A POLÍTICA ÉTICA DE MAQUIAVEL EM O PRÍNCIPE
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Revista Pontes 2010 n 15 pp.32-50ISSN: 1808-6462
A POLTICA TICA DE MAQUIAVEL EM O PRNCIPE
Rogrio da Silveira CorraEspecializado em Filosofia pela UnB
Resumo: Com este trabalho quer-se pensar sobre algumas questes polmicas como a tica e a poltica na obra O Prncipe de Maquiavel. Analisaremos o seu pensamento, que muitas das vezes so mal interpretados e buscaremos destacar alguns pontos. Finalmente, defenderemos uma tica prpria da poltica em seu pensamento.
Palavras-chave: tica poltica poder governo.
Abstract: With this work wants to think about some controversial issues such as ethics and politics in work "The Prince" by Machiavel. We will review your thinking, which often are misunderstood and we will try to highlight some points. Finally, we will defend their own ethics politics in his thinking..
Keywords: ethics politics power government.
Introduo
Pretenderemos, neste texto, discutir o pensamento de Maquiavel abordados
em sua principal obra O Prncipe1, faremos, neste sentido, algumas observaes
quanto tica prpria da poltica. Nessa conjuntura verificaremos os fatos que o
influenciaram na construo de sua teoria. Cabe destacar que o tema de valor
filosfico, na medida em que sero problematizadas questes conceituais relativas
tica, moral, poltica e ao poder. Constataremos que o assunto de grande valor
1 Neste artigo seguimos a seguinte notao quanto ao uso de aspas: simples, destacam conceitos ou ttulos de obras e artigos; duplas, citaes.
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dada importncia do florentino, que criou novos procedimentos visando conquista
e a prtica do poder para bem governar.
Por ser um assunto to polmico, por Maquiavel ser considerado por alguns o
patrono das cincias polticas e sua obra ter sido concebida com a finalidade de
ensinar o novato governante, que para bem governar, manter-se no poder e ter o
controle de seu estado necessrio ser astuto na tomada de decises oportunas e
para isso pode se utilizar qualquer meio, desde que seja eficaz. Diante do exposto,
surgem alguns questionamentos: como deve agir esse prncipe para bem governar?
quais os meios podem ser utilizados para conquistar e se manter no poder? os fins
justificam os meios? existe tica no pensamento de Maquiavel? Nessa empreitada
utilizaremos alguns autores como: Chtelet, Comparato, Cultrera, Reale, Russel,
Strathern, Thomas, Tugendhat, dentre outros.
No primeiro captulo Observaes primeiras quanto ao pensamento de
Maquiavel, falaremos sobre o termo maquiavlico e sua notoriedade, e quanto a
criao de um modelo renovador. No segundo captulo, analisaremos O Prncipe
buscando demonstrar que para bem governar e conservar-se no poder, deve-se ter
certas atitudes e utilizar-se delas para alcanar seus objetivos. No terceiro captulo,
pensaremos sobre a tica e na busca de valores estveis e permanentes para nortear
a prtica da poltica e fornecer o alicerce desejvel ao governante. Por ltimo, faremos
as consideraes finais nas quais defenderemos uma tica prpria da poltica em
Maquiavel.
Observaes primeiras quanto ao pensamento de Maquiavel
So quase 500 anos desde o falecimento de Nicolau Maquiavel2, porm
2 Ao analisarmos o seu pensamento, temos que levar em conta que sua filosofia poltica reflete profundamente sua vida, as circunstncias que enfrentou e os fatos ocorridos na Itlia naquela poca.
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segundo o professor Strathern da Universidade de Kingston, a simples aluso de seu
nome ainda provoca calafrio na espinha de muitas pessoas. Contudo ele no foi m
pessoa, foi somente realista3. Seus conceitos impregnaram-se no cotidiano das
pessoas, de tal modo que na sociedade contempornea muitos utilizam termos ou
defendem idias do pensador, sem mesmo ter tido acesso sua obra. Assim
podemos observar a popularizao do termo maquiavlico como sinnimo de astcia,
maldade, esperteza, prfidia, inescrupuloso, dentre outros. Consta do Dicionrio da
Lngua Portuguesa Larouse Cultural (1992) que: MAQUIAVLICO adj. 1. Relativo ou
pertencente ao maquiavelismo; maquiavelista. 2. Que tem ou que h perfdia, dolo, m
f. 3. Astuto, velhaco, ardiloso4. Inclusive existem derivaes do termo: maquiavelice,
maquiavelizar, maquiavelismo.
Sabemos que as leituras das obras de Maquiavel despertam fascnio nas
pessoas. Inicialmente, por ser um autor obrigatrio para qualquer um que se proponha
a estudar certas reas, pois ele considerado por alguns o patrono ou o pai das
cincias polticas e o primeiro a elaborar um tratado daquilo que, atualmente
chamamos de marketing poltico. Consequentemente, por sua atualidade, pois,
mesmo tendo se passado tantos sculos, alguns de seus escritos ainda podem ser
aplicados nossa realidade. Em Strathern (2000) h o destaque para o quanto seu
pensamento expe alguns pontos centrais da filosofia poltica independente da poca5.
Para Comparato (2006), o florentino produziu a primeira grande ruptura no
sistema tico tradicional, que englobava, um todo harmnico, religio, moral e direito.
Dando nascimento a uma vigorosa linhagem de pensadores polticos, que prolonga
at hoje6. Corrobora tambm que Maquiavel tem sido, atravs dos sculos, o mais
destacado patrono de todos os partidrios da Realpolitik, a concepo de que, na vida
3 STRATHERN, Paul. Maquiavel em 90 minutos, p. 7.4 Dicionrio da Lngua Portuguesa Larouse Cultural, p. 718.5 STRATHERN, Paul. Maquiavel em 90 minutos. p. 8.6COMPARATO, Fbio konder. Maquiavel: a Razo de Estado, Supremo Critrio tico In: tica: direito, moral e religio no mundo moderno, p. 155.
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poltica, a importncia dos fins a alcanar justifica o emprego de quaisquer meios,
desde que eficazes7. Thomas (1987) afirma que Maquiavel foi o nico velhaco
sincero da Histria; viveu numa poca em que as pessoas falavam como anjos e
agiam como ladres8.
De acordo com Reale e Antiseri (1990), seu pensamento poltico:
[...] tende a afastar-se do pensamento especulativo, tico e religioso, assumindo como cnon metodolgico o princpio da especificidade do seu prprio objeto, que deve ser estudado [...] de modo autnomo, sem ser condicionado por princpios que so vlidos em outros mbitos, mas que s indebitavelmente poderiam ser impostos investigao poltica. [...] pode tambm ser resumida com a frmula a poltica pela poltica, que expressa sinttica e plasticamente nada mais que o conceito de autonomia que ilustramos.9
Alm disso, esclarecem quanto crise de valores morais que se alastrava na
Europa e chamam a ateno quanto: ao realismo poltico, ao qual est ligada uma
forte vertente do pessimismo antropolgico; ao novo conceito de virtude do prncipe,
que deve governar eficazmente o Estado e deve saber resistir sorte; por ltimo,
quanto temtica do retorno aos prncipes como condies de regenerao e
renovao da vida poltica10.
Desse modo, ao pensarmos nos termos maquiavlico e sua derivaes
devemos levar em considerao que eles fazem parte do discurso tanto erudito,
quanto do cotidiano, independente da classe social. Uma vez que seus usos
extrapolam o da filosofia poltica e so usados em palestras para empresrios,
vendedores, gerentes, polticos, advogados, dentre tantas outros. Deve-se levar em
7 Idem.8THOMAS, Henry. Maquiavel, o discpulo do demnio. In: A histria da raa humana: atravs da biografia, p. 342.9 REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. Maquiavel e a teorizao da autonomia da poltica. In: Histria da Filosofia: Do humanismo a Kant, p. 126-127.10 Ibidem, p. 127.
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conta, tambm, que o filsofo italiano provocou esses entendimentos porque seu
pensamento provoca perturbao e sarcasmo. Contudo, Thomas (1987) alerta quanto
aos europeus precisarem do mais realista dos cdigos de tica um manual prximo
a fim de atingirem seus objetivos; um livro, em suma, que fosse um verdadeiro tratado
de ladroeira e velhacarias11. Assim, Maquiavel fez o que se demandava naquela
poca: colocou os homens como eles eram e no como dissimulavam ser.
Consequentemente, com uma franqueza brutal, explicou aos interessados, na nica
linguagem que podiam entender, o que precisavam fazer para prosseguir na sua
selvageria12. Por essa razo, ele no formulou regras brandas, e sim regras de ferro e
passou-se a discursar o Sermo da Espada, e foi apenas mais um brbaro como seus
contemporneos como salienta Thomas (1987), nem por isso Maquiavel foi hipcrita13.
Conforme ratifica Bertrand Russell (2001): O Prncipe nada mais do que um sumrio
de prticas comuns na Itlia renascentista14. De tal modo, o chanceler criou um
trabalho renovador no qual foi profundamente obstinado e deixou um legado
importante para a humanidade, ensinando repblicas e principados a bem governarem
e a manterem-se no poder.
O prncipe: manual de como bem governar e manter-se no poder
Essa a principal obra de Maquiavel, que criticada e elogiada por muitos.
Segundo Strathern (2000) A filosofia da arte de governar que ele elaborou pretendia
ser cientfica, isto , no dava lugar para o sentimento ou a compaixo nem para, em
ltima anlise, a moralidade15. Seus escritos so baseados em suas vivncias;
11 THOMAS, Henry. Maquiavel, o discpulo do demnio. In: A histria da raa humana: atravs da biografia, p. 343.12 Idem.13 Ibidem, p. 344.14 RUSSEL, Bertrand.O surgimento da filosofia moderna. In: Histria do pensamento ocidental: a aventura dos pr-socrticos a Wittgenstein, p.249.15 STRATHERN, Paul. Maquiavel em 90 minutos, p. 24.
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pesquisas em autores do passado e aos anos em que passou como Chanceler em
misses diplomticas, demonstrando considervel destreza16. De acordo com
Maquiavel (2004) ao presentear Lorenzo, filho de Piero de Medici:
[...] aceite Vossa Magnificncia este singelo presente com o propsito com que o envio. Caso este trabalho seja aceito e lido, Vossa Magnificincia saber que meu desejo v-lo atingir a grandeza que a Fortuna e outros atributos anunciam. Se, do alto de sua estatura, Vossa Magnificncia voltar para baixo o olhar, entender quanto suporto, sem motivo, uma enorme e seguida m sorte17.
Essa considerao expressa nitidamente seus anseios de ver uma Itlia
poderosa e unida. Proclama alm disso, a necessidade do povo de ter um prncipe
desmedido e forte que os protegesse sem escrpulos e sem medir esforos para tal.
No obstante, para Jos Nivaldo Junior (2002), Maquiavel encontrava-se exilado,
solitrio, atormentado e buscava recuperar seu emprego e posio social18. Menciona
ainda que usou o livro tentando sensibilizar os Medici para a sua situao. Quando foi
escrito, estava destinado a Juliano de Medici. Mas com sua morte, acabou dirigindo a
Lorenzo de Medici19.
Como ressalta Chtelet (1985) ao abordar a definio de O Prncipe:
[...] trata-se, antes de mais nada, de mostrar que se se quer o poder preciso querer a onipotncia; que essa exige no apenas um ato de fundao absoluta, mas tambm uma resoluo que no admite nem fraquezas nem compromissos; que as consideraes morais e religiosas devem ser afastadas do clculo atravs do qual se estabelece ou se mantm o Estado; que as coisas so assim ainda em maior medida porque o Prncipe senhor da legislao, porque
16 Idem.17 MAQUIAVEL, Nicolau. O Prncipe, p. 36.18 ______ . Escritos Polticos. A Arte da Guerra, p. 19.19Ibidem, p. 20.
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defini o Bem e o Mal pblicos[...].20
A inteno de Maquiavel, como so apontadas por alguns de seus
estudiosos, era mais no sentido de perpetuar o Estado, ainda que tenha que dar poder
absoluto ao prncipe e sugerir a adotar todas as medidas possveis para se manter no
poder. Chtelet (1985) esclarece quanto natureza estratgica da atividade poltica do
prncipe e sua virt, pois a qualidade de que se refere, ao mesmo tempo, firmeza
de carter, coragem militar, habilidade no clculo, capacidade de seduo,
inflexibilidade21, deve-se inclusive ser astucioso na tomada de decises oportunas.
Um dos conceitos centrais que o pensador italiano aborda em grande parte
de sua obra O Prncipe foi a forma de governar, e por isso ela tornou-se popular e
importante para muitos polticos, estudiosos no assunto e na arte da dominao22.
Segundo Reale e Antiseri (1990), a viso pessimista do homem, na
concepo maquiavlica, determina que no possvel dizer se o homem bom ou
mau, porm, tem tendncia a ser mau. Consequentemente, o poltico no deve
confiar no aspecto positivo do homem, mas sim constatar o seu aspecto negativo e
agir em conseqncia disso. Assim, no hesitar em ser temido e a tomar as medidas
necessrias para tornar-se temvel23. Nesse sentido, esse prncipe no deve reunir
todas as qualidades consideradas boas nem ms, uma vez que o ideal seria ser
amado e temido simultaneamente. Porm, complicado harmonizar essa unio.
Desse modo, o prncipe deveria escolher o mais conveniente ao seu governo e, assim,
ter um governo eficaz24. Uma das questes das quais Maquiavel intensifica a de que
o prncipe deve evitar adquirir duas caractersticas, ou seja: o dio e o desprezo de
20 CHTELET, F. et al. O Prncipe-Estado. In: Histria das idias polticas, p. 39.21 Ibidem, p. 39-40.22 Referimos quanto dominao no sentido de ser uma obra com conceitos amplos, por ter o poder de gerar vrias inspiraes, por ampliar nossas idias e o fato de que muitos podem us-la como manual de marketing poltico.23 REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. Maquiavel e a teorizao da autonomia da poltica. In: Histria da Filosofia: Do humanismo a Kant, p. 129.24 Ibidem, p. 129-130.
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seus sditos.
Contudo, dentre as qualidades apontadas esto a liberalidade, a qual deve
ser balanceada pela parcimnia e pela economia. Pois, o prncipe deve ser
generoso, contudo no muito. No entanto dever adquirir m popularidade entre
aqueles que no forem beneficiados por essa liberalidade, alm de atentar para os
pormenores de que, geralmente, quando alguns ganham outros perdem, e isso pode
gerar dio ao prncipe25, o que deve ser evitado segundo o chanceler.
Cabe destacar o quanto esse modo influenciou muitas pessoas e naes
naquela poca e posteriormente. Os ensinamentos maquiavelista podem ser teis e
favorecer aqueles que tinham e tem a capacidade de us-los em seu benefcio. Pois,
em sua obra, d vrias dicas e recomendaes de como o prncipe deve governar,
conquistar e manter seu governo. Enfatiza o quanto deve ser prudente e seguir os
passos j trilhados pelos grandes homens e caso no tenha como alcan-los, pelo
menos poder chegar prximo26. Deve-se ter uma boa base, que consiste em boas
leis, boas armas e bom exrcito. Adverte sobre o risco de suas tropas serem de
mercenrios ou auxiliares, pois nesse caso, so desunidas, covardes e em poca de
guerra elas podem fugir e o deixar a merc do inimigo27. Ratifica quanto ao modo de
se comportar com seus sditos e amigos, uma vez que o julgamento dos homens
feito de acordo com as qualidades que lhe so atribudas, sejam elas ruins ou boas,
pois essas qualidades do prncipe devem ser consideradas boas, j que para salvar o
estado se faz necessrio ter presteza. Maquiavel (2004) alerta que algumas vezes as
boas virtudes podem causar problemas e que as virtudes consideradas ruins podem
levar glria ao prncipe28. Esse prncipe deve sempre se posicionar sobre determinada
coisa e ser a favor ou contra algum ou alguma idia. Dever recompensar os sditos
visando promover o aumento dos negcios; honrar os que se destacam em alguma
25 MAQUIAVEL, Nicolau. O Prncipe, p. 71-73.26 MAQUIAVEL, O Prncipe, p. 55.27 Ibidem, p. 85.28 Ibidem, p. 99-100.
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arte; promover festas ao povo; participar de reunies, dentre outros afazeres para se
manter no poder29.
Henry Thomas (1987) fez um esboo acerca de O Prncipe, no qual resume
suas doutrinas em dez mandamentos: 1 - zelai apenas pelos vossos prprios
interesses; 2- no honreis a mais ningum alm de vs mesmo; 3 - fazei o mal, mas
fingi fazer o bem; 4 - cobiai e procurais obter tudo que puderdes; 5 - sede miservel;
6 - sede brutal; 7 - lograi o prximo toda vez que puderdes; 8 - matai os vossos
inimigos e, se for necessrio, os vossos amigos; 9 - usai a fora, em vez da bondade,
ao tratardes com o prximo; e 10 - pensai exclusivamente na guerra30. Em seguida,
Henry Thomas (1987) faz uma anlise sobre cada um desses mandamentos e em sua
concluso coloca que no estado maquiavlico todos os caminhos conduzem
guerra31.
Assim, ao observarmos os mandamentos acima e a obra de Maquiavel,
parece-nos que ele descreve o modo como o prncipe deve conter-se e o quanto seu
governo dever ser vigilante, alm de destacar outras questes. Igualmente, julga ser
imprescindvel esse prncipe ser possuidor de vrias facetas e atitudes, para aproveitar
as oportunidades e explor-las ao seu favor. Entretanto, o que os seus sditos
pensam importante, principalmente quando descreve o prncipe como bom. Salienta
ainda, que o modo como se chega a um novo imprio, ou vencer uma guerra to
importante como a maneira que se vai governar, pois no pensamento maquiavlico,
todos os modos so considerados necessrios para se ganhar poder ou permanecer
nele. Conforme destaca Strathern (2000): Se voc um prncipe e governa um
Estado, seu principal objetivo permanecer no poder e dirigir o Estado em seu (isto ,
do prncipe) melhor proveito32.
29 Ibidem, p. 131-13430 THOMAS, Henry. Maquiavel, o discpulo do demnio. In: A histria da raa humana: atravs da biografia, p. 345-346.31 Ibidem, p. 351.32 STRATHERN, Paul. Maquiavel em 90 minutos, p. 8.
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Por essa razo, podemos observar que, a partir de suas sugestes aos
prncipes, o pensador italiano consegue um dos seus maiores feitos, ou seja, a
instituio da poltica como autnoma, com poder constitutivo e a separao do poder
religioso. Como nota Chtelet (1985) quanto ter introduzido uma ruptura decisiva:
[...] contra as teorias da sociabilidade natural, contra os ensinamentos da Revelao e os da teologia, ele afirma porque constata que, no que se refere s atividades coletivas, o que o Estado. Foi ele quem deu a esse ltimo termo sua significao de poder central soberano legiferante e capaz de decidir, sem compartilhar esse poder com ningum, sobre as questes tanto exteriores quanto internas de uma coletividades; ou seja, de poder que realiza a laicizao da plenitudo portestatis. A Poltica como propriedade natural do homem ou como ordem imposta ao mundo c de baixo; substituda pela poltica como atividade constitutiva da existncia coletiva.33
Vale observar que outros estudiosos do pensamento maquiavlico o vem
como criador da poltica como esfera autnoma da vida social, a qual pensada como
campo de estudo independente. lembrado tambm por Strathern (2000) que esse
governo deve ser eficiente e s poder ser conquistado por meio do exerccio da
poltica, considerada uma cincia para o pensador. Afirma ainda que essa cincia no
tem nem tica nem compaixo ela funciona, ou no34. Posteriormente, Strathern
(2000) menciona que Maquiavel observa o quanto os filsofos polticos devem evitar
descrever os Estados imaginrios e utopias usados pelos escritores antes dele para
encarnar suas idias35. J que o secretrio insistiu em falar da realidade do
comportamento real das pessoas, no de como deveriam se comportar36. Porm,
adverte sobre o quanto a realidade vivenciada por Maquiavel fez com que ele fosse
niilista em suas abordagens e pessimista37.
Porm, segundo Cultrera (1999), permanece aberta uma interrogao:
33 CHTELET, F. et al. O Prncipe-Estado. In: Histria das idias polticas, p. 38.34 STRATHERN, Paul. Maquiavel em 90 minutos, p. 44. 35 Ibidem, p. 48.36 Ibidem, p. 49.37 Idem.
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A poltica deve ser eficaz, deve individuar e adotar instrumentos adaptados aos prprios fins: a grande lio de Machiavelli no ser desmentida pelos desenvolvimentos posteriores da cincia; como conciliar eficcia e norma moral? A anlise de Machiavelli coloca uma segunda interrogao: a descrio do dado de fato, isto , do conjunto de jogos do poder em que a poltica se deixa ficar presa em concreto, nada tem a dizer tica poltica?38
Do mesmo modo, Cultrera (1999) coloca o problema quanto ao controle
dessa autoridade e seu poder, dado o risco que ela representa, podendo ainda se
degenerar cometer abusos em consequncia de seu poder39. Levanta inclusive o fato
da autoridade transformada em poder coloca um problema poltico de grande
relevncia tica40, uma vez que a democracia como ferramenta poltica, colocada
em prtica com a finalidades de se precaver das decomposio do poder41. Ou seja,
um problema de engenharia constitucional e de prtica poltica; ele no se resolve
de uma vez por todas com a instaurao e afirmao da democracia42.
Por fim, Cultrera (1999) coloca o problema vivenciado na Itlia no qual o
secretrio florentino tenta estabelecer para si regras do jogo, recolhidas sob a sigla
par condicio, tenta lanar uma lei antitruste, que impea o mais possvel mistura de
interesses privados com interesses pblicos na gesto da poltica43. Enfim, reafirma o
fato de a democracia criar estruturas pblicas com a finalidade de constituir normas e
assim evitar abusos de poder44.
Finalmente, interessante observar que, ao lermos O Prncipe e as obras
escritas sobre Maquiavel, fica ntido que ele, ao escrever uma espcie de manual a ser
seguido por prncipes para bem governar e se manter no poder, acabou fazendo muito
38 CULTRERA, Francesco. tica e poltica, p. 48.39 Ibidem, p. 49.40 Idem.41 Idem.42 Idem.43 Idibem, p. 50. 44 Idem.
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mais que um belo manual, concebe, na verdade, um novo saber quanto poltica, que
usado em vrias reas de estudos.
A tica
Necessariamente temos que levar em considerao as observaes
colocadas por Ernst Tugendhat45 (1996), pois ele garante que os termos moral e
tica no so adequados para nos orientar, uma vez que podem ocorrer erros de
tradues desses conceitos e que alguns estudiosos utilizam o conceito de moral e
tica como sinnimos e outros escritores contemporneos fazem diferenciaes entre
esses conceitos46. Continuando sua explanao Tugendhat (1996) afirma: no
podemos tirar nenhuma concluso para os termos moral e tica a partir de sua
origem47, e com o passar dos anos viraram-se termos tcnicos48, e que prefere
colocar os termos moral e tica como intercambiveis49, ou seja significa que os dois
termos podem ser usados com o mesmo propsito sem que o resultado seja
prejudicado. Alerta tambm quando todas as sentenas universais com tem de e
deve expressam regras ou normas50, com isso uma regra ou norma sempre
apresentada como (relativa ou absolutamente) devida uma maneira de agir51. Em
suas normas sociais coloca como regras prticas, ou seja se no agir conforme esse
preceito social ele sofre uma medida repressiva52.
Contudo, h a questo dos direitos humanos e Tugendhat (1996) sustenta
que a moral do respeito universal e igualitrio a nica moral que pode ter uma
45 um dos maiores filsofos contemporneos.46 TUGENDHAT, Ernst. Lies Sobre tica, p. 31-33.47 Ibidem, p. 34.48 Idem.49 Ibidem, p. 33.50 Ibidem, p. 40.51 Ibidem, p. 41.52 Ibidem, p. 45.
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pretenso plausvel de realizar a idia de um ser humano bom ou bom parceiro de
cooperao53. Com esse pensamento nota-se a implicao de reconhecer o
comportamento do outro indivduo como seu igual, isto significa que s obrigaes
que temos em relao ao outro correspondem por sua vez direitos54. Direitos esses
que devem ser respeitados e reconhecidos, pois os direitos fundamentais so aqueles
que precisam ser cumpridos, a fim de que o ser humano possa exigir e exercer
quaisquer direitos55. Portanto, segundo o filsofo contemporneo:
possvel canalizar agora de tal maneira este pensamento, de modo que as relaes, nas quais vive um ser humano, sejam humanamente dignas, exatamente quando elas preenchem a condio mnima para que ele possa gozar os seus direitos e para que leve, neste sentido, uma existncia humanamente digna, especificamente humana.56
Por isso, ao pensarmos em tica e por ser um tema que gera muitas
polmicas, principalmente no livro O Prncipe, no qual o pensamento maquiavlico
foge dos modelos habituais, muitas vezes so mal interpretados, sobretudo quanto ao
realismo proposto por ele para enfrentar determinadas situaes, uma vez que em
Maquiavel os fins justificam os meios, conforme Carlos Estevam Martins menciona o
quanto o poltico de virt na chefia dos Estados um momento breve e excepcional, e
somente a ele os homens isentam de culpa pelo uso de meios indiscriminados, em
conjunturas de grave perigo para a comunidade 57. Martins (2004) relata ainda, que
numa ao no corrompida, onde as instituies mantenham pela educao e pelo
exemplo as virtudes cvicas, os cidados sobrepem os interesses gerais aos
particulares58. O florentino nos ensina que a energia criadora de uma sociedade livre
53 Ibidem, p. 336.54 Idem.55 Ibidem, p. 363.56 Idem.57 MAQUIAVEL, Nicolau. O Prncipe, p. 22.58 Idem.
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no ddiva dos heris fundadores ou dos polticos de Virt59.
Contudo, Cultrera (1999) afirma que no pensamento maquiavelista no
pretende tratar da tica da repblica, do principado, para saber como ela deve ser60,
porque ele est interessado na funo poltica da moral, quer ela seja respeitada um
respeito aparente e enftico-, quer ela seja transgredida porque mais conveniente aos
fins do poder61.
De tal modo, a moral aponta em direo ao poder, no interessa a natureza
do principado, e sim na sua conquista, so apenas ferramentas para o poder62. No
obstante, segundo Russell (2001) ao tratar das normas morais convencionais o
prncipe afirma francamente quanto aos governantes no serem forados a
acompanh-las a menos que a convenincia exija a obedincia s leis morais, um
governante pode viol-las todas. Em realidade, deve faz-lo com freqncia, se quiser
continuar no poder63. Todavia adverte quanto ao dever de parecer ser virtuoso aos
outros, porque somente com esta duplicidade esse governo permanece no poder64.
Desde a antiguidade o poder algo que sempre intrigou os grandes
pensadores e vrias teorias foram elaboradas quanto ao assunto. Porm, quando se
trata de poder, ficam alguns questionamentos: se o poder sedutor, contagiante e traz
uma srie de benefcios, esse prncipe depois de ser governante poderia pensar
apenas em si e esquecer a populao tornando-se um ditador? at que ponto esse
governo seria sensato de no se corromper e pensar no bem comum? se naquela
poca a Europa estava cheia de gananciosos, imorais, esse governo no seria apenas
mais um? Sabemos o quanto o poder quase sempre transforma as pessoas e na
maioria das vezes utiliza-se da fora para impor sua superioridade aos dominados,
59 Ibidem, p. 23.60 CULTRERA, Francesco. tica e poltica, p. 47.61 Idem.62 Idem.63 RUSSEL, Bertrand. Histria do pensamento ocidental: a aventura dos pr-socrticos a Wittgenstein, p. 250.64 Idem.
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que no deixa de ser um sinal de impotncia.
Para Strathern (2000) O Prncipe no se trata de um guia de moralidade
pessoal. Visa a uma categoria rara de pessoas em circunstncias especficas.
Desnecessrio dizer que no assim que tem sido lido atravs dos tempos65. Dentre
essas pessoas raras constam: alguns executivos e empresrios ambiciosos; alguns
polticos; alguns funcionrios em incio de carreira, dentre outras. Comparato observa
o quanto dispensvel frisar que essa viso de mundo funda-se em um irremedivel
ceticismo quanto bondade natural do homem e sua aptido a viver
espontaneamente em paz com os seus semelhantes66, cabe lembrar que nessa viso
de mundo para se alcanar os objetivos podem-se empregar quaisquer meios.
Comparato (2006) destaca como Maquiavel e muitos outros depois dele
continuam a afirmar at hoje, indispensvel que o governante, no desempenho de
uma atividade no se prenda a nenhum preceito tico que possa contrariar o seu
interesse67, inclusive o fato de no poder submet-la a quaisquer normas, mesmo as
que tenham sido criadas por ele68. Esse prncipe para bem governar deve ter
qualidades pessoais, as quais Maquiavel chama de virtudes. De acordo com Giovanni
Reale e Dario Antiseri (1990) ele usa o termo virtudes como habilidade entendida
naturalmente. Alis, trata-se da aret grega como era concebida antes da
espiritualizao que Scrates, Plato e Aristteles nela realizaram, transformando-a
em razo69. Eles confirmam que esse conceito de aret era trabalhado por alguns
sofistas70. Strathern (2000) menciona virt potncia, poder mais prximo do
conceito nietzschiano de vontade de poder. Expressa dinamismo e fora, a ousadia
65 STRATHERN, Paul. Maquiavel em 90 minutos, p. 46. 66 COMPARATO, Fbio konder. Maquiavel: a Razo de Estado, Supremo Critrio tico In: tica: direito, moral e religio no mundo moderno, p. 155.67 Ibidem, p. 156.68 Idem.69 REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. Maquiavel e a teorizao da autonomia da poltica. In: Histria da Filosofia: Do humanismo a Kant, p. 130.70 Idem.
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exigida para aproveitar o momento oportuno e ir at o fim sem fraquejar71. Assim,
Maquiavel reconhece os diferentes graus de virt e para se governar exigir a
demonstrao desse grau de acordo com sua necessidade, pois se tiver difcil de
reger ter que aument-lo.
Maquiavel na busca da verdade:
[...] julguei adequado procurar a verdade pelo resultado das coisas, mais do que por aquilo que delas se possa imaginar. E muitos imaginaram repblicas e principados nunca vistos ou reconhecidos como reais. Tamanha diferena se encontra entre o modo como se vive e o modo como se deveria viver que aqueles que se ocupares do que deveria ser feito, em vez do que na realidade se faz, aprendem antes a prpria derrota do que sua preservao; e, quando um homem deseja professar a bondade, natural que v runa, entre tantos maus. Assim, preciso que, para se conservar, um prncipe aprenda a ser mau, e que se sirva ou no disso de acordo com a necessidade.72
Ou seja, o estudo da poltica no pode se prender, segundo o italiano, quela
coisa que deveria ser, ao dever ser. Deve, na realidade se dirigir na verdade efetiva
das coisas, em como elas incidem verdadeiramente. E no objetivo real da poltica, esta
balizada pela disputa de poder e tem o alvo nico de conservar a ordem,
preservando o poder do governo e desviando-se da desordem. Para se sustentar
esse controle do Estado, necessrio ter conhecimento quanto ao lidar com a
populao. No entanto, no pensamento maquiavelista, os homens tm uma natureza
ruim. Por isso Maquiavel afirma que os homens costumam ser ingratos, volveis,
dissimulados, covardes e ambiciosos de dinheiro; enquanto lhes proporcionas
benefcios, todos esto contigo73, Alertou que, caso o prncipe confiasse apenas em
palavras e no fosse precavido, ele estaria falido74. Diante do exposto, parece-nos 71 STRATHERN, Paul. Maquiavel em 90 minutos, p. 50. 72 MAQUIAVEL, Nicolau. O Prncipe, p. 99.73 Ibidem, p. 106.74 Idem.
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que o objetivo da poltica parece ser contraditrio com a tica da razo discorrida
pelos gregos, assim como a tica da f, elaborada pelos pensadores da Igreja Catlica
Romana.
Nos atos de todos os homens, em especial dos prncipes, em que no h tribunal a que recorrer, somente importa o xito, bom ou mau. Procure, pois, um prncipe vencer e preservar o estado. Os meios empregados sempre sero considerados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo se deixa conduzir por aparncias e por aquilo que resulta dos fatos consumados, e o mundo composto pelo vulgo, e no haver lugar para a minoria se a maioria no tiver onde se apoiar.75
notrio que a passagem acima pode-se causar confuses quanto sua
interpretao, pois, ela corrobora de forma eficiente quanto ao estudo do reino da
poltica precisar ser analisado e avaliado de forma distinta da tica crist e do reino da
religio. Dessa maneira, Maquiavel distingue tica poltica de tica crist. A tica
poltica fundamenta-se nos princpios e valores que constituem a vida pblica, eles so
demonstrados pela manuteno da ordem pblica e poder do Estado, os quais
impedem que a populao vivencie desordens constantes. J na tica crist, esses
princpios e valores so utilizados com a finalidade de se julgar um mal ou bom
comportamento com base no aprendizado cristo, que pode ser os da Bblia e os
passados pela igreja. Ou seja, uma tica exclusiva da vida privada, que visa
principalmente garantia da salvao da alma. Para isso esses crentes devem ser
solidrios, tolerantes, perdoarem os erros dos outros, pois so os seus semelhantes.
Cabemos esclarecer que no pensamento maquiavlico no se pode usar os princpios
da tica privada para avaliar a tica poltica e pblica.
Para Jos Nivaldo Junior (2002), Maquiavel no via a poltica ou a histria
como dialtica, no se baseia na mudana, mas na estabilidade. Ele acreditava em
valores perenes, da mesma famlia das idias estveis e universalmente vlidas do
75 Ibidem, p. 111-112.
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pensamento socrtico76. Destaca ainda, que o pensador italiano viveu em uma poca
de constante mudana e que ele busca valores estveis, a fim de oferecer alicerces a
um novo tempo77, ou seja valores duradouros que possam nortear o exerccio da
poltica78.
Todavia Henry Thomas (1987) alega que em 1914, a tica de Maquiavel,
pregada e praticada pelos principais estadista do mundo, transformou-se na mais
vergonhosa carnificina da Histria79. Lembra inclusive que as suas doutrinas
selvagens so ainda as regras aceitas e praticadas pelos ditadores, pelos guerreiros,
pelos imperialistas e por todos os demais inescrupulosos opressores da raa
humana80.
Consideraes finais
Diante do exposto, pode-se pensar que a tica de Maquiavel em sua obra O
Prncipe uma tica prpria da poltica e no uma tica concebida pelos modelos
tradicionais. Seu pensamento tem sido mal interpretado por alguns ou em beneficio
prprio como meio de dominao por outros, como por exemplo: alguns polticos
gananciosos, executivos, empresrios e estadistas. Nesse sentido, que o filsofo
busca alguns valores vlidos universalmente e estveis, que serviriam como base ao
novo tempo almejado por ele. Visto que ele vivia em uma poca de constantes
mudanas, criou sua teoria com a finalidade de unificar a Itlia, ensinar a arte de bem
governar ao novo governante e recuperar seu emprego e posio social, j que
encontrava-se exilado.
76 MAQUIAVEL, Nicolau. Escritos Polticos. A Arte da Guerra, p. 20.77 Ibidem, p. 23.78 Idem.79 THOMAS, Henry. Maquiavel, o discpulo do demnio, p. 352.80 Idem.
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Consequentemente, pode-se refletir tambm que, na expectativa do prncipe
e suas vrias facetas, haja a idia de que no s Maquiavel, mas o povo buscava ter
sua ptria unificada, poderosa e com um governante que defendesse os interesses
sem medir esforos para tal, ou seja, algo que no estava acontecendo naquele
momento. Porm, ao se conceder poderes ilimitados ao governante, e deix-lo instituir
regras e no segu-las, a no ser que sejam convenientes ao seu governo, poder
trazer srios problemas morais, uma vez que, essa busca de resultados na qual
Maquiavel alega que os fins justificam os meios, enfraquecem os atos polticos a
qualquer comportamento moral, abrangendo-se este como limitado apenas vida
privada, desagregando-se o individuo da sociedade.
Sabemos que notria a importncia de Maquiavel s Cincias Humanas.
Todavia, indispensvel lembrar que ao mesmo tempo em que ele instrua os
governantes estava ensinando o povo, e talvez por isso seja to conhecido ou por ter
elaborado uma teoria tanto realista que ainda provoca polmica nos dias de hoje, e
amplamente criticado por muitos.
Finalmente, temos a obrigao de esclarecer que a poltica em Maquiavel a
permanente ao na qual busca-se resultados por meio de aes individuais e dos
esforos do povo. Essas atitudes so para a conservao e garantia do poder, e elas
exigem o uso de habilidades do governante em seu grau mximo. Nessa concepo,
deve se fazer muito ainda, sobretudo no que se refere s atuaes polticas, sejam as
das pessoas influentes, sejam as do povo que necessitam apropriar-se dos
ensinamentos passados ao prncipe. De tal modo, poder produzir boas leis,
embasadas nos bons costumes e no apoio institucional, tornando-se possvel a
fundao de um bom governo, no qual a sociedade tem conhecimento e participa
ativamente na busca do aprimoramento contra as dificuldades do cotidiano, uma vez
que na poltica elas so permanentes.
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REFERNCIAS
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