A Perícia Médico-Legal e o Dano Dor

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J. Coelho dos Santos Perícia Médico-Legal e oDano Dor 1 A reparação civil do dano corporal "Reflexão jurídica sobre a perícia médico-legal e o dano dor" * J. Coelho dos Santos ** * Artigo públicado na Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano II, N.º 4, pp. 73- 90, Maio de 1994. ** Advogado. Pós-graduado em Medicina Legal pelo Instituto de Medicina Legal de Lisboa. Sócio Efectivo da Associação Portuguesa De Avaliação do Dano Corporal.

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J. Coelho dos Santos trata da reparação do dano dor no âmbito da reparação civil do dano corporal no direito civil português. O artigo evolui em torno de três vectores: os diferentes danos corporais, a perícia médico-legal e a jurisprudência portuguesa.

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J. Coelho dos Santos Perícia Médico-Legal e oDano Dor

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A reparação civil do dano corporal

"Reflexão jurídica sobre a perícia médico-legal e o dano dor"∗∗∗∗

J. Coelho dos Santos∗∗∗∗∗∗∗∗

∗ Artigo públicado na Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano II, N.º 4, pp. 73- 90, Maio de 1994. ∗∗ Advogado. Pós-graduado em Medicina Legal pelo Instituto de Medicina Legal de Lisboa. Sócio Efectivo da Associação Portuguesa De Avaliação do Dano Corporal.

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Introdução A temática que nos ocupa mais não será do que beliscada nalgumas questões

que, por razões de ordem prática, entendemos serem agora de maior interesse discutir

no seio da APADAC1. Não podemos, no entanto, deixar de alertar para o que, no

nosso entendimento, seria um verdadeiro estudo sobre o dano dor.

Uma análise profunda sobre este dano implicaria que se procedesse ao estudo

dos danos não patrimoniais, numa vertente actual e histórica e, nesta última

perspectiva, haveria que recuar até data anterior ao Código Civil de 1966, porquanto

já antes deste e, ainda que sem esgotar o conceito, sob a designação de "danos

morais", se tomava em consideração a dor como dano emergente de lesão geradora de

responsabilidade civil. Não ficaria, ainda assim, completo este estudo se não se

tivesse em conta a evolução que as mesmas figuras ou símiles tiveram no direito

comparado.

Na doutrina portuguesa existem numerosos estudos sobre os danos não

patrimoniais, da autoria dos mais ilustres civilistas portugueses. Ainda assim, e ao

invés do que ocorre nos demais países europeus e nos EUA, sobre o estudo

particularizado dos danos não patrimoniais resultantes de lesão corporal com

incidência sobre o físico, o psíquico e a qualidade de vida da pessoa, escasseiam as

monografias.

Muito embora se encontre numerosa jurisprudência no âmbito da

indemnização por danos não patrimoniais e, diga-se em abono da verdade, tenha sido

através desta que se tem recebido e integrado de forma explícita, na cultura jurídica

portuguesa, algumas "novidades" relativas ao dano corporal2, não pode atribuir-se à

jurisprudência o papel de relevo que noutros países tem tido3.

A jurisprudência tem tido uma actuação manifestamente positiva, recebendo e

integrando o impulso inovatório do perito médico-legal, concretizado, especialmente,

através do seu principal instrumento de intervenção judicial: o relatório pericial. Não

tem, quanto a nós, relativamente aos novos conceitos médico-legais e métodos

periciais, efectuado a reflexão crítica que lhe competia, .

1. O texto que se publica corresponde, no essencial, à comunicação proferida na sessão científica da Associação, de 27 de Novembro de 1993, subordinada ao tema "O dano dor". O assunto que nos ocupou mereceria, não fora a míngua de tempo, um maior desenvolvimento e, especialmente, a junção de notas bibliográficas e jurisprudênciais. 2. O conceito de "dano corporal" tem um âmbito mais abrangente do que a literaliedade da expressão poderá fazer crer, englobando todo o dano físico e psíquico. A preferência desta designação à de "dano pessoal", comum noutros países, prende-se com a tradição jurídica portuguesa, sendo que as duas expressões, tomadas na acepção exposta, se identificam. 3. Exemplarmente na França, Reino Unido, Alemanha, Itália e, muito especialmente, nos EUA.

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Entre nós, surpreendentemente, a crítica, a dúvida, a promoção do

diálogo/discussão, da metodologia e dos conceitos médico-legais, no âmbito da

reparação das lesões corporais em direito civil surge, fundamentalmente, no seio da

própria medicina legal4.

O presente artigo situa-se nesse espaço de inter-conexão médico e jurídico que

se designa de medicina legal. É neste âmbito que, ultrapassando um imenso conjunto

de questões pressupostas à análise do dano corporal e, especificamente, do dano dor,

se procurará tratar os aspectos deste último relacionados com a prática dos peritos e a

análise judicial5 do relatório pericial, com vista à valorização médico-legal do dano

corporal em direito civil.

Na sequência desta introdução, delinear-se-à, em traços gerais, o regime

jurídico da responsabilidade civil por danos não patrimoniais e a consequente

obrigação de indemnizar.

Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem,

fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação, devendo

o montante indemnizatório corresponder aos danos causados. Esta é a regra geral

aplicável, independentemente da natureza do dano ser patrimonial ou não

patrimonial.

O ressarcimento dos danos não patrimoniais importa, em regra, a inaptidão

parcial ou total do princípio da reconstituição natural, por impossibilidade de

aplicação, devido à própria natureza dos danos.

Na impossibilidade de reconstituir a situação anterior à lesão ou, quando a

reconstituição natural não repara integralmente os danos (art. 566.º, n.º 1, 1.ª e 2.ª

proposição6), fixa-se uma indemnização em dinheiro, tomando como medida a

diferença entre a situação do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo

tribunal e a que teria se não existissem danos (art. 566.º, n.º 2).

4. É, neste contexto, que se devem louvar os esforços da APADC, ao promover reuniões entre médicos e juristas, contribuindo para o desenvolvimento duma linguagem comum e do estudo de questões da medicina legal. Aqui, cumpre destacar o trabalho do Instituto de Medicina Legal de Coimbra e a pessoa do seu actual Director o Prof. Doutor Oliveira Sá que, com o prestimoso contributo da Faculdade Direito de Coimbra, iniciaram, em Portugal, a formação específica nesta área e criaram a APADC, dando um empurrão que, se espera, seja decisivo na investigação científica das questões relativas à valorização médico-legal do dano em direito civil. 5. Afirma-se análise judicial sem se esquecer que muitos dos processos não chegarão ao contencioso, sendo regulados entre os intervenientes: lesado, lesante e seguradora. A avaliação do dano deverá fazer-se sempre com vista à situação extrema das partes não acordarem extra-judicialmente qual a compensação devida, tanto mais que, quando no processo intervem o segurador, este tenderá a analisar de forma técnico-jurídica (como se de uma acção em tribunal se tratasse) os elementos reunidos, com vista a aceitar ou fazer uma proposta de acordo. 6. Todas as disposições legais indicadas no texto, sem expressa referência ao diploma, pertencem ao Código Civil de 1966.

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Ora, integrando o dano dor um prejuízo insusceptível de avaliação pecuniária,

resulta infrutífera qualquer tentativa de quantificação exacta da divída de valor,

cabendo ao Tribunal fixar equitativamente7 o montante indemnizatório.

Quando não se pode determinar o valor exacto dos danos (patrimoniais ou não

patrimoniais), o Tribunal julga equitativamente, dentro dos limites que tiver por

provados8.

A indemnização pelo dano dor consiste numa compensação de natureza

económica pelos sofrimentos físicos e psíquicos, mais ou menos intensos, que

acompanham a lesão corporal. Sendo que o pretium doloris não é, em bom rigor, uma

indemnização, antes sim, uma compensação/satisfação pelos danos, visando

proporcionar certa margem de bem-estar tendente a fazer esquecer ou minorar os

padecimentos provocados pela lesão.

1. O conceito de dor

A primeira questão que se coloca àqueles que têm de intervir no processo de

avaliação, com vista à reparação da dor, é o de delimitarem o seu conceito.

Para o direito português, os danos indemnizáveis reconduzem-se a duas

grandes categorias: patrimoniais e não patrimoniais. É, nesta última, como sabemos,

que são considerados todos os danos insusceptíveis de avaliação pecuniária que

possam afectar a pessoa humana. Neste conjunto, estão integrados não só os danos

corporais como os danos morais, num sentido estrito e próprio (o direito à honra, ao

bom nome, etc.).

A distinção dentro dos danos não patrimoniais com incidência corporal não

encontra expressão legal, mas tem larga tradição entre a doutrina e jurisprudência

portuguesa. Originariamente, o dano não patrimonial corporal reconduzia-se

exclusivamente ao dano dor. Este, uma vez reconhecido como fundamento

indemnizatório, tem visto o seu âmbito, ora alargado, ora reduzido, ora diferenciado,

surgindo novos danos de natureza não patrimonial, por referência à lesão corporal,

anteriormente integrados no dano dor na sua configuração mais lata.

Numa perspectiva actual, como aproximação à enunciação de um conceito que

não encontra no âmbito médico, ao que se sabe, definição rigorosa e pacificamente

aceite, surge como consensual na literatura médica a apresentação da dor como uma

7. No caso dos danos não patrimoniais, a fixação do montante, segundo um juízo de equidade, importa a possível redução do valor considerado adequado à satisfação da pretensão indemnizatória, por efeito da ponderação das circunstâncias do art. 494.º, independentemente da responsabilidade se fundar em mera culpa ou dolo do lesante. 8. O julgamento, segundo critérios de equidade, é a regra para os danos não patrimoniais - art. 496.º, n.º 3 - que, pela sua própria natureza, são insusceptíveis de avaliação pecuniária; já quanto aos danos patrimoniais, o juízo de equidade opera quando não se possa averiguar do seu exacto valor - art. 566.º, n.º 3 - e, quando a responsabilidade se fundar em mera culpa - art. 494.º.

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"experiência subjectiva resultante da actividade cerebral como resposta a

traumatismos físicos e/ou psiquícos"9. A enunciação proposta que, pela sua

abrangência, perde o favor daqueles que procuram nos conceitos o rigor da

identificação dum género da espécie não pode, quanto a nós, deixar de ser referida

como pedra de toque para a aceitação dos seus elementos nucleares, ou seja, a dor

física e a dor psicológica10.

Esta distinção é a resultante dum processo omnicompreensivo do fenómeno

humano do padecimento, onde a construção do conceito de dor não se esgota no

conjunto de sensações físicas resultantes da ofensa da integridade física. Os

subjectivos dolorosos terão, ainda, como causa tipo, qualquer ofensa psíquica, sem

compromisso da componente física da pessoa. Esta "dor psicológica" traduzir-se-à,

exclusivamente, numa alteração psíquica em reacção a uma qualquer ofensa externa

(sem compromisso do físico) provocada por terceiro. Compartimentação que

pressupõe, se esclareça, que a dor resultante da ofensa física tem, necessariamente,

uma componente psicológica reflexa indissociável: a reacção emotiva individual, que

pode ser explicitada como o medo sentido aquando da ofensa da integridade física da

vítima ou, o medo e a incerteza que a acompanha durante todo processo de

recuperação e, ainda, o temor das consequências permanentes da ofensa.

Na sequência do exposto, é curial aceitar que a dor física estará acompanhada

de uma dor psicológica reflexa. Esta última, mais não será que o sofrimento

complementar resultante do conhecimento e consciência da dor que a agressão à

integridade física provoca, bem como da necessária sujeição a determinados

tratamentos e a antevisão dum futuro com capacidades funcionais e, ou, psíquicas

diminuídas. Já a ofensa externa, sem compromisso físico, com prejuízo para o

equilíbrio psicológico, apresenta-se com plena autonomia em relação àquela outra.

A dor física afere-se pelas consequências normais da lesão (relativa ao órgão

ou parte do corpo afectado, intervenções cirúrgicas e tratamentos efectuados,

internamentos, medicamentos prescritos e demais impedimentos penosos decorren-

tes).

Por outro lado, a dor psicológica é consequência de fenómenos que,

globalmente, se podem enunciar como de alteração psíquica que, não tendo na sua

génese um "mal orgânico" é, por vezes, de impossível materialização pelos meios

complementares de diagnóstico. A determinação da existência e grau deste tipo de

dor é mais complexa, pois não tem por suporte uma manifestação física da lesão,

9. A presente definição não abrange a dor resultante da doença natural que, agora, não nos preocupa pois, estamos a analisar a questão da ressarcibilidade dos danos provocados por acção de terceiro geradora de responsabilidade civil. 10. A dor psicológica aparece inúmeras vezes referenciada como "dor psíquica" e como "sofrimento". Usaremos com idêntico propósito e indiferenciadamente qualquer das designações.

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consubstanciando-se numa repercussão - independente ou reflexa da afectação do

corpo - ao nível do psíquismo.

Têm-se por certo que, em qualquer caso, seja de dor física e psíquica, seja

desta última de forma autónoma e exclusiva, aquele que as suporta evidenciará uma

afectação com repercussões físicas e psicológicas.

É através destes efeitos que se poderá fazer uma aproximação para determinar,

no concreto, a existência e a intensidade da dor. Há unanimidade em considerar que a

determinação da dor psicológica é de maior dificuldade, cabendo, quantas vezes, ao

perito, afirmar a sua existência, tomando por base a sua observação e convicção,

apoiado num único elemento objectivo: a medicamentação necessária para estabilizar

a vítima (também este susceptível de ser manipulado).

Em suma, o dano dor abarca a dor fisíca e a dor em sentido psicológico, a

primeira resultante dos ferimentos aquando da acção lesiva e das posteriores

intervenções cirúrgicas e tratamentos - tendentes à reconstituição natural da

integridade física da vítima na situação em que se encontrava antes da lesão pois,

idealmente, procura-se a cura, ou seja, impedir que a lesão corporal deixe sequelas

permanentes -, integrando a segunda um trauma psíquico consequente do facto

gerador da responsabilidade civil, quer resulte duma pura reacção emotiva individual

sem relação com qualquer ofensa física, quer seja um reflexo desta.

Temos que, dentro do explicitado, a dor consequente à lesão corporal pode ter

um carácter físico ou psicológico e, quanto à sua duração, pode o processo de

recuperação ter sido bem sucedido não deixando qualquer subjectivo doloroso ou este

subsistir com carácter de permanência.

O dano dor, abrangendo a dor física e psíquica, raramente é acompanhado,

aquando da elaboração dos relatórios, duma distinção e quantificação autónoma, facto

pelo qual a exposição relativa ao conceito importa, para retirar duas breves

conclusões:

1.ª Haverá uma identificação perfeita entre a dor e o dano dor, ou seja,

qualquer dor é relevante no âmbito da avaliação e reparação do dano em direito civil?

A esta questão respondemos afirmativamente. As diferenças entre os subjectivos

dolorosos sentidos e compensados têm exclusivamente a ver, não com o seu

reconhecimento ou relevância pelo e para o direito e, sim, com a relação causal: lesão

- dano (questão do nexo causal).

2.ª Haverá possibilidades de padronizar, conforme à acção lesiva, o tipo e

intensidade de dores sentidas pela vítima? A esta questão respondemos

negativamente. A dor, nas suas componentes física e psicológica, será diferente em

cada pessoa pois, enquanto experiência sensorial, depende dum conjunto de factos e

circunstâncias endógenos e exógenos irrepetíveis. Tomando por referência a regra da

integral reparação do dano, deve a avaliação da dor ser individualizada e não

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"pretensamente" padronizada, afastando-se, posteriormente, aquando da

compensação, a ponderação dos efeitos não adequados (estando-se, novamente,

perante a problemática da causalidade).

2. O dano dor

Não importa para o direito civil se o dano dor é temporário ou permanente, é

presente ou futuro. Antes, é de interesse determinar quais os danos consequentes à

lesão corporal que, no desenvolvimento provável do processo causal, dela teriam

resultado. Neste contexto, seguiremos, analisando duas das questões mais

controversas: o dano dor como dano permanente e como dano temporário.

3 A dor como dano temporário

O quantum doloris, na prática comum da medicina legal portuguesa, é

avaliado no período que medeia entre a acção lesiva e o momento em que, segundo os

conhecimentos médicos do momento, se entende não poder ser melhorado o estado da

vítima, ainda que não tenha sido obtida a cura. É, segundo este critério, que se fixa a

data da consolidação11.

Neste período procura determinar-se quais as dores sofridas por causa directa e

indirecta do acto lesivo, podendo as primeiras serem identificadas com o concreto

modo como a ofensa à integridade psicofísica se processou, o tempo que mediou até à

chegada do auxílio médico, o transporte para unidade de saúde, as lesões (apreciada a

sua sede, extensão e gravidade) e, as indirectas, resultantes das acções médicas

(cirúrgias, tratamentos, exames, medicamentação, internamentos, imobilizações, ...).

Com base nos elementos recolhidos juntos ao processo - fundamentalmente

documentos médicos - e nos exames do lesado, elaborará o perito o seu parecer, onde

decidirá da existência de dores, sua natureza (física ou psicológica), as quantificará e

estimará na duração.

Do exposto, surgem dois aspectos a debater: o primeiro reporta-se ao próprio

conceito de data de consolidação; o segundo, prende-se com o conhecimento de que

os relatórios periciais usam apresentar uma única valoração do quantum doloris para

todo o período em apreço, como que ficcionando uma vítima sentindo dores

constantes de intensidade constante.

A fixação duma data de consolidação procura reflectir o momento em que as

afectações físicas e psiquícas do lesado perdem o seu carácter temporário e, se

11. Tomando a ideia de consolidação como o momento a partir do qual a medicina nada mais pode fazer para melhorar a situação da vítima, tem sido considerado que, até esta data, os danos revestem a natureza de temporários e, a partir daí, os remanescentes, revestem a carácter de permanentes.

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remanescerem sequelas, lhes é reconhecido o carácter de permanentes. Se esta ideia é,

grosso modo, verdadeira e correcta, não se pode ter por absolutamente rigorosa pois,

efeitos temporários há que não obstaculizam à fixação da data de consolidação.

Exemplarmente, referiremos intervenções cirúrgicas que têm de ser efectuadas depois

de um longo período de tempo, não alterando, a não ser no período imediato de

convalescença, a capacidade geral da pessoa ou, noutra situação, a necessária

adaptação a novas próteses resultante do crescimento da vítima (lembrem-se os

jovens acidentados).

Esta reflexão deixa no ar a certeza de existirem dores, enquadravéis como

dano temporário, causadas pela lesão corporal geradora da responsabilidade civil e

que se situam para além da data de consolidação ou mesmo para além da decisão

judicial ou do acordo extra-judicial regulador do sinistro.

No que concerne à atribuição dum único grau da dor para todo o período de

incapacidade temporária, mais não se tem que uma espécie de média ponderada das

diversas dores sofridas durante determinado período - quantas vezes extenso -,

efectuada pelo perito de forma equitativa, de acordo com os seus conhecimentos e

prática para arbitrar um quantum de algo que não pode ser apresentado como uma

medida certa. Esta prática, seguida por inúmeros países da europa, não nos

oferecendo elementos concretos, tal como a intensidade da dor em determinados

períodos (ora superior, ora inferior ao valor apontado no relatório), não pode ser

considerada conforme ao estabelecido no direito português, o qual determina que a

fixação da indemnização tome por base os danos reais.

Pela dificuldade em determinar a duração exacta desses períodos, pela falta de

um método objectivo de valoração do quantum da dor12, é de aceitar que o resultado

final seja expresso como uma conclusão pericial reportada a um determinado lapso de

tempo, já feitas as extrapolações médico-legais adequadas para que, na conclusão do

relatório, sejam considerados todos os circunstâncialismos. Tanto mais que, ao

tempero do especialista médico, surgirá o tempero judicial, com uma decisão

equitativa ou o acordo das partes. Admitida esta prática, entende-se que, com o

evoluir da comunicação entre os serviços médicos, judiciais e médico-legais, a

tendência deva ser para passar a determinar vários valores para a dor sentida e o

respectivo período a que se reportam. Entretanto, casos de excepcional relevo devem

merecer do perito, senão uma qualificação extraordinária, pelo menos uma referência

especial.

12. A título de exemplo, refere-se uma das técnicas do cálculo da compensação a atribuir pelo dano dor, concebida e utilizada nos EUA, designada de «per diem argument» que se reconduz, numa explicitação sumária, à multiplicação das horas de dor por um valor unitário (que variará consoante a intensidade da dor), com vista à determinação duma quantia "certa". Técnica que, tal como todas as outras que se conhecem, acaba por ter um momento de subjectivismo: a determinação da taxa hora de dor versus valor atribuído.

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Por último, cabe fazer uma referência à dor como elemento determinante da

data de consolidação. À semelhança dos outros danos, também a dor deve ser tomada

em conta para a fixação da data de consolidação podendo, no extremo, estar

unicamente dependente da cura da dor temporária, a determinação da data a partir da

qual se ponderarão os efeitos permanentes da lesão.

4. A dor como dano permanente

A actividade médico-legal portuguesa usa apresentar, no rol dos danos não

patrimoniais de carácter permanente, a incapacidade permanente, o dano estético e o

prejuízo de afirmação pessoal, não considerando o dano dor como passível de integrar

um dano autónomo distinto daqueles outros.

Importa, por isso, na nossa investigação, determinar quais os elementos

distintivos dos quatro tipos de danos não patrimoniais acima enunciados para que, da

distinção, se evidencie a sua autonomia e se possa, consequentemente, averiguar se os

subjectivos dolorosos são completamente cobertos ou se, alternativamente,

poderemos ter padecimentos não cobertos que justifiquem a ponderação destes como

dano permanente.

Assim, antes de defendermos o nosso ponto de vista, será necessário esclarecer

o que entendemos por dano permanente. Este tipo de dano não equivale, como é

comum afirmar-se, à certeza de ser um dano que acompanhará o lesado de forma

constante em cada segundo da sua vida, antes correspondendo à ideia nuclear de dano

duradouro, ou seja, que não se prevê alteração da situação posterior à consolidação.

No entanto, esta situação pode ser caracterizada por momentos em que a dor estará

presente e, por outros, em que o padecimento não se fará sentir.

O dano permanente, na sequência do entendimento exposto, pode ser

presente, presente com agravamento futuro ou exclusivamente futuro - enquanto dano

novo previsível -, podendo ainda manifestar-se de forma ocasional, desde que se

considere que as manifestações dolorosas, ainda que episódicas, são crónicas, isto é,

duradouras, ou, nos termos da lei, permanentes.

De seguida, distinguiremos o dano dor da incapacidade permanente, do dano

estético e do prejuízo de afirmação pessoal13.

4.1 A incapacidade permanente e o dano dor

13. Não cuidando o presente trabalho destes danos expôr-se-à, em relação a cada um, o essencial para firmar ou infirmar a distinção que se procura.

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Cabe aqui considerar se, após a consolidação, conforme é maioritariamente

aceite no seio da medicina legal e pela jurisprudência, a dor é sempre parte integrante

da incapacidade permanente, reflectindo-se na determinação do grau desta.

Esta posição pretende que um mesmo prejuízo não seja indemnizável como

causa e efeito, ou seja, procura-se que a incapacidade permanente decorrente duma

limitação funcional causada, por exemplo, pela acomodação devida aos subjectivos

dolorosos, não possa dar lugar à dupla qualificação da dor e, consequentemente,

sobrecompensar o dano.

Se a razão acima é, pontualmente, válida, não se deve efectuar uma

generalização apressada declarando sempre a sua procedência. Cabe aos peritos

médicos estudar e tomar posição quanto à existência de um efeito doloroso

permanente (sem rebate incapacitante), o que, a ser possível, implicará a revisão da

clássica posição que é a de não considerar a dor, de per si, como dano permanente.

É pacificamente admitido que a incapacidade permanente aprecia o rebate

funcional que a lesão provocou na vítima, não importando se a diminuição da

capacidade funcional do indivíduo é prejudicada por perda de um membro,

diminuição da mobilidade duma qualquer articulação, ou pelos movimentos

"proibidos" por força da dor subjacente. Ou seja, quando a dor, autónoma ou

conjuntamente com a diminuição física, tem um rebate funcional, é ponderada como

uma incapacidade permanente14.

Decidir se existirá dor crónica sem rebate funcional que deva ser ressarcida é

tarefa eminentemente médica, no particular dependente de cada caso e, em tese geral,

dependente da evolução da ciência médica, cumprindo, quanto a nós, afirmar que não

se pode ter por certo a impossibilidade desta situação tipo.

A ser reconhecida a existência de uma dor crónica que não seja ponderada

como implicando uma incapacidade permanente, exige-se ao perito a sua expressa

indicação no relatório, descrevendo os seus elementos tipo: natureza e intensidade.

4.2 O dano estético, o prejuízo de afirmação pessoal e o dano dor

Vem sendo discutido se o dano estético e o prejuízo de afirmação pessoal (ou

alegria de viver), enquanto sofrimento - dor psicológica -, por a pessoa se ver

prejudicada nas suas relações sociais ou no disfrutar da vida, devem (ou não) ser

integrados no dano dor. A lei, como já se viu, é aberta ao ressarcimento de qualquer

dano e não se perde em considerações doutrinais, pelo que, a tipologia encontrada

pela doutrina e jurisprudência, tem um valor eminentemente organizativo, ou seja,

14. Atente-se que cuidamos unicamente dos aspectos não patrimoniais. Assim, a incapacidade permanente a que nos referimos é a incapacidade permanente de carácter anátomo-funcional geral, excluídos os seus aspectos económicos que, em especial, se reconduzem na incapacidade permanente para o trabalho.

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esquematiza os danos enquadrando-os numa figura-tipo, cuja caracterização é

comummente aceite pela comunidade científica (ao caso que nos importa, a

comunidade é interdisciplinar médica e jurídica). Defende-se que a tipificação de

determinados danos reflecte a ideia de que, na sua origem, estão circunstâncias

concretas que, pelo seu valor e pela sua autonomia face a outros efeitos integráveis na

mesma categoria - de sofrimentos -, merecem um referencial próprio. Esta distinção

ganha força se estudarmos os efeitos e os factores de avaliação dum e doutro conjunto

de dores psicológicas que, reconhecidos e ressarcidos nos termos da mesma

legislação, são concretizados por parâmetros diferentes.

Em termos genéricos, pode afirmar-se que o dano estético representado por

uma alteração morfológica do indivíduo, que se traduz numa diminuição da sua

integridade fisíca importa, por isso, uma dupla lesão de interesses (de ordem material

e espiritual ou, se se quiser, psicológica). Temos, por um lado, a deformidade e, por

outro, a dor sentida pela sua existência. É este complexo, a nosso ver indissociável,

que se classifica de dano estético e a que se reconhece o direito de indemnização.

Quanto ao prejuízo de afirmação pessoal, que aspira ser a figura onde se

específica e quantífica o sofrimento resultante da limitação na realização da pessoa no

meio familiar, social e cultural em que se insere, consubstancia o reconhecimento e

valoração da impossibilidade de prosseguir com a integração sócio-comunitária

tendente à realização pessoal do ofendido. Usa englobar-se neste o dano juvenil que,

para além do acima exposto, procura quantificar, para a consequente satisfação, o

prejuízo potencial dum jovem que, antes de atingir a maturidade física e psíquica, vê

o seu universo brutalmente restringido, não podendo aspirar a ser um ser completo e

perfeitamente integrado (direito a brincar, a escolher, a sonhar, ...).

Tendo já referido que a dor psicológica se integra no âmbito do dano dor a

ressarcir, importa pesquisar quais os aspectos distintivos entre aquele sofrimento e o

sentido por força da deformidade ou da perda da alegria de viver. Não é no facto do

primeiro ser classicamente considerado temporário e os demais serem por natureza

permanentes que radica a causa da distinção tipológica.

Antes cremos que o dano dor integra uma dor física e, ou, psicológica com

rebate pessoal; ao invés, a dor psicológica pelo prejuízo estético ou de afirmação

pessoal, consubstancia-se num rebate social: a repulsa física e a impossibilidade de

pleno gozo da vida ou da normal integração social.

A autonomização do dano estético e do prejuízo de afirmação pessoal do dano

dor surge com o entendimento legal de que a vítima deve ter consciência da dor para

que tenha direito à correspondente indemnização pela dano causado.

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Muito embora a ciência médica não seja hoje consensual na afirmação de que

o paciente que se encontra inconsciente15 não sofre, ou seja, não tem dores é, ainda

assim, a posição que mais adeptos recolhe e, nesta sequência, entende-se que a vítima

que está inconsciente não sofre qualquer padecimento, excluindo-se o pagamento da

dor.

A integridade psicofísica do ser humano, independentemente da consciência

que a vítima tenha da sua lesão, não pode deixar de ser considerada como direito

fundamental da pessoa humana. É, neste contexto, que surge o dano estético e o

prejuízo de afirmação pessoal, como danos específicos separados do dano dor.

Conclusivamente, poder-se-à afirmar que, enquanto que o dano dor contém

aquele conjunto de prejuízos não patrimoniais apreciáveis de forma exclusivamente

subjectiva, o dano estético e o prejuízo de afirmação pessoal estão especialmente

destinados a cobrir os prejuízos não patrimoniais permanentes - excluídos os

relacionados com a incapacidade permanente - que podem ser apreciados

objectivamente.

Assume-se assim uma concepção objectiva destes danos.

Entende-se ser este o fundamento distintivo do dano dor em relação aos

demais danos enunciados o que, consequentemente, implica a eleição de diferentes

parâmetros de apreciação.

5. A questão do dano futuro

Não podemos esquecer que o dano não patrimonial permanente pode ser

presente ou futuro, surgindo de novo ou, pura e simplesmente, variando a sua

gravidade.

O quadro legal em que se funda a responsabilidade civil e o consequente dever

de indemnizar não distingue, quanto à natureza dos danos a ressarcir (a não ser nos

termos já indicados na distinção danos patrimoniais versus danos não patrimoniais),

desconsiderando, em absoluto, o carácter permanente ou temporário, presente ou

futuro do dano, cumprindo apreciar e compensar a dor.

O regime jurídico aplicável só impõe que o dano futuro seja previsível,

concluindo-se que nada aponta para o afastamento da obrigação de indemnizar

determinados danos pelo seu carácter futuro.

O n.º 2 do art. 564.º, sem distinguir entre danos patrimoniais e não

patrimoniais, permite que, na fixação da indemnização, se atenda aos danos futuros,

desde que sejam previsíveis.

15. Consciência e inconsciência poderão ser genericamente definidos como termos opostos duma situação que - no limite - se refere a um estado psíquico dum ser humano que tenha ou não conhecimento da sua própria existência e do mundo que o rodeia e, ou, que reaja ou não a estímulos externos.

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Na sequência da postura da lei, deve o perito tomar posição quanto à

existência previsível de danos futuros e, no que agora nos importa, determinar a

duração e graduação provável da dor ou, declarar a impossibilidade de antever as

características da dor futura, abrindo assim ao tribunal a possibilidade de, julgando

sempre com equidade, atribuir compensação à vítima em posterior acção judicial. Na

jurisprudência pesquisada, sempre que se discutiu esta questão - uma vez entendido

existir um dano futuro16 -, é arbitrada uma indemnização ou, quando ao momento não

é possível determinar os elementos minímos para fixar equitativamente o seu

montante, é a sua fixação relegada para ulterior decisão judicial.

A alegada dificuldade na determinação do dano futuro não pode servir de

argumento pois, duma maneira geral, todos os danos futuros serão de difícil

ponderação. No caso dos danos não patrimoniais, sendo maior a dificuldade é, a

mesma, temperada, em qualquer circunstância, por um juízo de equidade na fixação

da indemnização devida.

Ao abordarmos agora a questão dos danos corporais permanentes e futuros,

não impede que se abra um parênteses para afirmar que o mesmo regime se aplica aos

danos futuros de cáracter temporário que, como já vimos, aquando das considerações

sobre o conceito de consolidação, são comuns.

A determinação da natureza, duração e intensidade do dano futuro, far-se-à

com base nos elementos de facto e nos conhecimentos de situações similares,

ponderando a sua previsibilidade para determinar a sua futura existência.

6. A valorização médico-legal em direito civil

Enquadrada a questão que nos propomos tratar, abordar-se-ão as questões de

maior relevância para a determinação da existência do dano dor, da sua caracterização

e consequente determinação e fixação da correspondente indemnização.

6.1 O processo de decisão judicial

Já se viu que o dever de indemnizar, no caso dos danos não patrimoniais, passa

por duas operações do julgador, que podem levar a que este atribua (ou não)

determinada compensação: primeiro, reconhecendo a existência do dano, depois,

considerando se a sua gravidade merece a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1); uma vez

reconhecida a sua existência e a ressarcibilidade, pondera os elementos processuais

com vista à formação da sua convicção do que será o montante adequado para

16. Dispõe o art. 564.º, n.º 2, 1.ª parte que «na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis». Esta questão, no âmbito do dano corporal, pode definir-se como a probabilidade dos danos futuros consubstanciarem, face ao contexto factual e aos conhecimentos médicos actuais, o esperado e normal desenvolvimento - dentre os possíveis - de determinada situação clínica.

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compensar a dor, temperando o seu julgamento com a ponderação das circunstâncias

enunciadas no art. 494.º, independentemente da responsabilidade se fundar na mera

culpa do lesante.

Conforme se vê, o papel do julgador é difícil e encerra algo que podemos

definir de subjectivo, ao fixar uma indemnização em dinheiro para compensar de

danos sem equivalente económico. Esta subjectividade aumenta porque, para proferir

decisão, o julgador recorre aos elementos integrados no processo de que se destaca o

parecer médico-legal e, como nos afirma o Prof. Oliveira Sá, esta é uma valoração

"tipicamente subjectiva, ou duplamente subjectiva. Em primeiro lugar, é o próprio

dano em si que é intrinsecamente subjectivo; em segundo lugar, há o omnipresente

subjectivismo da apreciação pericial"17.

A determinação da existência do dano, a sua caracterização e graduação, é a

tarefa que se apresenta ao perito e que se concretiza com a elaboração do seu parecer,

onde deverá, sob pena de ter efectuado tarefa judicialmente inaproveitável, fazer

transparecer toda a operação lógico-científica.

A execução da perícia é o momento de maior importância para a obtenção do

resultado - a valorização médico-legal do dano -, consubstanciando o relatório o

elemento de maior importância para a apreciação desse mesmo resultado.

Apreciar o relatório é tarefa do Juiz. O exame deste passa pela verificação das

conclusões, da motivação, da descrição dos factos trazidos do processo ou

observados, do método científico empregue e do relato do desempenho pericial.

A falta de indicação do método, ou dos dados de facto base do raciocínio

lógico, tornam as conclusões insindicáveis e, enquanto tal, não é possível aceitar a

perícia. A exposição dos motivos deve ser clara e precisa mas, além de tudo, rigorosa,

pois uma conclusão não fundamentada passa a ser uma mera afirmação de natureza

subjectiva, logo desqualificada.

Quanto à intensidade, é prática nas peritagens a utilização duma escala de sete

graus18. Certo é que, a mera designação de um nível de dor como moderado ou

considerável, não é de qualquer ajuda para o julgador que tem por função graduar a

indemnização. O que realmente importa é a exposição da motivação que levou àquela

graduação. O enquadramento numa escala e a exposição dos motivos da graduação,

dão a informação necessária e relativamente segura para decidir qual a compensação

económica adequada.

É, neste quadro, que se entende da maior importância a tripla qualificação da

dor, pelo indicador númerico do quantum na escala de sete graus, pela

designação/caracterização do grau valor com a expressão correspondente -

17. In Clínica médico-legal da reparação do dano corporal em direito civil, pág. 89. 18. Escala de classificação do grau dos subjectivos dolorosos: 1. Muito ligeiro; 2. Ligeiro; 3. Moderado; 4. Médio; 5. Considerável; 6. Importante; 7. Muito importante.

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qualificativo que visa a tradução intrínseca e, em valor próprio, representativa, da

qualidade do dano real em causa - e, fundamentalmente, com a exposição dos

motivos que levaram àquela escolha.

A apreciação do grau de dor e sofrimento é difícil visto que, não existe

processo de medição. Assim, procuram-se índices subjectivos e objectivos de

controlo das suas manifestações. Por um lado, usa caracterizar-se a dor em função da

sua natureza (fisíca ou psíquica), intensidade, duração e frequência, apreciando-se,

para tanto, as características do lesado - sexo, idade, personalidade, nível cultural,

meio social e profissão - e, por outro lado, a natureza da ofensa, a medicamentação,

tratamentos, intervenções cirúrgicas e as situações penosas a que é sujeito o

ofendido19.

Parece, no entanto que, por força de algumas expressões frequentemente

repetidas pela jurisprudência e pela doutrina médica e jurídica, sintetizada na frase

inúmeras vezes citada do Prof. Antunes Varela "a gravidade do dano há-de medir-se

por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade

particularmente embotada ou especialmente requintada)"20, seria aconselhável, senão

mesmo imperioso, que se elaborasse tabela resultante dum consenso cientifíco

aplicável sistematicamente, sem qualquer ponderação concreta. Um pouco à

semelhança da tabela elaborada por autores franceses, passar-se-ía a graduar a dor,

resultante de uma determinada ofensa corporal, dentro dum limite minímo e máximo

tabularmente estabelecido.

Cremos que, quer a lei quer o autor citado, não têm este entendimento do que é

o padrão objectivo a ter em conta e do que é a inadmissibilidade dos factores

subjectivos, tanto mais que a apreciação deve ter sempre em conta as circunstâncias

concretas.

Como se afirmou acima, as sensações são indivíduais e irrepetíveis e, não

podendo existir nenhum padrão de avaliação da dor (psíquica e física), só o especial

conhecimento, experiência e imparcialidade dos peritos, utlizando método que

procura, através das manifestações objectivas da dor e da declaração - criticamente

avaliada - da vítima, a sua quantificação pode ser a base de ponderação da

indemnização a arbitrar. O montante indemnizatório a atribuir a este título será aquele

que o julgamento equitativo do Tribunal decidir, ponderadas as circunstâncias do art.

494.º, uma vez efectuada a prognose póstuma do que, para um qualquer ofendido,

seria a quantia tomada por adequada para equilibrar a dor e sofrimentos infligidos.

Resta, conclusivamente, enumerar os aspectos que consideramos essenciais no

procedimento do perito, aquando da avaliação do dano dor em direito civil.

19. Por exemplo, a necesidade de, durante longo período, o lesado ter de se manter imóvel, não poder falar, ter de dormir sentado. 20. In "Das Obrigações em Geral", Vol I, 2.ª Ed., pág. 486.

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6.2 EM SÍNTESE:

1. O perito relatará toda a qualidade de subjectivos dolorosas que verifique ou

preveja, independentemente da sua natureza temporária ou permanente, presente

ou futura.

2. O perito relatará a intensidade do quantum doloris efectivamente verificado (ou

previsto), independentemente deste resultar duma especial sensibilidade ou duma

predisposição patológica, acrescentando depois as considerações adequadas para

explicitar em que termos aquelas circunstâncias influiram na graduação da dor.

3. A declaração da superveniência de dano dor futuro ou, o agravamento futuro de

dano presente, não depende da determinação actual da sua intensidade e duração.

4. O perito fundamentará todas as conclusões, indicando os parâmetros de

avaliação e apresentando os vários índices (integração na escala númerica e

adjectiva) de valorização do dano dor, para permitir a plena compreensão do seu

processo lógico-científico de objectivação da qualidade e intensidade dos

"subjectivos doloroso" observados.

SUMÀRIO:

O presente artigo aborda a questão do dano dor no direito civil português,

confrontando a lei e a prática pericial com conceitos enraízados nesta última e aceites

pela jurisprudência.

O tratamento da questão passa pela abordagem do conceito de dor, sua distinção

e autonomização da incapacidade permanente, do dano estético e do prejuízo da

afirmação pessoal.

Defende-se que qualquer dor resultante do acto lesivo deve ser ressarcida,

independentemente do seu carácter temporário, presente ou futuro, ficando em aberto

a discussão da possível existência de dor crónica sem rebate funcional e distinta do

dano estético e do prejuízo de afirmação pessoal.

Analisa-se, finalmente, numa perspectiva judicial, os aspectos relevantes para a

prova da existência e avaliação da dor, com vista à consequente atribuição de

indemnização.

Palavras chave: Dano dor, incapacidade permanente, dano estético, prejuízo de

afirmação pessoal, dano futuro, dano presente, dano temporário, dano permanente.

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SOMMAIRE:

Le présent article aborde la question de la douleur comme dommage au droit

civil portugais en faisant la confrontation entre la loi et la pratique de l'expertise

laquelle nous apporte des concepts enracinés et acceptés par la jurisprudence.

Le traitement de cette question passe par l'abordage du concept de douleur aussi

bien que par sa distinction et autonomisation des concepts d'incapacité permanente,

de dommage esthétique et de préjudice d'agrément.

La défense de la théorie selon laquelle toute douleur résultante d'un act lésif doit

être recompensée quelque soit son caractere (temporaire, présent ou futur), est

pacifique; elle laisse pourtant en ouvert la discussion d'une possible existence de

douleur chronique déprouvue de conséquences fonctionnelles et différente du

dommage esthétique et du préjudice d'agrément.

On analise, finalement, dans une perspective judiciaire les aspectes les plus

importants pour évaluer et éprouver l'existence de douleur comme moyens décisifs

pour l'attribution d'indemnisation.

Mots Clés: Dommage douleur, incapacité permanente, préjudice esthétique, préjudice

d'agrément, dommage permanente et temporaire, dommage présent et futur.