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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 313 A PERSPECTIVA FEDERALISTA DO ESTADO BRASILEIRO E A “REPÚBLICA VELHA” COMO FOMENTADORA 334 The federalist perspective of the Brazilian State and the influence of the “Old Republic” Milena de Souza Machado 335 Viviane Bastos Machado 336 Ione Galoza Azevedo 337 Resumo O trabalho tem como foco desvelar a estrutura federativa, em seus conceitos, origem e objetivos especialmente agregando maior valor a sua formação e importância, e comparando-a com a estrutura de inspiração que foi a norte-americana, além de tal análise importa também construir uma comparação da República Velha e a atual forma republicana brasileira com efeito de se estabelecer novos paradigmas de organização do Estado, especialmente diante dos debates que vão sendo discutidos pelas crises políticas existentes. Palavra-chave: federação, república, construção política 334 Artigo submetido em 15/02/2016, pareceres de aprovação em 26/04/2016 e 02/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016. 335 Graduanda em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos - milenas.machado@hotmail. com 336 Advogada e professora do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos e Universidade Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro – Mestra e especialista em Direito Civil, Processo Civil, Direito Constitucional – [email protected] 337 Advogada e professora e coordenadora do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos – mestra e especialista em Direito Público e Privado – [email protected]

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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 313

A PERSPECTIVA FEDERALISTA DO ESTADO BRASILEIRO E A “REPÚBLICA VELHA” COMO FOMENTADORA334

The federalist perspective of the Brazilian State and the influence of the “Old Republic”

Milena de Souza Machado335

Viviane Bastos Machado336

Ione Galoza Azevedo337

Resumo

O trabalho tem como foco desvelar a estrutura federativa, em seus conceitos, origem e objetivos especialmente agregando maior valor a sua formação e importância, e comparando-a com a estrutura de inspiração que foi a norte-americana, além de tal análise importa também construir uma comparação da República Velha e a atual forma republicana brasileira com efeito de se estabelecer novos paradigmas de organização do Estado, especialmente diante dos debates que vão sendo discutidos pelas crises políticas existentes.

Palavra-chave: federação, república, construção política

334 Artigo submetido em 15/02/2016, pareceres de aprovação em 26/04/2016 e 02/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016.

335 Graduanda em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos - [email protected]

336 Advogada e professora do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos e Universidade Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro – Mestra e especialista em Direito Civil, Processo Civil, Direito Constitucional – [email protected]

337 Advogada e professora e coordenadora do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos – mestra e especialista em Direito Público e Privado – [email protected]

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Abstract

This paper discusses the federative structure in Brazil, its concepts, origin and objectives, focusing particularly on its formation and significance and comparing it to the structure of the United States, which served as an inspiration. Additionally, we compare the Old Republic with the current Brazilian republican model in order to establish new paradigms for the organization of the State, particularly considering the debates that are taking place due to the current political crises.

Keywords: federation, republic, political construction.

1. Introdução

A análise das construções estruturais do Estado brasileiro, são de fundamental importância na busca de conhecimento das realidades vivenciadas na própria organização da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, diante das situações estabelecidas no contexto social, político e jurídico, torna-se ainda mais fundamental conhecer as motivações da formação e estruturas positivadas na carta superior.

As motivações das divergências e diferenças entre a realidade brasileira e outras construções internacionais, estabelecidas na realidade constitucional de 1988, é de fato produzida com base no federalismo norte-americano, não só no Estado brasileiro, mas especialmente por ter sido a primeira construção constitucional escrita, inspirando assim, contemporaneamente, as deflagrações constitucionais existentes, especialmente a forma de condução no Brasil da organização federativa.

A guisa do debate se fomenta especialmente pelas diferenças e peculiaridades da estrutura brasileira, desde a primeira República até a formação que hoje se sustenta, efetivando assim uma formação decorrente dos contextos sociais e das formações políticas, que inspiraram e inspiram os mecanismo de condução governamental, a distribuição de receitas, a condução política e o que, mesmo velado, se constrói com o lobby, em sua origem proibido, mas de maneira aberta feita pelas organizações políticas e sua representatividade.

Assim, a federação e seu pacto são muito mais que um simples organismo, mas uma mola propulsora de existência política e de distribuição dos interesses em solo brasileiro, daí seu importante debate.

2. Apresentação Histórica sobre o surgimento e conceito de Federação Neste capítulo abordaremos o surgimento da Forma Federativa de um Estado,

apontaremos também a sua forma mais primitiva já analisada. Além disso, será exposta a importância de a Forma Federativa encontrar amparo na Constituição. Por

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fim, discorreremos sobre o marco inicial da Forma Federativa, encontrada na América do Norte, quando da Declaração de Independência das Treze Colônias.

Entende Gadelha (2010, p. 30), que a palavra Federação encontra sua ‘‘origem etimológica no latim (foedus) expressando pacto, acordo, associação’’.

Seu conceito é controverso, tendo em vista que esse sistema se apresentou de diversas maneiras em vários países, tendo como motivo de seu surgimento causas diferenciadas, mesmo porque, a cultura de cada Estado tem por fim ditar sua organização.

Afirma Gustavo de Paiva Gadelha (2010, p. 25) que ‘‘tratar do surgimento do Estado Federal primitivo é, antes de mais nada, empreender reflexão sobre o mecanismo de formação dos Estados; é analisar quais fatores impulsionaram a aparição estatal’’.

Desta maneira, expõe Gadelha (2010, p. 26):

Dessa forma, o aprimoramento do convívio humano, com a maior aglutinação em torno de interesses comuns (elementos subjetivos), aliados a elementos objetivos de composição, tal qual o território, formará o Estado (lato sensu), politicamente autônomo e soberano.

Com o advento dos novos anseios sociais, fundamentados por desejos diversos origina-se a Forma Federativa de determinado Estado e que segundo Gustavo de Paiva Gadelha (2010, p. 26), deve ser interpretado como:

Isto ocorre porque, na Federação, tem-se uma união permanente dos entes federativos com o intuito de perseguir o bem comum, havendo, portanto, na maioria das vezes, uma redefinição dos limites estatais.

Bem assim, do Estado (outrora soberano) que passa a compor a Federação, exige-se uma necessária mutação constitucional a se adequar ao propósito comum e aos laços inquebrantáveis do pacto federativo.

Essa nova forma de Estado, a Forma Federativa, precisa ser garantida, devendo ser observada por todos os membros integrantes do Estado. Para tanto, necessita estar disposta numa Constituição, para munir-lhe de eficácia e proteção necessária, evitando que hajam violações a sua estrutura e a própria natureza constitucional construída a partir de sua estrutura. Para o autor Gadelha (2010, p. 27),

Nesse sentido, importante ressaltar a relevância disposta pela Constituição Federal como garantia dos primados federativos, resguardando a observância à existência política de todos os membros.

[...] Essa pactuação não é estanque nem aleatória, mas decorrente de um

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dinâmico processo de discussão e debates em torno da formação constituinte. E nesse sentido é que deve ser entendida a Federação enquanto alteração constitucional: a mutação estatal decorrente de ato volitivo, unificado ou pulverizado de formar um Estado Federal, com partilha de poder e competências.

De acordo com Gadelha (2010, p. 28),

Os primórdios de federação surgiram na Antiguidade Clássica, mais especificamente na Grécia, quando as ligas entre as Cidades-Estados compreendiam pactos de cooperação entre as entidades políticas e religiosas e que, desde então, observavam princípios federativos.

Ainda de acordo com o entendimento de Gadelha (2010, p. 28), esta não era uma forma autêntica e genuína de forma federativa, uma vez que apresentavam apenas algumas características típicas deste modelo de Estado.

É certo que sua manifestação mais expressiva, adveio com a Independência das Treze Colônias, na América do Norte, entretanto, importante salientar que para ocorrer essa revolução, primeira manifestação de sistema federativo, houveram ideias, bases teóricas que fundamentaram esse movimento de libertação das colônias até então pertencentes à Inglaterra.

Um importante fator relativo a forma federativa é sua categorização em entes, uma das primeiras formas é o município, construído em meio as vilas e formações provincianas de pessoas e que em verdade é inicial se comparado ao conceito de colônias, Estado, Províncias, mesmo assim não aceito como ente dotado de autonomia em muitos Estados Federados de formação típica, o que demonstra a diferença de construção e de amadurecimento de cada nação.

Desta feita, as bases teóricas do federalismo norte-americano, advieram da Revolução Francesa, que possibilitaram uma nova visão quanto ao conceito de Estado como forma ideal de governo, fazendo críticas ao sistema monárquico vigente na época no intuito de findar os excessivos privilégios concedidos ao clero e à nobreza, permitindo que a ascensão da burguesia permanecesse e que com a limitação das ordens reais essa nova classe –a burguesa- não fosse atingida pelos mandos e desmandos do rei.

Neste ínterim, entende Baggio (2011, p. 23 a 26) que,

O sistema federal criado nos EUA foi algo novo, fato sem precedentes na história mundial. Suas bases teórica e filosófica encontram-se na Europa do século XVIII, mais precisamente aquelas que se consolidam a partir do processo revolucionário ocorrido na França nesse período. Entendê-las torna-se imprescindível para iniciarmos o estudo da trajetória federalista.

[...] O federalismo foi criado no período do Estado Moderno, nitidamente

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influenciado pelas ideias liberais do Iluminismo. Tal ideário teve como palco principal a Europa do séc. XVIII e combateu o Estado que inaugura a fase moderna de nossa história, o absolutista, caracterizado pela ação de ingerência do príncipe –que era o próprio Estado- na vida privada dos cidadãos.

Na França, o agravamento das relações entre nobreza, clero e burguesia culminou na maior revolução do século XIX, que pode ser considerada a revolução que consolida os ideários liberais. O impulso principal da revolução era combater aquilo que parecia ser, para a nova classe emergente, seu maior inimigo, a incerteza gerada pelo excessivo poder nas mãos do príncipe. Como já ressaltamos anteriormente, o príncipe – no Estado absolutista – era a própria lei, podendo interferir na vida privada dos indivíduos sem intervenção de nenhuma esfera de poder, ocasionando um forte sentimento de instabilidade nos indivíduos, principalmente junto à classe burguesa, que se via não raro, à mercê das vontades da nobreza e do clero.

[...] A crença na racionalidade teve grande repercussão nas teorias liberais

surgidas na época, sendo alvo de importantes polêmicas, como as que permeiam a questão da separação dos poderes, que terá grande influência na configuração da Federação norte-americana.

Com essa compilação de ideias liberais advindas da revolução ocorrida na França, as colônias – localizadas na América do norte – que até então pertenciam à Inglaterra, decidiram se unir declarando a sua independência, não mais acatando as imposições oriundas da coroa inglesa.

Nesse contexto histórico ocorreu a primeira e mais significativa expressão de forma federativa observada no globo terrestre, localizada na América do Norte, com o advento da Declaração de Independência das Treze Colônias. Não por menos visualiza-se nesse mesmo instante a primeira construção constituinte escrita da história da humanidade, arraigada de ideologias de um Estado Liberal e de Direito, opondo-se assim a tudo que até o momento vislumbra-se na realidade constitucional, que em verdade toma corpo e força com a Constituição dos Estados Unidos da América de 1787.

3. Surgimento da Federação dos Estados Unidos e a sua influência na formação do Modelo de Federação Brasileira

Neste tópico intenta-se abordar o marco inicial do modelo federativo, oriundo da Declaração de Independência das Treze Colônias, de forma sucinta discorre-se pelos momentos históricos que envolveram as primeiras manifestações deste modelo, dando enfoque aos três modelos de Federação observados na América do Norte.

De início, depreende Roberta Camineiro Baggio (2011, p. 32 e 33) que, após a independência, os novos Estados decidiram elaborar uma Constituição que definisse sua nova forma de Estado, que permitisse ‘‘garantir suas conquistas revolucionárias’’.

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Embora houvessem duas linhas de pensamentos – os federalistas e os antifederalistas –, Baggio afirma (2011, p. 33) que ambas não compunham forças contrárias, seus objetivos eram garantir de uma forma ou de outra, que esse novo Estado se perpetuasse, que suas conquistas não fossem perdidas.

Deste modo, esclarece Baggio (2011, p. 34)

Somente após a concordância, por parte dos federalistas, em aceitar uma declaração de direitos, foi possível a aprovação e promulgação da Constituição. Desta forma, nasceram as dez primeiras emendas à Constituição norte-americana, que, em seu conjunto, são conhecidas como Bill of Rigths. A principal característica dessas dez emendas é que elas buscaram salvaguardar o cidadão norte-americano das ameaças contra seus direitos e liberdades individuais.

[...] Após a promulgação da Constituição, foi-se delineando o que se chamou de

federalismo dual, que recebe esta denominação justamente por estabelecer duas esferas de poder autônomas no mesmo plano territorial: Estados-Membros e União.

Neste contexto, haviam dois poderes que volta e meia tencionavam-se na tentativa de sobressair ao outro. Como esse sistema Federativo-Dual não concebia a ideia de ter apenas uma esfera de poder, o que violaria o seu conceito originário, não havia a intervenção de uma esfera sobre a outra, conhecido como dual exatamente por sua fragmentação e por não ter um caráter cooperativo, o que de certa forma é mais liberal e ao mesmo tempo possibilita maior limitação entre os organismos federativos.

Dessa forma, Baggio (2011, p. 34 e 35) esclarece que,

Esses dois campos de poder conviviam em clima permanente de rivalidade e competição.

[...] Assim como a teoria da separação dos poderes, o federalismo dual não foi

uma fórmula de exata divisão do poder entre a esfera federal e as esferas estaduais, ao contrário, é possível perceber, durante toda sua trajetória, o fortalecimento de uma ou outra esfera de poder. No período em que prevaleceu o federalismo dual, ainda que os Estados-membros tivessem tido esta predominância na maior parte do tempo, ocorreriam vários momentos de alternância de poder. [...] Tal fato devia-se ao federalismo dual ter, como pano de fundo, o receio de qualquer tipo de centralização de poder, caracterizando-se, portanto, pela não intervenção do poder público nas questões de ordem econômica, fosse por parte de qualquer uma das duas esferas de poder.

Explica a doutora Baggio (2011, p. 36) que ‘‘nessa situação de alternância dos poderes criou-se uma lacuna marcada pelo total descontrole legislativo, que foi de suma importância para o desenvolvimento das relações econômicas administradas apenas pela mão invisível do mercado’’.

E nesse contexto de liberalismo exacerbado, discorreu Baggio (2011, p. 40), de autossuficiência, inserido no mesmo período em que ocorreu a Primeira Guerra

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Mundial, onde surgiram as ‘‘lutas sociais por melhores condições de trabalho, somadas ao surgimento do socialismo real na antiga URSS’’ é que o sistema Federalista Dual perdeu sua forma e sua credibilidade, deixando claro que ‘‘a política de ‘mão invisível do mercado’ não foi, por si só, não capaz’’ de manter o bem-estar de uma Nação.

Desta forma, em concordância com o pensamento de Baggio (2011, p. 40), fora criado um modelo intervencionista de Estado, que permitisse sua interposição na livre concorrência, minimizando os monopólios advindos do Federalismo Dual, ainda, concedendo à população direitos mínimos e melhores condições trabalhistas.

Explica Baggio (2011, p. 41 a 42) que, após a ‘‘guerra civil que ocorreu entre os Estados do Norte e os Estados do Sul’’, onde ‘‘venceram os Estados do Norte’’, ‘‘Lincoln anuncia a Lei de Reconstrução, e inicia-se, então, um período de grande expansão do poder de intervenção federal.’’ Também ocorreu o ‘‘desenvolvimento da indústria bélica para exportação aos países em guerra’’ – no contexto da ‘‘Primeira Guerra Mundial’’ –. Entretanto, com ‘‘o término da Primeira Grande Guerra, o progresso industrial e econômico norte-americano sofreu um grande abalo: a crise de 1929’’, a chamada ‘‘Grande Depressão Econômica’’.

De acordo com Baggio (2011 p. 41),

Nos EUA, o Welfare State está relacionado com a decadência do chamado federalismo dual e com o início da hegemonia do poder federal diante dos Estados-membros, que inaugura a fase do federalismo cooperativo. Entretanto, a passagem do período não-intervencionista para o intervencionista ocorre gradualmente, em um processo que começa a ser construído na metade do século XIX, um pouco antes da guerra de secessão.

Além disso, devido à crise gerada pela quebra da bolsa de valores de Nova York, a economia dos EUA encontrava-se enfraquecida, necessitando de novos direcionamentos que permitissem a retomada do crescimento. Esse retorno de crescimento econômico adveio com a gestão de Franklin Roosevelt, com o chamado New Deal, apresentando um conjunto de políticas intervencionistas.

Segundo Baggio (2011, p.43),

O New Deal caracterizou-se, principalmente, pelo financiamento do déficit a partir de gastos público, implicando em uma rígida e necessária intervenção do poder público em diversos assuntos, tais como: a desvalorização do dólar; a contenção da saída de metais preciosos do país; medidas de protecionismo para a agricultura e indústria; manutenção e restabelecimento dos preços; redução do débito e expansão do crédito; ampliação do trabalho público para deter o desemprego; dentre outras ações.

A doutora Baggio (2011, p. 45 e 46) expõe que, apesar da resistência da Suprema Corte em aceitar o New Deal como um conjunto de políticas necessárias ao reestabelecimento econômico, o mesmo acabou por aceito e foi implementado na tentativa de salvar o país da crise econômica em que estava inserido.

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Desta feita surge o aparecimento do Federalismo Cooperativo, mais intervencionista e preocupado com questões sociais, menos individualista, modelo adotado pela atual Carta Magna brasileira.

Com a vinda da Segunda Guerra Mundial, esclarece Baggio (2011, p. 49) ‘‘que mudou substancialmente a configuração mundial da distribuição de poder’’ fazendo com que ‘‘a consolidação definitiva do poder econômico, bélico e político dos EUA [...] e o fim do socialismo real’’ tornariam o Estado norte-americano se tornasse ‘‘a maior potência mundial’’. Sendo que neste momento, afirma Baggio (2011, p. 49):

O federalismo dual tornou-se algo distante da política interna e externa norte-americana. A situação dos Estados-membros era de significativo enfraquecimento, não só pela necessidade do custeio dos programas sociais do welfare state com verbas federais, o que os tornava cada vez mais dependentes e submetidos à vontade do governo federal, mas também, pelo aumento dos gastos com questões militares.

Assim Baggio (2011, p. 50) afirma:

Essa tendência centralizadora perdurou até o início da implementação do projeto neoliberal, no governo de Ronald Reagan, quando tomaria forma uma nova configuração das relações federativas, que receberiam o nome de New Federalism. Entretanto, o surgimento desta nova tendência ocorrerá por motivos muito diferentes dos suscitados no período do federalismo dual.

Aduz Baggio (2011, p. 58) que,

No período de Federalismo Cooperativo havia a tendência de os Estados-membros contribuírem para a execução de programas sociais, entretanto, é válido reafirmar que a responsabilidade central pela elaboração e manutenção de tais programas era do governo federal. Com o advento da Welfare Reform, e mais as medidas de descentralização do Congresso, cada Estado, por si só, passou a ser responsável pela elaboração, manutenção e execução dos seus programas sociais, retirando da esfera federal grande parte de suas ações nas áreas de desenvolvimento social.

Neste ínterim, depreende Baggio (2011, p. 58) que o modelo cooperativo de federação americano começou a sofrer alterações no sentido de que foram implementadas medidas consideradas ‘‘descentralizadoras’’, com o intuito de ‘‘diminuir as atividades financiadas e realizadas pelo governo federal’’. Tais medidas ficaram ‘‘conhecidas como New Federalism’’. Ainda neste contexto, explica Baggio (2011, p. 59), o repasse de novas atribuições aos Estados-membros, principalmente no que concerne às ‘‘políticas sociais’’, gerou uma grave consequência, uma vez que ‘‘os governos subnacionais não tinham como arrecadar receitas suficientes para a realização dos programas’’.

Como vimos, estes foram os três momentos mais expressivos de Forma Federativa, oriundos da América do Norte, após a Independência das Treze Colônias.

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Tais movimentos influenciaram o modelo federativo encontrado atualmente no Brasil, é certo que seu surgimento e causas motivadoras divergem do modelo americano, entretanto, as bases para a implementação dessa forma de Estado no Brasil, desde a República Velha encontra seus fundamentos no modelo americano.

4. Primórdios da Forma Federativa Brasileira, suas características e sua manifestação nas Constituições de 1891 e de 1988

O Federalismo iniciou sua implementação com causas diferenciadas e

experiências diversas, de forma única em cada estrutura de Estado, compondo-se de particularidades próprias.

No Brasil, sua implementação se deu de forma que permitiu a manutenção do poder e a perpetuação de interesses políticos e econômicos de determinados grupos, especialmente das elites dominantes, o que desde seu início institucional verificou-se presente, não por esse texto constitucional atual de 1988, mas especialmente com a primeira República brasileira, vimos um federalismo aberto que viabilizou o “lobby” como forma de sustentação de interesses dos grandes produtores de café e leite.

Embora não haja dúvida quanto à influência do modelo federativo americano na implantação da federação no território brasileiro, como supracitado, seu surgimento no Brasil se deu por causas diversas das encontradas no modelo americano, justificativa também da grande diferença estabelecida entre ambos os Estados em sua organização política, sendo um importante fator o poder, que até então era centralizado, passa a ser repartido entre as províncias/estados e a brasileiros e a União.

Esse primeiro período corresponde à época colonial, em que houve forte concentração de poder na Coroa Portuguesa, tornando o território brasileiro sujeito às ordens oriundas do rei português, que também em certa feita era o rei do Brasil, pois como colônia estava submetido ao mesmo. Essa situação gerava insatisfação na população, ocasionando algumas revoltas, na tentativa de se desvencilhar do domínio português. A revolta oriunda em Pernambuco, influenciada por ideais republicanos, é um excelente exemplo para demonstrar o descontentamento da população para com o autoritarismo advindo da Coroa Portuguesa.

Mais uma vez esclarece Baggio (2011, p. 80 e 81) que ‘‘A declaração de independência do Brasil não trouxe grandes mudanças ao país’’, visto que este se encontrava submetido ao poder absoluto do rei.

Desse modo, afirma Baggio (2011, p. 82 e 83), com ‘‘o retorno de D. Pedro a Portugal [...] iniciou-se o chamado período regencial’’, neste contexto histórico houve o surgimento de ‘‘sedimentação de uma aliança com as oligarquias rurais, servindo de base para o fenômeno político do coronelismo, característico do período republicano’’.

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Contudo, o período imperial entrara em crise, sendo necessária a ocorrência de mudanças, o implemento de ideias mais liberais, com o intuito de derrubar o Império, tendo os militares, papel importante neste momento histórico. Situação em que fora proclamada a República, por meio de um golpe militar, no intento de acabar com as ordens reais e elevar as oligarquias ao poder.

Para Baggio (2011, p. 85), ‘‘a Proclamação de República foi deliberadamente um golpe militar, autoritário e excludente à participação popular, que serviu para conduzir as oligarquias ao poder, acabando com as incertezas e os desmandos do período imperial’’.

Aduz ainda Baggio (2011, p. 85) que,

Rui Barbosa, um dos grandes ideólogos da República, desempenhou um papel decisivo na construção da Federação Brasileira e elaboração da primeira Constituição Republicana do Brasil, que teria o papel de consagração dos princípios republicanos. Inspirado pelas tendências liberais, Rui Barbosa delineou uma Constituição fortemente influenciada pela dos Estados Unidos.

A Constituição Republicana de 1891, na visão de Baggio (2011, p.86) era,

O texto constitucional de 24.02.1891 consistiu, principalmente, na tentativa de reestruturar totalmente as bases políticas, administrativas e jurídicas do país. Instaurou como regime de governo uma República Federativa, estabeleceu o presidencialismo, o voto para maiores de vinte e um anos, a repartição de poderes em três níveis: executivo, legislativo e judiciário e a indissolubilidade da federação. Dentre outras coisas, os Estados poderiam ter duas próprias Constituições, escolher seus representantes e a possibilidade de conseguirem empréstimos externos, sem a autorização da esfera federal; além do fato de ter sido instaurado um sistema judiciário dual, tornando-o mais próximo dos Estados do que do governo federal.

Segundo o entendimento de Baggio (2011, p. 86), apesar de a nova Carta Superior ter instituído o sistema de descentralização, baseado no modelo americano, era claro grande poder de intervenção do governo federal nos estados, podendo este, ainda, modificar normas constitucionais dos estados sem permitir que este pudesse se manifestar.

No entanto, era visível na estrutura da chamada “República Velha”, uma construção de Estado mais aberta que a atual, tendo como ideologia legitimar as ações do governo Estatal dirigida pela oligarquia que, demonstrava uma atuação não submetia a União.

Aduz Baggio (2011, p. 86 e 87) que a Constituição Republicana de 1891 não era obedecida à risca, tendo em vista que, como já citado, era utilizada pela elite para satisfazer seus interesses.

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Para Wachowicz (2008, p. 119 e 120),

Nota-se, entretanto, no processo constituinte brasileiro, uma acuidade analítica de poderes atribuídos ao Presidente da República. A Carta Brasileira, elaborada após cem anos de vigência da Carta da Filadélfia, teve, nos trabalhos constituintes do Congresso, a preocupação de suprir todas as deficiências que a prática americana apontara na relação de poderes ao Presidente da República.

Indubitavelmente, a Carta de 1891 contemplou o momento político subjacente, porém cristalizou-o, não tendo suficiente flexibilidade para se adequar à dinâmica que ela própria geraria nas instituições que criara.

A estrutura institucional, ao contrário dos seus dispositivos expressivos, materializou um processo centralizador e os princípios democráticos que proclamava exteriorizaram-se numa prática – tal qual a prática desprovida de representatividade política do processo constituinte – política autoritária, aí residindo o aspecto semântico principal da Carta.

Assim, após várias ocorrências históricas relativas ao período de vigência da Carta de 1891, como revoltas sociais com intenções separatistas, perpetuação das práticas de coronelismo e a instauração e quebra da Política do Café com Leite, outros presidentes empossaram no poder, dando origem a outros contextos sociais, com a elaboração das demais Constituições Brasileiras, até a entrada em vigor de nossa Constituição promulgada em 1988.

Esclarece a autora Baggio (2011, p. 106, 107 e 109) que ‘‘o processo de transição do regime militar para o democrático implicou uma série de transformações’’, sendo estas as manifestações populares, o ‘‘interesse da elite de retomar o poder’’ e os ideais de ‘‘descentralização política’’, dando ensejo ao nascimento de nossa Constituição de 1988.

A doutora Baggio (2011, p. 109 e 110), aborda as inovações relevantes ao sistema federativo advindas da Carta de 1988, são estas,

No tocante às questões do sistema federativo, a CF/88 também avançou. Encontramos nelas consagradas tendências inovadoras para um sistema federalista, que vão muito além de sua estrutura clássica, como a autonomia dada aos Municípios. Esta é uma peculiaridade do sistema brasileiro, já que não há na história do federalismo mundial registros anteriores de tal natureza.

Foram contempladas, também, questões que já vinham sendo discutidas e desenvolvidas antes do golpe militar de 64, como, por exemplo, a retomada do desenvolvimento das regiões pouco desenvolvidas no país. Dentre outras coisas, a atual Constituição brasileira redefiniu os papéis desempenhados pelos entes federados, distribuindo e descentralizando questões de ordem pública, administrativa e, principalmente, financeira, que ficaram centralizadas durante o regime militar. Foram instituídas, também, possibilidades de desenvolvimento de um modelo cooperativo de federação.

Finalizando, outra questão de grande importância são as repartições de competências elencadas no texto constitucional e a inserção da Forma Federativa

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no núcleo intocável de nossa Carta Maior, demonstrando o caráter eminentemente federativo da Constituição da República Federativa de 1988.

Percebe-se, ante todo o exposto, a nítida influência do modelo federativo norte-americano na formação e desenvolvimento do modelo brasileiro. Pôde ser observado que ambas as constituições trouxeram em seu texto o conceito de federação, sendo que a presente Carta procura não somente expor essa ideia, mas também cria mecanismos para torna-la efetiva, além de elevar a Forma Federativa ao status de cláusula pétrea, como demonstra o §4º do artigo 60 de nossa Constituição vigente.

5. A Construção do federalismo da República Velha ao novo federalismo de 1988: semelhanças e diferenças.

Assim como já construído anteriormente, o Estado Federal, teoricamente, apareceu com a Constituição dos Estados Unidos de 1787. Antes disso pouco se falava em federalismo, apenas ocorriam algumas manifestações embrionárias durante a Idade Média, na Inglaterra, Suíça e na Itália (BARROSO, 1982, p. 07). A Constituição Americana adveio como uma substituição dos Articles of Confederation, os quais surgiram por “necessidade de união das treze ex-colônias que se libertaram da dominação inglesa, mas que, ainda fracamente estruturadas como Estados independentes, tinham um adversário em comum” (BARROSO, 1982, p. 08).

Hoje, pode-se dizer que a federação norte-americana é muito diferente do modelo idealizado pelos seus criadores. As antigas ideias federalistas baseadas nas concepções autonomistas de caráter territorial do séc. XVIII, são agora, apenas reminiscências históricas. A edificação constitucional que criou o federalismo norte-americano, transformou-se no que na atualidade os autores denominam de ‘um novo federalismo’. Houve equilíbrio do poder absorvente do Estado com as imprescritíveis necessidades da liberdade humana. Novas incumbências foram designadas ao Estado Federal, redefinindo irreversivelmente sua função (FERRERI, 1995, p. 20).

Mesmo com um processo mais lento de federalização no Estado brasileiro, o mesmo foi inserido no Brasil em 1889 com a proclamação da República, o qual, segundo Mendes e Gall, constituiu “uma frágil e dinâmica forma de cooperação política para divisão de poder e responsabilidade entre União, estados e municípios. Cada uma das esferas de governo tem os seus próprios órgãos governamentais”. Inicialmente, a autonomia dos Estados, conquistada em 1891, não se ampliava aos municípios (FERRERI, 1995, p. 28).

A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL de 1890, tem uma formação ampla e genérica, em seu artigo 6º define uma das principais características da Federação, a não intervenção, proporcionando limites e mecanismos de autonomia de entes federados. Dentre os artigos 7º e 8º verifica-se

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competências da União, um rol minimalista e característico de ato exemplificativo, destacando maior discricionariedade do Ente Estatal, apresentando vedações ao estado-membro. Já na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 há a determinação de um capítulo para cada ente federado, e o Capítulo II, do Título III da Constituição declara um extenso rol, com mais de 90 incisos, de competências e de limites dados à atuação do Poder Executivo Federal, no exercício de sua função de Chefe de Governo, definindo e discriminando ponto a ponto o que pode ser tratado em âmbito de autonomia dos entes federados, é importante destacar que fundamentado na discricionariedade efetivada pelo Estado de Direito, ou seja, dentro do limite e da legalidade indispensável a sua atuação.

Sobre o pacto federativo, BOBBIO (1989, p. 481) explica que, o equilíbrio constitucional é essencial para manter a prioridade da Constituição, afirmando:

[...] a autonomia desse modelo se traduz no fato de que o poder de decidir concretamente, em caso de conflito, quais sejam os limites que as duas ordens de poderes soberanos não podem ultrapassar, não pertence nem ao poder central (como acontece no Estado unitário, onde as coletividades territoriais menores usufruem de uma autonomia delegada) nem aos Estados federados como acontece no sistema confederativo, que não limita a soberania absoluta dos Estados.

Ainda na análise de formação do pacto federativo o autor Dirley da Cunha Jr. explica que “O princípio federativo é princípio que consagra a forma de Estado Federal, estruturada a partir da união indissolúvel de mais de uma organização política, no mesmo espaço territorial do Estado, compartilhando de seu poder. ” Com isso procura-se demonstrar que para a construção federal, torna-se indispensável que a mesma seja fruto de organização entre vários entes, sem hierarquia, mas com grau de autonomia destacado em cada estrutura constitucional pertinente, assim afirmada pelo autor JUNIOR (2011, p. 874) que “O modo e a intensidade do exercício do poder pelas entidades federadas ou componentes do Estado Federal dependerão da estrutura da federação por cada Constituição. ”

Fatores comparativos demonstram que em pouco se assemelha a estrutura Constitucional da República Velha, com a nova República de 1988 que, muito debate e discussão histórica já houve sob sua construção e concepção, há um posicionamento corroborado de que a “República Velha” dava à União um status maximizado, trazendo distorções de poder e autonomia entre os demais entes federativos, assim configuração de um “federalismo hegemônico” e assimétrico, posto que a autonomia estadual não tem, na prática, a mesma “latitude” para todos os membros da federação. Ela depende das condições financeiras, militares e políticas de cada Estado, conforme KUGELMAS (1989, p. 95-102).

No entanto, novas tendências vêm discutindo o inverso de tais teorias, afirmando assim que os Estados detinham um poder não limitado pela forte expansão

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“agro cafeeira”, mas a atuação Constitucional em sua estrutura vem demonstrar que pode ser fortificada com a subjetividade de seus conteúdos, dando aos entes status de órgão autônomo, podendo assim exercer sua característica de máxima grandeza na estrutura federativa. Além disso, os teóricos constitucionalistas e no manto da ciência política, já iniciam afirmações a respeito do grande poder de barganha de todos os estados, em igualdade, sobre a estrutura federal, a União, com capacidade e diálogos próprios da realidade federal.

Assim, a esfera de atuação da União na primeira República brasileira se perfaz em etapas de amadurecimento e construção de uma estrutura de Estado sedimentada, desde o seu início em trocas, em busca de favorecimento deste ou daquele Estado federado, estando todos em um mesmo nível de barganha e, também, preterimento. O fato estrutural federativo, que possibilitou o pacto federativo, veio sendo experimentado ao longo de seu experimento cotidiano, na contemporaneidade verificamos que a realidade brasileira, nada mais é do que um constituto formado por várias estruturas estatais, que deram ou não certo, propiciadas por abertura de novas formações constitucionais e, pelo crescimento dos interesses do Estado membro sobre a União.

Finalmente, a formação federativa cooperativa também se baseia nesta relação de interesse existente, tudo formalizado pelas realidades estruturais do início republicano, que viabilizaram uma formação construída na relação parceira entre os entes federativos, em seu crescimento e programas conjuntos.

6. Considerações Finais

A proposta de análise aqui estabelecida foi uma breve passagem da formação de um dos sistemas mais importantes de organização do Estado, especialmente no caso do Brasil, qual seja a federação.

Sendo fundamental falar um pouco da velha República brasileira, para compreender o grau de atingimento e viabilidade da forma de Estado.

Desta feita, o foco desta breve análise foi determinar alguns apontamentos, em discussão, que não inovadores para compreensão da forma em que o Estado brasileiro vem sendo dirigido e construído ao longo dos séculos, ainda mais fundamental para se entender os mecanismos de construção políticos governamentais, que hoje em pleno burburinho sistemático, levanta debates enfurecidos de gestores do senso crítico e do senso comum mais respeitados, confundindo não somente os governados, mas os próprios governantes sobre a maneira que até o momento vinha sendo conduzida toda a forma de Estado existente.

Finalmente, sem desejo de produção de conclusões definitivas, pois neste caso torna-se impossível por fatores históricos em formação, mas uma forma de se

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rever a estrutura estatal e suas novas organizações seria perpassar por seus conceitos formadores, forma de Estado, forma de governo, sistema de governo e regimento de governo, talvez assim seja possível produzir novas realidades e não replicar velhas estruturas.

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BARROSO, Luis Roberto. Direito Constitucional Brasileiro: o problema da federação. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1982.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1989.

JUNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. Editora JusPODIVM, 2011.

GADELHA, Gustavo de Paiva. Isenção Tributária - Crise de Paradigma do Federalismo Fiscal Cooperativo, Curitiba: Juruá, 2010.

KUGELMAS, E.; SALLUM JÚNIOR, B. & GRAEFF, E. Conflito federativo e transição política. v. 3, n. 3. São Paulo em Perspectiva, 1989.

WACHOWICZ, Marcos. Poder Constituinte e Transição Constitucional - Perspectiva Histórico-Constitucional. 2 ed. Revista e Atualizada. Curitiba: Juruá, 2008.