográficas ............................................................................................ 90
Webgrafia ...................................................................................................................... 97
Índice de quadros
Quadro 3.1: Medidas de PMNC do BCE entre setembro de 2008 e abril de 2010…… 32
Quadro 3.2: Medidas de PMNC do BCE entre maio de 2010 e agosto de
2012…………………………………………………………………………………… 37
Quadro 3.3: Medidas de PMNC do BCE desde junho de 2014……………….……..... 42
Quadro 4.1: Taxas de juro médias mensais das obrigações de dívida pública a dois anos,
1:2007-12:2017 (%)………………………….…………………………..………….… 61
Índice de figuras
Figura 3.1: Preço das habitações nos EUA, 1:1996-12:2010 (janeiro 2000=100)…..... 23
Figura 3.2: Taxa de crescimento anual do PIB per capita, 2000-2009 (%)….............. 26
Figura 3.3: Taxas de desemprego, 2000-2013 (%)……………………………….….... 26
Figura 3.4: Saldos orçamentais, 2005-2010 (% do PIB)………………………………. 27
Figura 3.5: Taxa de inflação homóloga da AE, 4:2007-12:2009 (%)……………….… 30
viii
Figura 3.6: Taxas de juro diretoras do BCE e EONIA, 1:2007-4:2018 (%)…………... 31
Figura 3.7: Taxa de juro médias de novos contratos de crédito a sociedades não
financeiras na AE, 1:2007-3:2018 (%)…………..…………………………………..… 34
Figura 3.8: Crédito bancário ao setor privado não-financeiro da AE, 3:2005-9:2017
(109€)………………………………………………………………………………….. 35
Figura 3.9: Taxas de juro das obrigações de dívida pública a 10 anos, 1:2005-3:2018
(%)…………………………………………………………………………………….. 36
Figura 3.10: Taxa de crescimento do PIB real na AE (variações homólogas), 1ºT:2007-
1ºT:2018 (%)………………………………………………………………………..…. 39
Figura 3.11: Taxa de crescimento do PIB nominal e dos seus agregados na AE (variações
homólogas), 1ºT:2007-4ºT:2017 (%)………………………………..………………… 39
Figura 3.12: Taxa de inflação homóloga na AE, 1:2011-3:2018 (%)…………………. 40
Figura 3.13: Aquisições feitas pelo BCE ao abrigo do APP, 3:2015-3:2018 (109€)… 44
Figura 4.1: Desemprego na AE, 2006-2019 (%)…………………………………….... 50
Figura 4.2: Indicador Compósito de Stress Sistémico (ICSS) na AE, 10:2007-
1:2018…………………………………………………………………………………. 51
Figura 4.3: Crédito malparado, em função do montante total de empréstimos bancários,
2008-2016 (%)……………………………………………...…………………………. 54
Figura 4.4: Taxas de juro médias em novos contratos de crédito à habitação, 1:2007-
3:2018 (%)…………………..…………………………………………………………. 56
Figura 4.5: Saldos orçamentais na AE, 2007-2019 (% do PIB)……………...…...…... 62
Figura 4.6: Dívidas públicas na AE, 2007-2019 (% do PIB)…………….……………. 62
Figura 4.7: Taxa de crescimento anual da formação bruta de capital fixo na AE, 2006-
2017 (%)……………………………………………………………………………….. 64
Figura 4.8: Taxas de juro reais nas principais economias mundiais, 1990-2016 (%)…. 65
Figura 5.1: Rácios de capital nos bancos da AE, 2008-2016 (%)….……………….…. 79
ix
Figura 5.2: Endividamento privado nalguns países da AE, 2007-2016 (% do PIB)…... 83
Figura 5.3: Dimensão do ativo da Reserva Federal, 1:2008-12:2017 (109€)……......... 94
1
1. Introdução
A partir de 2007, tendo em conta as crises económico-financeiras enfrentadas, o
Banco Central Europeu (BCE) foi forçado a implementar uma vasta gama de medidas de
política monetária não convencionais (PMNC), nomeadamente a redução das taxas de
juro diretoras para valores historicamente baixos (valores próximos de zero ou até
negativos). As medidas de PMNC destacam-se das medidas convencionais pelo seu
carácter excecional, não se enquadram na estratégia de atuação do BCE em “tempos
normais”, apenas foram adotadas devido às circunstâncias extremamente excecionais que
a Área do Euro (AE) enfrentou (FMI, 2013). Entre as medidas adotadas, para além da
redução das taxas de juro para valores historicamente baixos, destacam-se: a oferta
ilimitada de liquidez a taxas fixas nas operações principais de refinanciamento (MRO -
Main Refinancing Operations) e operações de refinanciamento de prazo alargado (LTRO
– Longer-Term Refinancing Operations) (e a extensão da lista de colaterais), a extensão
de maturidades nas LTRO´s, a criação de LTRO´s direcionadas, compra de ativos
(incluindo títulos de dívida pública através do Public Sector Purchase Programme
(PSPP)), entre outras (Falagiarda e Reitz, 2015).
Tendo em conta que o início da subida das taxas de juro diretoras, assim como a
reversão de outras medidas de PMNC, pode estar para breve torna-se relevante tentar
perceber de que forma este processo se vai desenrolar. Será que a AE já está preparada
para uma subida das taxas de juro diretoras? Quais serão as consequências? Qual a melhor
estratégia, a implementar pelo BCE, para a reversão deste “ambiente não convencional”?
Estas são algumas questões para as quais não existem respostas concretas, mas sobre as
quais é importante refletir.
Um dos principais objetivos desta dissertação é sintetizar informação atualizada,
ainda que de forma efémera, sobre a reversão das medidas de PMNC na AE, sendo que é
também essa atualidade e a organização da informação de forma crítica que tornam esta
dissertação relevante. Embora exista bastante literatura sobre a reversão das medidas de
PMNC, a verdade é que as condições económicas, financeiras e monetárias da AE estão
em constante mudança. Por exemplo, a literatura que existe sobre esta temática, anterior
a 2015, passou a estar um pouco obsoleta após a implementação do Asset Purchase
2
Programmes (APP). O contexto atual (iminência da reversão das medidas não
convencionais) torna esta temática ainda mais relevante para discutir numa dissertação.
Apesar de a dissertação se focar muito no futuro da política monetária da AE, é
importante perceber o que levou o BCE a implementar medidas de PMNC e quais foram
as suas consequências. Também as principais críticas que foram e são apontadas à atuação
do BCE serão analisadas ao pormenor, de forma a conferir ao trabalho vários pontos de
vista (não apenas a visão do BCE). O passado será analisado com atenção ao longo da
dissertação, também pelo facto de nos dar indicações de como deve ser conduzida a
política monetária no presente.
De forma a atingir os objetivos propostos será utilizada a revisão de literatura. Essa
revisão de literatura será exaustiva, de forma a tentar alcançar e aprofundar todos os
pontos de vista existentes acerca da aplicação de medidas de PMNC na AE e a sua
previsível reversão. De facto, vários economistas, banqueiros e policymakers discordam
das medidas que foram implementadas ao longo dos últimos anos pelo BCE, sendo que a
revisão de literatura deve apresentar, de forma crítica e integrada, essas diferentes
posturas. Diferentes posturas que se estendem também ao caminho a percorrer
relativamente à reversão desse “ambiente não convencional”. O objetivo final é
apresentar, de forma estruturada, todos os aspetos relevantes acerca da atuação do BCE
na última década (período de graves problemas económicos e financeiros na AE) e acerca
do processo de reversão das medidas de PMNC.
O presente trabalho encontra-se organizado em seis capítulos. No segundo capítulo,
sendo o primeiro capítulo a introdução, será descrita a atuação convencional do BCE, ou
seja, os instrumentos de política monetária utilizados em tempos de normalidade.
Também serão descritos os principais mecanismos de transmissão da política monetária,
os objetivos do BCE, os seus órgãos de decisão, entre outros.
O terceiro capítulo irá descrever a atuação do BCE desde 2007, ou seja, a resposta
dada aos problemas inerentes às crises do subprime e das dívidas soberanas. Ao longo
desse capítulo, que será subdividido em três partes (resposta à crise financeira mundial,
resposta à crise das dívidas soberanas e resposta ao período de deflação que ocorreu entre
o final de 2014 e o final de 2016) serão descritas e justificadas as principais medidas de
política monetária implementadas pelo BCE, principalmente as medidas não
convencionais.
3
O quarto capítulo tratará exclusivamente da questão das taxas de juro diretoras
terem sido fixadas em níveis muito baixos (taxa da facilidade permanente de depósito
atingiu valores negativos). Será discutido o que levou o BCE a fixar as taxas de juro
diretoras nesses valores, as críticas que vão sendo apresentadas a essa estratégia de
política monetária e as consequências que se têm vindo a verificar.
O quinto capítulo abordará o futuro da política monetária na AE. Serão analisadas
as principais pré-condições apresentadas pela literatura para uma saída limpa do
“ambiente não convencional”, tentando perceber se a AE já está preparada para tal
processo (também serão analisadas as principais consequências de uma saída do
“ambiente convencional” sem cumprir essas pré-condições). Serão também discutidas
algumas das principais questões inerentes a este processo, nomeadamente os timings e a
velocidade a que se devem reverter as medidas, as medidas que devem ser revertidas em
primeiro lugar (sequência), as condições económicas que serão consideradas normais no
futuro, entre outros. Por último serão apresentadas as principais conclusões da
dissertação.
4
2. A política monetária convencional do BCE
2.1. O funcionamento da União Económica e Monetária
No dia 1 de junho de 1998 foi criado o BCE, instituição que passou a desempenhar
um papel determinante, em termos de política monetária, nas economias dos países
aderentes à União Económica e Monetária. Esse novo espaço económico é comumente
designado de Área do Euro. Os países que aderiram inicialmente à UEM foram os
seguintes: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália,
Luxemburgo, Países Baixos e Portugal. Posteriormente, outros países foram
progressivamente aderindo a este novo projeto europeu, a Grécia em 2001, a Eslovénia
em 2007, o Chipre e Malta em 2008, a Eslováquia em 2009, a Estónia em 2011, a Letónia
em 2014 e a Lituânia em 2015. Atualmente, dos 28 países da União Europeia (UE), 19
pertencem à AE.
A moeda “euro” foi lançada a 1 de janeiro de 1999, mas só a partir de 1 de janeiro
de 2002 começaram a circular as novas notas e moedas, substituindo as notas e moedas
nacionais a taxas de conversão fixadas, sendo que durante este período de três anos o euro
foi exclusivamente uma moeda com propósitos contabilísticos (BCE, 2017a). Alguns
Estados que não pertencem à AE também utilizam o euro como moeda oficial, como é o
caso de Andorra, do Mónaco, de São Marino e do Vaticano.
Aquando da criação da criação da UEM surgiu também uma nova rede de
autoridades, o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC). O SEBC engloba o BCE e
os Bancos Centrais (BC) dos países da União Europeia, tendo como objetivo primordial
a manutenção da estabilidade de preços na UE, algo que está bem explicito no artigo 127º
do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE):
“1. O objetivo primordial do Sistema Europeu de Bancos Centrais (…) é a
manutenção da estabilidade dos preços. Sem prejuízo do objetivo da estabilidade dos
preços, o SEBC apoiará as políticas económicas gerais na União tendo em vista
contribuir para a realização dos objetivos da União tal como se encontram definidos no
artigo 3.º do Tratado da União Europeia. (…)”.
5
No entanto, uma vez que nem todos os países pertencentes à UE aderiram à
moeda única, foi necessário criar uma nova rede de autoridades, o Eurosistema. O
Eurosistema tem a mesma missão do SEBC, sendo uma rede composta pelo BCE e pelos
Bancos Centrais dos países pertencentes à AE (BCE, 2011a). Na prática o Eurosistema
tornou-se muito mais importante que o SEBC, sendo crucial para a condução da política
monetária na AE (SEBC apenas reúne esporadicamente). A distinção entre o SEBC e o
Eurosistema apenas existirá enquanto houverem países na União Europeia que ainda não
tenham adotado o euro.
O Eurosistema é governado pelos órgãos de decisão do BCE, nomeadamente o
Conselho de Governadores do BCE, responsável pela formulação da política monetária,
e a Comissão Executiva, responsável pela posterior execução da política monetária
aprovada pelo Conselho de Governadores. Existe também o Conselho Geral, um órgão
transitório que contribui para as funções consultivas do BCE, para a recolha de
informação estatística, elaboração do relatório anual do BCE, entre outros.
O objetivo primordial do BCE confunde-se com o objetivo primordial do SEBC e
do Eurosistema, ou seja, manter a estabilidade de preços. Mais especificamente, aquando
da elaboração do TFUE, ficou definido que a estabilidade de preços seria avaliada através
do crescimento anual do Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC), que deve
estar abaixo, mas próximo de 2%. No entanto, estando este objetivo primordial
assegurado, o BCE tem margem para apoiar outro tipo de políticas prosseguidas na União
Europeia, sendo exemplo disso o combate a efeitos nefastos de crises económicas e/ou
financeiras. Ficou estabelecida a estabilidade de preços como o objetivo primordial pelo
facto de, no longo prazo, os bancos centrais não poderem influenciar o crescimento
económico através da oferta de moeda e de a inflação ser um fenómeno monetário. Se a
inflação não for devidamente controlada pode causar efeitos nefastos para as economias.
A estabilidade de preços permite uma redução dos prémios de risco em taxas de juro,
previne a arbitrariedade na redistribuição de riqueza e rendimentos e contribui para a
estabilidade financeira, entre outros (BCE, 2011b).
A condução da política monetária na AE é descentralizada, não só pelo facto de o
Eurosistema ter a participação de todos os Bancos Centrais nacionais, mas sobretudo pela
delegação de responsabilidades por parte do BCE a esses BC nacionais. Os BC nacionais
6
funcionam quase como “sucursais” do BCE, podendo receber depósitos das IC, conceder
crédito ao abrigo dos diversos instrumentos de política monetária, entre outros.
2.2. Os instrumentos convencionais de política monetária
Na condução da política monetária da AE, o BCE tem vários instrumentos à sua
disposição, sendo que neste capítulo apenas serão apresentados os principais instrumentos
convencionais, instrumentos que são utilizados pelo BCE desde a sua criação.
2.2.1. Facilidades permanentes
Este instrumento de política monetária permite às Instituições de Crédito (IC) ter
sempre uma alternativa viável para obter liquidez ou depositar excessos de liquidez, em
prazos overnight (até um dia), especialmente quando o mercado monetário atravessa
alguma turbulência. A facilidade permanente de cedência de liquidez permite que as IC
obtenham toda a liquidez de que necessitam (desde que apresentem ativos elegíveis como
garantia) a uma determinada taxa de juro fixada pelo BCE, enquanto que a facilidade
permanente de depósito permite que as IC depositem junto do BCE a quantidade de
reservas que entenderem, também a uma taxa de juro fixada (BCE, 2011a). No entanto,
em períodos de normalidade as IC preferem recorrer ao mercado monetário do que a este
instrumento, pelo facto de as taxas de juro praticadas nesse mercado lhes serem mais
favoráveis. Se a Euro Overnight Index Average (EONIA), taxa de juro de referência do
mercado monetário do euro para o prazo overnight, se colocasse no mesmo valor da taxa
da facilidade permanente de depósito, as IC iriam preferir depositar junto do BCE
(depósitos no BCE estão livres de risco), e se a EONIA alcançasse o mesmo valor da taxa
de cedência de liquidez, tornava-se indiferente obter liquidez junto do BCE ou no
mercado monetário. É neste corredor, com limite inferior na taxa da facilidade
permanente de depósito e com limite superior na taxa da facilidade permanente de
cedência de liquidez, que se situa a EONIA, apesar de em condições normais essa taxa se
fixar num valor equidistante das duas facilidades permanentes (normalmente muito
próximo da taxa das operações principais de refinanciamento (Refi)) (Collignon, 2014).
7
Os decisores do BCE podem influenciar a EONIA através do controle que têm sobre as
taxas das facilidades permanentes (BCE, 2011b).
2.2.2. Operações de mercado aberto
As operações de mercado aberto têm como principais objetivos a gestão da
liquidez no mercado monetário (operações com maturidade inferior a um ano), direcionar
as taxas de juro de mercado e sinalizar a posição da política monetária do BCE (BCE,
2011a). Ao contrário das facilidades permanentes, estas operações são despoletadas por
iniciativa do BCE e não por iniciativa das IC. Existem quatro tipos de operações de
mercado aberto, cada uma delas com as suas especificidades no que concerne ao seu
acesso e aos seus objetivos.
Dos quatro tipos de operações, aquelas que são consideradas as mais importantes
são as Operações Principais de Refinanciamento (MRO - Main Refinancing Operations)
(BCE, 2011b). São operações regulares (semanais), com maturidade de habitualmente
uma semana e têm como principal finalidade fornecer liquidez às IC, sendo que o
montante total da operação e a taxa de juro aplicável (caso não seja decidida através de
leilão) são anunciados previamente (BCE, 2011a). No entanto, as IC têm que ser
consideradas elegíveis para poderem recorrer a estas operações, e, para tal, devem
cumprir o requisito das reservas mínimas legais1, serem consideradas sólidas pelas
autoridades nacionais de supervisão e cumprirem os requisitos operacionais (Banco de
Portugal, 2017). Para além disso, são operações reversíveis e as IC têm que apresentar
garantias adequadas, ou seja, ativos que pertençam à Single List2, definida pelo BCE
(BCE, 2011b).
As Operações de Refinanciamento de Prazo Alargado (LTRO – Longer-Term
Refinancing Operations) são bastante semelhantes às MRO, apresentando também como
finalidade fornecer liquidez às IC, sendo que estas conhecem à partida as condições para
que possam aceder a essas operações. As principais diferenças em relação às operações
1 O cumprimento do requisito das reservas mínimas legais é um tema que será descrito no próximo
instrumento de política monetária (subsecção 2.2.3). 2 Lista com todos os ativos, aceites como garantia pelo BCE, para participação nas operações do
Eurosistema.
8
anteriores estão relacionadas com a sua maturidade (três meses ao invés de um mês) e
regularidade (são operações mensais ao invés de semanais) (BCE, 2011a).
As Operações de Fine-Tuning são operações ocasionais que têm como objetivo
responder a flutuações de liquidez inesperadas (ao contrário das operações anteriores
também podem absorver liquidez), como é o caso do último dia do período de manutenção
de reservas, em que muitas IC procuram reservas adicionais para cumprir o rácio exigido.
Consequentemente não têm regularidade estabelecida e a maturidade pode variar
consoante os casos (BCE, 2011b).
Por último, existem as Operações Estruturais. São operações bastante
diversificadas, principalmente em termos de regularidade e maturidade e que têm como
objetivo alterar a posição de liquidez estrutural do setor financeiro. Tal como as
Operações de Fine-Tuning podem ceder ou absorver liquidez e podem ser operações
reversíveis ou definitivas (BCE, 2011a).
2.2.3. Sistema de reservas legais
Todas as IC que atuem na AE estão obrigadas a manter reservas (remuneradas)
junto do BCE, ou mais concretamente junto dos Bancos Centrais nacionais, que
funcionam como “sucursais” do BCE. O montante mínimo de reservas de cada IC
depende da sua reserve base, ou seja, do montante de responsabilidades que estão sujeitas
à manutenção de reservas. De facto, nem todas as responsabilidades de um banco estão
sujeitas à manutenção de reservas. Só estão sujeitos à manutenção de reservas os
depósitos e os títulos de dívida com maturidade de até dois anos. No que concerne aos
depósitos, também são incluídos aqueles que podem ser reembolsáveis com pré-aviso de
até dois anos. Depois de calculada a reserve base é aplicado o rácio de reservas em vigor,
que é de 1% desde janeiro de 2012 (anteriormente era de 2%), ficando as IC a conhecer
o montante exato de reservas mínimas que devem possuir junto dos Bancos Centrais
nacionais (BCE, 2011b).
9
As IC não necessitam de possuir permanentemente o montante de reservas
mínimas exigidas. Apenas necessitam de finalizar o período de manutenção de reservas3
com uma média de reservas diária superior ou igual ao montante mínimo de reservas
exigido, pelo que durante este período pode haver períodos em que o montante de reservas
se encontre abaixo do requisitado (BCE, 2011b). O período de manutenção de reservas
inicia-se, salvo raras exceções, no dia da primeira MRO depois da reunião do Conselho
de Governadores do BCE e termina no dia anterior ao início do próximo período de
manutenção de reservas (BCE, 2011b).
Os principais objetivos deste sistema de reservas legais são a estabilização das
taxas de juro do mercado monetário, sendo um incentivo para a suavização dos efeitos
das flutuações temporárias de liquidez, e a criação ou alargamento de uma escassez de
liquidez estrutural, tornando o Eurosistema mais eficiente no fornecimento dessa liquidez
(BCE, 2011a).
2.3. Mecanismos de transmissão da política monetária
Os três tipos de instrumentos anteriormente referidos são, ou pelo menos foram,
as principais formas convencionais de o BCE intervir. No entanto, importa perceber de
que forma a ação destes instrumentos, que influenciam essencialmente as IC, se vai
repercutir na economia real, nomeadamente em relação à variação dos preços
(formalmente o principal objetivo da política monetária do BCE). Os impactos dos
instrumentos de política monetária propagam-se através dos designados mecanismos de
transmissão da política monetária, mecanismos que têm sempre inerentes consequências
(não só no que toca ao sentido esperado de certas variáveis, mas também em relação à
dimensão dos efeitos) e lags temporais de elevado grau de incerteza, dependendo do
estado e evolução da economia (crescimento económico, solidez bancária, inflação, entre
outros). Numa União Económica e Monetária, como é o caso da AE, onde existem
diferenças consideráveis entre os países membros, os efeitos de uma política monetária
3 O período de manutenção de reservas é um espaço de tempo (duas semanas) em que as IC da AE estão
obrigadas a manter um determinado nível de fundos.
10
podem ser distintos entre esses países. Alguns dos principais mecanismos, ou canais de
transmissão, serão expostos de seguida, sendo que alguns desses canais podem ser
despoletados em simultâneo, ter efeitos divergentes e ser afetados por choques exógenos,
dependendo do tipo de política monetária implementada e das condições económicas,
financeiras e sociais envolventes (BCE, 2011b).
O longo e imprevisível processo de transmissão de uma política monetária
convencional à economia real inicia-se, grande parte das vezes, com uma alteração das
taxas de juro oficiais por parte do BCE, as taxas de juro que o BCE impõe nas suas
operações de mercado aberto e facilidades permanentes (BCE, 2011b). A partir daí são
despoletados os canais de transmissão da política monetária, sendo de destacar o canal da
taxa de juro, o canal da taxa de câmbio, o canal do preço dos ativos, o canal do crédito e
o canal das expectativas.
O canal da taxa de juro transmite, por exemplo, uma descida das taxas de juro
diretoras por parte do BCE a uma descida nas taxas de juro do mercado monetário
(percebemos nos instrumentos de política monetária a influência que o BCE tem sobre o
mercado monetário), levando a uma descida, em certo grau, das taxas de juro praticadas
pelas IC junto dos seus clientes. Há, portanto, no curto prazo, uma descida da taxa de juro
real (a inflação demora a ajustar-se) e do custo do capital, impondo, consequentemente,
uma aceleração do investimento e uma redução na poupança. O consumo também irá
aumentar, incrementando a procura agregada na AE. Esse excesso de procura
relativamente à oferta leva a uma pressão sobre os preços e salários, que irão começar a
subir até que se encontre um novo equilíbrio. Caso estivéssemos perante uma subida das
taxas de juro oficiais, os efeitos seriam inversos.
Através do canal da taxa de câmbio entende-se que - continuando com o exemplo
da descida das taxas de juro oficiais por parte do BCE - se torna menos vantajoso investir
em euros do que em moeda estrangeira. Cria-se, desta forma, um incentivo à troca de
euros por moedas estrangeiras, levando a que o euro deprecie relativamente a essas
moedas. Consequentemente, na AE, as exportações ficarão mais baratas e as importações
mais caras, aumentando dessa forma a procura por produtos e serviços produzidos
internamente. O crescimento económico, por consequência, será também superior, tal
como os preços, uma vez que os produtos importados ficarão mais caros. No entanto,
11
importa referir que o impacto deste canal de transmissão depende do grau de abertura das
economias: quanto maior for a abertura das economias, maior o impacto.
O canal do preço dos ativos transmite diretamente uma variação no preço dos
ativos numa variação da riqueza das empresas e famílias. Neste caso, uma redução das
taxas de juro diretoras por parte do BCE leva a que o valor de mercado dos ativos suba
(preços de ações, por exemplo). Isto acontece porque a política de reduzidas taxas de juro
conduz a um excesso de liquidez nos mercados, incluindo o mercado de capitais, e
funciona também como um incentivo a investimentos mais arriscados, como é exemplo
o investimento em ações em detrimento de depósitos a prazo. Na perspetiva das empresas,
recorrendo à Teoria do q de Tobin (Tobin, 1969), o valor de mercado das mesmas
aumenta com o incremento do preço das ações, elevando dessa forma o q de Tobin. Desta
forma, o nível de investimento da empresa vai aumentar, uma vez que esta teoria nos
transmite a ideia de que quanto maior o q de Tobin maior o nível de investimento da
empresa. As famílias também enriquecem com uma redução das taxas de juro oficiais,
uma vez que vêm os seus encargos com o endividamento reduzidos e também beneficiam
da valorização dos ativos que detenham, incrementando, consequentemente, o seu
consumo (Horatiu, 2013). Resumindo, através deste canal, uma descida das taxas de juro
diretoras por parte do BCE eleva os níveis de consumo e investimento de uma economia
e incrementa, consequentemente, o crescimento económico e a inflação (através do
aumento da procura).
O canal do crédito transmite a política monetária à economia real através da
alteração que é provocada em termos de facilidade de acesso ao crédito, para famílias e
empresas. Tanto famílias como empresas, no caso de uma descida das taxas de juro
oficiais por parte do BCE, vão ter mais facilidade de acesso ao crédito, devido ao aumento
do valor dos ativos que detêm e devido à redução de encargos com dívidas anteriores.
Nesse caso, se existirem dívidas já contraídas, o seu risco de incumprimento será menor
e, para efeitos de novos financiamentos, as suas garantias serão superiores.
Consequentemente, o acesso ao crédito torna-se mais fácil, os riscos apercebidos pelos
bancos são menores, e o consumo e investimento aumentam. Também o crescimento
económico e a inflação são afetados positivamente, principalmente devido ao aumento da
procura.
12
Por último, o canal das expectativas funciona através da influência que a política
monetária do BCE tem sobre as expectativas dos agentes económicos. O BCE está
comprometido com a manutenção da estabilidade de preços e os agentes económicos,
assumindo que tal objetivo será respeitado ao longo do tempo, vão formar as suas
expetativas (em termos salariais por exemplo) sem receio de uma possível evolução
desfavorável da inflação no futuro. Não é só no longo prazo que o canal das expectativas
se fará sentir, também no curto prazo as expectativas dos agentes económicos serão
afetadas. Os agentes económicos, se atuarem racionalmente, podem até ajustar as suas
expectativas antes de um determinado banco central intervir (estando os objetivos desse
banco central bem definidos). Por exemplo, no caso da AE, se a taxa de inflação começar
a descer de forma preocupante, o BCE terá de implementar políticas monetárias
expansionistas, algo que os agentes económicos podem prever com antecedência. No
entanto, para que este canal funcione com eficiência é necessário que o banco central,
neste caso o BCE, tenha credibilidade junto dos agentes económicos e que a sua
comunicação seja clara e simples (BCE, 2011b).
É também importante referir que a política monetária e estes mecanismos de
transmissão apenas afetam de forma duradoura as variáveis macroeconómicas de uma
economia no curto prazo, como é o caso do PIB, apesar de haver teorias contraditórias. O
Princípio da Neutralidade da Moeda e a Teoria Quantitativa da Moeda dizem-nos que, no
longo prazo, a política monetária é neutral, não consegue afetar as variáveis reais (PIB
real, por exemplo), e que a inflação é um fenómeno monetário, relacionada com a oferta
de moeda fornecida pelos Bancos Centrais. Esta realidade explica, em grande parte, o
facto de o objetivo primordial do BCE ser a manutenção da estabilidade de preços (BCE,
2017b).
13
3. A política monetária do BCE no pós-2007
3.1. O eclodir da crise do subprime nos EUA
A crise financeira, comumente designada por crise do subprime e que ainda nos
dias de hoje tem repercussões, apenas começou a ser notada no segundo semestre de 2007,
período marcado pelo início da turbulência e o aumento da volatilidade nos mercados
financeiros (BCE, 2008), mas os fatores que a despoletaram já “minavam” a economia
dos EUA há alguns anos.
A bolha imobiliária, que se ampliava de dia para dia nos EUA, foi o ponto central
desta gigantesca crise. De facto, analisando a figura 3.1, o aumento do preço das
habitações foi enorme (entre 1998 e 2006 o seu crescimento anual foi sempre superior a
5%), apesar de, a partir de 2005, esse crescimento ter começado a abrandar. A partir de
meados de 2006, o preço das habitações nos EUA começou a decrescer, tendência que se
iria intensificar a partir de 2007.
Figura 3.1: Preço das habitações nos EUA, 1:1996-12:2010 (janeiro 2000=100)
Nota: O indicador da figura é o S&P/ Case-Shielder U.S. National Home Price Index, ajustado
sazonalmente.
Fonte: Standard & Poors (2017).
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A expansão da bolha imobiliária nos EUA ganhou dimensão devido a vários
fatores. Verificou-se, durante a década que antecedeu a crise do subprime, uma enorme
expansão do crédito à habitação e do endividamento das famílias, impulsionados, em
grande parte, pelas historicamente baixas taxas de juro que se praticavam e pela
contribuição da inovação financeira (Claessens et al., 2010). Existem economistas que
apontam a inércia da Reserva Federal como fator preponderante neste processo,
defendendo que o Banco Central dos EUA devia ter adotado taxas de juro mais elevadas
e reduzido os incentivos ao endividamento. Mas há também quem discorde, apontando
os desequilíbrios globais, especialmente o excesso de poupança mundial e a constituição
de reservas por parte de alguns países (essencialmente asiáticos) nos EUA, como fatores
determinantes das taxas de juro vigentes nesse período. Por outro lado, a inovação
financeira permitiu a utilização de novos instrumentos financeiros, insuficientemente
regulados, como é o caso dos Mortgage-Backed Securities (MBS). Estes ativos eram
constituídos por hipotecas imobiliárias e transacionados como ativos de baixo risco, uma
vez que as agências de rating lhes davam excelentes notações. No entanto, eram ativos
de elevado risco, uma vez que os bancos e outras instituições forneciam crédito à
habitação sem grande preocupação com as condições de reembolso por parte dos clientes.
Esta realidade verificava-se também pelo facto de grande parte dos gestores receberem
prémios em função do número de hipotecas aprovadas (Allen e Carletti, 2010).
Tendo em conta estas fragilidades, as taxas de incumprimento dos créditos à
habitação começaram a aumentar a um ritmo elevado, principalmente a partir de 2007,
criando-se um pânico financeiro. Consequentemente, o preço das habitações começou a
cair abruptamente, contribuindo também para o aumento das taxas de incumprimento, e
as instituições que estavam diretamente expostas, nomeadamente detentoras de MBS,
sofreram grandes perdas. Gerou-se também uma enorme corrida à liquidez (problemas de
funcionamento do mercado monetário) para fazer face a essas perdas, o crédito bancário
contraiu rapidamente (falta de liquidez e receio de incumprimentos) e outros ativos
financeiros, para além dos MBS, enfrentaram fortes desvalorizações devido ao contágio
financeiro. Mais tarde, em setembro de 2008, a falência do Lehman Brothers, um dos
maiores bancos de investimento dos EUA, amplificou ainda mais a crise. Esta falência
foi resultado das enormes perdas que o banco sofreu devido à sua elevada exposição aos
MBS. Como é óbvio a crise financeira não se limitou aos EUA, rapidamente se propagou
15
por todo o mundo, até porque muitos MBS eram detidos por entidades estrangeiras.
Indiretamente, em resultado das interligações entre os mercados financeiros mundiais,
geraram-se flutuações importantes nas taxas de câmbio, os bancos estrangeiros
(principalmente na Europa) também enfrentaram problemas de liquidez nos mercados
monetários, bolhas imobiliárias rebentaram noutros países (processo acelerado pelos
problemas iniciados nos EUA), entre outros (Claessens et al., 2010). O investimento
direto estrangeiro (IDE) e o comércio mundial também tiveram fortes quebras. O IDE
mundial em 2009 caiu para menos de metade do que se verificava em 2007 e o comércio
mundial de mercadorias caiu cerca de 20% entre 2008 e 2009 (Banco Mundial, 2017a;
2017b).
3.2. A propagação da crise do subprime e o impacto na Área do Euro
Rapidamente a crise financeira, iniciada nos EUA, se propagou a todo o mundo,
tornando-se uma crise económico-financeira mundial. O PIB per capita mundial
enfrentou uma forte quebra, tendo o seu crescimento começado a desacelerar em 2008 e
quebrado quase 3% em 2009. A evolução deste indicador é ainda mais desfavorável nos
EUA e na AE (figura 3.2). A taxa média de desemprego mundial enfrentou uma subida,
passando de cerca de 5,5% em 2007 para aproximadamente 6,2% em 2009, embora essa
escalada seja mais notória nos países desenvolvidos, visto que a taxa média de
desemprego entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE) era de aproximadamente 5,5% em 2007 e subiu para cerca de 8,1%
em 2009. Na AE, o crescimento do desemprego foi ainda mais acentuado e duradouro (de
7,5% em 2007 para 12,0% em 2013), tendo para isso contribuído a eclosão da crise das
dívidas soberanas em alguns países membros (figura 3.3). Para fazer face a esta crise
económico-financeira, grande parte dos países recorreram a políticas orçamentais
expansionistas, elevando fortemente os seus défices orçamentais (figura 3.4) e dívidas
públicas. A deterioração das condições orçamentais também se deveu à ação dos
estabilizadores automáticos (a crise por si só reduziu as receitas orçamentais e aumentou
as despesas orçamentais). O défice orçamental dos EUA, que rondava os 2% do PIB antes
da crise, chegou a atingir quase 10% do PIB em 2009, ao passo que no Reino Unido
16
atingiu os dois dígitos. Na AE, em média, os défices orçamentais não subiram tanto
(verificou-se um valor médio de aproximadamente 6% do PIB em 2009), apesar de,
individualmente, a evolução deste indicador ter sido bastante diferenciada entre os países
membros. Alguns países, como são exemplo a Grécia e Portugal, atingiram valores de
défices orçamentais muito elevados (em 2009, Portugal apresentou um défice orçamental
de 9,8% do PIB, ao passo que a Grécia apresentou um défice orçamental de 15,1% do
PIB).
Figura 3.2: Taxa de crescimento anual do PIB per capita, 2000-2009 (%)
Fonte: Banco Mundial (2017c).
Figura 3.3: Taxas de desemprego, 2000-2013 (%)
Fonte: Banco Mundial (2017d).
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Mundo EUA Área do Euro OCDE
17
Figura 3.4: Saldos orçamentais, 2005-2010 (% do PIB)
Fonte: Trading Economics (2017a).
Tal como se pode verificar pelas figuras anteriores a AE não ficou imune aos
efeitos nefastos da crise económico-financeira. No entanto, não se podem atribuir todos
os problemas que ocorreram na AE desde 2008 à propagação da crise do subprime. A
verdade é que existiam muitos fatores de risco que, mais cedo ou mais tarde, iriam
conduzir a graves problemas. A crise do subprime, para além dos efeitos diretos que teve
sobre a AE, terá contribuído para a aceleração desse processo. Lane (2012) apresenta
alguns desses fatores de risco que, embora não afetassem todos os países por igual (a crise
veio adensar a heterogeneidade na AE, mas ela já existia em grande dimensão antes de
2007), contribuíram para os problemas que se viriam a verificar a partir de 2007. São eles:
os elevados rácios de dívida pública, a expansão excessiva do crédito ao setor privado e
os desequilíbrios nas balanças correntes.
Relativamente aos rácios de dívida pública, o Pacto de Estabilidade e Crescimento
(PEC) estabelece que as dívidas públicas dos países pertencentes à UE devem convergir
para valores inferiores a 60% do PIB. No entanto, muitos países estavam bem acima deste
valor nos primeiros anos deste século. Por exemplo a Itália (99,8% do PIB em 2007) e a
Grécia (103,1% do PIB em 2007) apresentavam dívidas públicas próximas de 100% do
PIB nos anos que antecederam a crise do subprime. Apesar desta realidade, os spreads
inerentes aos títulos de dívida pública eram relativamente baixos para estes países (por
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2005 2006 2007 2008 2009 2010
Área do Euro EUA Reino Unido
18
exemplo, as obrigações de dívida pública a dez anos da Itália e da Grécia pagavam taxas
de juro inferiores a 5% até 2007, valores que apenas se diferenciavam das taxas aplicadas
às obrigações alemãs em poucos pontos base). Os governos nacionais deveriam ter
aproveitado as circunstâncias do período anterior à crise (elevado dinamismo do setor
privado, por exemplo) para aplicarem políticas orçamentais mais conservadoras, algo que
não se sucedeu em muitos casos.
Houve também uma expansão excessiva do crédito ao setor privado em alguns
países (principalmente os que viriam a ser mais afetados pela crise), em parte, motivada
pela possibilidade de os bancos acederem com facilidade a financiamento externo na sua
moeda, o euro. Antes da criação do euro, os bancos de países com moedas fracas
financiavam-se principalmente em dólares dos EUA, libras do Reino Unido, entre outras,
enfrentando o risco cambial. A transição destes países para o euro contribuiu para a
redução das taxas de juro praticadas pelos bancos nesses países da AE e para o,
consequente, aumento do crédito ao setor privado. Em 2007, em vários países da AE o
setor privado tinha dívida superior a 100% do PIB, nomeadamente a Irlanda (184,3% do
PIB), a Espanha (168,5% do PIB) e Portugal (159,8% do PIB). Esta realidade contribuiu
para a criação de bolhas especulativas em vários tipos de ativos, nomeadamente no
mercado imobiliário. De facto, não foi apenas nos EUA que houve subprime, vários
países da AE também enfrentaram esse problema.
O último fator são os desequilíbrios nas balanças correntes4 que alguns países da
AE apresentavam. No período entre 2003 e 2007, os saldos médios das balanças correntes
de alguns países eram preocupantes, nomeadamente na Grécia (-9,1% do PIB), em
Portugal (-9,2% do PIB) e na Espanha (-7,0% do PIB). Estes défices nas balanças
correntes contribuíram para o desenvolvimento de várias fragilidades: dependência de
financiamento externo para cobrir tais défices (grande vulnerabilidade a sudden stops),
dificuldades cada vez maiores para os setores exportadores (subida de salários e drenagem
de recursos para outros setores), entre outros.
4 O saldo da balança corrente de um país reflete a diferença entre o que se recebe e paga ao estrangeiro, seja
através do comércio de bens e serviços, através de rendimentos de ativos ou através de transferências
unilaterais.
19
3.3. A resposta do BCE à crise do subprime
De forma a suavizar alguns dos efeitos da crise do subprime, e para além das
políticas orçamentais expansionistas levadas a cabo pelos governos nacionais, também
foi necessário o apoio de políticas monetárias expansionistas, por parte do BCE. Os
instrumentos de política monetária utilizados durante esta crise económico-financeira e
durante a crise das dívidas soberanas que lhe sucedeu foram, em grande parte, não
convencionais, uma vez que os instrumentos de política monetária convencionais
rapidamente deixaram de apresentar o impacto necessário sobre o mercado monetário,
sobre a economia real, entre outros.
É importante referir que, antes da crise do subprime afetar a AE, vivia-se um
período de confiança e de aparente solidez económica. Durante o ano de 2006 e o primeiro
semestre de 2007, o crescimento económico era sólido (PIB per capita na AE crescia, em
média, a uma taxa superior a 2,5%, como se pode verificar na figura 3.4), o desemprego
tinha atingido, em média, o seu valor mais baixo desde a adoção da moeda única (figura
3.3), verificavam-se fortes lucros empresariais, o consumo privado seguia em constante
crescimento, os preços subiam moderadamente, entre outros. Nessas circunstâncias, o
BCE até subiu as taxas de juro diretoras em março e junho de 2007, num total de 50
pontos base, estabelecendo a taxa mínima das operações principais de refinanciamento
do Eurosistema (Refi) em 4.00%, a taxa da facilidade permanente de cedência de liquidez
em 5.00% e a taxa da facilidade permanente de depósito em 3.00%. Foi com estas taxas
de juro diretoras e neste contexto económico que a crise financeira, iniciada nos EUA, foi
recebida na AE (BCE, 2008).
Em agosto de 2007 iniciou-se a turbulência nos mercados financeiros, despoletada
pelos problemas que iam afetando, numa primeira fase, os EUA. Invertia-se, na AE, o
forte sentimento de confiança económica e as perspetivas para a atividade económica
tornavam-se mais incertas. Neste contexto de incerteza, e com as expectativas para o
crescimento dos preços a continuarem a ser revistas em alta (taxa de inflação fixava-se
em valores acima dos 2%, como está ilustrado na figura 3.5) devido à evolução do preço
das matérias primas, o BCE optou por não alterar as taxas de juro diretoras no imediato.
Os decisores de política monetária do BCE foram cautelosos, esperando por mais
20
informação para a definição da sua política monetária (BCE, 2008). Esta passividade do
BCE manteve-se até julho de 2008, momento em que decidiu subir as taxas de juro de
referência em 25 pontos base.
Figura 3.5: Taxa de inflação homóloga da AE, 4:2007-12:2009 (%)
Fonte: Eurostat (2017a).
A partir de setembro de 2008, mês em que o Lehman Brothers colapsou, a crise
financeira intensificou-se na AE, a turbulência financeira aumentou em grande escala,
levando a problemas de funcionamento e escassez de liquidez em vários segmentos dos
mercados financeiros. Foi neste contexto, e em coordenação com outros Bancos Centrais
relevantes no contexto mundial, que o BCE decidiu voltar a alterar as taxas de juro
diretoras, e por diversas vezes. Nesta fase, as reduções das taxas de juro diretoras, por
parte do BCE, ainda não constituíam medidas de PMNC, uma vez que estas chegaram a
2010 ainda em valores relativamente normais (não se atingiu a zero lower bound5 nesta
fase). Entre outubro de 2008 e maio de 2009, as taxas de juro diretoras foram reduzidas
cinco vezes, tendo a taxa das operações principais de refinanciamento sido fixada em 1%,
a taxa da facilidade permanente de depósito em 0,25% e a taxa da facilidade permanente
de cedência de liquidez em 1,75% (figura 3.6). O BCE adotou esta estratégia tendo em
vista o apoio ao setor financeiro (alguns mercados financeiros, nomeadamente os
5 Zero lower bound ocorre quando as taxas de juro nominais de curto prazo se fixam em 0% ou em valores
próximos desse nível.
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mercados interbancários quase paralisaram (Falagiarda e Reitz, 2015)) e à economia real,
auxiliando dessa forma os sobrecarregados Estados, que estavam a aumentar em grande
escala os défices orçamentais para tentar reduzir os efeitos da crise (BCE, 2008; 2009).
Figura 3.6: Taxas de juro diretoras do BCE e EONIA, 1:2007-4:2018 (%)
Fonte: BCE (2018e; 2018f).
Para além da redução das taxas de juro diretoras, o Conselho do BCE aprovou,
com carácter temporário, as primeiras medidas de PMNC. O BCE percebeu que a atuação
monetária convencional não seria suficiente para fazer face aos desafios da nova
realidade. Foi o início do “ambiente não convencional” na AE, em que foram tomadas
pelo BCE um conjunto de decisões que estão sintetizadas no quadro 3.1, para o período
compreendido entre setembro de 2008 e abril de 2010.
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Taxa de juro da facilidade permanente de depósito
Taxa de juro da facilidade permanente de cedência de liquidez
Taxa Refi
Taxa de juro overnight (EONIA)
22
Quadro 3.1: Medidas de PMNC do BCE entre setembro de 2008 e abril de 2010
Medida de PMNC Descrição
Financiamento
ilimitado de
liquidez a taxa fixa
nas operações de
leilão do BCE
A partir do final de 2008, o BCE comprometeu-se a ceder aos
bancos da AE toda a liquidez por estes desejada nas operações
de refinanciamento, desde que apresentassem garantias
adequadas. As taxas de juro implícitas passaram a ser fixas (taxa
Refi), sendo que o objetivo desta medida foi facilitar o acesso à
liquidez por parte dos bancos (BCE, 2009). Atualmente esta
medida ainda se encontra em vigor.
Redução do
corredor formado
pelas facilidades
permanentes
Em outubro de 2008 este corredor foi reduzido de 200 pontos
base para 100 pontos base, tendo-se mantido próximo deste valor
até maio de 2009 (apesar de terem existido algumas alterações
durante este período). A partir de maio de 2009 seria alargado
para 150 pontos base (BCE, 2009). Este corredor é essencial para
influenciar a evolução da EONIA, a taxa à qual os bancos se
financiam no mercado monetário (BCE, 2011b).
Alargamento dos
colaterais
Através desta medida o BCE permitia que cada vez mais ativos
fossem aceites nas suas operações de refinanciamento,
facilitando o acesso à liquidez por parte dos bancos da AE (BCE,
2010). A lista começou a ser alargada em 2008 e desde então foi
alvo de muitos outros alargamentos.
Alargamento da
maturidade nas
LTRO´s
As LTRO´s habitualmente tinham um prazo de três meses, mas
foram realizadas diversas operações com maturidade de seis e
doze meses. Esta medida visava facilitar o refinanciamento dos
bancos da AE a mais longo prazo, garantindo uma maior
estabilidade e tempo para que muitos desses bancos gerissem e
reestruturassem os seus balanços (fortemente afetados pela crise
financeira) (BCE, 2010).
Cedência de
liquidez em moeda
estrangeira
O BCE disponibilizou enormes quantidades de liquidez em
moeda estrangeira, principalmente em dólares dos EUA,
23
contrariando a instabilidade que se vivia no mercado cambial
(BCE, 2010).
Aquisição a título
definitivo de
covered bonds
As covered bonds são obrigações hipotecárias e obrigações sobre
o setor público, sendo que a atuação em mercados de covered
bonds é uma fonte essencial de financiamento para os bancos da
AE. A atuação do BCE visava garantir a solidez bancária (BCE,
2010).
Estas medidas tinham como principais objetivos a tranquilização dos mercados
financeiros (principalmente os mercados monetários) em relação aos riscos de liquidez e
reforçar a função de intermediação do BCE. O reforço da liquidez cedida pelo BCE aos
bancos foi tão abundante que a EONIA baixou para valores muito próximos da taxa da
facilidade permanente de depósito (figura 3.6), sendo que habitualmente se fixa próximo
da taxa das operações principais de refinanciamento (BCE, 2009). Para além disso, estas
medidas visavam também impedir que o crédito a famílias e sociedades não financeiras
da AE fosse fortemente afetado pelos efeitos adversos da grave crise económico-
financeira que se vivia. Uma vez que a economia real da AE é essencialmente financiada
pelo setor bancário, grande parte das medidas que são referidas anteriormente são
destinadas, em primeira instância, aos bancos (BCE, 2010). Pelo facto de os preços na
AE começarem a crescer a um ritmo cada vez mais lento desde meados de 2008 (figura
3.5), o BCE teve a margem suficiente para implementar estas medidas de PMNC (assim
como reduzir as taxas de juro diretoras) sem pôr em causa o objetivo da inflação. Aliás,
a partir do início de 2009, a redução da inflação começou a ser preocupante e tornou-se
necessário implementar medidas de política monetária expansionistas (em junho de 2009
a AE entrou em deflação, tendo-se esta realidade mantido até novembro do mesmo ano).
No final de 2009, em resultado da descida das taxas de juro diretoras e da
implementação de várias medidas de PMNC, houve uma redução da instabilidade nos
mercados financeiros (especialmente no mercado monetário) e as condições económicas
davam sinais de recuperação. No segundo semestre de 2009, em virtude dos progressos
verificados, o BCE já discutia a remoção de parte das medidas não convencionais (que
veio a acontecer, ainda que temporariamente), de forma a evitar distorções desnecessárias
24
(risco moral e desincentivo a ajustamentos estruturais nos balanços dos bancos, por
exemplo) (BCE, 2010). Na opinião de muitos economistas a crise económico-financeira
estava ultrapassada.
As taxas de juro dos empréstimos bancários registaram uma descida (figura 3.7)
significativa durante 2009, facilitando o acesso ao financiamento de sociedades não
financeiras e famílias (a figura 3.8 ilustra que a redução no montante total de empréstimos
não foi muito significativa). Esta realidade foi essencial para que o investimento e o
consumo privado não tivessem sido mais afetados durante este período. Ainda assim as
diferenças entre países eram cada vez mais significativas, relativamente ao que se
verificava antes de 2008.
Figura 3.7: Taxas de juro médias de novos contratos de crédito a sociedades não
financeiras na AE, 1:2007-3:2018 (%)
Fonte: BCE (2018b).
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Alemanha Espanha França Grécia Portugal Área do Euro
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Figura 3.8: Crédito bancário ao setor privado não-financeiro da AE, 3:2005-9:2017
(109€)
Fonte: BIS (2018).
3.4. O eclodir da crise das dívidas soberanas e a resposta do BCE
Em meados de 2010, quando se pensava que a crise económico-financeira já tinha
acabado, surgiram novas tensões em alguns segmentos dos mercados financeiros,
nomeadamente em alguns mercados de dívida pública. As medidas de política orçamental
expansionistas que grande parte dos países implementaram, em conjunto com os efeitos
adversos dos estabilizadores automáticos, deram origem a elevados défices orçamentais
e ao rápido crescimento das dívidas públicas, indicadores que começaram a alarmar os
mercados e fizeram incrementar as taxas de juro exigidas pela aquisição de títulos de
dívida pública (BCE, 2011c).
No entanto, nem todos os países da AE foram atingidos da mesma forma por esta
crise das dívidas soberanas. Os investidores passaram a considerar que, por exemplo,
possuir uma obrigação de dívida pública alemã (país da AE com solidez orçamental) não
é o mesmo que possuir uma obrigação de dívida pública grega ou portuguesa. Se os
défices orçamentais e as dívidas acumuladas são mais elevadas nos últimos e se variáveis
económicas como o crescimento económico e o desemprego são bem mais positivas no
primeiro, os prémios de risco dos títulos de dívida pública passaram a incorporar essa
realidade. De facto, a Alemanha atravessou a crise económico-financeira de forma mais
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suave que a maioria dos países da AE (talvez porque não apresentasse, de forma tão
vincada, algumas das fragilidades que existiam noutros países da AE no período que
antecedeu a crise do subprime) e, apesar de também se ter agravado o seu défice
orçamental e a sua dívida pública, não atingiu os desequilíbrios apresentados por outros
países. Em 2010, a Alemanha apresentava um défice orçamental de 4,2% e uma dívida
pública de 81,0% do PIB, enquanto que, por exemplo, a Grécia apresentava um défice
orçamental de 11,2% e uma dívida pública de 146,2% do PIB.
Foi neste contexto que começaram a aumentar os diferenciais entre as taxas de juro
dos títulos de dívida pública alemã e dos títulos de dívida pública de outros países da AE,
principalmente Grécia, Portugal, Irlanda, Itália e Espanha (figura 3.9). Em alguns desses
países, o custo do financiamento público incrementou de tal forma (havia cada vez menos
interessados em adquirir os títulos) que os governos sentiram a necessidade de pedir
auxílio externo, não só às autoridades competentes da UE, como também ao Fundo
Monetário Internacional (FMI). A Grécia foi o primeiro país a pedir auxílio, em abril de
2010, seguindo-se a Irlanda, em novembro de 2010, e Portugal em abril de 2011.
Figura 3.9: Taxas de juro das obrigações de dívida pública a 10 anos, 1:2005-3:2018
(%)
Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis (2018).
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Espanha Irlanda Portugal Alemanha Grécia Itália
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Deparado com este panorama (também os mercados monetários passavam por
novas dificuldades, temendo-se perturbações comparáveis com as que se verificaram na
sequência da falência do Lehman Brothers em 2008), em meados de 2010, o BCE foi
obrigado a intervir, não só através da reativação de algumas medidas de PMNC (por
exemplo, a colocação total das LTRO´s a taxa fixa, a realização de novas LTRO´s com
maturidades extraordinárias, novos alargamentos da lista de colaterais, novas aquisições
de covered bonds e a cedência de liquidez em moeda estrangeira) mas também através da
implementação de novas medidas não convencionais (quadro 3.2).
Quadro 3.2: Medidas de PMNC do BCE entre maio de 2010 e agosto de 2012
Medida de PMNC Descrição
Lançamento do
Securities Markets
Programme (SMP)
O BCE, a partir de maio de 2010, passou a intervir nos
mercados (secundários) de dívida dos setores privado e
público, tendo como objetivos garantir a profundidade e
liquidez destes mercados e, consequentemente, restabelecer o
funcionamento adequado da transmissão da política
monetária6 (BCE, 2011c). A liquidez criada pelo SMP foi
sendo esterilizada, sendo que este programa esteve ativo até
fevereiro de 2012.
Redução da taxa de
reserva legal
A partir de janeiro de 2012, o rácio de manutenção de reservas
legais foi reduzido de 2% para 1%. O objetivo desta medida
era reduzir a necessidade de liquidez do sistema bancário da
AE e aumentar a atividade nos mercados monetários (BCE,
2012c).
Anúncio das
Transações
Monetárias
Definitivas (Outright
Monetary
Transactions – OMT)
O objetivo das OMT, que foram anunciadas em agosto de
2012, passava pela redução significativa das taxas de juro
sobre as obrigações de dívida pública (e dos diferenciais entre
os países), melhorando a transmissão e a unicidade da política
monetária, garantindo, por último, a estabilidade de preços
(BCE, 2013).
6 A transmissão da política monetária do BCE será abordada com maior detalhe na subsecção 4.1.4.
28
As OMT consistiam na aquisição, de forma definitiva e nos mercados secundários,
de obrigações soberanas, principalmente com prazos entre um e três anos. Não foram
estabelecidos limites quantitativos e a liquidez criada era esterilizada. Apesar de não ter
sido definido, de imediato, o momento em que as OMT iriam ser ativadas, o seu anúncio
foi suficiente para aliviar as tensões nos mercados financeiros, nomeadamente nos
mercados de obrigações de dívida pública e alguma da incerteza sobre a evolução
económica (BCE, 2013). Houve uma grande descida nos spreads inerentes aos títulos de
dívida pública a partir do anúncio do OMT, sendo que os diferenciais entre países também
reduziram drasticamente, tal como se pode ver na figura 3.9.
Para além destas medidas, e apesar da instabilidade vivida nos mercados
financeiros, o BCE decidiu subir as taxas de juro diretoras em 2011. As pressões
inflacionistas que se faziam sentir na AE, relacionadas com a subida do preço das
matérias-primas, levaram o BCE a intervir, de forma a salvaguardar a estabilidade de
preços (BCE, 2012). Em abril e junho, o BCE subiu as taxas de juro de referência num
total de 50 pontos base. No entanto, as taxas de juro diretoras mantiveram-se pouco tempo
nesses novos valores, uma vez que no final de 2011 foram reduzidas em 50 pontos base.
Em julho de 2012 voltariam a ser reduzidas (em 25 pontos base), tendo-se fixado a taxa
das operações principais de refinanciamento em 0,75%, a taxa da facilidade permanente
de cedência de liquidez em 1,50% e a taxa da facilidade permanente de depósito em
0,00%. O objetivo do BCE, ao reduzir as taxas de juro diretoras, era o financiamento da
economia real (para além de contribuir para menores taxas de juro nos títulos de dívida
pública), uma vez que os bancos estavam pouco recetivos a conceder empréstimos
(mesmo com grande disponibilidade de liquidez) (BCE, 2012). Alguns bancos,
principalmente bancos dos países periféricos, não tinham acesso, em condições razoáveis,
a financiamento nos mercados interbancários, transmitindo-se esta restrição à concessão
de crédito às sociedades não financeiras e às famílias (quebra nos empréstimos bancários,
como se pode observar na figura 3.8), que também procuravam cada vez menos
financiamento (BCE, 2013). As diferenças no acesso ao crédito entre os países da AE, no
que toca a taxas de juro e outras condições de financiamento, iam-se também alastrando
(figura 3.7).
A economia da AE estava a desacelerar desde meados de 2011 (após uma ligeira
recuperação que ocorreu com o abrandar da crise do subprime) e viria a enfrentar uma
29
nova recessão entre o início de 2012 e meados de 2013 (figura 3.10). A nível individual,
as diferenças entre países eram enormes, como se pode verificar, por exemplo,
comparando a taxa de crescimento da Alemanha coma a taxa de crescimento da Grécia.
Esta redução no ritmo de crescimento económico refletia o abrandamento no crescimento
do consumo e do investimento. O bom desempenho da procura externa evitou resultados
ainda piores durante o período de recessão (figura 3.11).
Figura 3.10: Taxa de crescimento do PIB real na AE (variações homólogas), 1ºT:2007-
1ºT:2018 (%)
Fonte: OCDE (2018b).
Figura 3.11: Taxa de crescimento do PIB nominal e dos seus agregados na AE (variações
homólogas), 1ºT:2007-4ºT:2017 (%)
Fonte: Eurostat (2018d).
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Consumo Investimento Variação de existências
Exportações líquidas PIB nominal
30
3.5. O início da recuperação económica e o combate à deflação na Área
do Euro
A partir do segundo semestre de 2013 começaram a surgir ligeiras melhorias no
que toca ao desempenho económico da AE, sendo que a melhoria da procura interna foi
essencial para o início de recuperação. No entanto a dinâmica dos preços na AE, que
estavam a crescer a um ritmo cada vez mais lento, determinou (ou facilitou) novas
intervenções por parte do BCE. Na transição de 2014 para 2015, a AE viria a entrar em
deflação (figura 3.12). Apesar de as taxas de inflação terem rapidamente recuperado para
valores positivos, fixaram-se, por bastante tempo (até ao final de 2016), longe do nível
definido como objetivo primordial do BCE. Os produtos energéticos foram os principais
impulsionadores desta dinâmica de preços, sendo que o crescimento moderado dos
salários também contribuiu para esta situação (BCE, 2016). A figura 3.12 mostra-nos
também as diferenças entre países relativamente a este indicador. Por exemplo, a Grécia
atravessou um longo e profundo período de deflação entre março de 2013 e dezembro de
2015, enquanto que a Alemanha apenas em janeiro de 2015 apresentou uma taxa de
inflação homóloga negativa.
Figura 3.12: Taxas de inflação homóloga na Área do Euro, 1:2011-3:2018 (%)
Fonte: Eurostat (2018e).
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Área do Euro Alemanha Grécia Espanha Portugal
31
As taxas de juro diretoras do euro voltaram a ser reduzidas por diversas vezes
(em novembro de 2013 o BCE fixou pela primeira vez na sua história uma taxa de juro
diretora em valor não positivo, a taxa da facilidade permanente de depósito (0,0%)), sendo
que em março de 2016 as taxas de juro diretoras foram fixadas nos seguintes níveis: taxa
das operações principais de refinanciamento em 0,0%; taxa da facilidade permanente de
depósito em -0,4%; taxa da facilidade permanente de cedência de liquidez em 0,25%.
Para além disso, o BCE foi anunciando que as taxas de juro diretoras se iam manter baixas
por bastante tempo. Esta comunicação visava reduzir a incerteza quanto às taxas de juro
nos mercados financeiros, ancorando desta forma as expectativas dos agentes económicos
(BCE, 2014). Apesar de as alterações nas taxas de juro diretoras do euro serem inerentes
à normal condução de política monetária, a sua fixação em valores tão reduzidos
(próximos de zero ou até negativos) tem de ser vista como uma medida de PMNC. Em
tempos considerados normais o BCE nunca aplicaria tais valores nas taxas de juro
diretoras, pelo que as taxas que atualmente se verificam são resultado das excecionais
condições económico-financeiras que se têm vivenciado na AE.
Em meados de 2014 a economia da AE abrandou ligeiramente (figura 3.10), em
grande parte, devido ao enfraquecimento do investimento, aumento das tensões
geopolíticas (crise diplomática pela posse da Crimeia) e a insuficiente implementação de
reformas estruturais em alguns países da AE. Estas circunstâncias levaram o BCE a
implementar novas medidas de PMNC (para além da redução das taxas de juro diretoras).
O objetivo foi, mais uma vez, melhorar a transmissão da política monetária à economia
real e aumentar a acomodação monetária. O BCE queria aumentar o crédito à economia
real (o financiamento às famílias e às sociedades não-financeiras continuava em queda) e
pretendia baixar ainda mais as taxas de juro bancárias (BCE, 2015). No final de 2014, as
rentabilidades das obrigações de dívida pública de grande parte dos países da AE, que já
se apresentavam relativamente estáveis em valores próximos ou inferiores aos que se
verificavam antes da crise das dívidas públicas, começaram a subir novamente,
principalmente na Grécia (figura 3.9). Este ressurgir de instabilidade nos mercados de
dívida pública da AE também obrigou o BCE a implementar mais medidas de PMNC
(BCE, 2016). O quadro 3.3 sintetiza as medidas que foram implementadas pelo BCE
desde junho de 2014.
32
Quadro 3.3: Medidas de PMNC do BCE desde junho de 2014
Medida de PMNC Descrição
Lançamento de
uma série de
LTRO’s
direcionadas
As LTRO´s direcionadas, introduzidas em meados de 2014,
visavam melhorar o crédito bancário ao setor privado não
financeiro da AE, ao assegurar financiamento em condições
bastante atrativas e a longo prazo (até quatro anos) aos bancos
que satisfizessem determinados critérios relacionados com a
concessão de crédito à economia real (BCE, 2015).
Lançamento de
dois programas de
compra de ativos
do setor privado
Os programas de compra de ativos selecionados do setor
privado, lançados em meados de 2014 e que se incluíam no Asset
Purchase Programme (APP), contemplavam um programa de
compra de instrumentos de dívida titularizados (Asset-Backed
Securities Purchase - ABSPP), em que os ativos subjacentes
consistem em créditos sobre o setor privado não financeiro da
AE, e o terceiro programa de compra de covered bonds (Third
Covered Bond Purchase Programme - CBPP3).
Alargamento do
programa APP
através da
implementação do
PSPP
O BCE decidiu, em janeiro de 2015, alargar em grande escala o
APP. Passou, através do programa de compra de títulos de dívida
do setor público (Public Sector Purchase Programme – PSPP) a
adquirir títulos, com classificação investment-grade e
denominados em euros, de administrações centrais e de outros
organismos e instituições estabelecidas na AE (BCE, 2016).
Inclusão, no APP,
de um novo
programa de
compra de ativos
do setor
empresarial (CSPP)
Em março de 2016, em virtude de uma ligeira deterioração das
condições económicas e financeiras, o BCE decidiu alargar
novamente o APP e implementar um programa de compra de
ativos do setor empresarial (Corporate Sector Purchase
Programme – CSPP).
Relativamente às LTRO´s direcionadas, é importante referir que os bancos tinham
acesso a um montante de crédito equivalente a 7% do montante de empréstimos
concedidos ao setor privado não financeiro, excluindo crédito à habitação. A taxa aplicada
33
às primeiras LTRO´s direcionadas foi a taxa das operações principais de refinanciamento
mais um spread de 10 pontos base, sendo que esse spread foi, posteriormente,
abandonado. Todas as LTRO´s direcionadas atingem maturidade em setembro de 2018,
sendo que, a título de exemplo, nas duas primeiras operações foram beneficiárias 1223
instituições de crédito, no montante de 212,4 mil milhões de euros (BCE, 2015).
O lançamento do APP, numa primeira fase através do ABSPP e do CBPP3, permitiu
uma intervenção seletiva nos mercados onde a transmissão às condições de financiamento
do setor privado não financeiro é elevada (incentivos para os bancos criarem instrumentos
de dívida titularizados e covered bonds, aumentando assim a oferta de empréstimos),
complementando, dessa forma, as LTRO´s direcionadas (BCE, 2015). O alargamento do
APP, através do PSPP, esteve diretamente relacionado com o ressurgir de instabilidade
nos mercados de dívida pública no final de 2014, a dinâmica da inflação e a falta de
margem para baixar as taxas de juro diretoras (já próximas do seu limite inferior). O valor
mensal de aquisições ao abrigo do programa APP, desde março de 2015 (mês em que foi
lançado o PSPP) até março de 2016, foi de 60 mil milhões de euros, sendo que a partir de
abril de 2016 essas aquisições passaram a ser de 80 mil milhões de euros por mês. Desde
abril de 2017 e até dezembro de 2017, o montante de aquisições mensais foi de 60 mil
milhões de euros, sendo que desde janeiro de 2018 é de 30 mil milhões de euros. O PSPP
foi o maior contribuinte para estes valores, sendo os montantes dos restantes programas
muito menos significativos. Em termos acumulados, desde março de 2015 (até março de
2018), o programa APP já permitiu ao BCE adquirir cerca de 2.369 mil milhões de euros
em ativos, sendo que 1.945 mil milhões são títulos de dívida do setor público (figura
3.13). Estes valores demonstram a dimensão deste programa. Por último, o lançamento
do CSPP visava fortalecer a transmissão dos programas de compra de ativos do BCE às
condições de financiamento da economia real da AE, de forma a acelerar o crescimento
económico e a subida da taxa de inflação (BCE, 2017a).
34
Figura 3.13: Aquisições feitas pelo BCE ao abrigo do APP, 3:2015-3:2018 (109€)
Fonte: BCE (2018d).
Prosseguiu, entretanto (com o apoio das medidas de PMNC referidas
anteriormente), a recuperação económica na AE, embora ainda a taxas inferiores às
desejadas, tendo o PIB real anual crescido a valores abaixo de 2% em 2015 e 2016 (figura
3.10). O consumo e o investimento aumentaram o seu ritmo de crescimento, mas o
abrandamento no crescimento das exportações estava a travar o crescimento económico
(figura 3.11). A diminuição das exportações para outros países europeus e para a China
foi a causa principal desta quebra. A política monetária acomodatícia, levada a cabo pelo
BCE, tem permitido que as sociedades não financeiras e as famílias tenham acesso a
condições de financiamento cada vez mais favoráveis, algo que contribui para o
crescimento do consumo e do investimento. Melhorias salariais, a redução do
desemprego, o aumento do consumo público e o impacto de algumas reformas estruturais
também contribuem para este processo. No entanto, a necessidade de mais reformas
estruturais e a contínua desalavancagem dos setores privado e público impedem que o
consumo e o investimento cresçam a um ritmo ainda superior (BCE, 2016).
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o
mar
ço
2015 2016 2017 2018
ABSPP CBPP3 CSPP PSPP APP
35
4. A redução das taxas de juro levada ao limite
Tal como foi referido no capítulo anterior, ao longo dos últimos anos, o BCE
implementou imensas políticas monetárias não convencionais. São exemplo disso as
LTRO´s direcionadas, as aquisições de uma enorme diversidade de títulos ao abrigo do
APP ou a descida das taxas de juro diretoras para níveis anormalmente baixos. Estas
medidas nunca puseram em causa o objetivo da manutenção da estabilidade de preços no
médio prazo (objetivo primordial do BCE), tendo auxiliado os Estados e outros agentes
económicos da AE na suavização dos efeitos e recuperação das graves crises económico-
financeiras que a Europa enfrentou na última década (crise do subprime e crise das dívidas
soberanas).
Neste capítulo será analisada com maior detalhe uma dessas medidas de PMNC, a
descida histórica das taxas de juro diretoras para valores negativos (taxa da facilidade
permanente de depósito) ou próximo disso. Taxas dessa dimensão, fixadas pelo BCE,
foram uma novidade na condução da política monetária na AE. Haviam muito poucos
exemplos de taxas de juro desta ordem, pelo que as suas consequências estavam longe de
ser certas e os economistas dividem-se entre o apoio e a crítica a esta medida (ou medidas,
visto que a redução foi progressiva). O Banco do Japão foi uma referência, uma vez que
fixou, por várias vezes desde os anos 90 do século passado, a taxa de referência em 0%,
num contexto de deflação. Para além do Japão, também na Europa haviam alguns
exemplos (de taxas diretoras negativas inclusive), nomeadamente na Suíça no início dos
anos 70 (banco central estabeleceu taxas de juro negativas para combater uma apreciação
monetária) e na Suécia em 2009 e 2010 (foram implementadas taxas de juro negativas
para limitar a entrada de capitais no país). Neste capítulo serão analisados, com maior
detalhe, os fatores que levaram o BCE a ir reduzindo progressivamente as taxas de juro
diretoras, as críticas a tal decisão e quais as consequências desta nova realidade.
36
4.1. Fatores impulsionadores e consequências positivas
4.1.1. Garantir a estabilidade de preços
A manutenção da estabilidade de preços no médio prazo foi sempre apontada pelo
BCE como a principal justificação para implementar medidas de PMNC, como é o caso
da redução das taxas de juro diretoras para níveis anormalmente baixos. No entanto, as
reduções das taxas de juro diretoras, assim como outras medidas de PMNC, tiveram e
têm um impacto muito para além da estabilidade de preços. Será que a estabilidade de
preços foi sempre o objetivo final do BCE ou foi, por diversas vezes, apenas um
“pretexto” (a dinâmica dos preços permitiu que o BCE implementasse políticas
monetárias expansionistas) para auxiliar a suavizar as crises que a AE teve de ultrapassar
ao longo dos últimos anos? A verdade é que existe uma forte relação entre a inflação e os
ciclos económicos, sendo a relação entre a inflação e o desemprego um dos temas mais
debatidos pelos economistas ao longo das últimas décadas. De facto, apesar de grande
parte dos economistas concordar com a Teoria da Neutralidade da Moeda, que nos
transmite a ideia de que no longo prazo a oferta de moeda não consegue afetar as variáveis
económicas reais (apenas o crescimento dos preços), é também bastante consensual que
no curto prazo a política monetária pode alterar variáveis económicas como o crescimento
do PIB ou o desemprego, por exemplo.
A inflação está quase sempre em linha com o ciclo económico (apesar de existirem
lags temporais). Se repararmos na evolução da inflação, na AE ao longo da última década
(figuras 3.5 e 3.12), percebemos que houve dois períodos em que a mesma desacelerou
(em alguns meses estivemos perante deflação), períodos que coincidem com os piores
momentos das crises do subprime e das dívidas soberanas. Quando estamos perante uma
recessão económica, que pode eclodir por problemas nos mercados financeiros (como no
caso destas crises) o consumo é quase sempre uma das variáveis económicas afetadas (em
grande parte, devido à deterioração das condições de financiamento da economia real)
levando à diminuição da taxa de inflação, da produção e, consequentemente, do emprego.
Posteriormente, aumentando o desemprego, o consumo vai cair ainda mais (multiplicador
keynesiano), levando a nova diminuição da taxa de inflação. Desta forma, apesar de a
inflação ser afetada por muitos outros fatores, percebe-se que num período de recessão
económica haja grande probabilidade de existir uma pressão desinflacionista (em alguns
37
casos deflação), pelo que uma política monetária que vise aumentar o ritmo de
crescimento dos preços, vai também incentivar a atividade económica (Labonte, 2011).
No caso da AE, excluindo um pequeno período temporal entre a crise do subprime
e a crise das dívidas soberanas, a taxa de inflação esteve quase sempre em valores abaixo
do objetivo do BCE. O primeiro período iniciou-se no verão de 2008 e culminou com a
entrada em deflação em junho de 2009, realidade que se viveu até novembro desse ano.
A taxa de inflação homóloga chegou a atingir o valor de -0,7%, em julho de 2009. O
segundo período de pressões deflacionistas iniciou-se no segundo semestre de 2012,
dando seguimento ao intensificar da crise das dívidas soberanas, e culminou com a
entrada em deflação em dezembro de 2014. Este segundo período foi mais longo, sendo
a descida da taxa de inflação homóloga progressiva ao longo de cerca de dois anos. Entre
o final de 2014 e início de 2017, a AE esteve sempre em deflação ou inflação muito
reduzida, tendo-se atingido uma taxa de inflação homóloga de -0,6% em janeiro de 2015
(figuras 3.5 e 3.12).
De forma a combater as pressões deflacionistas, o BCE tomou medidas de acordo
com o que é usual nestes casos, ou seja, começou a reduzir as taxas de juro diretoras
(figura 3.6). Como já foi referido, o BCE desceu as taxas de juro diretoras até valores
negativos ou próximo disso. Apesar dessa descida das taxas de juro diretoras, é importante
referir que houve outras medidas de política monetária que se revelaram fundamentais
neste processo, como é o caso do APP (Conti et al., 2017). Apesar de todos os esforços,
a taxa de inflação manteve-se baixa por um longo período de tempo, sendo que o facto
de, em alguns países, os mecanismos de transmissão de política monetária terem sido
bastante afetados e apresentarem-se disfuncionais (ver 3.1.6) contribuiu para a
dificuldade em fazer subir os preços (Ciccareli et al., 2013). No entanto, a AE não caiu
em deflação autossustentável e o nível das taxas de juro diretoras desempenhou um papel
fulcral nesse desenrolar (Praet, 2017).
Evitar a deflação foi de facto, durante bastante tempo, um dos principais objetivos
do BCE (compatível com outros possíveis objetivos que serão referidos posteriormente),
pelo que importa perceber quais os motivos que levam a que seja tão temida, ao ponto de
os bancos centrais fazerem de tudo para a evitar. A deflação incentiva os bancos centrais
a reduzirem as taxas de juro diretoras, com o intuito de assim contribuírem para a saída
38
dessa situação. No entanto, se a deflação for profunda e os bancos centrais forem
obrigados a baixar muito as taxas de juro diretoras, corre-se o risco de atingir uma
situação de zero lower bound (taxas de juro próximas de zero). Nessa situação as taxas
de juro diretoras têm um impacto reduzido no crescimento dos preços. Isto acontece
porque as expectativas de deflação corroem os efeitos dessa descida da taxa de juro
nominal, aumentando a taxa de juro real, que por sua vez, vai aumentar ainda mais as
expectativas de deflação (desincentiva o consumo no presente, pelo facto de haver a
expectativa de que no futuro os preços serão mais baixos). É um ciclo vicioso, uma vez
que os bancos centrais perdem grande parte da capacidade de afetarem as expectativas de
inflação/deflação. Por outro lado, as empresas enfrentam graves problemas devido à
rigidez dos salários nominais. Num ambiente de deflação, os salários reais crescem
devido ao facto de os preços caírem, o mesmo não acontecendo com os salários nominais.
Desta forma, as empresas vêm os seus lucros baixarem, podendo mesmo por em causa a
sua sustentabilidade. A deflação cria também problemas a quem pede crédito sem
cobertura ou proteção do risco de deflação. Se a taxa de juro nominal for fixa e a deflação
for superior à esperada, a taxa de juro real de um empréstimo será superior à esperada. A
deflação contribui para uma redistribuição da riqueza, do devedor para o credor, algo que
também prejudica os Estados, podendo pôr em causa a sustentabilidade das dívidas
públicas (Baig, 2003).
4.1.2. Incrementar o crescimento económico
O crescimento económico a curto prazo foi, sem dúvida, um dos fatores
impulsionadores da política monetária acomodatícia do BCE, onde se pode incluir a
descida das taxas de juro diretoras (Coeuré, 2016). Um dos objetivos dos decisores de
política é a estabilização económica, reduzir a amplitude dos ciclos económicos, fazer
com que as economias cresçam o mais próximo possível do PIB potencial/natural. Nesse
sentido, o BCE terá tido em consideração que a AE estava a crescer abaixo do seu PIB
potencial aquando das suas decisões de política monetária. Uma redução nas taxas de juro
diretoras transmite, entre outros aspetos, um estímulo à economia real para consumir e
investir mais, promovendo o crescimento económico.
39
A AE enfrentou dois períodos de recessão ao longo da última década, tendo o PIB
real per capita anual recuado 0,1% em 2008, 4,8% em 2009, 1,1% em 2012 e 0,5% em
2013. Desde 2014 que o PIB real per capita da AE tem crescido, fixando-se esse
crescimento em 2,5% no ano de 2017. A nível individual, existiram grandes diferenças
no ritmo de crescimento económico, sendo de destacar, pela positiva, a Alemanha (apenas
enfrentou recessão em 2009) e a Espanha desde 2012 (passou de uma taxa de crescimento
real do PIB per capita de -3% em 2012 para 3,1% em 2017). Ao invés, a Grécia (atingiu
uma impressionante quebra anual no PIB real per capita de 9% em 2011 e tem-se mantido
quase sempre em recessão ou com um fraco crescimento) e a Itália (crescimento sempre
inferior à média da AE) têm-se destacado pela negativa, ao longo da última década.
Portugal apresentou uma taxa de crescimento razoável e, excluindo o período entre 2011
e 2013, obteve uma taxa de crescimento anual quase sempre em linha com a média da AE
(figura 3.10).
Em termos de desemprego, houve um progressivo incremento na AE desde 2007
até 2013. Em 2007 a taxa de desemprego anual média na AE era de 7,4%, enquanto que
em 2013 já era de 11,9%. Posteriormente, houve um recuo progressivo dessa taxa para
9,1% em 2017, prevendo-se que continue a baixar nos próximos anos. Em termos
individuais, destacaram-se pela negativa a Grécia (taxa de desemprego anual de 27,5%
em 2013) e a Espanha (taxa de desemprego anual de 26,1% em 2013), embora também
tenham apresentado melhorias neste indicador ao longo dos últimos anos. Pela positiva
destaca-se, claramente, a Alemanha, que apresentou em 2017 uma taxa de desemprego
inferior a metade da taxa que se verificava antes das crises do subprime e das dívidas
soberanas, de apenas 3,8% (figura 4.1). Como se percebe, as diferenças entre os vários
países da AE também foram e são evidentes neste indicador.
40
Figura 4.1: Desemprego na AE, 2006-2019 (%)
Nota: Dados para 2018 e 2019 são previsionais.
Fonte: BCE (2018c) e Eurostat (2018).
Obviamente que o comportamento do crescimento económico e do desemprego
na AE não foi positivo, no entanto estivemos perante um período económico excecional.
Estes resultados podiam ser bem piores caso o BCE não tivesse intervido, nomeadamente
através da redução e manutenção das taxas de juro diretoras em valores próximos de zero
(Van Riet, 2017).
4.1.3. Garantir a estabilidade no setor bancário e nos restantes mercados financeiros
A instabilidade vivida nos mercados financeiros foi outro fator impulsionador
desta dinâmica das taxas de juro diretoras, principalmente depois da falência do Lehman
Brothers e no pico da crise das dívidas soberanas (Fratzscher et al., 2016). Alguns dos
mercados mais afetados durante este período foram os mercados monetários e os
mercados de dívida pública7, embora o stress se tenha alastrado a praticamente todos os
mercados financeiros.
Na figura 4.2 é apresentado o comportamento do Indicador Compósito de Stress
Sistémico (ICSS). Este indicador agrega o stress financeiro em relação aos cinco
7 A instabilidade nos mercados de dívida soberana será analisada posteriormente com maior detalhe na
subsecção 4.1.6.
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Área do Euro Alemanha Irlanda Grécia
Espanha França Itália Portugal
41
subíndices considerados mais relevantes: mercado monetário, mercado obrigacionista,
mercado acionista, mercado interbancário e mercado cambial. Em cada segmento são
abrangidos três indicadores que captam diferentes componentes de stress. O objetivo do
ICSS é ilustrar de uma forma simplificada o nível de stress agregado nos mercados
financeiros da AE (Braga et al., 2014). Os picos das tensões verificadas nos mercados
financeiros da AE ocorreram no final de 2008 e entre o final de 2011 e meados de 2012.
Individualmente, o período da crise das dívidas soberanas foi aquele que se traduziu em
indicadores de stress mais diferenciados entre os países da AE, sendo que se destacou
pela negativa a Grécia e pela positiva a Alemanha (enormes diferenças). A partir de
meados de 2012, a tensão nos mercados financeiros reduziu drasticamente, sendo que no
decorrer de 2013 os indicadores de tensão já estavam próximo dos valores habituais. É
de referir que foi em julho de 2012 que o BCE reiniciou o processo de redução das taxas
de juro diretoras, sendo que a redução das tensões nos mercados financeiros foi um dos
principais objetivos dessa redução (BCE, 2013). É verdade que outros fatores terão
contribuído para tal evolução deste indicador, mas é factual que as tensões nos mercados
financeiros começaram a diluir-se aquando da redução das taxas de juro diretoras. Desde
final de 2013 até ao presente, a estabilidade tem imperado nos mercados financeiros da
AE, apesar de em alguns países a instabilidade ter persistido por muito mais tempo
(principalmente na Grécia).
Figura 4.2: Indicador Compósito de Stress Sistémico (ICSS) na AE, 10:2007-1:2018
Nota: Este indicador tem uma escala que vai de 0 a 1.
Fonte: Eurostat (2018b).
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Alemanha Espanha França Grécia Itália Portugal Área do Euro
42
Houve períodos em que o mercado interbancário esteve praticamente paralisado,
tornando a tarefa de obtenção de liquidez muito complicada para alguns bancos
(principalmente para os bancos dos países periféricos) (Falagiarda e Reitz, 2015). De
facto, assistiu-se a períodos de enorme desconfiança entre instituições bancárias; estas
evitavam emprestar entre si pelo facto de temerem incumprimentos. Para além de
problemas de liquidez, muitos bancos na AE acumularam enormes prejuízos resultantes
das crises económico-financeiras, ficando com problemas de capital e obrigando à
intervenção dos governos nacionais, nacionalizando ou capitalizando esses bancos
(assistimos a alguns desses casos em Portugal). Em sentido inverso, o risco soberano de
alguns países também contribuiu, em alguns casos (durante a crise das dívidas soberanas),
para o incrementar dos riscos no setor bancário (há uma forte correlação entre o risco
soberano e o risco bancário) (Reichlin, 2014). Muitos bancos possuíam títulos de dívida
soberana de países como a Grécia ou Portugal, logo o aumento do risco destes ativos
contribuiu também para o aumento dos riscos dessas instituições bancárias. A cedência
de liquidez a taxas de juro muito baixas, por parte do BCE, foi uma forma de fornecer a
liquidez necessária, a custos reduzidos, para o bom funcionamento dos bancos e
contribuir para a redução das incertezas no mercado interbancário e noutros mercados
financeiros (BCE, 2016b; Garcia-de-Andoain et al., 2016).
Os bancos assumem um papel muito importante na condução de política
monetária por parte de qualquer Banco Central. São os principais financiadores das
famílias e sociedades não financeiras, sendo que alguns dos mais importantes
mecanismos de transmissão da política monetária dependem da sua atuação (Von Borstel
et al., 2016). De forma simplificada, as taxas de juro diretoras têm influência nas taxas
praticadas pelos bancos pelo facto de balizarem a evolução da EONIA e da Euribor (Euro
Interbank Offered Rate), taxas a que os bancos se financiam nos mercados interbancários.
As taxas de juro diretoras, principalmente em períodos de stress nos mercados
interbancários, são ainda mais importantes na evolução das taxas de juro bancárias, uma
vez que os bancos se financiam em maiores quantidades junto do BCE (em detrimento
do financiamento nos mercados interbancários) (BCE, 2017b).
43
4.1.4. Redução do crédito malparado
O risco de incumprimento e o nível de crédito malparado incrementaram em
grande escala na AE, na sequência da crise do subprime, e mantiveram-se em trajetória
ascendente até 2012 (em alguns países manteve-se em trajetória ascendente durante mais
tempo), tendo sido impulsionados pela crise das dívidas soberanas nalguns países. A
partir de 2012, e em média na AE, tem-se assistido a uma constante redução do crédito
malparado, tal como podemos observar na figura 3.3. É verdade que as medidas
implementadas pelo BCE, principalmente a descida das taxas de juro diretoras, não
impediram que, em média, a percentagem de crédito malparado no total dos empréstimos
bancários tenha mais que duplicado entre 2008 e 2012; no entanto é importante refletir
sobre o que teria acontecido caso as taxas de juro diretoras não tivessem sido reduzidas.
As taxas diretoras são transmitidas pelos bancos às famílias e sociedades não
financeiras (muitos dos empréstimos pagam juros consoante a evolução da Euribor), pelo
que esses agentes económicos passaram a ter menos encargos com dívidas bancárias e,
consequentemente, reduziu-se o risco de incumprimento. É evidente que as taxas de juro
mais baixas aliviaram o serviço da dívida de imensas famílias e sociedades não
financeiras, tornando mais sustentáveis os seus compromissos perante os bancos. Por essa
via, e também pelo impacto das baixas taxas de juro no dinamismo económico, é factual
que as taxas de juro em níveis muito baixos impediram que o risco de incumprimento e o
crédito malparado fossem ainda superiores (Coeuré, 2016).
Apesar da evolução média positiva a que se tem assistido nos últimos anos na AE,
é importante referir que as diferenças entre os países são enormes. Em 2016, a
percentagem de crédito malparado na Grécia era de cerca de 36% e de cerca de 12% em
Portugal, valores muito acima da média da AE (cerca de 4%) e de outros países (a
Alemanha apresentou em 2016 uma taxa de crédito malparado abaixo de 2%).
44
Figura 4.3: Crédito malparado, em função do montante total de empréstimos bancários,
2008-2016 (%)
Fonte: Banco Mundial (2018).
4.1.5. Redução das taxas de juro bancárias e aumento do crédito à economia real
O aumento do crédito a famílias e sociedades não financeiras foi um dos principais
objetivos do BCE com a redução das taxas de juro diretoras para valores historicamente
baixos, tendo, obviamente, um impacto positivo na concessão de crédito à economia real.
Esse impacto não se deveu apenas ao facto de os bancos obterem liquidez em muito
melhores condições junto do BCE (transmissão, em certo grau, dessas condições aos
empréstimos a famílias e empresas), mas também devido a efeitos indiretos das medidas
implementadas pelo BCE na atividade bancária, como é o caso da redução do crédito
malparado ou do aumento, ao longo dos últimos anos, da procura de crédito por parte das
sociedades não financeiras (BCE, 2017c). Na AE, os bancos, ao contrário de outros países
como os EUA, são os principais financiadores das sociedades não financeiras. Dessa
forma se percebe o foco nas instituições bancárias das medidas implementadas pelo BCE
(BCE, 2016c). Apesar da transmissão da política monetária se ter apresentado ineficiente
e heterogénea (entre os vários países da AE) em alguns momentos, algo que também foi
sendo progressivamente resolvido pela ação de diversas medidas tomadas pelo BCE (ver
subsecção 4.1.6), houve uma significativa melhoria das condições de financiamento para
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Alemanha Área do Euro Espanha França
Grécia Itália Portugal
45
famílias e sociedades não financeiras e o um consequente aumento no volume de
empréstimos, ao longo dos últimos anos.
Vários são os fatores que determinam o valor da taxa de juro aplicável a uma
empresa ou a um particular na concessão de um empréstimo bancário, nomeadamente um
prémio do risco de crédito, a compensação dos custos de capital da entidade bancária,
uma margem de intermediação e, como é óbvio, a taxa a que os bancos obtêm liquidez
(BCE, 2017b). As taxas de juro praticadas nos mercados interbancários servem de base
inicial para a determinação das taxas ativas bancárias, sendo adicionadas várias outras
margens. Os bancos dos países periféricos da AE sofreram bastante com esta
particularidade. Num período de crise económico-financeira, como vivenciamos ao longo
dos últimos anos na AE, algumas destas margens incrementam (por exemplo, o risco de
crédito é superior num período de crise), pelo que, mesmo que as taxas a que os bancos
se financiam se mantenham inalteradas, há um aumento das taxas praticadas para
concessão de crédito à economia real. Nesse sentido, uma redução de determinado grau
nas taxas de juro diretoras não implica uma redução semelhante nas taxas de juro
praticadas pelos bancos (BCE, 2017b).
No caso da AE, tendo como referência as taxas ativas bancárias aplicadas a sociedades
não financeiras e famílias, verificamos pelas figuras 3.7 e 4.4 que os valores mais
elevados foram atingidos no final de 2008 (valores próximos de 6% no custo de
financiamento médio para sociedades não financeiras e próximos de 5% para crédito à
habitação), tendo decrescido rapidamente até 2010 (foi alcançado um valor próximo dos
3% para empréstimos a sociedades não financeiras e um valor próximo de 4% para crédito
à habitação) por ação da redução dos custos de financiamento dos bancos nos mercados
interbancários, como consequência das medidas de política monetária implementadas
pelo BCE (Szczerbowicz, 2015). Em média, os bancos financiavam-se nos mercados
interbancários a taxas8 de aproximadamente 5,5% em finais de 2008, ao passo que em
2010 já se financiavam a taxas próximas de 1% (BCE, 2017b).
Durante o final de 2010 e até aos últimos meses de 2011 a taxa média de
financiamento da economia real da AE voltou a subir, em resultado da subida dos custos
de financiamento dos bancos para valores próximos de 2% (BCE, 2017b). Houve um
8 Taxas nos mercados interbancários refletem as taxas swap overnight a dois anos.
46
incremento no custo de financiamento das sociedades não financeiras (para quase 4%),
embora o custo para empréstimos à habitação se tenha mantido relativamente estável.
Esta evolução refletiu, em primeiro lugar, uma ligeira subida da taxa das operações
principais de refinanciamento, e posteriormente também um novo período de forte
turbulência nos mercados, em grande parte relacionada com o eclodir da crise das dívidas
soberanas na AE (BCE, 2017b). Os investidores duvidavam cada vez mais da
sustentabilidade das dívidas públicas de alguns países, nomeadamente da Grécia,
Portugal, Irlanda, Espanha e Itália. Em resposta, o BCE foi progressivamente
implementando novas medidas de política monetária e reduziu ainda mais as taxas de juro
diretoras. Durante o ano de 2012, as taxas a que os bancos se financiavam nos mercados
interbancários já estavam muito próximas de zero, tendo passado para valores negativos
em 2015 (BCE, 2017b). As taxas aplicadas à concessão de empréstimos a sociedades não
financeiras e famílias baixaram a um ritmo inferior, mas no final de 2017 já se fixavam,
em média, em valores próximos de 1,7% e próximos de 2,5%, respetivamente.
Figura 4.4: Taxas de juro médias em novos contratos de crédito à habitação, 1:2007-
3:2018 (%)
Fonte: BCE (2018).
As taxas às quais os bancos concederam crédito à economia real variam de país
para país, dentro da AE. No entanto, foi a partir do eclodir da crise das dívidas soberanas
que a dispersão aumentou para valores históricos desde a criação da UEM, sendo que se
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Alemanha Espanha França Portugal Área do Euro
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verificou o período mais crítico entre 2010 e 2014. A título de exemplo, em grande parte
deste período crítico, a diferença entre as taxas de juro ativas para sociedades não
financeiras da França e Grécia chegou a atingir valores próximos de 3%. A partir de 2014,
esta heterogeneidade começou a diminuir progressivamente, essencialmente em resultado
do pacote de medidas que o BCE implementou em 2014, sendo que atualmente ainda se
verifica uma dispersão superior à do período anterior a 2007. Essas medidas foram
essenciais, entre outros, para reduzir o “risco país” na obtenção de liquidez por parte dos
bancos nos mercados. Um banco que atue ou tenha fortes interesses num país com elevado
risco terá um spread relativo ao “risco país” mais elevado (Szczerbowicz, 2015). As
diferenças remanescentes entre os diversos países da AE refletem diferenças ao nível do
risco de crédito, ao nível da solidez dos balanços e rentabilidade dos bancos, entre outros.
São sobretudo problemas estruturais que estão na base destes diferenciais (BCE, 2016b).
No que toca ao volume de crédito concedido durante a última década à economia
real da AE, verifica-se que só nos últimos meses houve uma recuperação para valores
semelhantes aos existentes antes da crise do subprime (figura 3.8). Durante a última
década, muitos foram os períodos onde se registaram taxas de crescimento homólogas
negativas, nomeadamente entre finais de 2008 e início de 2009 e entre meados de 2012 e
meados de 2014. No início de 2014, a taxa de variação homóloga do crédito ao setor
privado era inferior a -2% (BCE, 2017c). Ainda assim, é de realçar o crescimento
constante do crédito ao setor privado desde a segunda metade de 2014 e o facto de a
evolução deste indicador poder ter sido muito pior caso o BCE não tivesse intervido da
forma e na escala em que o fez.
4.1.6. Garantir a eficácia dos mecanismos de transmissão da política monetária
A forma como os bancos transmitiram a dinâmica das taxas de juro diretoras à
economia real não foi propriamente eficiente durante a última década (basta observar
como as taxas de juro na concessão de crédito à economia real desceram a um ritmo bem
mais baixo do que as taxas de juro diretoras (figuras 3.6 e 3.7)). O mecanismo de
transmissão da política monetária foi bastante afetado pela volatilidade que se viveu nos
mercados financeiros. A atuação do BCE, reduzindo as taxas de juro diretoras e
implementando outro tipo de medidas não convencionais, pode também ser vista como
48
uma tentativa de melhorar a transmissão da política monetária, algo que foi claramente
assumido pelos decisores de política monetária. Por outro lado, a transmissão da política
monetária foi bastante heterogénea entre os diversos países da AE, principalmente a partir
do eclodir da crise das dívidas soberanas. A heterogeneidade entre os países reflete vários
aspetos, nomeadamente a diversidade do “risco país”, a necessidade ou não de
reestruturação dos balanços dos bancos, diferenças regulatórias nos sistemas bancários
(antes de a supervisão e a regulação terem sido homogeneizadas na AE), diferentes níveis
de desenvolvimento dos mercados financeiros, a performance económica, a concorrência
bancária existente, entre outros (Leroy e Lucotte, 2016; Sander e Kleimeier, 2004; Van
Leuvensteijn et al., 2011).
A redução das taxas de juro diretoras permitiu a melhoria da eficácia nos
mecanismos de transmissão da política monetária através do reforço da eficácia das mais
diversas medidas de PMNC. Grande parte dessas medidas, como é caso das condições
excecionais nas operações de mercado aberto, inundavam os bancos com reservas; no
entanto existia a possibilidade desses bancos, de seguida, as depositarem ao abrigo da
facilidade permanente de depósito. Esta situação foi uma realidade na AE, uma vez que
muitos bancos recorreram em larga escala a essas operações de refinanciamento, mais por
uma questão de prudência contra eventual turbulência nos mercados financeiros, não
tendo intenção de aumentar o crédito à economia real (período de grande incerteza
económica). Reduzindo as taxas de juro diretoras, nomeadamente a taxa da facilidade
permanente de depósito para valores negativos, houve um reforço da eficácia na
transmissão desse excesso de liquidez à economia real (Sibert, 2014).
4.1.7. Alívio orçamental dos Estados da Área do Euro
Os governos dos Estados membros da AE também saíram beneficiados com a
contínua descida das taxas de juro diretoras. A crise do subprime veio aumentar ainda
mais os desequilíbrios nas contas públicas que já se verificavam desde o início do século
em vários países (principalmente Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália). As políticas
orçamentais expansionistas que foram implementadas em conjunto com a ação dos
estabilizadores automáticos (diminuição das receitas fiscais e aumentos dos encargos com
a segurança social) e o apoio ao fragilizado setor bancário, incrementaram ainda mais os
49
défices orçamentais e o crescimento acelerado das dívidas públicas. Foi nessa sequência
que surgiu a crise das dívidas soberanas, período marcado pelo crescimento insustentável,
em alguns casos, das taxas de juro a pagar pelo financiamento dos Estados. A incerteza
dos investidores e empresas de rating quanto à capacidade de os governos satisfazerem
os seus compromissos futuros com os encargos de dívida refletiu-se num crescimento
sem precedentes dos prémios de risco (Falagiarda e Reitz, 2015). A ação do BCE,
reduzindo as taxas de juro diretoras e implementando outras medidas não convencionais,
não pode ser dissociada desta realidade, uma vez que um dos seus objetivos passava pela
estabilização dos mercados de dívida pública. A redução dos diferenciais de rentabilidade
dos títulos de dívida pública, entre os países membros da AE, foi também uma das
preocupações dos decisores de política monetária, apesar desses diferenciais dependerem
também de fatores estruturais. Para além das questões orçamentais, diferenças ao nível
do crescimento económico, desequilíbrios nas balanças comerciais, diferentes níveis de
formação bruta de capital fixo, diferenças nos spreads aplicados às empresas de cada país,
entre outros, afetam de forma substancial os spreads nos títulos de dívida pública de cada
país (Maltritz, 2012).
Os spreads associados às obrigações de dívida pública da maioria dos países da
AE mantiveram-se estáveis até ao início de 2010, apesar dos diferenciais entre os países
terem começado a crescer desde o segundo semestre de 2008. Em dezembro de 2009, as
obrigações de dívida pública a dez anos da Grécia tinham uma taxa de aproximadamente
5,5%, enquanto que as obrigações alemãs equivalentes tinham uma taxa de cerca de 3,3%,
ou seja, uma diferença não muito elevada. Em fevereiro de 2012, as mesmas obrigações
gregas já eram transacionadas (no mercado secundário) a taxas de quase 30% enquanto
que as obrigações alemãs equivalentes eram transacionadas a menos de 2%. No mesmo
período, as obrigações soberanas portuguesas a dez anos eram transacionadas a quase
14% (figura 3.9).
Como vimos anteriormente, várias foram as medidas tomadas pelo BCE para
conter a crise das dívidas soberanas, desde a compra de dívida pública em mercado
secundário, a insistência do BCE numa comunicação clara de que tudo seria feito para
salvar o euro, a redução e manutenção das taxas de juro diretoras em valores
historicamente baixos, entre outros. De facto, a redução das taxas de juro diretoras para
valores próximos de zero, e a garantia de que tais taxas se mantêm por um longo período
50
de tempo, contribui para a redução das taxas de juro praticadas em praticamente todos os
mercados financeiros, à qual não é exceção o mercado de títulos de dívida pública
(Swanson e Williams, 2014). Por outro lado, o facto da redução das taxas de juro diretoras
contribuir para um maior dinamismo económico também traz efeitos positivos para as
contas públicas, nomeadamente através da ação dos estabilizadores automáticos (Kokert
et al., 2014).
A equação abaixo apresentada ilustra a dinâmica da dívida pública, ou seja,
apresenta-nos os fatores que contribuem para o crescimento do rácio de dívida pública
(∆(B/Y)). Para além do saldo orçamental primário (G (despesa pública primária) – T
(receitas públicas)), é importante a relação entre a taxa de juro associada à dívida
acumulada (i) e a taxa de crescimento do PIB (g). Caso a taxa de crescimento económico
seja superior à taxa de juro, pode haver uma diminuição do rácio de dívida pública mesmo
com um défice orçamental primário. Indiretamente a taxa de inflação também tem efeitos
sobre a dinâmica de crescimento da dívida pública, uma vez que i e g são taxas nominais.
∆ (𝐵
𝑌) =
(𝐺 − 𝑇)
𝑌+ (𝑖 − 𝑔) (
𝐵
𝑌)
Em dezembro de 2017, a Grécia tinha uma taxa de juro associada às suas
obrigações de dívida pública a dez anos próxima de 4,1%, enquanto que no caso alemão,
essa taxa era de cerca de 0,4%. A mais curto prazo, as obrigações gregas a dois anos
pagavam uma taxa de juro de cerca de 1,4% em dezembro de 2017, enquanto que as
obrigações alemãs para o mesmo prazo apresentavam taxas de juro de aproximadamente
-0,6% (quadro 4.1). Como ilustra a figura 3.9, a evolução foi bastante positiva ao longo
dos últimos anos. No entanto, os diferenciais entre os vários países continuam bastante
mais elevados face aos diferenciais observados no período pré-crise das dívidas
soberanas. Estas circunstâncias devem ser aproveitadas pelos governos nacionais, não
para manter o nível de endividamento que levou à crise das dívidas soberanas, mas sim
para implementar reformas estruturais que permitam aos Estados manterem as suas
obrigações em termos de segurança social ou sistema de saúde e, ao mesmo tempo,
reduzir os défices orçamentais e as dívidas públicas (Van Riet, 2017).
51
Quadro 4.1: Taxas de juro médias mensais das obrigações de dívida pública a dois anos,
1:2007-12:2017 (%)
País Taxa mais elevada Taxa mais baixa Média do período
Grécia 349,152 1,353 40,617
Alemanha 4,609 -0,898 0,821
Portugal 20,018 -0,419 3,629
Fonte: Investing (2017).
A evolução dos défices orçamentais da maioria dos países da AE foi positiva, algo
que se pode comprovar pela redução progressiva do défice orçamental médio na AE de
6,3% do PIB em 2009 para 0,9% do PIB em 2017. A título de exemplo, a Grécia passou
de um défice orçamental de 15,1% do PIB em 2009 para um excedente orçamental de
0,8% do PIB em 2017. No entanto, ainda existem países que apresentam défices
orçamentais preocupantes e que, inclusivamente, se encontram sob o Procedimento por
Défices Excessivos, aplicado a Estados que não estejam a cumprir o Pacto de Estabilidade
e Crescimento (PEC), nomeadamente infringindo o limite máximo de 3% do PIB para
défices orçamentais. Em 2017 era o caso da Espanha (3,1% do PIB), mas muitos outros
países apresentaram défices elevados ao longo dos últimos anos (figura 4.5). Em relação
à evolução da dívida pública, os valores previsionais para 2017 são bem mais
preocupantes, mantendo-se a média da dívida dos países da AE (88,8% do PIB) em
valores bastante superiores aos que existiam antes das crises do subprime e das dívidas
públicas (65,1% do PIB em 2007), apesar de a partir de 2014 essa média ter começado a
diminuir ligeiramente. A nível individual os valores são bastante distintos entre os países,
apesar de a tendência ter sido de subida generalizada do endividamento. Ainda assim, em
2017 destacava-se, pela positiva, a Alemanha (64,1% do PIB), enquanto que pela negativa
se destacavam a Grécia (178,6% do PIB), Itália (131,8% do PIB) e Portugal (125,7% do
PIB) (figura 4.6).
52
Figura 4.5: Saldos orçamentais na AE, 2007-2019 (% do PIB)
Nota: O saldo orçamental português para 2017 reflete a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e os dados para
2018 e 2019 são previsionais.
Fonte: BCE (2018c) e Eurostat (2017b).
Figura 4.6: Dívidas públicas na AE, 2007-2019 (% do PIB)
Nota: Dados para 2018 e 2019 são previsionais.
Fonte: BCE (2018c) e Eurostat (2017c).
4.1.8. Incrementar o investimento privado
A escassez de financiamento funciona como um entrave ao investimento. Assim
sendo, a redução a que se assistiu ao longo dos últimos anos nas taxas de juro ativas
-16
-14
-12
-10
-8
-6
-4
-2
0
2
4
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Área do Euro Alemanha Grécia Espanha França Itália Portugal
0
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40
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120
140
160
180
200
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Área do Euro Alemanha Grécia Espanha França Itália Portugal
53
praticadas pelos bancos favoreceu o investimento na AE. De forma mais indireta, a
melhoria das condições económicas na AE, como por exemplo a recuperação do consumo
privado, permitiu também uma melhoria no desempenho do investimento privado.
Tal como se pode verificar na figura 4.7, em 2007 a taxa média de crescimento
anual da formação bruta de capital fixo, por parte das sociedades não financeiras na AE,
era de 4,8%, tendo passado para valores negativos no ano seguinte, panorama que, com a
exceção de 2011, se manteve até 2013. O pior ano foi 2009, período em que o
investimento recuou 11,2% em relação ao ano anterior. A partir de 2014 o investimento
das sociedades não financeiras tem vindo a recuperar a um ritmo cada vez mais elevado,
embora se tenha verificado uma ligeira redução da taxa de crescimento em 2017 (2,9%).
No entanto, o montante total investido anualmente em formação bruta de capital fixo na
AE está ainda bastante abaixo dos investimentos nos anos anteriores à crise do subprime.
A nível individual, há uma grande heterogeneidade entre os países, sendo que alguns
tiveram desempenhos impressionantes pela positiva (na Alemanha as sociedades não
financeiras mantiveram quase sempre taxas de crescimento positivas) e outros pela
negativa (Portugal pode ser incluído neste lote, tendo as suas sociedades não financeiras
baixado progressivamente o investimento desde 2009 até 2013, sendo de destacar a
quebra de 16,6% em 2012 face ao ano anterior). Apesar de ter existido uma importante
quebra no investimento e dos valores variarem de país para país (devido a diferenças na
facilidade de acesso ao crédito, condições macroeconómicas diferentes, entre outros),
percebe-se que as taxas de juro diretoras em níveis reduzidos favoreceram o investimento
privado na AE. Sem essa intervenção o investimento privado teria sofrido uma quebra
ainda superior. No entanto, não é só o custo do financiamento que determina o nível de
investimento privado, uma vez que o nível de endividamento das empresas, a incerteza
política, económica e financeira, entre outros, são fatores a ter também em conta, e
contribuíram de forma negativa, ao longo da última década, para a evolução do
investimento (Barkbu et al., 2015).
54
Figura 4.7: Taxa de crescimento anual da formação bruta de capital fixo na AE, 2006-
2017 (%)
Fonte: OCDE (2018).
4.1.9. Descida das taxas de juro reais
A tendência de descida das taxas de juro reais ao longo das últimas décadas é
talvez o fator mais controverso a poder ter influenciado o BCE na redução das taxas de
juro diretoras para níveis muito baixos. De facto, as taxas de juro reais começaram a
diminuir, nas principais economias mundiais (figura 4.8), bem antes da crise do subprime
e terão sido o primeiro fator a influenciar a descida das taxas de juro nominais, antes do
impacto da redução das expetativas de inflação. O economista sueco Knut Wicksell criou,
em 1898, o conceito de taxa de juro real natural, taxa que representa a soma da taxa de
juro real com o objetivo de inflação dos bancos centrais. Esta taxa é representativa de
uma economia sem rigidezes nominais e sem choques nos preços ou salários (Barsky et
al., 2014). Tendo em conta que os bancos centrais, incluindo o BCE, têm mantido as
expectativas de inflação estáveis ao longo das últimas décadas, a taxa de juro real natural
está a baixar devido à queda das taxas de juro reais, e não devido às expectativas sobre a
inflação. Nesse sentido, segundo Bean et al. (2015), há três possíveis explicações para
esta tendência: o aumento da poupança mundial, a redução da propensão ao investimento
e o aumento da preferência por ativos mais seguros acompanhada pela redução da oferta.
-30
-25
-20
-15
-10
-5
0
5
10
15
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2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Área do Euro França Alemanha Portugal Espanha Grécia
55
O aumento da poupança mundial eleva a procura por ativos capazes de absorver
esse excesso de liquidez, reduzindo dessa forma a sua remuneração. O excesso de
poupança na China e em outros países em desenvolvimento e o envelhecimento
populacional nos países desenvolvidos (elevadas poupanças relacionadas com planos de
reforma) são algumas das explicações para esta dinâmica. A redução da propensão ao
investimento promove uma menor procura por fundos e, possivelmente, também um
crescimento da poupança, contribuindo para a redução das taxas de juro. O declínio no
ritmo de inovação e as mudanças na natureza do crescimento (mais assente na
qualificação dos trabalhadores do que propriamente em capital físico) são alguns fatores
explicadores da redução na propensão ao investimento. O aumento da preferência por
ativos mais seguros acompanhada pela redução da oferta contribui para a redução da
rentabilidade dos ativos seguros. Este aspeto tem uma ligação maior à crise financeira
mundial e contribuiu também para que os prémios de risco dos ativos mais arriscados
incrementassem.
Figura 4.8: Taxas de juro reais nas principais economias mundiais, 1990-2016 (%)
Nota: Os termos e condições associados às taxas de juro reais diferem de país para país, limitando a sua
comparabilidade. Esta figura serve apenas como ilustração da quebra que se verificou nas taxas de juro reais das
principais economias mundiais, desde o início do século.
Fonte: Banco Mundial (2018b).
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-2
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16
Alemanha Reino Unido Japão Estados Unidos da América
56
4.2. Principais críticas à redução das taxas de juro diretoras
Entre economistas, banqueiros e policymakers, não é consensual a condução da
política monetária por parte dos Bancos Centrais e, especificamente do BCE, reduzindo
as taxas de juro diretoras para níveis tão baixos, uma vez que esta nova realidade não
trouxe apenas aspetos benéficos para os Estados, bancos, famílias e sociedades não
financeiras da AE. Também despoletou alguns efeitos adversos. Estamos perante uma
estratégia de política monetária de recurso, pelo que obviamente tem alguns efeitos menos
desejáveis. É nesses efeitos adversos, e consequentes críticas, que a seguinte subsecção
se focará.
4.2.1. Aumento da poupança e redução do consumo
A primeira crítica que tem sido apresentada é o impacto negativo das taxas de juro
muito baixas sobre os aforradores. O argumento é principalmente apontado aos agentes
económicos que têm grande parte dos seus rendimentos alicerçados nas suas poupanças,
como por exemplo os reformados, e vai contra a tese apresentada pelo BCE, que nos
transmite a ideia de que uma redução nas taxas de juro diretoras se reflete num aumento
da procura agregada. Na verdade, os defensores desta linha de raciocínio não desmentem
o efeito substituição, que nos diz que a redução das taxas de juro promove o consumo
(Deutsche Bundesbank, 2015). Apenas defendem que esse efeito pode ser absorvido pelo
efeito de redução da rentabilidade das poupanças (Palley, 2016). Segundo estes críticos,
a redução da procura agregada nas economias, que ocorre nestas situações, é resultado da
redução dos cash-flows esperados pelos aforradores ao longo da sua vida, algo que
promove também nesses agentes económicos a ideia de que é necessário aumentar as
poupanças. Consequentemente, para alguns economistas e banqueiros, a estratégia do
BCE é ineficaz na redução dos riscos deflacionários e na melhoria das condições
económicas (Bindseil et al., 2015).
No entanto, o que é realmente importante para os aforradores é a taxa de juro real a
médio/longo prazo e essa taxa não pode ser manipulada pelos bancos centrais. A
produtividade ou a disponibilidade de fatores de produção são alguns dos fatores que
57
afetam as taxas de juro reais, sendo que os bancos centrais não conseguem fazê-lo
sistematicamente. As baixas taxas de juro diretoras combatem as pressões deflacionistas
que, no caso de se transformarem em profunda deflação, podem perturbar a economia
real, pelo que é pouco credível que as baixas taxas de juro diretoras contribuam para a
redução das rentabilidades reais dos aforradores e, consequentemente, para a redução da
procura agregada e aumento da poupança. Na perspetiva dos aforradores é preferível boas
perspetivas de crescimento económico e da taxa de juro real no médio/longo prazo do que
medidas de política monetária com efeitos imediatos nas taxas de juro, mas que põem em
causa o crescimento económico e a estabilidade monetária no futuro (Bindseil et al.,
2015).
4.2.2. Criação de bolhas especulativas
A criação de bolhas especulativas e, consequentes, crises financeiras é outra
crítica que vai sendo apresentada a este ambiente de baixas taxas de juro. Segundo
Bindseil et al. (2015), existem, pelo menos, três “canais” que podem conduzir reduzidas
taxas de juro diretoras a bolhas especulativas: o facto de os preços dos ativos financeiros
tenderem para infinito à medida que as taxas de juro se aproximam de zero, a procura
desmedida por maiores rentabilidades e a ilusão monetária.
Canal do preço dos ativos
O “canal” do preço dos ativos transmite a ideia de que à medida que as taxas de
juro descem (aproximando-se de zero), o preço dos ativos tende para infinito. Bindseil et
al. (2015) defende que esse comportamento se refere essencialmente a ativos financeiros,
em que não existe depreciações e há cash-flows significativos num futuro distante. As
obrigações perpétuas refletem esta dinâmica (NPV = valor presente atual, C = cash-flow
anual e i = taxa de desconto aplicada aos cash-flows):
𝑁𝑃𝑉 =𝐶
𝑖
Se a taxa de desconto for zero, o valor presente dos cash-flows e,
consequentemente, o preço da obrigação é infinito. Desta forma, percebe-se que, por esta
via, as baixas taxas de juro diretoras podem contribuir para aumentos desmensurados no
preço dos ativos (bolhas especulativas). No entanto, também para Bindseil et al. (2015),
58
a equação das obrigações perpétuas não é indicada para perceber o valor presente de
ativos reais, não capta depreciações dos ativos (redução dos cash-flows ao longo do
tempo) nem variações na taxa de juro, algo que tem sido esquecido pelos críticos da
redução das taxas de juro diretoras para valores tão baixos. A seguinte equação é mais
indicada para tal efeito (t = período temporal):
𝑁𝑃𝑉 = ∑𝐶𝑡
(1 + 𝑖𝑡)𝑡
∞
𝑡=1
Esta forma de medir o valor presente de um ativo não reflete uma pressão tão forte
de uma redução temporária nas taxas de juro sobre o seu preço. É demonstrativa de que
para investimentos normais não há um crescimento explosivo do preço dos ativos
motivado pelas reduzidas taxas de juro que se praticam atualmente.
Maior tomada de risco por parte dos investidores
Por outro lado, um ambiente de baixas taxas de juro pode induzir investidores a
arriscarem mais. Em primeiro lugar, a subida no preço dos ativos contribui para a redução
da perceção do risco. Por exemplo, os bancos têm uma valorização na sua carteira de
ativos financeiros (sensação de redução da alavancagem) e, consequentemente, podem
investir mais e em ativos mais arriscados. Em segundo lugar, as seguradoras têm
responsabilidades fixas para com os seus clientes (fundos de pensões, por exemplo), mas
assistem à redução da rentabilidade dos seus investimentos devido às baixas taxas de juro.
As seguradoras são, dessa forma, incentivadas a maiores tomadas de risco. Se não
arriscam correm o risco de falência; se arriscarem têm a possibilidade de os investimentos
terem sucesso e ultrapassarem a situação. Esta busca por altas rentabilidades é
comumente designada por search-for-yield ou gamble for ressurection. Em terceiro lugar,
as baixas taxas de juro podem por em causa as margens de lucro dos bancos (este tema
será aprofundado posteriormente na subsecção 4.2.8), algo que promove também maiores
tomadas de risco por parte destas instituições (German Council of Economic Experts,
2016).
A ilusão monetária
Por último, a ilusão monetária pode também contribuir para a criação de bolhas
especulativas. Este argumento reflete o facto de muitos agentes económicos ignorarem o
59
facto de, por vezes, as taxas de juro nominais baixarem para compensar uma descida da
inflação (Altunbas et al., 2010). Alguns agentes económicos tomam as suas decisões com
base nas taxas de juro nominais, quando deveriam fazê-lo com base nas taxas de juro
reais. Esta ilusão pode levar os investidores a tomarem riscos desnecessários e, talvez,
pouco compensadores. O facto de, atualmente, as taxas de juro nominais estarem muito
baixas na AE pode fomentar este fenómeno, contribuindo para saídas de capital.
4.2.3. Saída de capitais
A saída de capitais da AE, essencialmente para países em desenvolvimento, pode
ter origem ou ser impulsionado pela descida das taxas de juro para valores muito baixos
(Belke, 2014). De facto, os investidores ao verem as taxas de juro cada vez mais baixas
podem tomar a iniciativa de transferir os seus investimentos para países onde a sua
rentabilidade é superior (pelo menos em termos nominais). No Japão, as baixas taxas de
juro, que se têm verificado ao longo das últimas décadas, têm contribuído para estratégias
de carry-trade, ou seja, obtenção de empréstimos em yens, conversão e investimento em
dólares dos EUA e, posteriormente, a reconversão em yens (Hattori e Song Shin, 2009).
Este tipo de estratégia é bastante arriscado e muito vezes pouco compensador (a ilusão
monetária pode contribuir para a implementação desta estratégia). No entanto, nem todos
os indivíduos são economicamente racionais e descidas nas taxas de juro nominais podem
contribuir para saídas de capitais.
4.2.4. Reduzido impacto no investimento
O escasso impacto na promoção do investimento é outra critica apontada à descida
das taxas de juro para valores muito baixos. Palley (2016) socorre-se da teoria keynesiana
para defender que as taxas de juro negativas não aumentam a procura agregada numa
economia. Se a rentabilidade das poupanças é cada vez mais baixa, existem ativos não
produtivos onde é possível “colocar” as poupanças (terrenos, ouro, entre outros), não
havendo necessariamente um aumento do consumo ou investimento. Consequentemente,
se a procura agregada na economia é fraca, o investimento não vai crescer, uma vez que
a sua rentabilidade é inferior à rentabilidade de ativos não produtivos. Assim sendo, é
mais rentável investir nesses ativos do que em ativos produtivos. Outro fator que pode
60
limitar o investimento é a possibilidade de existir excesso de capital, em situações de
quebra na procura, fazendo com que seja mais reduzida a sensibilidade do investimento
à redução das taxas de juro. Por outro lado, os empréstimos bancários são normalmente
de longa duração, pelo que uma redução das taxas de juro não garante que no futuro essas
taxas não possam voltar a subir. Este é outro fator a limitar o crescimento do investimento
(Palley, 2016).
4.2.5. Alocação ineficiente de recursos
O facto da redução das taxas de juro contribuir para uma alocação ineficiente de
recursos e, consequentemente, para um menor crescimento da produtividade é outra
crítica que é apontada à manutenção das baixas taxas de juro, por parte do BCE e de
outros bancos centrais. As baixas taxas de juro são um alívio para muitas empresas sobre-
endividadas ou não rentáveis, sendo um fator determinante para que estas se mantenham
em atividade. No entanto, estas taxas de juro em vigor impedem a “destruição criativa”,
que é vista por muitos economistas como um mecanismo de seleção natural entre as
empresas que devem manter-se em atividade e aquelas que devem falir. Ao impedir que
este mecanismo funcione apropriadamente, o BCE pode estar a comprometer a
produtividade na AE (Bindseil et al., 2015). De facto, a produtividade média de uma
economia pode ser posta em causa pela existência de empresas pouco produtivas, mas
também pela barreira que essas empresas “zombies” colocam à entrada de novas
empresas (Forbes, 2015). No entanto, para Bindseil et al. (2015), a falência ou não de
empresas vai muito para além da existência de baixas taxas de juro nominais; se uma
empresa não for rentável acabará por falir. Por outro lado, as baixas taxas de juro também
podem contribuir para uma análise menos rigorosa, por parte das empresas, sobre os
projetos de investimento que implementam (Forbes, 2015). Bindseil et al. (2015) refuta
esta ideia, defendendo que, na sequência da crise do subprime, os agentes económicos se
tornaram mais prudentes e regrados nos seus investimentos.
4.2.6. Incentivo ao endividamento
O incentivo ao endividamento ou a menor predisposição à redução do
endividamento por parte de Estados, famílias e empresas, é outra critica usualmente
61
apontada às baixas taxas de juro. Como já foi referido anteriormente, alguns países da AE
passaram por grandes dificuldades durante a crise das dívidas soberanas, devido aos
elevados défices orçamentais e elevadas dívidas públicas, algo que deveria servir como
incentivo à disciplina orçamental no futuro. Contudo, as baixas taxas de juro podem
funcionar como um desincentivo para que haja disciplina orçamental e para que sejam
feitas as reformas necessárias (Hannoun, 2015). Por um lado, as baixas taxas de juro
reduzem as despesas com a dívida já existente (serviço da dívida), tornando a dívida
pública aparentemente mais sustentável. Por outro lado, reduzem os encargos na obtenção
de novo financiamento. Estes fatores contribuem para uma maior despreocupação com
reformas orçamentais e funcionam como um incentivo ao aumento do endividamento. No
entanto, as baixas taxas de juro diretoras são uma política monetária temporária e não
permanente. No que toca a famílias e sociedades não financeiras, o mesmo se pode
aplicar. As baixas taxas de juro funcionam como um incentivo ao endividamento e não à
redução das dívidas, algo que será problemático aquando da subida das taxas de juro para
os seus valores normais.
4.2.7. Limitação das políticas monetárias no futuro
A limitação das políticas monetárias no futuro é outra crítica que é apresentada à
redução das taxas de juro para níveis muito baixos, e principalmente a sua manutenção
por um longo período de tempo nesses níveis (especialmente depois de já não ser
necessária tal estratégia). Manter taxas de juro em níveis próximos de zero, mesmo
quando a inflação já voltou aos seus níveis habituais, pode trazer graves problemas na
condução de política monetária no futuro. Basta imaginar que as pressões deflacionistas
podem voltar e o Banco Central em questão já não pode utilizar o instrumento das taxas
de juro para o seu combate, uma vez que as taxas de juro já não podem baixar muito mais
(Forbes, 2015). Por outro lado, o facto de a tendência das taxas de juro (nominais e reais)
em grande parte dos países, ao longo das últimas décadas, ser de descida, tem vindo a
reduzir cada vez mais a margem de atuação dos bancos centrais através deste instrumento.
62
4.2.8. Redução das margens de lucro dos bancos
Uma das críticas mais referidas por alguns economistas, banqueiros e políticos da
AE, relativamente às baixas taxas de juro diretoras, está relacionada com as margens de
lucro dos bancos. A margem das taxas de juro reflete a diferença entre as taxas de juro
ativas e passivas. O problema que tem surgido com a redução das taxas de juro diretoras
para valores próximos de zero prende-se, essencialmente, com o facto das taxas de juro
pagas aos aforradores descerem a um ritmo mais baixo do que as taxas de juro aplicadas
a empréstimos bancários (Claessens et al., 2017). A maior rigidez na transmissão da
evolução das taxas de juro diretoras às taxas pagas pelos bancos aos aforradores deve-se,
entre outros, à concorrência existente no sistema bancário (luta pela angariação de
depósitos, que como se sabe estão na base de qualquer negócio bancário) e a possível
existência de um limite inferior para as taxas de juro aplicadas a aforradores superior ao
limite que existe para taxas aplicadas ao financiamento dos bancos junto do BCE ou no
mercado interbancário9 (Saunders e Schumacher, 2000). Isso acontece porque os
depositantes têm alternativas aos depósitos bancários, nomeadamente possuir maiores
quantidades de circulação monetária e realizar investimentos em ativos mais arriscados
(obrigações, ações, entre outros) (Claessens et al., 2017).
Desta forma percebe-se que, ao longo dos últimos anos, as margens financeiras
dos bancos têm vindo a reduzir-se, podendo pôr em causa a sustentabilidade do sistema
bancário. Claessens et al. (2017) analisaram o impacto de descidas de taxa de juro
diretoras nas margens de lucro dos bancos, utilizando uma amostra com 3385 bancos de
47 países entre 2005 e 2013, e chegaram à conclusão de que a descida de um ponto
percentual nas taxas de juro diretoras origina uma queda de 8 pontos base (em períodos
de taxas de juro normais) ou 20 pontos base (em períodos de taxas de juro muito
reduzidas) na margem de lucro dos bancos. Este resultado reflete também que quanto
menores forem as taxas de juro, maior o impacto de uma nova redução dessas taxas.
É verdade que à medida que as taxas de juro vão baixando, maiores são os desafios
que os bancos vão enfrentando. No entanto, convém refletir sobre o que teria acontecido
se o BCE não tivesse levado a cabo a descida das taxas de juro diretoras para níveis tão
baixos. Como vimos anteriormente, a redução das taxas de juro, por parte do BCE e que
9 Este segundo limite será abordado com maior profundidade na subsecção 4.2.9.
63
se transmitiram em certo grau à economia real, permitiram que o crédito malparado e as
taxas de incumprimento não tivessem sido tão elevados. Para além disso, o clima
macroeconómico beneficiou também das baixas taxas de juro praticadas, tendo efeitos
positivos na atividade económica e posteriormente na rentabilidade e estabilidade dos
bancos (Coeuré, 2016).
Os bancos sofreram de forma diferente os efeitos das baixas taxas de juro,
principalmente devido às diferenças entre os balanços das instituições. Bancos que
possuíam ativos com taxas de juro fixas em maior escala do que tinham responsabilidades
em taxas de juro fixas beneficiaram de reduções de taxas de juro, pelo menos
temporariamente. As receitas mantinham-se inalteradas, enquanto que se financiavam a
taxas muito mais baixas. Caso a situação seja inversa, o impacto negativo nas margens de
lucro dos bancos é elevado (Brunnermeier e Koby, 2016). Outra oportunidade que pode
ser aproveitada pelos bancos nestas situações é o facto de as taxas de juro baixarem mais,
ou pelo menos mais rapidamente, a curto prazo do que a longo prazo. Desta forma os
bancos podem financiar-se a curto prazo e emprestar a longo prazo. No entanto, é uma
estratégia arriscada e, pelo que se tem verificado, cada vez menos frutífera, uma vez que
yield curve se foi tornando cada vez mais horizontal. Convém também referir que existem
outros canais a funcionar, no que toca à transmissão de baixas taxas de juro diretoras à
rentabilidade dos bancos, nomeadamente os custos relacionados com o excesso de
liquidez em períodos de incerteza e taxas de juro negativas (encargos com reservas
depositadas junto do BCE) (Coeuré, 2016).
Se tivermos em conta que a rentabilidade dos bancos é afetada pela diminuição das
taxas de juro diretoras, podemos afirmar que a última década foi um período de novos
desafios para o sistema bancário, um período que levou muitos bancos a repensar as suas
fontes de receita. Se a margem das taxas de juro é negativamente afetada pelas baixas
taxas de juro, e isso é factual, os bancos podem e devem diversificar as suas fontes de
receita (non-interest income), nomeadamente através do aumento das comissões
bancárias (por exemplo comissões de manutenção de conta, da gestão de carteiras, de
fornecimento de informações de mercado, entre outros) e do reforço das atividades nos
mercados financeiros (Borio et al., 2015).
64
4.2.9. Limites para as taxas de juro diretoras
O primeiro limite é económico, por vezes referido como a reversal rate, taxa a partir
da qual as políticas monetárias deixam de ter efeitos expansionistas na economia e passam
a ter efeitos contracionistas. Os bancos são, mais uma vez, cruciais neste processo, sendo
que a partir de certo ponto se mostram menos favoráveis à concessão de empréstimos (à
medida que as taxas de juro diretoras baixam, menor a sua rentabilidade). Outros fatores
que influenciam este limite são a regulação bancária10 (demasiado restritiva em períodos
de maior dificuldade pode “minar” a eficiência das políticas monetárias), as fontes de
financiamento dos bancos, a sua exposição à taxa de juro, as suas políticas de dividendos
ou a estrutura de mercado do setor bancário (Brunnermeier e Koby, 2016).
O segundo limite inferior reflete as taxas de juro diretoras a partir das quais é
preferível para os bancos manter as suas reservas em cofres seguros do que depositar
junto dos bancos centrais. Na AE a taxa das facilidades permanentes de depósito é
negativa, mas ainda acima do limite inferior, limite a partir do qual o sistema bancário
entra em desintermediação (Coeuré, 2016). De facto, a partir de um certo valor para as
taxas de juro diretoras, é preferível para os bancos deter as suas reservas em cofres
seguros do que pagar a taxa de juro em vigor ao BCE. Esse limite negativo deverá refletir
todos os custos associados à manutenção das reservas em cofres, nomeadamente seguros,
vigilância e também os inconvenientes ligados à movimentação das reservas (Coeuré,
2016).
10 A regulação bancária na AE será analisada com maior detalhe na subsecção 5.1.2.
65
5. Perspetivas para a política monetária na AE
Depois de se terem analisado as medidas de política monetária implementadas pelo
BCE ao longo da última década, nomeadamente a redução e manutenção das taxas de juro
diretoras em valores próximos de zero, e alguns dos seus principais impactos na economia
da AE (não só positivos, também negativos), torna-se relevante discutir o que será o
futuro da política monetária. Uma das motivações deste capítulo é tentar chegar às
respostas mais plausíveis para as seguintes questões:
• Quais os timings certos para reverter as diversas medidas de PMNC,
nomeadamente os momentos adequados para subir as taxas de juro
diretoras?
• A que velocidade devem ser revertidas as medidas de PMNC?
• Quais os instrumentos que devem ter prioridade na reversão (por exemplo,
dá-se prioridade à descontinuação do programa APP ou à subida das taxas
de juro diretoras), se é que deve haver priorização?
• Haverá condições para que, num futuro próximo, as taxas de juro diretoras
voltem aos valores observados antes das crises do subprime e das dívidas
soberanas?
• Qual a importância da coordenação de políticas monetárias entre bancos
centrais?
5.1. Pré-condições para a subida das taxas de juro diretoras
Os timings ideais para a reversão das políticas monetárias não convencionais na AE
nunca se saberão com exatidão. No entanto, existe uma série de pré-condições, com um
certo grau de concordância entre os economistas, para que tal reversão se possa fazer com
o mínimo de impactos negativos para os agentes económicos, nomeadamente Estados,
instituições bancárias, famílias e sociedades não financeiras. São algumas dessas pré-
condições e impactos associados à sua possível violação que serão analisados de seguida.
66
5.1.1. Condições económicas e inflação
A primeira dessas pré-condições prende-se com a evolução das condições
económicas e da inflação na AE. Tal como foi referido anteriormente, na sequência das
crises do subprime e das dívidas soberanas, grande parte das medidas de PMNC visavam,
entre outros, aliviar e/ou melhorar as condições económicas nos vários países da AE e
elevar a taxa de inflação para valores condizentes com o objetivo primordial do BCE. Tal
estratégia passava, sobretudo, pela dinamização do crédito à economia real, através da
melhoria das condições de financiamento do setor bancário. Uma reversão prematura de
tal intervenção do BCE pode por em causa a recuperação económica de grande parte dos
países da AE e a inflação, aumentando ainda mais os custos da crise económico-financeira
(Matthes, 2014). Se, por exemplo, o crédito à economia real voltar a cair, o investimento
e consumo privados vão sofrer consequências, pondo em causa a recuperação das
economias. No entanto, tal como se observou no capítulo anterior, nos últimos anos
(principalmente desde 2014), as condições económicas têm vindo a recuperar
gradualmente em praticamente todos os países da AE, impulsionando, consequentemente,
a subida da taxa de inflação. Em 2017, na AE, o PIB real cresceu 2,4% (prevendo o BCE
que cresça 2,3% e 2,0% em 2018 e 2019, respetivamente), o desemprego desceu para
9,1% (a previsão é de que se fixe em 7,9% em 2019, tal como ilustra a figura 4.1) e o
crédito à economia real, o investimento privado e o consumo também cresceram a um
ritmo mais elevado. No que toca à inflação na AE, a sua taxa anual em 2017 foi de 1,5%,
sendo que as expectativas são que se fixe em 1,5% em 2018 e 1,6% em 2019. Percebe-
se que o crescimento dos preços se vai aproximar do objetivo primordial do BCE. Os
dados são positivos relativamente a esta pré-condição, mostrando que, em relação às
condições económicas e inflação, o BCE está cada vez mais próximo de obter a segurança
necessária, no caso de optar por reverter as medidas de PMNC.
O BCE tem a responsabilidade de fazer tudo ao seu alcance para garantir uma taxa
de inflação abaixo, mas próxima, de 2%. Se as expectativas para a taxa de inflação
ultrapassarem, de forma significativa, este limite, o BCE sentir-se-á pressionado a
diminuir o nível de acomodação monetária. Esse panorama chegará, mais cedo ou mais
tarde, devido ao potencial inflacionário da maioria das medidas implementadas pelo BCE.
Esse potencial advém da sobre-estimulação da atividade económica, devido ao excesso
de liquidez no sistema bancário e devido ao ancorar das expetativas de inflação (Belke,
67
2016). Numa perspetiva teórica e simplificada, muitos economistas defendem que o
momento exato para o BCE começar a reverter as medidas de PMNC coincide com o
momento em que surjam riscos crescentes e significativos para a estabilidade de preços
no médio prazo (González-Páramo, 2009). Na realidade, o BCE dificilmente tomará a
decisão de começar a reverter as medidas de PMNC de forma tão simplificada. Outras
pré-condições (referidas mais adiante) serão, muito provavelmente, tidas em conta. Esta
temática é bastante controversa, uma vez que há certas “vozes” (economistas, banqueiros,
policymakers, entre outros) que argumentam a favor da defesa rigorosa e a todo o custo
da estabilidade de preços, enquanto outros defendem uma maior flexibilidade, capaz de
garantir uma saída deste ambiente não convencional “mais limpa”, ou seja, uma saída que
imponha o mínimo de custos para Estados, instituições bancárias, famílias e sociedades
não financeiras.
As reformas estruturais também desempenham um papel crucial na melhoria das
condições económicas, sendo que, por exemplo, reformas no mercado de trabalho e na
regulação nos mercados de bens e serviços são fundamentais para aumentar a
produtividade e, consequentemente, a competitividade e o crescimento económico
(Gomes, 2014). Segundo o BCE (2017d), as reformas estruturais nestes setores têm sido
implementadas a um ritmo lento, sendo que o fraco progresso da maior parte dos países
da AE neste processo tem impedido que o crescimento económico esteja a crescer a um
ritmo mais elevado.
5.1.2. Solidez do setor bancário e estabilidade nos mercados financeiros
A solidez do setor bancário é outra pré-condição essencial para uma reversão
“limpa” das medidas de PMNC. Caso o BCE opte por uma reversão (por exemplo, através
de uma subida das taxas de juro diretoras), sem que se verifique um nível satisfatório de
solidez no setor bancário, assistiremos a uma nova escalada de turbulência nos mercados
financeiros e a uma nova deterioração do mecanismo de transmissão da política monetária
(Matthes, 2014), pondo em causa a recuperação económica, uma vez que o crédito à
economia real fica comprometido. Mas qual será o nível de solidez no setor bancário, que
pode ser considerado satisfatório, para avançar com este processo? Não existe uma
resposta exata, até porque vários indicadores têm que ser considerados, nomeadamente
68
indicadores de risco sistémico (o setor bancário é bastante dependente de tudo o que se
passa noutros segmentos do setor financeiro), indicadores sobre o crédito malparado,
indicadores sobre a margem de lucro dos bancos, entre outros.
Em relação aos riscos mais relevantes para a estabilidade do sistema financeiro,
em 2016, o Comité Europeu do Risco Sistémico (2017, p.4) destacou, entre outros:
• “Uma reavaliação dos prémios de risco nos mercados financeiros mundiais”;
• “As fragilidades nos balanços das instituições de crédito, das seguradoras e dos
fundos de pensões”;
• “Os desafios em termos de sustentabilidade da dívida dos setores público,
empresarial e das famílias”.
A reavaliação dos prémios de risco, nomeadamente uma desvalorização dos índices
acionistas europeus, abalou significativamente os mercados financeiros no ano de 2016,
em resultado da incerteza relativamente à recuperação económica mundial e da
persistência de fragilidades nos balanços de bancos e seguradoras da UE e dos elevados
níveis de dívida pública e privada. Os balanços de muitos bancos e seguradoras da AE
continuam bastante frágeis (principalmente em resultados do “ambiente” de baixas taxas
de juro) e as dívidas públicas e privadas mantêm-se em níveis bastante elevados.
No entanto, apesar ainda se verificarem vários problemas nos mercados
financeiros da AE, o nível de stress nesses mercados tem vindo a decrescer ao longo dos
últimos anos, conforme refletido no Indicador Compósito de Stress Sistémico (ICSS).
Segundo este indicador (figura 4.2), depois de anos de forte turbulência, em 2017,
praticamente todos os países da AE apresentavam um valor inferior a 0,2, ou seja, o stress
financeiro estava abaixo do que se verificava em finais de 2007 (dispersão entre cerca de
0,2 e 0,5), numa escala compreendida entre 0 e 1. Se analisarmos a média para a AE, em
outubro de 2007 o ICSS era de 0,2578, ao passo que em janeiro de 2018 esse indicador
era de apenas 0,0621. Obviamente que este indicador pode mudar drasticamente caso o
BCE não tome as melhores opções no momento em que decidir reverter as medidas de
PMNC. Por exemplo, uma subida brusca e indevidamente comunicada das taxas de juro
diretoras pode causar incerteza e turbulência (investidores tentam acertar o mais rápido
possível as suas expectativas em relação a algumas variáveis) nos mercados financeiros
(Belke, 2014).
69
Mais especificamente, em relação aos bancos da AE, o stock de crédito malparado
tem vindo a decrescer significativamente ao longo dos últimos anos, representando, em
2016, cerca de 4,4% do total dos empréstimos, quase metade do que se verificava em
2012. Por país, os dados são preocupantes nalguns casos, sendo que o crédito malparado
na Grécia representava cerca de 36,3% do total de empréstimos em 2016, ao passo que
na Alemanha representava apenas menos de 2% em 2016 (figura 4.3). As diferenças entre
países são enormes, colocando ainda mais desafios ao BCE, uma vez que o momento
ideal para reverter as medidas de PMNC num país será diferente do momento ideal para
outros países. Aliás, este problema coloca-se em outras pré-condições.
Em relação ao capital próprio dos bancos da AE, a evolução tem sido positiva ao
longo dos últimos anos. Em média, os bancos da AE apresentavam em 2016 capitais
próprios de cerca de 8,1% dos ativos que possuíam, valor acima do que se verificava em
2008 (5,8%). No entanto, os valores que se praticavam antes da crise do subprime não
são uma referência adequada, uma vez que os capitais próprios se revelaram em muitos
casos escassos para enfrentar os efeitos nefastos da crise. Em termos individuais, os rácios
de capital aumentaram em quase todos os países da AE, apesar de continuar a existir uma
grande heterogeneidade. Por exemplo, em 2016, os bancos gregos apresentavam um rácio
superior a 10%, enquanto que os bancos italianos apresentavam um rácio de cerca de
5,5%. Em Portugal, esse rácio foi de cerca de 8,4% no ano de 2016 (figura 5.1). As
reformas que veremos de seguida desempenharam um papel relevante na melhoria deste
indicador.
Figura 5.1: Rácios de capital nos bancos da AE, 2008-2016 (%)
Fonte: Banco Mundial (2018c).
3
4
5
6
7
8
9
10
11
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Alemanha Espanha França Grécia Itália Portugal Área do Euro
70
O BCE, ao longo dos últimos anos, implementou também uma série de reformas
no setor financeiro da AE, promovendo alterações no comportamento dos agentes
económicos, principalmente nas instituições bancárias (Matthes, 2014). Destaca-se a
centralização, por parte do BCE (desde novembro de 2014), da supervisão financeira,
através do Mecanismo Único de Supervisão (MUS), que visa uniformizar a supervisão
financeira na AE, evitando alguns erros, cometidos ao longo dos últimos anos, por
algumas autoridades de supervisão nacionais. Também foi criado um Mecanismo Único
de Resolução (MUR), que entrou em vigor em janeiro de 2016, e que tem como missão
auxiliar na resolução de bancos insolventes. Estes dois mecanismos fazem parte da União
Bancária, que poderá ainda ter um terceiro mecanismo, o Sistema Europeu de Garantia
de Depósito (Parlamento Europeu, 2017). Outras reformas foram implementadas em
alguns países da AE através da intervenção externa (Troika), nomeadamente em Portugal,
Espanha e Grécia (Matthes, 2014). Todas estas reformas do setor bancário europeu visam
promover a homogeneização do mesmo, colocando todas as instituições bancárias da AE
em igualdade de circunstâncias.
Um problema específico que se pode colocar aos bancos, a partir do momento em
que o BCE decida reverter as medidas de PMNC (nomeadamente uma subida nas taxas
de juro diretoras), está relacionado com a composição dos seus balanços. Se os bancos
tiverem boa parte dos ativos com taxas de juro fixas e boa parte das responsabilidades
com taxas de juro variáveis, pode-se criar um grave problema, uma vez que uma subida
das taxas de juro diretoras, por parte do BCE, pode comprimir, de forma preocupante, as
margens de lucro desses bancos (Belke, 2014). Desequilíbrios nos balanços dos bancos,
em termos de maturidade, também podem ser importantes neste processo. A yield curve,
que tem estado bastante horizontal ao longo dos últimos anos em grande parte dos países
desenvolvidos, devido à ação dos bancos centrais (principalmente pelo impacto de
programas de compra de títulos e da forward guidance) (Wu, 2014), começará certamente
a inclinar à medida que os bancos centrais, nomeadamente o BCE, decidam inverter o
panorama e comecem a reverter algumas medidas de PMNC, ou seja, as taxas de juro de
longo prazo vão subir mais do que as taxas de juro de curto prazo (Turner, 2015). Bancos
que apresentem balanços com muitas responsabilidades a longo prazo e grande parte dos
ativos a curto prazo podem ter problemas. Desequilíbrios nos balanços dos bancos
71
relativamente à moeda em que são denominados os ativos também podem ser um
problema. Uma subida nas taxas de juro diretoras pode implicar uma apreciação cambial
do euro, podendo por em causa a rentabilidade de bancos da AE que tenham muitos ativos
denominados em moeda estrangeira (Belke, 2014). Esta problemática da taxa de câmbio
afeta, obviamente, outros agentes económicos, para além das instituições bancárias, sendo
exemplo disso as empresas exportadoras de bens e serviços.
No entanto, a reversão das medidas de PMNC também traz benefícios para as
instituições bancárias. As suas margens financeiras (a margem entre as taxas de juro
cobradas pelos empréstimos concedidos e as taxas de juro aplicadas aos depositantes),
irão aumentar à medida que as taxas de juro diretoras subam (Belke, 2014). Tal como foi
referido no capítulo anterior, ao longo dos últimos anos, os bancos sofreram bastantes
quebras na sua rentabilidade, em função da redução das margens de lucro relacionadas
com as taxas de juro. As taxas de juro diretoras baixaram para valores próximos de zero,
transmitindo-se posteriormente aos mercados financeiros e à atividade bancária. Uma
mudança de paradigma, que proporcione a subida das taxas de juro nos mercados
financeiros incrementará, certamente, a rentabilidade dos bancos e a sua solidez.
De uma forma geral, principalmente a partir de 2014, a solidez do setor bancário
tem vindo a melhorar (menor stress financeiro, maiores capitais próprios, reformas do
setor financeiro, entre outros). No entanto, ainda há muitos indicadores e fatores de risco
(elevado nível de crédito malparado, fragilidades nos balanços dos bancos, entre outros),
algo que pode pôr em causa uma reversão das medidas de PMNC. A incerteza
relativamente às consequências da reversão das medidas de PMNC e ao seu impacto no
setor bancário e nos restantes setores financeiros será sempre uma realidade. Grande parte
das consequências dependerão das expetativas e ações dos agentes económicos.
5.1.3. Impacto sustentável sobre os encargos de financiamento do setor privado
A redução das taxas de juro diretoras do euro repercutiu-se numa redução, em
certo grau, das taxas de juro ativas bancárias, algo que já foi abordado anteriormente.
Esse ambiente de baixas taxas de juro tem beneficiado, entre outros, famílias e sociedades
não financeiras, que viram os seus encargos com o endividamento (juros a pagar) reduzir
bastante. Entre 2008 e 2016, o setor privado da AE pagou menos cerca de 1.550 mil
72
milhões de euros em juros do que seria espectável caso as taxas de juro se mantivessem
em valores normais (Boata et al., 2017). No entanto, assim que o BCE decida subir as
taxas de juro diretoras, este contexto vai mudar. Os juros a pagar por famílias e sociedades
não financeiras irão, consequentemente, subir. Boata et al. (2017) tentaram aferir de que
forma as famílias e sociedades não financeiras da AE serão afetadas quando o BCE subir
as taxas de juro diretoras. O relatório, que apresenta três cenários alternativos para a
condução do processo de normalização das taxas de juro (normalização suave,
normalização moderada e normalização acelerada), mostra que a subida das taxas de juro
na AE poderá determinar um aumento do montante de juros a pagar que se poderá cifrar
entre 0,7% e 1,6% do PIB (comparando 2022 com 2016). As diferenças entre países são
assinaláveis, sendo de esperar que alguns países sintam mais o impacto dessa
normalização do que outros. Portugal seria um dos países mais afetados, sendo de esperar
que os encargos com juros subissem entre 1,4% e 3,3% do PIB (em 2022, relativamente
a 2016). A Alemanha seria o país menos afetado, esperando-se um aumento no pagamento
de juros entre 0,4% e 1,1% do PIB (em 2022, relativamente a 2016).
Esta heterogeneidade entre países reflete, entre outros, diferentes níveis de risco
de incumprimento, que por sua vez dependem da evolução económica dos países, do nível
de endividamento de famílias e sociedades não financeiras e dos Estados (“risco país”),
entre outros (Paries et al., 2014). Portugal, como consequência da subida das taxas de
juro diretoras, sofrerá um aumento do risco de incumprimento em maior escala do que a
maior parte dos países da AE, pelo que os encargos com juros irão subir mais em Portugal
do que noutros países. Se, em 2016, em Portugal o endividamento do setor privado era
cerca de 171,4% PIB e na Alemanha o endividamento privado representava 99,3% do
PIB (figura 5.2), as famílias e sociedades não financeiras alemãs irão sofrer, em média,
menos com uma subida das taxas de juro do que as famílias e sociedades não financeiras
portuguesas.
73
Figura 5.2: Endividamento privado nalguns países da AE, 2007-2016 (% do PIB)
Fonte: Eurostat (2018c).
Ainda segundo o relatório de Boata et al. (2017), de uma forma geral, o setor
privado da AE tem capacidade para aguentar a normalização das taxas de juro. Apesar do
impacto da subida das taxas de juro diretoras ser diferenciado entre os países da AE, é
provável que as taxas ativas bancárias não atinjam valores tão elevados como as que
existiam no período anterior às crises do subprime e das dívidas soberanas. A explicação,
segundo o mesmo relatório, deve-se ao facto de muitos devedores estarem a financiar-se
a longo prazo com taxas fixas e ao facto de o endividamento no setor privado ser inferior
ao que existia no período pré-crise.
As famílias e as sociedades não financeiras que não aproveitaram este período de
baixas taxas de juro para procederem a consolidações orçamentais (baixas taxas de juro
podem até ter promovido um incentivo ao endividamento), poderão ter problemas durante
este processo de normalização. A subida das taxas de juro para valores considerados mais
normais permitirá também reanimar o mecanismo de seleção natural entre as empresas
viáveis e aquelas que são ineficientes e que devem ser liquidadas (Matthes, 2014).
Tal como foi referido anteriormente, um dos principais objetivos do BCE, ao adotar
as mais diversas medidas de PMNC, foi minimizar a quebra na concessão de crédito à
economia real, de forma a promover a procura de bens e serviços e o investimento na AE.
A redução das taxas de juro diretoras foi de extrema importância para a redução das taxas
70
90
110
130
150
170
190
210
230
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Alemanha Grécia Espanha França Itália Portugal
74
de juro bancárias, tendo funcionado como um estímulo para que famílias e sociedades
não financeiras continuassem a financiar-se junto dos bancos. No entanto, apesar da oferta
de crédito ter sido incrementada pelo BCE, a procura por crédito é mais difícil de
impulsionar. A procura por crédito depende de fatores como a perceção do risco acerca
de rentabilidades e rendimentos futuros, a saúde dos balanços (em caso de fragilidade, há
uma pressão para reduzir o endividamento), a viabilidade e condições de financiamento
alternativo (por exemplo, no mercado de capitais), entre outros (European Investment
Bank, 2014). Ainda assim, a procura por crédito na AE começou a incrementar,
principalmente a partir de 2014, promovendo dessa forma a recuperação na concessão de
crédito. No entanto, uma subida das taxas de juro diretoras pode pôr em causa essa
recuperação, havendo o risco de a concessão de crédito na AE regredir. Num ambiente
de maior custo do crédito, o consumo e investimento privados irão ser afetados,
condicionando o crescimento económico (Kannan, 2010). A recuperação económica que
se tem vivenciado ao longo dos últimos anos pode ser interrompida por uma subida das
taxas de juro diretoras.
5.1.4. Solidez das finanças públicas
Os problemas, em termos de finanças públicas, que vários países enfrentaram,
principalmente entre 2011 e 2015, foram determinantes para a adoção de certas medidas
não convencionais por parte do BCE, nomeadamente a redução e manutenção das taxas
de juro diretoras em níveis muito baixos. Esse ambiente de baixas taxas de juro teve,
obviamente, consequências positivas ao nível das taxas de juro implícitas em obrigações
de dívida pública, tanto a curto prazo como a longo prazo, algo que já foi abordado
anteriormente. Mas, será que os governos nacionais, principalmente os governos dos
países que mais foram afetados pela crise das dívidas soberanas, aproveitaram este
período para proceder a uma rigorosa consolidação orçamental? Será que os países da AE
estão preparados para uma subida das taxas de juro a pagar pela emissão de obrigações?
Em relação aos défices orçamentais, grande parte dos países da AE já cumpre com
o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), ou seja, apresentam défices orçamentais
abaixo dos 3% do PIB. O ajustamento foi lento, sendo que alguns países apresentaram
défices excessivos ao longo de vários anos consecutivos. Apesar de haver uma grande
75
heterogeneidade entre países, em relação ao comportamento das finanças públicas, é
notório que grande parte dos países não aproveitou da melhor forma o ambiente de baixas
taxas de juro para proceder a uma redução do endividamento público (subsecção 4.1.7).
O crescimento económico também desempenha um papel importante neste processo, uma
vez que o rácio de dívida pública em termos do PIB diminui mais rapidamente quanto
maior for o crescimento económico (Wyplosz, 2014). Neste caso, o PIB da AE até ao
final de 2017 não atingiu um ritmo de crescimento de tal forma elevado que facilite a
redução das dívidas públicas sem que os saldos orçamentais primários necessitem de ser
tão elevados.
É verdade que a evolução dos saldos orçamentais tem vindo a melhorar ao longo
dos últimos anos na AE, prevendo-se que continuem a evoluir positivamente (figura 4.5),
embora seja importante perceber se essa melhoria está relacionada com cortes
temporários na despesa pública ou se está relacionada com reformas estruturais.
Obviamente a segunda hipótese é mais sustentável, dá garantias que os saldos
orçamentais se manterão controlados. Algumas das reformas que devem ser tidas em
consideração estão relacionadas com os sistemas nacionais de Segurança Social,
principalmente pelo facto de as despesas com este sistema (por exemplo pensões e
encargos com saúde) tenderem, em caso de inércia, a aumentar. Esta evolução deve-se ao
envelhecimento populacional, fator que incrementa as despesas da Segurança Social
(mais gastos com pensões e com os sistemas nacionais de saúde) e reduz as suas receitas
(menos contribuições). O aumento da idade mínima para a reforma é apenas um exemplo
de uma medida que pode ser tomada. Outras reformas que promovam a redução das
despesas públicas devem ser tidas em consideração, nomeadamente a redução ou
eliminação de subsídios em áreas não prioritárias. Para além disso, os governos nacionais
podem implementar reformas que promovam as receitas públicas, nomeadamente
políticas de combate à evasão fiscal, eliminação de isenções fiscais ou implementação de
taxas ambientais (FMI, 2010). De acordo com a OCDE (2016), os países da AE têm
implementado de forma relativamente lenta as reformas estruturais entendidas como
necessárias pelas instituições europeias para garantir a sustentabilidade das finanças
públicas.
Tendo em conta que as dívidas públicas de grande parte dos países da AE
continuam bastante elevadas e as reformas estruturais vão sendo implementadas a um
76
ritmo lento, coloca-se a questão de como esses países, principalmente aqueles que
apresentam dívidas públicas muito elevadas, seriam afetados caso o BCE começasse a
reverter as medidas de PMNC, nomeadamente subindo as taxas de juro diretoras.
Aquando dessa decisão, as taxas de juro das obrigações de dívida pública irão começar a
subir, aumentando os encargos com juros e tornando a redução da dívida pública, em
percentagem do PIB, ainda mais custosa (se não provocar mesmo uma subida nos rácios).
A sustentabilidade das finanças públicas de alguns países da AE (principalmente daqueles
que hoje apresentam as maiores dívidas públicas) pode ser posta em causa com essa
subida das taxas de juro (Matthes, 2014). Investidores privados ao aperceberem-se de tal
situação podem começar a exigir taxas superiores pela compra de obrigações de dívida
pública, impulsionando ainda mais a subida inicial nas taxas de juro desse tipo de títulos.
A coordenação da subida das taxas de juro diretoras com o programa APP será da máxima
importância para o sucesso deste processo. Se o BCE continuar a adquirir títulos de dívida
pública que estejam sob stress, pode contrariar, em certo grau, a subida nas taxas de juro
nos mercados de dívida pública (Turner, 2014).
O elevado e persistente endividamento de alguns países da AE (figura 4.6) pode
atrasar a reversão das medidas de PMNC por parte do BCE, algo que põe em causa a sua
independência. De facto, caso se verifique tal situação, o BCE fica dependente da
evolução das finanças públicas dos países membros, algo que é comumente designado
por fiscal dominance (Matthes, 2014). Caso se verifique tal situação haverá um certo
“braço de ferro” entre o BCE e os países da AE. O BCE pretende que os governos façam
rápidos progressos em termos de consolidação orçamental, de forma a poder perseguir o
seu objetivo primordial (manutenção da estabilidade de preços no médio prazo). Caso
haja a expectativa de que as taxas de inflação irão subir de forma preocupante, subir as
taxas de juro diretoras é essencial para controlar essa dinâmica. Por outro lado, os
governos nacionais sabem que o BCE se mostrará reticente em subir as taxas de juro
diretoras, caso não sinta que a consolidação orçamental dos países membros está
avançada, e aproveitam para ir atrasando esse processo (as pressões internas em alguns
países agravam a situação) (Belke, 2016). Apesar de todos os países terem acesso, em
condições razoáveis, aos mercados de dívida pública e de as taxas de juro praticadas
serem relativamente baixas (tanto a curto como a longo prazo), uma subida das taxas de
juro diretoras, em conjugação com altas dívidas públicas e o início da venda de títulos de
77
dívida (adquiridos através do APP) pode desencadear um aumento descontrolado dos
spreads nos mercados de dívida pública (Wyplosz, 2014). Uma situação de turbulência
nos mercados de dívida pública rapidamente pode contagiar outros mercados financeiros
e economia real. Para evitar tais problemas é importante que haja uma verdadeira
coordenação entre o BCE e os países da AE, de forma a que os governos nacionais não
tentem prolongar em demasia o ambiente de baixas taxas de juro ou que o BCE, num caso
hipotético, tente forçar cedo demais a subida das taxas de juro diretoras. O BCE tem
também algumas formas de minimizar as possibilidades de existência de uma fiscal
dominance, nomeadamente através de uma comunicação clara e objetiva. Caso o BCE
comunique com antecedência o momento em que vai parar a compra de títulos de dívida
pública, e se vai manter os títulos que detém até à maturidade ou se os vai vender, está a
comprometer-se com uma ação futura, pelo que será menos provável não tomar essa
decisão na data estabelecida (Turner, 2014). Caso o BCE esteja comprometido com
prazos, menor a suscetibilidade a pressões dos governos nacionais.
5.1.5. Prejuízos para o BCE
O BCE sofreu, em consequência dos programas de compra de ativos, uma grande
alteração na composição do seu balanço. Num ambiente de normalidade, o BCE possui
maioritariamente ativos de alta qualidade e de curto prazo (maior facilidade no controlo
da taxa das operações principais de refinanciamento, que é uma taxa de curto prazo). No
entanto, por ação da abundante compra de ativos a que se assistiu ao longo dos últimos
anos, o balanço do BCE está repleto de ativos de qualidade duvidosa e das mais diversas
maturidades. Para além disso, a dimensão do balanço do BCE aumentou em grande
escala. Assim que as taxas de juro comecem a subir, os ativos de longo prazo vão perder
valor e os ativos de baixa qualidade vão impor perdas através do aumento dos
incumprimentos (Wyplosz, 2014). Obviamente que os prejuízos que o BCE possa ter
nunca levarão a problemas de financiamento nem colocarão em causa a sustentabilidade
da instituição, uma vez que tem sempre a hipótese de criar moeda. O problema é que esses
prejuízos podem ter impactos políticos e colocar em causa a independência do BCE
(Turner, 2014). Por exemplo, pode-se criar um dilema para o BCE, caso este tenha que
criar moeda para compensar os seus prejuízos (criando pressões inflacionistas) mas ao
78
mesmo tempo tenha que combater pressões inflacionistas (devido ao seu objetivo de
manutenção da estabilidade de preço no médio prazo).
5.1.6. Impacto em países que não adotaram medidas de PMNC
As medidas de PMNC adotadas pelo BCE também produziram impactos em
países que não as adotaram. Com a descida das taxas de juro em grande parte dos países
desenvolvidos, houve uma transferência de capitais para outros países que garantiam
taxas de juro mais elevadas, principalmente países em desenvolvimento. Atualmente, o
possível retorno desses capitais aos países desenvolvidos, por via da previsível subida das
taxas de juro num futuro próximo, leva a grandes preocupações nos países que
beneficiaram da entrada de capitais. A redução do investimento ou criação de
instabilidade nos mercados financeiros desses países são alguns dos problemas que terão
de ser enfrentados. Por outro lado, alguns efeitos positivos são esperados para os países
que receberam capitais, nomeadamente a depreciação das moedas nacionais (essencial
para países exportadores) ou a redução de algumas bolhas especulativas que foram criadas
pelo excesso de liquidez nos mercados financeiros (Belke, 2014). Obviamente, efeitos
contrários serão sentido nos países que adotaram medidas de política monetárias não
convencionais ao longo dos últimos anos, nomeadamente na AE, embora em escalas
diferentes. A cooperação entre governos nacionais e bancos centrais pode suavizar alguns
destes impactos.
5.2. Princípios fundamentais para a reversão das medidas de PMNC
No início deste capítulo foram apresentadas algumas questões fundamentais sobre
o processo de reversão das medidas de política monetária implementadas pelo BCE ao
longo dos últimos anos. De seguida serão apresentadas algumas possíveis respostas,
assim como serão debatidos outros aspetos essenciais sobre o processo de reversão.
Segundo o FMI (2010) o processo de reversão deve obedecer a três critérios
fundamentais:
79
▪ Integração: as decisões devem ter em conta os pontos de vista das mais
diversificadas entidades da AE, sejam elas públicas ou privadas (por exemplo,
governos, banqueiros, reguladores, entre outros).
▪ Flexibilidade: o processo de reversão das medidas de PMNC envolve a tomada
de várias decisões complexas, nomeadamente decidir quais medidas reverter
primeiro, em que momentos, a que velocidade, entre outros. No entanto, todas
essas decisões devem respeitar o princípio da flexibilidade, ou seja, devem
permitir margem de manobra (colocar algumas medidas de reversão em pausa por
exemplo) para que os decisores de política possam responder a imprevistos,
nomeadamente períodos de maior instabilidade nos mercados financeiros.
▪ Comunicação: a comunicação, apesar de não ser considerada um instrumento de
política monetária, tem uma importância igual ou superior a alguns desses
instrumentos. Por exemplo, Georgiadis e Gräb (2016) e Falagiarda e Reitz (2015)
comprovam que a política de comunicação do BCE ao longo dos últimos anos
contribuiu para a redução dos spreads implícitos nas obrigações de dívida pública
dos países da AE. Uma comunicação clara e concisa sobre o futuro da política
monetária na AE, neste caso sobre a estratégia de reversão do “ambiente não
convencional”, permite reduzir incertezas e ancorar expetativas. Por exemplo,
caso o BCE decida subir as taxas de juro diretoras, pode-se criar o pânico em
alguns mercados fortemente intervencionados pelo BCE (como é o caso dos
mercados de dívida pública), pelo facto de se criar a expetativa que esses apoios
serão retirados num futuro próximo. Se o BCE não tencionar abandonar esses
apoios num futuro próximo, pode e deve comunicar que a situação nesses
mercados não se vai alterar, evitando problemas de maior. No entanto, para que a
comunicação dos bancos centrais seja relevante é necessária credibilidade, os
agentes económicos têm que ter a constante confiança de que os bancos centrais
vão sempre cumprir aquilo que declaram ou aquilo que assumem como objetivos
(González-Páramo, 2007). Em relação ao exemplo anterior (subida nas taxas de
juro diretoras), o BCE ao vincular-se em manter os apoios aos mercados de dívida
pública tem que o fazer efetivamente, de forma a manter a confiança dos agentes
económicos. Caso não o faça, nas próximas comunicações, os agentes económicos
80
podem desconfiar da veracidade das declarações do BCE, sendo menos eficazes
tais comunicações.
5.2.1. Os timings certos para a reversão das medidas de PMNC
A primeira questão está relacionada com a seleção dos timings ideais para reverter
as várias medidas de PMNC, nomeadamente a subida das taxas de juro diretoras por parte
do BCE. Essas decisões terão sempre um elevado grau de incerteza, sendo que o BCE
será pressionado, tanto no sentido de apressar o processo como no sentido de o atrasar.
Falhar os timings certos trará sempre custos adicionais. Se a reversão das medidas não
convencionais se iniciar muito cedo a recuperação económica pode ser posta em causa;
se a reversão se iniciar muito tarde, está-se a desincentivar a iniciativa privada, colocam-
se riscos para a estabilidade de preços, entre outros (FMI, 2010). O momento ideal é
aquele a partir do qual grande parte das pré-condições que vimos anteriormente
(recuperação económica, estabilidade financeira e bancária, consolidação orçamental,
etc…) se cumpram e, portanto, o momento a partir do qual se torna relativamente seguro
reverter as medidas de PMNC (Matthes, 2014). O problema é que nem todos esses fatores
evoluem da mesma forma, algumas pré-condições demoram mais tempo e são mais
difíceis de atingir. Para além disso, as diferenças entre países são enormes na AE, pelo
que o timing ideal para iniciar uma reversão das medidas não convencionais num país é
diferente do timing ideal para outro país (FMI, 2010). Por exemplo, garantir a estabilidade
e solidez bancária (com tudo o que isso implica em termos de reestruturação de balanços,
cumprimento de rácios de capitais, reformas estruturais, entre outros) demora muitos anos
a atingir, muito mais do que a recuperação de um bom crescimento económico ou a
estabilização dos mercados financeiros. Há também economistas que defendem que o
timing ideal para a reversão das medidas não convencionais apenas deve estar relacionado
com a evolução da inflação, ignorando outros fatores. Assim que a estabilidade de preços
comece a ser posta em causa, o BCE deve começar o processo (Belke, 2014). A
estabilidade de preços é o principal objetivo do BCE, embora pareça claro que a última
década veio trazer mudanças na condução da política monetária da AE. Devem ser tidos
em conta outros aspetos (para além da estabilidade de preços) no momento de tomar
decisões de política monetária (Wyplosz, 2014).
81
5.2.2. A velocidade a que se devem reverter as medidas de PMNC
A resposta a esta pergunta é relativamente simples, uma vez que a reversão das
medidas de PMNC deve ser feita de forma progressiva e a uma velocidade que não ponha
em causa os progressos feitos, ao longo dos últimos anos, em vários aspetos. Mais
especificamente, a subida das taxas de juro diretoras deve ser feita de forma suave,
devendo cada alteração nessas taxas ser comunicada com antecedência e clareza. Desta
forma, os agentes económicos têm tempo para se adaptar às mudanças que vão ocorrendo
(Matthes, 2014).
Excesso de velocidade na subida das taxas de juro pode levar a momentos de
instabilidade nos mercados financeiros, motivados, em grande parte, pelo facto de os
investidores tentarem ajustar o mais rápido possível os seus portfólios. Essa instabilidade
pode levar a aumentos excessivos e desregrados das taxas de juro nos mercados
financeiros, sendo que a possível venda de ativos por parte do BCE também pode
incrementar as taxas de juro. Caso haja uma reação excessiva dos agentes económicos,
todos os ajustamentos e progressos feitos nos anos anteriores podem ser postos em causa,
amplificando-se ainda mais alguns dos problemas debatidos anteriormente,
nomeadamente a solidez financeira e bancária, a consolidação das finanças públicas, entre
outros (FMI, 2013). As subidas nas taxas de juro devem ser reduzidas, mas muito
frequentes, sendo devidamente comunicadas, para que os agentes económicos tenham a
noção da evolução futura das taxas de juro diretoras e não sejam surpreendidos (Matthes,
2014). Não havendo surpresas nem incertezas para os investidores, não há motivos para
ajustamentos apressados nos seus portfólios, esses ajustamentos são feitos
moderadamente ao longo do tempo. Mais uma vez coloca-se o problema da
heterogeneidade entre os países da AE, o ritmo a que a reversão das medidas de PMNC,
nomeadamente a subida das taxas de juro diretoras, deve ser feita difere de país para país,
dependendo das especificidades de cada Estado (FMI, 2010).
Em relação à redução do balanço do BCE, esse processo pode fazer-se
naturalmente de forma progressiva, desde que o BCE opte por manter os ativos que
adquiriu até à maturidade. O problema que aí se coloca está relacionado com o facto de o
processo de redução do balanço estar dependente das características dos ativos detidos e
não da evolução das condições económicas e outros fatores relevantes (Turner, 2014).
82
5.2.3. Os instrumentos prioritários na reversão das medidas de PMNC
Apesar de o BCE ter implementado uma grande diversidade de medidas de PMNC
ao longo dos últimos anos, grande parte da literatura sobre a saída do “ambiente não
convencional” foca-se em duas delas, o nível das taxas de juro diretoras e as aquisições
de títulos ao abrigo do programa APP. Recorrendo a essa simplificação, para sair desse
“ambiente não convencional” o BCE terá que subir as taxas de juro diretoras e reduzir a
dimensão do seu balanço. Ambas as ações terão efeitos contracionistas na economia da
AE, na medida em que irão promover a subida das taxas de juro nos mercados financeiros
e nas taxas ativas e passivas bancárias (incluindo as taxas de juro de longo prazo), a
apreciação do euro e a redução do preço dos ativos (Wyplosz, 2014). Todos estes aspetos
estão interligados e podem pôr em causa a recuperação económica que ocorreu ao longo
dos últimos anos na AE. Por outro lado, são instrumentos com especificidades totalmente
diferentes, daí a necessidade de perceber em que ordem devem ser revertidos, ou se
devem ser revertidos simultaneamente.
O FMI (2013b) recomenda uma sequência lógica para a reversão das medidas de
PMNC:
1. Comunicar com bastante antecedência a evolução futura das taxas de juro
diretoras, assim como o ritmo de aquisição de títulos;
2. Redução do montante de aquisição de ativos (tapering);
3. Início da subida das taxas de juro diretoras;
4. Redução da dimensão do balanço.
O primeiro passo está relacionado com a comunicação, uma vez que o BCE deve
comunicar com bastante antecedência a evolução futura das taxas de juro diretoras, assim
como o ritmo de aquisição de títulos. Obviamente que iniciar tal comunicação implica
que o BCE esteja relativamente seguro em relação à contenção dos riscos inerentes à
reversão das medidas não convencionais.
Posteriormente, possivelmente vários meses depois de o comunicar, o BCE deve
começar a reduzir o montante de aquisição de ativos. Apesar da mudança de paradigma
na política monetária ser previamente anunciada, reduzir a compra de ativos torna-se um
passo menos arriscado do que uma subida das taxas de juro diretoras ou venda de títulos,
83
algo que poderia alarmar os agentes económicos e pôr em risco o processo. Os primeiros
passos têm que ser o menos arriscado possível.
De seguida o BCE deve começar a subir as taxas de juro diretoras, de forma
moderada. Esta subida pode ocorrer ao mesmo tempo ou antes de uma redução do
montante de reservas (venda de ativos adquiridos ao abrigo do APP).
Por último, já em consequência da redução de reservas, o balanço do BCE será
reduzido. Este processo pode ser acelerado ou retardado, dependendo da vontade do BCE
manter grande parte ou a totalidade dos títulos adquiridos até à maturidade. A explicação
para que a redução do balanço tenha menos prioridade do que a subida nas taxas de juro
pode estar relacionada com o facto de a gestão de títulos ser mais cirúrgica e flexível. Se,
por exemplo, houver um aumento da volatilidade em certo tipo de títulos, nomeadamente
títulos de dívida pública, o BCE pode optar por vendas mais moderadas desse tipo de
títulos, ou até adquirir novos títulos, acalmando a turbulência nesses mercados (Belke,
2014). Este tipo de tática pode também ajudar a suavizar a heterogeneidade entre os vários
países da AE, principalmente em termos de spreads inerentes a títulos de dívida pública.
No caso das taxas de juro diretoras não há essa possibilidade de intervir cirurgicamente
em certos mercados.
Esta sequência foi assumida por alguns bancos centrais ao longo dos últimos anos,
nomeadamente a Reserva Federal e o Banco de Inglaterra. Estes dois bancos centrais,
aquando do momento em que deixaram de adquirir novos ativos (cumprindo o segundo
passo), indicaram que o próximo passo na normalização seria a subida nas taxas de juro
diretoras e que só depois de se iniciar tal subida começariam a vender ativos (Turner,
2015). No caso da Reserva Federal, a Federal Funds Rate já começou a subir
gradualmente desde 2015, embora o volume do seu balanço se mantenha praticamente
inalterado (figura 5.3). Na AE, o BCE também começou, a partir de janeiro de 2018, a
reduzir o montante de aquisição de títulos ao abrigo do APP para metade (de 60 mil
milhões de euros mensais para 30 mil milhões de euros), algo que alerta ainda mais para
o início da subida das taxas de juro diretoras num futuro próximo.
84
Figura 5.3: Dimensão do ativo da Reserva Federal, 1:2008-12:2017 (109$)
Fonte: Federal Reserve of St. Louis (2017b).
5.2.4. O “novo normal” das taxas de juro diretoras
Tendo em conta a realidade económico-financeira vivida desde 2007 na AE,
coloca-se a questão de quais serão os valores considerados normais para os mais diversos
indicadores. Depois de tanto que se alterou ao longo dos últimos anos, serão esses valores
normais os mesmos que existiam antes de 2008? Provavelmente não, uma vez que as
crises do subprime e das dívidas soberanas provocaram enormes perdas na economia da
AE, nomeadamente em termos de capital financeiro, físico e humano. Consequentemente,
o potencial de crescimento económico da AE terá sido bastante afetado. Voltar às
condições que existiam antes de 2008 poderá ser uma questão de longo-prazo (González-
Páramo, 2009).
Existem alguns economistas que são mais pessimistas em relação ao futuro das
condições económicas mundiais, incluindo a AE. Esses economistas são defensores da
hipótese da secular stagnation11, hipótese que sofreu muitas alterações desde o seu
aparecimento. Na atualidade, economistas como Blanchard et al. (2014) e Eichengreen
(2014) defendem que as taxas de juro reais se irão manter baixas por um elevado período
11 O termo secular stagnation foi introduzido por Alvin Halsen em 1938. Este economista utilizou o termo
para descrever o processo no qual os EUA iriam entrar nos anos seguintes, um longo período de elevado
desemprego e estagnação económica. A justificação para esta teoria estava relacionada com fatores
estruturais, nomeadamente o declínio no crescimento populacional e a falta de inovação (Bindseil et al.
(2015)).
0
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85
de tempo, provavelmente em níveis inferiores aos que se verificavam antes do despoletar
da crise do subprime. Apesar do ambiente depressivo que se viveu nos últimos anos, a
descida das taxas de juro reais mundiais já se tinha iniciado muito antes, estando associada
a fatores estruturais, algo que já foi referido no capítulo anterior. Alguns desses fatores
são a redução no ritmo de aparecimento de novas invenções, a redução na propensão ao
investimento (aumento da poupança mundial) e o abrandamento no crescimento da
produtividade. Estando as baixas taxas de juro reais associadas a muitos outros fatores,
para além das crises económico-financeiras, percebe-se que, muito provavelmente, se
manterão baixas por um longo período de tempo (enquanto não houverem alterações
significativas no comportamento desses fatores). Segundo esta teoria, enquanto se
mantiver este ambiente, as condições económicas irão melhorar apenas de forma residual,
e o crescimento económico permanecerá estagnado, ou perto disso. Esta teoria é muito
criticada, uma vez que vários economistas defendem que é pouco provável que, neste
caso, a AE se mantenha estagnada durante décadas. Aliás, as perspetivas para o
crescimento económico dos próximos anos na AE parecem demonstrar que a teoria da
secular stagnation estará errada.
5.2.5. A importância da coordenação entre bancos centrais
É inquestionável o elevado grau de integração entre economias e mercados
financeiros de todo mundo, algo que ficou bem patente na forma como a crise do
subprime, iniciada nos EUA, se alastrou a praticamente todo o mundo (apesar dessa
propagação ter beneficiado da existência de fatores de risco em muitos países). Assim
sendo, a aplicação de medidas de PMNC, que ocorreu ao longo da última década em
algumas áreas económicas, e, no futuro, a sua reversão têm impactos um pouco por todo
o mundo (Belke, 2014).
Os países que não adotaram grande parte das medidas de política monetária que
têm vindo a ser analisadas também foram afetados, nomeadamente alguns países em
desenvolvimento, que receberam elevados fluxos de capital ao longo dos últimos anos.
Uma subida das taxas de juro diretoras nos países desenvolvidos irá promover a saída de
capitais desses países (Belke, 2014).
86
Num momento em que os bancos centrais que adotaram tais medidas estão a
planear ou já iniciaram subtilmente o seu processo de reversão, percebe-se que é
necessária uma coordenação eficaz, de forma a facilitar o processo e evitar retrocessos
económicos (FMI, 2010). A coordenação deve existir entre a maioria dos bancos centrais
mundiais, uma vez que todos serão afetados, tenham implementado medidas de PMNC
ou não. Na ausência de coordenação, os bancos centrais podem escolher timings que não
são desejáveis para reverter medidas de PMNC, colocando em causa a estabilidade
financeira mundial. Quanto maior a dimensão dos bancos centrais maior o impacto. Por
exemplo, caso o BCE e a Reserva Federal decidissem vender títulos de dívida pública no
mesmo momento, os mercados de dívida pública seriam inundados com um elevado
número de títulos, promovendo uma pressão para a subida dos spreads (algo que não é
desejável). No caso das taxas de juro diretoras, a não coordenação entre bancos centrais
que adotaram medidas de PMNC também traz problemas. Por exemplo, imagine-se dois
países com bancos centrais próprios que implementaram medidas de PMNC, sendo que
um país já está económica e financeiramente recuperado e o outro país ainda está em
recuperação. Uma subida nas taxas de juro diretoras do país que já está recuperado pode
pôr em causa a recuperação no outro país, uma vez que há uma transferência de capitais
do país em recuperação para o recuperado (caso haja uma importante interligação
financeira entre os países) (Belke, 2016). Por outro lado, também há uma alteração na
taxa de câmbio (desvalorização cambial no país onde se verificou a saída de capitais),
algo que beneficiará os setores exportadores do país em recuperação económica.
87
6. Conclusão
Os objetivos desta dissertação consistem na sintetização de informação acerca da
evolução económica e financeira da AE e da atuação do BCE ao longo da última década,
assim como na reflexão acerca do futuro da política monetária nesse espaço económico.
Para tal recorreu-se a uma exaustiva, rigorosa e crítica revisão de literatura sobre o
assunto.
Relativamente à atuação do BCE ao longo dos últimos anos, várias medidas de
PMNC foram implementadas, de forma a fazer face aos efeitos adversos das crises do
subprime e das dívidas soberanas. A redução das taxas de juro diretoras para níveis muito
baixos foi apenas uma dessas medidas. A taxa das operações principais de
refinanciamento atingiu o valor de 0,0%, enquanto que a taxa da facilidade permanente
de depósito e a taxa da facilidade de cedência de liquidez atingiram os valores de -0,4%
e 0,25%, respetivamente. Para além disso, o BCE implementou várias medidas com o
objetivo de fornecer liquidez em larga escala ao setor bancário (por exemplo, as LTRO´s
direcionadas), fomentando o crédito à economia real, e criou programas de aquisição de
vários tipos de títulos, nomeadamente títulos de dívida soberana. A compra de ativos
ganhou relevância a partir de meados de 2014, altura em que o BCE lançou o APP,
embora nessa fase apenas com dois programas de compra de ativos do setor privado
(ABSPP e CBPP3). A partir de 2015 o PSPP foi incluído no APP, sendo um programa de
compra de dívida soberana que chegou a atingir os 60 mil milhões de euros de aquisições
mensais (muito mais do que o conjunto dos restantes programas do APP). Mais tarde,
em 2016, viria ainda a ser incluído um programa de compra de ativos do setor empresarial
(CSPP).
Tratando-se de uma estratégia de condução de política monetária de recurso,
obviamente que a atuação do BCE esteve longe da perfeição, uma vez que não despoletou
apenas efeitos positivos, também despoletou efeitos adversos. Apesar das críticas que
foram apresentadas por vários economistas, banqueiros ou policymakers, nomeadamente
a criação de bolhas especulativas, a alocação ineficiente de recursos ou a redução da
margem de lucro dos bancos, a verdade é que essa atuação foi essencial para reduzir a
instabilidade nos mercados financeiros (principalmente nos mercados interbancários e
88
nos mercados de dívida soberana), para apoiar o fragilizado setor bancário, para garantir
o acesso ao crédito em melhores condições para a economia real, garantir a estabilidade
de preços, entre outros. Foi um período excecional em termos económico-financeiros,
algo que exigiu também medidas excecionais por parte do BCE. Convém refletir sobre o
que teria acontecido em caso de inércia do BCE. Há dúvidas sobre o que seria a AE e a
moeda “euro” hoje em dia, se é que ainda existiam.
A estabilidade de preços é o objetivo principal do BCE e todas as medidas
implementadas foram comunicadas tendo por objetivo último a manutenção da
estabilidade de preços no médio prazo. No entanto, a estabilidade preços pode ter sido,
em vários casos, apenas um “pretexto” para que o BCE pudesse atingir outros objetivos,
nomeadamente a recuperação económica ou a redução no custo de financiamento dos
Estados. A taxa de inflação deu quase sempre margem, ao longo da última década, para
o BCE implementar medidas de política monetária expansionistas, já que as expectativas
para a taxa de inflação (e posteriores taxas verificadas) terem estado quase sempre abaixo
do objetivo de 2%.
Relativamente ao futuro da política monetária na AE continuam a existir várias
dúvidas, principalmente no que toca à saída do “ambiente não convencional”. Apesar da
sequência a implementar neste processo (comunicar com antecedência, iniciar o tapering,
começar a subir as taxas de juro diretoras e, por último, começar a reduzir a dimensão do
balanço) ser praticamente consensual, de se ter a noção que as taxas de juro devem subir
de forma progressiva e a uma velocidade moderada e de ser essencial a cooperação entre
os vários bancos centrais mundiais e entre vários outros organismos e instituições
públicos e privados, ainda existem muitas incertezas. Essas incertezas estão
essencialmente relacionadas com a seleção dos timings corretos para o despoletar das
várias etapas deste processo, algo que é especialmente complicado pelo facto de existirem
inúmeros fatores a considerar e de esses fatores evoluírem de forma bastante diferenciada
entre os vários países da AE. Alguns desses fatores são as expectativas em relação à
evolução futura da taxa de inflação, a solidez no setor bancário, a estabilidade financeira,
a solidez nos balanços dos setores público e privado, entre outros. A seleção errada desses
timings pode pôr em causa os progressos feitos ao longo dos últimos anos, pelo que este
processo deve ser realizado com o máximo de prudência. No entanto, esses fatores a
considerar ou pré-condições parecem dar cada vez mais segurança para a reversão do
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“ambiente não convencional”. Por exemplo, as perspetivas para a taxa de inflação na AE
apontam para que esta se situe próximo dos 2% em 2018 e 2019, ou seja, próximo do
objetivo do BCE e acima das taxas que se verificaram sobretudo em 2015 e 2016 (período
em que se temeu a deflação). A incerteza estende-se também ao que será o “novo normal”
em termos de condições económicas ou na atuação do BCE no futuro, após finalizado o
processo de reversão das medidas de PMNC.
Sejam quais forem as estratégias adotadas para a saída do “ambiente não
convencional”, há três princípios fundamentais a observar: integração, flexibilidade e
comunicação. Em relação à integração, é importante referir que decisões sobre um
processo tão importante, como é caso da reversão das medidas de política monetária não
convencionais, devem ter em conta os pontos de vista das mais diversificadas entidades
da AE, sejam elas públicas ou privadas. A flexibilidade é essencial para permitir margem
de manobra (colocar algumas medidas de reversão em pausa por exemplo), de forma a
que os decisores de política possam responder a imprevistos. A comunicação, apesar de
não ser considerada um instrumento de política monetária, tem uma importância igual ou
superior a alguns desses instrumentos. Uma comunicação clara e concisa sobre o futuro
da política monetária na AE, neste caso sobre a estratégia de reversão do “ambiente não
convencional”, permite reduzir incertezas e ancorar expetativas.
Tendo em conta que, a partir de janeiro de 2018, o BCE reduziu a compra de ativos
ao abrigo do APP para metade, o processo já estará em curso na AE, sendo previsível que
as taxas de juro diretoras comecem a subir num futuro não muito distante.
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