A Poesia Homérica Como Instrumento Educador Fundamental Na Grácia Antiga

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    Universidade Estadual de Maring08 e 09 de Junho de 2009

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    A POESIA HOMRICA COMO INSTRUMENTO EDUCADOR

    FUNDAMENTAL NA GRCIA ANTIGA

    MURARI, Juliana Cristhina (UEM)

    PEREIRA MELO, Jos Joaquim (Orientador/UEM)

    Agncia Financiadora CAPES

    Introduo

    Hoje muitos se indagam sobre a importncia da leitura dos textos clssicos, questionam

    sua relevncia, e colocam em pauta se j no podem consider-los como obras

    ultrapassadas. Mas quando trata-se da Grcia antiga, se torna inevitvel a busca pelo

    auxlio desse tipo de literatura, especialmente dos poemas homricos:Iladae Odissia.

    Os poemas picos homricos so considerados as primeiras obras de literatura grega, e

    estes, por sua vez, abriram portas para outros grandes poemas clssicos. A constituio

    do mito, vinculado a um passado de glrias, associado escrita, colaborou

    decisivamente para a formao da literatura grega, e tambm contribuiu para as

    posteriores composies literrias.

    Ainda que esse tema possa despertar mltiplas abordagens, preciso esclarecer que a

    preocupao deste trabalho ser entender a poesia como fenmeno educador

    fundamental da Grcia antiga. Pois, na Grcia antiga, poesia e educao coincidem,

    sendo que o cantar e o ouvir os cantos dos poetas se constituem em mtodo de ensino e

    se insere em uma relao no de apresentador e ouvinte, mas sim na de educador e

    educando.

    Nesse sentido, a educao grega, buscou organizar um ideal de educao que

    enquadrasse o homem dentro de uma comunidade, formando assim a idia de cultura,

    na qual, a educao elaborou todo um significado prenhe de sentidos que seriam

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    absorvidos pela cultura ocidental. Segundo Jaeger1 toda educao o resultado da

    conscincia viva de uma norma que rege uma comunidade humana. A educaoparticipa da vida e do crescimento da sociedade, tanto no seu desenvolvimento exterior

    quanto no seu desenvolvimento espiritual.

    Ao abordar nesse texto a importncia da leitura de tais obras o nosso objetivo destacar

    como esses poemas so importantes meios de acesso para elucidar as antigas tradies

    gregas, e o modo como elas se tornaram a base da formao da cultura daquela

    civilizao. Civilizao essa que serviu de exemplo para muitos povos posteriores, talcomo o nosso.

    No se sabe com certeza quandoIladae Odissiaforam escritos pela primeira vez, mas

    no sculo VI a.C., j havia muitas cpias escritas deles, e tornaram-se extremante

    populares; preservando assim a histria da cultura e do ideal educacional grego,

    tornando possvel que esses ainda se faam estudados na atualidade. A educao

    ocidental desde o seu nascimento at hoje recebe influncias desse modo grego de

    educar, e no s no campo da educao encontramos influncias, mas tambm no que

    diz respeito poltica, a arte, enfim, em muitos outros aspectos culturais.

    O surgimento da escrita e a formao histrica daIladae da Odissia

    Atribui-se aIladae a Odissiao ttulo de mais antigo documento de literatura grega, e

    como se sabe consagra-se Homero como o autor dessas obras. Ambas fazem referncia

    a um tempo histrico que compreende entre os sculos IX e VIII a.C. destacam-se como

    acontecimentos significativos, nesse perodo, o estabelecimento gradual da polis e o

    domnio da escrita. Esses acontecimentos foram fundamentais na estruturao daIlada

    e da Odissia. A discusso sobre esses poemas gregos arcaicos traz como exigncia

    traar, ainda que resumidamente, um esboo histrico de como se constituiu o povo

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    JAEGER, W. Paidia: a formao do homem grego. (Trad. Artur M. Parreira). So Paulo: MartinsFontes, 1986. 4 p.

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    grego, at a formao da cultura micnica que proporcionou o surgimento dessas

    epopias.

    Os gregos fazem parte de um conjunto de povos denominados Indo-Europeus, que a

    partir do terceiro milnio migraram em diversas direes, uns se direcionaram para a

    sia e outros permaneceram na Europa, tal como afirma Brando2. Essas migraes

    proporcionaram a independncia entre os grupos e, como nmades, esses

    desenvolveram distintas expresses lingsticas e culturais. No que diz respeito aos

    gregos e a sua composio, pode-se falar que aqueles que habitaram a Hlade, e depoisficaram conhecidos como helenos, formaram-se por quatro povos: jnios, aqueus, elios

    e drios. Esses chegaram Grcia em sculos muito dispersos, tendo cada um deles

    uma organizao social e a cultura distinta.

    Entre esses povos o que mais nos interessa aqui so os aqueus, tal povo invadiu a Grcia

    por volta de 1600-1580 a.C. Os aqueus dominaram Creta que era a grande potncia

    poltica e econmica da poca. Os habitantes de Creta, os cretenses, eram o antigo povo

    jnio, j tinham desenvolvido toda uma organizao social, cultural, poltica e

    habilidades martimas, que implicavam em relaes comerciais muito significativas.

    Com a invaso de Creta pelos Aqueus, e a assimilao de sua cultura, origina-se a

    civilizao micnica.

    O perodo denominado micnico uma subdiviso temporal da chamada Idade do

    bronze, tambm conhecido por perodo Heldico final. Essa cultura desenvolveu-se por

    volta de 1600 a.C e 1050 a.C, e dominou economicamente e culturalmente todos os

    povos do mediterrneo oriental. Sua mais importante contribuio foi o

    desenvolvimento do dialeto jnio que proporcionou o surgimento da Ilada e da

    Odissia. Os micnicos utilizavam uma forma de escrita denominada Linear B, que foi

    desenvolvida a partir da escrita utilizada anteriormente em Creta conhecida como

    Linear A. A escrita do perodo micnico usada somente como fins de registro, listas de

    2BRANDO, J. S. Mitologia Grega. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. 45 p.

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    funcionrios ou trabalhadores, eram utilizadas para fins administrativos, tal como nos

    apresenta Baldry3.

    Com as invases drias por volta do sculo XII a.C., a civilizao micnica foi

    destruda, a escrita desapareceu assim como o comrcio e as artes.

    Desapareceu a arte da escrita, os centros poderosos ruram,as guerras insignificantes eram permanentes, tribos e grupo

    pequenos deslocaram-se dentro da Grcia e para leste,atravessando o Mar Egeu em direo a sia Menor, e osnveis material e cultural empobreceram em todos osaspectos, se comparados a civilizao micnica.4

    Os aqueus regressam a sia Menor expulsos pelos seus novos conquistadores, os

    drios. De acordo com Brando5os aqueus assim como os jnios e os elios voltam a

    sia como suplicantes, como imigrantes nostlgicos que cultuavam o seu passado de

    glrias. Mesmo voltando vencidos a terra que seus antepassados conquistaram, esses

    povos levavam consigo esse sentimento de orgulho referente s antigas conquistas e ao

    passado cheio de riquezas.

    O perodo denominado Idade das Trevas da Grcia corresponde a um momento de

    retrocesso tanto cultural, como social ou econmico. Nessa poca os poemas homricos

    tornaram-se fundamentais na vida cotidiana, enquanto instrumentos para incitar a

    coragem, a esperana e a preservao de valores tradicionais.

    Portanto, foi nesse cenrio de conflito e contradio, prprias de um perodo de

    transio que a Ilada e a Odissia foram transformadas pelos aedos e poetas em

    veculos das lembranas e do orgulho, remetendo-o seus jovens a uma descendncia

    herica da qual eles podiam se orgulhar, e at mesmo como acalento quando em perodo

    de lutas, escassez de alimentos, ou quando em condies difceis.

    3BALDRY, B. C. A Grcia Antiga: cultura e vida. (Trad. Mario Matos e Lemos). Lisboa: Verbo, 1969.29 p.4

    FINLEY, M. I. O legado da Grcia. (Trad. Ivette V.P. de Almeida). Braslia: EdUnB, 1998. 14 p.5BRANDO, J. S. Mitologia Grega. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. 105 p.

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    Os poemas homricos eram transmitidos oralmente, os versos da Iladae da Odissia

    foram cantados pelos aedos e pelos poetas, gerao aps gerao, reproduzindo osvalores fundamentais para aquela comunidade. Segundo Finley por detrs daIladae da

    Odissia, h sculos de poesia oral, composta, recitada e transmitida por bardos

    profissionais, sem o auxlio de uma s palavra escrita 6.

    Devido a essa oralidade a poesia estava sempre em constante movimento e crescimento,

    pois, cada um, que cantava o poema o fazia ao seu particular modo, acrescentando

    algumas coisas e modificando outros. De acordo com Brando7

    , a poesia micnica no de modo algum esttica. Sem o apelo escrita, sendo somente preservada pela memria,

    ela se torna suscetvel a mudanas. Nos dizeres de Baldry8nesse recordar o antigo em

    conjuno com a necessidade de improvisar um novo material tornam-se as

    caractersticas principais da narrativa de Homero. A estrutura hexmetra, que

    possivelmente nunca foi usada na fala corrente, foi adaptada pelos cantores para seguir

    uma estrutura mtrica, preenchendo o verso hexmetro.

    Vale lembrar que as epopias homricas retratam em seus cantos a vida, os costumes, a

    organizao, entre tantos outros, da populao micnica, sendo fontes bsicas para o

    estudo dessa civilizao. Privilegiada, nessa direo, so as informaes sobre

    guerreiros, famlias aristocratas, que buscavam suas descendncias at um fundador

    heri ou com procedncia divina. Essa atribuio de poder por meio de uma

    descendncia herica ou divina pode ser facilmente observvel em muitas passagens da

    Ilada. Segundo Rostovtzeff9 a tradio grega conserva o registro de duas delas: a

    guerra de Micenas contra Tebas e da coligao micnica dos aqueus contra Tria,

    celebrada por Homero em suaIlada.

    6FINLEY, M. I. O legado da Grcia. (Trad. Ivette V.P. de Almeida). Braslia: EdUnB, 1998. 17 p.7BRANDO, J. S. Mitologia Grega. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. 118 p.8BALDRY, B. C. A Grcia Antiga: cultura e vida. (Trad. Mario Matos e Lemos). Lisboa: Verbo, 1969.30 p.9

    ROSTOVTZEFF, M. Histria da Grcia. (Trad. Edmond Jorge). Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. 52p.

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    Outra questo a se considerar diz respeito ao fato de Homero relata em seus poemas

    eventos muito anteriores do que de sua prpria poca. Encontra-se fragmentos deacontecimentos que podem ter ocorridos em meados do sculo XIII a.C., at o sculo

    VIII a.C., Sendo assim, nessas epopias encontra-se inmeros cantos que fazem

    referncia a momentos distintos da histria grega, desde um passado glorioso a um

    presente que representa-se conflituoso. Por isso, contesta-se a real existncia de Homero

    e a legitimidade de suas obras. Ainda que a tradio tenha adotado-o como o autor da

    Iladae a Odissia, hvrios questionamentos sobre sua existncia ou no. Argumenta-

    se se o poeta criou algo novo ou foi s o relator de mitos j previamente existentes. Noentanto, a principal questo que se coloca entre os estudiosos, assim como Vico e Wolf,

    se teria sido ou no Homero o autor de ambas as obras, pois visvel que a Iladae

    Odissiadizem respeito a perodos distintos da histria grega.

    A poesia pica e seu fundamento educativo

    com Homero que aparecem os primeiros registros sobre educao, que do as bases

    ou a gnese da futura histria da educao. A importncia universal dos gregos como

    educadores deriva da sua concepo do lugar que o indivduo devia ocupar em

    sociedade.

    Para uma maior compreenso desse processo, costuma-se dividir a educao grega em

    dois perodos: o chamado perodo homrico e perodo histrico. Foi no primeiro perodo

    que desenvolveu o sistema educacional, herdado pelas geraes posteriores. Nesta

    poca a educao era voltada, sobretudo para a prtica de atividades fsicas, era uma

    educao que consistia essencialmente num treino de atividades prticas definidas.

    Importa lembrar que a educao do chamado perodo homrico, no tinha nenhuma

    organizao institucional especfica. Os ensinamentos sobre aquilo que era

    minimamente necessrio para a vida eram aprendidos em casa, no convvio familiar e

    com pessoas prximas: os jovens aprendiam aquilo que praticamente no poderiam

    viver sem saber, quando adultos. Nas guerras, e nos conselhos, nas assemblias, na

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    polis, nesse exerccio entravam em contato com aquilo que era preciso saber no que diz

    respeito vida pblica.

    Contudo, alm das atividades fsicas, a educao homrica trouxe consigo a gnese da

    teoria do desenvolvimento da personalidade, o que compreendia um duplo ideal

    formativo: o homem de ao e de sabedoria, o que constituiu-se no o ncleo da

    educao grega.

    Homero no dizer de Plato foi o educador da Hlade (thn Hlada pepaideuken).10

    Defato, Homero deu ao povo grego, juntamente com a paidia, a lngua, as artes e a f

    religiosa nos seus deuses olmpicos. A Ilada e a Odissia so os textos de base da

    paidia grega. Nos mitos homricos encontra-se personagens de extrema bravura,

    honestidade, sabedoria e um elevado senso de justia, a exemplo de Aquiles, Ulisses e

    Heitor que se tornaram heris modulares para os gregos, que deveriam busc-los como

    exemplo. O homem grego aprende desde a mais tenra idade a respeitar os seus deuses e

    a crer em seus mitos. Esse modelo educativo, que recorria a essas histrias ainda que

    fantsticas, objetivavam a formao de um cidado tico, justo e sbio, portanto, a

    formao de homem aristocrata. Os heris encontrados na Ilada e na Odissia

    incorporam as caractersticas fundamentais de ser humano da poca, do seu ethos.

    Justamente por prescrever regras e determinados modos de viver que os textos

    homricos tornam-se fenmenos estruturadores da cultura grega, fixando-se como o

    ncleo da educao daquela sociedade.

    Segundo Jaeger o corao do poeta est com os homens querepresentam a elevao da sua cultura e costumes, e isso se

    percebe passo a passo. A contnua exaltao que faz das suasqualidades tem, sem dvida, uma inteno educativa. (...) A

    posio e o domnio preeminente dos nobres acarretam aobrigao de estruturar os seus membros desde a mais tenraidade segundo os ideais vlidos dentro de seu crculo. Aeducao converte-se aqui, pela primeira vez, em formao,

    10PLATO, Repblica, X, 606 e

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    isto , na modelao do homem integral de acordo com umtempo fixo.11

    As diferenas sociais, culturais e polticas so explcitas. A Odissiaem relao Ilada

    representa uma posteridade histrica. Isso se faz perceptvel na organizao social da

    cidade de Ulisses, nos seus modos, e na sua polidez, nos costumes e nas tradies. Um

    exemplo a necessidade da rainha Penlope escolher um novo marido, j que o seu

    encontra-se a muitos anos longe da casa. Em todas as relaes interpessoais percebe-se

    que se trata de um povo j mais refinado e politicamente desenvolvido.

    Para Jaeger (1986, p.40) o primeiro poema nos apresenta o estado absoluto de guerra,

    tal como devia ser no tempo das grandes migraes das tribos gregas. A Ilada

    representa um tempo onde os valores ideais estavam centrados na coragem e na honra,

    incluindo sempre a fora bruta. J a Odissiapercebe-se um tempo de paz, retrata o pai

    e marido que precisa voltar a sua ptria e reassumir o seu papel na famlia e na

    sociedade. Enquanto em um momento temos os sentimentos aflorados e o homem

    guiado sempre pelos seus apetites, no outro o homem j se encontra desenvolvendo asua razo, e por ela que ele est destinado a vencer suas dificuldades. A maior arma de

    Ulisses a razo, no a razo que seria desenvolvida posteriormente pela filosofia, mas

    uma razo estritamente ligada prudncia, a engenhosidade, a percepo. Ulisses

    astuto, e sagaz, e atravs desses atributos que ele se mantm vivo, como no episdio em

    que engana Polifemo.

    NaIlada, a figura do guerreiro central. O comportamento do homem no est voltadopara a vida pblica, em sociedade, mas para suas atitudes na guerra. A figura do heri

    nesses poemas est sempre inserida em alguma batalha e o que determina suas virtudes

    sua bravura, lealdade, coragem e esprito de liderana. Segundo Jaeger para o heri a

    luta e a vitria so a distino mais alta e o contedo prprio da vida.

    11

    JAEGER, W. Paidia: a formao do homem grego. (Trad. Artur M. Parreira). So Paulo: MartinsFontes, 1986, 44 -45 p.

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    Os heris da Ilada, que se revelam no seu gosto pela guerra ena sua aspirao honra como autnticos representantes da suaclasse, so, todavia, quanto ao resto da sua conduta, acima detudo grandes senhores, com todas as suas excelncias, mastambm com todas as suas imprescindveis debilidades. impossvel imagin-los vivendo em paz: pertencem ao campode batalha. Fora dele s os vemos nas pausas do combate, nassuas refeies, nos seus sacrifcios, nos seus conselhos.12

    O cenrio dos poemas sempre composto por lutas onde o mais valente e aquele mais

    respeitado por todos. Pode-se dizer que esse modelo reflexo da vida daquele tempo,

    corresponde historicamente a um perodo em que a civilizao ainda no estavaconsolidada; o homem dessa poca se via constantemente em guerra, suas tribos

    migravam sempre e lutavam entre si.

    Na Odissiaencontra-se um cenrio diferente; efetivamente, Ulisses aparece como um

    rei, um marido e um pai que deseja regressar sua casa. Nota-se o refinamento de

    Ulisses e dos pretendentes de Penlope. Atravs das manifestaes culturais como o

    comer, o beber, o cantar ou celebrar, percebe-se o quanto o mundo grego j est

    consolidado e o homem, e tambm a figura do heri, est muito mais centrada em sua

    casa do que na guerra. Agora ele tem uma terra natal, fixa e para ela vive envolto em

    muitos costumes, como as libaes que esse deve fazer aos deuses, ou o respeito

    tradio, ou a rainha que tem obrigatoriamente de escolher um novo rei j que Ulisses

    est ausente h mais de vinte anos. O homem se v dentro de uma cidade, de uma

    comunidade onde prevalecem leis jurdicas e regras morais.

    NaIladah o heri na batalha, na Odissiaele aparece aps ela. Diz Jaeger:

    A nobreza da Odissia uma classe fechada, com intensaconscincia dos seus privilgios, do seu domnio e dos seuscostumes e modos de vida refinados. Em vez das grandiosas

    paixes das figuras sobre-humanas e dos trgicos destinos da

    12

    JAEGER, W. Paidia: a formao do homem grego. (Trad. Artur M. Parreira). So Paulo: MartinsFontes, 1986, 41 p.

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    Ilada, deparamos no novo poema com grande nmero defiguras de estatura mais humana.13

    Nesses dois poemas v-se claramente o que Homero concebia como expresso de seu

    prprio pensamento conjugado com a realidade por ele percebida. H aqui uma

    passagem do primitivo para o j civilizado, onde o guerreiro substitudo pelo

    cidado polido. Homero ao ressaltar as caractersticas do heri, enquanto fora bruta na

    Iladae astcia na Odissiamostra sua preocupao e o objetivo da sociedade em dois

    momentos diferentes. A clara mudana do predomnio guerreiro para o cidado revela

    um desenvolvimento dentro de um determinado perodo histrico, apontando para umdiferente ideal de homem.

    Homero, conforme j mencionado, foi o educador primeiro da Grcia. Ele guiou durante

    muitos sculos o modo pelo qual os jovens deveriam se comportar e o que deveriam

    aprender para estarem prontos para a vida em um ambiente coletivo. Mesmo depois de a

    Grcia procurar sobrepor ao pensamento mtico o pensamento filosfico, as pessoas

    ainda recorriam aos poemas para idealizar modelos de virtude, justia e coragem.Quando se procura mostrar homens dignos e merecedores de glria, ontem como hoje,

    recorre-se s figuras hericas, como Aquiles e Ulisses, no passado e s personagens

    marcantes de hoje.

    Concluso

    Desse modo, Homero, atravs de seus poemas acima mencionados, poemas esses queeram transmitidos pela oralidade atravs das geraes criou um ideal de homem,

    produziu uma espcie de arqutipo que deveria ser seguido por todos os homens. Nos

    mitos homricos encontramos dois personagens que deveriam nortear a educao dos

    jovens na Grcia so eles: Aquiles e Ulisses, que correspondem conseqentemente s

    duas obras atribudas a Homero: Ilada e a Odissia. Esses dois personagens

    representavam um ideal de virtude, bravura, temperana, poder e sabedoria. A figura

    13

    JAEGER, W. Paidia: a formao do homem grego. (Trad. Artur M. Parreira). So Paulo: MartinsFontes, 1986, 43 p.

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    desses heris, muitas vezes comparados aos deuses, representava um modelo que

    deveriam ser seguidos por todos; os jovens deveriam procurar ser iguais aos seusmodelos e era principalmente nisso que consistia a educao homrica. Para Homero e

    para o mundo da nobreza desse tempo, a negao da honra era, em contrapartida, a maior

    tragdia humana. Os heris tratavam-se mutuamente com respeito e honra consoantes.

    Assentava nisso toda a sua ordem social.14

    Esse ideal de um homem que bravo, astuto, bondoso, piedoso, continua mesmo depois

    que os ideais filosficos esto inseridos no contexto grego. Os gregos eram contra aos

    excessos da vida; um bom homem deveria ser sempre guiado pela temperana, isto ,

    pela exata medida, nunca errar pela falta ou pelo excesso, tudo deveria ter uma exata

    medida entre os extremos.

    Pode-se concluir que Homero apesar de suas diferenas estruturais na Ilada e na

    Odissia, formou o ideal pedaggico da Grcia. Esse que influiu em todo o pensamento

    ocidental e perpetuou at a contemporaneidade. O modelo criado por esse poeta foi

    usado para educar milhares de gregos ao longo dos sculos e at hoje os heris

    presentes nos mitos so buscados quando se precisa de um exemplo de homem

    completo, verdadeiro, possuidor de todas as caractersticas que compe o homem

    perfeito, ideal.

    Aquilo que eles concebiam como valores necessrios em um homem para viver em

    sociedade, so alguns dos valores que faltam hoje em dia. Ideais de virtude, temperana

    e justia so atributos fundamentais que os jovens deveriam aprender e que hoje faltam

    na educao. Esses valores no so muito comuns nos dias de hoje; o ensino no mais

    direcionado para a virtude e, s vezes, tem-se a impresso que esses valores, para

    muitos dos jovens de hoje no significam muito, pois no so mais enfatizados no

    processo pedaggico e correm o perigo de seu sentido esvair-se. Talvez seja o momento

    de se comear, ou melhor, se continuar a repensar o ato pedaggico e no se esquecer de

    14

    JAEGER, W. Paidia: a formao do homem grego. (Trad. Artur M. Parreira). So Paulo: MartinsFontes, 1986, 31 p.

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    vincul-lo a alguns valores ticos e morais os quais, ao lado dos valores intelectuais,

    possam dar um fundamento mais profundo e duradouro ao ato do conhecimento e daformao do futuro adulto que deve sempre ser agente de ao propositiva na

    Sociedade.

    REFERNCIAS

    BALDRY, B. C. A Grcia Antiga: cultura e vida. (Trad. Mario Matos e Lemos).

    Lisboa: Verbo, 1969.

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  • 7/25/2019 A Poesia Homrica Como Instrumento Educador Fundamental Na Grcia Antiga

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