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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – ProPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA POLÍTICA – CPCP PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP ÁREA DE CONCENTRAÇÃO – GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO: uma reavaliação das políticas existentes no sistema prisional FRANCIELI A. CORREA BIZATTO Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Roesler Co-Orientador: Prof. Dr. Julian Borba Itajaí [SC], julho de 2005.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – ProPPEC

CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA POLÍTICA – CPCP PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO – GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO:

uma reavaliação das políticas existentes no sistema prisional

FRANCIELI A. CORREA BIZATTO

Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Roesler

Co-Orientador: Prof. Dr. Julian Borba

Itajaí [SC], julho de 2005.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – ProPPEC

CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA POLÍTICA – CPCP PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO – GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO:

uma reavaliação das políticas existentes no sistema prisional Dissertação submetida à Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito final à obtenção de título de Mestre em Gestão de

Políticas Públicas

FRANCIELI A. CORREA BIZATTO

Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Roesler

Co-Orientador: Prof. Dr. Julian Borba

Itajaí [SC], julho de 2005.

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Dedicatória

Dedico o presente trabalho a todos aqueles

que estiveram ao meu lado nos momentos

difíceis, e não apenas nas horas boas.

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Agradecimentos

Agradeço a Deus e à minha Família todo o

apoio dispensado. Não podia deixar de citar

o meu eterno agradecimento a minha Mãe

Dona Elci Ligowski pelo apoio e incentivo e

ao meu sogro Dr. José Ildefonso Bizatto

pelas palavras de incentivo, apoio,

dedicação e compreensão prestados.

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"A descentralização social nada mais é do que a

expressão da ampliação das funções do Estado e a

devolução, à sociedade, do exercício de funções,

antes sob sua responsabilidade, que foram sendo

absorvidas pelo aparelho estatal".

Carlos Vasconcelos Domingues

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Esta Dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de

Mestre em Gestão de Políticas Públicas e aprovada, em sua versão final, pela

Coordenação do Programa de Mestrado em Gestão de Políticas Públicas –

PMGPP, da Universidade do Vale do Itajaí [PMGPP/ UNIVALI].

Profª. Drª. Cláudia Roesler

Orientadora

Prof. Dr. Julian Borba Coordenador do PMGPP

Apresentada perante a Comissão Avaliadora composta dos Professores:

Dr. Drª. Cláudia Roesler Orientadora e Presidente da Comissão

Dr. Julian Borba Membro titular da Comissão

Dr. Flávio Ramos Membro titular da Comissão

Dr. Raquel Fabiana Lopes Sparemberger

Membro titular da Comissão

Itajaí [SC], 18 de julho de 2005.

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DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total respon-

sabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, a Coordenação do Programa de

Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas - PMGPP, a

Comissão Avaliadora e a Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca

do mesmo.

Itajaí [SC], 18 de julho de 2005.

Francieli A. Correa Bizatto

Mestranda

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ROL DE CATEGORIAS

Apenado

Indiciado condenado em processo penal e que cumpre regularmente a sanção

aflitiva em estabelecimento penal1.

Egresso

Entende-se por egresso o detento ou recluso que, tendo cumprido a pena, ou por

outra causa legal, se retirou do estabelecimento penal.

Execução

É o poder de decidir o conflito entre o direito público subjetivo e os direitos

subjetivos concernentes à liberdade do cidadão2.

Execução Penal

É a atividade desenvolvida pelos órgãos judiciários para dar atenção à sanção,

que se realiza através dos processos de igual nome, mediante os meios

executórios de aplicações jurídicas e práticas nele contidas3.

Pena

Pena "é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de

uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na

diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos"4.

Pena Privativa de Liberdade

As penas privativas de liberdade são aquelas que afetam a jus libertatis do

condenado, através de seu enclausuramento em estabelecimento penal.

1 SOIBELMAN, Leib. Dicionário Geral de Direito. São Paulo: J. Bushatsky. 1973, v. 2, p. 526. 2 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 30. 3 BENETI, Sidnei Agostinho. Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 43. 4 SOLER, Derecho penal argentino, Buenos Aires, Tipografia Editora Argentina, 1970, v. 2, p. 342.

Apud JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 21. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1, p. 517.

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Penitenciária

Presídio especial ao qual se recolhem os condenados às penas de detenção e

reclusão e onde o Estado, ao mesmo tempo que os submete à sanção das suas

leis punitivas, presta-lhes assistência e lhes ministra instrução primária, educação

moral e cívica e conhecimentos necessários a uma arte ou ofício à sua escolha, a

fim de que assim possam regenerar-se ou reabilitar-se para o convívio da

sociedade5.

Políticas Públicas

Política Pública é o processo de estabelecimento de princípios, prioridades e

diretrizes que organizam o conjunto de programas e serviços para uma

população6.

Reclusão

Regime prisional consistente na privação da liberdade pessoal do condenado por

tempo que varia segundo a natureza ou espécie da infração ou infrações que

cometeu7.

Regime Penitenciário

Regime Penitenciário relaciona-se ao local em que se dará o cumprimento da

sanção penal, bem como às regras a que ficará sujeito o apenado durante a

execução da pena privativa de liberdade. O regime Penitenciário, não poderá,

durante a execução, avançar para um regime menos rigoroso (passar do fechado

para o semi-aberto e deste para o regime aberto).

Ressocialização

Ato ou efeito de ressocializar, socializar-se novamente. Assistir o preso

psicológica e profissionalmente, para que possa voltar à sociedade como um

cidadão útil, após o cumprimento da pena8.

5 FELIPPE, Donaldo J. Dicionário Jurídico. 6. ed. Campinas: Julex Livros, 1991, p. 124. 6 Programa de Qualificação e Conselhos Estaduais de Trabalho (MTb/FLACSO, 1999). 7 SOIBELMAN, Leib. Dicionário Geral de Direito, p. 509. 8 XIMENES, Sérgio. Minidicionário Ediouro da Língua Portuguesa. 2. ed. reform. São Paulo: Ediouro, 2000, p. 815.

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SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................................ ix

ABSTRACT .........................................................................................................x

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................1

2 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A NECESSIDADE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE................................................... 6

2.1 BREVE HISTÓRICO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ........................6

2.2 A PENA DE PRISÃO NO BRASIL..................................................................11

2.3 TIPOS DE PENA E SUA FUNÇÃO.................................................................17

2.4 O EGRESSO: características, estigmas, preconceito e reincidências .....26

2.5.O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A CRISE FALENCIAL NA

RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO ............................................................ 33

2.6.A REALIDADE PRISIONAL: superlotação, precariedade e degradação

humana .......................................................................................................... 37

3 O ESTADO E A EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRA..................... 44

3.1 O ESTADO E SUA FUNÇÃO SOCIAL ...........................................................44

3.2 A LEI Nº 7.210/84: objetivos, filosofia e aplicabilidade social ...................47

3.3 OS REGIMES PENITENCIAIS DA LEI Nº 7.210/84 .......................................55

3.4 BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO PENAL NA PENA PRIVATIVA DE

LIBERDADE .........................................................................................................61

3.5 O FRACASSO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO NA

APLICAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE .................................. 66

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3.6 A NECESSIDADE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A

REINSERÇÃO SOCIAL ................................................................................. 69

4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE REINSERÇÃO SOCIAL DO APENADO EM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE .......................................... 75

4.1 ESTADO, NEOLIBERALISMO E O PROBLEMA DA EXCLUSÃO SOCIAL .75

4.2 ESCORÇO HISTÓRICO E CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS .............85

4.3.DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À EXCLUSÃO SOCIAL E À

VIOLÊNCIA..................................................................................................... 89

4.4.DA ATUAL SITUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EM RELAÇÃO AO

APENADO ....................................................................................................... 95

4.5 POLÍTICAS PÚBLICAS DE RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO: os

problemas atualmente apresentados e sugestões .................................... 99

4.5.1 Qualificação dos Agentes Carcerários...................................................100

4.5.2 Os Estabelecimentos Prisionais .............................................................102

4.5.3 Da Assistência ao Preso e à sua Família ...............................................104

4.5.4.O Trabalho Penitenciário e sua Profissionalização como Forma de

Inclusão Social ......................................................................................... 106

4.6.AS POLÍTICAS PÚBLICAS COMO FORMA DE EFETUAR A

RESSOCIALI-ZAÇÃO DO APENADO: uma proposta sob a ótica social. 107

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................113

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS...............................................118

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ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 01. Presos reincidentes nos últimos anos.................................................29

Tabela 02. População carcerária por regime de condenação...............................37

Tabela 03. População carcerária fora do sistema prisional...................................39

Tabela 04. Total geral - Brasil ...............................................................................40

Tabela 05. Vagas e presos no sistema prisional e na polícia ..........................40/41

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RESUMO

Trata-se a presente Dissertação de Mestrado de um estudo acerca da pena privativa de liberdade no Direito brasileiro, com ênfase na questão da aplicação de Políticas Públicas adequadas para a ressocialização do apenado, nos moldes idealizados na Lei de Execução Penal. O trabalho está dividido em três capítulos, sendo o primeiro, destinado à pena privativa de liberdade, com uma abordagem histórica, conceitual e uma breve explicação dos tipos de pena existentes no ordenamento jurídico brasileiro, tratando, ainda, da questão do egresso e da crise falencial do sistema prisional. O segundo capítulo destina-se ao estudo da execução penal brasileira e a função social do Estado, com uma abordagem nas espécies de regimes penitenciais e benefícios previstos na Lei de Execução Penal, bem como uma análise a respeito da necessidade da pena privativa de liberdade e a ressocialização do apenado. Finalmente, no terceiro capítulo será dada ênfase às Políticas Públicas de ressocialização do apenado, com uma análise destas em relação à exclusão social, à violência e, principalmente, em relação ao preso, para, ao final, apresentar propostas de melhorias das condições dos presídios frente ao que determina a Lei de Execução Penal.

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ABSTRACT

It is treated to present Dissertation of Master's degree of a

study concerning the private feather of freedom in the Brazilian Right, with

emphasis in the subject of the application of appropriate Public Politics for the

resocialization of the prisoner, in the molds idealized in the Law of Penal

Execution. The work is divided in three chapters, being the first, destined to the

private feather of freedom, with an approach historical, conceptual and an

abbreviation explanation of the existent feather types in the Brazilian juridical

legislation, treating, still, of the subject of the exit and of the crisis of the system of

prison. The second chapter is destined to the study of the Brazilian penal

execution and the social function of the State, with an approach in the species of

penitential regimes and benefits foreseen in the Law of Penal Execution, as well

as an analysis regarding the need of the private feather of freedom and the

resocialization of the prisoner. Finally, in the third chapter emphasis will be given

to the Public Politics of resocialization of the prisoner, with an analysis of these in

relation to the social exclusion, to the violence and, mainly, in relation to the

prisoner, for, at the end, to present proposed of improvements of the conditions of

the prisons front to the that determines the Law of Penal Execution.

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1 INTRODUÇÃO

A prisão é tida, pelo ordenamento jurídico pátrio, como a

exceção, sendo que a regra geral se constitui na liberdade do indivíduo, tal qual

consagrado no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988. Assim, embora o direito à liberdade seja garantia constitucionalmente

assegurada de todo o cidadão, excepcionalmente a liberdade de ir e vir pode ser

restringida, no cumprimento da pena privativa de liberdade ou, também, durante a

investigação criminal.

Destarte, muito tem sido discutido, hodiernamente, sobre a

pena privativa de liberdade e a forma como a Lei de Execução Penal vem sendo

aplicada pelos agentes da Administração.

A Lei de Execução Penal brasileira é considerada apta a

assegurar a ressocialização do apenado, ao mesmo tempo que estabelece a

observância das garantias fundamentais constitucionalmente asseguradas a

qualquer cidadão, inclusive ao condenado.

A crítica que tem sido tecida quanto à pena privativa de

liberdade refere-se à forma como vem sendo cumprida, ou seja, à execução

administrativa dos estabelecimentos, na condução do Estado, que se demonstra

eivada de descuidos, vícios, distorções, corrupção, falta de estrutura, de

funcionários etc.

Diante deste quadro, a doutrina brasileira, bem como os

órgãos responsáveis, vem reconhecendo que a finalidade da pena, estabelecida

no Preâmbulo do Código Penal Brasileiro, não está sendo alcançada por omissão

Estatal.

Considerando isto, a presente Dissertação de Mestrado tem

por escopo realizar um estudo acerca da pena privativa de liberdade no Direito

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brasileiro, dando ênfase à questão da aplicação de Políticas Públicas adequadas

para a ressocialização do apenado, nos moldes idealizados na Lei de Execução

Penal.

O que se procura estudar, assim, é a forma como o Estado

vem tratando da questão de políticas públicas de ressocialização do apenado, e

para tanto, realiza-se a presente pesquisa no sentido de se descobrir o que vem

sendo feito no que tange às políticas públicas de ressocialização do apenado,

bem como apresentar sugestões de melhorias.

Estabeleceram-se, aqui, duas espécies de objetivos: o

institucional e o investigatório.

O objetivo institucional consiste em produzir uma

Dissertação de Mestrado Profissionalizante, para obtenção do Título de Mestre

em Gestão de Políticas Públicas pelo Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Ciência Política – CPCP – da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

Já o objetivo investigatório subdivide-se em geral e

específico. O geral consiste em pesquisar, na área do Direito brasileiro, sobre a

ressocialização do apenado submetido à pena privativa de liberdade,

especificamente no tocante às questões que envolvem as políticas públicas

pertinentes, fazendo uma reavaliação destas. O específico é assim estabelecido:

a) sintetizar as etapas históricas da pena privativa de liberdade, na Antigüidade e,

posteriormente, no Brasil, bem como as regras gerais de direitos humanos

voltados ao preso; b) promover abordagem panorâmica da ação federal e da

execução penal, avaliando a função social da pena, confrontando o modelo

ressocializador atual e procedendo a uma análise da sua eficiência ou falibilidade,

e c) analisar a questão da política de ressocialização então vigente, apontando as

deficiências e imperfeições, procedendo uma proposta de um sistema prisional

mais adequado.

Para a investigação do objeto desta pesquisa, o método a

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ser utilizado, através da pesquisa bibliográfica, será o indutivo. Este vem a ser um

processo mental, e por intermédio dele, partindo de dados particulares,

suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal não

contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos é levar a

conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que as premissas nas quais se

basearam9.

Os dados foram coletados por meio de consultas a

periódicos, artigos de revistas especializadas no assunto, bibliografia, etc. Os

dados da pesquisa foram coletados entre o período de agosto de 2004 a maio de

2005. Para a análise dos dados coletados, utilizou-se a metodologia na análise de

conteúdo, na modalidade de análise temática. Os resultados são apresentados

em cinco categorias finais: o sistema prisional brasileiro, a necessidade da pena

privativa de liberdade, o Estado e a execução penal, a função social da pena e

políticas públicas de reinserção social. Detectou-se que o Estado não vem

conseguindo alcançar o seu mister no que diz respeito à ressocialização do

apenado, na medida em que não possui políticas públicas adequadas para tal

desiderato, fazendo-se necessário, portanto, a aplicação de políticas eficazes

para resolver ou minorar os problemas apresentados pelo sistema prisional

brasileiro.

Decorrente dos mencionados objetivos investigatórios foram

elaborados três problemas e respectivas hipóteses que serviram de base para o

desenvolvimento da pesquisa, que serão a seguir analisadas.

Primeiro problema: Qual a origem da pena privativa de

liberdade e como se processou seu desenvolvimento ao longo da história de

modo a assumir a matiz atualmente existente? Hipótese: A pena privativa de

liberdade surgiu do próprio convívio do homem em sociedade, como mecanismo

de defesa, progresso e interação social, sendo que como é posta atualmente não

existia nas sociedades antigas. Havia a privação da liberdade, porém, esta

9 LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da Metodologia científica.

5. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 47.

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apenas era usada para assegurar a execução da pena definitiva, que na sua

maioria era de morte. Somente com o advento do cristianismo é que assumiu o

caráter de sanção.

Segundo problema: Qual a função social do Estado frente à

imposição da pena privativa de liberdade e como este vem desempenhando suas

atividades de modo a viabilizar o alcance dos objetivos teoricamente

estabelecidos na legislação pátria? Hipótese: O Estado da atualidade possui a

função social de pacificar os conflitos, assegurando a continuidade das relações

sociais de forma harmoniosa e sem afronta às garantias individuais, de modo que

necessita sopesar, quando da aplicação da pena, a resposta esperada pela

sociedade com relação ao indivíduo infrator, com as garantias individuais deste

em receber o tratamento estatal adequado à sua ressocialização.

Terceiro problema: Existe a necessidade de um novo

modelo ressocializador para a pena privativa de liberdade e quais são as

propostas de novas políticas públicas adequadas à efetivação da função

educacional da pena? Hipótese: O modelo da pena privativa de liberdade

atualmente estabelecida pelo Estado brasileiro não tem alcançado os seus fins,

de modo que a função tríplice do encarceramento do infrator encontra-se

preterida em razão de outras prioridades. O atual modelo de correção não atende

às exigências sociais e nem individuais do violador da norma legal. A segregação

não pode ser feita de modo a violentar as garantias constitucionais, donde se faz

necessária a implementação de novas políticas públicas para enfrentar a

problemática.

Esta dissertação está dividida em três capítulos.

O primeiro capítulo apresenta uma abordagem histórica da

pena, bem como da sua evolução no direito brasileiro. Trata, também, dos

diversos tipos de pena, com breves explicações sobre a função de cada uma

delas no ordenamento jurídico brasileiro. Ao final, discorre sobre a questão do

egresso, com explanações sobre características, estigmas, preconceitos e

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reincidência, culminando com breve análise sobre o sistema prisional brasileiro e

a crise falencial na ressocialização do egresso.

O segundo capítulo é dedicado ao estudo da função social

do Estado e a execução penal no Brasil. Abordam-se, ainda, os regimes

penitenciais brasileiros, bem como a questão dos benefícios da pena privativa de

liberdade e o fracasso do sistema prisional brasileiro.

O terceiro capítulo faz uma abordagem acerca do

neoliberalismo, bem como analisa as Políticas Públicas de reinserção do

apenado, na pena privativa de liberdade, com destaque para o seu conceito e seu

histórico. Traz, ainda, um estudo a respeito das políticas públicas de combate à

exclusão social de infratores, como também uma análise sobre a atual situação

das políticas públicas em relação ao apenado. Por derradeiro, disserta-se acerca

sobre os problemas que envolvem as políticas públicas de ressocialização e as

sugestões para o aprimoramento do atual sistema penitenciário brasileiro.

As categorias estratégicas deste trabalho, com seus

respectivos conceitos operacionais estarão contempladas ao longo da pesquisa,

sem quaisquer destaques.

Em relação aos procedimentos de pesquisa, optou-se por,

num primeiro momento, fazer uma análise do histórico das penas, bem como

fazer uma explanação sobre elas, para depois, tratar da questão da função do

Estado neste contexto e, finalmente, fazer uma abordagem sobre as políticas

públicas atualmente adotadas no que diz respeito à função ressocializadora da

pena e, só então, trazer sugestões de melhorias no tocante a elas.

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2 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A NECESSIDADE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

2.1 HISTÓRICO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

A pena privativa de liberdade, como é posta atualmente, não

existia nas sociedades antigas. Havia a privação da liberdade, porém, esta era

usada apenas para assegurar a execução da pena definitiva, que na sua maioria

era de morte.

Explica Oliveira10 que

A Lei Mosaica não mencionava uma única vez a pena detentiva de prisão. Se o “Pentateuco”, não previa a pena de prisão, posteriormente as “Crônicas” e o “Livro de Jeremias”, em muitas passagens, falavam em prisões, fossas e entraves, como medidas preventivas em que os acusados aguardavam o julgamento. É só no “Livro de Esdras”, que, pela primeira vez, o aprisionamento é considerado pena.

O antecedente remoto da prisão era o cárcere que

significava masmorra, subterrâneo ou torres. Os indivíduos da época viviam

amontoados aguardando seu julgamento ou pena que eram castigos corporais,

morte, etc. O cárcere era usado como local de retenção provisória, não era uma

pena. A pena surgiu na Idade Média por influência da Igreja, sendo aplicada no

século V11.

Foi na sociedade cristã que a prisão tomou forma de sanção.

Na Idade Média, o Direito Canônico impunha a reclusão para os clérigos que

incorressem em infrações eclesiásticas e também para os hereges e delinqüentes

10 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social. 2. ed. revista e ampliada. Florianópolis:

Ed. da UFSC, 1996, p. 44. 11 SANTOS, Vera Lúcia Silano Domingues dos. O papel desempenhado pelo trabalho do (a)

preso(a) no seu processo de reinserção social. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2003, p. 18.

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julgados pela jurisdição da Igreja12.

A palavra penitência nos primórdios do cristianismo

significava "volta sobre si mesmo", com o espírito de compunção, para reconhecer

os próprios pecados ou delitos. Abominá-los e propor-se a não tornar a reincidir13.

Neste período, castelos, fortalezas e conventos mantinham

espaço como prisão. A Igreja, em suas leis, admitia a pena privativa de liberdade,

sendo consagrado, nesta época, o termo “penitenciária”14.

No século XVI, surgiram as galés ou galeras. Navios que

serviam de prisão, onde o preso cumpria a pena de remar, com dura jornada de

trabalho forçado. Alguns governos da Europa, como a Áustria, vendiam

condenados a outros países para o trabalho nas galés, pois representava

apreciável valor econômico. As galés desaparecem com o desenvolvimento da

navegação15.

Surgiram, também, neste período, as chamadas casas de

força, que eram destinadas a internar os mendigos, vagabundos, prostitutas e

jovens entregues à vida desonesta, os quais estavam sujeitos ao regime de

trabalho obrigatório16.

Em seguida, surgiram os presídios militares, em decorrência

da necessidade de mão-de-obra para os serviços de fortificações. Depois se

passou para os presídios de obras públicas com a condenação de réus a

trabalharem em canais e prédios públicos, presos a correntes, vigiados por

pessoal armado, permanecendo à noite em barracas ao ar livre. Como havia a

concorrência ao trabalhador livre, essa tendência não prosperou. Assim, optou-se

pelo encarceramento dos prisioneiros em velhas edificações que antes serviam

12 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 56. 13 SANTOS, Vera Lúcia Silano Domingues dos. O papel desempenhado pelo trabalho do (a)

preso(a) no seu processo de reinserção social, p. 18. 14 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 56. 15 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 58. 16 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 46.

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aos religiosos17.

O modelo prisional com caráter reeducacional originou-se na

Holanda com a criação de casas correcionais para homens e mulheres na cidade

de Amsterdã, no final do século XVI. Essas prisões destinavam-se, a princípio, a

ser uma espécie de presídio abrigando vadios, mendigos e prostitutas.

Posteriormente surgiram em outros países da Europa, no século XVII,

penitenciárias com a mesma finalidade. Embora esses estabelecimentos se

destinassem ao específico cumprimento da pena com caráter educativo, é

importante ressaltar que penas de suplícios continuaram a ser aplicadas em

grande escala18.

Entre os séculos XVII e XVIII surgiu um grande número de

estabelecimentos de detenção para os condenados, porém estes não obedeciam

a nenhum princípio penitenciário, como também não tinham nenhuma forma de

higiene, pedagogia e moral19.

Em meio aos movimentos de reforma do regime carcerário,

adveio a Revolução Francesa, época em que o povo de Paris investiu contra a

Bastilha, que era o símbolo da opressão20.

Houve também, neste período, um grande avanço no Direito

Penal, especialmente com Cesare Beccaria e John Howard, que causaram uma

verdadeira revolução no que diz respeito ao direito de punir. Esses autores, em

suas famosas obras “Dos Delitos e das Penas”, de Beccaria, publicado em 1764,

e “O Estado das prisões na Inglaterra e País de Gales”, de Howard, lançado em

17 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 58. 18 ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. Histórico, p. 1. 19 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 46. 20 A Bastilha era uma antiga fortaleza construída em 1370, em Paris, pelo Rei Charles V. A

fortaleza veio a tornar-se prisão do Estado sob Luis XIII. Tinha capacidade para 42 presos. Quando a Revolução Francesa teve início, a primeira coisa que o povo fez foi atacar e destruir a Bastilha, no dia 14 de julho de 1789. Nessa ocasião só havia na Bastilha 7 detentos, no entanto, a sua tomada pela massa popular foi de vital importância, pois representou a vitória do povo sobre o arbítrio da realeza (GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998, V. 3, p. 678.

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1776, levantaram a questão das concepções pedagógicas de pena naquela

época, pela grande preocupação que trouxeram no combate aos abusos e

torturas que eram cometidos em nome do Direito Penal.

Uma das primeiras vozes a repercutir na consciência pública

para a reforma da sistemática penal foi de Césare Beccaria. A partir deste

momento, os primeiros indícios de respeitabilidade dos direitos indisponíveis do

condenado, proclamadas nos princípios adotados pela Declaração dos Direitos do

Homem21.

Na França, em 1819, o rei Luis XVIII criou o “Conseil

Supérieur des Prisons” (Conselho Superior das Prisões). Com a criação desse

conselho, vários procedimentos de investigação foram instaurados, no sentido de

sanar as mazelas e improbidades, nos estabelecimentos franceses destinados a

receber presos e infratores submetidos à medida de segurança por enfermidade

mental22.

Com a morte de Howard, suas idéias tiveram

prosseguimento por meio do criminalista e filósofo inglês Jeremy Bentham, que

apresentou um modelo de estabelecimento prisional de forma diferente,

conhecido como panóptico. Essa nova concepção penitenciária mereceu

destaque pelo seu correcional apresentado, com a separação dos presos por

sexo, a importância de adequada alimentação, vestuário, limpeza, trabalho,

assistência à saúde, educação e ajuda aos liberados23.

O Panóptico era uma espécie de prisão celular de forma

radial, de modo que uma só pessoa, colocada em um ponto estratégico, poderia

fazer a vigilância de todas as celas, sendo que os aprisionados nada podiam ver

nem mantinham contato com os companheiros de celas vizinhas. Nenhum tipo de

projeto, influência, contágio e outras barbáries havia possibilidade de serem

21 ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. Histórico, p. 1. 22 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 60. 23 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 46.

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executadas. Por abrigar apenas um prisioneiro em cada cela, todas voltadas para

o centro do pavilhão, contendo neste uma torre de vigia, eram eles guardados

com maior segurança e economia.

Explica Foucault24 que o desenho do sistema panóptico

permitia um controle global do espaço à sua volta, poder esse que incide sobre os

homens e suas relações, através de intervenções psíquicas, com objetivo de

“desmanchar suas perigosas misturas” sem fechar os condenados em

instituições.

O funcionamento era automático e considerava o indivíduo

como objeto observável e não sujeito da relação de dominação. O sistema

panóptico permitia a transferência da vigilância para o vigiado, reduzindo custos

com ferramentas de controle: “o detento nunca deve saber se está sendo

observado; mas deve ter certeza de que sempre pode sê-lo”25.

Já no século XX, destaca-se um período triste da história da

humanidade, o qual Oliveira26 chama de “o quadro marcante da desmoralização

da prisão” retratada nos desumanos campos de concentração projetados, na

Europa, pelo plano nazista do Terceiro Reich, liderado por Adolf Hitler, em nome

de horrenda política anti-semita. Auschwitz, na Polônia, que funcionou de 1940 a

1945, foi um dos grandes campos de concentração para encarcerar e exterminar,

em câmaras de gás e fornos crematórios, milhares de judeus.

Nos dias atuais, apesar dos avanços, a prisão continua

sendo como um meio segregatório pouco eficaz na ressocialização do

delinqüente. O que mais se vê são casos trágicos, causados pelas pressões, das

quais se destacam: a morte de 43 presos, por policiais, na Penitenciária de Attica,

em Nova Iorque, em dezembro de 1971; o motim, em fevereiro de 1995, na

Penitenciária Central de Argel, que culminou com a morte, por policiais, de 96

presos liderados por ativistas pertencentes ao grupo islâmico que lutava contra o 24 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1990. 174. 25 FOUCALT, Michel. Vigiar e punir, p. 178. 26 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 60.

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Governo da Argélia; o massacre da Prisão de Carandiru, São Paulo, em 2 de

outubro de 1992, resultando na morte de 111 presos, por integrantes da Polícia

Militar de São Paulo; a matança, por policiais, de 290 presos ligados ao

Movimento Sendero Luminoso, em abril de 1986, no Peru, nas Prisões de Santa

Bárbara, San Pedro e El Frontón27.

2.2 A PENA DE PRISÃO NO BRASIL

Antes do descobrimento do Brasil, entre os habitantes que

aqui viviam, há registros da aplicação da pena corporal como forma de punição,

conforme explicação de Gonzaga28, segundo o qual

As penas corporais foram comumente empregadas, embora não se tenha notícias de métodos torturantes. A pena de morte era executada com o uso do tacape, recorrendo-se também a venenos, sepultamento de pessoas vivas, especialmente crianças, e enforcamento. Menciona ainda como forma de execução capital o enforcamento. A pena de açoites é também referida, mas a privação da liberdade existia como forma de prisão semelhante à atual “prisão processual”, destinando-se à detenção de inimigos, em seguida à captura, ou como recolhimento que antecipava a execução da morte.

Já a partir do descobrimento, a história do sistema prisional

brasileiro começa a se difundir com a de Portugal, lugar onde, naquele período,

vigoravam as Ordenações Afonsinas, promulgadas em 1446, sob o reinado de D.

Afonso V, influenciadas pelo direito romano e canônico29.

Assim, como nos demais países do mundo dessa época, a

prisão era vista como uma medida preventiva, com o escopo de evitar a fuga do

delinqüente até o seu julgamento, sendo que em raras hipóteses figurava como

27 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 60. 28 GONZAGA, João Bernardino. O Direito penal indígena: à época dos descobrimentos do Brasil.

São Paulo: Max Limonad, s.d., p. 171. 29 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 3. ed. rev. e ampl. São

Paulo: Saraiva, 2003, vol. 2, p. 26.

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um modo de coerção para obrigar o autor ao pagamento da pena pecuniária30.

Com a promulgação das Ordenações Manoelinas, em 1521,

por determinação de D. Manuel I, manteve-se o sistema da legislação anterior,

com a previsão da prisão com o caráter coercitivo até o julgamento e a

condenação do delinqüente31.

Apesar de estar vigente à época do descobrimento, as

Ordenações Afonsinas não tiveram influência no Brasil, pois, neste período, que

vigorava o regime das capitanias, o arbítrio dos donatários é que impunha as

regras jurídicas. Tal poder tinha respaldo nas cartas de doação, que lhes davam

competência para o exercício da justiça32.

Bitencourt33 afirma que com estes donatários se instalou um

regime jurídico despótico, sustentado em um neofeudalismo luso-brasileiro que,

distantes do poder da coroa, possuíam um ilimitado poder de julgar e administrar

os seus interesses e que desta forma, essa fase colonial brasileira reviveu os

períodos mais obscuros, violentos e cruéis da História da Humanidade, vividos em

outros continentes.

Com o advento dos governos-gerais, a legislação

portuguesa tornou-se mais efetiva, haja vista o caráter administrativo que então

se implantou, de modo centralizado, o que propiciava uma justiça mais

disciplinada34.

Consoante Dotti35, as Ordenações Filipinas, em vigor a partir

de 1603, foram as que mais tiveram aplicação no Brasil e acresceram o elenco de

infrações e reações tratadas no diploma anterior. Nesse ordenamento, penas

30 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de pena. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1998, p. 42. 31 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 43. 32 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. 2. ed. Revista dos

Tribunais, 2001, p. 7. 33 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 27. 34 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica, p. 7. 35 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 45.

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extremamente graves eram cominadas aos infratores.

Essas Ordenações, assim como as anteriores, desvendaram

durante dois séculos a “face negra” do Direito Penal e um dos clássicos exemplos

deste período é a sentença de Tiradentes, que revela toda a crueldade deste

período da história. Com a Proclamação da Independência do Brasil, em 1822,

inúmeras mudanças ocorreram em diversos campos do Direito. A Constituição de

25 de março de 1824 foi uma delas, ao declarar, em seu artigo 179, a

inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos, tendo por base a

liberdade, a segurança individual e a propriedade. Previu, também, a organização

urgente de um código criminal “fundado nas sólidas bases de justiça e

eqüidade”36.

Em 1832, os estudiosos preocupavam-se em melhorar a

sorte dos presos, até então ninguém se preocupava. A segurança nas prisões

precisava de atenção pública, pois a preocupação era dos especialistas no Brasil

- colônia, o Código Penal de 1830, não estabelecia um regime penitenciário, nem

se referia a tipos especiais de presídios, prevalecendo a confusão de detentos e a

promiscuidade, desobedecendo qualquer princípio de ordem, higiene e moral37.

A partir deste período, grandes mudanças ocorreram em

matéria criminal. O Código Criminal do Império do Brasil foi sancionado pelo

Imperador D. Pedro I, em 16 de dezembro de 1830 e seguiu o exemplo das idéias

liberais que dominavam a Inglaterra, França, os Estados Unidos e outros países38.

Com a Proclamação da República, em 1889, e, em

conseqüência da recém abolição da escravidão, que acarretou algumas

modificações no Código, com a supressão de algumas figuras delituosas, houve a

necessidade da elaboração de um novo diploma criminal. Assim, em 1890 foi

36 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 49-50. 37 SANTOS, Vera Lúcia Silano Domingues dos. O papel desempenhado pelo trabalho do (a)

preso(a) no seu processo de reinserção social, p. 23. 38 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 51.

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expedido o Decreto 817 que mandava observar o novo Código Penal39.

O Código Penal de 1890 foi mais avançado quanto as

penitenciárias agrícolas, mas o sistema adotado não foi posto em execução, pois

as colônias agrícolas, estágio para a obtenção do livramento condicional,

regulamentado pelo decreto 16.665 de 06/11/1924, não foram estabelecidas,

continuando as penas, sem distinção, cumprindo-se em cadeias e presídios,

havendo desrespeito à pessoa do preso, o que feria a própria Constituição de

198140.

Este diploma previa as seguintes modalidades de penas

privativas de liberdade: a) prisão celular, aplicável a quase todos os crimes e

algumas contravenções, tendo como característica o isolamento celular com

obrigação de trabalho, a ser cumprida “em estabelecimento especial”; b) reclusão,

executada em fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares; c)

prisão com trabalho obrigatório, cominada para os vadios e capoeiras a serem

recolhidos às penitenciárias agrícolas destinadas para tal fim ou aos presídios

militares; d) prisão disciplinar destinada aos menores até a idade de 21 anos, a

ser executada em estabelecimentos industriais especiais41.

Em 1921 foi inaugurada a “Penitenciária do Estado”, no

Carandiru, que durante muito tempo foi considerada modelo quanto aos aspectos

arquitetônico e administrativo. Ali, desde o seu princípio, foi implementado o

“sistema celular e progressivo”, sendo que esta progressão estava adaptada às

condições brasileiras42.

Ocorre que este “modelo de penitenciária” denominada

Carandiru, aos poucos foi esmorecendo, chegando a pontos críticos nos seus

últimos anos de funcionamento, tendo como um de seus destaques o massacre

ocorrido em 2 de outubro de 1992, com a morte de 111 presos, por integrantes da 39 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 54. 40 SANTOS, Vera Lúcia Silano Domingues dos. O papel desempenhado pelo trabalho do (a)

preso(a) no seu processo de reinserção social, p. 23. 41 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 55. 42 FALCONI, Romeu. Sistema presidial: reinserção social? São Paulo: Ícone, 1998, p. 55.

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Polícia Militar de São Paulo.

Com o advento do Código Penal Brasileiro de 1940 veio a

simplificação, com a classificação das penas em duas categorias: principais e

acessórias. Aquelas subdivididas em reclusão, detenção e multa. Estas, em perda

da função pública, interdição de direitos e publicação das sentenças. Neste

período já existia em alguns lugares, principalmente nos Estados-membros mais

ricos, alguma estrutura apta para observar as distinções introduzidas pelo então

recente Código Penal, que aclarava os conceitos e aplicações das penas de

reclusão e detenção, além de estabelecer o sistema progressivo em quatro

períodos: isolamento, trabalho, remoção para a Colônia Agrícola e livramento

condicional43.

Com o passar dos anos, o Código Penal Brasileiro de 1940

foi se desatualizando e várias foram as tentativas de melhorar a legislação penal.

Em 1957 foi criada a Lei nº 3.274, em 02 de outubro, dispondo sobre o regime

penitenciário. Com esta lei declarou-se expressamente a necessidade de se

garantir a individualização das penas, a classificação dos delinqüentes, a

separação dos presos provisórios e dos condenados, a concessão do trabalho e a

percepção do salário, a educação moral, intelectual, física e profissional dos

sentenciados, a assistência social aos condenados, aos egressos, e às suas

famílias e às famílias das vítimas44.

Nos anos 60, vinte anos após a publicação do Código Penal,

a doutrina e a jurisprudência reconhecem e proclamam as dificuldades e o

desprestígio da execução das penas privativas de liberdade.

O Decreto-lei nº 1.004, de 21 de outubro, ou Código Penal

de 1969, como ficou conhecido, foi uma dessas tentativas de melhorar a

legislação penal, porém nem chegou a entrar em vigor devido às grandes

dificuldades de natureza político-institucional e obstáculos burocráticos, tendo

43 FALCONI, Romeu. Sistema presidial: reinserção social?, p. 55. 44 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 71.

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sido revogado pela Lei nº 6.578/78, constituindo o exemplo tragicômico da mais

longa vacacio legis45 de que se tem notícia46.

Finalmente, em 1984, foi promulgada a Lei nº 7.209, de 11

de julho, que deu nova redação à Parte Geral do Código Penal Brasileiro. Essa lei

manteve a pena privativa de liberdade, nas suas duas modalidades, reclusão e

detenção, como também trouxe algumas modificações, tais como: o repúdio à

pena de morte, novas penas patrimoniais, a extinção das penas acessórias e a

revisão das medidas de segurança47.

Também em 11 de julho de 1984 foi promulgada a Lei nº

7.210 (Lei de Execução Penal), que buscava trazer avanços no que diz respeito

ao tratamento dado aos condenados.

Com a promulgação da Constituição da República

Federativa do Brasil, em 1988, um novo tratamento foi dado aos autores de

crimes hediondos, através da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Esta lei

estabeleceu que estes crimes, bem como a prática de tortura, o tráfico ilícito de

entorpecentes e o terrorismo são insuscetíveis de indulto, graça, anistia, fiança e

liberdade provisória, devendo a pena ser cumprida integralmente em regime

fechado48.

Poucos anos depois, em 1995, a Lei nº 9.099, de 26 de

setembro, que trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais trouxe um novo

tratamento às infrações penais de menor potencial ofensivo, ou seja, as

contravenções penais e os crimes cominados com pena máxima não superior a 45 Vacacio legis: Dispensa ou isenção da lei (vacância). SOIBELMAN, Leib. Dicionário Geral de

Direito, p. 526. 46 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 28. 47 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 93-100. 48 Art. 2º. Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas

afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto; II - fiança e liberdade provisória. § 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado. § 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. § 3º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

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um ano49.

Esta lei foi um grande avanço em matéria penal, haja vista a

simplicidade e desburocratização processual, além de ser uma nova oportunidade

aos autores de pequenas infrações, sem a necessidade do prejudicial

encarceramento.

Atualmente o sistema prisional brasileiro passa por múltiplas

crises, com presídios e penitenciárias que não oferecem segurança, tampouco

ressocializam os detentos.

O grande avanço vislumbrado neste escorço histórico diz

respeito às infrações de menor potencial ofensivo, que agora têm um tratamento

diferenciado, sem a necessidade da privação da liberdade do indivíduo.

A pena privativa de liberdade não tem cumprido o seu

mister, de modo que a busca por penas substitutivas para aqueles crimes de

menor potencial ofensivo pode ser a chance da uma melhora no sistema prisional,

que há tempos vem mostrando sinais de falência.

2.3 TIPOS DE PENA E SUA FUNÇÃO

As discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca das

espécies de pena estão concentradas na utilidade de cada uma delas. Entendem

os doutrinadores que a pena não pode ser uma vingança do Estado em relação a

um mal praticado. A pena tem uma razão filosófica em si mesma: reeducar para

reinserir o infrator ao meio social. O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 32, a

respeito das espécies de pena, dispõe que:

Artigo 32. As penas são:

49 Artigo 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta

Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.

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I - privativas de liberdade; II - restritivas de direitos; III - de multa.

No que tange às penas privativas de liberdade, estas podem

ser de reclusão e de detenção. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime

fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto ou aberto,

salvo necessidade de transferência para o regime fechado (artigo 33 a 36, do

Código Penal Brasileiro).

O artigo 33, §1º do Código Penal Brasileiro também explica

que se considera regime fechado a execução da pena em estabelecimento de

segurança máxima ou média; regime semi-aberto, a execução da pena em

colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar e regime aberto a execução

da pena em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado.

As penas restritivas de direitos, de acordo com a nova

redação dada ao artigo 4350 e seguintes do Código Penal Brasileiro, pela Lei nº

9.714/98, dividem-se em cinco modalidades: prestação pecuniária, perda de bens

e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição

temporária de direitos e limitação de fim de semana.

A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro

à vítima, a seus dependentes ou a entidade social pública ou privativa com

destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo

nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos51.

50 Artigo 43. As penas restritivas de direitos são:

I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores; III – (VETADO); IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V – interdição temporária de direitos; VI – limitação de fim de semana.

51 Código Penal Brasileiro, Artigo 45. (omissis) § 1º A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. (Incluído pela Lei nº 9.714/98)

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A perda de bens e valores consiste na subtração de bens

pertencentes aos condenados em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu

valor terá como teto o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo

agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime52.

A prestação de serviços à comunidade ou a entidades

públicas, aplicável a condenações superiores a seis meses de privação de

liberdade, consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado53.

As penas de interdição temporária de direitos, dependendo

do delito praticado pelo condenado são: proibição do exercício de cargo, função

ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; proibição do exercício de

profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou

autorização do poder público; suspensão de autorização ou de habilitação para

dirigir veículo e proibição de freqüentar determinados lugares54.

Finalmente, a limitação de fim de semana consiste na

obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em

casa do albergado ou outro estabelecimento adequado, sendo que durante a

permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou

atribuídas atividades educativas55.

No que tange à pena de multa, esta consiste no pagamento

ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa,

sendo, no mínimo, de dez, e, no máximo, de trezentos e sessenta dias-multa56.

A respeito da função da pena, há que se dizer que no Direito

Penal é quase unânime o entendimento de que esta se justifica por sua

necessidade. No entanto, existem diversas teorias que tentam explicar o sentido,

a função e a finalidade da sanção penal. Entre estas se destacam algumas mais 52 Artigo 45, §3º, Código Penal Brasileiro (Incluído pela Lei nº 9.714/98). 53 Artigo 46, Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998. 54 Artigo 46, Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998. 55 Artigo 48, Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984. 56 Artigo 49, Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984.

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importantes: teorias absolutas ou retributivas, teorias relativas (prevenção geral e

prevenção especial) e teorias unificadoras ou ecléticas.

De acordo com a teoria absoluta, a finalidade da pena é

simplesmente o castigo pelo mal praticado, com isso havendo a reparação

moral57.

Esta teoria advém do Estado absolutista, que considerava

que o poder soberano era-lhe concedido diretamente por Deus. A idéia que se

tinha da pena era a de ser um castigo com o qual se expiava o mal (pecado)

cometido58.

Foi neste período que teve origem a teoria do “contrato

social”, segundo a qual aquele que contrariasse esse contrato social era tido

como traidor, haja vista que sua atitude não cumpria o compromisso de conservar

a organização social59.

O grande idealizador desta teoria foi Jean-Jacques

Rousseau (1712-1778). Para ele, que era avesso ao absolutismo, a solução dos

problemas estatais residia na conferência de toda legitimidade da ação política à

vontade geral (povo). Daí se extrai que para Rousseau a soberania estava no

povo e não no Estado, portanto, aquele poderia rebelar-se contra este.

Rousseau60, em sua obra “Do contrato Social” defendia que:

Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, só obedeça, portanto, a si mesmo, e permaneça tão livre como antes. É esse o problema fundamental para o qual o contrato social dá a solução.

Desta forma, para Rousseau61, 57 SILVA, Jorge Vicente. Execução penal. 2. ed. 3. tir. Curitiba: Juruá, 2003, p. 12. 58 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 42. 59 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 43. 60 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político. SABINO JR,

Vicente (trad.), São Paulo: CD, 2003, p. 30.

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As cláusulas desse contrato são de tal maneira determinadas pela natureza do ato que a menor alteração as tornaria vãs e de defeito nulo; de sorte que, embora jamais tenham sido formalmente enunciadas, são as mesmas em todas as partes, tacitamente admitidas e reconhecidas em todas as partes; até que, violado o pacto social, cada um retorne então aos seus primeiros direitos e retorne a sua liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual ele renunciou.

Bobbio62 afirma que tanto Hobbes quanto Rousseau

concebem o contrato social como um “contrato de alienação” dos próprios direitos

(tratando-se, portanto, de um verdadeiro pactum subiectioneis), que é exatamente

a vontade dos indivíduos contraentes. No entanto, diferentemente da renúncia de

Hobbes, que leva a abandonar a liberdade natural para obter a servidão civil, a

renúncia de Rousseau deveria levar a abandonar, sim, a liberdade natural, mas

para reencontrar uma liberdade mais plena e superior, que é a liberdade civil, ou

liberdade no Estado.

Destarte, para Rousseau63, “a liberdade consiste na

obediência à lei que prescrevemos a nós mesmos”, possuindo a teoria

absolutista, neste sentido, cunho meramente vingativo.

De acordo com o esquema retribucionista, a pena tem como

único fim a realização da justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser

compensada com a imposição de um mal, que é a pena.

Destacam-se como principais representantes desta teoria,

Kant e Hegel, havendo, no entanto, uma diferença entre a formulação de um e

outro: enquanto em Kant a fundamentação é de ordem ética, em Hegel é de

ordem jurídica64.

61 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político. SABINO JR,

Vicente (trad.), São Paulo: CD, 2003, p. 30. 62 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. FAIT, Alfredo (trad.). 4.

ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 46-47. 63 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político, p. 58. 64 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 43.

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A teoria relativa vê na pena cunho exclusivamente

preventivo, valendo a segregação como forma de proteção da sociedade, além de

oportunidade de ressocializar o criminoso65.

De acordo com as teorias preventivas a pena não visa

retribuir o fato delitivo cometido, mas sim prevenir a sua prática. Esta teoria

divide-se em duas direções: prevenção geral e prevenção especial. A prevenção

geral fundamenta-se em duas idéias básicas: a idéia de intimidação ou a

utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do homem. Já a prevenção

especial procura evitar a prática do delito, mas, ao contrário da prevenção geral,

dirige-se exclusivamente ao delinqüente em particular, objetivando que este não

volte a delinqüir66.

Para a teoria mista, a sanção penal por sua própria natureza

é castigar o infrator pelo mal praticado, porém, tem a finalidade também de

prevenir educando e corrigindo-o67.

Esta teoria tenta agrupar em um conceito único os fins da

pena, buscando recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e

relativas.

No âmbito político atual, está na pauta do dia a discussão

sobre as funções manifestas e latentes (reais) do poder punitivo estatal, no qual

aquilo que parece estar se concretizando é um absoluto predomínio da utilização

– com fins políticos – da pena privativa de liberdade em suas funções não

declaradas, portanto latentes, sobre aquelas funções cujos fins estão

pretensamente legitimados pela doutrina penal e que estão inseridos no conceito

do jus puniendi, as funções manifestas ou reais68.

65 SILVA, Jorge Vicente. Execução penal, p. 12. 66 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 43. 67 SILVA, Jorge Vicente. Execução penal, p. 12. 68 ZAFFARONI, Eugênio Raul et al, apud GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel. Revisão crítica da

pena privativa de liberdade: uma aproximação democrática. Disponível em

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Neste sentido, Mir Puig69 faz uma aproximação axiológica

entre os fins da pena e os fins do Estado que, para ele, deve ser Social e

Democrático de Direito o que, em última instância, fará com que os fins da pena

estejam intimamente ligados aos fins pugnados pelo Estado.

Destarte, afasta-se a absolutização das penas fundadas em

uma concepção metafísica de justiça desvinculada dos fins políticos garantidos

pela Constituição do Estado Social e Democrático de Direito, garantindo-se desse

modo, uma correta e fundamentada aplicação das sanções punitivas70.

Todo o discurso penal tradicional hoje pode ser condensado

em um discurso militar, ou seja, na guerra contra o crime. É bom que se lembre,

na guerra não há leis, ou melhor, há a lei da guerra, segundo a qual tudo é

permitido para vencer o inimigo.

Destarte, mister que se erija um novo pensamento, fundado

no reconhecimento dos efeitos degradantes da prisão, da seletividade do sistema

penal como realidade incontestável, do fenômeno da prisionização, da existência

da cifra negra da criminalidade oculta, do poder descontrolado das agências

executivas do sistema penal, do pequeno poder que detêm as agências judiciais

frente aos sistemas penais paralelos e subterrâneos.

Enfim, uma nova teoria da pena passa necessariamente

pela desconstrução do que está posto, pela oposição a todo um discurso que

impõe o consenso como forma de manutenção do poder, já que

pretender conservar um poder exercido mediante um discurso falso, quando se sabe que este legitima – e sustenta – um poder diverso exercido por outros, que custa vidas humanas, que

<http://www.pgj.ma.gov.br/ampem/artigos/artigos2005/cadowr9p.pdf>. Acesso em 10 jun 2005, p. 1.

69 MIR PUIG, Santiago, apud GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel. Revisão crítica da pena privativa de liberdade: uma aproximação democrática, p. 1.

70 GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel. Revisão crítica da pena privativa de liberdade: uma aproximação democrática, p. 2.

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degrada um grande número de pessoas (tanto aquelas que o sofrem quanto as que o exercem) e que se trata de uma constante ameaça aos âmbitos sociais de auto-realização, é, a todas as luzes, eticamente reprovável71.

Uma das mais atualizadas teorias críticas sobre as funções

da Pena denomina-se “Teoria negativa ou agnóstica da pena”, que se resume em

não acreditar que a pena possa cumprir – na grande maioria dos casos –

nenhuma das funções manifestas a ela atribuídas.

Esta teoria, segundo Guedes72 trata de

toda e qualquer coerção que impõe uma privação de direitos ou uma dor, sem reparar nem restituir, nem tampouco deter as lesões em curso ou neutralizar perigos eminentes, sendo, na verdade, uma manifestação do poder punitivo que abrange diversas formas de coerção, tais como o poder de vigiar, observar, controlar movimentos e idéias, obter dados da vida privada dos cidadãos, processá-los e arquivá-los, impor restrições à liberdade sem controle judicial.

Em razão de negar os possíveis efeitos positivos da pena, a

teoria agnóstica se volta para a contenção do poder punitivo, da violência a ele

imanente, dirigindo todos os seus esforços para as agências judiciais, como

possíveis instâncias de contenção da criminalização desenfreada e de seus

efeitos nefastos73.

Diferentemente das demais correntes de pensamento, a

teoria negativa é constituída não com o escopo de justificar o poder punitivo, mas

sim de contê-lo. A função do Direito Penal deixa de ser retributiva ou preventiva,

passando a ser garantista, não lhe cabendo “fazer justiça” ou “coibir a prática de

71 ZAFFARONI, Eugênio Raul et al, apud GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel. Revisão crítica da

pena privativa de liberdade: uma aproximação democrática. 72 GUEDES, Guilherme. Releitura Democrática da legitimação das conseqüências jurídicas do

delito. Disponível em O Direito.com. <http://www.odireito.com>. Publicado em 09 fev. 2005. Acesso em 14 jun 2005, p. 1.

73 GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel. Revisão crítica da pena privativa de liberdade: uma aproximação democrática, p. 1.

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delitos” (já que para isto mostrou-se incapaz), mas sim neutralizar a constante

ameaça dos elementos do estado de polícia74.

Assim, concebe-se a pena como toda e qualquer “coerção

que impõe uma privação de direitos ou uma dor, mas não repara nem restitui,

nem tampouco detém as lesões em curso ou neutraliza perigos eminentes”. Em

outros termos, para a teoria negativa, a pena passa a ser compreendida como

mero ato de poder que só tem explicação política, sendo uma manifestação do

poder punitivo que abrange diversas formas de coerção, tais como o poder de

vigiar, observar, controlar movimentos e idéias, obter dados da vida privada dos

cidadãos, processá-los e arquivá-los, impor restrições à liberdade sem controle

judicial75.

Em relação ao fundamento da pena, sustenta-se que a

sanção punitiva não deve “fundamentar-se” em nada que não seja o fato

praticado, qual seja, o delito. Em resumo, esta teoria aceita a retribuição e o

princípio da culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena como

sanção jurídico penal. A pena não pode, pois, ir além da responsabilidade

decorrente do fato praticado76.

A Lei de Execução Penal, em seu artigo 1º, dispõe que:

Artigo 1º A execução penal tem por objetivo efetuar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

No entanto, conforme assevera Silva77, não se pode deixar

de questionar a instituição da prisão na medida em que atribui à pena uma dúplice

74 GUEDES, Guilherme. Releitura Democrática da legitimação das conseqüências jurídicas do

delito, p. 1. 75 GUEDES, Guilherme. Releitura Democrática da legitimação das conseqüências jurídicas do

delito, p. 1. 76 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 44. 77 SILVA, Franciny Abreu de Figueiredo e. Crimes hediondos: o regime prisional único e suas

conseqüências práticas no sistema punitivo de Santa Catarina. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p. 23.

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função: ressocializadora e retributiva.

A respeito deste assunto, Bitencourt78 assevera que

A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre uma função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação.

Deste modo, pode até ser que a pena possa curar ou

reeducar, mas não se pode afirmar que a pena por si só sirva ou possa servir

para reeducar o apenado, principalmente na realidade brasileira. A verdade é que

a pena constitui uma reação da sociedade que, frente ao delito, reage de forma

vingativa, voltando-se contra o réu e desejando sua punição e castigo. Assim, a

pena reforça no cidadão uma atitude de fidelidade à lei, apesar de não ser este o

“fim oficial” da pena privativa de liberdade79, isto porque ela possui função

ressocializadora.

É preciso reavaliar as verdadeiras finalidades da pena

privativa de liberdade, pois, da forma como ela está sendo colocada atualmente

não está se prestando aos fins a que se destina, fazendo-se necessária, portanto,

uma mudança drástica no sistema prisional brasileiro.

2.4 O EGRESSO: características, estigmas, preconceito e reincidências

Entende-se por egresso o detento ou recluso que, tendo

cumprido a pena, ou por outra causa legal, se retirou do estabelecimento penal.

A lei fala em “assistência ao egresso”, abrangendo, de

acordo com a concepção moderna de execução da pena, tanto o “egresso 78 BITENCOURT, Cezar Roberto. O objetivo ressocializador na visão da criminologia crítica.

Revista dos Tribunais. SP, V. 662, p. 247 – 255, dez. 1990, p. 250. 79 SILVA, Franciny Abreu de Figueiredo e. Crimes hediondos: o regime prisional único e suas

conseqüências práticas no sistema punitivo de Santa Catarina, p. 24.

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definitivo”, como o “egresso provisório”.

Nesse conceito de “egresso definitivo” deve-se entender o

liberado definitivamente, que já cumpriu completamente a sua pena em

estabelecimento prisional, ou que já ultrapassou o período de provas da liberação

provisória ou condicional. Já o “egresso provisório” é aquele que se encontra sob

livramento condicional ou em qualquer modalidade do regime aberto: prisão-

albergue, trabalho externo, etc.

Rosa80 faz uma interessante explanação sobre a condição

do egresso através dos tempos dizendo que uma das penas mais usadas no

Direito Penal antigo e medieval era a chamada “perda da paz”, com a “interdição

à água e ao fogo”, muito conhecida dentre os romanos. Através dela o condenado

era proscrito da sociedade e considerado um fora da lei.

O fora da lei poderia ser morto por qualquer um, pois “pode

ser morto meritoriamente, sem a proteção da lei, o que não viver conforme a lei” –

dizia a lei. Bastava que o grupo retirasse a sua mão protetora do delinqüente para

sua vida correr perigo. Para quem perdia a paz deixava de existir o benefício da

solidariedade e ficava aberto o caminho para as forças destruidoras que viviam a

seu redor. Da destruição do que perdia a paz se encarregavam os espíritos, os

inimigos e aos animais ferozes81.

Tratamento parecido é dispensado ao egresso até os dias

de hoje. O delinqüente, depois que paga pelo seu crime, ao ingressar novamente

na sociedade sofre diversos tipos de preconceitos.

D’urso82 avalia que um dos maiores desafios da sociedade

moderna é assistir ao homem que enfrenta os problemas advindos do

encarceramento, quer durante o cumprimento da pena de prisão, quer após esta,

80 ROSA, Antônio José Miguel Feu. Execução penal, p. 118-119. 81 ROSA, Antônio José Miguel Feu. Execução penal, p. 119. 82 D’URSO, Luiz Flávio Borges. O egresso do cárcere. Disponível em <www.noticias-

forenses.com.br/artigos/nf188/luiz-durso-188.htm. Acesso em 11 de agosto de 2004, p. 2.

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quando esse homem é devolvido à liberdade.

O egresso vem do sistema prisional brasileiro que hoje conta

com aproximadamente 230 mil presos, os quais estão acomodados em pouco

mais de 100 mil vagas, levando a um “déficit” de aproximadamente 130 mil vagas

e a sua superlotação inimaginável. Além disso, há a crueza do sistema que impõe

as sevícias físicas e sexuais ao encarcerado, num contingente que hoje tem 30%

de infectados com AIDS e 70% de portadores do bacilo da tuberculose83.

Ao sair para a sociedade, muitas vezes, cheio de doenças e

problemas, o egresso encontra pessoas arredias e temerosas de dar-lhe uma

chance. A assistência da família, que se constitui num importante pilar, às vezes

também lhe é negada.

Ademais, o egresso também tem que enfrentar os próprios

medos, pois, ao sair do presídio, sente a angústia de ter que deixar um mundo

isolado para enfrentar novamente aquela sociedade que o segregou. Às vezes é

difícil para este administrar tal situação, levando-o, na maioria das vezes, a

delinqüir novamente.

D’Urso84 assevera que de nada adianta todo o esforço para

melhorar o sistema prisional brasileiro, se ao libertar-se o homem, a sociedade o

rejeita, o estigmatiza, o repugna e o força a voltar à criminalidade por absoluta

falta de opção.

Relatos de ex-presos colhidos em entrevista feita por Saint-

Clair85, em reportagem para a Revista Época demonstram a angústia que os ex-

detentos têm que passar para conseguir sobreviver sem ter que voltar a

criminalidade. Transcrevem-se abaixo alguns depoimentos colhidos:

83 D’URSO, Luiz Flávio Borges. O egresso do cárcere, p. 1. 84 D’URSO, Luiz Flávio Borges. Liberdade de volta: Ex-presidiário precisa de apoio da sociedade.

Disponível em <http://www.suigeneris.pro.br/direito_dp_liberdadevolta.htm>. Acesso em 12 de agosto de 2004, p. 01.

85 SAINT-CLAIR, Clóvis. A pena perpétua. Disponível em <http://revistaepoca.globo.com-/Epoca/0,6993,EPT369288-1664-1,00.html>. Acesso em 12 de agosto de 2004, p. 02.

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Já paguei meus cinco anos por tráfico de drogas e não volto nunca mais para a prisão. Já trabalhei em oficina mecânica e sei tudo de pintura de carros. Ninguém pinta melhor do que eu. É claro que estou meio desatualizado com as cores, mas ainda sei que táxis levam o amarelo-java e o azul-báltico. Tentei, mas ninguém dá emprego a ex-presidiário. Graças a Deus consegui licença para montar esta barraca de doces aqui no Centro do Rio, com um empréstimo de R$ 100 no Banco da Providência. Pago ainda R$ 10 por dia para dormir numa pensão e outros R$ 3 para almoçar. Quase não sobra dinheiro para repor mercadoria, mas vou levando. A vida aqui está dura, mas é pior na cadeia. Verifica-se com este relato que, às vezes, mesmo possuindo

qualificação, o ex-apenado sofre discriminação, que dificulta o seu reingresso no

mercado de trabalho, obrigando-o a partir para o mercado informal, se não quiser

voltar à criminalidade.

A matéria relata ainda que de cada dez presos nas cadeias

brasileiras, entre cinco e sete já passaram pelas mãos do Estado. A maioria é de

pequenos assaltantes ou traficantes sem poder na hierarquia da bandidagem e

mesmo depois de cumprir pena e acertar as contas com a Justiça, dificilmente

voltam a conseguir um emprego e acabam retornando ao banditismo. E revela

mais: 34% dos ex-detentos tornam a cometer crimes em menos de seis meses;

12%, entre seis meses e um ano; e 10%, entre um ano e um ano e meio86.

Pode-se verificar que a estatística apresentada pela matéria

espelha, sem sombra de dúvidas, a realidade prisional. De acordo com a tabela

abaixo, que apresenta dados prisionais do Estado do Rio de Janeiro, percebe-se

que os índices de reincidência são bastante alarmantes, e aumentam a cada dia

que passa.

Tabela 01. PRESOS REINCIDENTES NOS ÚLTIMOS ANOS 2000 2002 2003

Homens 26% Homens 27% Homens 32%

86 SAINT-CLAIR, Clóvis. A pena perpétua, p. 02.

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Mulheres 22% Mulheres 37% Mulheres 18%

Fonte: Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro. Disponível em <www.supersaude.rj.gov.br/pesquisas/resumo_pit_2003.pdf>. Acesso em 14 nov. 2004.

De acordo com estes dados, verifica-se que, entre a

população carcerário masculina, mais de 28% são reincidentes, e entre a

população feminina este índice é menor, mas não menos alarmante, pois passa

dos 25%.

Este fato provoca grande preocupação, tendo em vista que,

entres os homens e mulheres que cometem infração e são presos, mais de um

quarto volta a delinqüir novamente, e isto se atribui, muitas vezes, ao tratamento

dispensado ao egresso, ao sair da prisão.

Dentre tantos problemas enfrentados pelo egresso, o mais

grave inconveniente é a sua marginalização. Muito embora ele possa ter

possibilidades de ser reintegrado ao convívio da comunidade, com o seu

afastamento da sociedade o mesmo passa a encontrar resistências que dificultam

ou impedem a sua reinserção social87.Outro egresso relata, na mesma

reportagem, o seguinte:

Ainda tenho quatro anos e meio de condicional a cumprir. Fui condenado a 12 anos por assalto. Sou eletricista formado, já espalhei meu currículo, mas ainda não consegui nada. Enquanto estive no regime aberto, e dormia na prisão, trabalhei para a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), no Rio. Tirava R$ 350 por mês cavando buracos na rua. Quando ganhei liberdade condicional, perdi o emprego. Junto comigo foram uns 200 ex-detentos. No presídio tem gente que nem quer sair do regime aberto para não perder o trabalho. Outros, que saem, cometem pequenos delitos só para voltar. Eu não volto. Já fiz muita gente sofrer. Meus filhos mudaram de escola porque eram discriminados por colegas e até professores88.

Pelo depoimento deste egresso pode-se observar, com

87 MIRABETE, Júlio Fabrinni. Execução Penal, p. 84. 88 SAINT-CLAIR, Clóvis. A pena perpétua, p. 03.

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clareza, que a sociedade não aceita o ex-presidiário junto aos demais no mercado

de trabalho. Outro fato triste, mas não raro, é a discriminação sofrida pela família

do condenado.

Percebe-se assim, que mesmo o condenado que cumpriu

completamente a sua pena e agora está definitivamente liberado, ou seja, pagou

integralmente a sua dívida para com a sociedade, que nada mais pode reclamar

dele, não tem a recepção necessária para manter-se dentro do convívio com os

demais. O auxílio ao egresso, previsto na Lei de Execução Penal é, portanto, algo

somente teórico, que não condiz com realidade dos fatos.

O egresso, ao sair da prisão, tem a necessidade, de ajuda e

assistência, para poder retomar a sua vida normal, mas, diante de tantas falhas

apresentadas pelo sistema, este dever do Estado é praticamente nulo. Aliás, o

simples fato de conseguir um emprego torna-se uma missão quase impossível

para quem carrega o estigma de criminoso: “Quando ficam sabendo que você tem

a ficha suja, a fisionomia até muda. Dizem que vão te ligar e não ligam nunca

mais”89.

Disso se depreende que há um grave preconceito por parte

da sociedade quando o assunto é reintegrar um ex-detento. A maioria tem muito

medo e não quer se incomodar com os problemas alheios, haja vista que, na

maioria das vezes, os egressos são provisórios, que ainda estão em liberdade

condicional.

Outro problema enfrentado pelo egresso é a própria polícia,

que na maioria das vezes trata o ex-presidiário como se este ainda fosse um

criminoso, como se pode observar pelo depoimento colhido por Saint-Clair90:

Peguei seis anos por assalto. Minha pena acaba em março de 2003. Faço curso de computação com a ajuda da Arquidiocese do Rio, mas cheguei a trabalhar um mês como faxineiro. Tinha até

89 SAINT-CLAIR, Clóvis. A pena perpétua, p. 03. 90 SAINT-CLAIR, Clóvis. A pena perpétua, p. 02.

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carteira assinada. Quando descobriram que eu era ex-presidiário, eles me mandaram embora sem qualquer explicação. Existe muito preconceito. Quando tenho de ir ao Patronato carimbar a caderneta de egresso, peço a algum amigo para ir na frente, para ver se não tem ninguém dando dura na descida da favela. Se a polícia pega a gente com a caderneta, não quer saber: dizem que a gente é bandido, levam para a delegacia, é uma confusão danada. Saí da cadeia, mas não me sinto totalmente livre.

Diante de tanto preconceito e indiferença, o egresso tem que

lutar muito contra as adversidades para conseguir recolocar-se no mercado de

trabalho e na sociedade, mas, mesmo com dificuldades, há os que conseguem:

Fui preso por tráfico em 1999. Cumpri pena de três anos e dois meses. Saí da prisão há sete meses. Cheguei a concorrer a uma vaga de motorista numa transportadora. Fui elogiado na prova de direção, mas, quando souberam que eu era ex-presidiário, o discurso mudou. Disseram que eu não tinha passado no exame. Por isso, arrumei um trabalho que não precisa de ninguém. O ruim é perder a confiança dos outros. Na hora que você sai da cadeia, só é valorizado pelo pessoal do crime. Para fazer coisa errada, o pessoal te convida. Difícil é fazer o certo. Mas tenho esperança. Há um mês, eu me inscrevi aqui em São Paulo num curso de construção civil. Quero aprender a mexer em instalações elétricas e hidráulicas91.

Todas essas dificuldades só levam a crer que a reincidência

é provocada diretamente pela discriminação e falta de apoio do Estado e da

Sociedade.

E neste norte, se, de um lado, a ressocialização depende

principalmente do próprio condenado, por outro lado, o ajustamento ou

reajustamento social também está sujeito ao grupo ao qual este retorna (família,

comunidade, sociedade). E nesta questão observa-se que há a necessidade não

só dentro dos muros dos presídios, mas também fora deles.

91 SAINT-CLAIR, Clóvis. A pena perpétua, p. 01.

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2.5 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A CRISE FALENCIAL NA RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO

O sistema prisional brasileiro ficou abandonado ao longo dos

anos da ditadura em face da utilização das unidades militares como locais de

custódia e detenção, que priorizavam as ações de repressão e vigilância.

A situação foi-se agravando na medida em que não se

investia na construção de novos presídios e sequer se cuidava, devidamente,

daqueles existentes, que foram desta forma, se tornando obsoletos e frágeis, tudo

particularmente decorrente da grave situação econômica brasileira.

Todo este descuido do passado reflete-se hoje dentro dos

presídios, que apresentam problemas gravíssimos e dificílimos de ser sanados.

Machado92 entende que a verdade é que a crise da prisão e

do sistema penitenciário, em verdadeiro estado falimentar à espera de um síndico

para gerir a sua massa falida, reflete-se sobre o delinqüente como instrumento de

opróbrio, representando uma verdadeira pós-graduação no crime, após o que

nenhuma oportunidade de regeneração lhe será concedida, mesmo porque

"Criminoso" é, efetivamente, na opinião pública, quem esteve sujeito a sanções estigmatizantes e isto significa, na prática, quem é ou foi parte da população carcerária93.

Tudo isto se dá pelo fato de que, para a sociedade, o

delinqüente deve ser punido e não reeducado. Para a maioria das pessoas, a

cadeia não tem o dever de reeducar, mas sim de punir. Tanto é verdade que, pelo

que se observa do quadro das prisões, nota-se que não há muita ou quase

nenhuma vontade de tornar a vida do preso mais agradável e produtiva enquanto

este paga pelo seu crime.

92 MACHADO, Luiz Alberto. A execução das penas em espécie: penas privativas de liberdade.

Publicado na Revista da Faculdade de Direito da UFPR Vol. 33 - 2000, p. 83. 93 BARATTA, Alessando. Criminologia crítica e política penal alternativa. Revista de Direito Penal

nº 23, s.d., p. 10.

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Uma questão a ser resolvida diz respeito ao direito do preso

de trabalhar enquanto estiver cumprindo pena. Tal direito lhe traz dois benefícios:

o auxílio reclusão, que poderá ajudar a sua família; e a remição da pena, pois,

para cada três dias de trabalho subtrai-se um dia da pena imposta, porém, com a

superlotação dos presídios, não há trabalho para todos.

Além do mais, o trabalho não tem por fim o lucro daquele

que utiliza a mão-de-obra carcerária, mas sim, ajudar os presos na sua

ressocialização, de modo que este deve ser compatível com as aptidões do

apenado, ou que lhe proporcione um efetivo aprendizado, porém, esta também é

outra questão delicada, tendo em vista que, se não há trabalho pra todos,

tampouco há trabalho condizente com a aptidão de cada preso.

A má alimentação também é um sério problema, pois não

são raras as notícias de protestos, às vezes violentos, provenientes de presos

revoltados com a escassez ou má qualidade da alimentação fornecida. Chega-se

ao cúmulo de haver denúncias de corrupção envolvendo alimentos94.

Outro direito do preso diz respeito à visita íntima. Porém,

este é um direito quase impossível de ser exercido pelo preso, haja vista a

superlotação dos presídios. Esse fato causa muitos problemas de ordem sexual

ao apenado que não é casado nem possui união estável, já que, além de toda a

dificuldade, apenas os presos casados ou conviventes têm o direito de manter

relações com suas esposas ou com companheiras.

A carência de vagas nos presídios também é uma questão

antiga que preocupa tanto a Administração Pública quanto a sociedade. A

superlotação é, muitas vezes, o estopim de violentas rebeliões que acabam

provocando sérios danos ao cidadão comum, seja pela violência deflagrada, seja

pelo clima de confronto e insegurança social criado pelas fugas, tomada de reféns

e até a morte de pessoas inocentes.

94 FALCONI, Romeu. Sistema presidial: reinserção social?, p. 75.

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A superlotação concorre para a ampliação e deficiência nas

tarefas de alimentar, vigiar, coordenar o trabalho e o lazer, além de dificultar a

disciplina95.

Outro fator a ser ponderado é a corrupção existente dentro

dos presídios. Esta vai da simples comercialização superfaturada de produtos

permitidos, a favores e regalias incompatíveis com o sistema e a disciplina

interna96.

A corrupção traz malefícios para as partes envolvidas no

sistema prisional. Seja para os internos, como uma espécie de sofrimento

adicional, seja para a Administração Pública que se vê constantemente sob

suspeitas.

Além disso, a corrupção traz também, efeitos que contrariam

os princípios de segurança e disciplina nos presídios e um exemplo disso é a

entrada de tóxicos e o tráfico junto aos presos que, como relatam os noticiários,

tem a conivência de funcionários.

Diante de tantos problemas apresentados pelo sistema

prisional é de se concluir que o mesmo não se presta aos fins estabelecidos na

lei. Ou, como já dito alhures, não ressocializa, ao contrário, cria intenso ânimo de

mágoa e insatisfação pela crueldade e insalubridade do local. O egresso é, na

maioria das vezes, insatisfeito e vingativo, temeroso do instante de retornar ao

convívio social97.

E a tão importante e desejada ressocialização não acontece

pelo simples fato de que ali, naquele ambiente, o interno se vê obrigado a lançar

mão de todos os meios para sobreviver, corrompendo assim seus próprios

95 FALCONI, Romeu. Sistema presidial: reinserção social?, p. 80. 96 FALCONI, Romeu. Sistema presidial: reinserção social?, p. 78. 97 ADOLFO, Lúcio. A execução penal no Brasil ou “Um conto da carochinha à brasileira”. Revista Jurídica

Consulex, ano VII. n. 159. 31 agosto 2003, p. 33.

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valores98.

Destarte, pode-se dizer com propriedade que a prisão:

a) não serve para o que diz servir; b) oferece o máximo de promiscuidade; c) neutraliza a formação e o progresso de bons valores; d) estigmatiza o ser humano; e) funciona como máquina de reprodução da carreira no crime; f) introduz na personalidade a prisionalização da nefasta cultura carcerária; g) estimula o processo de despersonalização; h) legitima o desrespeito aos direitos humanos; i) destrói a família do condenado99.

Porém, ao contrário, para realizar plenamente seus fins, a

pena de prisão deve ser:

a) proporcional à gravidade do crime e à culpabilidade do agente; b) impulsora do senso de responsabilidade; c) eficaz na defesa da sociedade; d) reparadora do dano causado; e) exemplar para todos; f) tranqüilizadora dos homens de bem; g) medicinal para o próprio delinqüente; h) alicerce para o exercício sadio da cidadania; i) caminho para a retomada dos sonhos na vida familiar e comunitária100.

A realidade prisional do Brasil há tempos tem demonstrado

sinais de falência. Os ministros do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim e

Sepúlveda Pertence já declararam tal fato. Também os sociólogos e juristas

pensam desta forma101. O que falta é apenas um pouco de coragem por parte do

Poder Público para inverter essa situação, antes que não seja mais possível. É

preciso que haja iniciativa, ações, bem como políticas públicas que sejam

98 ADOLFO, Lúcio. A execução penal no Brasil ou “Um conto da carochinha à brasileira”, p. 33. 99 OLIVEIRA, Edmundo. Prisão e penas alternativas, p. 62. 100 OLIVEIRA, Edmundo. Prisão e penas alternativas, p. 62. 101 Ver FALCONI, Romeu. Sistema presidial: reinserção social?, p. 88.

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capazes de alterar o atual quadro do sistema prisional.

2.6 A REALIDADE PRISIONAL: superlotação, precariedade e degradação humana

O Estado, que é responsável pela ordem jurídica positiva,

tem o dever de reconhecer e garantir a validade dos Direitos Humanos como

pressuposto legítimo da sua própria existência e os limites claros da sua

autoridade sobre os cidadãos102.

O grande problema apontado dentro do sistema prisional é

fato da demanda ser infinitamente maior que a oferta, além dos reiterados

prejuízos com rebeliões, cada vez mais freqüentes, resultado da superlotação103.

Ademais, também é grande o número de criminosos presos

por crimes sem violência. Os números são alarmantes. Mesmo sem estatísticas

muito confiáveis, existem, no Brasil mais de 100 mil presos em regime fechado e

pelo menos 50% condenados por crimes sem violência. Para mantê-los, o

contribuinte gasta 18 milhões de reais por mês. Em Porto Alegre um preso custa

300 reais por mês, no Rio de Janeiro 548 reais, em Brasília 1.200 reais. A média

nacional é de 513 reais mensais por preso. Mesmo com esse custo, no regime

fechado a taxa de reincidência chega a 86%. Isso prova que a prisão é um

instrumento de controle social caríssimo, além de ineficaz, ou, em outras

palavras, a prisão é uma maneira muito cara de tornar as pessoas piores104.

De acordo com a tabela abaixo se pode observar a

população carcerária por regime de condenação, como também fora do sistema

prisional:

Tabela 02. POPULAÇÃO CARCERÁRIA POR REGIME DE CONDENAÇÃO

102 OLIVEIRA, Edmundo. Direito Penal e Direitos humanos, p. 23. 103 ADOLFO, Lúcio. A execução penal no Brasil ou “Um conto da carochinha à brasileira”, p. 35. 104 MACHADO, Cláudio Marks. De formiguinhas a soldados do crime. Revista Jurídica Consulex.

ano VII. n. 153. 31 maio 2003, p. 38.

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HOMENS Regime Condenados Provisórios Total Aberto 5.756 1.402 7.158 Semi-aberto 22.380 134 22.514 Fechado 88.141 29.529 117.670 Med. Segurança 3.588 4.973 8.561 TOTAL 119.865 36.038 155.903 MULHERES Regime Condenados Provisórios Total Aberto 194 85 279 Semi-aberto 658 16 674 Fechado 2.854 1.326 4.180 Med. Segurança 249 83 332 TOTAL 3.955 1.510 5.465 Fonte: Secretarias de Justiça e Segurança dos Estados. Extraído da Revista Jurídica Consulex. Ano VII – n. 153 – 31 de maio de 2003. MACHADO, Cláudio Marks. De formiguinhas a soldados do crime.

Verifica-se, por meio destes dados, que a população

carcerária masculina é infinitamente superior à feminina. Este fato pode se dar por

diversos fatores: maior discriminação masculina, menos oportunidades de

empregos, etc. Além disso, verifica-se que, nas camadas mais pobres, a maioria

das mulheres mantém-se com subempregos de domésticas, faxineiras, etc., tendo

como principal ocupação o zelo pela família, casa, filhos, etc., o que as afasta

mais da criminalidade.

Os homens, ao contrário, estão mais expostos ao problema

da marginalização, tendo em vista a necessidade de sustento seu e de sua

família, aliado às facilidades que a ilicitude traz.

Nos casos dos jovens delinqüentes, tais fatores estão

associados aos problemas familiares e sociais enfrentados pelo mesmo e sua

família.

O fato é que, mesmo que estas causas não justifiquem a

criminalidade e a reincidência, é fato notório que os homens e mulheres

provenientes de famílias mais abastadas e estruturadas são número mínimo nas

estatísticas das cadeias e presídios.

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Tabela 03. POPULAÇÃO CARCERÁRIA FORA DO SISTEMA PRISIONAL PRESOS NA POLÍCIA

HOMENS Tipo de estabelecimento Condenados Provisórios Total

Delegacias 20.766 29.468 50.234 Cadeias Públicas 2.370 5.001 7.371 Outros 26 33 59 TOTAL 119.865 34.502 57.664

PRESOS NA POLÍCIA MULHERES

Tipo de estabelecimento Condenados Provisórios Total Delegacias 1.417 1.098 2.515 Cadeias Públicas 956 717 1.673 Outros 0 0 0 TOTAL 2.373 1.815 4.188 Fonte: Secretarias de Justiça e Segurança dos Estados. Extraído da Revista Jurídica Consulex. ano VII – n. 153 – 31 de maio de 2003. MACHADO, Cláudio Marks. De formiguinhas a soldados do crime.

Através dos dados desta tabela, pode-se verificar que, no

que diz respeito aos presos na polícia, o número de condenados presos em

estabelecimentos não apropriados quase se equipara ao número de presos

provisórios.

Já no tocante às mulheres presas, o número de condenadas

é superior às presas provisórias, tanto nas delegacias quanto nas cadeias

públicas.

Estes dados são bastante alarmantes, tendo em vista a

necessidade de estabelecimento adequado para o cumprimento da pena.

Ademais, é de conhecimento notório que, aquele que aguarda julgamento

encarcerado possui contra si a presunção de inocência, e, neste sentido, o

encarceramento do mesmo junto aos condenados definitivos é uma afronta aos

seus direitos, além de um risco à sua integridade física.

Outrossim, não é comum observar presos civis tendo que

dividir o mesmo ambiente com os apenados, o que é uma afronta maior ainda,

tendo em vista que estes presos estão ali, ou porque foram depositários infiéis,

devem tributos fiscais ou pensão alimentícia, e não são criminosos. Estes

números, assim, são alarmantes, necessitando de uma solução urgente.

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Tabela 04. TOTAL GERAL – BRASIL

POPULAÇÃO CARCERÁRIA TOTAL (NO SISTEMA PRISIONAL E NA POLÍCIA) HOMENS MULHERES

Condenados Provisórios Total Condenados Provisórios Total Total de Presos

143.027 70.540 213.567 6.328 3.325 9.653 223.220 Fonte: Secretarias de Justiça e Segurança dos Estados. Extraído da Revista Jurídica Consulex. ano VII – n. 153 – 31 de maio de 2003. MACHADO, Cláudio Marks. De formiguinhas a soldados do crime.

Verifica-se, ademais, por estes últimos dados, que a

população masculina ultrapassa a 213.000, enquanto que a população feminina

alcança a 10.000.

Estes dados, conforme anteriormente mencionado,

justificam-se pelo fato de as mulheres estarem menos expostas às facilidades da

criminalidade.

Por outro lado, a maioria das mulheres que se encontram

cumprindo pena, são por motivos mais graves, tais como tráfico de drogas e

homicídio.

Outrossim, o que mais chama atenção nestes números é a

superpopulação da massa carcerária, que há tempos já ultrapassou o número de

vagas disponíveis no sistema prisional, conforme se observa no quadro abaixo:

Tabela 05. VAGAS E PRESOS NO SISTEMA PRISIONAL E NA POLÍCIA Estados Vagas Nº de Presos Déficit de vagas Acre 524 1.196 -672 Alagoas 1.033 840 193 Amapá 537 850 -313 Amazonas 949 1.603 -654 Bahia 3.735 4.927 -1.192 Ceará 4.131 5.860 -1.729 Distrito Federal 3.125 4.870 -1.745 Espírito Santo 2.689 3.737 -1.048 Goiás 3.914 5.255 -1.341 Maranhão 815 2.905 -2.090 Mato Grosso 2.100 2.133 -33 Mato Grosso do Sul 2.199 4.435 -2.236

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Minas Gerais 4.179 17.471 -13.292 Pará 3.070 3.012 58 Paraíba 3.860 3.963 -103 Paraná 7.475 9.594 -2.119 Pernambuco 4.345 8.840 -4.495 Piauí 737 812 -75 Rio de Janeiro 20.766 20.726 40 Rio Grande do Norte 1.324 1.175 149 Rio Grande do Sul 12.779 14.045 -1.266 Rondônia 1.559 2.685 -1.126 Roraima 430 410 20 Santa Catarina 3.298 4.566 -1.268 São Paulo 67.348 94.737 -27.389 Sergipe 658 1.601 -943 Tocantins 982 972 10 Total Brasil 158.561 223.220 -65.129 Fonte: Órgãos estaduais responsáveis pelo sistema penitenciário. Extraído da Revista Jurídica Consulex. ano VII – n. 153 – 31 de maio de 2003. MACHADO, Cláudio Marks. De formiguinhas a soldados do crime.

Nestes números estão incluídos os presos condenados nos

regimes aberto, semi-aberto e fechado, aqueles que estão sofrendo medida de

segurança e os que estão presos na polícia.

Conforme se pode observar, o número de vagas disponíveis

no sistema penitenciário brasileiro é muito menor do que o contingente de presos

e, naqueles presídios que não apresentam superlotação a situação também é

precária em outros pontos.

Outro fator interessante a ser observado é que o Estado do

Rio de Janeiro, apesar de toda a criminalidade existente, não possui presos

excedentes, enquanto os estados de São Paulo e Minas Gerais são os que

possuem excessos extraordinários, sendo que Minas Gerais possui um déficit de

13.292 e São Paulo de 27.389 em seus sistemas prisionais.

Não se pode precisar, com estes dados, qual o benefício

que isto pode trazer, haja vista que, como se sabe, o estado do Rio de Janeiro

tem o maior índice de violência e criminalidade do país, sendo observado, ainda,

a grande dificuldade que possui aquele Estado para prender e punir seus

infratores, em sua maioria, traficantes de drogas.

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No entanto, além da superlotação, outros problemas

apresentados são as péssimas condições dos presídios, a má alimentação dos

presos, a assistência jurídica, social, educacional, médica e profissional precárias,

a violência entre os detentos e entre estes e funcionários dos presídios, entre

outros.

Muitos destes problemas não seriam tão graves se não

fosse o excesso de encarcerados, haja vista que, diante da demanda de presos,

superior ao número de vagas, não se pode oferecer uma instalação sanitária

satisfatória, uma alimentação adequada, tampouco a assistência necessária, seja

ela jurídica, médica, social, educacional ou profissional.

Em conseqüência disso, toda a população carcerária sofre

além dos níveis humanamente permitidos, contraindo todo tipo de doenças,

caindo cada vez mais no mundo dos vícios e, principalmente, agravando a sua

própria condição de delinqüente.

A maioria dos direitos do apenado estabelecidos na Lei de

Execução Penal lhe é suprimido.

O trabalho, que é um dever e um direito do preso é quase

nulo. A educação é precária. O atendimento médico também é escasso. A

assistência jurídica, afora aqueles que possuem condições de arcar com os

honorários de um bom advogado, é pouca, senão nenhuma. Não são raros casos

de condenados que já cumpriram a pena, mas continuam presos pelo simples fato

de não ter ninguém que lhe assista e peticione ao judiciário, para que possa ser

posto em liberdade.

A assistência social, pedra angular daqueles que estão

reingressando no mundo de liberdade, também é praticamente ínfima. O

indivíduo, depois de passar anos encarcerado, sai para a liberdade “com uma

mão na frente e outra atrás”, sem qualquer orientação, ajuda material, moral ou

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psicológica.

É penoso saber que o apenado, depois de sofrer todo tipo

de degradação humana dentro do presídio, sai para a vida social sem qualquer

ajuda. E, muitas vezes, por causa disso, volta a delinqüir, retornando novamente

à prisão, e reiniciando um círculo vicioso, que, na maioria das vezes, só tem fim

com a morte do indivíduo.

Não é demais repetir que se faz necessário uma mudança

drástica no sistema prisional ou na forma de se aplicar a pena, pois, diante de

tantas opções de sanção, não se pode aceitar a pena privativa de liberdade como

a única opção conveniente.

Nos próximos capítulos será tratado sobre o Estado e a

execução penal brasileira, bem como das políticas públicas de reinserção social

do apenado em pena privativa de liberdade, como forma de oferecer uma solução

para o problema da reintegração do preso junto à sociedade.

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3 O ESTADO E A EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRA

3.1 O ESTADO E SUA FUNÇÃO SOCIAL

Promover a execução penal é uma função do Estado, e esta

execução deve estar de acordo com os direitos do preso, de modo a garantir a

obediência aos ditames legais e aos anseios sociais.

No entanto, antes de adentrar na questão da função do

Estado, no tocante à ressocialização social do preso, propriamente dita, faz-se

necessária uma breve conceituação do que vem a ser o Estado, bem como a sua

função social em relação a sociedade.

Pode-se dizer que o Estado é uma instituição que foi criada

para resolver os problemas da vida em coletividade. Tais problemas surgem a

partir do chamado processo de diferenciação social, quando a sociedade passa a

se organizar a partir de grupos portadores de identidades (classe, sexo, religião,

cor), valores, interesses e opiniões divergentes105.

No dizer de Moura106, pode-se compreender o Estado como

sendo um agrupamento social politicamente organizado, gerido por objetivos em

comum, obviamente segundo determinadas normas jurídicas em um território

certo e definido, sob a total tutela de um poder soberano, representado por um

governo independente. Destarte, a consolidação do Estado surge na medida em

que coexistem interesses similares de uma coletividade e o devido ânimo de

colocá-los em prática.

105 BORBA, Julian. Considerações sobre o conceito, estrutura e funcionamento de uma Política

Pública. MIMIO. 106 MOURA, Carmen de Carvalho e Souza. O Estado contemporâneo. Jus Navigandi, Teresina, a.

3, n. 35, out. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.-asp?id=54>. Acesso em: 16 ago. 2004, p. 01.

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Da mesma forma, Azambuja107, conceitua o Estado como

sendo “a organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem

público, com governo próprio e território determinado”.

Já para Dallari108, o Estado é uma “organização jurídica

soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado

território”.

Com efeito, visando evitar o conflito generalizado entre

esses interesses divergentes, uma escolha racional aos indivíduos é criar uma

instituição que busque transformar esses focos potenciais de conflitos em formas

cooperativas de ação. Surge, assim, o Estado109.

Isto porque, segundo Wolkmer110, ao contrário da visão

tradicional predominante, o Estado não é um ser abstrato, neutro e distante dos

conflitos sociais. O Estado não está acima e tampouco é superior à Sociedade,

pois se trata de uma realidade criada e moldada pela própria vontade da

Sociedade para servir, representar e tomar decisões que atendam aos interesses

de seus integrantes.

Acredita-se, assim, que o Estado possui uma função social,

e que esta contribui para a redistribuição de renda, decorrente da implantação e o

funcionamento de serviços públicos, mediante organizações complexas que

confiam a eficiência de tais serviços à responsabilidade coletiva, visando a

confiança no bem público, na propriedade e na organização social.

Todas as sociedades humanas e todos os aspectos da

cultura estão ligados num único pólo: a interação social. A intenção social, na

107 AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 35. ed. São Paulo: Globo, 1996, p. 56. 108 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 24. ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 126. 109 BORBA, Julian. Considerações sobre o conceito, estrutura e funcionamento de uma Política

Pública. MIMIO. 110 WOLKMER, Antônio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 1990, p. 11.

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visão de Biesanz111 é o estímulo e a correspondente resposta às penas em

relação social, que sucede quando duas ou mais estão em contato (direta ou

indiretamente) e estão conscientes uma da outra.

O Estado não só coordena o uso da força, mas também

reivindica o poder exclusivo de aprisionamento e de execução interferindo na

interação social.

A tradição liberal-burguesa apregoa que o Estado tem

basicamente as funções de arbitragem dos conflitos, de manutenção da ordem e

da segurança pública. Essas tarefas, típicas de um “agente” muito especial,

implicam na representação de questões comuns a todos os cidadãos da

coletividade, na salvaguarda da liberdade formal, no controle e na proteção da

nação112.

No entanto, no que diz respeito à função social do Estado na

ressocialização do preso, é preciso ter em mente, em primeiro lugar, que pena

não é vingança, embora tenha um caráter de punição. A pena tem uma função

preventiva para intimidar as pessoas a não cometerem crimes, e, além disso, tem

um objetivo ético muito maior: que é educar, ressocializar o infrator113.

Para cumprir este desiderato, deve o Estado dispor dos

meios necessários ao fiel cumprimento da pena dentro dos valores morais,

sociais, éticos, sempre respeitando os direitos conferidos aos presos.

Consoante Frossard114, não basta reprimir o crime

segregando o criminoso, é preciso tornar o crime um mau negócio. Assim, faz-se

necessário a reestruturação legislativa, inclusive de cunho constitucional e a união

111 BIESANZ, John. Introdução à Ciência Social. FERNANDES, Heloisa Rodrigues (trad). São

Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1972, p. 115. 112 WOLKMER, Antônio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado, p. 11. 113 TAVEIROS, Nicole Romeiro. Ressocialização do preso: o caso Paula Thomaz. Jus Navigandi,

Teresina, a. 4, n. 42, jun. 2000. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/dou-trina/texto.asp?id=1896>. Acesso em: 16 set. 2004, p. 01.

114 FROSSARD, Denise. Sem anestesia. Tendências e debates. Folha de São Paulo. São Paulo. 2 fev 2002, p. A 3.

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na ponta da investigação a Polícia Civil, os juízes e os promotores, criando

juizados de instrução, experiência essa vitoriosa na Itália (operação mãos limpas),

onde a polícia (carabinieri) e magistrados derrotam a máfia. O exemplo italiano

atingiu a impunidade que salvaguardava as ações do grupo mafioso, impondo-lhe

prejuízos econômicos.

Tanto o Governo como a opinião pública precisam se

preparar com políticas públicas eficientes para encarar a questão penitenciária

como componente relevante do progresso científico e tecnológico, considerando

que faz parte de uma sociedade justa, eqüitativa, educada e economicamente

expressiva, saber dar conta dessa problemática com seriedade, determinação e

competência.

É preciso que o Estado tome uma posição no sentido de

fazer cumprir o que determina a Lei de Execução Penal, que, desde a sua criação

nunca pôde ser obedecida devido à falta de recursos e políticas públicas

adequadas.

Neste sentido, o Estado deve dispor destas Políticas

Públicas para obter a resolução deste problema que assola a sociedade, das

quais tratará o terceiro capítulo do presente trabalho, sendo importante ressaltar,

neste momento, que é dever do Estado manter a ordem e a segurança pública, e,

neste contexto, a manutenção das condições de cumprimento de pena, pelos

apenados, bem como das condições dos presídios.

Nos próximos subtítulos se abordará a Lei de Execução

Penal, bem como seus objetivos, filosofia, aplicabilidade social, os regimes

penitenciais, os regimes penitenciais, seus benefícios, etc., para, no próximo

capítulo, tratar das Políticas Públicas de reinserção social.

3.2 A LEI Nº 7.210/84: objetivos, filosofia e aplicabilidade social

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A Sociedade como um todo está mobilizada na discussão

sobre a função ressocializadora da prisão, bem como da efetividade do sistema

Penitenciário brasileiro. No entanto, esta não está cumprindo seu papel no que diz

respeito à cooperação e entendimento no que tange aos objetivos e finalidade da

Lei de Execução Penal.

A punição aplicada pelo Estado perderia o sentido se não

houve a efetiva execução da pena aplicada. Há que se punir e executar, sem se

ferirem as garantias constitucionais.

As garantias não são de defesa do interesse puramente

penal, mas dos direitos individuais contra eventuais abusos de poder ou

prepotência estatal. A Lei de Execução Penal veio coordenar, controlar e

disciplinar o modo de punir, objetivando proporcionar condições para a

harmoniosa integração social do infrator.

O indivíduo deixa de ser mero objeto da execução para

transformar-se em pessoa humana que, imperfeita por natureza ou por razões

sociais, tem condições de retornar ao convívio social.

Procurando atingir os objetivos de um mínimo de repressão

e um máximo de eficiência na ação educativa, é que, ao final da transição para a

democracia, surgiu a almejada reforma penal, jogando uma pá de cal nas

inquietações sociais daquela época115.

É importante destacar que a reforma penal, havida em 1984,

trouxe significativas modificações no sistema repressivo, possuindo como traço

característico a preocupação com a dignidade humana.

A Lei de Execução Penal Brasileira é considerada como

texto legal de primeiro mundo. Seus objetivos são claros e definidos, quais sejam:

115 LIMA, Wanderson Marcello Moreira de. Pequenas reflexões sobre a repressão penal. Juris

Síntese nº 26 - nov/dez de 2000, p. 01.

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reeducação do preso, função terapêutica da execução, baseada no trabalho, na

educação pedagógica e preparo para a cidadania, bem como a salubridade dos

ambientes prisionais, condizentes com o tratamento, entre outras, são bastante

avançados.

Para Nogueira116, a execução é a fase mais importante do

direito punitivo, pois de nada adianta a condenação sem que haja a respectiva

execução da pena imposta. Também neste ponto encontra-se um dos objetivos

da execução penal, que é justamente tornar exeqüível ou efetiva a sentença

criminal que impôs ao condenado determinada sanção.

O artigo 1º reza que a Execução Penal tem por objetivo

efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições

para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Disso conclui-se que, ao determinar que a execução penal

“tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal”, o

dispositivo registra formalmente o objetivo de realização penal concreta do título

executivo constituído por tais decisões. Já o segundo objetivo que é o de

“proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do

internado”, é instrumentalizada por meio da oferta de meios pelos quais os

apenados e os submetidos às medidas de segurança possam participar

construtivamente da comunhão social117.

Mirabete118 assevera que se adotou na Lei de Execução

Penal o princípio de que as penas e medidas de segurança devem realizar “a

proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade”.

Assim, além de tentar proporcionar condições para a

harmônica integração social do preso ou do internado, procura-se neste diploma

116 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal: Lei nº 7.210, de 11.7.1984. 3.

ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 03. 117 MIRABETE, Júlio Fabrinni. Execução Penal: comentários à Lei nº 7.210, de 11-7-84. 10. ed.

rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2002, p. 26. 118 MIRABETE, Júlio Fabrinni. Execução Penal, p. 26.

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legal não só cuidar do sujeito passivo da execução, como também da defesa

social, dando guarida, ainda, à declaração universal dos direitos do preso comum

que é constituída das Regras Mínimas para Tratamento dos Presos, da

Organização das Nações Unidas, editadas em 1958.

Mirabete119 adverte que o sentido imanente da reinserção

social, conforme estabelecido na Lei de Execução Penal, compreende a

assistência e ajuda na obtenção dos meios capazes de permitir o retorno do

apenado e do internado ao meio social em condições favoráveis para sua

integração, não se confundindo “com qualquer sistema de ‘tratamento’ que

procure impor um determinado número e hierarquia de valores em contraste com

os direitos de personalidade do condenado”120.

A execução da pena é uma atividade complexa, que hoje se

desenvolve não só no plano jurisdicional e administrativo, mas também no social,

pois não se pode prescindir da cooperação da comunidade no cumprimento e

fiscalização das condições impostas no sursis121, assim como nas penas

restritivas de direitos, mormente pela prestação de serviços à comunidade e

limitação de fim de semana, podendo, para tanto, haver um envolvimento das

organizações empresariais na contratação desses detentos que estão cumprindo

sua pena em regime semi-aberto ou cumprimento pena restritiva de direitos.

Porém, mesmo sendo considerada uma norma de primeiro

mundo, a Lei de Execução Penal tem encontrado dificuldades no que tange à sua

aplicabilidade, principalmente pela falta de cooperação e entendimento da

sociedade a respeito dos seus objetivos e finalidade.

Assim, se o cumprimento da pena de prisão tem encontrado

sérias dificuldades por inexistência de presídios, superpopulação carcerária e falta

de estabelecimentos adequados para a aplicação dos três sistemas (fechado, 119 MIRABETE, Júlio Fabrinni. Execução Penal, p. 26. 120 Cf. DOTTI, René Ariel. O novo sistema de penas. Reforma penal. São Paulo: Saraiva, 1985, p.

99. 121 Sursis é uma medida judicial que determina a suspensão da pena, preenchidos certos

pressupostos legais e mediante determinadas condições impostas pela lei e pelo juiz.

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semi-aberto e aberto), também por parte da comunidade tem havido certa

resistência em cooperar, pois as entidades, quais seja, instituições não-

governamentais, empresas, etc., que poderiam dar o devido apoio, em regra, não

confiam no condenado e tampouco manifestam interesse em sua recuperação.

A própria Lei de Execução Penal prevê essa participação

comunitária em diversas passagens, sendo o Conselho da Comunidade um dos

órgãos da execução penal (Lei de Execução Penal, artigo 61, VII) que deve existir

em cada Comarca, com incumbências específicas (Lei de Execução Penal, artigo

80 e 81), mas que os juízes criminais não têm conseguido formar em razão do

desinteresse dos clubes de serviços e entidades de suas comarcas122.

A respeito deste assunto, Borba123 afirma que isto se dá em

razão de que, além da “valorização” de instituições e atores não controlados pelas

regras democráticas e da “desqualificação” das instituições e atores componentes

de um regime democrático, o principal efeito deste arquétipo para a democracia é

a “limitação” e o “fechamento” do debate público sobre as questões públicas.

Isto porque a sociedade brasileira parece ter uma secular

dificuldade para construir mecanismos institucionais de conversão de interesses

particulares em divergências de opiniões. Nossa cultura é portadora de um ethos

comunitário ou familístico que funciona em dois planos, os quais não têm sido mal

articulados. Na face pública da sociedade, o ethos comunitário impede a

explicitação das diferenças, que são tomadas como imorais ou ilegítimas. É isso,

por exemplo, que fazem as ideologias, ou os aspectos das ideologias, ligadas às

idéias de conciliação ou de compromisso. E é isso, por exemplo, que fazem as

ideologias, ou os aspectos das ideologias, ligadas as idéias de conciliação ou de

compromisso. E é isso também que pode ser ilustrado através das permanentes

referencias a categorias abrangentes do tipo povo, nação etc, sempre usadas

como um elemento de homogeneização social124.

122 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 04. 123 BORBA, Julian. O “autoritarismo desmobilizador” no Brasil: estrutura de argumentação,

trajetória e atualidade. In: XI Congresso Brasileiro de Sociologia. 1 a 5 de setembro de 2003. Campinas: UNICAMP, 2003, p. 13.

124 MACHADO, Luiz Antônio. A sociabilidade excludente. “In”: SADER, Emir; GENTIL, Pablo A. A. Pos-neoliberalismo II: que estado para que democracia. 2.ed. Petropolis: Vozes, 2000, p. 126.

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Na face privada, as lealdades e identificações são pensadas

e praticadas segundo uma formula que se poderia sintetizar como amigo/inimigo,

a qual carrega a idéia de que as praticas sociais se constituem, ao fim a ao cabo,

num jogo de soma zero, em que quando um ganha o outro tem que perder125.

Dita a mesma coisa de outra maneira, é como se houvesse

de um lado uma retórica universalista , baseada num modelo de comunidade

homogênea e, de outro, uma prática particularista, baseada no egoísmo doa

iguais. Isso produziu um sistema de sociabilidade altamente excludente, embora

esse sistema de exclusão tenha recebido formatos diferentes ao longo da historia

da sociedade brasileira. Esquematizemos apenas os dois extremos desses

formatos126.

Desta forma, pode-se deduzir que há, por parte da

comunidade, um desinteresse pela problemática da ressocialização do preso,

porém, esta é uma questão que deverá ser inserida aos poucos no cotidiano da

sociedade, por se tratar de um processo lento de mudança cultural.

Neste sentido, enfatiza Hirschman, apud Borba127 que:

Contribuições recentes à teoria da democracia ressaltaram o papel da deliberação no processo democrático: para uma democracia funcionar bem e perdurar, é essencial, afirmou-se, que as opiniões não sejam formadas plenamente antes do processo de deliberação. Os participantes do processo – o público em geral e seus representantes – devem manter um grau de abertura ou de caráter experimental em suas opiniões e estar dispostos a modificá-las em conseqüência de argumentos que serão apresentados pelas partes oponentes e, mais simplesmente, à luz de novas informações que podem surgir no decorrer dos debates públicos. Sem um processo político que manifeste pelo menos alguma aspiração a esse quadro reconhecidamente um tanto idílico, a democracia perde sua

125 MACHADO, Luiz Antônio. A sociabilidade excludente, p. 127. 126 MACHADO, Luiz Antônio. A sociabilidade excludente, p. 127. 127 BORBA, Julian. O “autoritarismo desmobilizador” no Brasil: estrutura de argumentação,

trajetória e atualidade, p. 14.

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legitimidade e fica, assim, ameaçada. No entanto, há necessidade emergente de mudanças de

comportamento. Inclusive, já se pode verificar uma transformação desse padrão

secular, que corresponde a um momento de intensa fragmentação social e rompe

o padrão histórico de sociabilidade.

Esta mudança ocorre sob a forma de duas grandes

tendências divergentes. Primeiro, uma tendência que pode ser definida como

alguma coisa em direção da transformação interna de ethos

comunitário/familístico. As grandes transformações das estruturas produtivas,

tanto no plano nacional quanto internacional; a crise econômica, entendida

especificamente em termos de paralisação do crescimento; a abertura política e a

crise interna do Estado, incluída aí a ineficiência do funcionamento de seu

aparelhos; tudo isso tem levado à arena pública divergências de interesses que já

não podem ser resolvidas pelo uso da força, legitimada como se o objeto fosse

“outro”, nem pela conciliação, em que os negociadores entram em acordo para

expulsar as perdas para terceiros128.

Se por um lado, essas disputas deslegitimam a ordem social

anterior, por outro, elas, ao mesmo tempo, legitimam a sua transformação. Nessa

direção, pode ser que estejamos caminhando pra a formação de um ethos

pluralista, que venha a alterar o padrão básico de integração social, sem ameaçar

a coesividade da sociedade brasileira e reduzindo a desigualdade e a exclusão

que tendem a ser cada vez menos socialmente toleradas (não parece necessário

dizer que o mercado, seja como prática social, seja como ideologia ou política

publica, não é suficiente para conduzir a este final feliz do ethos comunitário

familistico que se desagrega)129.

É verdade que a mudança ocorrida no sistema punitivo

brasileiro, com a criação das penas restritivas de direitos (artigo 43, do Código

Penal Brasileiro), poderia perfeitamente trazer melhores resultados e mais 128 MACHADO, Luiz Antônio. A sociabilidade excludente, p. 128. 129 MACHADO, Luiz Antônio. A sociabilidade excludente, p. 128.

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confiança ao setor repressivo, porém, desde que efetivamente imposta e

cumprida a pena aplicada130.

Para o legislador da Lei de Execução Penal, a pena não

existe para castigar, mas para evitar a perpetuação do crime.

Este pensamento se dá porque o conjunto de processos e

práticas sociais que se costuma associar à idéia de violência urbana e cujo centro

é o crime organizado. Parece-me que esta segunda tendência não deveria ser

confundida, como muitas vezes o é com a anarquia ou ausência de sociabilidade.

É importante salientar, a este respeito, que o próprio fim

reeducativo perde o seu significado quando o condenado passa a usufruir um

tratamento inadequado à sua recuperação ou ressocialização131.

Destarte, a presença real e concreta dessas tendências de

transformação do tecido social - uma que não chega a ameaçar a integração

social, outra que ameaça o principio de reciprocidade nas relações sociais -

caracteriza o fundamental do processo de fragmentação social que estamos

vivendo. E deveria ser contra este pano de fundo que as ideologias e políticas

públicas deveriam ser propostas e avaliadas.

Assim, faz-se necessário enfatizar que a Lei de Execução

Penal precisa ter aplicabilidade social, com a participação da comunidade, pois se

assim não ocorrer, ela perderá a sua eficácia. A sociedade deve estar envolvida

no processo de recuperação do apenado. Todos os esforços da sociedade devem

ser dirigidos à auto-estima do condenado ensejando-lhe, com isso, a

recuperação.

Auto-estima para Lopes132 “é o conjunto de crenças que

130 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 04. 131 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 07. 132 LOPES, Cintia. Coluna “Opinião”. Correio Comunitário (Jornal). Blumenau, SC. Ano 9. n. 102.

Setembro de 2004, pág. 02.

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temos e aceitamos como verdade em relação a nós mesmos, nossa capacidade e

o que podemos fazer”. A auto-estima inclui a confiança para pensar e enfrentar os

desafios da vida, alavancando a vontade de crescer e ser feliz. Inclui ainda, a

integridade pessoal, a dignidade, a bondade, e o desejo de desfrutar dos esforços

empreendidos, buscando dias melhores.

3.3 OS REGIMES PENITENCIAIS NA LEI Nº 7.210/84

A respeito dos regimes penitenciais, o artigo 110 da Lei de

Execução Penal dispõe que:

Artigo 110. O Juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade, observado o disposto no artigo 33 e seus parágrafos do Código Penal.

O caput do artigo 33 do Código Penal Brasileiro, conforme já

explanado no primeiro capítulo do presente trabalho, estabelece as regras gerais

dos regimes penais, ou seja, a “reclusão” pode ser iniciada em qualquer dos três

regimes, “fechado, semi-aberto e aberto”. Já a “detenção” somente nos regimes

“semi-aberto e aberto”, salvo necessidade de transferência ao regime fechado

(regressão).

O regime fechado consiste no cumprimento da pena em

estabelecimento de segurança máxima ou média, quais sejam, a penitenciária

(artigo 87, da Lei de Execução Penal), as casas de detenção (Dec. 13.412/79,

artigo 112), os presídios (Dec. 13.412/79, artigo 116), ou mesmo cadeias

públicas, embora considerados recolhimentos de presos provisórios.

Já o regime semi-aberto é aquele em que o cumprimento da

pena se dá em colônia agrícola, industrial ou similar (Lei de Execução Penal,

artigo 91).

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Finalmente, o regime aberto é aquele em que a execução da

pena será em casa de albergado ou estabelecimento adequado, consagrando-se,

assim, como prisão-albergue (Lei de Execução Penal, artigo 93).

Ensina Nogueira133 que o juiz ou tribunal deve estabelecer

na sentença ou acórdão o regime inicial de cumprimento da pena privativa de

liberdade, já que as penas serão executadas de forma progressiva, tendo o juiz

da execução plena autonomia para modificar a forma de regime, tendo em vista o

mérito do condenado e do próprio cumprimento de parcela da pena. Também

pode determinar a regressão se o condenado, em regime, aberto, cometer novo

crime ou praticar falta grave.

Para os crimes punidos com pena de reclusão, aplica-se o

cumprimento da sanção aflitiva desde o início.

O regime prisional fechado, que se cumpre, privativamente,

em penitenciária dotada das condições e aparatos necessários à avaliação do

comportamento e personalidade do sentenciado, iniciando-se com o exame

criminológico individualizado. Tal exame será realizado por Comissão Técnica de

Classificação, encarregada de elaborar o programa individualizado e acompanhar

a execução das penas, propondo à autoridade competente as progressões e

regressões, bem como as conversões das penas (Lei de Execução Penal, artigo

6º). Essa Comissão deve existir em cada estabelecimento, será presidida pelo

diretor e composta por, no mínimo, dois chefes de serviço, um psiquiatra, um

psicólogo e um assistente social, quando se tratar de condenado a pena privativa

de liberdade (artigo 7º)134.

O exame criminológico visa classificar o condenado,

segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização

da execução penal (artigo 5º), não permitindo

133 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 178. 134 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 178.

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a transferência de reclusos para o regime de semi-liberdade ou de prisão-albergue, bem como a concessão de livramento condicional, sem que eles estivessem para tanto preparados, em flagrante desatenção aos interesses da segurança social135.

No local que não houver equipe para elaborar o referido

exame, o juiz deverá designar médicos capacitados ou psiquiatras para fazerem o

exame da personalidade, não ficando, porém, sujeito às conclusões, tendo em

vista justamente a progressão e regressão do regime, o que lhe permite dar uma

oportunidade ao condenado, beneficiando-o até mesmo contra a conclusão do

exame136.

Ocorre que, devido a esta séria carência no sistema

penitenciário, que não dispõe dos recursos adequados à realização do exame

criminológico, tem levado muitos a admitirem que várias inovações feitas no

Código Penal Brasileiro e na Lei de Execução Penal (penas restritivas de direitos

e exame criminológico, entre outras coisas) não têm condições de serem

aplicadas à realidade social brasileira, tão carente e indiferente aos problemas

humanos137.

Problemas há, todavia, a lei não pode subverter a finalidade

para a qual foi criada. O exame criminológico tem o objetivo de orientar e

acompanhar o desenvolvimento da personalidade do reeducando.

A classificação é o desenvolvimento lógico do princípio da

personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais.

Cada sentenciado tem o direito de que sua personalidade

seja conhecida e analisada, a fim de que possa obter o tratamento adequando no

processo ressocializatório.

O preso tem direitos assegurados e não pode responder 135 Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, nº 32. 136 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 180. 137 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 179.

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pela desídia do Estado em cumprir a lei por ele mesmo editada. A vulneração aos

direitos pode configurar a responsabilidade civil do Estado e de seus agentes.

O artigo 112 da Lei de Execução Penal dispõe que:

Artigo 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena em regime anterior e seu mérito indicar a progressão. Parágrafo único. A decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário.

Portanto, dois são os requisitos estabelecidos para a

progressão de regime: cumprimento de pelo menos um sexto da pena (objetivo) e

merecimento do condenado (subjetivo).

A exceção que se coloca quanto à progressão diz respeito

aos crimes hediondos e hipóteses assemelhadas, a teor do que dispõem as leis

8.072/90138, 8.930/94 e 9.695/98.

O Instituto da Progressão no regime do cumprimento da

pena harmoniza-se com os interesses do Estado, do condenado e da própria

sociedade. A progressão só se materializa mediante a satisfação dos

pressupostos de caráter objetivo e subjetivo.

Ensina Nogueira139 que nem sempre o simples cumprimento

de um sexto da pena pode ensejar a progressão, pois o condenado deve cumprir

pelo menos esse lapso temporal, que nem sempre pode ser satisfatório, dado o

montante da pena aplicada. E também deve revelar merecimento, o que deve ser

apurado através da sua personalidade e não apenas do seu comportamento

138 O §1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 8.930/94 e

9.695/98, reza que: “A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”.

139 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 182.

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carcerário, pois existe tendência de elementos perigosos demonstrarem bom

comportamento na prisão, o que não deixa de ser verdadeira simulação.

Por outro lado, a pena de detenção será cumprida em

regime semi-aberto ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime

fechado (Código Penal Brasileiro, artigo 33), o que se deve entender como regime

inicial, pois pode haver regressão.

O regime aberto pode ser concedido de plano na própria

sentença, desde que o condenado não seja reincidente, assim considerado o

condenado à pena privativa de liberdade por crime doloso, e a pena imposta seja

igual ou inferior a quatro anos.

Desta forma, os requisitos objetivos do regime aberto são: 1)

condenação não superior a quatro anos ou cumprimento pelo menos de um sexto

da pena quando ultrapassar aquele limite; 2) obtenção de trabalho pelo

condenado; 3) aceitação, pelo condenado, do sistema de disciplina e das

condições impostas pelo juiz. Já os requisitos subjetivos do regime aberto são: 1)

ausência de periculosidade ou de reincidência em crime doloso punido com pena

privativa de liberdade; 2) compatibilidade do condenado com o regime aberto140.

A obtenção do trabalho é condição elementar e

imprescindível para a concessão do regime aberto, pois não se compreende que

o condenado seja beneficiado sem que disponha de trabalho. O trabalho é parte

integrante da ressocialização.

Aliás, a Lei de Execução Penal dá ênfase ao trabalho do

condenado, que deve ser remunerado em qualquer circunstância, pois o trabalho

é previsto como dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade

educativa e produtiva (Lei de Execução Penal, artigo 28), e como obrigação do

condenado á pena privativa de liberdade na medida de suas atribuições (artigo

31), além de estar incluído entre os deveres do condenado (Lei de Execução

140 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 183.

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Penal, artigo 39, V) e dos seus direitos (Lei de Execução Penal, artigo 41, II)141.

Portanto, estando previsto o trabalho interno (arts. 31 a 35) e

externo (arts. 36 e 37), principalmente em obras públicas, seria de toda

conveniência que se procurasse propiciar aos condenados condições de poder

trabalhar, mesmo quando recolhidos em cadeias públicas, onde chegam a

cumprir penas na mais perniciosa e indigna ociosidade. É incompreensível que

até hoje não tenha sido dada oportunidade de trabalho ao preso, que chega a

cumprir penas longas sem prestar qualquer serviço, o que o torna inadequado ao

trabalho quando deixa a prisão.

Miotto142, a respeito da importância do trabalho do

condenado, salienta que

Se o condenado, antes da condenação, já tinha o hábito do trabalho, depois de condenado, recolhido, recolhido ao estabelecimento penal, o trabalho que ele exercer manter-lhe-á o hábito, impedindo que degenere; se não tinha, o exercício regular de trabalho conforme às suas aptidões contribuirá para ir gradativamente disciplinando-lhe a conduta, instalando-se na sua personalidade o hábito de atividade disciplinada.

Somente poderão ser dispensadas do trabalho as pessoas

referidas no artigo 117 da Lei de Execução Penal, que são aquelas contempladas

com a prisão domiciliar, ou seja, o condenado maior de setenta anos; o

condenado acometido de doença grave; a condenada com filho menor ou

deficiente físico ou mental e a condenada gestante.

A fixação do regime prisional é de fundamental importância

do progresso cognitivo de recuperação do apenado. A relevância do regime

prisional decorre do sentido e da função da pena, que não deve ser concebido

como instrumento de vingança por parte do Estado, mas em consonância com os

141 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 183-184. 142 MIOTTO, Armida Bergamini. Curso de direito penitenciário, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1975, p.

495.

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modernos desígnios que realçam a recuperação moral e social do réu.

3.4 BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO PENAL NA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

A pena privativa de liberdade tem se mostrado um fardo

para aqueles que são condenados a ela, pois, desde os primórdios da

humanidade ela é aplicada, seja como pena, seja como forma de assegurá-la.

Porém, se há muito tempo esta pena era considerada maléfica aqui no Brasil,

com a edição da Lei de Execução Penal, seguindo as Regras Mínimas para

Tratamento dos Presos, da Organização das Nações Unidas, procurou torná-la

mais humana, de modo a proporcionar ao apenado uma oportunidade de

ressocialização.

Apesar de a realidade mostrar-se desanimadora, a verdade

é que a execução penal na modalidade privativa de liberdade tem lá seus

benefícios, haja vista que traz maior segurança ao preso, que tem seus direitos

assegurados, podendo exigi-los quando necessário.

Neste sentido, cabe ressaltar que a teoria negativa da pena

tem como virtude evidenciar o poder punitivo em toda sua dimensão, incluindo no

horizonte jurídico-penal práticas estatais punitivas antes não abrangidas. Isto é

essencial para que o Direito Penal possa, com eficácia, lograr êxito em sua

função de proteção da sociedade contra a violência estatal institucionalizada, que

por muito tempo atuou sem que contra ela se pudesse exercer qualquer

controle143.

Daí a importância das agências jurídicas, cumprindo-lhes

limitar as manifestações típicas do estado de polícia, verificando sua

compatibilidade com os princípios que regem o estado de direito.

143 GUEDES, Guilherme. Releitura Democrática da legitimação das conseqüências jurídicas do

delito, p. 1.

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Com efeito, é necessário salientar o papel fundamental a ser

exercido pelas instituições essenciais ao exercício da função jurisdicional, pois a

limitação que ora se propõe somente será eficaz se exercida por alguém que

desfrute de poder e independência suficientes para se contrapor à força

hegemônica que busca a manutenção de todo status quo ora vigente144.

Com efeito, a execução penal é regida por princípios

essenciais à garantia do condenado bem como à regularidade processual145,

sendo eles: o princípio da legalidade; da igualdade; da jurisdicionalidade; do duplo

grau de jurisdição e da humanização da pena.

Pelo princípio da legalidade é de se entender que a

execução deve ser feita de acordo com as normas estabelecidas na Lei de

Execução Penal e nos regulamentos das casas do albergado ou conselhos

comunitários, órgãos auxiliares no cumprimento de certas penas146.

Mirabete147 ensina que essa garantia, na doutrina tem-se

denominado de “princípio da legalidade da execução penal” e constitui em um

desdobramento lógico do princípio “nulla poena sine lege”148.

A execução das sanções penais não pode ficar submetida ao poder de arbítrio do diretor, dos funcionários e dos carcereiros das instituições penitenciárias, como se a intervenção do juiz, do Ministério Público e de outros órgãos fosse algo de alheio aos costumes e aos hábitos do estabelecimento149.

Pelo princípio da igualdade consagra-se a proibição de

qualquer discriminação dos condenados por causa de “sexo, raça, trabalho,

credo, religioso e convicções políticas”, pois todos gozam dos mesmos direitos.

144 GUEDES, Guilherme. Releitura Democrática da legitimação das conseqüências jurídicas do

delito, p. 2. 145 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 07. 146 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 07. 147 MIRABETE, Júlio Fabrinni. Execução Penal, p. 28. 148 Não há pena sem lei. 149 Cf. DOTTI, René Ariel. Problemas atuais da execução penal.

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Já pelo princípio da jurisdicionalização da pena entende-se

que a execução penal é uma atividade predominantemente administrativa, com

incidentes de jurisdicionalidade, ou seja, a intervenção do juiz, na execução da

pena, é eminentemente jurisdicional, sem excluir-se aqueles atos acessórios, de

ordem administrativa, que acompanham as atividades do magistrado. Assim, de

acordo com este princípio, a justiça penal não termina com o trânsito em julgado

da sentença condenatória, mas realiza-se, principalmente, na execução. É o

poder de decidir o conflito entre o direito público subjetivo de punir (pretensão

punitiva ou executória) e os direitos subjetivos concernentes à liberdade do

cidadão150.

Pelo princípio do duplo grau de jurisdição há de ser

reconhecida a possibilidade de recurso contra todas as decisões proferidas pelo

juiz da execução.

Pelo princípio da humanização da pena deve-se entender

que o condenado é sujeito de direitos e deveres, que devem ser respeitados, sem

que haja excessos de regalias, o que tornaria a punição desprovida da sua

finalidade151.

Mirabete152 afirma que o Estado tem o direito de executar a

pena, e os limites desse direito são traçados pelos termos da sentença

condenatória, devendo o sentenciado submeter-se a ela. A esse dever

corresponde o direito do condenado de não sofrer, ou seja, de não ter de cumprir

outra pena, quantitativa ou qualitativamente diversa a aplicada na sentença.

Além disso, nos termos do artigo 41 da Lei de Execução

Penal, são direitos do preso:

Artigo 41. omissis I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

150 MIRABETE, Júlio Fabrinni. Execução Penal, p. 30. 151 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 07. 152 MIRABETE, Júlio Fabbrinni. Execução Penal, p. 39.

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III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.

Há que se salientar que o rol dos direitos do preso,

elencados no artigo 41, é apenas exemplificativo, pois não esgota, em absoluto,

os direitos da pessoa humana, mesmo daquela que se encontra presa, e assim

submetida a um conjunto de restrições.

O artigo 5º da Constituição da República federativa do Brasil

de 1988 assegura os seguintes direitos, não subtraídos da pessoa do apenado:

1) Direito à vida;

2) direito à integridade física e moral;

3) direito à propriedade (material e imaterial, ainda que o

preso não possa temporariamente exercer alguns dos

direitos de proprietários);

4) o direito à liberdade de consciência e de convicção

religiosa;

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5) o direito à instrução e o acesso à cultura;

6) o direito ao sigilo de correspondência e das

comunicações telegráficas de dados e telefônicas;

7) o direito de representação e de petição aos poderes

públicos, em defesa de direito ou contra abusos de

autoridade;

8) o direito de obtenção de certidões em repartições públicas

para a defesa de direitos e esclarecimento de interesses

pessoal;

9) o direito à assistência judiciária;

10) o direito às atividades relativas às ciências, às artes, às

letras e à tecnologia;

11) o direito à indenização ao condenado por erro judiciário

ou àquele que ficar preso por mais tempo do que o

estabelecido na sentença.

Também em tema de direitos do preso, a interpretação que

se deve buscar é a mais ampla no sentido de que tudo aquilo que não constitui

restrição legal decorrente da particular condição do sentenciado, permanece

como direito seu153.

Destarte, se houver, por parte do Estado, um trabalho de

políticas públicas de reinserção social do apenado, a execução penal poderá

trazer muitos benefícios, não só teóricos, mas também práticos à vida dos

detentos154.

Um exemplo disto, que inclusive é apresentado no terceiro

capítulo do presente trabalho, diz respeito à adoção, em vários presídios do

Estado do Rio Grande de Sul, de uma política voltada à ressocialização através

da profissionalização. O sistema prisional gaúcho vem dando um bom exemplo no

153 MARCÃO, Renato Flávio. Execução penal: Descontrole na edição leis é percebido pela

sociedade. Disponível em <http://www.conjur.com.br>. Acesso em 17 set 2004, p. 05. 154 A respeito das políticas públicas de reinserção social será abordado no 3º capítulo, acerca dos

problemas apresentados pelo sistema prisional e sugestões de melhoria.

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que diz respeito ao trabalho penitenciário como forma de ressocialização do

apenado155.

Assim como este exemplo, é preciso (e possível) que haja

uma solução, para que a pena privativa de liberdade não seja apenas uma

segregação, mas um modo de preparar o apenado para a sua reintegração à

sociedade. É preciso que haja políticas públicas de lazer, trabalho e educação os

quais se caracterizam como pilastras da dignidade humana.

3.5 O FRACASSO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO NA APLICAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

Assevera Sala156 que os objetivos principais da Lei de

Execução Penal em atender e efetivamente dar condições de se cumprir os

ditames impostos na sentença ou decisão criminal, bem como proporcionar

harmonicamente a integração do condenado ou do internado à sociedade, foram

os passos mais positivos e que geraram grande expectativa nos meios jurídicos e

policiais.

A Lei de Execução Penal reproduziu em seu bojo a

confluência dos interesses que apregoavam a implantação de um Estado

Democrático de Direito na década de 80, do século passado, supervalorizando a

participação social, o cidadão como figura central das preocupações do Estado, e

ainda, atuais entendimentos da Publicação Universal dos Direitos do Homem e

dos Cidadãos. Tais preceitos ostentaram filosoficamente esse diploma,

reproduzindo as ideologias da época e mostraram uma proximidade dos seus

ideais basilares com a vitalidade social do momento, a paixão libertadora e o sim

ao que há de mais marcante em um Estado: a participação popular em forma de

voto dando um aval ao pacto social de Rousseau157.

155 Sobre este tema, trata, com mais propriedade, o capítulo três. 156 SALA, Luiz Vanderlei. O sistema penitenciário catarinense e a execução da pena. Monografia.

Florianópolis: UFSC, 2000, p. 48. 157 IRIGON, André Dias; GOULART, Henrique Gouveia de Melo; VIEIRA, Vinícius Marçal. Um

paralelo entre o Código de Processo Penal de 1941 e a Lei de Execuções Penais de 1984 e a

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Diante do prescrito no artigo 1º, da Lei de Execução Penal,

esperava-se que os problemas relativos aos princípios da execução penal,

poderiam de uma vez por todas serem colocados em prática e certamente o

Estado cumpriria com a sua missão, ou seja, apresentaria os recursos pertinentes

à aplicação da Lei e todos os seus programas referentes à ressocialização do

educando158.

Entretanto, o Estado Brasileiro não reformou o Sistema

Penitenciário para garantir a aplicabilidade da referida lei.

A inércia ou o pouco caso do Estado, no tocante às

questões penitenciárias, levou o sistema ao descrédito. O que era para ser uma

garantia para a população passou a ser sinônimo de medo e terror. A violência

praticada na sociedade e nas prisões amedronta ainda mais os indivíduos.

As cadeias, presídios e penitenciárias estão superlotados e

a tão propalada reeducação inserida na Lei de Execução Penal fenece

lentamente, levando o Estado a perder o controle sobre a violência e a única

válvula de escape que possui é majorar as sanções aflitivas, através de leis

rígidas.

Sem uma política coerente, humana e ajustável à realidade

social não haverá uma solução para o problema carcerário brasileiro.

Vogt159 assevera que as lamentáveis condições de vida nas

prisões brasileiras, não é segredo para ninguém. O sistema carcerário brasileiro

não tem cumprido seu principal objetivo, que é reintegrar o condenado ao

convívio social, de modo que não volte a delinqüir.

obra de Francesco Carnelutti. Disponível em <http://www.advogado.adv.br>. Acesso em 17 set 2004.

158 SALA, Luiz Vanderlei. O sistema penitenciário catarinense e a execução da pena, p. 48. 159 VOGT, Carlos. As penas alternativas e a dignidade humana. Violência: faces e máscaras.

Disponível em <http://www.comciencia.br/reportagens/violencia/vio05.htm>. Acesso em 17 set 2004, p. 05.

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Para o citado autor, não é porque a origem etimológica da

palavra "pena" significa castigo, suplício, que os infratores devam ser

desumanamente supliciados. O propósito da pena privativa de liberdade é

recuperar o infrator e não torná-lo pior, sobretudo, se se constatar que ela é uma

evolução em relação ao sistema antigo de execução penal, que punia com o

açoite, a mutilação e a própria morte160.

Nessa linha, Dotti161, ao estabelecer as bases e alternativas

para o sistema de penas, preconizou que urge que a prisão seja imposta somente

em relação aos crimes graves e delinqüentes de intensa periculosidade. Nos

outros casos, deve ser substituída pelas medidas e penas alternativas e restritivas

de direitos, como a multa, a prestação de serviço à comunidade, limitação de fins

de semana, interdições temporárias de direitos, proibição de freqüentar

determinados lugares, exílio local, realização de tarefas em hospitais, casas de

caridade, prestação de auxílio a vítimas de trânsito.

Esta é também a posição das Nações Unidas, que no IX

Congresso da Organização das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e

Tratamento do Delinqüente, realizado no Cairo em 1995, quando recomendou a

utilização da pena detentiva em último caso e somente nas hipóteses de crimes

graves e de condenados de intensa periculosidade. Para outros delitos e

criminosos de menor intensidade delinqüencial, foram recomendadas medidas e

penas alternativas162.

Muitas idéias e inovações penais, tais como a descriminação

das contravenções, o sistema unitário de penas, a transformação da ação penal

pública para privada, estão sendo discutidas e sendo implementadas com

sucesso por inúmeros países. No Brasil, algumas penas alternativas como o

sursis e o livramento condicional já são aplicadas há algum tempo e também há

uma preocupação em descriminalizar determinadas condutas humanas, como a 160 VOGT, Carlos. As penas alternativas e a dignidade humana, p. 05. 161 DOTTI, René Ariel. A crise do sistema penal. Revista dos Tribunais São Paulo: RT, p. 421-428. 162 VOGT, Carlos. As penas alternativas e a dignidade humana, p. 05.

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sedução e o adultério, por serem condutas aceitáveis pela sociedade nos dias

atuais163.

Fazendo-se uma avaliação ampla do sistema penitenciário

brasileiro, percebe-se que o precário estado deste revela o fracasso das políticas

públicas voltadas para a recuperação daqueles indivíduos punidos pelo sistema

de justiça criminal, e o grande vilão desta situação é a falta de um planejamento e

reforma do sistema.

Destarte, mais do que fazer leis rigorosas, é preciso

encontrar alternativas de punição para os crimes denominados de menor

potencial ofensivo. Já existem algumas mudanças nas leis em relação a esses

delitos, mas é necessário que haja algo mais definitivo, mais concreto, pois ainda

se pode encontrar pequenos delinqüentes dividindo celas com bandidos

perigosos.

Enfim, somente depois de uma reforma efetiva, não só nas

leis, mas no sistema carcerário é que se poderá falar em reforma do sistema

penal.

3.6 A NECESSIDADE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A REINSERÇÃO SOCIAL

Fazendo-se uma análise do aumento da violência no mundo

atual, além das experiências frustradas de pena de morte e prisão perpétua em

outros países, e considerando que a maior parte de ex-detentos voltam a

delinqüir, chega-se à conclusão de que a pena privativa de liberdade é um

instituto falido, posto que não atinge seus fins de prevenção e de ressocialização.

A pena de prisão, que deveria ser utilizada como último

recurso para a punição do condenado, pela falta de estrutura do Estado, tem

163 VOGT, Carlos. As penas alternativas e a dignidade humana, p. 05.

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servido para retirar o indivíduo infrator do âmbito social e garantir segurança aos

demais. Entretanto, conforme já falado, a pena privativa de liberdade não é uma

forma de vingança, ou um meio de afastar aquele que cometeu um crime do seio

da sociedade e mantê-lo à margem do convívio social, em virtude da sua

"culpabilidade" e "periculosidade". Deve ser também uma forma de dar-lhe

condições para que se recupere e volte à vida em comunidade164.

Hilde Kaufmann, apud Fernandes165, a respeito dos males

que o encarceramento provoca no preso e as dificuldades de um retorno à vida

social, afirma que

o preso é incapaz de viver em sociedade com outros indivíduos, por se compenetrar tão profundamente na cultura carcerária, o que ocorre com o preso de longa duração. A prisonização constitui grave problema que aprofunda as tendências criminais e anti-sociais.

Já Della Torre166, afirma que

depois que o indivíduo está socializado, integrado à sociedade, se sofrer isolamento durante longo período poderá ocorrer: diminuição das funções mentais (torna-se imbecil ou melancólico) ou mesmo loucura (está sujeito a delírios, alucinações e até desintegração mental). Há inúmeros casos de prisioneiros que enlouqueceram nas prisões ou que quando de lá saíram já não eram os mesmos.

Verifica-se, assim, que a segregação traz mais malefícios do

que benefícios ao condenado. É certo que aqueles que cometeram crimes

merecem e precisam pagar pelos seus erros, até para que não voltem a cometê-

los. No entanto, o Estado deve proporcionar a ressocialização do preso, não uma

164 FERNANDES, Emanuella Cristina Pereira. O desvirtuamento do caráter ressocializador das

penas privativas de liberdade. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 36, nov. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina-/texto.asp?id=955>, p. 01.

165 FERNANDES, Emanuella Cristina Pereira. O desvirtuamento do caráter ressocializador das penas privativas de liberdade, p. 01.

166 DELLA TORRE, Maria Benedita Lima. O homem e a sociedade - Uma introdução à Sociologia. 15 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1989, p. 54.

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mera vingança.

Foucault167, em sua obra Vigiar e Punir, descreve três

grandes instrumentos disciplinares, reguladores de uma rede de poderes: a

vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e o exame. A norma passaria,

assim, a ser regida por fundamentos do vigiar e do punir, escolhidos mediante um

exame prévio socialmente acatado. É muito mais vantajoso economicamente para

o Estado, vigiar do que punir. Se o vigiar não é suficiente, lança-se mão do punir

através de sanções normalizadoras, mesmo que excludentes e sumárias.

Fernandes168, a respeito da pena privativa de liberdade,

afirma que

Mesmo com as tentativas de sua abolição, como fez-se com a tortura e a pena de morte, é, ainda, a pena privativa de liberdade a espinha dorsal de todo o sistema penal. Apenas, procura-se aplicá-la com um caráter mais excepcional, em consonância com a Teoria da Intervenção Mínima, até porque ela não se enquadra no Estado Democrático de Direito, nem no objetivo ressocializador da pena, cujo elemento nuclear é o desenvolvimento da personalidade e dignidade da pessoa. Mas, é tida como a única sanção aplicável em casos de grave criminalidade e de multirreincidência.

Para que o apenado possa ser ressocializado, e sair da

prisão com um ânimo de afastamento definitivo da vida delituosa, os presídios

têm que oferecer as condições necessárias, por isso a necessidade de

classificação dos detentos. Mister se faz, assim, a individualização do

cumprimento das penas.

Para Fernandes169 a ausência de critérios acomete, por

exemplo, o preso acidental, que, por uma circunstância adversa, ingressa na

167 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 168. 168 FERNANDES, Emanuella Cristina Pereira. O desvirtuamento do caráter ressocializador das

penas privativas de liberdade, p. 01. 169 FERNANDES, Emanuella Cristina Pereira. O desvirtuamento do caráter ressocializador das

penas privativas de liberdade, p. 01.

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prática delituosa e, ao adentrar na estrutura prisional, enterra lá suas esperanças

de liberdade. Isso motivado pelo acúmulo irregular de encarcerados das mais

diversas origens e apenados de acordo com os mais diferentes crimes.

Donald Clemmer, apud Foucault170 aponta a estrutura da

sociedade prisional, uma sociedade dentro da sociedade:

O mundo prisional é um mundo atomizado. Seus membros são como átomos a agir reciprocamente em confusão (...) Não há definidos objetivos comunais. Não há um consenso comum para um fim comum. O conflito dos internos com a administração e a oposição à sociedade livre estão em degrau apenas ligeiramente superior ao conflito e oposição entre eles mesmos (...) É um mundo de “Eu”, “mim”, e “meu” antes que de “nosso”, “seus”, “seu”.

Com este comportamento, tanto por parte do Estado quanto

por parte da sociedade, não há como o apenado ser reintegrado ao meio social,

pois ao egressar no convívio com os demais, este é rejeitado e discriminado,

sendo assim, impedido de levar uma vida normal. Por isso, na maioria das vezes,

o egresso volta a delinqüir.

Há que se salientar, ainda, que, apesar de toda

discriminação sofrida, o apenado e o egresso tem seus direitos garantidos na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os quais não são

respeitados. O egresso é um excluído social, logo, um marginalizado.

É importante, portanto, que haja, por parte do Estado, uma

implantação de políticas públicas de ressocialização do apenado, com uma

reforma no sistema penitenciário, para que a execução da pena seja cumprida de

modo a proporcionar ao condenado, direitos básicos, tais como a educação e o

trabalho, de modo a dar-lhe condições de levar uma vida digna quando sair do

estabelecimento prisional, e evitar que o cárcere seja mais penoso do que deve

ser. 170 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 167.

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Neste sentido, é preciso também que haja, por parte da

sociedade, a sua parte de cooperação, tendo em vista que grande parte das

políticas públicas implantadas depende da colaboração desta, com, por exemplo,

na contratação, por parte das empresas, de presidiários provenientes do

programa de trabalho prisional que ajuda na remição da pena, bem como

naqueles serviços prestados à comunidade, que normalmente são executados em

instituições não-governamentais.

Destarte, a pena de prisão deve estar em consonância com

os princípios do direito penitenciário, quais sejam: a proteção dos direitos

humanos do preso; o preso como membro da sociedade; a participação ativa do

sentenciado na questão da reeducação e na sua reinserção social; a efetiva

colaboração da comunidade no tratamento penitenciário; e a formação dos

encarcerados de modo que reaprendam o exercício da cidadania e o respeito ao

ordenamento legal171.

Rupert Cross, apud Thompson172, a respeito deste assunto,

afirma que

A ilusão de que a pena de prisão pode ser reformativa mostra-se altamente perniciosa, pois, enquanto permanecemos gravitando em torno dessa falácia, abstemo-nos de examinar seriamente outras viáveis soluções para o problema penal.

Assim, a pena de prisão é incapaz de trazer o condenado de

volta ao convívio social considerado normal, sob o manto da lei e da moral e que,

por isso, a finalidade ressocializadora de tal pena é utópica, mas que tem que ser

buscada, para um futuro melhor, tanto para os egressos quanto para toda a

sociedade.

171 FERNANDES, Emanuella Cristina Pereira. O desvirtuamento do caráter ressocializador das

penas privativas de liberdade, p. 01. 172 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 3 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1991,

p. 96.

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O próximo capítulo destina-se a trabalhar justamente estes

problemas, de modo a fazer uma avaliação das políticas públicas existentes a

respeito da ressocialização do preso, bem como apresentar propostas de

melhorias, principalmente no que tange à questão do trabalho do preso, dentro e

fora dos muros dos presídios, o que, acredita-se, seja um dos pilares da

ressocialização.

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4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE REINSERÇÃO SOCIAL DO APENADO EM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

4.1 ESTADO, NEOLIBERALISMO E O PROBLEMA DA EXCLUSÃO SOCIAL

Entre os fatores que levam o indivíduo à criminalidade pode

se destacar a exclusão social como o maior responsável. E este problema tem

sido crescente nos últimos anos, principalmente após o início do neoliberalismo,

na década de 70.

No entanto, antes de se adentrar na problemática das

políticas públicas de reinserção social, há que se abordar a respeito dos

problemas sociais causados pela atual situação dos países que adotaram uma

conduta neoliberal. Para tanto, será feita neste primeiro momento uma

abordagem acerca das políticas neoliberais e as suas conseqüências dentro dum

contexto social.

Em primeiro lugar, cabe salientar que, conforme explica

Therborn173, no que se refere à organização do aparo estatal, vive-se um

processo de mercantilização do Estado; processos de desburocratização e

também de destecnocratização que deixam lugar a novos mecanismos de

gerencia derivados de dinâmicas de mercado.

Assim, no que se refere aos processos de mediação estatal

nas relações entre classes, vive-se claramente uma tendência à diminuição da

presença do Estado o qual permite que tais relações se estabeleçam de forma

mais direta, não mediadas ou menos mediadas que há uma duas décadas, no

que se refere aos países capitalistas avançados174.

173 THERBORN, Göran. As teorias do Estado e seus desafios no fim de século. “In” SADER, Emir; GENTIL, Pablo A. A. Pos-neoliberalismo II: que estado para que democracia. 2.ed. Petropolis: Vozes, 2000, p. 83. 174 THERBORN, Göran. As teorias do Estado e seus desafios no fim de século, p. 84.

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A atual situação política do Estado, segundo Therborn175,

caracteriza-se por quatro aspectos:

A eficiência do Estado constituiu um dos desafios lançados

pelo processo de privatizações. O processo privatizador, cuja origem é

fundamentalmente ideológica, é sustentado por três aspectos políticos

específicos. Por um lado, a intenção de diminuir o poder dos sindicatos do setor

público. Por outro, mediante a difusão de estratégias de privatização, os governos

captam recursos a curto prazo. Graças à venda de empresas e instituições

públicas o governo obtém recursos que lhe permitem certo tipo de inversão, ás

vezes, com uma frágil fiscalização e mediante a qual é possível superar os cortes

do gasto público.

Pode-se concluir, assim, que, no que se refere à relativa

eficiência do Estado, a propriedade não tem uma correlação clara e direta com a

eficiência. Pelo contrario, nesta questão, o que parece ser mais importante são

outros três aspectos. Em primeiro lugar, o caráter público do Estado; quer dizer,

muitas empresas estatais não funcionam como serviços públicos ao estarem

apropriadas ou monopolizadas por grupos privados ou corporativos.

Rigorosamente falando, certas instituições estatais não têm nada de “público”.

Pode-se observar que, quando existem instituições verdadeiramente públicas

(não privatizadas de fato), os serviços que elas prestam costumam ser eficientes.

Em segundo lugar, é importante destacar a capacidade fiscal do Estado; quer

dizer, o poder do aparato estatal para fiscalizar os lucros do capital. Um estado

débil costuma não ser um estado eficiente. Em contrapartida, um Estado com

uma poderosa capacidade fiscal costuma ser muito mais eficiente.

No que tange às Políticas de Identidade, pode-se dizer que

esta constitui uma nova problemática para a qual se prestava pouca atenção nos

anos sessenta e setenta. As políticas de identidade da nação, de grupos étnicos,

de gênero, de sexualidade, etc., hoje formam parte constitutiva e central dos

debates e das lutas políticas. No que se refere ao Estado, essas políticas de

175 THERBORN, Göran. As teorias do Estado e seus desafios no fim de século, p. 84-88.

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identidade requerem, pelo menos, dois aspectos. Por um lado o reconhecimento

explícito do Estado da multiculturalidade que existe em toda a sociedade. Em

segundo lugar, o Estado deve negociar as regulações da coexistência

multicultural; quer dizer, deve manter um papel decisivo na regulação dos

conflitos intrínsecos em sociedades fragmentadas e multiculturais.

A respeito do Estado-nação frente aos processos de

globalização, pode-se dizer que as relações entre o mercado e o Estado sofreram

uma mudança. Com efeito, o Estado-nação e o conjunto de instituições nacionais

mantêm sua influência específica, assim como os políticos nacionais continuam

tendo sua responsabilidade nas decisões políticas locais.

Há ainda a questão, da ênfase na importância da sociedade

civil. Na sociedade civil gera-se e reproduz-se a injustiça, a exploração e a

violência. Deve-se, assim, analisar a sociedade civil juntamente com o Estado;

questão que é importantíssima no que se refere ao discurso dos direitos humanos

e sociais. Isto é, os direitos humanos e sociais pressupõem a existência da

sociedade civil, mas também a de um Estado que os reconhece e que garante

seu respeito e realização. Existe uma dialética muito interessante que se deve

analisar e compreender entre ambas as esferas: na sociedade civil reclamam-se e

defendem-se os direitos, mas na esfera do Estado os direitos são reconhecidos,

efetivados ou anulados.

Estes novos aspectos do Estado são conseqüências das

políticas neoliberais adotadas das últimas décadas.

Esse termo, “neoliberalismo”, tem um significado específico

no que concerne a um conjunto particular de receitas econômicas e programas

políticos que começaram a ser propostos nos anos 70176. Um aspecto marcante

deste é a importância assumida pelos mercados e pela concorrência, processo

que reflete uma mudança estrutural na história do capitalismo.

176 THERBORN, Göran. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2000, p. 139.

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Esta nova postura política e econômica estatal trouxe

benefícios, mas também muitos malefícios às sociedades dela dependentes. Isto

porque o neoliberalismo é o “Estado Mínimo”, que transfere às pessoas a

incumbência de prover às próprias necessidades básicas, o que, na maioria das

vezes, provoca situações de desemprego, desigualdade social, etc., na medida

em que estas tendem a ver no Estado uma figura protetiva.

Para Salama177, a questão está no problema que o impacto

e a força que o discurso neoliberal tem tido na cabeça das pessoas provêm da

nossa própria incapacidade de mudar a forma de viver e compreender o Estado.

Com efeito, o Estado não pode responder de forma eficaz às novas condições

criadas por um alto grau de industrialização e as complexas dificuldades geradas

por este processo de mudanças. O aumento acelerado do desemprego legitimou,

no nível subjetivo, a necessidade de medidas liberais de orientação claramente

mercantil. A partir desse momento, existe uma espécie de ambigüidade: o

fracasso das medidas neoliberais (por exemplo, os sucessivos planos que

desembocaram na hiperinflação na América Latina) é explicado com o argumento

que foi o Estado quem paralisou atividade econômica.

Ademais, é um dado evidente que a pobreza tem crescido

enormemente nos países do Terceiro Mundo, mas não somente neles. Os efeitos

das políticas neoliberais, no entanto, não param por aí. Ainda mais grave é o fato

de as desigualdades terem se intensificado entre os próprios pobres. Está-se, aí,

diante de um processo novo: a pauperização da pobreza, de setores que são,

hoje, muito mais pobres do que antes. As políticas liberais, tal como vêm sendo

aplicadas, conduziram certas sociedades a uma rápida e profunda dinâmica de

desagregação178.

Com essa conduta de atribuir ao cidadão a responsabilidade

pelo próprio sustento e provimento de necessidades básicas como educação,

177 SALAMA, Pierre. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 142. 178 SALAMA, Pierre. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 143.

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saúde, lazer, etc., o neoliberalismo contribuiu, e muito, para o aumento da

pobreza e desigualdade social.

Para Borón179, o problema é que o programa neoliberal não

leva em conta adequadamente as mudanças culturais vividas pelo capitalismo.

Em termos de balanço, pode-se dizer que o neoliberalismo produziu um

retrocesso social muito pronunciado, como o agravamento das desigualdades em

todos os lugares em que ele foi implementado.

Em contrapartida, o resultado mais duradouro do

neoliberalismo tem sido a constituição de uma sociedade dual, estruturada em

duas velocidades que se coagulam num verdadeiro “apartheid social“. Ou seja,

um modelo em que existe um pequeno setor de integrados (cujo tamanho varia

segundo as distintas sociedades) e outro setor (majoritário na América Latina) de

pessoas que vão ficando inteiramente excluídas, provavelmente de forma

irrecuperável no curto prazo180.

Na visão de Sader181, o essencial é caracterizar o

neoliberalismo como um modelo hegemônico. Isto é, uma forma de denominação

de classe adequada às relações econômicas, sociais e ideológicas

contemporâneas. Se bem ele nasce de uma crítica, antes do mais econômica, ao

Estado de bem-estar, em seguida foi constituído um corpo doutrinário que

desemboca num modelo de relações entre classes, em valores ideológicos e num

determinado do modelo de Estado.

O neoliberalismo reinterpreta o processo histórico de cada

país: os vilões do atraso econômico passam a ser sindicatos, e junto com eles, as

conquistas sociais e tudo o que tenha a ver com a igualdade, com a equidade e

com a justiça social. Ao mesmo tempo, a direita, os conservadores, se

179 BORÓN, Atilio. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 145. 180 BORÓN, Atilio. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 146. 181 SADER, Emir. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 146.

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reconvertem à modernidade na sua versão neoliberal, via privatizações e um

modelo de Estado Mínimo182.

Dito isso, é inteiramente verdadeiro que a doutrina neoliberal

- tanto na versão austríaca, quanto na versão de Chicago - nunca foi

implementada integralmente por qualquer governo.

Therborn183 entende que as políticas e práticas neoliberais

têm gerado um desastre social – desintegração social numa escala massiva. Um

dos elementos importantes que mina a viabilidade do neoliberalismo a longo

prazo é sua incapacidade de desmoralizar e derrotar de maneira definitiva as

lutas sociais de resistência.

Se for feita uma análise minuciosa do que tem sido (e são)

as políticas neoliberais, concluir-se-á que elas foram (e são) fundamentalmente

políticas econômicas de exclusão social. Mesmo nos casos em que este modelo

tem desfrutado um certo êxito (a expensas de um tremendo custo social, como na

Argentina e no México), trata-se de políticas muito frágeis. Se bem que

conseguiram frear a inflação, o fizeram ao preço de crescentes desigualdades

sociais e de um déficit muito elevado da balança comercial184.

Consoante Fernandes185, na última década e meia tem-se

testemunhado no mundo mudanças substanciais no que concerne à políticas

econômico-sociais. Estas se materializam, sobretudo, em dois pilares

fundamentais: a ofensiva privatizante e o movimento para retrair programas

universais de proteção social em prol dos critérios mais particularistas de acesso

a benefícios. Estes dois aspectos se fizeram sentir com muita força no Brasil,

sobretudo a partir da eleição do presidente Collor em 1989. No caso específico

brasileiro, isto representou uma primeira (e politicamente fracassada) tentativa de

aplicação do projeto neoliberal no país.

182 SADER, Emir. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 147. 183 THERBORN, Göran. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 154. 184 THERBORN, Göran. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 155. 185 FERNANDES, Luis. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 157.

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Para Anderson186 o neoliberalismo produziu e continua

produzindo enormes fissuras sociais nos países de capitalismo avançado. Entre

as conseqüências deste modelo econômico pode-se dizer que há uma resposta

“de baixo” e outra “de cima”. A resposta “de baixo” tende a ser o racismo,

xenofobismo, e, nos Estados Unidos, fundamentalismo religioso. Estes são os

“anticorpos” formados na sociedade capitalista contra todas estas tensões e

perigos.

Vê-se assim, que o neoliberalismo tem provocado mais

desgastes do que ajuda na economia dos Estados, a partir do momento em que

pratica-se uma política às custas da exclusão social, desigualdade, desemprego,

entre outros males sociais.

O economista indiano, Amartya Sen, em sua obra

Desenvolvimento como liberdade187, trata bem da questão da desigualdade social

como meio de exclusão. Para ele, o indivíduo não tem a liberdade de exercer o

seu papel dentro da sociedade porque lhe são tolhidos direitos fundamentais.

Para o economista, um número imenso de pessoas em todo

o mundo é vítima de várias formas de privação de liberdade. Fomes coletivas

continuam a ocorrer em determinadas regiões, negando a milhões a liberdade

básica de sobreviver. Mesmo nos países que já não são esporadicamente

devastados por fomes coletivas, a subnutrição pode afetar numerosos seres

humanos vulneráveis. Além disso, muitas pessoas têm pouco acesso a serviços

de saúde, saneamento básico ou água tratada, e passam a vida lutando contra a

morbidez desnecessária, com freqüência sucumbindo à morte prematura. Nos

países mais ricos é demasiado comum haver pessoas imensamente

desfavorecidas, carentes das oportunidades básicas de acesso a serviços de

saúde, educação funcional, emprego remunerado ou segurança econômica e

social. Mesmo em países muito ricos, às vezes a longevidade de grupos

186 ANDERSON, Perry. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 168. 187 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. MOTTA, Laura Teixeira. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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substanciais não é mais elevada do que em muitas economias mais pobres do

chamado Terceiro Mundo188.

No que se refere a outras privações de liberdade, Sen189

explica que um número enorme de pessoas em diversos países do mundo são

sistematicamente negados a liberdade política e os direitos civis básicos. Afirma-

se com certa freqüência que a negação desses direitos ajuda a estimular o

crescimento econômico e é “benéfica” para o desenvolvimento econômico rápido.

Alguns chegaram a defender sistemas políticos mais autoritários – com negação

de direitos civis e políticos básicos – alegando a vantagem desses sistemas na

promoção do desenvolvimento econômico. Essa tese (freqüentemente

denominada “tese de Lee”, atribuída em algumas formas ao ex-primeiro-ministro

de Cingapura, Lee Yuan Yew) às vezes é defendida por meio de algumas

evidências empíricas bem rudimentares.

No entanto, para Sen190, comparações mais abrangentes

entre países não forneceram nenhuma confirmação dessa tese, e há poucos

indícios de que a política autoritária realmente auxilie o crescimento econômico.

As evidências empíricas indicam veementemente que o crescimento econômico

está mais ligado a um clima econômico mais propício do que a um sistema

político mais rígido.

Essa privação de liberdade pode surgir em razão de

processos inadequados (como a violação do direito ao voto ou de outros direitos

políticos ou civis), ou de oportunidades inadequadas que algumas pessoas têm

para realizar o mínimo do que gostariam (incluindo a ausência de oportunidades

elementares como a capacidade de escapar de morte prematura, morbidez

estável ou fome involuntária)191.

188 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade, p. 29. 189 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade, p. 30. 190 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade, p. 30. 191 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade, p. 31.

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Os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a

perspectiva da liberdade seja colocada no centro do palco. Nessa perspectiva, as

pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas – dada a oportunidade –

na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias

passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a

sociedade têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades

humanas. São papéis de sustentação, e não de entrega sob encomenda. A

perspectiva de que a liberdade é central em relação aos fins e aos meios do

desenvolvimento merece toda a atenção da sociedade192.

A questão da discussão pública e participação social é,

portanto, central para a elaboração de políticas em uma estrutura democrática. O

uso de prerrogativas democráticas – tanto as liberdades políticas como os direitos

civis – é parte crucial do exercício da própria elaboração de políticas econômicas,

em adição a outros papéis que essas prerrogativas possam ter. Em uma

abordagem orientada para a liberdade, as liberdades participavam não podem

deixar de ser centrais para a análise de políticas públicas193.

O desafio do desenvolvimento inclui a eliminação da

privação persistente e endêmica e a prevenção da destituição súbita e severa.

Contudo, as demandas respectivas sobre as instituições e políticas desses dois

requisitos podem ser distintas e até mesmo dessemelhantes. O êxito em uma

área pode não garantir o êxito na outra194.

A desigualdade tem um papel importante no

desenvolvimento das fomes coletivas e outras crises graves. Na verdade, a

própria ausência de democracia é uma desigualdade – nesse caso, de direitos e

poderes políticos. Porém, mais do que isso, as fomes coletivas e outras crises

desenvolvem-se graças a uma desigualdade severa e por vezes subitamente

aumentada. Isso é ilustrado pelo fato de que as fomes coletivas podem ocorrer

mesmo sem que haja uma diminuição significativa – ou mesmo sem diminuição 192 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade, p. 71. 193 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade, p. 134. 194 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade, p. 216.

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alguma - da oferta total de alimentos, porque alguns grupos podem sofrer uma

perda abrupta de poder no mercado (por meio, por exemplo, de um desemprego

repentino e em massa), com a fome resultando dessa nova desigualdade195.

Sen196 avalia que, consoante Aristóteles, o futuro pode ser

moldado pelas pessoas, e isso poderia ser feito baseando as escolhas na razão.

Precisa-se, então, de uma estrutura avaliatória apropriada; precisa-se também de

instituições que atuem para promover os objetivos e comprometimentos

valorativos, e, ademais, de normas de comportamento e de um raciocínio sobre o

comportamento que permita às pessoas realizar o que se tenta realizar.

Para tanto, há a necessidade de adoção de políticas

públicas adequadas para que se possa haver inclusão social, diminuição das

desigualdades, desenvolvimento democrático, etc.

Neste sentido, as políticas públicas têm o papel não só de

procurar programarem as prioridades que emergem de valores e afirmações

sociais, como também de facilitar e garantir a discussão pública mais completa.

Para Sen197, o alcance e a qualidade das discussões abertas

podem ser melhorados por várias políticas públicas, como liberdade de imprensa

e independência dos meios de comunicação (incluindo ausência de censura),

expansão da educação básica e escolaridade (incluindo a educação das

mulheres), aumento da independência econômica (especialmente por meio do

emprego, incluindo o emprego feminino) e outras mudanças sociais e econômicas

que ajudam os indivíduos a ser cidadãos participantes. Essencial nessa

abordagem é a idéia do público como um participante ativo da mudança, em vez

de receber dócil e passivo de instruções ou de auxílio concedido.

195 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade, p. 217. 196 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade, p. 284. 197 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade, p. 318-319.

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Feitas essas considerações, passa-se, agora a uma análise

mais detalhada do que vem a ser políticas públicas, iniciando-se com uma breve

abordagem conceitual e histórica.

4.2 CONCEITO E HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Para que se possa analisar o que vêm a ser políticas

públicas, especialmente no que diz respeito à reinserção social do apenado, na

pena privativa de liberdade, é necessário, antes, um relato da sua evolução

histórica, para que se possa obter uma noção da sua importância, dentro do

contexto que envolve a execução da pena.

Enfocando-se o conceito de Políticas Públicas, propriamente

ditas, pode-se dizer que estas devem ser definidas, em primeiro plano, num

sentido de programa de ação. Paiva198 ensina que as Políticas Públicas estão

relacionadas às ações com fins públicos de acesso a toda população.

Maria das G. Rua, apud Pires199, afirma que políticas

públicas podem ser entendidas como produtos ou outputs da atividade política,

compreendendo o conjunto das ações estrategicamente selecionadas para

implementar as decisões tomadas.

Desta forma, a atividade política mencionada inscreve-se

numa estrutura de poder que informa possibilidades e formas de interação entre

os atores, sendo possível dizer que tais interações encontram-se restritas a um

universo marcado por dificuldades em relação à definição dos problemas e

competências; por construções sociais da realidade que se convertem em

referenciais para aqueles que pressionam em busca de uma ou outra solução; por

198 PAIVA, Clarice Amaral. Políticas Públicas e sua aplicabilidade pelo Terceiro Setor. Disponível

em: <http://www.socialtec.org.br/Download/GovernoSociedade/ClariceAmaralPaiva%20_Politi-casPublicas.doc>. Acesso em: 26 nov 2004, p. 01.

199 PIRES, Roberto Rocha Coelho. A Avaliação da Implementação de Políticas Públicas a Partir da Perspectiva Neoinstitucional: avanços e validade. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 22 a 25 de setembro de 2002, Salvador/BA. Anais... Recife: Observatório da Realidade Organizacional: PROPAD/UFPE: ANPAD, 2002. 1 CD.

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idéias utilizadas aqui e ali para provocar mudanças nas preferências e

alternativas; e por "comunidades epistêmicas"200 que trabalham de forma conjunta

para utilizar seus conhecimentos como recurso no jogo da tomada de decisões201.

Além disso, pode-se conceituar mais claramente as Políticas

Públicas, ao se declarar que “Política Pública é o processo de estabelecimento de

princípios, prioridades e diretrizes que organizam o conjunto de programas e

serviços para uma população”202.

Pereira203 afirma que, no campo disciplinar, a partir da

ciência política em especial e da ciência social no sentido mais amplo, o

nascimento das políticas públicas está a tentativa de gerar conhecimento

aplicável às ações práticas dos governos, com ênfase na preocupação com a

qualidade e eficácia da intervenção pública. Deste modo, norteiam-se as Políticas

Públicas pela satisfação das necessidades básicas da população (mínimos

sociais).

É importante ressaltar que Políticas públicas devem ser

entendidas como o "Estado em ação"204; é o Estado implantando um projeto de

governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da

sociedade.

200 As comunidades epistêmicas são aquelas que contribuem, direta e indiretamente, para a

coordenação de políticas, difundindo idéias e influenciando as posições adotadas por uma ampla gama de atores, incluindo agências domésticas e internacionais, burocracias governamentais, tomadores de decisão, parlamentos, federações coorporativas e o público em geral. Em temas menos politizados, as comunidades epistêmicas possuem grande participação em vários estágios do processo de tomada de decisão, incluindo a introdução de alternativas de políticas a serem tomadas, a seleção das políticas e a construção de coalizões nacionais e internacionais para apoiarem tais políticas.

201 SUBIRATS, Joan; GOMÀ, Ricard, apud PIRES, Roberto Rocha Coelho. A Avaliação da

Implementação de Políticas Públicas a Partir da Perspectiva Neoinstitucional: avanços e validade.

202 Programa de Qualificação e Conselhos Estaduais de Trabalho (MTb/FLACSO, 1999). 203 PEREIRA, Cássio Avelino S. Políticas Públicas no setor de turismo. Turismo em Análise, São

Paulo, 2000, p. 08. 204 GOBERT; MULLER, 1987, apud HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e Políticas (Públicas)

Sociais. Cad. CEDES, v. 21, n. 55, Campinas, nov. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 16 nov 2004, p. 01.

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Assim, o Estado não pode ser reduzido à burocracia pública,

aos organismos estatais que conceberiam e implementariam as políticas públicas.

As políticas públicas são aqui compreendidas como as de responsabilidade do

Estado, quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de

tomada de decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes organismos e

agentes da sociedade relacionados à política implementada. Neste sentido,

políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais205.

É preciso que haja não apenas ações governamentais

voltadas aleatoriamente ao sistema penitenciário brasileiro. É necessário que haja

a compreensão de um sistema e idéias sociais como parte da sociedade e cultura

modernas que, em todo o mundo variam e modificam o equilíbrio entre liberdade

individual e controle social.

Por que se preocupar com políticas públicas? Várias razões

estimulam o estudo das idéias e das instituições envolvidas, tanto da perspectiva

mais ampla das ciências sociais, quanto da perspectiva particular possibilitada

pelos instrumentos dos especialistas dessa área.

Em qualquer instituição é constante a preocupação com

políticas públicas, porque estabelecem programas políticos, segurança social,

conservação e desenvolvimentos dos recursos naturais, exploração do espaço,

defesa do consumo e principalmente ações na área social, que no caso em tela

atinge o sistema penitenciário brasileiro.

As decisões governamentais tomadas por líderes políticos

demonstram que as políticas públicas necessárias ao desenvolvimento, não são

regidas por leis imutáveis ou por idéias fixas. Ao contrário, políticas públicas,

como tudo na cultura de um povo, é resultado da ação e da compreensão

humana, e pode ser determinada, guiada e controlada por quem de direito.

Políticas Públicas fogem às questões do certo e do errado,

205 HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e Políticas (Públicas) Sociais, p. 01.

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pois isso levaria a julgamentos de ética e valor. O objetivo das políticas públicas é

indicar alternativas possíveis e as conseqüências da escolha por uma por outra.

Neste conceito de Políticas Públicas, inserem-se também as

políticas sociais, que se referem a ações que determinam o padrão de proteção

social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos

benefícios sociais visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas

pelo desenvolvimento socioeconômico. As políticas sociais têm suas raízes nos

movimentos populares do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos entre capital

e trabalho, no desenvolvimento das primeiras revoluções industriais206.

Já os antecedentes das Políticas Públicas propriamente

ditas remontam os anos 40 e 50 nos EUA, após a Segunda Guerra Mundial e

surgem com a preocupação da ocorrência de reversão do crescimento

econômico, uma vez que a economia de guerra estava sendo desmontada,

estando também associados ao reconhecimento do aumento da intervenção do

Estado, desde a experiência do New Deal americano, ocorrido na década de

30207.

Já a partir dos anos 60, surgiu na agenda pública a

necessidade de avaliar e discutir o que o Estado e o Governo fazem através dos

programas, projetos e políticas.

No Brasil, a intervenção do Estado nas políticas sociais

iniciou-se nos anos 30, associada à Era Vargas e se articulava em torno da idéia

de incorporação e integração social. No tímido Welfare State208 brasileiro a

política pública foi moeda de troca e estandarte da ação do Estado.

A questão social nos anos 80 foi a arena privilegiada de

debates conservadores e progressistas, ao passo que nos anos 90 a discussão

política central era a desigualdade social, em detrimento da pobreza absoluta. O 206 HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e Políticas (Públicas) Sociais, p. 01. 207 PEREIRA, Cássio Avelino S. Políticas Públicas no setor de turismo, p. 08. 208 Bem Estar Social

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ponto de inflexão no rumo das políticas sociais públicas opera-se no governo

Collor com focalização, seletividade e redefinição da intervenção privada. Aliado a

isto, no governo FHC, a discussão da pobreza absoluta orienta as Políticas

Públicas209.

Atualmente, as políticas públicas de combate à criminalidade

e violência no Brasil têm sido marcadas pela definição de um conjunto aleatório

de ações cuja implementação geralmente se caracteriza pela fragmentação,

precário acompanhamento e dificuldades de avaliação dos resultados. O

lançamento de novas ofensivas pelas autoridades a cada ação criminosa de vulto

demonstra essa fragmentação. Os altos índices de criminalidade e violência no

país suscitam a necessidade de uma política pública consistente e integrada entre

os diversos atores envolvidos no processo210.

4.3 DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À EXCLUSÃO SOCIAL E À VIOLÊNCIA

Soares211 entende que a complexidade e as múltiplas

causas da violência e criminalidade, não são necessariamente uma ligação direta

e simples entre as suas diversas variáveis, pois fatores externos como índice de

desemprego e qualidade de vida das camadas mais pobres da população; o grau

de contradições econômicas, políticas, religiosas, culturais, étnicas, entre outras,

inseridas na sociabilidade cotidiana; a intensidade de exclusão da cidadania; a

expectativa de integração social e econômica dos segmentos mais pobres; a

presença relativa de jovens na composição demográfica; e o grau de urbanização;

são algumas das condições externas que podem influenciar na dinâmica da

209 MELO, Marcus André. As sete vidas da agenda pública brasileira, in RICO, Elizabeth Melo

(org). Avaliação de Políticas Sociais: Uma questão em debate. São Paulo: Cortez, 1998. p. 10. 210 CRUZ, Marcus Vinícius Gonçalves da; BARBOSA, Allan Claudius Queiroz. Políticas Públicas

de Combate à Criminalidade e Violência: Copiar é Possível? Um Estudo Comparativo entre Washington D.C. e Belo Horizonte. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 20 a 24 de setembro de 2003, Atibaia/SP. Anais... Recife: Observatório da Realidade Organizacional: PROPAD/UFPE: ANPAD, 2003. 1 CD.

211 SOARES, Luiz Eduardo, apud CRUZ, Marcus Vinícius Gonçalves da; BARBOSA, Allan Claudius Queiroz. Políticas Públicas de Combate à Criminalidade e Violência: Copiar é Possível? Um Estudo Comparativo entre Washington D.C. e Belo Horizonte, p. 3.

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criminalidade.

E, neste sentido, se um Estado visa diminuir a violência e a

criminalidade, a atitude mais importante a ser adotada diz respeito à adoção de

políticas públicas de combate à exclusão social, isto porque, na maioria das

vezes, aquela é conseqüência desta.

Uma das melhores maneiras de se acabar com a exclusão

social é oferecer oportunidades para aqueles que não a possuem. Essas

oportunidades, na maioria das vezes, resumem-se em um emprego.

O trabalho sempre foi o esteio do homem, o seu modo de

sobrevivência e de manutenção da dignidade. A propósito deste assunto,

Iamamotto212 assevera que:

O trabalho conduz a mudanças não só no objeto (natureza), mas no sujeito (homem), no ângulo material é produção de objetos aptos a serem utilizados pelo homem. Sob o ângulo subjetivo, é capacidades e qualidades humanos e de necessidades.

O trabalho, assim, é essencial para o homem, pois é com ele

que o mesmo torna-se um ser social. Além do mais,

O trabalho é uma atividade fundamental do homem, pois mediatiza a satisfação de suas necessidades diante da natureza e de outros homens. Pelo trabalho o homem se afirma como um ser social e, portanto, distinto da natureza. O trabalho é a atividade própria do ser humano, seja ela material, intelectual ou artística. É por meio do trabalho que o homem se afirma como um ser que dá respostas prático-conscientes aos seus carecimentos, às suas necessidades. É pelo trabalho que as necessidades humanas são satisfeitas, ao mesmo tempo em que o trabalho cria outras necessidades213.

212 IAMAMOTTO, Marilda Vilela. Serviço Social na Contemporaneidade: Trabalho e Formação

Profissional. São Paulo: Cortez, 1998, p. 227. 213 IAMAMOTTO, Marilda Vilela. Serviço Social na Contemporaneidade: Trabalho e Formação

Profissional, p. 60.

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Segundo Gorz214 "o salário remunera o trabalho fornecido,

não a pessoa que o fornece". Para ele, o salário da forma como é concebida ao

trabalhador, confere ao mesmo a cidadania econômica a seu prestador. Para ser

cidadão cumpridor de seus deveres e digno de cidadania, ele, o trabalhador tem

que cumprir longa jornada de trabalho, é cumprindo seus deveres que a

sociedade lhe confere os direitos.

Mas o fato é que o trabalho precarizado aumenta a cada dia

que passa, aumentando junto, o mercado informal, o que desestabiliza o salário,

bem como os empregos formais. Com a procura pelos chamados trabalhos

temporários e com o aparecimento somente de trabalhos autônomos, as garantias

de emprego e salário caem a zero, gerando, assim, o desemprego. A respeito

deste assunto, Yazbek215 afirma que

A questão social hoje tem uma expressão concreta na perda dos padrões de proteção da sociedade salarial. O trabalho vê seus apoios, suas conquistas e garantias ameaçadas. E isso é mais grave que o próprio desemprego: a vulneralização do trabalho. A sociedade salarial, sociedade da seguridade, da proteção e da garantia de direitos sociais e direitos do trabalhador está em causa. Não sem resistências, seguramente.

Todos esses fatores geram um grande problema social, que

atinge não só as camadas mais pobres, como também as mais abastadas, porém,

este problema atinge, de forma mais expressiva, os indivíduos de baixa renda,

levando-o, na maioria das vezes, à criminalidade.

Com efeito, também são as camadas mais pobres da

sociedade que mais sofrem com a falta de oportunidade, miséria, exclusão social,

e, por conseqüência, a criminalidade.

214 GORZ, André. Direito ao trabalho versus renda mínima. In: Serviço Social e Sociedade, nº 52,

ano XVII, São Paulo: Cortez, dez/1996, p. 84. 215 YAZBEK, Maria Carmelita. Globalização, Precarização das Relações de Trabalho e Seguridade

Social. In: Serviço Social e Sociedade. N. 56. São Paulo: Cortez, 1998, p. 52.

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Isto porque o problema da criminalidade no Brasil só passa a

ser objeto da atenção dos governantes quando ultrapassa os limites estruturais às

quais está tradicionalmente confinado, ou seja, quando se estende à classe média

e alta. Somente a partir deste momento as pessoas começam a especular a

respeito das causas da criminalidade a fim de combatê-la216.

Destarte, enquanto a miséria e a criminalidade estão

confinadas às favelas e bairros pobres, nada se faz por aqueles que estão

padecendo com o problema, porém, a partir do momento em que este problema

começa a atingir a classe média e alta, a mídia passa a abordar com mais

severidade a questão e, só então, o governo começa tomar alguma atitude. No

entanto, basta o assunto “esfriar” para que tudo seja esquecido novamente.

Outra solução encontrada pelo Estado parece ser a de

aprisionar o infrator e deixá-lo preso por medida de vingança, tal pensamento e

ação parecem ser imorais, donde nascem as acusações da sociedade no sentido

de que punir não é deixar preso e que o Estado, alheio à massa carcerária, faz

vista grossa nesta área social.

Uma das teses desenvolvidas acerca do assunto é a de que

a criminalidade estaria "evidentemente" associada à pobreza e à miséria, à

marginalidade dos centros urbanos e a processos migratórios. Este é o

argumento da contaminação dos valores das pessoas pela necessidade mais

premente da sobrevivência a qualquer custo217.

Felson218 refere-se a esta perspectiva como a "falácia da

pestilência":

216 BEATO F. Cláudio C. Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability.

Disponível em <http://www.fundaj.gov.br/docs/eq/semi6.rtf>. Acesso em: 20 nov. 2004, p. 02. 217 BEATO F. Cláudio C. Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability, p.

03. 218 FELSON, Marcus, apud BEATO F. Cláudio C. Políticas Públicas de Segurança: Equidade,

Eficiência e Accountability, p. 03.

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[...] as coisas ruins provém de outras coisas ruins. O crime é uma má coisa, portanto, ele deve emergir de outras maldades tais como o desemprego, pobreza, crueldade e assim por diante. Além disso, a prosperidade deveria conduzir-nos a taxas mais baixas de crime.

Assim, depois de identificada a suposta causa do crime, este

seria rapidamente erradicado desde que houvesse vontade política. Da mesma

forma que a inflação deve ser abatida com um tiro apenas, o analfabetismo com

uns trocados a mais nos bolsos dos professores, a distribuição de renda com

alguns golpes de caneta, ou o problema da saúde com um pouco mais de

recursos, a criminalidade seria combatida mediante políticas de combate à

pobreza, miséria e de geração de empregos219.

Beato220 afirma que se trata de um argumento moralmente

ambíguo, pois procura combater a pobreza, desigualdade e miséria não pela sua

própria existência (que em si mesma é injustificável), mas associando-a a uma

espécie de ameaça à tranqüilidade das classes média e alta.

Porém, o fato de haver uma ambigüidade nesta teoria não

retira a certeza de que se existissem maiores investimentos por parte do Estado

em Políticas Públicas de combate à exclusão social, conseqüentemente,

diminuiriam os índices de criminalidade, faltando, aí, uma cognição da

criminalidade como um problema público.

Aliás, a respeito da questão da criminalidade como problema

público, pode-se dizer que há muito debate acerca das causas desta. Não

obstante, a formulação de políticas públicas neste sentido deve prescindir da

identificação dessas "causas", na medida em que, identificando-as poderá se

atacar o problema221.

219 BEATO F. Cláudio C. Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability, p.

03. 220 BEATO F. Cláudio C. Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability, p.

03. 221 WILSON, James apud BEATO F. Cláudio C. Políticas Públicas de Segurança: Equidade,

Eficiência e Accountability, p. 03.

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As Políticas Públicas de combate à criminalidade devem

pautar-se por metas claras e definidas a serem alcançadas, por instrumentos de

medidas confiáveis para a avaliação dos seus objetivos e pelos meios disponíveis

para sua realização de forma democrática222.

Portanto, uma análise de Políticas Públicas em segurança

envolveria necessariamente a formulação de componentes informacionais a

respeito dos programas a serem implementados, bem como métodos analíticos

de monitoramento e avaliação de seu desempenho223.

A formulação de problemas, alternativas, ações e resultados

são essencialmente questões de natureza teórica, ao passo que a avaliação,

monitoramento, recomendações e estruturações são de ordem técnica,

envolvendo a utilização de modelos de custo/benefício, de efetividade, eficiência e

de equidade224.

No caso do sistema de justiça criminal no Brasil ainda não

se dispõe de um sistema de informações de criminalidade a nível nacional de tal

forma que se possa avaliar a implementação de programas e estratégias de

controle da criminalidade225.

Porém, enquanto não se dispõe deste sistema faz-se

necessária a implantação de políticas públicas que visem minorar as

conseqüências da pobreza e da exclusão social, o que, por si, só trará grandes

benefícios no que diz respeito ao combate à criminalidade.

A base real do conflito para os problemas da área social,

222 BEATO F. Cláudio C. Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability, p.

04. 223 DUNN, William N. apud BEATO F. Cláudio C. Políticas Públicas de Segurança: Equidade,

Eficiência e Accountability, p. 04. 224 BEATO F. Cláudio C. Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability, p.

04. 225 BEATO F. Cláudio C. Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability, p.

04.

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onde se insere a reeducação do apenado, não está na estrutura prisional, mas na

estrutura política e social, e nos objetivos para os quais o esforço político é

dirigido.

4.4 DA ATUAL SITUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EM RELAÇÃO AO APENADO

A tarefa dos estabelecimentos prisionais, de acordo com a

teoria da prevenção especial positiva (ressocializadora), é proporcionar aos

cidadãos (que o Estado alijou do seio social e os mantêm reclusos) oportunidades

iguais de participação na vida social, mormente no campo do trabalho, cuja oferta

de emprego é muito aquém da demanda. Mesmo sabendo que, em conseqüência

da pena de prisão que lhes foi imposta, encontram-se em posição de

desigualdade na sociedade frente aos demais cidadãos, pois foram selecionados

pelo Sistema, jogados na prisão e, conseqüentemente, estigmatizados. Esta

“pecha”, que marca para sempre os ex-presidiários, lhes traz grandes dificuldades

na ocorrência direta, em todos os setores da vida, com aqueles que não

possuem226.

Para tanto, faz-se necessário lançar mão de alguns meios

para se obter essa ressocialização necessária, os quais se podem destacar o

trabalho penitenciário, a assistência ao apenado e à sua família, a melhoria na

situação das prisões.

Porém, apesar de todas as conquistas sociais da

Constituição de 1934, o Estado do Bem-Estar Social não chegou a se implantar

no aqui no Brasil, bem como no restante da América Latina. Inclusive, conforme

diz Hobsbawn227, o Brasil seria “um monumento à negligência social”.

226 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Prisão e ressocialização: (in)ocorrência na penitenciária

agrícola de Chapecó. 109 f. 2001. Dissertação (Mestrado em Direito) – Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, em convênio com a Universidade do Oeste de Santa Catarina, Florianópolis. 2001, p. 28-29.

227 Apud STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 63.

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Bonavides228 também tem este entendimento, e assinala que

socialmente, o Brasil é o País mais injusto do mundo; por um paradoxo, sua

riqueza fez seu povo mais pobre e suas elites mais ricas numa proporção de

desigualdade que assombra cientistas sociais e juristas de todos os países.

Não obstante, após o fim da ditadura militar e com a

implantação da democracia, chegou, também, ao território nacional, o

neoliberalismo com a idéia da globalização através de um discurso econômico e

relativização da soberania estatal em um país endividado externamente e

subjugado às cobranças de juros ferozes229.

Com efeito, percebe-se que a exclusão social pela qual

muitas pessoas vêm passando atualmente, tem como fator principal a política

neoliberal praticada pelo Estado, quando este passa a ver a economia com

âmbito mundial em detrimento das necessidades sociais.

Assim, a realidade neoliberal que assola o país, acusa a

impossibilidade de políticas públicas criminais e penitenciárias, haja vista que não

se justificaria aos olhos dos investidores externos e dos grupos econômicos

internacionais, o dispêndio de milhões na construção de penitenciarias para a

execução penal digna que exige a própria legislação nacional230.

O grande problema é que também a sociedade age e pensa

da mesma forma, ao declarar que a construção de presídios é menos importante

do que a construção de escolas e hospitais, ficando, assim, os detentos, sempre

em segundo plano, para não dizer excluídos das políticas públicas de melhorias

de condições de vida.

228 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial. 3 ed. São Paulo: Malheiros,

2004, p. 30. 229 GARBELINI, Sandra Mara. Arquitetura prisional, a construção de penitenciárias e a devida

execução penal. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/doutrina/textos/x/81/66/816/direi-tonet_textojur_816.doc>. Acesso em 16 nov 2004, p. 03.

230 GARBELINI, Sandra Mara. Arquitetura prisional, a construção de penitenciárias e a devida execução penal, p. 3.

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Conforme enfatiza Santos231, a economia passa, então, a

ser a detentora das linhas políticas e institucionais do país, tendo, de um lado, a

Constituição da República Federativa do Brasil destacando as garantias

fundamentais e os direitos individuais e sociais, de outro, as regras econômicas

limitando o Estado a não praticar políticas públicas que garantam a eficácia

desses direitos retratados na Constituição e na legislação infraconstitucional.

Desta forma, diante da ausência de políticas sérias e

investimentos no sistema penitenciário brasileiro, as velhas e insalubres

instalações penitenciárias, além daquelas superlotadas efetivamente não atingem

o objetivo maior da pena que é a ressocialização do indivíduo que, na maioria das

vezes, sequer era socializado e sempre foi excluído socialmente pelo poder

público232.

Segundo Leal233 não há como se ensinar a viver em

liberdade dentro do cativeiro, descabendo cogitar-se de ressocializar quem de

regra nem sequer foi antes socializado.

Paixão234, por sua vez, ressalta que

A pena privativa de liberdade significa aprendizagem com o isolamento. Segregado da família, dos amigos e de outras relações socialmente significativas, o preso, espera-se, vai quotidianamente refletir sobre o ato criminoso e sentir a representação mais direta da punição – preservar os cursos normais de interação das externalidades do crime.

Com efeito, o trabalho é um dos institutos mais salientes na

231 SANTOS, Pedro Sérgio dos. Direito Processual Penal e a Insuficiência Metodológica: a

alternativa da mecânica quântica. Curitiba: Juruá, 2004, p. 83. 232 GARBELINI, Sandra Mara. Arquitetura prisional, a construção de penitenciárias e a devida

execução penal, p. 3. 233 LEAL, César Barros. Prisão: Crepúsculo de uma Era. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.

40. 234 PAIXÃO, Antônio. Luiz. Recuperar ou punir? Como o Estado trata o criminoso. São Paulo:

Cortez Editora, 1987, p. 9.

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reinserção social do apenado. Conforme assevera Brant235, supõe-se que os

cidadãos trabalhem para assegurar a sua sobrevivência e a de sua família. O

exercício de uma determinada ocupação durante o tempo do encarceramento não

confere apenas um aprendizado, um saber técnico e uma experiência que permita

ao detento obter ou melhorar sua renda. Ela determina também, modos

diferenciados de viver: maior disciplina, cumprimento de horários e rotinas, maior

submissão as regras impostas pelo estabelecimento penal; maior criatividade,

autonomia, iniciativa; bem como maior especialização.

Entretanto, os estabelecimentos prisionais oferecem postos

de trabalho, não de maneira a reproduzir com fidelidade as condições em que o

detento vivia antes de ser matriculado no sistema, mas sim com o intuito de

reverter o ócio inerente à pena privativa de liberdade.

A desvinculação entre a atividade exercida no interior do

cárcere e as preferências ocupacionais e as experiências anteriores de trabalho,

conforme salienta Brant236, colocam o trabalho prisional como algo vazio e inútil

tanto do ponto de vista do trabalhador como dos objetivos propostos pela

organização do sistema. Isto porque as aspirações profissionais dos detentos, a

serem concretizadas dentro dos estabelecimentos penitenciários, têm sua base

na respectiva experiência anterior e no julgamento que os infratores fazem tanto

de si como da sociedade discriminante que os espera.

Com isso, a ressocialização através da segregação total do

indivíduo aponta para uma inconsistência do trabalho encarcerado, na medida em

que esse se torna apenas um mecanismo da reapropriação do tempo que a

condenação colocou em suspenso e não uma forma de reeducar o criminoso e

garantir a sua reinserção na sociedade e no mercado de trabalho quando finda a

sua pena privativa de liberdade. Para o sentenciado a remição atingida pelo

exercício de práticas laborativas no interior dos presídios permite que ele fique

livre em um menor lapso de tempo, dos muros que o separam da sociedade.

235 BRANT, Vinícius Caldeira. O Trabalho Encarcerado. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 94. 236 BRANT, Vinícius Caldeira. O Trabalho Encarcerado, p. 139.

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Estar livre não é sinônimo de estar reeducado.

Como o objetivo do trabalho prisional, que é a

ressocialização, não está cumprindo o seu mister, este se torna, conforme alhures

mencionado, apenas um modo de evitar o ócio.

Atualmente, os apenados são recolhidos em presídios sem

nenhuma condição para cumprimento de pena, tampouco para a ressocialização.

Estabelecimentos estes que, na maioria das vezes, estão superlotados, o que

retira do preso qualquer vestígio de dignidade que ainda lhe restar. Falar em

trabalho reeducador é, para estes segregados, uma utopia.

Com efeito, é fato notório que o precário estado do sistema

penitenciário do país é fruto do fracasso das políticas públicas voltadas para a

recuperação daqueles indivíduos punidos pelo sistema de justiça criminal,

mormente pela falta de implantação de um sistema de trabalho com o objetivo

precípuo da ressocialização.

Porém, apesar de todo o tratamento desumano e

degradante sofrido pelos presos, é importante ressaltar que, mesmo privado de

sua liberdade temporariamente, o indivíduo não se encontra privado de seus

direitos constitucionalmente garantidos. O trabalho, como forma de

ressocialização e remição da pena, é um deles, e não pode ser sonegado.

4.5 POLÍTICAS PÚBLICAS DE RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO: os problemas atualmente apresentados e sugestões

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu

relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, no Capítulo IV, que trata

das condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro,

relatou que ultimamente, vem recebendo informações de que as condições de

detenção e prisão no sistema carcerário brasileiro violam os direitos humanos,

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provocando uma situação de constantes rebeliões, no qual em muitos casos os

agentes do governo reagem com descaso, excessiva violência e descontrole237.

Como resultado de sua visita in loco, e também de outros

antecedentes, a Comissão considerou que os grandes problemas de que padece

o sistema penitenciário brasileiro são os seguintes: superpopulação carcerária;

condições higiênicas precárias; má alimentação; falta de leitos e roupas; lentidão

na assistência judicial e no atendimento dos requerimentos dos presos;

impossibilidade de visitas íntimas e familiares devido às condições dos presídios;

falta de oportunidade de trabalho e recreação no interior das prisões; falta de

separação dos reclusos por categoria; falta de preparo dos agentes

penitenciários, entre muitos outros238.

Alguns destes problemas serão aqui tratados, mostrando

qual é a situação atual e qual seria o ideal a ser apresentado, sendo eles: a

qualificação dos agentes carcerários; os estabelecimentos prisionais; a

necessidade de assistência ao preso e à sua família; e, finalmente, o uso do

trabalho penitenciário e sua profissionalização como forma de inclusão social.

4.5.1 Qualificação dos Agentes Carcerários

No que diz respeito à qualificação dos agentes carcerários

para desempenhar essa função, há que se salientar que no desempenho de suas

tarefas, estes devem respeitar e proteger a dignidade humana, bem como manter

e defender os direitos humanos de todas as pessoas.

Porém, o que se tem notícia é de que os agentes

penitenciários muitas vezes tratam os presos de maneira desumana, cruel e

237 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados

Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. Capítulo IV. As condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em <http://www.cidh.oas.org/countryrep/brazil-port/Cap%204%20.htm>. Acesso em 22 out. 2004.

238 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. Capítulo IV. As condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro.

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115

prepotente, o que se traduz em torturas e corrupção239.

Tal fato se deve basicamente à falta de treinamento

especializado desses funcionários no que respeita aos direitos humanos e ao

tratamento de presos, além da escassez e má remuneração destes. Outro fator

que contribui é a falta de supervisão e controle adequado, o que acaba gerando

impunidade.

O sistema penitenciário brasileiro padece da falta de agentes

carcerários. Segundo o censo penitenciário, existem 11 presos para cada

funcionário, longe da relação recomendada pelas Nações Unidas, que é de três

presos por funcionário240.

Além disso, de acordo com os agentes penitenciários, um

dos principais problemas que aflige o sistema é a falta de uma adoção

orçamentária adequada para o sistema penitenciário, fato este que impede um

serviço melhor. Em 1992, por exemplo, o Departamento de Assuntos

Penitenciários solicitou a inclusão da soma de US$22.743.000 no orçamento

federal, mas o Congresso Nacional só aprovou o montante de US$5.091.000, dos

quais só foram efetivamente gastos US$1.873.650241.

De acordo com o relatório apresentado pela Comissão, faz-

se necessário a adoção de medidas visando melhorar o treinamento dos agentes

penitenciários, como parte de um projeto mais amplo de recrutamento,

treinamento e melhoria das condições de trabalho dos funcionários

penitenciários242.

239 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados

Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. Capítulo IV. As condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro.

240 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. Capítulo IV. As condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro.

241 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. Capítulo IV. As condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro.

242 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. Capítulo IV. As

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116

Assim, as políticas públicas destinadas à reinserção do

apenado devem atender não só as necessidades dos presos, mas também as dos

agentes penitenciários, que também sofrem as mazelas de um sistema

penitenciário arcaico e sem estrutura adequada.

4.5.2 Os Estabelecimentos Prisionais

Os estabelecimentos penais são os lugares destinados ao

cumprimento da pena privativa de liberdade, e têm por dever educar o apenado

para que ele não venha a delinqüir novamente. Este processo se dá pelas

técnicas sociais de disciplina e reconstrução moral. Com efeito, estas instituições

possuem por objetivo educar o preso de maneira que ele se torne apto ao retorno

a vida social.

Desta forma, conforme destaca Goffman243, as unidades

penais devem reproduzir as condições de residência e trabalho semelhantes a da

sociedade, onde o indivíduo possa, durante um certo tempo determinado,

sobreviver alheio a sociedade em geral. O estabelecimento penal conforma-se

como uma instituição total na medida em que segrega os criminosos do convívio

social com o intuito de moldá-los de acordo com os requerimentos normativos da

realidade social. Os desejos da sociedade civil são realizados no ambiente

prisional pelas regras rígidas que a administração prisional impõe aos seus

membros no sentido de, simultaneamente, puni-los e reeducá-los.

Com efeito, o propósito das penas privativas de liberdade,

entre outros, é o de separar os indivíduos perigosos da sociedade para protegê-la

contra o crime e a readaptação social dos condenados.

No entanto, para cumprir este desiderato, o regime

penitenciário deve empregar os meios curativos, educativos, morais, espirituais e

condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro. 243 GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999, p.

28.

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de outra natureza, e todas as formas de assistência de que possa dispor no intuito

de reduzir o máximo possível as condições que enfraquecem o sentido de

responsabilidade do recluso ou o respeito à dignidade de sua pessoa e a sua

capacidade de readaptação social.

Atualmente, em muitas prisões, os detentos se encontram

em condições subumanas, o que constitui violação da Convenção Americana

sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de direitos

humanos. Na prática, os presos no Brasil são, em sua maioria, maltratados e

desamparados, o que minimiza a possibilidade de ressocialização, haja vista as

condições físicas e humanas das prisões, bem como do pessoal responsável pelo

sistema penitenciário.

O que existem são algumas poucas penitenciárias no

modelo de Colônia Agrícola, onde os apenados cumprem sua pena trabalhando,

no entanto, não são suficientes pra atender toda a demanda de presidiários.

A análise do sistema prisional brasileiro realizada pela

Human Rights Watch244 revela condições carcerárias “assustadoras”:

superlotação; “depósito” de presos em delegacias de polícia e existência da

prática de torturas nestes locais; ausência de assistência médica e odontológica;

violência entre os presos e dos agentes penitenciários com os mesmos;

impunidade prevalente; além de escassas oportunidades de trabalho, educação,

treinamento e lazer. Os elementos positivos verificados foram apenas as políticas

de visitação e melhor tratamento para as detentas, que são poupadas de alguns

dos piores aspectos das prisões masculinas.

As recomendações para que medidas incisivas possam ser

tomadas para melhorar as condições dos presídios, cadeias e delegacias são as

de controlar a brutalidade dos agentes penitenciários e policiais, reduzir os níveis 244 HUMAN RIGHTS WATCH é uma organização não governamental, fundada em 1978, com sede

em Nova York, EUA, cujo trabalho baseia-se na investigação a abusos aos direitos humanos em todas as regiões do mundo. Pesquisa realizada no Brasil (1997/1998)-Relatório: O Brasil atrás das grades. Disponível em <http://hrw.org/portuguese/reports/-presos>. Acesso em: 30 nov 2004.

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de superlotação, limitar as delegacias de polícia à detenção de curto prazo de

suspeitos criminosos; melhorar as condições gerais e provisionamento de

assistência; prevenir abusos entre os presos; facilitar o contato com a família e

amigos dos presos; encorajar a reabilitação e fornecer atividades produtivas aos

detentos; além de facilitar a fiscalização do tratamento e das condições

carcerárias245.

No que tange ao desenvolvimento profissional do

encarcerado, é necessário enfatizar que para que este alcance a eficácia

pretendida, faz-se indispensável uma boa organização da atividade produtiva de

tal forma que o preso se sinta realizado com tarefas pertinentes à sua capacidade

e aprenda ou aprimore sua habilitação profissional ou, pelo menos, mantenha os

conhecimentos que possuía antes de ingressar na prisão.

4.5.3 Da Assistência ao Preso e à sua Família

O apenado, ao ser privado de sua liberdade, fica sob a

custódia do Estado, que tem por dever dar-lhe assistência, seja ela material,

jurídica, educacional, social, religiosa ou à saúde.

A propósito deste assunto, aliás, a Lei de Execução Penal

dispõe que:

Artigo 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. Artigo 11. A assistência será: I - material; II - à saúde; III - jurídica; IV - educacional; V - social; VI – religiosa.

A assistência ao preso condenado e internado é uma

exigência legal e elementar, quando se vê a pena como um processo construtivo

com o propósito de fazer com que seu destinatário possa sair do sistema

245 HUMAN RIGHTS WATCH. O Brasil atrás das grades. EUA, 1998.

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penitenciário um cidadão reeducado para o convívio social.

Acerca da responsabilidade do Estado, no que se refere à

assistência na execução penal, cabe ressaltar o pensamento de Beccaria246,

segundo o qual:

Se cada cidadão tem obrigações a cumprir para com a sociedade, a sociedade tem igualmente obrigações a cumprir para com cada cidadão, pois a natureza de um contrato consiste em obrigar igualmente as duas partes contratantes. Essa cadeia de obrigações mútuas que desce do trono até a cabana e que liga igualmente o maior e menor dos membros da sociedade, tem como único fim o interesse público, que consiste na observação das convenções úteis à maioria. Violada uma dessas convenções, abre-se a porta à desordem!

A assistência, como alhures mencionado, deve englobar

aspectos religiosos ou morais, educacionais ou intelectuais e sociais. Porém, na

prática, a realidade é bem outra.

A Lei de Execução Penal apresenta uma legislação

moderna, que demonstra respeito aos direitos humanos dos presos, assim como

garantia à assistência médica, jurídica, educacional, social, religiosa e material,

prevendo também a assistência ao egresso. Ela também estabelece os elementos

determinantes para o cumprimento das penas, em conformidade com condições

humanas dignas, pois mesmo sendo criminosos, os condenados não perdem o

status de “humanos”.

A lei, mormente está divorciada da realidade. Os apenados

vivem confinados em celas, sem estudos e sem qualquer assistência no sentido

da ressocialização.

A assistência, não é demais lembrar, é um dever do Estado

no sentido de prevenir o delito e a reincidência, e proporcionar um retorno pacífico

246 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 13. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999, p. 45.

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do preso ao convívio social. Porém, para tanto, faz-se necessária a prática de

políticas públicas adequadas, de modo a tornar a letra da Lei de Execução Penal

uma realidade dentro do cotidiano prisional.

É certo que não é uma tarefa fácil se observada a realidade

prisional atualmente. Mas é preciso fazer algo antes que não se possa

ressocializar nem mais um só preso.

4.5.4 O Trabalho Penitenciário e sua Profissionalização como Forma de Inclusão Social

Além de tratar da questão da assistência ao apenado e ao

egresso, é importante falar, também, da questão da profissionalização como

forma de ressocialização.

O egresso do sistema penitenciário sai da prisão com o

estigma de "ex-presidiário". As pessoas, que em sua maioria são

preconceituosas, não lhe dão oportunidades ou chance, sofrendo o ele(a)

humilhações, discriminações e, o que é pior, falta de oportunidade para um

emprego.

Se para alguém que nunca teve problema com a justiça está

difícil conseguir um emprego com observância às leis trabalhistas, que dirá para o

egresso, que, nesta condição, não conseguirá mais do que trabalhos informais,

como autônomo, fazendo "bicos" e recebendo parca remuneração.

E quando o egresso não tem experiência profissional que lhe

dê a oportunidade de realizar "bicos", permanece dias, meses e anos

desempregado, ocasião em que as chances de voltar a delinqüir aumentam.

Por isso, o trabalho prisional é tão importante, pois

proporciona ao preso, oportunidades de se profissionalizar e diminui as chances

de voltar à criminalidade, quando sair da prisão.

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Sabe-se que de há muito a prisão deixou de ser encarada

apenas como um sistema opressor. Atualmente ela assumiu um caráter

ressocializador, onde os apenados têm o direito e o dever de ser reintegrados à

sociedade. Essa reintegração só se fará a contento com políticas públicas

adequadas.

4.6 AS POLÍTICAS PÚBLICAS COMO FORMA DE EFETUAR A RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO: uma proposta sob a ótica social

Já foi amplamente debatida no presente trabalho a

necessidade de adoção de políticas públicas de ressocialização do apenado,

sendo que este trabalho seria mais bem efetivado se houvesse melhores políticas

neste sentido, de modo a reintegrá-los à sociedade, aptos a (re)ingressar no

mercado de trabalho sem a necessidade de recorrer ao crime para conseguir a

sua sobrevivência.

Neste último tópico serão apresentadas algumas propostas

de melhoria no sistema penitenciário de modo a tornar a vida do apenado menos

ociosa e mais frutífera no sentido de ressocialização, que, diga-se mais uma vez,

é o escopo maior da pena.

Destarte, no que diz respeito à qualificação dos agentes

carcerários, seria interessante se fossem criados programas adequados de

formação e especialização para os agentes responsáveis pela segurança,

administração e supervisão das prisões, bem como para o pessoal médico do

sistema carcerário.

Outro fator de extrema importância é o tocante ao número

de guardas penitenciários em relação ao numero de presos, de acordo com as

proporções estabelecidas internacionalmente, devendo este número ser

aumentado para atender a tais exigências.

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Além disso, de acordo com as sugestões oferecidas pela

Comissão Interamericana de Direitos Humanos247, além de incentivar o Estado

brasileiro a tornar realidade seu programa penitenciário, faz-se necessário:

1. A adoção de todas as medidas adequadas para

melhorar a situação de seu sistema penitenciário e o tratamento que os presos

recebem, para cumprir plenamente as disposições de sua Constituição e leis, bem

como os tratados internacionais de que o Estado brasileiro é signatário. Sob esse

aspecto, recomenda-se que se apliquem efetivamente como instrumento-guia as

Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos e as Recomendações

Relacionadas das Nações Unidas.

2. A ampliação da capacidade de vagas do sistema

penitenciário, com o objetivo de solucionar o grave problema atual de

superpopulação e, simultaneamente, sejam criadas condições de abrigo físico,

higiene, trabalho e recreação de acordo com as normas internacionais.

3. A melhoria das condições de higiene e saúde nos

estabelecimentos penitenciários e nas cadeias das delegacias policiais.

4. O oferecimento aos detentos e presos, sem qualquer

distinção, o atendimento médico de que necessitem de maneira oportuna e eficaz

e, quando for o caso, seja realizado, sem qualquer demora, seu transporte aos

centros de assistência médica.

5. O estabelecimento de serviços de atendimento

necessários para os doentes de AIDS e portadores de HIV, proibindo-se toda

discriminação imprópria a sua condição.

6. O fornecimento, aos reclusos, de uma alimentação

suficiente e balanceada, com o valor adequado de calorias, bem como a adoção

247 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados

Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. Capítulo IV. As condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro.

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das medidas cabíveis para se evitar o desvio de alimentos que favorece

ilegalmente a alguns reclusos e/ou resulte na corrupção administrativa.

7. A adoção de todas as medidas necessárias para a

prestação de uma assistência jurídica real, efetiva e gratuita aos que dela

necessitem e não tem como pagá-la durante todas as etapas do processo judicial.

8. A concessão e o reconhecimento, de maneira eficaz e

oportuna aos presos, dos benefícios e privilégios a que têm direito nos termos da

lei, em particular quanto a redução de penas, a indultos, a visitas familiares, etc.

9. O aceleramento dos processos judiciais que mantém

em reclusão réus não condenados e sejam libertados os que cumpriram o

máximo autorizado legalmente, além da efetiva consagração na legislação de

normas referentes ao cumprimento alternativo de penas.

10. A separação dos detentos em prisão preventiva dos

condenados, e estes últimos agrupados de acordo com o tipo e gravidade do

delito e a idade dos reclusos.

11. A supressão das solitárias ou "celas fortes", pois elas

estão em contravenção às normas internacionais, bem como a eliminação da

violência policial sanável através de treinamento conscientizado.

12. O estabelecimento de mecanismos efetivos e

oportunos de controle interno no sistema penitenciário para punir os agentes

penitenciários responsáveis por abusos e atos de violência contra os presos.

13. A alocação nos orçamentos federais e estaduais dos

recursos financeiros e materiais necessários para que o sistema penitenciário

possa desenvolver plenamente os planos e metas traçadas pelo Programa

Nacional de Direitos Humanos, e possa alcançar o mínimo de condições e

segurança requeridas de acordo com os instrumentos internacionais, como

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também o desenvolvimento de políticas, estratégias e técnicas, para evitar

situações de violência, entre os reclusos.

14. Mais oportunidades de trabalho aos presos, além de

programas de educação, reabilitação e recreação que contribuam para a sua

readaptação e reinserção na sociedade.

Com efeito, mormente todas estas sugestões apresentadas

pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, faz-se necessária,

sobretudo, a implementação de mais programas de profissionalização do

apenado, de modo a torná-lo apto ao mercado de trabalho e, por conseqüência,

ao convívio em sociedade.

Já se pode observar, inclusive, em vários presídios, a

adoção desta política voltada à ressocialização através da profissionalização. O

sistema prisional gaúcho, por exemplo, vem dando um bom exemplo no que diz

respeito ao trabalho penitenciário como forma de ressocialização do apenado248.

Uma grande parte dos presidiários demonstra interesse em

mudar seus destinos antes mesmo do término da pena. Dados da Susepe

indicam que dos 9 mil que estão em regime fechado, a metade tem interesse em

trabalhar e 70% destes têm grandes chances de recuperação profissional249.

Este programa desenvolvido pela Corregedoria-Geral da

Justiça trata da busca de parceria com instituições e lideranças empresariais para

criação de vagas de ensino profissionalizante e de trabalho para os apenados,

nos moldes da Lei de Execução Penal. O Judiciário faz a aproximação das

empresas com a Susepe para firmar os convênios, a fim de que os apenados

possam trabalhar e estudar250.

248 REVISTA FEDERASUL. A Chance que Vem do Emprego. Nº 10. Out. 2001. Disponível em

<http://www.federasul.com.br/revista/10/acao_social/m1/index_m1-.html>. Acesso em 18 out. 2004.

249 REVISTA FEDERASUL. A Chance que Vem do Emprego, 2001. 250 REVISTA FEDERASUL. A Chance que Vem do Emprego, 2001.

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O objetivo, segundo Danúbio Franco, é que o trabalho do

condenado passe a ser visto como dever social e condição de dignidade humana,

com finalidade educativa e produtiva, tal como preceitua o artigo 28 da Lei de

Execução Penal251.

O trabalho prisional, assim, além de se mostrar um

excelente meio de ressocialização, só traz benefícios ao apenado. Para o próprio

apenado, pode-se destacar a possibilidade de profissionalização e, por

conseqüência, a reintegração ou iniciação ao mercado de trabalho; a

possibilidade de remição da pena, pois, a cada três dias de trabalho subtrai-se um

dia de cumprimento de pena; o auxílio de remuneração, através do auxílio-

reclusão, entre outros.

Para as empresas parceiras, os benefícios também são

muitos, haja vista que estas têm oportunidade de realizar uma ação socialmente

justa e efetuar um bom negócio ao adotarem a mão-de-obra carcerária.

Estas empresas contam com grandes benefícios, todos

estritamente dentro das normas previstas na Lei de Execução Penal, tais como:

utilização de mão-de-obra qualificada; remuneração com piso estabelecido em

75% do salário mínimo; inexistência de encargos sociais; inexistência de vínculo

empregatício; inexistência de demandas trabalhistas; jornada de trabalho de até 8

horas, com folgas aos sábados e domingos.

Mas a sociedade também ganha com isto. Dentro do que

estabelece a Lei de Execução Penal, o trabalho prisional ajuda o preso no seu

retorno ao convívio social através de ações integradas com a iniciativa privada e a

sociedade civil organizada. Entre os vários benefícios, pode-se destacar, ainda: o

resgate da identidade social do preso; a diminuição dos índices de reincidência

criminal; a redução da população carcerária; a redução dos custos de

manutenção do sistema penitenciário, entre muitos outros.

251 REVISTA FEDERASUL. A Chance que Vem do Emprego, 2001.

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Mattar252 assevera que proporcionando chances de os

presos de fato se ressocializarem, o ganho não é só deles. A sociedade tem

vantagens com isso também, como redução da violência, menos gastos com

construção e manutenção de presídios, menos mortes, menos gastos com saúde,

com proteção e todas as outras conseqüências diretas e indiretas de fazer as leis

valerem e os direitos humanos serem respeitados. Se a sociedade apresenta a

oportunidade para a pessoa se ressocializar, praticamente tira a chance de ela ter

reincidência e, portanto, pode ajudar a diminuir a diminuir a criminalidade.

Como se vê, a sociedade que ajuda na ressocialização de

um indivíduo só recebe benefícios. Porém, para que essa reintegração social se

dê de modo efetivo é necessário muito boa vontade, não só por parte do

apenado, que vai ter que lutar para reconquistar o seu lugar na sociedade, mas

também por parte do Governo, que implantará as políticas públicas adequadas de

modo a tornar o sistema efetivamente eficaz, e, principalmente, por parte da

sociedade, que deverá fazer o seu papel abraçando a causa da ressocialização.

252 MATTAR, Maria Eduarda. A difícil e necessária tarefa de reciclar pessoas. La insígnia. 19 julho

2003. Disponível em <http://www.lainsignia.org/2003/julio/soc_012.htm>. Acesso em 22 out 2004.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término da pesquisa proposta, bem como no decorrer da

análise realizada na legislação e na doutrina pátria, restou confirmada a

convicção de que a implementação de políticas públicas adequadas à

ressocialização do apenado é medida que se faz urgente, haja vista a atual

situação do sistema penitenciário brasileiro.

Isto porque, conforme resultou da investigação, se a situação

dos apenados continuar da forma como está atualmente, muito breve se assistirá ao

caos total do sistema prisional, que já apresenta sinais claros de crise falencial.

Para alcançar as considerações traçadas, o estudo envolveu

além da análise pormenorizada da Lei de Execução Penal, um esboço da evolução

histórica da prisão e da atualidade do sistema carcerário, bem como um exame a

respeito do Estado e sua função social, na qual se insere a ressocialização do

apenado.

Diante disso, necessário se fez dissertar, no primeiro

capítulo do presente trabalho, acerca da pena privativa de liberdade, abordando,

principalmente, a necessidade no sistema prisional brasileiro.

Assim, trouxe-se um apanhado histórico da pena privativa de

liberdade, com ênfase no estudo da sua origem e desenvolvimento desde a

Antigüidade até os dias atuais e no Brasil. Além disso, discorreu-se sobre os tipos

de pena e as funções das quais estas se revestem, podendo-se concluir que, no

início, esta era usada apenas como modo de assegurar a pena, passando,

posteriormente, para a forma punitiva, e evoluindo, com o desenvolvimento da

sociedade, até a sua concepção atual, qual seja, de ressocialização do criminoso.

Fez-se, ainda, uma análise da situação do egresso, que, na

maioria das vezes, diante do desemprego e discriminação, volta a delinqüir. Ao

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final, discorreu-se sobre a realidade prisional que, de tantos problemas

seriíssimos, como superlotação, degradação humana, proliferação de doenças,

promiscuidade, precariedade, falta de ocupação lícita entre outros, apresenta

sintomas de falência.

No segundo capítulo, a investigação identificou que a

execução penal brasileira apresenta muitas deficiências. Existe o entendimento

harmônico que reeducar não é apenas dar tarefas para serem executadas. É

preciso preparar o indivíduo para a nova sociedade, porquanto quando foi

segregado, o mundo era um, agora que obtém a liberdade o mundo é outro.

Ainda, o estudo deste tema deu-se em razão de sua

importância para o desfecho do trabalho, sendo necessário analisar qual a função

social do Estado, os objetivos, a filosofia e a aplicabilidade da Lei de Execução

Penal, os seus regimes penitenciais, os benefícios desta na pena privativa de

liberdade.

Desse modo, observou-se, partir do estudo deste capítulo

que a execução penal tem por principal objetivo a reeducação e a reintrodução do

preso na sociedade, buscando-se, primordialmente, condições reais de

convivência social a fim de se evitar a reincidência. Devido a este fim, a Lei de

Execução Penal prevê um sistema progressivo da pena privativa de liberdade: do

fechado para o semi-aberto e deste para o aberto, tudo no intuito de reinserir e

readaptar o preso ao convívio social.

Pôde-se ressaltar, ainda, que apesar de ser considerada

uma norma de primeiro mundo, a Lei de Execução Penal não tem encontrado

aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente no que tange aos

direitos do preso e às condições dos presídios, isto porque, em que pese o objeto

principal da execução penal seja a reeducação e a reintrodução do preso na

sociedade, com a busca de condições reais de convivência social a fim de se

evitar a reincidência, isto não é o que se observa no sistema penitenciário atual.

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De outro modo, pelo estudo deste capítulo, chega-se a um

consenso de que há um fracasso no sistema penitenciário brasileiro no tocante à

aplicação da pena privativa de liberdade, justamente devido aos inúmeros

problemas que este apresenta. Porém, muito embora haja todos esses

empecilhos, não se pode negar que a pena privativa de liberdade é necessária,

seja para prevenir mais crimes, seja para recuperar o apenado e, por esse motivo

ela também é necessária no processo de reinserção social.

Por fim, dedicou-se o último capítulo ao estudo do

Neoliberalismo, do problema da exclusão social e das Políticas Públicas, bem

como da implementação destas no combate à exclusão social, à violência, e

ainda, a uma análise da atual situação destas em relação ao apenado.

Verificou-se através do estudo, que o Neoliberalismo é umas

das principais causas da crescente desigualdade e exclusão social que vem

acometendo a sociedade. Ademais, constatou-se as Políticas Públicas tiveram

seu início, por meio do denominado Estado de Direito, a partir do século XIX, e

que, somente a partir das décadas de 40 e 50, após a Segunda Guerra Mundial, é

que começaram a ter força efetiva, através do New Deal americano, ocorrido na

década de 30.

No que diz respeito às Políticas Públicas de combate à

violência e exclusão social constatou-se que, infelizmente, somente são tomadas

atitudes mais efetivas, quando a criminalidade avança sobre as classes média e

alta e, por conseqüência, viram objeto da mídia. E o pior, essa mesma exclusão

social que persegue o indivíduo durante a sua vida toda, também o alcança

dentro dos muros dos presídios, pois lá dentro, as oportunidades de se

profissionalizar são ainda menores e, ao saírem para a liberdade, sem emprego e

sem perspectiva, retornam ao mundo do crime.

Assim, direcionado a este problema foram apresentadas as

principais dificuldades que assolam o sistema penitenciário, quais sejam: a falta

de qualificação dos agentes carcerários, a precariedade dos estabelecimentos

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prisionais, a falta de assistência ao apenado e à sua família e a falta de

profissionalização do apenado. É claro que existem outros problemas graves, mas

estes foram considerados mais importantes no presente trabalho devido à

influência que têm na ressocialização ao apenado.

Por fim, encerra-se este capítulo e a investigação

apresentando algumas sugestões de melhoria do sistema penitenciário, de modo

a aliviar as péssimas condições dos presídios, e de implementação de Políticas

Públicas voltadas à ressocialização com o intuito de recuperar o apenado e

reintegrá-lo à sociedade, evitando-se assim, a reincidência e, por conseqüência, a

violência.

Decorrente dos mencionados objetivos investigatórios foram

elaborados três problemas e respectivas hipóteses que serviram de base para o

desenvolvimento da pesquisa, os quais restaram totalmente comprovados, como

se verá a seguir:

No tocante ao primeiro problema formulado, constatou-se

que a pena privativa de liberdade surgiu do próprio convívio do homem em

sociedade, como mecanismo de defesa, progresso e interação social. Além disso,

a prisão, desde a sua origem, sempre visou a garantia da paz social, que não

poderia ser obtida se os criminosos estivessem a solta, sem pagar pelos seus

crimes e sem a devida recuperação.

Já no que diz respeito ao segundo problema, concluiu-se

que o objetivo maior do Estado é a pacificação dos conflitos, de modo a assegurar

a continuidade das relações sociais de forma harmoniosa e sem afronta às

garantias individuais, sendo a aplicação da pena, a resposta esperada pela

Sociedade com relação ao indivíduo infrator, com as garantias individuais deste

em receber o tratamento estatal adequado à sua ressocialização.

Finalmente, no que tange ao terceiro e último problema

formulado, verificou-se que o atual modelo da pena privativa de liberdade

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estabelecido pelo Estado, no Brasil, não tem alcançado os seus fins,

encontrando-se, assim, a função tríplice do encarceramento do infrator, preterida

em razão de outras prioridades. Ademais, diante de tantos problemas e

deficiências apresentadas, a pena privativa de liberdade, bem como as penas em

geral, não têm alcançado o seu objetivo, de modo que urge a necessidade de

implementação de novas Políticas Públicas para enfrentar o problema, antes que

seja tarde demais.

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REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

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