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A PARTIR PEDRA http://a-partir-pedra.blogspot.pt/ Colectânea de textos Maçónicos Blogue sobre Maçonaria escrito por Mestres da Loja Mestre Affonso Domingues ANO 2013 ANO 2013 (índices semestrais)

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A PARTIR PEDRA

http://a-partir-pedra.blogspot.pt/

Colectânea de textos Maçónicos

Blogue sobre Maçonaria escrito por Mestres da Loja Mestre Affonso Domingues

ANO 2013ANO 2013(índices semestrais)

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Contents

Mesmo que seja duro, Feliz 2013! 1

Pelos olhos dos meus irmãos 6

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXIV 11

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXV 17

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXVI 22

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXVII 26

Agora em livro eletrónico! 29

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXVIII 32

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXIX (e última) 36

O Vigésimo Primeiro Venerável Mestre 40

Testamento Maçónico 46

O meu testamento maçónico 51

"Casamento maçónico" 56

Meio-dia 60

Meia-noite 65

Luz 68

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Oriente Eterno 74

Ser Mestre Maçom é... 77

O Mestre Maçom perante o Aprendiz e o Companheiro 83

O Mestre Maçom perante a Loja 87

O Mestre Maçom perante si próprio 90

O Mestre Maçom perante a Sociedade 93

A coberto e a descoberto 96

Igualdade, Diversidade e Tolerância 102

Os limites da Tolerância 106

Passagem, Elevação, Receção ou Colação? Elevação,Exaltação, Colação ou Receção?

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Os "Taus" não são Taus ? 114

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Mesmo que seja duro, Feliz 2013!

January 02, 2013

Há pouco mais de um ano, comecei o último texto de 2011 quepubliquei aqui no blogue assim:

Segundo as notícias que chegam a Portugal, o Brasil vive um bomperíodo, o otimismo medra na mesma proporção dodesenvolvimento, espera-se que o ano de 2012 seja melhor do queo de 2011. Que assim seja!

Não sei se no Brasil se pressente que 2013 será melhor do que2012, mas creio que se confia que, pelo menos, não será pior. Pormim, repito o que desejei o ano passado: Que assim seja!

No mesmo texto, quanto a Portugal, aos portugueses e aos que neste país vivem, escrevi então que "neste velho Portugal, cada vez mais velho, demograficamente falando, o panorama é bem mais sombrio: a seguir a um mau ano de 2011 espera-se um pior ano de 2012, o pessimismo está instalado em proporção superior à percentagem de queda do Produto Interno Bruto. Por estas bandas, os tradicionais, nesta época, votos de Feliz Ano Novo soam a

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esperança vã, palavras ocas, simulacro de boa disposição."

Não é agradável, neste caso, reconhecer-se que a previsão acertoue, pior, que se prolonga para 2013, que todos preveem ainda piorque 2012. Por isso, se mantêm válidas as considerações que apropósito teci o ano passado:

Os tempos europeus e lusitanos de agora são tempos de poucoTER. Não são, porém, tempos perdidos ou improdutivos paraaqueles que se preocupam essencialmente, não com o TER, mascom o SER. São tempos que nos mostram e ensinam a diferençaentre o que é verdadeiramente essencial e o que, afinal, é apenassimplesmente confortável. São tempos que nos alertam para aprecariedade do TER e que nos mostram a perenidade do SER.Que - com dureza mas também com clareza - nos ensinam que oque possuímos, o que amealhamos, os rendimentos que obtemos,estão à mercê dos desvarios de anónimos financeiros, dos apetitesde insaciáveis banqueiros, das debilidades dos políticos a queentregamos os nossos destinos, dos conceitos dos teóricoseconómicos da moda e do acefalismo cinzento dos burocratas quea todos estes enquadram. Mas são também tempos que nosrelembram que o nosso verdadeiro tesouro é aquilo que SOMOS, oque aprendemos, o que melhorámos, as capacidades queadquirimos, a nossa força, tenacidade, confiança em nós, oconjunto das capacidades que laboriosamente adquirimos ao longoda nossa existência e que é com o que cada um verdadeiramente Éque resiste e ultrapassa e vence a falta ou diminuição do que TEM,que reconstrói sobre os destroços do que caiu, que avança e deixapara trás o deserto da penúria. Enfim, aquele que se concentra noque É sente menos falta do que não TEM.

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O essencial é SER, não TER. Os tempos de crise servem para que o homem sábio o relembre e possa não o esquecer nas épocas de prosperidade. Esta é a Sabedoria que desejo que todos os meus conterrâneos consigam ter para a cada um ajudar a superar este tempo duro enquanto não chega tempo mais aprazível (que é importante que, apesar de tudo, cada um saiba que acabará por chegar). Mas o acentuar e o prologar da dureza do tempo que se atravessa fez-me compreender que não basta essa Sabedoria, também é e necessário que cada um convoque e mantenha o máximo que puder da sua Força para resistir ao embate e, sobretudo, para persistir no que tiver de fazer para ultrapassar o mau momento. É necessária Força de discernimento para distinguir entre o que nos é essencial - e preservá-lo - e o que, apesar de confortável, nos é afinal meramente acessório, e de que, se assim tiver que ser, se prescindirá. É necessário ter a Força de caráter para, se assim for necessário fazer, fazê-lo sem demasiado azedume, sem nenhuma perda de amor-próprio, sem sofrimento excessivo, ainda que aquilo de que se for obrigado a prescindir fosse tido por adquirido e garantido. Em tempos negros, quando a borrasca nos cai em cima sem dó nem piedade, é importante não cair no desespero, que tolhe e incapacita a necessária reação à inclemência do tempo que corre.

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Para isso, é imprescindível valorizar e apreciar todas as nesgas deluz, todos os momentos de calmaria, todos os apontamentos decor, todos os pedaços de calor, que conseguirmos lobrigar, utilizarcada um desses momentos de reconforto como suplemento deenergia para resistir, persistir, prosseguir, até que dia chegue emque a luz suplante a treva, a calmaria domine a borrasca, a coresconda o cinzento, o calor expulse o frio. É assim indispensávelpreservar e apreciar toda a Beleza que conseguirmos encontrar,em cada momento, em cada tarefa, em cada riso de criança, emcada gesto, em cada coisa. Saber descortinar e apreciar a Belezano meio da dificuldade, da penosidade, da dureza, é vitamina quesuplementa e exponencia a indispensável energia de quenecessitamos para superar esta hora do lobo que estamosvivendo.

Que todos consigam prescindir sem demasiado esforço dosupérfluo e preservar o verdadeiramente essencial. Que àquelesque já veem o essencial a ser atacado não falte a indispensávelsolidariedade que lhes permita resistir e ultrapassar a sua situação.Que àqueles que mantiverem o privilégio de manter barca que osproteja do furor destas vagas alterosas, que a tantos e cada vezmais fustiga, não lhes falte o sentido de solidariedade, apredisposição para ajudar, o ânimo para partilhar o que lhes sobracom quem está a necessitar.

Se assim for, então todos conseguiremos vir a ver o horizonte a clarear, encontrar novos caminhos desimpedidos, reconstruir o que se tiver perdido ou destruído. E a superação das dificuldades ter-nos-á tornado um pouco mais fortes, capazes e resistentes - em suma, melhores. Se assim for, apesar dos pesares, ao olhar para trás poderemos dizer que as dificuldades afinal não nos impediram

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de conseguir ter o que a todos desejo: UM FELIZ ANO DE 2013! Rui Bandeira

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Pelos olhos dos meus irmãos

January 03, 2013

Os três rapazes olhavam alternadamente, de soslaio, uns para os outros, depois para os próprios sapatos, para os dedos das mãos, e para as paredes do quarto, sem saber o que dizer mais. Todos estudantes, partilhavam um apartamento próximo da faculdade que frequentavam - os três, e mais o Sandro. Este último não estava presente - e era dele que se falava, sem se chegar a nenhuma conclusão pois, se todos sabiam o que quereriam dizer-lhe, não faziam ideia de como dizê-lo. O Sandro, sempre despistado, parecia viver noutro mundo, sempre ruminando um cigarro de enrolar - quantas vezes apagado. Desleixado consigo mesmo, fazia a barba de quando em quando, para logo a deixar crescer - não por ato de vontade, mas por inércia ou desleixo. Mas o pior era o cheiro: quer ele quer o seu quarto empestavam todo o apartamento com um misto de suor e tabaco frios com roupa de cama usada semanas a fio, tudo agravado pela absoluta ausência de desodorizante.

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Se o Sandro fosse um pulha, um inútil, um egoísta, seria fácildizer-lhe cara a cara que deixasse de ser porco, ou que o queriamdali para fora. Mas não era assim. Excelente aluno - apesar desempre distraído, parecia que sorvia o conhecimento do ar - era-lhereconhecida a enorme disponibilidade - e mesmo entusiasmo - paraexplicar, a qualquer colega que lho pedisse, os pontos mais densosda matéria, e isto até que este de facto a apreendesse. Por tudoisto, e por muito mais, todos tinham o Sandro por um tipo àsdireitas a quem nenhum deles queria melindrar. Mas a "tal questão"tinha, forçosamente, que ser abordada.

As indiretas não pareciam fazer efeito: "Então, Sandro, que teaconteceu? Estás todo transpirado! Toma um duche, que te ficas asentir melhor..." "Deixa estar, estou a apanhar aqui um ventinho àjanela e já seca..." Chegaram a fazer um "regulamento" doapartamento, referindo que os quartos tinham que estar limpos; oSandro apanhou as coisas que tinha espalhadas pelo chão, enfioutudo dentro do guarda-fatos - sapatos, roupa suja, livros, enfim...- aspirou sumariamente, despejou os cinzeiros, e apareceu, todosorridente, a dizer que do quarto dele não havia nada a apontar! Foidepois disto que se reuniram os três, sem saber o que fazer ou oque dizer, e acabaram por ficar de pensar como abordar o assunto.

O Chico lá ganhou coragem e, apanhando-se sozinho com o Sandro, foi direto à questão: que o odor do quarto dele incomodava todos os restantes ocupantes do apartamento, e que para resolver o problema ele precisava de passar a lavar a roupa com mais regularidade, bem como de tomar banho e usar desodorizante diariamente. O Sandro ficou branco; nunca se

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apercebera de nada. Pouco habituado a gerir essas questões - emcasa dos pais era sempre a mãe quem tratava da roupa e omandava tomar banho quando entendia que estava a precisar - nãose apercebia, sequer, do próprio odor corporal. "Eu... eu nãocostumo usar desodorizante... e no banho passo-me só por água euso um pouco de sabonete... e não tenho roupa suficiente paraestar a usar roupa limpa todos os dias... nem tenho onde a lavarcá... só quando vou a casa, e muitos fins de semana tenho queficar cá..."

Foi a vez do Chico ficar atrapalhado, mas por pouco tempo.Prometendo manter a questão entre os dois, colocou à disposiçãodo Sandro o seu champô e uma lata de desodorizante,emprestou-lhe toalhas lavadas e uma muda de roupa, passou alevar para casa dos seus próprios pais a roupa do Sandro sempreque este não podia ir a casa dos seus. Além disso, assim comoquem não quer a coisa, foi-lhe deixando de uma vez umas cuecas("ficam-me apertadas mas na loja não aceitam trocas de roupainterior"), de outra umas camisolas interiores ("a minha avómandou-me tantas que não me cabem na gaveta") e ia zelando porque nunca faltassem os produtos de higiene pessoal.

A vergonha inicial (de um e de outro...) fora difícil de superar mas, tendo tomado consciência do problema, o Sandro endereçou-o o melhor que sabia. O quarto - se bem que desarrumado - já não cheirava a nada de diferente dos restantes, pois até passara a fumar na varanda. Fez algumas economias, e comprou roupa em

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quantidade suficiente para que nunca lhe faltasse uma muda deroupa limpa, e deixou de precisar de recorrer à boa vontade doamigo. Ao fim de umas semanas parecia outra pessoa, para grandeestupefação dos outros dois, que não perceberam de onde tinhavindo a mudança. O Chico, satisfeito com os resultados, nuncamais tocou no assunto, e o Sandro ficou-lhe para semprereconhecido - por isso, e por todo o resto.

//

Não há homens perfeitos, e os que se esforçam por ser melhores ese aperfeiçoar só conseguem fazê-lo sozinhos até certo ponto. Écerto que o caminho é o de cada um, e o paradigma de perfeiçãoaquele que cada um tenha estipulado para si mesmo. Cada homemé senhor do seu destino, pelo que não é legítimo que um imponha aoutro os seus próprios padrões de perfeição interior. Isso nãosignifica, contudo, que não haja mérito na interação com os demais.Pelo contrário. É que, se há limitação que nos caracteriza a essenível, é a impossibilidade de nos vermos a nós mesmos como osoutros nos vêem; incapazes de apreciar, quantas vezes, os nossospróprios defeitos, não nos apercebemos da sua natureza, da suadimensão, ou até da sua mera existência.

Poder contar com alguém que, fraternalmente, no-los faça notar - especialmente quando se trate de questões íntimas, melindrosas, ou de difícil abordagem - é, nestas circunstâncias, de enorme valia. Ter a certeza de que essa ajuda é desinteressada, construtiva e bem intencionada é essencial para que seja tida na devida conta. E

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é assim entre os maçons: cada um procurando tornar-se melhorsabendo que esse aperfeiçoamento é um trabalho individual cujosparâmetros cabe a cada um definir, mas ao mesmo tempodisponível para ajudar os irmãos e para aceitar a sua ajuda naquiloque não é capaz de atingir por si mesmo.

Já a sabedoria para discernir em que circunstâncias se deveoferecer a mão, e em que circunstâncias se deve guardar silêncioem respeito por uma opção diferente da nossa, é algo que só se vaiaprendendo com o passar do tempo...

Paulo M.

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Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXIV

January 09, 2013

Mas se a nomeação não for unanimemente aprovada, oGrão-Mestre deve ser imediatamente escolhido através dovoto. Todos os Mestres e Vigilantes escreverão o nome de seuescolhido, bem assim como o Grão-Mestre. E o nome que oGrão-Mestre primeiro retirar, casual ou aleatoriamente, será oGrão-Mestre no ano seguinte. Se este estiver presente, deveráser proclamado e saudado como acima indicado, econsequentemente empossado pelo último Grão-Mestre deacordo com o Costume.

Esta Regra XXXIV permite-nos perceber como o conceito de"escolha pelo voto" evoluiu desde o início do século XVIII atéagora.

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Relembremos que o século XVIII - muitas vezes referido pelo"século das Luzes", aquele em que triunfou o Iluminismo - foi umtempo de transição da aquisição do conhecimento pela viaescolástica para a obtenção do saber pela via da Razão.Anteriormente, a "verdade" tinha origem divina e era revelada pelasEscrituras e pelos "doutores" que as interpretavam. Galileunecessitou, para evitar a tortura e, quiçá, a morte na fogueira, deabjurar a sua descoberta de que era a Terra que se movia em tornodo Sol e não o contrário, como escolasticamente estava"estabelecido". Na esteira de Descartes e de Spinoza, de ImmanuelKant, de Rousseau, dos enciclopedistas e dos filósofos ingleses, asociedade europeia recomeçou a caminhada que interromperaapós a Antiguidade Clássica (e breve e localizadamente retomarano tempo do Al-Andaluz islâmico) no sentido da primazia da Razãoe do triunfo da Ciência Experimental.

Este percurso teve inevitáveis reflexos na organização social. Coma primazia da Razão, decaiu o Direito Divino de governar em quese baseava a organização política monárquica, retomou-se anoção de Democracia, criada nas cidades-Estado gregas daAntiguidade, particularmente na brilhante Atenas de Sólon ePéricles e dos grandes pensadores Aristóteles, Sócrates e Platão -que a origem do Poder não era divina, mas residia no Povo.

Mas no início do século XVIII ainda o velho e o novo se digladiavam, se misturavam, mutuamente se influenciavam. Entre o direito divino de governar, o Poder "pela escolha de Deus", e o Poder originário do Povo muitas mentes se interrogavam, muitas inclinações se balançavam, muitos avanços e retrocessos existiam. Como em tudo na realidade na vida, não houve uma fronteira, um momento definido em que, como que por artes mágicas, o novo

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conceito substituísse o antigo. Ambos coexistiam, primeiro o antigosobrepondo-se ao novo, depois havendo uma equivalência e,progressivamente, o novo ganhando vantagem e paulatinamentedestronando o antigo - e neste processo, coexistindo,influenciando-se mutuamente, surgindo inesperados híbridos entreo antigo e o novo, como só a fantástica imaginação humana écapaz de produzir.

Esta Regra XXXIV precisamente constitui um desses híbridos!

Recorde-se, antes do mais, os antecedentes: (1) em reuniãoprivada, os representantes das Lojas deliberavam sobre acontinuidade do Grão-Mestre em funções, deliberação esta quetinha de assentar na unanimidade; (2) na hipótese afirmativa eocorrendo aceitação do Grão-Mestre em funções, estava o assuntoencerrado; (3) não havendo unanimidade quanto à continuidade doGrão-Mestre em funções ou não aceitando este a sua continuidade,o Grão-Mestre em funções nomeava, propunha, um sucessor; (4)sendo o proposto aprovado por unanimidade, ficava a questãoresolvida; (5) não havendo aprovação unânime do proposto, entãoaplicava-se a Regra XXXIV.

E em que consiste a regra XXXIV? Na escolha do novoGrão-Mestre pelo voto. Aparentemente, a utilização do métododemocrático como hoje o concebemos. Mas, na realidade, nãoexatamente assim.

É que hoje concebemos a escolha pelo voto como a escolharesultante da maioria dos votos expressos, um critério objetivo, emque a aleatoriedade não tem lugar.

Mas o sistema indicado na regra XXXIV contém um elemento de decisiva aleatoriedade, algo perturbadora para as nossas conceções modernas: o escolhido não era o que tinha maior votos -

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era aquele que era sorteado de entre todos os votos expressos!

Se é verdade que se, num universo de, digamos, 100 votantes, 99votarem em João e 1 em José, as probabilidades de ser sorteadocomo vencedor João é esmagadora, o certo é que pode sucederque seja o único e solitário voto em José que é, "casual oualeatoriamente", o retirado. E se, dos 100, 60 tiverem escolhidoJoão e 40 José, embora haja mais probabilidades de João ser osorteado, são muito significativas as probabilidades de sair José...

No entanto, a Regra enfaticamente afirma que "o Grão-Mestre deveser imediatamente escolhido através do voto"...

Este é um evidente produto híbrido das duas conceções entãoainda em luta: o dirigente, o líder, aquele que exerce o Poder,resulta da decisão divina ou provém da escolha humana.

Os maçons do início do século XVIII não acreditavam já (ou nãoacreditavam maioritariamente) na conceção da designação pordireito divino; mas, inclinando-se para a Modernidade, para aescolha pelo Povo, pelo universo de votantes, pela conceçãodemocrática do Poder, ainda não estavam em condições de utilizarexclusivamente esta (ou ainda tinham no seu seio um número nãonegligenciável de seguidores do "pensamento antigo") e de deixar aescolha totalmente à decisão maioritária.

Daí a solução híbrida: cada um expressava a sua vontade, sendo expectável que a maioria das vontades expressas viesse a redundar na escolha; mas deixando intervir um decisivo elemento de aleatoriedade através do sorteio entre os votos expressos... A aleatoriedade introduzida correspondia, afinal, ao fator da intervenção divina: se Deus, o Grande Arquiteto do Universo, entendesse que a escolha da maioria dos votantes era errada e não deveria subsistir, então a sua Divina Vontade faria com que a

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Fortuna levasse a que fosse sorteado o nome daquele que deveriaexercer a função!

Este curioso híbrido, esta engenhosa mistura entre a designaçãopor direito divino e a escolha por decisão do universo de votantes,espelha que se estava numa fase de transição entre duasconceções civilizacionais da organização social. É um sistemacurioso, engenhoso e que não encontrei em mais nenhum lado, emmais nenhuma instituição, em mais nenhum outro tempo. É umasolução que foi um típico produto de uma época concreta e dasespecíficas condições existentes.

E, vista a cerca de trezentos anos de distância, tem a virtude denos dar dois alertas: (1) a Maçonaria, prezando a Tradição, não sedeve deixar envolver pelo Imobilismo; o que é antigo deve serpreservado, mas deve sê-lo na exata medida e com as alteraçõesque se impuserem, em face da evolução da Sociedade, dostempos, das conceções morais e sociais; (2) devemos sempreprocurar estar em sintonia com o tempo em que estamos, atentosàs evoluções, mas nem mantendo o Antigo só por manter, nem otrocando de ânimo leve pelo que se apresenta como novo, semsabermos se é realmente novo e, sobretudo, se é acertado eadequado; o Antigo tanto pode apodrecer, como manter, preservare aumentar de Qualidade; o Novo pode ser evolução - e deve entãoser bem-vindo - como pode ser mera aparência desta mas realinvolução ou simples irrelevância - e nesse caso deve serdescartado e recusado; o Novo de hoje pode substituir o Antigo deontem, pode fundir-se com o Antigo e transformá-lo ou, pura esimplesmente, pode não ter virtualidade em face do Antigo,experimentado e estabelecido.

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Como em tudo na Vida, impõe-se usar o Bom Senso - uma Virtudeque o Criador nos concedeu mas que cabe a nós Humanosefetivamente praticar e usar, sem receio, neste caso, de abusar!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 144.

Rui Bandeira

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Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXV

January 16, 2013

Logo que o último Grão-Mestre seja novamente empossado,ou então o escolhido, deverá nomear o seu Vice Grão-Mestre,podendo ser o anterior ou um novo, o qual deverá serdeclarado, saudado e empossado como acima indicado.

O Grão-Mestre nomeará os novos Grandes Vigilantes, e seforem unanimemente aprovados pela Grande Loja, devem serdeclarados, saudados e empossados como acima indicado;mas se assim não o for, devem ser escolhidos pelo voto, domesmo modo que o Grão-Mestre; assim como os Vigilantesdas Lojas também devem ser escolhidos pelo voto em cadaLoja, se os seus membros também não concordarem com anomeação feita pelo seu Mestre.

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Definidas, nas regras anteriores, as várias variantes para adesignação do Grão-Mestre, esta regra postula que. logo após asua posse, o Grão-Mestre que inicia ou reinicia o seu mandatodeve designar o seu Vice Grão-Mestre e os dois GrandesVigilantes.

Em 1723, o Vice Grão-Mestre era livremente escolhido peloGrão-Mestre, enquanto que os Grandes Vigilantes dependiam deproposta do Grão-Mestre, aprovada unanimemente pelaAssembleia ou, no caso de não aprovação do proposto peloGrão-Mestre, de eleição segundo o mesmo sistema que, na regraXXXIV, se postulou para Grão-Mestre: um misto de eleição esorteio, pelo qual cada elemento da Assembleia escrevia o nomedo seu preferido num papel e, reunidos todos os papeis dos votos,um deles era retirado à sorte, e assim designado para o ofício.

Esta Regra XXXV elucida-nos ainda da determinação de que osVigilantes das Lojas deveriam ser escolhidos pelo mesmo sistema:designação pelo Venerável Mestre da Loja e concordância unânimedos Mestres da Loja, ou então escolha através do misto de eleiçãoe sorteio referido.

É esta última parte da Regra que se me afigura mais interessante, porque ilustra uma notável evolução organizativa da maçonaria, na transição da Maçonaria Operativa para a Especulativa. Não nos esqueçamos que a Constituição de Anderson de 1723 foi aprovada escassos seis anos após a instituição da Grande Loja de Londres e Westminster, em 1717, data convencionada para o início da Maçonaria Especulativa. É que anteriormente, em todo o tempo hoje designado como o da Maçonaria Operativa, a regra era a da absoluta independência de cada Loja em relação às restantes e a qualquer estrutura de coordenação, no que aos seus assuntos

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internos dizia respeito. Podia haver uniformidade ritual, critérioscomuns de acesso às Lojas, de formação dos novos elementos,etc., mas a organização interna de cada Loja só a ela mesmo diziarespeito e era impensável que outra qualquer Loja ou qualquerestrutura de Lojas interferisse nela.

A instituição da Grande Loja de Londres e Westminster em 1717,em bom rigor, não marca o fim da Maçonaria Operativa e o inícioda Maçonaria Especulativa. Essa data é apenas uma data detransição convencionada. O processo de evolução, detransformação da Maçonaria Operativa para a moderna MaçonariaEspeculativa processou-se ao longo de mais de um século -naturalmente, com avanços e recuos, com saltos qualitativosinesperados, com transições não previstas, sem planificação,enfim, como todos os processos sociais naturalmente ocorrem. Oque a instituição da Grande Loja de Londres e Westminster em1717 marca é algo de diferente: a transferência do centro do poderorganizativo das Lojas para a Grande Loja, a substituição daatomização pela coordenação, o enquadramento da livre diferençacom possibilidades de anárquico afastamento de conceitos,práticas, posturas, através de introdução de normas organizativastendencialmente uniformizadoras, não obstante respeitadoras doespaço essencial de liberdade e diferenciação das Lojas, masprocurando-se o controle das forças centrífugas.

Com a introdução da Grande Loja de Londres e Westminster, aMaçonaria entrou num período - de que verdadeiramente ainda nãosaiu - de busca de equilíbrio entre a independência e liberdade dasLojas e de sujeição à coordenação de uma estrutura superior queas enquadra e agrega.

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Com a regra XXXV da Constituição de Anderson de 1723, osVigilantes das Lojas deixaram de ser nomeados como cada Lojaentendesse dever nomeá-los. Porventura aqui seriam designadospelo Venerável, ali eleitos pelo conjunto de Mestres, acoláescolhidos através de um qualquer outro sistema intermédio. Comaquela Regra, ficou determinado que todos eram designados pelaforma ali constante. Com a criação da Grande Loja de Londres eWestminster e a Constituição de Anderson, concretizava-se umatransferência parcial de soberania das Lojas para a Grande Loja, deque esta Regra era um dos indicadores.

Hoje em dia, mais do que falarmos de diferenças de organizaçãoou de métodos entre Lojas, falamos de diferenças entreObediências. A prática instituída em cada Obediência tende a seruniformizada em todas as Lojas da mesma. É assim que adesignação dos Oficiais de Loja pode variar entre a simples escolhapelo Venerável Mestre, a proposta por ele e a eleição em Loja ou aeleição pelo coletivo, consoante se instituiu em cada Obediência.Na GLLP/GLRP, o Tesoureiro da Loja é, tal como o VenerávelMestre, eleito pelos Mestres da Loja, em escrutínio secreto eeleição por voto maioritário. Os demais Oficiais do Quadro da Loja -incluindo os Vigilantes - são livremente escolhidos pelo VenerávelMestre eleito.

Esta uniformização, porém, não exclui e saudável existência de práticas diferentes pelas diversas Lojas, algumas vindo a adquirir a natureza de integrantes da Tradição da Loja, do seu ADN, tão importantes para aquela Loja como o estrito cumprimento do regulamentado. Por exemplo, é comum e banal que haja candidaturas concorrentes ao ofício de Venerável Mestre. Isso é, no entanto, embora possível, impensável na Loja Mestre Affonso

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Domingues, por ser inerente à sua própria identidade a ausênciadessa pugna eleitoral, a assunção do princípio de que, salvocircunstancionalismo especial - sempre suscetível de ocorrer e quejá ocorreu -, em cada ano o Primeiro Vigilante do ano anterior éeleito Venerável Mestre e designa como seu Primeiro Vigilante oSegundo Vigilante do ano anterior. É um princípio da Loja tãoarreigado que, mais do que isso, a candidatura a Venerável Mestredo Primeiro Vigilante do ano anterior é apresentada por todos osMestres presentes na sessão de Loja em que tal formalidade devaser realizada. E as (poucas) exceções a esta regra não escrita masescrupulosamente cumprida são registadas e por todos vistas comoisso mesmo: exceções, anormalidades, curiosidades a registar, nãoexemplos a seguir. E esta opção moldou indubitavelmente oespírito da Loja Mestre Affonso Domingues, é uma das suascaraterísticas quase que intrínsecas, evitando que se perca tempoe energias em confrontos entre obreiros da Loja e estando todoscientes de que, a cada um querendo, trabalhando, persistindo, oseu tempo de dirigir a Loja como seu Venerável Mestre chegará,com a mesma naturalidade com que, um ano depois, chegará aaltura de ceder o exercício do ofício a outro, que se preparoudurante um ano para o exercer o melhor possível...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 144.

Rui Bandeira

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Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXVI

January 23, 2013

Mas se o Irmão que o Grão-Mestre em exercício nomear comoo seu sucessor, ou o que a maioria da Grande Loja escolhaatravés do voto, estiver, por doença ou outro motivo qualquer,ausente dessa grande festividade, este não poderá serproclamado o novo Grão-Mestre, a não ser que o antigoGrão-Mestre, ou alguns dos Mestres e Vigilantes da GrandeLoja possam assegurar, por sua honra de Irmãos, que esta ditapessoa, nomeada ou escolhida, prontamente aceitará o ditocargo; e nesse caso o antigo Grão-Mestre deverá atuar comoseu procurador, e, então, nomear o seu Vice Grão-Mestre eVigilantes em seu nome, e em seu nome também, receber asusuais honras, homenagens e congratulações.

Nos recuados tempos do século XVIII, as comunicações não eram tão fáceis e rápidas como na atualidade. As reuniões magnas não ocorriam com a frequência e naturalidade que hoje verificamos

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existirem. A festividade anual dos maçons era preparada commeses de antecedência. Cada um tinha de organizar a sua vida deforma a poder estar nela presente. Era pois importante que o quede essencial houvesse para tratar fosse tratado. Daí que a RegraXXXVI impusesse que o novo Grão-Mestre estivesse presente,para que, após declarar a sua aceitação do ofício, fosse logoempossado e designasse o seu Vice Grão-Mestre e os GrandesVigilantes.

Se assim não ocorresse, das duas, uma: ou alguém, por sua honra,assegurava - obviamente com conhecimento de causa - que odesignado aceitava desempenhar o ofício, ou teria de se efetuarnova designação. O que não se admitia era o risco de o designadonão presente vir, quando tivesse conhecimento da designação, arecusar o exercício da função, pois tal obrigava a que a GrandeLoja vivesse numa situação de exceção, sem o dirigente máximoem funções durante um ano, salvo se ocorresse uma Assembleiaextraordinária para efetuar designação que superasse a recusa - oque não era fácil, na época.

Hoje em dia as comunicações são muito mais fáceis e expeditas. Aeleição para Grão-Mestre de um maçom porventura não presentenão é grande problema, pois facilmente com ele se comunica ese obtém a sua aceitação ou recusa. E, sequalquer percalço houver, não é grande problema a realização denova reunião para o superar.

Atualmente é comum que a eleição do Grão-Mestre e a sua posse ocorram em datas diferentes, e até com algum desfasamento temporal. Na GLLP/GLRP, em regra entre a eleição do Grão-Mestre e a sua posse decorrem cerca de três meses, período de tempo que é aproveitado para comunicar às restantes

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Obediências maçónicas mutuamente reconhecidas essa eleição e adata prevista para a posse, permitindo que as demais PotênciasMaçónicas organizem a sua representação na cerimónia de posse.

A posse do Grão-Mestre, a exemplo do que se passa com idênticacerimónia em relação ao Venerável Mestre da Loja, é usualmentedesignada por instalação. Instalação aonde? Naquilo que osmaçons designam por Cadeira de Salomão. Ou seja, oGrão-Mestre, tal como o Venerável Mestre da Loja, toma assentona Cadeira de Salomão. Mais do que a peça de mobiliário física -mais ou menos bonita, trabalhada ou confortável -, o que sepretende simbolizar com esta expressão é que, quer o Grão-Mestreda Obediência, quer o Venerável Mestre da Loja, devem exercer osseus ofícios com a sensatez e a sabedoria que vulgarmente seconsideram terem sido atributos do rei Salomão. É afinal isso quese espera de um dirigente. Mais do que heroísmos, grandes feitosou ousadas realizações, essencialmente Sensatez, Sabedoria,Equilíbrio. Com o uso dessas qualidades, os trabalhos individuais ecoletivos podem decorrer na desejada Harmonia.

No século XVIII, o Grão-Mestre era assistido por um Vice Grão-Mestre e dois Grandes Vigilantes. O crescimento das instituições maçónicas obrigou a uma maior complexidade da sua estrutura hoje. Além daqueles Grandes Oficiais, o Grão-Mestre designa o Grande Secretário - que zela por toda a estrutura burocrática da Grande Loja -, o Grande Tesoureiro . que assegura a administração económica e financeira -, os Grandes Inspetores - que auxiliam o Grão-Mestre na verificação, harmonia e melhoria do funcionamento das Lojas, tendo em atenção os respetivos ritos -, o Grande Correio-Mor - o responsável pela estrutura de comunicação da Grande Loja -, o Grande Hospitaleiro - que dirige e coordena a

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atividade de beneficência - e vários outros Grandes Oficiaisresponsáveis por ofícios rituais e de administração de umaestrutura com dimensão nacional de coordenação e apoio dedezenas (em Portugal), centenas (em alguns Estados do Brasil) oumilhares (em Inglaterra) de Lojas.

A Maçonaria também se carateriza por uma harmónica integraçãoentre a Tradição e a Evolução, prosseguindo hoje essencialmenteos mesmos propósitos de há trezentos anos, mas utilizando osmeios atualmente disponíveis.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 144.

Rui Bandeira

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Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXVII

January 30, 2013

Então o Grão-Mestre deverá permitir que qualquer Irmão,Companheiro ou Aprendiz, fale, dirigindo o seu discurso aoGrão-Mestre; ou para fazer qualquer proposta a bem daFraternidade, a qual deverá ser imediatamente considerada edecidida, ou então, ser remetida para a Reunião seguinte daGrande Loja, ordinária ou extraordinária.

Esta antepenúltima Regra Geral consagra o que hoje em dia osmaçons vulgarmente designam pelo "período a bem da Ordem ouda Loja" - ou, em temos de assembleia profana, o "período após aOrdem do Dia".

Tratados os assuntos da Ordem de Trabalhos, antes doencerramento da reunião existe um período dedicado ao uso dapalavra ou à apresentação de propostas sem vinculação temática.É a altura destinada à colocação de questões, problemas ouconsiderações sobre qualquer assunto que o orador julguerelevante ou de interesse geral.

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Modernamente, com a evolução havida no sentido de os assuntosadministrativos serem tratados e resolvidos pelo Quadro deOficiais, na sua atividade diária, as Assembleias de Grande Lojatêm uma grande componente cerimonial, mas não dispensam umtempo e um espaço próprios para qualquer Mestre Maçom sepronunciar sobre o que desejar. É uma componente essencial damatriz maçónica esta liberdade individual a todos reconhecida egarantida.

Em 1723, Mestre era a designação do Venerável Mestre da Loja.Só havia dois graus, o de Companheiro (hoje correspondente aograu de Mestre) e o de Aprendiz. Só mais tarde, na década de 30do século XVIII se instituiria o sistema de três graus nas Lojasazuis.

Como se deduz da Regra, o Aprendiz não estava então submetidoà regra do silêncio em reunião formal. Ainda se vivia o tempo detransição da Operatividade para a Maçonaria Moderna, em que aregra da participação de todos em tudo era o procedimentocorrente. Esta norma indicia-nos que a Regra do Silêncio dosCompanheiros e Aprendizes em reunião formal foi introduzida já emplena evolução da Maçonaria Especulativa, como instrumento doprocesso de evolução do novel maçom. O que também nos alertapara a necessidade de pormos em devida perspetiva asconsiderações, correntes, de que em Maçonaria nada se muda,tudo é feito hoje como era feito antigamente.

A Maçonaria preza a Tradição e não altera práticas eprocedimentos por dá cá aquela palha e de ânimo leve. Mas, comotodas as instituições humanas, sabe evoluir, de forma a mais bemcorresponder às necessidades dos seus elementos em cada época.Se assim não fosse, este blogue não existiria...

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A preservação da Tradição e das boas práticas da Maçonaria está,por exemplo, ilustrada na passagem desta norma que frisa queaqueles que usem da palavra devem dirigir o seu discurso aoGrão-Mestre. Assim se faz ainda hoje em Grande Loja, tal como,similarmente, em Loja, o uso da palavra é dirigido ao VenerávelMestre da Loja. É claro e evidente que, em assembleia, todosouvem. Mas a prática, o hábito, de a palavra ser dirigida sempre aquem conduz a reunião faz com que não haja diálogos ouconfrontações diretas. Não se discute com ninguém, não se trocamargumentos com ninguém; cada um transmite as suas ideias, a suaopinião, os seus argumentos, a todos, através do líder do grupo.Esta postura, por si só, treina os maçons para preferirem acooperação ao confronto, para se habituarem a que a discordância,o diferente entendimento, não são ataques ou deméritos, sãolegítimas posições da inteligência de todos. Admitir, preservar,cultivar, a sadia discussão de diferentes posições, sem confrontos,duelos ou azedumes, é uma indispensável manifestação daTolerância matricial da Maçonaria e dos maçons e um elementoessencial do aperfeiçoamento individual através do grupo, poispermite, facilita e promove sínteses resultantes da mútua influênciadas nossas teses e das alheias antíteses.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 145.

Rui Bandeira

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Agora em livro eletrónico!

February 06, 2013

Há três anos, publicamos o livro LOJA MESTRE AFFONSODOMINGUES - 20 ANOS DE HISTÓRIA em edição em papel.Tratando-se de edição própria, sem contrato de distribuiçãocomercial, verificámos que, para além das encomendas via correioeletrónico, o acesso ao livro dos interessados residentes fora daregião de Lisboa e, naturalmente, fora de Portugal, era difícil.

Agora, aproveitando o sistema de publicação de ediçõeseletrónicas em edição de autor que a Leya disponibiliza através dosítio Escrytos, colocamos à disposição de todos os interessados,em epub, formato eletrónico apto para ser lido em qualquer suporteatual (computador, tablet, ereader, IPad, IPhone e dispositivosAndroid), a edição eletrónica do livro.

Em Portugal, custa € 9,99 e está disponível nos sítios da Leya (em http://www.leyaonline.com/catalogo/detalhes_produto.php?id=57056),

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do Wook(em http://www.wook.pt/ficha/loja-mestre-affonso-domingues-20-anos-de-historia/a/id/14769990e da FNAC / Kobo(em http://www.kobobooks.pt/ebook/Loja-Mestre-Affonso-Domingues-20/book

No Brasil, o seu preço são R$ 26,97 e está já disponível no IBA(em https://www.iba.com.br/livro-digital-ebook/Loja-Mestre-Affonso-Domingues---20no Submarino(em http://submarino.thecopia.com/catalog/details.html?catId=9858048) ena Livraria Cultura(em http://www.livrariacultura.com.br/Produto/E-BOOK/LOJA-MESTRE-AFFONSONesta última, os possuidores do cartão Livraria Cultura poderãoadquiri-lo com o pagamento em seis prestação de R$ 4,50 cada.

Na Wook, é possível ler uma amostra do livro (prefácio do VigésimoVenerável Mestre, Nota Introdutória, texto sobre o nosso patronoMestre Affonso Domingues e o primeiro texto da Memória da Loja,Fundação da Loja e Primeiro Venerável Mestre).

Não consegui localizar, mas a Leya informa que, dentro de umprazo de duas semanas, o e-book estará também disponível naibookstore /iTunes/ Appstore, nos sítios da Livraria Almedina(Portugal) e do Gato Sabido (Brasil) e na Amazon e na Barnes &Noble (internacionais).

Curiosa é a dificuldade de classificação que os administradores dossítios tiveram em relação ao livro: na Leya, o livro foi colocado nasecção Biografias / Memórias, na FNAC / Kobo, em Arte eArquitetura - Artes Gerais, na Livraria Cultura, simplesmente emArtes...

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A Loja Mestre Affonso Domingues preza a Tradição, mas nãorejeita - pelo contrário, utiliza! - as ferramentas de comunicação doséculo XXI. Com esta iniciativa, pretendemos possibilitar que, emqualquer ponto do planeta, qualquer interessado possa obter e ler olivro LOJA MESTRE AFFONSO DOMINGUES - 20 ANOS DEHISTÓRIA.

Boa leitura! Espero, sobretudo, que tenham tanto prazer na leiturado livro como nós tivemos na sua conceção e feitura.

Rui Bandeira

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Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXVIII

February 13, 2013

Terminadas as anteriores formalidades, o Grão-Mestre ou seuVice Grão-Mestre, ou algum Irmão nomeado por aquele, deverádirigir-se aos Irmãos e dar-lhes os melhores conselhos.Finalmente, depois de todos os procedimentos, que nãopodem ser escritos em qualquer língua, os Irmãos devem ir-seou permanecer por mais algum momento, se assim odesejarem.

Esta penúltima Regra faz referência à prancha do Grão-Mestre, umcostume que, felizmente continua a ser mantido pela maior partedas grandes Lojas.

Parte de cada sessão da Grande Loja é dedicada à divulgação de uma prancha pelo Grão-Mestre, em regra pronunciando-se sobre o estado da Obediência, ou alguma questão de particular importância, seja do foro maçónico, seja do foro profano mas com relevo para a Maçonaria, ou ainda pronunciando-se sobre o trabalho maçónico, individual ou coletivo. A Prancha Traçada do

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Grão-Mestre é uma orientação para os obreiros ou uma chamadade atenção para qualquer assunto de especial relevo. É o momentopróprio para o líder exercer a sua liderança perante o conjunto dosrepresentantes dos Obreiros que lidera. A Prancha Traçada dasessão pode ser proferida por um Vice Grão-Mestre ou porqualquer Grande Oficial, ou mesmo obreiro sem ofício particular,para o efeito designado. O que importa é que em todas as sessõeshaja algo para meditar, para auxiliar ou motivar ou enquadrar otrabalho dos Irmãos.

Também é saudável que em todas as sessões de Loja sejaapresentada uma prancha, seja por um Aprendiz ou Companheiro,mostrando a toda a Oficina os seus progressos na Arte Real, sejapor um Mestre proporcionando formação, informação oudesenvolvimento de qualquer tema à Oficina. Não é necessário queseja um trabalho de grandes dimensões. Aliás, é mesmorecomendável que a sua apresentação não ultrapasse, no máximo,quinze minutos (daí, penso, no Brasil, a referência ao "quarto dehora de estudos"). Não é preciso que seja um trabalho de nívelacadémico ou de grande profundidade - mas é desejável que seja omelhor que, em cada momento, o seu autor seja capaz de produzirsobre o tema que tratar. Já ouvi pranchas em Loja que eramconstituídas por uma simples frase e que me fizeram pensar maisdo que extensos trabalhos. Tal como não é raro encontrar, emtrabalhos singelos de recentes Aprendizes que ainda estão na fasede aprender a aprender, pérolas que nos apontam caminhos ouângulos de análise que os mais experimentados Mestres ainda nãotinham descortinado.

O que importa é que haja, em todas as sessões de Loja, um tempo dedicado ao estudo, à formação, à meditação, a aprender algo. Ir à

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Loja é também conviver, mas não é só conviver. É também praticaro ritual, mas não é só isso. É debater e resolver os problemas daOficina, mas é mais do que isso. Ir à Loja, ser da Loja, é dar algoaos demais e receber dos demais algo - designadamenteensinamento, matéria para reflexão, ferramenta paraaperfeiçoamento. Em todos os momentos da sessão maçónica issoé possível, mas a apresentação e escuta de uma prancha é, porexcelência, o momento em que alguém põe em comum algo paraque todos retirem algo para si próprios, ocasião em que todosmelhoram, ou podem melhorar, aprendem ou podem aprender,mais um pouco, poucochinho que seja. De forma a que todos saiamum pouco mais ricos do que entraram. Ricos interiormente, onde talé realmente importante.

Prossegue a regra referindo os "procedimentos que não podem serescritos em qualquer língua". Refere-se ao ritual - no caso, ao ritualde encerramento da Loja. É tradição que todos os rituais de origeminglesa, designadamente o Ritual de Emulação, e os nelesoriginados (inclusive o ritual norte-americano fixado porPreston-Webb, também comummente designado por "rito de York")seja executados de cor. Antigamente eram transmitidos por via orale apenas por via oral. Daí a referência na Regra. Nos dias de hoje,claro que estão escritos, embora devam os respetivos textos ser deacesso restrito a quem deva lê-los ou aprendê-los. No que se refereao Rito Escocês Antigo e Aceite, mais complexo e longo, muitodificilmente pode ser dito de cor - ao menos por quem não tenha amemória muito bem exercitada... - estando escrito e sendo,normalmente, lido pelos Oficiais da Loja, nos momentos próprios.

Uma referência à expressão final da Regra: "...se assim o desejarem". É uma expressão utilizada num dos mais significativos

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brindes maçónicos, o último brinde ritual, proferido pelo Aprendizmais recente, dedicado a todos os maçons, e pontua bem aessencialidade, no pensamento maçónico, do respeito pelaliberdade individual, pelas escolhas de cada um. Os maçonsmutuamente se reconhecem que os seus atos devem serrealizados quando, como, nas circunstâncias e se assim odesejarem. Só homens livres podem ser homens responsáveis!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 145

Rui Bandeira

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Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXIX (e última)

February 20, 2013

Toda a Reunião Anual da Grande Loja tem competênciaprópria para fazer novos regulamentos, ou alterar estes, para oreal beneficio desta Antiga Fraternidade, desde que os AntigosLandmarks sejam preservados e desde que as alterações enovos regulamentos sejam propostos e aprovados na terceiraReunião Trimestral após a grande festa anual; devendo aindaser postos por escrito à apreciação de todos os Irmãos, antesdo jantar, mesmo ao mais jovem Aprendiz. A aprovação econsenso da maioria dos Irmãos presentes é absolutamentenecessária para que os mesmos sejam vinculativos e devem,após o jantar, e após o novo Grão-Mestre ser empossado, sersolenemente aprovados, assim como o foram aprovados econseguidos estes regulamentos propostos pela Grande Loja,a cerca de 150 Irmãos, no ano de 1721, no Dia de São JoãoBatista.

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Esta última Regra derruba um mito com que, por vezes, nosdeparamos: a imutabilidade das regras maçónicas. Todas asdisposições regulamentares das Instituições Maçónicas sãosuscetíveis de alteração, mudança, aperfeiçoamento, substituição.

A única exceção são os Landmarks que, esses sim, sãoconsiderados imutáveis, porque caraterizadores da essência damaçonaria. Consequentemente, qualquer alteração aos mesmosimportaria mudança da instituição. Deixava de ser Maçonaria;passava a ser outra coisa qualquer, porventura muito parecida coma Maçonaria, quiçá real ou potencialmente melhor, mas não era amesma coisa. Mudando-se a essência de algo, esse algo deixa deser o que era, transforma-se em algo de diverso.

Isto explica a persistência do Grande Cisma Maçónico causadopelo abandono, em 1877, pelo Grande Oriente de França (etambém pelo Grande Oriente da Bélgica) da obrigatoriedade decrença num Criador (qualquer que seja a conceção queindividualmente se tenha do mesmo) para se ser admitido maçom -assim admitindo ateus e agnósticos. Desde o início da MaçonariaEspeculativa que era consensualmente assente que era Landmarkda Maçonaria a crença no Criador, que só crentes podiam sermaçons. A alteração pelos Grandes Orientes de França e daBélgica em 1877 foi uma mudança que atingiu a essência daMaçonaria, transformando-a em algo diverso, talvez muitosemelhante, quiçá melhor (os adeptos da Maçonaria Liberalacreditam ser eticamente superior a sua posição, porque inclusivade todos os que desejem aperfeiçoar-se segundo o métodomaçónico, independentemente de serem crentes, agnósticos ouateus) - mas, definitivamente diferente. Alterando-se a essência,altera-se a natureza da coisa...

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O problema está em que não existe um conjunto de regrasuniversal e consensualmente aceites como constituindo osLandmarks da Maçonaria - mesmo no âmbito da MaçonariaRegular.. Com efeito, basta dar o exemplo de que a GLLP/GLRPafirma como Landmarks as Doze Regras da Maçonaria Regular,enquanto que, por exemplo, na Maçonaria americana esul-americana são correntemente invocados os 25 Landmarkscompilados por Albert Mackey.

Na minha opinião, o que importa é preservar o essencial dosprincípios que são comuns a todas as compilações de Landmarks que se efetuam. Cada compilação é necessariamente datada,influenciada pelas ideias da época e pelos preconceitosremanescentes no compilador. A título de exemplo, atente-se noXVIII Landmark de Mackey: Por este Landmark, os candidatos àIniciação devem ser isentos de defeitos ou mutilações, livresde nascimento e maiores. Uma mulher, um aleijado ou umescravo não podem ingressar na Fraternidade. Se é consensual,na Maçonaria Regular que esta instituição é masculina, hoje em diaé claramente inaceitável que um mutilado físico não seja suscetívelde admissão à Iniciação. Hoje em dia, entende-se que não ésuscetível de ser Iniciado o que tem defeito moral, aquele cujocaráter está mutilado dos sãos princípios inerentes aos bonscostumes, tal como o escravo que não pode ser iniciado é aqueleque não é livre na sua pessoa, por ser escravo das suas paixões,dominado por elas e incapaz de ser ele a dominá-las.

Esta última Regra informa-nos ainda que o conjunto das Regras Gerais foi aprovado em Assembleia ocorrida no dia de São João Batista (24 de junho) de 1721, era então Grão-Mestre o Duque de Montagu (a quem o Livro da Constituição de Anderson é dedicado).

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Mas só vieram a ser publicadas em 1723, incluídas no Livro daConstituição de Anderson, era então Grão-Mestre o Duque deWharton e Vice Grão-Mestre John Theophilus Desaguliers. Daíque, embora tendo as Regras Gerais sido aprovadas em 1721,atenta a data da sua publicação, sejam usualmente referidas comoas Regras Gerais de 1723.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 145.

Rui Bandeira

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O Vigésimo Primeiro Venerável Mestre

February 27, 2013

Foi iniciado em 1998. Foi o primeiro assumidamente autoproposto que a GLLP/GLRP admitiu às provas da Iniciação. Com efeito, una anos antes, manifestara o seu desejo de ser admitido maçom mediante uma mensagem de correio eletrónico enviada para a caixa de correio eletrónico da Grande Secretaria da Obediência. Hoje isso não parece nada de especial. Enviam-se e recebem-se milhões de mensagens de correio eletrónico por dia. Presentemente o correio eletrónico é algo de banal, como banal é a troca de mensagens instantâneas em qualquer rede social. Mas nos anos noventa do século passado, estas coisas da Internet e do correio eletrónico ainda se estavam a enraizar nos hábitos. E receber um pedido de admissão à Maçonaria por mensagem de correio eletrónico foi uma absoluta novidade! Uma novidade tão grande que o A. Jorge - é a ele que me refiro! - durante algum

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tempo após a sua Iniciação era referenciado como "o Irmão daInternet"!

Mas o século XX findou - sem que se tivessem concretizado ostemores do desastre tecnológico anunciado para o alvorecer do ano2000 (lembram-se?) -, o século XXI avançou, pouco depois emPortugal e na Europa havia uma moeda nova, o Euro, e, quase semse dar por isso, quando, em julho de 2010, o A. Jorge foi eleito para vir a ser o vigésimo primeiro Venerável Mestre da Loja MestreAffonso Domingues, as novidades tecnológicas já eram coisacomum e o A. Jorge já há muito era apenas (e muito era e é!) o A.Jorge! Sempre ligado às Novas Tecnologias de Informação, éverdade - tanto assim que já há algum tempo era o editorresponsável pelo sítio da Loja Mestre Affonso Domingues - masafinal um maçom que fez o seu percurso normal após a Iniciação,de Aprendiz a Companheiro e daí a Mestre.

Não deixa, no entanto, de ter algo de simbólico que a Loja tenhaescolhido como seu líder no início da sua terceira década defuncionamento, maturidade atingida, precisamente um Irmãoconotado com a Modernidade e a Inovação, como que enfatizandoque, terminado o ciclo do nascimento, implantação, crescimento esuperação de crise, o ciclo dos primeiros vinte anos, que a Lojaacabara de comemorar, assumia que a sua função, a sua marcagenética enquanto Loja Maçónica da GLLP/GLRP era a contínuabusca do aperfeiçoamento, da melhoria, da modernidade, daexperiência, da excelência, em todos os campos e também noprogresso, sem nunca esquecer a sua ligação á Tradição. Tradiçãoe Modernidade, a perfeita simbiose que a Loja Mestre AffonsoDomingues vem buscando e que o A. Jorge tão bem encarna esimboliza!

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A. Jorge foi eleito para liderar uma Loja pujante, saudável, queacabava de comemorar, com orgulho, as suas primeiras duasdécadas de existência. Tudo apontava para que o seu mandatofosse uma aprazível continuação do excelente momento que a Lojaatravessava. Mas, entre julho e setembro, altura da sua instalação,o panorama teve algumas mudanças. Nada de particularmentetrágico, mas obrigando a suplantar desafios que não eramaparentes à data da sua eleição: mais uma vez, a Loja ia cumprir asua função de disponibilizar quadros por si formados para, em novaestrutura, realizarem tarefa importante para a Grande Loja.

Já se sabia, em julho, que o Grão-Mestre, por sinal um dos maisantigos obreiros da Loja, designara o Vigésimo Venerável Mestre,Rui C. L., para exercer o ofício de Grande Secretário - o queforçosamente iria limitar a sua participação na Loja, obrigando oseu sucessor a não beneficiar do apoio do Ex-Venerável. Mas oque então apenas poucos sabiam era que, estando emfermentação o processo que viria a culminar na cessação da cisãode 1996/1997 e em curso um processo de regularização de maçonsdispersos por estruturas alheias à GLLP/GLRP, se constatara sernecessário que levantasse Colunas uma Loja que enquadrasse umnúmero razoável de elementos que batiam à porta da GLLP/GLRP,solicitando a sua Regularização, e propiciasse a sua boa integraçãono conjunto da Obediência. E poucos também sabiam então que anova Loja teria, no seu Quadro Fundador, um conjunto de MestresMaçons da Loja Mestre Affonso Domingues!

A Instalação de A. Jorge coincide com o anúncio do Alçamento de Colunas da Loja Fernando Teixeira, nome do Grão-Mestre Fundador adequadamente escolhido para patrono da Loja que iria ser um dos pilares do trabalho de ultrapassagem da cisão e

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reintegração de todos os maçons regulares na estrutura daGLLP/GLRP. Como seu Primeiro Venerável Mestre foi designadoRui C. L. que, assim, teria, não apenas que diminuir a suaassiduidade na Loja Mestre Affonso Domingues (como eraprevisível, em função dos seus deveres como Grande Secretário),mas, pura e simplesmente, de a abandonar. Não deixava de serirónico que a Loja Mestre Affonso Domingues, que perdera, de umaassentada, todos os seus Antigos Veneráveis aquando da cisão de1996/1997, mais uma vez se visse privada do seu Ex-Venerável,agora em prol da superação e do termo dessa cisão!

Mais: com Rui C. L. saía para a Loja Fernando Teixeira mais umoutro Antigo Venerável - e elemento muito ativo na Loja emuitíssimo integrado no grupo -, o Paulo FR, e mais quatro oucinco jovens Mestres, que a Loja preparara e de que se via nanecessidade de abdicar, a favor da nova Loja!

A. Jorge não temeu e não tremeu! Se assim era preciso, assimseria. Tinha como Vigilantes dois Mestres da nova geração, mas jáexperientes, que garantiam o adequado acompanhamento dasColunas de Companheiros e Aprendizes. A Loja mantinha algunsveteranos que podia mobilizar da sua situação de "reserva" paraenquadrar e auxiliar os Mestres mais novos que restavam. Eracerto que algum do potencial de trabalho, de capacidade e dequalidade era, mais uma vez, perdido pela Loja em prol donascimento de uma nova Loja. Mas, afinal, essa sempre fora umadas marcas da Loja Mestre Affonso Domingues, que nunca atingiudimensão demasiado grande precisamente porque sempre cumpriua preceito o seu papel de enquadrar e ser embrião de novas Lojas.

Portanto, com um sorriso nos lábios e a tranquilidade que lhe é caraterística, A. Jorge deu a volta por cima e conduziu a Loja a

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assim também fazer. A Loja não só apadrinhou a Loja FernandoTeixeira como organizou a sessão do respetivo Alçamento deColunas e Instalação do seu Primeiro Venerável Mestre! E depoisprocedeu aos ajustamentos a que tinha de proceder e... prosseguiua sua normal atividade.

O início do mandato foi inesperado e trabalhoso. Mas o seudecurso cumpriu-se com normalidade: o Quadro da Lojarecompôs-se. A Coluna dos Aprendizes foi reforçada com algunsCandidatos que aguardavam nos Passos Perdidos e, por sua vez,alimentou a Coluna de Companheiros com alguns elementos que,cumprido o seu tempo e o seu trabalho no grau, para isso estavamprontos. Esta, por sua vez, ajudou a recompor o Quadro de Mestrescom um novo e promissor conjunto de jovens Mestres. No fim domandato do A. Jorge, a Loja estava praticamente recuperada emtermos de quadros e... pronta para outra! O ano maçónico foi ricoem formação e trabalhos apresentados. A relação com as outrasLojas da Obediência manteve-se num agradável plano defraternidade e harmonia. No fim do mandato do A. Jorge, ninguémdiria que ele tivera de gerir a Loja superando uma significativa einesperada perda de quadros...

Foi um ano trabalhoso para o A. Jorge e que coincidiu com ouimediatamente antecedeu mudanças nos planos profissional epessoal da sua vida. Terá sido esgotante. Mas pode o A. Jorgeestar certo que todos nós unanimemente entendemos que cumpriuo seu mandato com distinção e deixou a Loja melhor do que aencontrou. Soube geri-la ultrapassando as circunstâncias adversase potenciando os seus meios e forças. Foi um auspicioso começoda terceira década da vida da Loja Mestre Affonso Domingues queé mister reconhecer!

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Testamento Maçónico

March 06, 2013

Enquanto cidadãos, todos podemos elaborar o nosso testamento,documento no qual, essencialmente, expressamos, desejavelmentedentro dos limites da Lei - senão, o que estipularmos será nulo -, anossa vontade quanto ao destino dos bens que acumulámos aolongo da nossa vida.

O maçom pode também elaborar e deixar ao cuidado de seusIrmãos um testamento maçónico. Neste caso, o essencial não é aestipulação sobre bens materiais, até porque a forma legalmenteprevista para tal é precisamente o testamento civil, não o maçónico.

O cerne das disposições do testamento maçónico respeita àindicação de como deseja o testador que se comportem os seusIrmãos em relação à sua condição de maçom, designadamente nodecorrer das exéquias fúnebres.

Um dos elementos que integram o segredo maçónico é a reserva de identidade do maçom que não se tenha assumido publicamente como tal. A razão de ser desta reserva prende-se exclusivamente

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com a necessidade de prevenir prejuízos para o maçom, em virtudeda divulgação dessa sua condição, em sociedades em que aMaçonaria seja reprimida ou objeto de preconceito. Pode estar emcausa a manutenção do seu emprego, a obtenção dos meios desubsistência do próprio e da sua família, quando e onde opreconceito contra a Maçonaria esteja presente. Porém, tal reservaapenas subsiste em vida do maçom em causa, pois, com o seudecesso, não há já preconceito que o possa prejudicar.

Os maçons aprenderam, porém, com experiências desagradáveis,que, embora o maçom que passou ao Oriente Eterno não possa jáser prejudicado pela revelação pública dessa sua condição, afamília que deixou para trás pode ainda ser negativamente afetadacom esse conhecimento público, quanto mais não seja por vilmaledicência.

O testamento maçónico destina-se, assim, a possibilitar que o maçom informe os seus Irmãos do seu desejo em relação ao comportamento deles nas suas cerimónias fúnebres. Assim, designadamente deixa estipulado se deseja ou não que os seus Irmãos, na noite do seu velório, se o mesmo tiver lugar, ou em qualquer outro momento das cerimónias fúnebres, executem a Cadeia de União em sua evocação. A Cadeia de União fúnebre é um tocante ritual de homenagem em honra do maçom partido para o Oriente Eterno e, no caso dos maçons regulares, de reafirmação da crença de todos na permanência da Vida para além do umbral da morte física. Assinala ainda a convicção de todos os nela participantes de que tudo o que o homenageado construiu em si próprio e de si próprio ao longo da sua vida maçónica, todo o seu trabalho de aperfeiçoamento, não foi em vão, não se desperdiça

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nem perde significado com a sua partida, antes permanecem vivosa sua inspiração e o seu exemplo na memória dos seus Irmãos, e oseu esforço simbolicamente prossegue no trabalho dos que lhesucedem, que as ferramentas que pousou ao chegar a sua horafinal são retomadas pelos mais novos e incansavelmenteprosseguem o trabalho de edificação de uma Humanidade melhor,indivíduo a indivíduo. A Cadeia de União fúnebre pode serrealizada em privado, apenas com a presença de maçons, ou empúblico, designadamente com a presença de familiares e amigos do homenageado. Pretendendo ser uma homenagem, uma evocaçãosentida, não deve ser constrangedora para ninguém,designadamente para a família do homenageado. Assim, ninguémmelhor do que o maçom pode informar os seus Irmãos sobre aconveniência de realização pública - e numa ocasião de tantaemoção como são as exéquias do falecido - da Cadeia de Uniãofúnebre.

Pode o maçom também deixar expresso se está ou não de acordoque, nas suas exéquias, um seu Irmão faça uma breve alocuçãorelativa à sua postura na vida profana, na sua vida maçónica ou emambas.

Pode suceder que o maçom não tenha família no local do seufalecimento e onde deverão decorrer as suas exéquias. Nessecaso, pode deixar aos seus Irmãos indicação se pretende ou nãoque nelas tenha lugar cerimónia religiosa - e de que religião.

Pode, no testamento maçónico, estipular-se se as flores que osseus Irmãos pretendam enviar em sua homenagem devem ou nãoconter elemento identificativo de que quem as envia é maçom -designadamente identificação de Loja ou de Grande Loja.

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Pode ainda, no testamento maçónico, solicitar-se que um dosIrmãos, em tempo oportuno, providencie aos familiares maispróximos do testador uma explicação do que é a Maçonaria, comou sem indicação da Loja a que pertencia o falecido, ou que essaexplicação seja providenciada apenas em relação a pessoa oupessoas determinadas.

Pode também declarar-se se pretende doar os seus paramentosmaçónicos (aventais, colares, chapéus, luvas) ao Museu daObediência e os seus livros, escritos e documentos de índolemaçónica à Biblioteca da Obediência, ou parte de uns e outros, ouse quer que aqueles, estes ou ambos fiquem na posse dos seusfamiliares ou de quem ele entender. Esta estipulação não temqualquer valor legal (para o ter, teria de estar inserta numtestamento civil), servindo apenas de orientação e informação paraos seus Irmãos e sua família em relação ao desejo, nesta matéria,do falecido. Mas o poder de decisão pertence, obviamente, aosseus herdeiros legais, nos limites de eventual estipulação feita emtestamento civil.

Pode, por outro lado, utilizar-se o testamento maçónico parainformar os seus Irmãos de ajuda que seja necessário prestar aqualquer seu familiar, e relativamente a que assunto ou de quenatureza. A obrigação de solidariedade dos maçons estende-se aosfamiliares do Irmão do falecido. Ninguém melhor do que o própriopara informar os seus irmãos de ajudas, esforços ouresponsabilidades que se assegurava e que a morte física impedeque se continue pessoalmente a assegurar, solicitando o auxíliodos Irmãos sobrevivos para a resolução da questão.

Finalmente, pode o maçom utilizar o seu testamento maçónico para deixar qualquer mensagem, pensamento ou indicação que tenha

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por asado deixar, seja para os seus Irmãos, ou algum ou algumdeles, seja para que os seus Irmãos transmitam a alguém.

Em suma, o testamento maçónico é um documento análogo aotestamento civil, mas relacionado com a vida maçónica do seuautor, sem valor jurídico, mas com evidente valor moral - aqueleque, em primeira linha, interessa aos maçons!

Rui Bandeira

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O meu testamento maçónico

March 13, 2013

No texto anterior, procurei esclarecer o que é o testamentomaçónico. Neste, vou procurar ilustrar na prática esse documento.Pessoalmente, e uma vez que há muito assumi publica eorgulhosamente a minha condição de esperar que os meus Irmãosme reconheçam como maçom, não necessitaria de elaborar umdocumento desse género. Mas, já que me predispus a um exercícioprático ilustrativo do que é este tipo de documento, eis então o que,aqui e agora, constitui o meu testamento maçónico.

AOS MEUS IRMÃOS MAÇONS E A TODOS OS QUE MERECONHECEM COMO TAL

Saibam todos os que este escrito lerem ou ouvirem que o seu autor um dia teve a ousadia de crer merecer ser admitido na Augusta Sociedade dos Maçons, antigamente chamados de pedreiros-livres, pedreiros porque utilizam como seus símbolos artefatos dos

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construtores, livres de pensamento e de paixões que os dominem(embora todos reconheçam ter paixões, defeitos e asperezas quesão ínsitos a todos os seres humanos - e que procuram, comdiferentes graus de êxito, dominar, domesticar, encerrar noscalabouços de seus íntimos, de forma a que ninguém prejudiqueme raramente sejam entrevistos). Essa ousadia pagou-a, pelo restoda sua vida, com permanente esforço de procurar, em cada dia, serum pouco, um tudo nada, melhor do que o anterior: aprender mais,aprender sempre, refletir mais cuidadamente, dominar suasimpaciências, dosear justiça com solidariedade e rigor comgenerosidade, trabalhar eficazmente, honrar sua palavra, amar suafamília, respeitar a todos, tolerar as imperfeições alheias na mesmamedida em que espera poder ver toleradas pelos demais as suas,enfim, viver plenamente a vida como deve ser vivida, napermanente busca da melhoria que é, talvez, o verdadeirosignificado e objetivo da nossa passagem por este plano deexistência.

Chegado o tempo do pousar de ferramentas, na altura da disposição do que aqui resta depois do mais importante de mim ter partido para o Desconhecido no Eterno Oriente, deixo à vontade de meus Irmãos e da minha família a realização, pública ou recatada, de cerimónia maçónica: em bom rigor, não será já questão que me afete, pois já terei então partido e o que fisicamente restar não serei já eu, mas apenas o que fica para trás. Sempre achei que as cerimónias fúnebres - de qualquer tipo - se fazem para os vivos, não para quem já partiu... Portanto, se à minha família e a meus Irmãos agradar fazer uma cerimónia maçónica, que ela seja feita. Se a uma ou outros desagradar tal coisa, que sem remorso ou pena fique por fazer, que falta não me fará, certamente, pois

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tenciono já ir adiante...

Se alguém perguntar qual a minha religião, respondam que fui,acima de tudo, Crente. Fui católico por cultura, mas fui mais do quecatólico, pois considerei-me também protestante e judeu emuçulmano e hindu e animista e tudo o resto que põe o Homemperante o Absoluto, o Criador e a Criação, a Vida, a Vida antes daVida e depois dela. Sempre considerei que o que importa nareligião é, precisamente, religar o Homem à sua origem, à suacriação, e ao seu destino, religar a minúscula partícula de quaseinvisível peça, que cada um de nós é, ao Grande ArquitetoConstrutor e sua inapreensível Obra. Por isso, sempre acreditei quenão há que dividir entre religiões, todas são a mesma expressão damesma necessidade humana, simplesmente cada uma sendoespecífica variante de particular cultura, de determinado tempo, deambiente próprio. Mas, porque todas as religiões correspondem àmesma básica necessidade humana, todas são iguais no essenciale, assim, aquilo em que diferem é necessariamente apenasacessório. O desejo que deixo expresso é que cada um viva oEssencial, praticando livremente o Acessório que lhe agradar!

Se alguém quiser falar de mim e se tal não for penoso para minhafamília nem agredir demasiado a paciência de quem a acompanhe,então que sobretudo não fale de mim, do que fiz ou deixei de fazer,dizer ou pensar, mas antes procure extrair a lição para o futuro doque fiz bem e do que mal efetuei: o que tenha feito no Passado,Passado é. Importa mais preparar o Futuro, vivendo plenamente oPresente.

Os objetos ligados à Arte Real que para trás deixo, se os meus herdeiros com isso concordarem e se a minha Loja nisso estiver interessada, que sejam confiados à minha Loja, que lhes dê o

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destino que lhe aprouver. Se uns não concordarem ou outros nãoestiverem interessados, que isso não cause preocupação oudesgosto a ninguém. Afinal de contas, são meros objetos, nadamais... Os meus livros de temática maçónica que fiquem para osmeus herdeiros, se nisso tiverem interesse, ou então que sejamentregues à minha Loja, para que lhes dê o uso ou destino que lheaprouver e para que tenham utilidade.

O que escrevi, publiquei-o e, uma vez publicado, não pertence só amim. Os pensamentos, uma vez divulgados, são de todos, para quecada um faça com eles o que bem entender. As palavras, logo quepúblicas, são livremente utilizáveis por cada um. Tudo o queescrevi pode ser citado, copiado, glosado, divulgado, comentado,criticado, apenas com o respeito de duas condições: a identificaçãodo seu autor e a indicação do local onde foi primeiramentepublicado. Quanto a publicações comerciais ou de que resultemproventos (se algo do que escrevi algum dia tal mérito oupotencialidade tiver), naturalmente que dependem do regime legaldos direitos de autor e dependerão da vontade de meus herdeiros eherdeiros deles, até que legalmente caduquem tais direitos.

Em suma, e parafraseando alguém que foi uma grande alma e que foi também por muitos reconhecido como tal, Raul Solnado, a mensagem que tenho a veleidade de deixar é apenas esta: FAÇAM O FAVOR DE SER FELIZES. Eu procurei sempre sê-lo e aprendi que a felicidade está nos momentos, na satisfação do dever cumprido, no orgulho das vitórias, mas também na consciência das derrotas bem lutadas, no percorrer do caminho que traçámos, com destino ao horizonte depois do horizonte. Que cada um percorra o caminho na direção de sua escolha pela forma que seja do seu agrado e, sobretudo, que consiga ser feliz, com a noção de que

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verdadeiramente não se é feliz, está-se feliz e é do estar que vem oser.

Sobretudo, que cada um celebre o que é verdadeiramenteimportante: a Vida!

Rui Bandeira

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"Casamento maçónico"

March 20, 2013

Um ilustre Irmão perguntou-me porque é que em certas jurisdiçõesos maçons repetem os votos de casamento em Loja em presençados Irmãos e das famílias e ainda se tal seria um modismo ou setinha alguma concatenação histórica.

As aspas colocadas no título deste texto denunciam que a minhaopinião não é particularmente entusiasta em relação a esta práticaque, tanto quanto sei, tem essencialmente lugar no Brasil. Mas,apesar disso, manda a justiça frisar que no grande país lusófono daAmérica do Sul, tal prática não deve ser considerada um modismo,pois encontra-se enraizada nos costumes locais, sendoreconhecida por várias Obediências Regulares brasileiras. Já a"importação" dessa prática para outras paragens, na minha opinião,sofreria desse pecado...

Antes do mais, deve refutar-se a designação de "casamento maçónico". A este respeito, transcrevo parte de um texto que consigna as conclusões de um simpósio sobre o tema"Maçonaria e Religião" que decorreu em Belo Horizonte em 10 de setembro de

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2005, sob a égide do Supremo Conselho do Grau 33 para aRepública Federativa do Brasil, Rito Escocês Antigo e Aceito (textocompleto aqui):

Casamento: Cerimônia tradicional entre os maçons, ligada aomatrimonio, é atualmente denominada, "CONFIRMAÇÃOMATRIMONIAL". Não se trata de uma solenidade religiosa, nemcívica, conforme normalmente se considera. Não é tampouco umasolenidade substitutiva daquelas que normalmente ocorrem numtemplo religioso. Nesta solenidade, evocando os valores da família,sempre exaltados pela maçonaria, os cônjuges - normalmente jácasados - se comprometem perante os membros da loja e demaismaçons de outras lojas, a manterem firmes e constantes osvínculos que livremente resolveram celebrar. A maçonaria lembra odever de cada um, bem como suas responsabilidades na conduçãoda família, célula essencial da sociedade.O cerimonial nada tem de religioso, é uma solenidade fraterna ehumanitária muito usual entre maçons. É antes de tudo umaafirmação da maçonaria aos valores éticos e morais de umasociedade formada por famílias solidamente constituídas.

O erradamente designado "casamento maçónico" deve então, commaior correção, ser designado por "confirmação matrimonial".Também encontrei a designação, que me parece igualmenteadequada, de "reconhecimento conjugal" num outro texto de que,pelo seu evidente interesse, transcrevo o seguinte excerto:

Após e somente de posse do registro do Cartório o Irmão poderia pedir a Loja que lhe fizesse seu Reconhecimento Conjugal. Há vários rituais para o ato, cada Potência/Obediência adota um. O

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mais importante é sempre ressaltar que NÃO SE TRATA DECASAMENTO MAÇÔNICO. Maçonaria não é religião e nemsubstitui os requisitos e formalidades que as leis do paísestabelecem para a validez do matrimônio.

Em resumo, trata-se de um costume brasileiro que, tendo ali criadoalgumas raízes, deve ser respeitado pelo significado que osmaçons ali lhe atribuem, embora reconheçam (como no texto sobre"reconhecimento conjugal" também se assinala, e dele novamentecito) que alguns procedimentos adotadospelas Potências/Obediências Maçônicas não estão diretamenteligados aos Ritos Maçônicos. Muitas atividades foram criadas paraatender a demanda dos Maçons. Um exemplo é o ReconhecimentoConjugal, algumas Potências/Obediências criaram um momentopróprio para a apresentação da esposa do Irmão a todos os demaisIrmãos e cunhadas.

Reconhecendo a intenção dos Irmãos brasileiros, não me parece que deva ser um costume que seja asado importar para a Europa. A Maçonaria busca possibilitar e enquadrar o esforço de aperfeiçoamento individual dos seus membros. A cerimónia de "reconhecimento conjugal" ou "confirmação matrimonial" não tem nenhum significado esotérico ou simbolismo maçónico, reconduzindo-se, afinal, a uma festividade social levada a espaço no espaço de um templo maçónico. A meu ver, deve-se reservar o espaço e o tempo e o modo de reunião dos maçons para o que simbólica e espiritualmente tem significado para estes e contribui para o aperfeiçoamento de cada um e de todos. As festividades sociais, o regozijo pelo enlace matrimonial, o acolhimento das esposas dos nossos Irmãos no círculo de amizades e social dos

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maçons pode e deve ser naturalmente feito fora e para além doespaço da Loja. Por muito bonita que seja a cerimónia, por muitobelo que seja o texto ritual que para ela foi criado, continua a nãoser mais do que uma festividade social... Fontes: Conclusões do Simpósio sobre "MAÇONARIA E RELIGIÃO",ocorrido em belo Horizonte em 10 de setembro de 2005, sob aégide do Supremo Conselho do Grau 33 para a RepúblicaFederativa do Brasil,in http://www.guatimozin.org.br/artigos/mac_religi.htm . Quirino, A. R. L. S. Presidente Roosevelt, n.º 25 da Grande LojaMaçônica de Minas Gerais, Reconhecimento Conjugal, 21 deagosto de 2011,in http://www.aminternacional.org/PDF/ReconhecimentoConjugal_Quirino.pdf

Rui Bandeira

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Meio-dia

March 27, 2013

Repararam certamente que os meus textos aqui no A PartirPedra são, desde há muito, sempre publicados precisamente aomeio-dia (hora legal de Portugal Continental). Faço-opropositadamente, porque o meio-dia é a hora em que os maçonsiniciam os seus trabalhos.

Não quer isto dizer que os maçons sejam uma cambada demandriões que passam as manhãs em vale de lençóis ou em dolcefar niente... A expressão tem um significado simbólico - que nemsequer é muito difícil de descortinar.

Mas, antes de prosseguir, uma advertência: em Maçonaria não há dogmas, não há "verdades" impostas a quem quer que seja - designadamente em termos de significados simbólicos. Cada um estuda, analisa, reflete, sobre um símbolo e extrai dele o significado que lhe parecer adequado - e que pode ou não coincidir com a interpretação alheia. Não há significados "certos" de símbolos. Há significados que são certos para aquela pessoa, podendo outra pessoa considerar certo para si diferente significado do mesmo símbolo. E isto é, mais do que normal, vulgar e essencial em

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Maçonaria, que preza em absoluto a liberdade individual e que temcomo componente inderrogável a Tolerância pelo entendimentoalheio. Se dois maçons tiverem diferente perceção sobre algo (porexemplo, um significado simbólico), calmamente expõem osrespetivos pontos de vista, analisam-nos em conjunto, e cada umextrairá as sua conclusões, podendo um ser convencido pelo outro,podendo ambos mudar de opinião e confluírem numa conclusãodiferente das respetivas posições iniciais, podendo um ou ambosmudar de opinião, mas permanecerem em desacordo, agora emdiferentes bases, ou simplesmente ambos manterem os seusrespetivos entendimentos, concordando em discordar - sem que,em qualquer das situações, venha daí mal ao mundo... A liberdadede opinião é sagrada, mas só o pode ser desde que se respeite aliberdade de opinião alheia (que é tão sagrada como a nossa...) enaturalmente se conviva com a inevitabilidade das divergências,sem que elas impeçam o trilhar comum dos caminhos em que seestá de acordo.

Por vezes há símbolos cujo significado adquire uma natureza quase consensual. Mesmo nesses casos, não se pode, em bom rigor, afirmar que o significado, ainda que consensual, do símbolo é "o" correto. Se alguém lhe atribuir outro significado, se alguém concluir que esse outro significado é o que, para si, é o certo, para esse assim será - e os demais naturalmente respeitam isso. Portanto, sempre que eu afirmo que um determinado símbolo tem um certo significado, o leitor deve entender que esse é o significado que eu lhe atribuo, que pode até ser consensualmente aceite pela generalidade dos maçons - mas não é necessariamente certo para todos, aceite por todos. Sempre que eu refiro um significado de um símbolo, o leitor deve fazer o seu juízo e concordar com ele ou dele

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discordar. Apenas sabe que eu atribuo esse significado, queraciocino em função dele e deve ter tal em consideração aointerpretar o que escrevo. Mas deve manter a sua liberdade depensamento e o seu juízo crítico e concordará ou discordará - eassim é que deve ser!

Regressando então, após esta - longa! - advertência ao assunto,dizia eu que se atribui (eu atribuo; muitos dos maçons atribuem,como eu...) ao meio-dia um significado simbólico que leva a sercomummente usada entre os maçons a frase de que estes iniciamos seus trabalhos a esta hora.

Tal como o dia é regido pelo percurso do Sol desde o momento emque nasce até àquele em que se põe e atinge o seu clímax, o seumáximo expoente, ao meio-dia, os maçons utilizam o termo parasignificar a idade adulta. Durante a madrugada e manhã das suasvidas - a infância e a adolescência - crescem, aprendem,amadurecem. Nessa altura ainda não têm a maturidade necessáriapara consistentemente passar do material ao espiritual, ainda nãoestão prontos para iniciar os seus trabalhos de maçons - queconsistem no dominar das suas paixões, no alisar de seus defeitos,no aprofundar de seus conhecimentos, no lustrar de suasqualidades, enfim, em tudo o que necessário é para que se evolua,se melhore, se aperfeiçoe.

Só com a idade adulta e a estabilidade a ela inerente atingidas,ultrapassadas que estejam as dúvidas sobre si próprio, as suascapacidades e o seu lugar no mundo, o homem estáverdadeiramente disponível para melhorar, se aperfeiçoar, atravésde um método próprio, que implica vir do mundo para dentro de si edar de si ao mundo o melhor que continuamente faz, edifica, altera.

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O meio-dia a que se referem os maçons é, pois, a sua maturidade,o momento em que estão maduros e, continuando a lidar com omundo, a vida, a sociedade, as suas obrigações pessoais,familiares, profissionais, sociais, podem e conseguem já não selimitar a isso - como muitos vão fazendo ao longo da sua vida, echegam perto do seu fim perguntando-se se a vida é só isso... -,mas fazer um pouco mais, e diferente, construir-se a si próprio,conhecer-se, retificar-se, evoluir, buscar o que sabem serinatingível, mas que só vale a pena viver se se viver buscando-o: aperfeição.

É nesse preciso momento em que ultrapassou o imenso período decrise, porque de contínua mudança, que é a infância e aadolescência, que resolveu os seus problemas de sobrevivência,que sabe qual é o seu lugar no mundo e na sociedade, e o ocupa,que, enfim, está estabilizado, que o homem está pronto paratrabalhar no seu interior, esculpir a sua personalidade, melhorar osseus conhecimentos e a sua forma de ser, estar e de agir, ir paraalém da vulgar materialidade embrenhando-se no território quantasvezes quase desconhecido da sua espiritualidade.

Esse é o momento em que está pronto para iniciar os seustrabalhos sobre si próprio. Uns atingem-no cedo, outros mais tarde.Cada um, e as suas circunstâncias de vida, atinge esse precisoponto de equilíbrio, em que ou estagna na sua vidinha, ou seabalança à aventura de se metamorfosear, mantendo o mesmoaspeto exterior, na altura em que atinge. Esse é o momento em quese fica ou se vai. Esse é o momento em que o homem não fazsombra a nada, nem a ninguém - nem a si próprio -, mas em queadquire a consciência do valor da sua individualidade e do potencialque ela pode desenvolver.

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Esse é o meio-dia, a hora em que os maçons iniciam os seustrabalhos!

Rui Bandeira

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Meia-noite

April 03, 2013

Meia-noite é a hora em que os maçons pousam as suasferramentas e terminam os seus trabalhos - ou seja, o momento damorte física do maçom, a ocasião em que ocorre a sua Passagempara o Oriente Eterno, como é comum os maçons referirem.

Ao referirem que os maçons iniciam os seus trabalhos ao meio-diae pousam as suas ferramentas à meia-noite, querem estessignificar que o trabalho do maçom sobre si próprio, o seu esforçode aperfeiçoamento da sua Pedra Bruta inicial, de alisamento dassuas imperfeições até a transformar numa Pedra Aparelhada, queesteja já devidamente dimensionada para poder ocupar um lugarútil no Grande Templo da Humanidade, e de cultivo e polimento dassuas virtudes, para dela fazer uma Pedra Polida que, além de útil,seja bela e agradável, uma vez começado, no momento em queatingiu a maturidade necessária para reconhecer dever iniciar essetrabalho, persiste incessantemente até ao seu último suspiro, atéao derradeiro alento da sua permanência neste plano de existência.

Com uma singela frase, transmitem os mais experientes aos mais novos a noção de que o trabalho que a sua Iniciação assinalou é uma tarefa de vida para ser prosseguida durante o resto dela - ou

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será apenas perda de tempo e de energias.

De nada vale procurar melhorar-se, aprimorar-se, durante um certolapso de tempo - um mês, um ano ou uma década. No momentoem que essa preocupação, esse esforço, que é simultaneamenteum meio e um objetivo, cesse, nesse preciso momento começa ainevitável degradação do que se tenha logrado atingir. O polimentoque tenha dado brilho à sua interação com os demais, se não forcontinuamente persistido com o incessante lustre das suasvirtudes, inevitavelmente que esmaece, se apaga. Oaparelhamento da sua utilidade na vida e na sociedadeinevitavelmente se degrada, abre fissuras e falhas. O resultado doesforço - quantas vezes de anos - esvai-se com mesma rapidezque a areia se desvanece por entre os dedos, apesar do esforço,tempo e trabalho tido na sua acumulação na mão.

De pouco vale ter sido uma boa pessoa. O que importa é que seseja, se continue a sê-lo. Um cozinheiro, ainda que tenha obtidotrês estrelas Michelin no seu restaurante, se deixar de confecionarcomida agradável de comer, se a salgar, se passar a utilizarprodutos pouco frescos e ingredientes sem qualidade, verá a suaclientela desertar e o seu negócio ruir em menos de um fósforo. Osignificado de uma vida honrada fica indelevelmente manchado poruma única nódoa, um solitário deslize, afinal uma avultada traição atudo o que se construiu antes. Assim sendo, o maçom, uma veziniciado o seu trabalho, deve, tem que, não pode deixar de,prossegui-lo até ao derradeiro momento da sua vida, se não quiserdeitar a perder, ou pelo menos a deixar desvalorizar, todo o esforçoque tenha tido.

O trabalho do maçom sobre si próprio tem de ser prosseguido, com qualidade, cuidado e persistência até ao momento em que se

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esgota o seu tempo de permanência neste mundo. Só assim eentão poderá, de consciência tranquila e com a noção do seu deverbem cumprido, finalmente pousar suas ferramentas. É no momentoda sua morte que o maçom finalmente atinge aquilo por que buscadurante toda a sua vida enquanto tal: a perfeição - a sua perfeição,o melhor que pôde e conseguiu ser.

E é assim na sua meia-noite, no exato momento em que atingiu asua perfeição, que pousa as suas ferramentas, vê brilhar a Luz epassa ao Oriente Eterno!

Rui Bandeira

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Luz

April 10, 2013

Em Maçonaria, como em vários ramos da espiritualidade, incluindocrenças religiosas, é utilizado ou referido o conceito de "Luz", comoalgo a procurar, objetivo a atingir, mediante o trabalho do iniciado,do crente. Mas o que é, afinal, a Luz? Que simboliza? Cada umtirará as suas conclusões. A minha resulta da consideração,designadamente, dos elementos que seguidamente exponho.

Segundo a Infopédia, Enciclopédia e Dicionário Porto Editora, "Luz"é um "fluxo radiante capaz de estimular a retina para produzir asensação visual", "claridade emitida ou refletida pelos corposcelestes", "clarão produzido por uma substância em ignição". Emsentido figurado, segundo a mesma fonte, é "verdade, evidência,certeza", "perceção, intuição", "guia, orientação", "iluminaçãoespiritual, fé".

O Génesis, primeiro Livro da Bíblia, inicia-se assim:

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No princípio criou Deus os céus e a terra.E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face doabismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.E disse Deus: Haja luz; e houve luz.E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz eas trevas.E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde ea manhã, o dia primeiro. Gênesis 1:1-5

No entanto, um pouco adiante, consta:

E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus, para haverseparação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e paratempos determinados e para dias e anos.E sejam para luminares na expansão dos céus, para iluminar aterra; e assim foi.E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior paragovernar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez asestrelas.E Deus os pôs na expansão dos céus para iluminar a terra,E para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luze as trevas; e viu Deus que era bom.E foi a tarde e a manhã, o dia quarto. Gênesis 1:14-19

Portanto, só na quarta jornada da Criação o Grande Arquiteto do Universo criou o Sol e a Lua, "para haver separação entre o dia e a noite", para "iluminar a terra e para governar o dia e a noite e para fazer a separação entre a luz e as trevas". Então que Luz criou Ele

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logo na primeira jornada, que separação entre a luz e as trevas foiessa bem antes de criar os astros que, na quarta jornada, de novose refere destinarem-se à "separação da luz e das trevas? Que"Dia" e que "Noite" (note-se as maiúsculas...) são esses referidosna descrição da primeira jornada se só na quarta jornada sãocriados os astros destinados a governar o dia e a noite?

Ou há grossa contradição logo na primeira página do Volume daLei Sagrada judaico-cristão, ou então, a Luz , o Dia e a Noitereferidos na primeira jornada não são os mesmos referenciados naquarta etapa da Criação...

Entendo que ajudará a esclarecer-nos o início do Evangelhosegundo São João (não se estranhe a referência: a Maçonaria éoriginariamente teísta cristã; sobre a camada original, passou aincluir também a noção deísta, mas esta não anula aquela, talcomo aquela não impede esta...):

1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e oVerbo era Deus.

2 Ele estava no princípio junto de Deus.

3 Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito.

4 Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens.

5 A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.

6 Houve um homem, enviado por Deus, que se chamava João.

7 Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim deque todos cressem por meio dele.

8 Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz.

9 [O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todohomem.

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Analisando os contributos dados por estes dois textos, chama aatenção, no texto do Génesis, a distinção aí feita entre "Deus" e o"Espírito de Deus", aquele realizando, executando a dinâmica daCriação, este apenas movendo-se "sobre a face das águas", massem atividade dinâmica.

Esta distinção encontra-se também na Filosofia Pitagórica,designadamente nos conceitos de UM (princípio criador estático,força criadora em potência) e de DOIS (a ação do Criador, aconcretização da potência da força criadora).

Mas, regressando ao tema, na primeira jornada o Criador fez aLUZ, a separação entre a luz e as trevas, àquela chamando Dia e aestas Noite.

Esta LUZ não é, seguramente a luz física, pois essa só foi criada naquarta jornada, com a criação do Sol e da Lua e das estrelas, "parahaver separação entre o dia e a noite" e "para iluminar a terra". ALUZ da primeira jornada tem um significado metafórico.

Olhando para o início do Evangelho segundo São João, verificamosque o Verbo estava junto de Deus e era Deus; nele havia a vida e avida era a luz dos homens; era a verdadeira luz...

A LUZ metafórica referida na primeira jornada da Criação, explicitada no início do Evangelho segundo São João, é, no meu entendimento, a Consciência de Si do Criador, que proporciona que a Potência Criadora se realize. O Espírito de Deus movia-se no Caos Primordial, com a potência de tudo criar. Mas só a consciência de Si, da Vida que É, possibilitou a concretização da potência criadora. Essa consciência foi a LUZ que se separou das Trevas da inconsciência da Existência, da Vida e da fabulosa Potência Criadora. Separou-se assim o Dia (da consciência, da aquisição da visão sobre as capacidades e possibilidades) da Noite

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(em que o Espírito Criador, embora dotado da Potência Criadora não tinha consciência de tal e portanto apenas vogava, inerte e sem concretizar a sua Força). Havia o Verbo, o pensamento concretizável na palavra e, assim, na ação, que estava junto de Deus e era Deus, mas ainda inerte, que ficou ativo quando Aquele que É tomou inteira consciência de Si próprio e do seu Poder e da sua Força. Portanto, para mim, a LUZ simboliza mais que o Conhecimento, a Sabedoria ou a Fé. Simboliza a Consciência do Criador e da Vida, Consciência essa que cataliza, ativa, a potência criadora que tudo criou e tudo regula. Sendo assim, em que consiste a busca humana pela LUZ? Na criação de condições, na sublimação da nossa materialidade, de forma a que se possa ver a LUZ, adquirir a Consciência do Criador e da Vida, assim finalmente compreendendo o significado e objetivo da Criação, da Vida e do ínfimo, mas indispensável, papel de cada um nelas. É que tal Consciência é indispensável para ativar a necessária dinâmica para o que segue... Mas isso é já outro tema, crença individual que não tem cabimento neste espaço - que é de divulgação, não de proselitismo. Esta a minha interpretação do significado simbólico da LUZ. Não a divulgo aqui para convencer ninguém do que quer que seja. Cada um analisará o que exprimo, tomará do meu pensamento o que lhe convenha, recusará o que não lhe agrade, complementará com outros indícios e raciocínios e teses e chegará à conclusão que, para si, será a certa. Se há algo que na Maçonaria é consensual é

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que há muitos caminhos para a LUZ... Rui Bandeira

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Oriente Eterno

April 17, 2013

Oriente Eterno é a designação que os maçons dão ao que nosaguarda depois da morte física. Porquê Oriente e porquê Eterno?

Talvez a mais remota manifestação da crença humana numaEntidade Superior se encontre nos cultos solares. Cedo ahumanidade percebeu que o Sol era condição indispensável para aexistência e manutenção da Vida, neste pequeno planeta que todoshabitamos. Cedo observou que o negrume da noite era quebrado,primeiro pela luminescência da aurora, depois pela aparição doAstro-Rei, sempre a Oriente. Cedo se associou o Oriente ao pontocardeal de onde provém a luz. Da constatação do fenómeno físicoà consideração figurada de que a LUZ nasce, vem, existe,revela-se, no Oriente medeou apenas um pequeno passo.

Por outro lado, são condições imprescindíveis para se ser maçom regular, para além da condição de homem livre e de bons costumes

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e do efetivo propósito de aperfeiçoamento, a crença no Criador ena vida depois da morte. O Grande Arquiteto do Universo, pordefinição e à escala humana, é Eterno. A LUZ que dele provémnaturalmente que compartilha dessa caraterística.

O Oriente Eterno é, assim, para os maçons o simbólico lugar deonde provém a LUZ, onde está o Grande Arquiteto do Universo,onde o que resta de nós depois de tudo o que de nós é físico seextinguir tem lugar, se reintegra.

Não existe uma conceção, uma figuração, uma imaginação, comumaos maçons de como é o Oriente Eterno. Tal como é deixada acada um a pessoal conceção do Criador, exigindo-se apenas aefetiva crença na sua existência, também as condições e formas devida após a vida são assunto do foro íntimo e pessoal de cada um.Em função da crença individual, o Oriente Eterno pode serassociado ao Paraíso cristão, ao Reino de Jehovah, ao Paraísoislâmico, ao Nirvana, ou àquilo em que cada um crer.

A única certeza compartilhada pelos maçons regulares é que amorte física é apenas uma passagem do que de nós éverdadeiramente essencial para outro estádio, outro plano. E,portanto, que incumbe a cada um de nós o dever de se aperfeiçoar,de se polir, de melhorar, de se capacitar em todos os aspetos, paraque, chegada a hora, esteja preparado e em condições de seintegrar no seu lugar nesse novo plano da existência.

O que será, afinal, o Oriente Eterno, nenhum maçom o poderá, deciência certa e segura, afirmar. Apenas que crê na sua existência eque dedica a sua vida a preparar-se para o papel que alidesempenhará. Afinal, a Luz só é plenamente visível depois deultrapassada a cortina da morte física e superadas as limitações donosso corpo físico...

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Rui Bandeira

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Ser Mestre Maçom é...

April 24, 2013

... mais do que uma chegada, uma nova partida, não um objetivoatingido mas um projeto sempre em execução. A Exaltação àMestria possibilita que o Obreiro atento o entenda desde logo.

Simplesmente, enquanto até aí o maçom teve guias e apontadoresde caminhos, quando a Loja concede a um maçom a sua “carta” deMestre, este sente-se um pouco como aquele que, após as suaslições e o seu exame de condutor, recebe a sua carta de condução:está habilitado a conduzir (a conduzir-se...) mas... inevitavelmenteque sente alguma ansiedade por estar por sua conta e risco, semrede que ampare suas quedas em possíveis erros.

Assim, apesar de serem as mais visíveis manifestações da mudança de estado conferida pela Exaltação à Mestria, não são o seu direito à palavra e o seu direito ao voto que são importantes. Importante é a sua total capacidade de exercer o seu verdadeiro e

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pleno direito ao seu caminho. O direito a trilhar o seu caminho porsi, só, se assim escolher ou assim tiver que ser, ou acompanhadopor quem quiser que o acompanhe e que o queira acompanhar, seassim for de vontade dos interessados, pelo tempo que quiser, poronde quiser, como quiser, para o que quiser.

O direito ao seu caminho enquanto cidadão já o tinha desde queatingiu a idade adulta e como adulto foi pela lei do Estadoconsiderado. O direito ao seu caminho enquanto maçom, ou seja, ocaminho do aperfeiçoamento, da busca da excelência, daproximidade tão próxima quanto humanamente possível for, daPerfeição, a ser trilhado por si só, como quiser, quando quiser, pelaforma que quiser, adquire-o o Maçom com a sua Exaltação àMestria, após o tempo de preparação que necessário foi para quenão seja em vão que esse direito lhe seja conferido, para queefetivamente o exerça. Porque é um direito que o Mestre Maçomdeve exercer como um dever, com a diligência do cumprimento deuma obrigação.

Ser Mestre Maçom é, assim, essencialmente cumprir o dever deexercer o seu direito de escolher e percorrer o seu caminho para aexcelência.

Para quem andou longo tempo a ser guiado, não é fácil ver-se, deum momento para o outro, responsável pelo seu caminho, semajuda, sem orientação, sem rede. Responsável, porque livre,porque pronto, porque assim é o destino do homem que busca obrilho da Luz, da sua Luz. Mas, após uma pausa para ganharorientação e pesar as suas escolhas, todos os Mestres Maçonsseguem o seu caminho – porque para isso foram preparados, porisso são Maçons, com isso são verdadeiramente Mestres.

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O caminho que cada Mestre Maçom decide escolher tem em contaa primacial pergunta que faz a si mesmo: Que fazer, como fazer,para ser melhor? A essa pergunta cada Mestre Maçom vai obtendoa sua resposta, pessoal, íntima, tão diferente das respostas deoutros quanto diferente dos demais ele é. E é na execução daresposta que vai obtendo, no traçar do trabalho que essa respostapropõe, que o Mestre Maçom constrói, porque construtor é, o seupercurso. E a cada estação conquistada, novamente a mesmapergunta de sempre se lhe coloca: que fazer, como fazer agorapara ser de novo melhor? E nova resposta e novo percurso e novaparagem, com nova e sempre a mesma pergunta, com outraresposta e outro percurso, incessantemente se apresentam.

Mas o Mestre Maçom não sabe apenas buscar a resposta à suapergunta. Sabe também que, embora cada um trilhe o seu solitáriocaminho, os caminhos dos maçons têm muito de comum esobretudo são postos por eles muito em comum.

O Mestre Maçom sabe assim que o que adquire, o que ganha, oque aprende, o que consegue, não é para ser avaramente fruídoapenas por si, antes é para ser posto em comum com a Loja, poistambém é do comum da Loja que recolhe contributos, ajudas,meios, ferramentas, para melhor e mais frutuosamente obterrespostas às suas perguntas.

Ser Mestre Maçom é, assim, sempre, dar o seu contributo à Loja,seja no que a Loja lhe pede e ele está em condições de dar, sejano que ele próprio considera poder tomar a iniciativa deproporcionar à Loja. Porque ser Mestre Maçom é também saberque, quanto mais der, mais receberá, que a sua parte contribui parao todo mas também aumenta em função do aumento desse todo eque, afinal, não é vão o dito de que “dar é receber”.

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Ser Mestre Maçom é portanto saber que o seu percurso pessoalserá mais bem e mais facilmente percorrido se o for com a Loja,pela Loja, a bem da Loja. Porque o bem da Loja se traduz emacrescido ganho para o maçom, que assim consegue realizar oparadoxo de ser um individualista gregário, porque integra econtribui para um grupo que é gregário porque preza e impulsiona aindividualidade dos que o compõem.

Ser Mestre Maçom é descobrir que a melhor forma de aprender éensinar e assim escrupulosamente executar o egoísmo de ensinaros mais novos, os que ainda estão a trilhar caminhos que já trilhou,dando-lhes o valor das suas lições e assim ganhando o valoracrescido do que aprende ensinando – e sempre o homem atentoaprende mais um pouco de cada vez que ensina.

Ser Mestre Maçom é comparecer e trabalhar na Loja, massobretudo trabalhar muito mais fora da Loja. Porque o que se fazem Loja não passa de “serviços mínimos” que apenas permitem asobrevivência da Loja e o nível mínimo de subsistência do maçom.O trabalho em Loja é apenas um princípio, uma partícula, umagota, uma pequena parte do trabalho que o Mestre Maçom deveexecutar em cada um dos momentos da sua existência.

Ser Mestre Maçom é portanto mais do que aguardar que algo lheseja pedido, antes tomar a iniciativa de fazer algo – não para serreconhecido pela Loja, mas essencialmente por si, que é o queverdadeiramente interessa.

Ser Mestre Maçom não é necessariamente fazer grandes coisas, excelsos trabalhos, admiráveis construções. Mais válido e produtivo é o Mestre Maçom que dedica apenas cinco minutos do seu dia a fazer algo muito simples em prol da sua Loja, da Maçonaria, afinal de si próprio, desde que o faça efetivamente todos os dias, do que

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aqueloutro que uma vez na vida faz algo estentório, notado, emgrande estilo, mas sem continuidade. Porque a vida não se esgotanum momento, nem numa hora, nem num dia. A vida dura toda avida e é para ser vivida todos os dias de toda a vida.

Ser Mestre Maçom não é necessariamente ser brilhante, mas éimprescindivelmente ser persistente E o Mestre Maçom quepersistentemente realize dia a dia, pouco a pouco, o seu trabalho,pode porventura passar despercebido, não receber méritos nemmedalhas nem honrarias, mas tem seguramente o maior mérito, amaior honra, a melhor medalha, o maior reconhecimento a quedeve aspirar: o de ele próprio reconhecer que fez sempre o seutrabalho, deu o seu melhor, persistiu na sua tarefa e, de cada vezque olhou para si próprio, viu-se um pouco, um poucochinho queseja, melhor do que se vira da vez anterior. E assim sabe que,pouco a pouco, no íntimo do seu íntimo, sem necessidade queoutros o honrem por tal, ganhou um pouco mais de brilho, está umpasso mais próximo do seu objetivo, continua frutuosamentepercorrendo o seu caminho para o que sabe ser inatingível e, noentanto, persiste em procurar estar tão próximo de atingir quantopossível: a Perfeição!

Em suma, ser Mestre Maçom define-se com o auxílio de uma fraseque li há algum tempo e que foi dita por alguém que creio até quenem sequer foi maçom, Manuel António Pina, jornalista, escritor,poeta, laureado com o Prémio Camões em 2011, falecido em 19 deoutubro de 2012: o Mestre Maçom é aquele que aprendeu e quepratica que o mínimo que nos é exigível é o máximo quepodemos fazer .

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O Mestre Maçom perante o Aprendiz e o Companheiro

May 01, 2013

Qual a palavra que melhor define o que deve ser o Mestre Maçomperante o Aprendiz e o Companheiro?

Na minha opinião, não é "Mestre", nem "formador", nem "ensino". É certo que os Aprendizes e Companheiros estão em período de formação, de aprendizagem e prática sobre símbolos e simbologia, valores, propósitos e objetivos. É também certo que a formação de Aprendizes e Companheiros é enquadrada e proporcionada pelos Mestres da Loja. Aliás, no Rito Escocês Antigo e Aceite - e não só - existe um Mestre da Loja com a específica responsabilidade de coordenar a formação dos Companheiros - o Primeiro Vigilante - e um outro com idêntica responsabilidade em relação aos Aprendizes - o Segundo Vigilante. Também é comum, e certo, o entendimento de que o Padrinho (isto é, o proponente da admissão do então ainda profano na Loja) tem o especial dever de acompanhar e

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auxiliar o Aprendiz ou o Companheiro cuja entrada na Lojapatrocinou, quer na sua integração no coletivo que é a Loja, querna sua formação. Mas, sendo tudo isto certo, sempre entendi e defendi que, em bomrigor, a Maçonaria não se ensina, aprende-se, isto é, os Mestresproporcionam os meios, propõem os conceitos, guiam osAprendizes e Companheiros no seu trabalho, mas o essencial estáno trabalho do próprio Aprendiz ou Companheiro, no seu esforço,no seu compromisso, perante si próprio, de ser e fazer melhor,sempre melhor. O trabalho do maçom é sempre e inapelavelmenteindividual, embora executado no seio e com o auxílio do grupo queé a Loja. Mas o determinante é o desbaste que o cinzel, sob apancada do malho, ambos empunhados pelo maçom, efetua napedra que está a ser desbastada, o próprio que maneja asferramentas de desbaste. Esse é o trabalho essencial, o que temvero significado, o que importa. Esse é o trabalho que maisninguém executa, nem pode executar, senão o próprio em simesmo. Tudo o resto é acessório. E, porque assim é, não é o quese ensina, ou quem ensina, ou como ensina, que releva. O quereleva é tão só o que se aprende.

No meu entendimento, a palavra que melhor define o que deve ser o Mestre Maçom perante o Aprendiz e o Companheiro é "exemplo". Precisamente porque aquele que está a aprender a aprender é influenciado, formado, preparado, mais do que pelas palavras, mais do que por lições, mais do que por explicações ou exposições, pelos atos de quem vê como mais antigo, mais experiente, mais "sabedor", mais "qualificado". Em Maçonaria não vigora, não deve

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vigorar, seria inaceitável que vigorasse, o dito popular "Bem prega frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz". A melhor pedagogia, a mais eficaz, a que realmente vale a pena, é a do exemplo. Não nos esqueçamos que os Aprendizes e Companheiros, sendo jovens membros da Loja, não são, porém, imaturos infantes na vida... Pelo contrário, são pessoas desenvolvidas, com as suas competências sociais inteiramente adquiridas, com vida própria, princípios e valores de base adquiridos, com família, muitas vezes (seguramente na maioria dos casos) eles próprios educando os seus filhos. Não são bonitas palavras, elegantes conceitos, que marcam, convencem, ajudam a melhorar, adultos com vida e personalidade próprias e marcadas e, evidentemente, com o espírito crítico que desenvolveram ao longo da sua vida. Os Aprendizes e Companheiros são jovens na Loja, ainda apenas sabem soletrar a simbologia que lhes é presente, mas sabem muito bem, como adultos capazes e experientes que são, distinguir entre a parra e a uva e, sobretudo, discernir quando porventura alguém que lhes pretenda dar lições, afinal tenha muita parra e pouca uva e devesse, no fim de contas dedicar-se a realmente aprender e executar as lições que debita... Só é verdadeiramente Mestre Maçom aquele que propicia a aprendizagem, a melhoria, o crescimento, dos Aprendizes e Companheiros, pelo seu EXEMPLO. De muito pouco valem bonitas exortações, exuberantes conceitos, profundas lições, se tudo isso não passar de meras palavras

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facilmente levadas pelo vento dos factos, regularmentedesmentidas pelos atos praticados. Se o Mestre Maçom, apesar depregar o trabalho, o esforço, a qualidade, se mostradesinteressado, desleixado, impreparado, dificilmente inculcará noAprendiz ou no Companheiro as virtudes que proclama da bocapara fora e trai nos seus atos. Por isso, a postura do Mestre Maçom perante o Aprendiz e oCompanheiro deve atender sempre a que tem de agir como oexemplo daquilo que proclama, sem contradição, sem facilitismo.Ou muito mau Mestre será... Afinal de contas, se acho que a Maçonaria não se ensina,aprende-se, também acho que uma das melhores formas deaprender é diligenciar ensinar. E, tendo-se sempre presente que,em Maçonaria, a melhor forma de ensino é o exemplo, facilmentese adquire a noção de que, para se poder dar o exemplo, tem-sede, constantemente, dar o melhor de si mesmo, fazer melhor,trabalhar mais esforçadamente, procurar sempre ser hoje melhorque ontem e amanhã melhor do que hoje. Basta, simplesmente, fazer aquilo que se proclama. Chega, afinal,ser efetivamente maçom em todos os atos e momentos. E assimpoder ser reconhecido pelos demais de que é realmente MestreMaçom, capaz de dar o exemplo aos mais jovens de como se faz -sempre e até ao fim da vida! Rui Bandeira

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O Mestre Maçom perante a Loja

May 08, 2013

No meu entendimento, o termo que mais bem ilustra o que deve sero Mestre Maçom perante a Loja é "disponível".

Disponível para exercer os ofícios para que seja designado. Previamente a isso, disponível para aprender os deveres dosofícios que deve exercer. Durante esse exercício, disponível paradetetar, preparar e executar a melhor forma de exercer o seu ofício.Sempre disponível para entender que o exercício de qualquer ofícioem Loja - incluindo o de Venerável Mestre; particularmente o deVenerável Mestre - não constitui o exercício de um qualquer Poder,mas tão só um serviço, o cumprimento do dever de cooperar naadministração da Oficina. Disponível para, cessado o período deexercício do ofício, deixar ao seu sucessor tudo o que a ele éinerente pelo menos em tão boas condições como as que recebeu -preferentemente, em melhores condições.

Disponível para ensinar e aprender. Disponível para preparar e apresentar pranchas na Oficina. Não será pedir muito a um Mestre

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Maçom que, pelo menos de dois em dois anos, tenha uma pranchatraçada pronta para ser exibida perante a sua Oficina - e se todosos Mestres da Loja assim procederem, seguramente em todas assessões de Loja haverá trabalhos apresentados. Disponível paraouvir os trabalhos dos demais e sobre eles ponderar e delesaproveitar o que lhe seja útil. Disponível para debater, trocaropiniões, não para "ganhar discussões" mas para extrair dediferentes conceções os pontos de convergência, as pontes deligação, os denominadores comuns, os patamares que permitam asevoluções das posições expostas, os consensos atingíveis.

Disponível para as tarefas e projetos e iniciativas que a Oficina levea cabo. Para auxiliar na execução das muitas boas ideias quesurgem, independentemente de quem as tem.

Sobretudo disponível para estar presente, não só fisicamente, mascom toda a sua diligência e atenção - porque só assim seráverdadeiramente útil à Loja e verdadeiramente a Loja lhe será útil aele.

Finalmente, também disponível para, estando presente e pronto para o que preciso for, nunca impor, nem a presença nem a disponibilidade, deixando que naturalmente todos contribuam para todos. O Mestre Maçom integra, faz parte de uma Loja, não é "dono" nem "mentor", nem colonizador da sua Loja. Tão importante como estar disponível para a sua Loja é ter a noção e o equilíbrio de que os demais também estão e que uma Loja saudável recebe os contributos de todos, não só de alguns mais assertivos em fazê-lo. Há um tempo para fazer e um tempo para descansar e deixar que os demais também façam. Numa Loja equilibrada, não há "estrelas" nem "seguidores", todos são "primas donas" e todos são "carregadores do piano" - a vez de ser uma ou outra coisa

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chega a todos e deve ser por todos bem acolhida. O Mestre Maçomque verdadeiramente o é tem a clara noção de que a Loja deve tertodos disponíveis, mas ninguém insubstituível - o cemitério, essesim, é que está cheio de insubstituíveis... e a vida continua...

Em suma, disponível para entender e praticar que integrar umaLoja maçónica é dar e receber. E, portanto, que se impõe estarsempre disponível para dar ao grupo a colaboração, a atividade, asolidariedade, a atenção, o tempo, o esforço, que o grupo necessitae merece que se lhe dê, mas também saber estar disponível parareceber do grupo e de todos os demais que o integram a ajuda, osensinamentos, as críticas, as opiniões, as sugestões, os contributosque o ajudarão a conseguir ser um pouco melhor. Ao contribuirpara a Loja, para o grupo, está a juntar-lhe algo que fará do todoum grupo melhor. Quanto melhor for o grupo, dele mais e com maisqualidade receberá e aproveitará. E indivíduo e grupo mutuamentese vão fortalecendo, vão progredindo, vão melhorando, numvirtuoso ciclo que só depende de um pouco do esforço e dacontribuição de cada um.

Dar e receber. Estar disponível para ambas as ações. É, afinal, tãosimples ser maçom...

Rui Bandeira

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O Mestre Maçom perante si próprio

May 15, 2013

Todo o maçom, desde o primeiro dia que adquiriu essa condiçãosabe que o seu maior inimigo é aquele que vê quando, de frente,olha para o espelho. Mas também sabe que a melhor maneira deacabar com o inimigo não é prendê-lo (pode sempre libertar-se...),ou matá-lo (pode dele fazer um mártir ou herói para outros, e assimafinal multiplicar os seus inimigos...). A melhor maneira de acabarcom o seu inimigo é fazer dele seu aliado, seu amigo. A amizadetem mais força que a força...

Todo o maçom sabe, desde o dia em que adquiriu essa condição, que dentro de si convive o que potencialmente o destrói, o desvaloriza, o apouca - os seus vícios, os seus defeitos - e o que o engrandece - as suas virtudes e capacidades. Por isso aprende que é crucial cavar masmorras aos seus vícios e cultivar suas virtudes. Só assim aquele que vê quando, de frente, olha para o espelho

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deixará de ser o inimigo que arrasta para as sombras dadepravação para passar a ser efetivamente o aliado amigo queacompanha no caminho para a Luz.

O Mestre Maçom, quando se coloca - o que deve fazer comfrequência... - perante si próprio, deve sempre recordar-se que oesforço para ser melhor pode não necessitar de ser muito grande,mas inevitavelmente tem que ser contínuo. Tal como aquele queanda de bicicleta precisa de manter o movimento para não cair,assim aquele que cessa o esforço para melhorar verá degradar-seo que atingiu.

Assim, a palavra que, no meu entendimento, se deve utilizar parailustrar o que se impõe ao Mestre Maçom perante si próprio é"persistência".

Persistência no contínuo esforço de melhoria. Persistência emaprender e ensinar e em aprender ensinando. Persistência no Estarcomo meio para o Ser. Persistência em fazer, dia após dia, mêsapós mês, ano após ano, mais do mesmo, como forma dedescobrir, afinal, que o mesmo continuamente se reinventa e,quando damos por ela, já é outro e melhor.

Persistência no trabalho mais importante que existe, o trabalho emsi próprio, o trabalho que lhe permite reconhecer-se e serreconhecido como aquilo de que se apelida, Maçom.

Persistência no lapidar da única obra que, apesar de todas asobras que construa ou que crie, afinal realiza durante o tempo quepassa neste plano da existência, a sua verdadeira obra-prima, asua vida e quem a vive.

Persistência na busca da forma de melhorar o que parece bem mas pode sempre ser um pouco melhor - para descobrir que, após a melhoria, o que é melhor, pode ainda ser melhorado mais um

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pouco, desde que... persista no trabalho.

Persistência na lapidação da sua Pedra Bruta até conseguir dar-lhea desejada forma de Pedra Cúbica. Persistência para polir essaPedra Cúbica, face a face, para bolear bem as arestas, uma auma, para que essa Pedra Cúbica seja capaz de ser encaixadaonde deve, seja sólida para bem assegurar o seu papel, seenquadre harmoniosamente entre as demais, aumentando com oseu brilho o brilho das vizinhas.

Persistência para nunca se sentir satisfeito, para ter a noção de queé sempre possível fazer e ser um pouco melhor e paraefetivamente agir para assim fazer e ser - e descobrir que continuara lapidar uma Pedra Cúbica não a faz mais pequena, paradoxalmente engrandece-a.

Persistência em ser realmente e completamente aquilo que sereclama ser: Mestre Maçom!

Rui Bandeira

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O Mestre Maçom perante a Sociedade

May 22, 2013

A Maçonaria Regular é uma instituição destinada aoaperfeiçoamento moral, espiritual e intelectual dos seus elementose também para que estes, através do seu exemplo e da prática dosseus princípios, por sua vez propiciem, influenciem, a melhoria,pouco a pouco, indivíduo a indivíduo, da sociedade em que aInstituição e os seus elementos se inserem.

A Maçonaria Regular não existe divorciada, separada, afastada, dasociedade em que se insere. Pelo contrário, é uma das instituiçõesque unem, solidificam e contribuem para o progresso dessa mesmasociedade - à sua maneira, é certo, pelo seu específico jeito,obviamente; mas a sua riqueza está precisamente na suadiferença, na sua especificidade: para ser igual às outras, bastamas outras...

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O Mestre Maçom que aprendeu o que é a Maçonaria Regular tem,assim, bem presente que, se é crucial conhecer-se a si mesmo,como meio de se melhorar, não é menos indispensável reconhecer-se como animal social, isto é, que o que é, o que melhora, o quefaz, em cada momento, se repercute no meio em que se insere e oinfluencia.

O Mestre Maçom deve ter, consequentemente, a vívida noção deque todo o seu esforço de melhoria, toda a sua persistência nomodelar de si próprio, só adquire pleno significado, integral valia, noconfronto com todos com quem interage. Um eremita pode atingir ocúmulo da perfeição, ser o vero protótipo de um Santo, estar comdois pés e meio corpo no Nirvana - se for eremita e ninguém derpor ele, pela sua perfeição, santidade e êxtase, em nada influencia,a ninguém mais aproveita, todo o seu esforço e trabalho epersistência apenas se refletem na ínfima partícula da volátil poeirado leve sopro da miúda insignificância que ele, como cada um denós, na realidade, é, ao nível da imensidão cósmica.

Qualquer significado dos nossos atos, qualquer diferença quepossamos fazer, qualquer valia que a nossa existência e a formacomo a vivemos tenha só existem verdadeiramente no confrontocom os outros.

Assim, no confronto do Mestre Maçom com a Sociedade, entendoque a palavra-chave é "coerência".

Coerência entre a sua atuação, em todos os momentos, em todascircunstâncias, em todos os ambientes, entre os princípios e osatos. Coerência entre os seus atos em Loja e fora de Loja. Entre assuas condutas perante Irmãos e perante profanos.

Coerência enquanto maçom e enquanto cidadão, quer a sua condição de maçom seja publicamente revelada ou se mantenha

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por si prudentemente reservada. Porque o que importaverdadeiramente é a contribuição que os maçons dão para amelhoria da Sociedade, não os créditos que estes porventurarecebam por isso. Os maçons cumprem - sempre, em todo o lado eperante qualquer pessoa - os seus deveres de cidadãos e demaçons, aplicam os seus princípios de homens livres e de bonscostumes em público como em privado, com ou sem benefíciopróprio, tão só porque moldaram a sua natureza para assimproceder, sabem que essa é a forma devida de ser e de agir,reconhecem que só assim são reconhecidos como tal pelos seusIrmãos.

O Mestre Maçom é, assim, persistente, dá o exemplo, estádisponível e é coerente. Consigo próprio, com seus Irmãos, comsua Oficina, com todos. Tudo isso em todas essas situações. Ounão é realmente Mestre ou Maçom.

Rui Bandeira

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A coberto e a descoberto

May 29, 2013

No texto "O Mestre Maçom perante a Sociedade" referi que o queimporta é a contribuição que os maçons dão para a Sociedade,quer a sua condição de maçom seja publicamente revelada, querpor si se mantenha prudentemente reservada. Por outro lado,também já várias vezes pontuei que a vertente do segredomaçónico que obriga todos os maçons a não revelarem a condiçãode maçons dos seus Irmãos que não se assumiram publicamentecomo tal, para além de evidentes e pertinentes razões desegurança, prementes em diversas épocas históricas, constitui umimprescindível ato de respeito pelo critério e pelas escolhas dosseus Irmãos.

Divulgar a sua condição de maçom ou manter a mesma preservada do público conhecimento é escolha, decisão, que só a cada um compete fazer e que os demais só têm de respeitar. Cada um sabe

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das razões da sua decisão. Isso é para mim uma evidência. NoBrasil e, de uma forma geral no continente americano, como naGrã-Bretanha, é natural a divulgação da condição de maçom. NaEuropa Continental, e particularmente nas culturas depredominância católica, onde pontificou a dita Santa Inquisição e mais eco tiveram, historicamente, as bulas papais de condenaçãoda Maçonaria, é mais corrente que os maçons preservempublicamente a sua condição, seja por temerem represálias sociaisou profissionais sobre si ou sobre a sua família, seja por puroreflexo de preservação da sua intimidade. Compreendo e aceito -só posso fazê-lo! - a opção de cada um.

Confesso, porém, que cada vez mais a prudência (legítima, repito)dos meus irmãos que preservam publicamente a sua condição demaçons se me afigura digna de reponderação. Sou Mestre Maçomhá mais de vinte anos e há mais de vinte anos que não escondo deninguém a minha condição de maçom, que orgulhosamente afirmo ter a satisfação e a honra de ser reconhecido como maçom pelosmeus Irmãos - e nunca notei qualquer represália ou censura oudesconsideração por essa pública afirmação. Bem sei que a minhasituação profissional - exercício, em escritório próprio, da profissãode advogado - me isenta de preocupações com superioreshierárquicos ou competições na hierarquia laboral. Mas vivo etrabalho em sociedade. Os meus rendimentos dependem de terclientes que me procurem e me solicitem que lhes preste serviçosda minha profissão. Também sou tão vulnerável a preconceitos ourepresálias como qualquer outro, na medida em que posso perdertrabalho por preconceito de quem me sabe maçom. Mas, repito,nunca dei conta de que tal tivesse sucedido.

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Acho que é tempo de os maçons reponderarem a questão de semanterem a coberto ou se afirmarem maçons. A Inquisição e osseus atropelos à dignidade humana são, felizmente, já apenasmemória histórica. Mesmo a proibição salazarenta da Maçonaria foiabolida há já perto de quarenta anos. Não é, a meu ver, argumentoválido o facto de ainda haver muito preconceito contra a Maçonaria,muitas disparatadas teorias de conspiração sobre "tenebrososdesígnios" e "subreptícias conspirações" dos maçons. Porque, se écerto haver esses preconceitos e essas disparatadas posturas, nãoé menos certo que o facto de muitos maçons esconderem a suacondição não só não ajuda nada à extinção ou diminuição dessespreconceitos e disparates, como, em alguma medida, os alimenta,pois possibilita o raciocínio de que "se eles escondem o que são éporque não são coisa boa". E é forçoso reconhecer que esteargumento pode ser filho do preconceito, mas não deixa deaparentar algum sentido...

A imagem que ainda existe de que a Maçonaria encobre algo de conspirativo, de que só existe para que os maçons manobrem na sombra em proveito próprio, é alimentada por alguns que, eles sim, se aproveitam da imagem distorcida que voluntariamente dão da instituição para ganharem uns cobres com umas "reportagens" e uns livros de "desvendamento" das "ocultas ligações", das "tenebrosas maquinações" que, insinuam, certamente serão a causa de todos os males deste país. Os tais tenebrosos sujeitos que na sombra movem todos os cordelinhos para se alimentarem das dificuldades de todo um país e todo um povo, são perigosíssimos, organizadíssimos, escondidíssimos, poderosíssimos, mas não conseguiram resistir ao cuidadoso escrutínio e à formidável inteligência dos escribas que, quais

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super-heróis sem capa, colocam à disposição dos olhares de todos"importantes" informações - mas um bocadinho de cada vez, paradar para vários artigos, que a imprensa está em crise e assimsempre se vendem mais uns exemplares de várias edições... E,bem coordenadas as coisas, também sempre dá para lançar umameia-duziazinha de livros que, bem publicitados pelo meio, sempredarão para conseguir mais uns patacos...

Quem publica e alimenta esta imagem negativa da Maçonaria e dosmaçons tem o direito de o fazer (chama-se a isto Liberdade deImprensa - e qualquer maçom que se preze preza-a também,mesmo que e sobretudo quando a mesma é utilizada contra ainstituição em que se insere). Cumpre-nos a nós, maçons,reconhecer que quando não nos assumimos como tal, quando nosescondemos (é o termo), estamos a alimentar as suspeitas, asdesconfianças, as teorias conspirativas, a deixar o campo aberto atodas as especulações, a todas as invencionices. A má imagem daMaçonaria que a opinião publicada instila na opinião públicatambém, resulta, reconheçamo-lo, da nossa postura de reserva.

A Maçonaria é um meio e uma cultura de aperfeiçoamento do Homem - e isso não envergonha ninguém, pelo contrário. Sou maçom porque procuro, em cada dia, ser um pouco melhor do que na véspera, em todos os aspetos e todas as vertentes da minha vida. Na minha vida pessoal, na minha vida familiar, na minha integração social, na minha atividade profissional. Não tenho, pois, qualquer receio de que os demais saibam que sou maçom. Não alimento preconceitos nem disparates. Proclamo, alto e bom som, que sou maçom - e com muita honra! Porque ter sido reconhecido pelos meus Irmãos como um homem livre e de bons costumes me honra! Porque procurar ser melhor e ajudar os meus Irmãos a ser

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melhores é motivo de honra!

Ao ter, já há mais de vinte anos, assumido publicamente que soumaçom, eu sabia que me colocava sob o escrutínio de todosaqueles que, sabendo-o, lidavam, ou podiam lidar, comigo. Aprimeira mensagem que tacitamente deixei a todos foi, pois, quenão temia esse escrutínio. Que não temia que, sabendo-memaçom, me ajuizassem como homem, como marido, como pai,como profissional. Sabendo que, se o resultado do escrutínio mefosse desfavorável, haveria o risco de se dizer: "pois, é maçom...".Mas esperando que, merecendo bom escrutínio, uns quantosacabassem por concluir que, se ser maçom é ser o que eu sou,afinal os maçons não são tão maus como alguns os pintam... E ficofeliz por poder dizer que, vinte anos passados, não perdi amigos,não perdi clientes, nunca fui desconsiderado por não esconder quesou maçom!

Se nós, maçons, queremos ser úteis à Sociedade também pelonosso exemplo, então é preciso e conveniente que a Sociedadesaiba que somos maçons...

Termino como comecei: respeito intransigente e completamente o juízo de cada maçom sobre a divulgação ou não da sua condição. Mas insto a que cada um daqueles que opta pela posição prudente periodicamente reexamine se a deve manter ou alterar. Porque quantos mais manifestarem o seu orgulho na condição de maçons, sem receio do escrutínio público das suas ações, melhor publicamente se compreenderá que os maçons não são o que alguns escribas procuram vender, pelo contrário são homens bons que procuram ser melhores, que reconhecem ter virtudes e defeitos e que procuram corrigir estes e aprimorar aquelas. E quantos mais forem exemplo, mais sementes se lançam para que a Sociedade

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seja também melhor.

Rui Bandeira

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Igualdade, Diversidade e Tolerância

June 05, 2013

Os maçons prezam a Igualdade. Esta está na matriz genética doque é a Maçonaria. Na Loja, todos são essencialmente iguais,mesmo que alguém dirija, alguém assista quem dirige, alguémensine e alguém aprenda. Porque todos foram e potencialmenteserão tudo, todos fizeram e potencialmente farão tudo em Loja. Adignidade da condição humana é exatamente igual em todos ecada um, quaisquer que sejam as suas habilitações, as suasaptidões, as suas realizações. Cada maçom está entre iguaisquando está entre os seus Irmãos. Mais: cada maçom reconhece epreza a essencial Igualdade entre todos os membros da espéciehumana, independentemente de cores de pele, de nacionalidades,de crenças, de lugares ou de estilos de vida.

Os maçons prezam, também, e em igual medida, a Diversidade e o corolário desta, a diferença. Em Loja, é patente a riqueza advinda

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do confronto e da cooperação de diferentes experiências,capacidades, opiniões, formações. Por isso, não tiveram nem têmnormalmente êxito avulsas experiências de criação de Lojas"monocolores", de médicos ou de músicos ou do que quer que seja,acumulação de experiências semelhantes que, por regra mais cedodo que tarde, se revela entediante e pouco apelativa. Os maçonsaprendem e praticam o inestimável valor da diversidade,aprofundam o estimulante potencial da diferença. Cada umcontribui com as suas valências, os seus saberes, os seus gostos,as suas experiências, em suma, com a sua individualidade, paraenriquecer o grupo e os demais. E cada uzm aprende,enriquece-se, com o que depara de diferente, com diversos pontosde vista que lhe aguçam e estimulam o intelecto e o espírito crítico.

A Igualdade não pressupõe, não se faz, de similitude. A Igualdadeaceita, resulta, da multitude de diferenças que existem naDiversidade.

A Tolerância é a ferramenta que harmoniza a Igualdade e a Diversidade. Entender que os nossos iguais não deixam de o ser porque pensam diferente de nós, aceitar que as diferenças de aspeto, de cor de pele, de experiências, de culturas, não afetam a essencial Igualdade da natureza humana, expressa na individualidade de cada um, é a natural postura que permite, mais do que possibilitar, mais do que meramente compatibilizar, efetivamente rentabilizar a Diversidade existente na Igualdade. Por isso a Tolerância não emerge de qualquer sentimento de pretensa superioridade do que tolera em relação ao tolerado; pelo contrário, a Tolerância pressupõe, enraíza-se, cresce a partir da noção de que o outro é essencialmente igual a mim e acessória e inevitavelmente apresenta diferenças em relação a mim. Diferenças

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que é estulto julgar, catalogar ou, pior, ridicularizar ou ostracizar;pelo contrário, diferenças que me enriquecem na medida em queas considerar, com elas aprender, integrar nos meus saberes, nasminhas posturas, na minha individualidade - que, por natureza, édiferente de todas as demais...

A Igualdade é o campo que cada ser humano tem em comum, osolo que todos pisamos, a terra que a todos nós molda. ADiversidade são as diferentes culturas que sobre essa terra comumse semeiam, granjeiam e, a seu tempo, se colhem, todasdiferentes, todas importantes, apesar das suas diferenças, afinaldevido às suas diferenças. A mesma terra dá o cereal de que se fazo pão, cria o fruto de que se fabrica o vinho, desenvolve o algodãode que se faz tecido. A Tolerância é a alfaia que trabalha a terra esemeia, granjeia e colhe as culturas.

A essencial Igualdade de todos os seres humanos é umaindispensável base com um inestimável potencial, concretizadonuma miríade de diferenças que constituem a formidável riqueza daDiversidade. A Tolerância é o meio pelo qual se aproveita opotencial e se cria a riqueza, a forma como, assumindo a comumbase de partida, se propicia a inestimável infinidade de caminhosque podem ser traçados, cruzados, percorridos por iguais comdiferentes anseios e diversas caraterísticas, sementes diversaslançadas à mesma terra produzindo inumerável variedade defrutos.

Compreender que todos somos essencialmente iguais, valorizar as diferenças inerentes à nossa individualidade, articular o que é comum com o que é diverso com a harmonia da Tolerância, são caraterísticas imanentes da Maçonaria, presentes desde sempre na sua matriz formadora. Para os maçons, reconhecer a Igualdade e

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Tolerar, isto é, aceitar, valorizar e aproveitar a Diferença, é purarotina, algo tão natural como respirar.

No dia em que todos em toda a Humanidade conseguiremcompreender e praticar que o ser humano, sendo essencialmenteIgual aos seus semelhantes só se valoriza. se potencia, se realizapelo exercício e aproveitamento das suas diferenças, constituindo oconjunto de todas elas a enriquecedora Diversidade da espéciehumana, tão mais enriquecedora e propiciadora do progresso e dobem comum quanto mais bem Tolerada, aceite, fomentada for portodos e cada um, nesse dia finalmente as trevas do obscurantismoserão vencidas pela Luz da razão.

Para que esse dia chegue trabalham, dia a dia, incansáveisformiguinhas obreiras, os maçons. Esta a Grande ConspiraçãoMaçónica! Esta a Nova Ordem Mundial por que anseiam! Osmaçons e todas as pessoas de bem e livres de preconceitos!

Rui Bandeira

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Os limites da Tolerância

June 12, 2013

Quando se fala de Tolerância, é frequente vir à baila a questão dosseus limites. Existe alguma tendência para se considerar existiralgo de contraditório entre a Tolerância e a consideração deexistência de limites à mesma. A meu ver, esta é uma falsaquestão, que um pouco de reflexão facilmente resolve.

Antes do mais, é preciso entender que o conceito de Tolerância se aplica a crenças, a ideias, ao pensamento e respetiva liberdade, às pessoas e sua forma, estilo e condições de vida, mas nada tem a ver com o juízo sobre atos. Cada um de nós deve tolerar, aceitar e respeitar, independentemente da sua diferença em relação a si e ao seu entendimento, a crença alheia, as ideias e o pensamento de outrem, pois a liberdade de crença e de pensamento são expressões fundamentais da dignidade humana. Cada um de nós deve tolerar, aceitar e respeitar o outro, quaisquer que sejam as

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diferenças que vejamos nele em relação a nós, porque o outro éessencialmente igual a mim, não ferindo essa essencial igualdadeas particulares diferenças entre nós existentes. Mas não é dodomínio da Tolerância o juízo sobre os atos. O juízo sobre atosefetua-se em função da moral e das regras sociais e legaisvigentes.

Explicitando um pouco mais: tenho o dever de aceitar alguém que pense de forma diferente da minha, que tenha uma crença religiosa diferente da minha, uma orientação sexual diferente da minha, um estilo de vida diferente do meu. Mas já não tenho idêntico dever em relação a atos concretos desse outro que se revelem violadores da lei, da moral ou da própria noção de Tolerância. Designadamente, não tenho que tolerar manifestações de intolerância em relação a mim, às minhas crenças e convicções, tal como não só não tenho que tolerar como não devo fazê-lo atos criminosos, cruéis, degradantes ou simplesmente violadores das consensuais regras de comportamento social. Temos o dever de tolerar, de aceitar, a diferença - no estilo, nas ideias, nas crenças, no aspeto ou nas condições individuais. Por outro lado, temos o direito e o dever de ajuizar, de exercer o nosso sentido crítico, relativamente a ações concretas. Ninguém vive isolado da Sociedade e todos têm de cumprir as regras sociais que viabilizam a sã convivência de todos com todos. Consequentemente, é uma simples questão de bom senso que devemos aceitar, valorizar, integrar as diferenças. Quem é diferente, tem direito a sê-lo. Quem pensa diferente, tem o direito de assim fazer. Mas, por outro lado, o direito à diferença não

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legitima a atuação desconforme com as regras sociais, legais, morais, em vigor na Sociedade em causa. Ninguém pode pretender só gozar das vantagens sem suportar os inconvenientes. Quem vive em Sociedade tem o direito de exigir que esta e os demais aceitem as suas diferentes ideias, conceções, condição. Mas tem o correlativo dever de respeitar as normas sociais, legais e morais vigentes. Se o não quiser fazer, deve afastar-se para onde vigorem normas que esteja disposto a seguir. As Sociedades evoluem e é bom que assim seja. Também por isso é inestimável e rica a diferença. Também por isso devemos aceitá-la e aceitar que quem defende ideias ou conceções ou condições diversas da norma procure convencer os demais da bondade das suas escolhas. Isso é Liberdade, isso é Democracia. Nem uma, nem outra subsistem sem a indispensável Tolerância da Diversidade. Mas precisamente por isso - afinal porque quem quer e merece ser respeitado tem o dever de respeitar - o direito de defesa das ideias e convicções, o direito a tentar convencer os demais, o direito a pregar a evolução pretendida, não se confunde com qualquer pretensão de agir como se pretende, se em contrário da lei, do consenso social, da postura moral da Sociedade em que se está inserido. Resumindo: a Tolerância obriga a respeitar a Diversidade e a diferença; impõe a aceitação da divulgação, da busca de convencimento, mesmo da propaganda das ideias ou conceções diversas. Mas não que se aceitem condutas prevaricadoras do que está legal e socialmente vigente - enquanto o estiver. Por isso entendo que os domínios da Tolerância e do Juízo sobre os atos

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concretos são diferentes. As ideias, as conceções, as condiçõesconfrontam-se, debatem-se, mutuamente se influenciam, enfiminteragem no domínio da Liberdade e, assim, da mútua Tolerância.Os atos, esses, necessariamente que têm de respeitar oestabelecido enquanto estabelecido estiver. Se assim não for, oque é aplicável à violação do consenso social não é a Tolerância -é a Justiça, seja sobre a forma de Justiça formal, seja enquantocensura social seja no domínio do juízo individual. Portanto, onde tem lugar a Tolerância, esta não tem limites. Ondehá limites, sejam legais, sejam de normas sociais ou morais, não seestá no domínio da Tolerância, mas no domínio do tão justo quantopossível juízo concreto sobre atos concretos. Rui Bandeira

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Passagem, Elevação, Receção ou Colação? Elevação,Exaltação, Colação ou Receção?

June 19, 2013

Por vezes, a mesma situação ou ação é designada, entre osmaçons, por termos diferentes, sem que muitos deles seapercebam da origem ou da razão de ser das diferentesdesignações.

Por exemplo, alguns maçons costumam designar o acesso ao graude Companheiro e a respetiva cerimónia como a Passagem aCompanheiro; outros designam essa mesma ocorrência deElevação a Companheiro, outros referem tratar-se de uma Receçãoe outros ainda falam de uma Colação. Mas também é comum haverquem utilize a expressão Elevação para referir o acesso ao grau deMestre Maçom e respetiva cerimónia. Mas, neste caso, também háquem utiliza e expressão Exaltação, quem use a palavra Receção equem se sirva do termo Colação. Não é incomum, numa conversaentre maçons, por vezes até da mesma Loja, verificarmos autilização em simultâneo de todas estas palavras, para referir estasduas ocorrências.

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Mas, se passarmos da referência coloquial a uma análise maisaprofundada e perguntarmos a quem intervém na conversa qual otermo correto a utilizar, verificamos facilmente que as opiniões sedividem e não raro se estabelecem debates sobre a qual delas darprimazia. Se procurarmos aprofundar mais e perguntarmos a razãoda existência dessas diversas denominações, raramente obteremosuma resposta satisfatória.

Pois bem, a resposta para esta diversidade de denominações dosmesmos atos é muito simples, tão simples que alguns, obcecadospela busca em lugares longínquos, documentos antigos ou razõesesotéricas, se esquecem de olhar à sua volta: essa diversidaderesulta apenas do facto de existirem diversos Ritos e diferentesrituais na Maçonaria e ainda de cada Obediência elaborarsoberanamente os seus rituais, daí decorrendo, com algumafrequência, pequenas divergências - que, por vezes, decorrem desimples diferenças de tradução, outras de fixações de práticas emuso na respetiva Obediência, que constituem evoluções oucorruptelas de práticas mais antigas ou recolhidas em outroslugares, etc..

Se consultarmos os rituais do Rito Escocês Antigo e Aceite em uso na GLLP/GLRP, verificamos que o termo de Elevação é utilizado, quer para exprimir o acesso ao grau de Companheiro, quer ao grau de Mestre. Já os rituais do Rito Escocês Antigo e Aceito (note-se a diferença na última palavra...) em uso no Grande Oriente do Brasil usam o termo Elevação para o acesso ao grau de Companheiro, reservando para o acesso ao grau de Mestre o termo Exaltação. Mas se consultarmos os rituais do Rito Brasileiro em uso no Grande Oriente do Brasil, verificamos que aí se reserva o termo Passagem para a transferência dos trabalhos do grau de Aprendiz para o grau

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de Companheiro e deste grau para o grau de Mestre e se utiliza otermo Colação para o acesso do obreiro Aprendiz ao grau deCompanheiro e do obreiro deste grau ao grau de Mestre.Consultando os rituais do Rito de York em uso na GLLP/GLRP,verifica-se que o acesso do Aprendiz ao grau de Companheiro édesignado pelo termo Passagem (em consonância com o originalRito Azul anglo-saxónico) enquanto que o acesso do Companheiroao grau de Mestre é designado por Elevação. Finalmente - emrelação aos rituais que possuo em meu poder e que pude, assim,consultar -, nos rituais do Rito Escocês Retificado em uso naGLLP/GLRP, o Aprendiz que está em condições de progredir éRecebido Companheiro e o Companheiro pronto para avançar parao grau seguinte é Recebido Mestre e, consequentemente, asrespetivas cerimónias são designadas de Receção.

Por esta breve excursão por vários rituais, verificamos não haver, em bom rigor, que dar primazia a um termo sobre outros. Cada rito utiliza os seus termos, podendo haver variantes, mesmo dentro do mesmo rito, entre Obediências. Não há, assim, um termo "certo" para designar qualquer das duas ocorrências que aqui refiro. Obviamente que, dentro da mesma Loja, não faz muito sentido que se usem termos diferentes para designar a mesma realidade, devendo todos os obreiros dessa Loja ter em atenção que devem utilizar o termo em uso no respetivo ritual do seu Rito, por evidente questão de rigor. Em termos mais abrangentes, o que convém é que todos os maçons - pois convivem entre si maçons de todos os ritos e de todas as Obediências - conheçam as várias variantes existentes, para que saibam do que estão a ouvir falar, quando um destes termos vier à baila na conversa. E, quando porventura alguém não esteja familiarizado com algum termo, não hesite em

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perguntar... Entre Irmãos, perguntar algo não é nunca sinal defraqueza ou menor capacidade. É para isso e por isso que todos osmaçons se consideram mutuamente como Irmãos: para e por seauxiliarem mutuamente a suprir os desconhecimentos ouasperezas de cada um, assim ajudando a que todas as brutaspedras progressivamente ganhem forma e polimento...

Rui Bandeira

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Os "Taus" não são Taus ?

June 26, 2013

É comum ouvirmos designar as três formas geométricas quedecoram o corrente avental de Mestre Instalado por "Taus". Tau é adécima nona letra do alfabeto grego, graficamente muitosemelhante ao latino "T". É claro que já tinha notado que as ditasformas geométricas no avental de Mestre Instalado estavaminvertidas em relação à forma gráfica do Tau, apresentando oelemento vertical sobre o elemento horizontal, enquanto que na ditaletra do alfabeto grego o elemento horizontal está sobre o elementovertical. Mas confesso que não dei grande importância ao assuntoe não procurei aprofundar a razão da notada discrepância. Até querecentemente li um excelente texto de um não menos excelente econhecedor maçom brasileiro, Kennio Ismail, publicado, já desdeoutubro de 2011, no seu muito elucidativo blogue No Esquadro,com o título Desvendando o "Triplo Tau".

A tese exposta nesse texto pelo Irmão Kennio Ismail é que, afinal, as ditas formas geométricas não são Taus, não têm nada que ver com essa letra do alfabeto grego, antes reproduzem algo que tem

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diretamente muito mais que ver com a Maçonaria, uma ferramentautilizada pelos maçons operativos, especificamente o Esquadro T(em inglês: T-square), também designado por Régua T, ferramentaque, além de se utilizar para desenhar ângulos retos, é útil paradesenhar retas paralelas.

Como se vê pela imagem de duas réguas T, também há diferençaem relação à representação no avental de Mestre Instalado, nãoem relação à disposição dos elementos horizontal e vertical (já que,a régua T pode ser posicionada em qualquer sentido), mas emrelação à dimensão e proporção do elemento vertical,sensivelmente maior na régua T que na representação no avental.

Mas o raciocínio exposto pelo Irmão Kennio Ismail parece-melógico: uma vez que a simbologia maçónica é inspirada naMaçonaria Operativa e nas suas ferramentas, tem mais cabimentoque se considere que no avental está triplamente representadauma ferramenta do que uma letra grega...

Pontua seguidamente o referido Irmão que também o vulgarmentedesignado Triplo Tau do Arco Real

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não é afinal um Triplo Tau, mas sim um "T" sobre um "H", sigla de"Templum Hierosolymae", que em latim significa "Templo deJerusalém", ou seja, o Templo de Salomão.

Esta hipótese parece-me um pouco mais rebuscada. Ou seja,considero-a possível, mas não beneficiando da simplicidade dareferência direta a uma ferramenta operativa que, e a meu ver commuito peso, suporta o argumento anterior. Com efeito, entre váriasexplicações possíveis, a experiência mostra-nos que, na maiorparte das vezes, a mais simples é a correta. É isso que me fazpropender para a aceitação da tese de que as formas geométricasno avental de Mestre Instalado possivelmente representam réguasT e não Taus. Já no caso do Arco Real, a hipótese alternativa nãosó não tem a vantagem da simplicidade como apresenta adificuldade de o pretenso "H" estar muito deformado, demasiadolargo...

Não sou particularmente versado no Arco Real (a minha praia é o Rito Escocês Antigo e Aceite...) e assim abstenho-me de dar opinião definitiva sobre esta segunda situação. A meu ver, a melhor explanação sobre o assunto (ainda assim não conclusiva) é a que se encontra no artigo "1868 Sterling Silver Mark Master Keystone", que encontrei no também muito interessante sítio http://www.phoenixmasonry.org/, (administrado pelo

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ilustríssimo maçom Frederic L. Milliken) e de que traduzo apassagem mais relevante, no meu entendimento:

A Cruz de Taus, ou Cruz de Santo António, é uma cruz na forma deum Tau grego. O Triplo Tau é uma figura formada por três destascruzes unidas pelas bases, assim se assemelhando à letra "T"sobreposta na barra transversal de um "H". Este símbolo, colocadono centro de um triângulo inscrito num círculo - ambos símbolos daDivindade - constitui a joia do Arco Real, tal como praticado emInglaterra, onde é tão estimado que é considerado o "símbolo detodos os símbolos" e "o grande símbolo da maçonaria do ArcoReal". Foi adotado nessa forma como emblema do Arco Real peloGrande Capítulo Geral dos Estados Unidos em 1859. O significadooriginal deste símbolo tem tido variadas explicações. Algunssupõem que ele inclui as iniciais do Templo de Jerusalém, "T" e"H", Templum Hierosolymae; outros que é um símbolo da uniãomística do Pai e do Filho, "H" significando Jehovah e "T", ou a Cruz,o Filho. Um autor no Moore's Magazine engenhosamenteconsidera-o ser uma representação de 3 Réguas T, aludindo àstrês joias dos três Grão-Mestres (da Lenda da construção doTemplo de Salomão: Salomão, Hiram, rei de Tiro, e Hiram Abif).Também tem sido dito ser o monograma de Hiram de Tiro; e outrossustentam que é apenas a modificação da letra hebraica shin, queé uma das abreviaturas judaicas do Nome Sagrado.

Como se vê, interpretações há muitas... Quais são, nas duas situações, os significados corretos? No meu entendimento, também aqui se aplica o que eu considero dever ser a regra básica da interpretação simbólica em Maçonaria: não há significados obrigatoriamente corretos. Cada um analisará, tirará as suas conclusões, atribuirá a cada símbolo o significado que entender

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mais adequado. O significado correto para si é esse. O que nãoimpede que o significado correto para outro Irmão seja outro, totalou parcialmente diferente. Nos casos referenciados neste texto,para o Irmão Kennio Ismail, os significados corretos são os que eleindica, a régua T no avental e "T" sobre "H" no símbolo do ArcoReal. Quanto a mim, e no meu atual entendimento (em matéria deinterpretação simbólica considero estar permanentemente em workin progress), no avental concordo estar representada triplamente arégua T, mas, quanto ao símbolo do Arco Real, ainda me mantenhoao lado da interpretação mais difundida, do triplo Tau. E daí nãovem qualquer mal ao Mundo: a interpretação do Irmão KennioIsmail é a correta para ele, a minha é a que eu acho correta paramim. E ambos, ora aqui concordando, ali debatendo, vamospercorrendo os nossos caminhos que, sendo diferentes, vão namesma direção e têm muitos trechos comuns.

Rui Bandeira

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Contents

Dos Operativos aos Especulativos: um elo perdido 1

Dos Operativos aos Especulativos: Vitrúvio 6

Dos Operativos aos Especulativos: o catalisador 10

Justiça: Realidade ou Utopia? 14

Ajudam-se uns aos outros... 19

Maçonaria: história, lenda e mitos (republicação) 23

História (republicação) 27

Lenda (republicação) 31

Vá lá, vê se te decides... 35

Mitos (republicação) 37

O MAÇOM MATA ? 42

Irmãos em campos diferentes 45

A Ordem DeMolay 48

Maçonaria e Democracia 51

Força e Razão 55

O Vigésimo Segundo Venerável Mestre 58

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Reflexão 62

Os construtores da Utopia 67

O maçom, a vida e a morte 71

Lavagem solidária e cómoda 75

O Dever, caminho para a realização 79

O visível limite da Tolerância! 83

A trolha 87

Rui Clemente Lelé (26/8/1958-18/11/2013), maçomorganizado

90

Salomão Sequerra Amram (1933-2013), maçomdiscreto

95

Farinha do mesmo saco 98

Esquadro e compasso 102

Do problema que não foi, à solução pelo desafio 107

A morte. 112

Pavimento Mosaico 114

Boas Festas! 119

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Dos Operativos aos Especulativos: um elo perdido

July 03, 2013

Das várias teses sobre as origens da Maçonaria, a maisconsensualmente aceite é que esta, na sua forma atual, geralmentereferida como Maçonaria Especulativa, deriva das associaçõesprofissionais de construtores criadas na Idade Média. A essasassociações designamos hoje por Lojas Operativas e ao conjuntode todas elas e regulamentos da profissão então instituídosreferimo-nos por Maçonaria Operativa..

A forma como a transição ocorreu é normalmente referida como tendo decorrido da progressiva aceitação nas Lojas Operativas de elementos alheios ao ofício de construtor (proprietários,

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intelectuais), os chamados Maçons Aceites, que progressivamenteforam aumentando de número até dominarem as Lojas Operativase as transformarem nos centros de debate, estudo, fraternidade eaperfeiçoamento que hoje associamos ao conceito de modernaLoja maçónica.

Não colocando em causa, genericamente, este entendimento,sempre mantive algumas perplexidades sobre a forma de evoluçãoe, sobretudo, sobre a forma como a realidade antiga veio a gerarprecisamente a nova realidade, tal como a conhecemos. Desdelogo, esta hipótese da evolução dos factos, sendo possível parauma Loja, torna-se muito mais improvável para um conjunto deLojas, geograficamente dispersas. Quais as probabilidades de olento processo de integração de Maçons Aceites originar, mais oumenos ao mesmo tempo, o domínio por estes de todas as LojasOperativas geograficamente dispersas? E de lhes ser conferidas, atodas, precisamente as mesmas caraterísticas evolutivas? Pareceóbvio que a resposta deve ser um número muito próximo do zero...Algo falta. Falta, seguramente, um elo na cadeia factual, algo queveio a possibilitar e a favorecer a mudança.

As associações profissionais medievais, após o fim da Idade Média, o advento da imprensa e aumento da possibilidade de circulação e aquisição de conhecimentos, estavam em franco declínio. No início do século XVII, as Lojas Operativas estavam em processo de enfraquecimento, que, normalmente, levaria à sua extinção. As técnicas de construção e os conhecimentos geométricos a elas

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subjacentes não eram já monopólio dos construtores associados.Muitos outros sabiam construir e construíam e competiam pelaobtenção de contratos com os profissionais associados. Nesseclima, afigura-se-me que a aceitação de proprietários locais, deburgueses de outros ofícios ou intelectuais com prestígio local foiuma tentativa desesperada de procurar manter a máxima quota demercado possível na órbita das Lojas Operativas. Mas taldificilmente travaria o declínio e o inexorável caminho para o baúque a História reserva para o que perdeu a sua razão de existir.Com ou sem Aceites, as Lojas Operativas estavam condenadas.

Em toda a primeira metade do século XVII não há mudançassignificativas da situação. Em cada região, a respetiva LojaOperativa lutava pela sobrevivência e procurava juntar a sielementos estranhos ao ofício. Era através da convivialidade, daintegração social que os Operativos procuravam manter o seumercado, sempre acossados por construtores não associados,capazes e competitivos, designadamente, em matéria de preço.

Até que, na segunda metade do século XVII, algo muda! O que declinava, passou a florescer. Não só as Lojas Operativas, agora essencialmente conviviais, não desapareceram, como surgiram outras novas e os seus objetivos mudaram: de meras organizações profissionais, passaram a, com a marca distintiva da união e da fraternidade, centros de debate, estudo e auxílio mútuo no aperfeiçoamento (desde logo cultural e, genericamente, em matéria de aquisição de conhecimentos e competências). Mais: florescem

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nas zonas urbanas mais desenvolvidas. As quatro Lojas deLondres que decidiram unir-se na Grande Loja de Londres em 24de junho de 1717 não eram as únicas de Londres e Westminster.Em 1722, aquando da aprovação das Constituições de Andersonpublicadas em 1723, a Grande Loja de Londres agregava já vinteLojas. Era manifestamente impossível que quatro Lojas lograssemquintuplicar o seu número em escassos cinco anos. Logo, o quesucedeu foi a junção de outras Lojas, já existentes, ao projetoiniciado pelas quatro pioneiras. O que nos conduz à conclusão deque, seguramente, mais de uma dezena de Lojas existiam só nazona de Londres, no início do século XVIII.

Em meio século, em duas gerações, a vereda do declínio transforma-se na ampla estrada do crescimento. No entanto, o ambiente social era tudo menos propício! Entre 1640 e 1650, trava-se em Inglaterra uma dura guerra civil e religiosa, entre os católicos partidários dos Stuarts e os parlamentares, maioritariamente protestantes, liderados por Oliver Cromwell, no âmbito da qual Carlos I perde, literalmente, a cabeça e o seu filho, Carlos II, é obrigado a exilar-se, para que não sofra idêntica, e certamente inconveniente, perda. Em 1660, Carlos II logra retomar o poder para os Stuarts, o qual mantém até à sua morte, em 1685, mas sempre em confronto com os parlamentares. Em 1688-1689, dá-se a chamada Revolução Gloriosa, pela qual o sucessor de Carlos II, o católico Jaime II, é apeado do poder, em benefício de sua filha, Maria II e do seu genro, o holandês e protestante Guilherme, príncipe de Orange. São cinquenta anos de lutas, de tensão, de derramamento de sangue e de destruição, nada

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propícios a uma pausada e lenta transformação de estruturasvindas da idade Média!

Qual foi então o catalisador, o fator que transformou mais domesmo – o progressivo declínio das Lojas Operativas, afetadas domal da irrelevância pelo progresso e evolução sociais – numa novae pujante realidade, como se veio a revelar a Maçonaria, no meiode convulsão social, guerras e revoluções?

Veremos isso nos próximos textos!

Bibliografia

http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_civil_inglesahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_II_de_Inglaterrahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Gloriosa

Rui Bandeira

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Dos Operativos aos Especulativos: Vitrúvio

July 10, 2013

No texto anterior, expus o meu entendimento de que a tese clássicasobre a evolução da Maçonaria Operativa para a MaçonariaEspeculativa necessita de ser completada, designadamente com aindicação do que terá ocorrido que tenha funcionado comopropiciador e ou acelerador dessa transformação. A meu ver,houve, não um, mas dois fatores catalisadores. Um longínquo,temporal e geograficamente. Outro breve, dramático e gerador debrusca evolução.

Vejamos primeiro o fator longínquo. Para tal, deixemos os ingleses entretidos nas sua guerra civil, metaforicamente recuemos a 1414 e desloquemo-nos à neutral Suíça, mais precisamente à aprazível localidade de St. Gallen. Nesse tempo e lugar, o humanista florentino Poggio Bracciolini, descobre, na abadia beneditina local, um antigo manuscrito reproduzindo uma obra originalmente escrita por volta do ano 15 antes de Cristo, intitulada De Architecture. O seu autor? Marcus Vitruvius Pollio ou, como é comummente referido, Vitrúvio (o Homem de Vitrúvio, de Leonardo da Vinci,

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lembram-se?). Vitrúvio foi um arquiteto e engenheiro romano que escapou ao anonimato por causa da referida obra, um tratado sobre a arte da construção em dez volumes, abordando diferentes aspetos específicos da arquitetura e construção: (1) Sobre os conhecimentos necessários à formação do arquiteto; (2) Sobre os materiais e a arte da construção; (3) e (4) Sobre os edifícios religiosos; (5) Sobre os edifícios públicos; (6) Sobre os edifícios privados; (7) Sobre os acabamentos; (8) Sobre hidráulica e distribuição da água; (9) Sobre gnomónica nas edificações; (10) Sobre mecânica e os princípios das máquinas. A propósito do Livro 9: gnomónica é a ciência responsável por desenvolver teorias e reunir conhecimentos sobre a divisão do arco dia, ou trajectória do Sol acima do horizonte, através da utilização de projecções sobre superfícies específicas. Esta ciência é muito útil para a concepção e construção de relógios de sol, bem como cartografia (Projecção gnomónica) - definição retirada de http://tradutor.babylon.com/portugues/Gnom%C3%B3nica/. Era uma antiga ciência caldeia. O seu nome deriva de gnómon, que em grego significa "saber", "conhecer" e tratava sobre o universo, os planetas, as constelações, astrologia e a sua interpretação pelo homem. Vitrúvio escreveu no Livro I: "a partir da astrologia, o arquiteto conhece os pontos cardeais: oriente, ocidente, sul e norte; e também a estrutura do céu, dos equinócios, dos solstícios e dos movimentos orbitais dos astros. Se se ignora a Astrologia (termo que engloba a Astronomia), é absolutamente impossível que conheça a disposição e estrutura dos relógios" (de sol, obviamente). Na Mesopotâmia, o primeiro instrumento astronómico conhecido foi o mais simples, o gnómon, um pilar de pedra que

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terminava em ponta, com uma altura aproximada de 2,5 metros. Apedra espetada na terra recebia a luz do sol e gerava sombra,projetada no solo ou numa parede.

Em pleno Renascimento, muito rapidamente se difundemnumerosas traduções da obra de Vitrúvio por toda a EuropaContinental. Nela ressalta o retrato do que seria o “arquiteto ideal”,conhecedor de geometria, matemática, dos materiais, mas tambémde meteorologia, astronomia, música, medicina, ótica, filosofia,história, direito, mecânica, etc..

As traduções desta obra influenciaram grandemente os arquitetos,engenheiros e mestres construtores da Europa Continental, a partirdo Renascimento, no sentido de adquirirem competências maisabrangentes e tão completas quanto possível. Este aspeto dauniversalidade e abrangência do conhecimento do HomemCompleto encontramo-lo hoje em dia particularmente pontuado emdeterminada fase da evolução do maçom moderno e é,indubitavelmente, uma caraterística matricial da modernaMaçonaria.

No entanto, a grande influência que, sobretudo sobre os arquitetos,construtores e outros intelectuais europeus continentais esta obrade Vitrúvio exerceu, aparentemente passou ao lado dos maçonsoperativos britânicos. É o que se pode concluir do facto de osmanuscritos operativos até agora encontrados, do século XV ouposteriores, não mostrarem qualquer referência a esta obra ouintrodução, ainda que indireta, dos princípios atrás aludidos, nemdenotarem uma particular evolução cultural ou de abrangência deconhecimentos dos construtores associados nas Lojas britânicas.

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Podemos, portanto, estabelecer, com razoável segurança, que, emmeados do século XVII, a Maçonaria Operativa britânica denotavainsensibilidade aos princípios do Homem completo, da aquisição denoções das mais variadas ciências e ramos do conhecimentohumano. No entanto, cerca de meio século depois, o tempo deduas gerações, repito, verificamos que um dos pilares da ideologiada nascente Maçonaria Especulativa é precisamente esta noção daUniversalidade e abrangência do Saber, como um dos objetivos doaperfeiçoamento do maçom.

Em cerca de meio século, algo mudou - e drasticamente. É aquique entra o segundo catalisador que referi no início deste texto.Mas essa é matéria para o próximo texto...

Bibliografia

http://en.wikipedia.org/wiki/De_architecturahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Marco_Vitr%C3%BAvio_Poli%C3%A3ohttp://www.fau.usp.br/dephistoria/labtri/2.10livros.html

http://tradutor.babylon.com/portugues/Gnom%C3%B3nica/

http://www.arqweb.com/vitrum/gno1.asp

Rui Bandeira

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Dos Operativos aos Especulativos: o catalisador

July 17, 2013

No penúltimo texto, procurei demonstrar como algo falta na versãonormalmente aceite sobre a evolução da Maçonaria Operativa paraa Maçonaria Especulativa, como a simples aceitação de intelectuaisque, progressivamente, passaram a controlar todas as Lojasoperativas, ou quase, e, em quase perfeita sintonia temporal,modificaram a Maçonaria Operativa na realidade Especulativa quesurgiu, em todo o seu esplendor, no início do século XVIII, meparece não muito provável, em termos lógicos. Enunciei também ahipótese de que algo catalisou essa transformação.

No último texto, efetuei uma deriva à época do Renascimento e chamei a atenção para os efeitos que a descoberta da obra De Architectura, de Vitrúvio, e dos princípios nela expostos, particularmente logo no seu primeiro Livro, tiveram em parte apreciável da intelectualidade europeia continental, especialmente

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nos profissionais ligados à construção, arquitetos, engenheiros emestres construtores. Pontuei também que a documentaçãorelativa às Lojas Operativas britânicas não indiciava idênticainfluência. Concluí que, entre o mais do mesmo que se verificavana primeira metade do século XVII, no que toca às LojasOperativas britânicas, que irreversivelmente conduziria à suaextinção ou completa irrelevância, e a súbita florescência, emnovos moldes, no início do século XVIII, teria certamente quedecorrer um evento catalisador que justificasse essa improvávelmudança.

O que forçou então esta mudança? A meu ver, um segundocatalisador (considerando o primeiro, e longínquo, a influência, naEuropa Continental, das teses vitruvianas) e a evolução deledecorrente.

Refiro-me ao Grande Incêndio que destruiu Londres em 1666.

A destruição da cidade implicou a necessidade da suareconstrução. Reconstruir toda uma grande cidade implicou amobilização de grande número de construtores, não somenteexecutores da construção, operários, mas também arquitetos ediretores de obras. A necessidade excedeu a capacidade deresposta dos profissionais existentes em Inglaterra e houve umamigração maciça de profissionais continentais, franceses,flamengos, alemães, italianos, etc.. Entre eles, muitos arquitetos,engenheiros e dirigentes de obra, que traziam na sua matrizgenética profissional os princípios vitruvianos.

Naturalmente que este sangue novo – e abundante – de qualificados profissionais da construção, em época em que o que não faltava era trabalho, facilmente se misturou com os profissionais da construção existentes. Ou seja, naturalmente que

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este grande número de profissionais vindos da Europa Continentalse integrou nas Lojas operativas. E revitalizou-as. E trouxe-lhes aevolução de ideias, de princípios, de abrangência cultural quefaltava nos cultores do tradicionalismo operativo. E obviamente quefoi muito mais fácil para os operativos já existentes, por muitotradicionalistas, por muito imobilistas que porventura fossem,aceitar as inovações trazidas pelos colegas de ofício que, emvirtude das circunstâncias, se integraram nas Lojas Operativas, doque se lhes fossem impostas por maçons aceites, não integrantesdo ofício.

E evidentemente que esta evolução rapidamente conduziu as LojasOperativas para a grande transformação que, em apenas duasgerações, veio a ocorrer.

Em 1717, a transformação ideológica, de atitudes e de práticaspropiciada por estes dois aceleradores, os profissionais chegadosda Europa Continental em abundância para suprir as necessidadesdecorrentes da reconstrução de Londres após o Grande Incêndiode 1666 e as ideias de que eram portadores, estava completa. AMaçonaria Operativa consumava o seu desaparecimento, porcompleta desnecessidade social da sua existência, mas não pelasua extinção, antes pela sua transformação em algo de novo, depujante, com todas as condições para o crescimento explosivo queviria a ter nos dois séculos seguintes: a Maçonaria Especulativa.

E foi assim que, na minha tese, do velho se fez novo e diferente.

Bibliografia

São os franco-mações os herdeiros dos construtores de catedrais?, Jean-Michel Mathoniére, in Os Franco-Mações, Pergaminho, ,

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2003, tradução do original Les Francs-Maçons, Éditions Tallandier,Paris, 1998.

Rui Bandeira

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Justiça: Realidade ou Utopia?

July 24, 2013

É recorrente a pergunta de quem está de fora da Maçonaria: o quefazem os maçons quando se reúnem? É também percetível algumceticismo quando respondemos que talvez a parte mais importantedo nosso labor é apresentar ou ver apresentar e discutir trabalhossobre diversos temas, sem nenhum objetivo específico, a não ser ailustração, a aprendizagem, a melhoria de cada um de nós e detodos.

Não há nada melhor do que o exemplo. Há algumas semanas, um Irmão contactou-me pedindo-me algumas ideias que o ajudassem a elaborar um trabalho que ele preparava para apresentar em sessão de Altos Graus. O tema era o que constitui o título deste texto, já

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que o grau em que se destina a apresentação da prancha trabalhae investiga com particular interesse a noção de Justiça.

Decidi que a melhor maneira de contribuir com algumas ideiasseria eu elaborar algo que tivesse o nível de uma prancha apta aser lida em Loja no grau de Aprendiz, pois isso certamente lheabriria pistas e horizontes para ele desenvolver no seu maisexigente plano de trabalhos.

E decidi também que era uma boa oportunidade de mostrar umexemplo de um trabalho apto para ser apresentado em Loja,designadamente no grau de aprendizagem. Fica assimexemplificado que tipo de temas, fora do simbolismo, pode serapresentado e trabalhado e discutido em Loja.

Justiça: realidade ou Utopia?

A primeira dificuldade é definir Justiça. Justiça não resulta do merocumprimento da Lei. É algo anterior à Lei, que a Lei procura atingir.Justiça é composição de interesses segundo os méritos de cadaum. Mas também atendendo às necessidades de cada um, emcerta medida. Justiça é a concretização da Ética, a conciliação deinteresses divergentes, a paga do erro e o prémio do mérito.

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Justiça é um ideal - e, sendo-o, é necessariamente uma utopia.

Justiça é um valor bem real, que deve nortear os homens e asinstituições - e, assim sendo, não pode deixar de ser umarealidade.

Como é então possível que a Justiça seja, ao mesmo tempo,realidade e utopia? Pela mesma razão que a Felicidade é utopia,mas ser feliz é uma possibilidade bem real.

Há que distinguir entre o arquétipo de Justiça - que pertencenecessariamente ao domínio da Utopia, como todos os arquétipos -e a concretizável e concretizada Justiça humana e das instituiçõesaplicada dia a dia, o melhor possível.

Os maçons devem sentir-se bem com esta dualidade. Afinal decontas, perseguem, dia a dia, um objetivo por definição impossível,a Perfeição. O que não os impede de procurarem, dia a dia,aproximar-se um pouco mais dessa impossibilidade. Portanto, osmaçons sabem, ou devem saber, muito bem como distinguir ecompatibilizar a Utopia e a Realidade...

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A Justiça ideal é, por definição, perfeita. E, portantonecessariamente, do domínio da Utopia.

Mas a Justiça aplicada, aquela que laboriosamente as Sociedadesprocuram garantir e os homens obter, essa é bem real, essa é aque, em cada momento, é possível obter, se consegue fazer. Essaé a Justiça real.

É obviamente errado deixar de prosseguir a realização da Justiça,no dia a dia, mesmo sabendo-se que essa prossecução ourealização não poderá deixar de ser imperfeita, só porque se tem anoção de que a Justiça ideal é inatingível em pleno, énecessariamente utópica. Fazê-lo seria condenarmo-nos a deixarmedrar a injustiça, a violência, o arbítrio. A Justiça real é sempre einapelavelmente um menos em relação à Justiça ideal, utópica.Mas esse menos é o que temos, o que conseguimos construir eque é indispensável que possamos desfrutar - sob pena desofrermos a anarquia do arbítrário.

Quanto mais desanimarmos de prosseguir a busca da Justiça, sóporque verificamos que nunca é realmente possível atingir a utopiado arquétipo da Justiça, menos Justiça na realidade temos econstruímos e desfrutamos. Quanto mais perseverarmos no esforçode ser mais justos, de fazer vingar a Justiça que nos for possívelobter e acarinhar e fazer medrar, mais perto estamos do ideal. Emelhor estaremos, quer como Sociedade, quer individualmente.

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Porque a Justiça é condição de Ordem. É indispensável aoProgresso. É imanente à fruição da vida em Sociedade. Em tudoestá a Justiça. Em tudo ela pode faltar. A nossa tarefa é que, ondeela falte, passe a haver; onde haja, buscar melhorá-la. Todos osdias. Dia a dia. Todos nós. Cada um de nós.

Justiça: realidade ou utopia?

A pergunta está mal feita!

Porque a resposta é - Justiça: Realidade E Utopia!

Rui Bandeira

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Ajudam-se uns aos outros...

July 31, 2013

Uma das vantagens de se ser transparente em relação à condição de maçom é a possibilidade de dialogar sobre Maçonaria com pessoas que preenchem praticamente todo o espetro de simpatia (ou antipatia) em relação à Instituição - desde os que a apreciam, aos que a respeitam, aos que gostariam de entrar nela, aos indiferentes, aos que pensam mal dela porque não conseguiram nela ser admitidos, aos que não gostam dela mas não sabem bem porquê, aos desconfiados, até aos ferozes opositores. Porque gosto de trocar ideias, porque pratico efetivamente a Tolerância e respeito sempre as ideias alheias, mesmo quando (e especialmente quando) são contrárias às minhas, consigo conversar sobre Maçonaria com todos, exigindo apenas que a conversa decorra calma, serena e sem derivas de má-criação. Às vezes, consigo ver o meu interlocutor a evoluir na sua ideia inicial; outras, sinto que que o enquistamento de ideias é tão profundo e tão cerrado que seria preciso muita água mole naquela cabeça dura para lograr um pequeno furo por onde passe um pensamento levemente

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diferente... Mas, hélas, não se pode ganhar sempre...

Sempre que falo com quem não aprecia particularmente aMaçonaria, seja por desconhecimento, desinformação ou legítimaconvicção, é recorrente ouvir, mais tarde ou mais cedo, o mesmoargumento: os maçons ajudam-se uns aos outros...

Quando esta música toca, começo logo a dançar! A minha respostaé sempre a mesma, e o mais rápida e incisiva possível: "poisajudam; e que mal é que o meu amigo vê nisso?".

Duas vezes em três, o meu interlocutor começa logo a gaguejar!Ele, que esperava ferir-me duro golpe com aquela conversa e eu,não só não nego, como confirmo e lhe exijo que demonstre qual oproblema!

Prossigo logo no contra-ataque, que a rapidez é essencial! O meucaro interlocutor, entre a família e um estranho, quem favorece? Setiver possibilidades de obter um emprego para alguém, emigualdade de capacidades dos candidatos, dá-o a um amigo ou aum inimigo? Entre um vizinho e um estranho, quem é que ajuda emprimeiro lugar? Se estiver a ver um jogo escolar, torce pela equipado filho ou pela equipa contrária? E vou por aí fora o tempo que forpreciso e que a imaginação do momento me permitir.

Deixemo-nos de hipocrisias! O homem é um animal gregário pornatureza. A sua natureza gregária fá-lo inserir-se em grupos:família, vizinhos, colegas, amigos, o que se queira. Ser gregário eintegrar-se em grupos necessariamente que implica a distinçãoentre "nós" e os "outros", o nosso grupo e o grupo alheio.

E, sempre que existe a integração em grupos - e isso é virtualmente SEMPRE, pois o Homem é, por natureza, um animal social -, inevitavelmente que preferimos os "nossos" aos outros, que naturalmente estamos em sintonia com os nossos grupos, que,

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sempre que a questão se puser, e em igualdade de circunstâncias,damos preferência a alguém do nosso grupo em detrimento dequem a ele não pertence.

Isto faz parte da natureza humana e venha o mais pintado dizer-meque com ele não é assim! Se o fizer, fica já a saber que eu sópondero duas alternativas: ou pensar que é mentiroso; ou dizer-lheisso mesmo na cara! E isto sou eu, que sou um tipo tolerante...

Portanto, deixemo-nos de tretas! Os maçons ajudam-se uns aosoutros, sim. Dão preferência aos Irmãos sempre que podem e emigualdade de circunstâncias, pois dão. E não fazem mais do que asua obrigação! É essa a natureza humana e agir conformementecom a nossa natureza é atuar como o Criador nos fez! Ajudam-seuns aos outros os maçons como se devem ajudar uns aos outrosos familiares, os colegas, os amigos, os vizinhos, etc.!

Aceito perfeitamente que haja quem não goste da Maçonaria e dosmaçons! Se todos gostássemos da mesma coisa, este mundo erauma sensaboria! Mas, pelas alminhas!, quem não gosta dosmaçons, faça ao menos o esforço de não gostar por razõesinteligentes!

E com esta me vou de férias! Em agosto não escrevo, que férias é isso mesmo, fazer o que normalmente não se faz no resto do ano e não fazer o que nos empenhamos em fazer no tempo normal. Mas, como não quero que falte nada a quem já se habituou a visitar este espaço, já providenciei para que, em cada uma das quartas-feiras de agosto, à hora habitual, seja republicado um texto já antigo, que "pesquei" do arquivo do blogue. Assim, mato três coelhos com a mesma cajadada: dedico-me ao meu dolce far niente, mantenho o hábito de pelo menos uma publicação semanal no blogue (já que isto, em matéria de co-autores, anda uma secura danada...) e dou

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nova visibilidade a textos antigos que acho merecedores de seremrelidos por quem já os leu e descobertos por quem os desconhecia.

Portanto, se Deus quiser... e eu continuar para aqui virado... atésetembro e entretanto, como dizia o saudoso Solnado, façam ofavor de ser felizes - que eu tento fazer o mesmo!

Rui Bandeira

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Maçonaria: história, lenda e mitos (republicação)

August 07, 2013

(Este texto foi originariamente publicado no blogue A Partir Pedra em 19 de janeiro de 2009) Quer para os seus cultores, quer para os seus detratores, a Maçonaria significa mais do que o seu dia a dia apresenta aos que nela buscam ferramentas para o seu aperfeiçoamento pessoal. A Maçonaria, instituição com centenas de anos, influenciou tanta gente de valor, tanto progresso da humanidade, tanta evolução da sociedade, que progressivamente ganhou uma aura - de prestígio, de honra, de valor, para os seus cultores; de perigo, de conspiração, de influência malfazeja, para os seus detratores - que supera, creio, a realidade. E esta é já muito gratificante! A Maçonaria ultrapassa hoje os maçons e o seu conjunto. Confere-se-lhe poder e influência superiores aos que realmente

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detém. O principal objetivo da Maçonaria - o aperfeiçoamento moral e espiritual dos seus membros - parece demasiado modesto, quer em relação aos feitos passados, quer à alegada capacidade presente, quer aos (ansiados ou temidos, consoante os casos) propósitos futuros. Não duvido que a Maçonaria, pela elevada craveira dos seus milhões de membros, possua potencialidades de influenciar grandes mudanças e progressos (ou, segundo os seus detratores, diabólicos planos e retrocessos...). Interrogo-me se deseja desenvolver e aplicar, enquanto organização, essa potencialidade (ao invés de, formados, melhorados, mudados os seus membros debons para melhores, ser cada um destes a contribuir, por si, para o progresso e a melhoria, material e espiritual, da sociedade em que se insere). Duvido, muito fortemente, que, se o desejasse, fosse uma opção sensata. Mas, para o bem e para o mal, bem vistas a realidade e as ilusões, a Maçonaria é vista, por cultores e detratores, com uma dimensão e influência superiores às que efetivamente detém. Resulta, a meu ver, esta situação, do facto de a Maçonaria, pelas circunstâncias em que cresceu e se desenvolveu, ter constituído e constituir um ponto de convergência de três planos distintos: o plano histórico, ou real, o plano lendário, ou surreal, e o plano mítico, ou imaginário. Esta convergência destes três planos, que em princípio se teriam por contraditórios e inconciliáveis, é, por exemplo, claramente aparente, quando se busca informação sobre as origens da Maçonaria: no plano histórico, a Maçonaria tem as suas origens nas associações medievais e pós-medievais de construtores em pedra, em especial segundo a forma e prática que assumiram nas

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Ilhas Britânicas; no plano lendário, a origem da Maçonaria remonta à época da construção do Templo de Salomão; no plano mítico, surgem-nos as mais variadas e fantasiosas origens: desde os Templários, aos sacerdotes e mistérios egípcios, ao culto mitraico, encontramos origens míticas da Maçonaria, para todos os gostos e paladares. Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, esta mistura de planos inconciliáveis não constitui um mal, um defeito. Na minha opinião, é uma mais-valia. Porque permite que na Maçonaria confluam os planos da avaliação racional, do sonho e da imaginação. Tendemos a esquecer que a Razão, sendo obviamente importante, sendo essencial, não é tudo, que o Instinto, a Inteligência Emocional, a Imaginação, constituem também dimensões essenciais do todo que cada ser humano é e todos têm um papel na sua evolução, na sua melhoria, no seu aperfeiçoamento. Um ser exclusivamente racional tende a hipervalorizar a lógica e a ser frio, a esquecer o sentimento. A capacidade racional do homem deve ser complementada pelos outros planos e valências referidos, sob pena de a queda no hiperrealismo significar o enlear no imobilismo. Inerentes à evolução, ao progresso, pessoal e social, estão as capacidades de sonhar, de imaginar. Por cada mil sonhos loucos, um revelar-se-á, não só viável, como meritório; o produto da mais desbragada imaginação normalmente são castelos na areia, ou flutuando no ar, mas, de quando em vez, o jogo entre a mente humana e a sua imaginação faz com que surja uma situação em que o Mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança...

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Portanto, uma das riquezas da Maçonaria, a razão por que esta étida com mais capacidade do que a que detém, é esta confluênciaem si dos três planos: histórico ou real, lendário ou surreal e míticoou imaginário. Nos próximos textos, procurarei referir-me a cada um destes trêsplanos, em relação à Maçonaria. Rui Bandeira

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História (republicação)

August 14, 2013

(Este texto foi originariamente publicado no blogue A Partir Pedraem 20 de janeiro de 2009)

A Maçonaria dá uma crescente atenção à sua História. Pela mesma razão que cada sociedade o deve fazer: os sucessos passados são a base da situação presente e as lições para as atuações futuras. Conhecer a sua História é beneficiar de uma aprendizagem duramente feita, ao longo de séculos. E uma parte dessa aprendizagem foi a conveniência de distinguir entre o que é História da Maçonaria e o que são histórias à roda ou inspiradas na Maçonaria. Esta aprendizagem fez-se na Maçonaria como se fez na sociedade. Ainda no século XIX, a História (com H maiúsculo), em resultado da cultura baseada no Romantismo da época, pouco mais era do que a narração de episódios épicos envoltos em véus tecidos pela imaginação, que realçavam as qualidades dos que na época eram incensados. A evolução da Ciência Histórica gradualmente habituou-nos à necessidade de fixação de factos e ações em função das provas documentais ou de outra natureza

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existentes. Por vezes caindo-se porventura no extremo oposto darecusa de dar por assente determinado facto ou ação, porque senão encontrava prova considerada bastante para o ter comoverificado, em exagero que dá um novo e particular e enviesadosignificado à expressão Tribunal da História...

Da época em que a pesquisa histórica se enleava com aimaginação romântica, sobram-nos alguns mitos, que, à falta decomprovação, pelo menos nos estimulam os egos e a imaginação.O rigor histórico dos dias de hoje permite estabelecer, com algumpormenor e o devido rigor, o crescimento e a evolução daMaçonaria, desde a fundação da Premier Grand Lodge de Londres,em 1717, até à contemporaneidade. Neste período, já significativo,a tarefa do investigador histórico está facilitada pelo profuso acervodocumental que os maçons se habituaram a deixar para aposteridade. Só o facto de ser rotineira, desde há séculos, aelaboração e guarda de atas registando os sucessos ocorridos nasreuniões das Lojas facilita enormemente o trabalho do investigador.Em muitos casos, poder-se-á até dizer que o problema porventuraserá já o oposto: o excesso de documentação, que dificulta, quiçátorna impraticável, normalmente, a análise de toda a documentaçãoe a extração das pérolas de interesse histórico do meio daimensidão de registos de reuniões banais de gente vulgar tomandodecisões corriqueiras.

Já quando se busca conhecer as origens históricas da Maçonaria as dificuldades são maiores. Os documentos e registos não abundam e rareiam mais à medida que se recua no tempo. O manuscrito mais antigo relacionado com a Maçonaria que se conhece é o Poema Regius, de finais do século XIV, um poema sobre os deveres morais, divulgado nos tempos modernos por

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Halliwell-Phillips numa comunicação, intitulada Da Introdução daMaçonaria em Inglaterra, apresentada na sessão de 1838-1839 daSociedade de Antiquários. O manuscrito do poema é, por essefacto, também por vezes referido como Manuscrito Halliwell (veraqui alguns elementos sobre o poema Regius,incluindo atranscrição do seu teor, em inglês arcaico e a sua "tradução" para oinglês moderno).

Através deste documento, confirma-se que as Lojas dascorporações de construtores em pedra, os maçons que hojedesignamos por operativos, existiam organizadamente no séculoXIV e, mais importante, que já nessa época, não se preocupavamunicamente com a guarda, transmissão e aprendizagem dastécnicas de construção (algumas avaramente guardadas, como, porexemplo, a forma prática de tirar ângulos retos, imprescindível paraque os edifícios fossem construídos com os cantos efetivamente a90 graus e não ficassem com as paredes tortas, em aplicação dachamada 47.º Proposição de Euclides, a formulação geométrica do- agora - bem conhecido Teorema de Pitágoras), mas evidenciavamtambém interesse pelas regras de comportamento moral. Ou seja,o mais antigo documento relacionado com a Maçonaria mostra-nosque os maçons operativos já começavam a ser tambémespeculativos, muito antes da transformação das instituições daMaçonaria Operativa na moderna Maçonaria Especulativa.

Os documentos históricos disponíveis e analisados indicam que a moderna Maçonaria Especulativa tem o seu início nos séculos XVII-XVIII nas Ilhas Britânicas, mediante evolução das Lojas das corporações de construtores em pedra pré-existentes. Os construtores (que não tinham só preocupações profissionais, mostra-nos o Regius) foram paulatinamente aceitando entre si

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elementos não pertencentes à profissão (senhores que osprotegiam e que lhes davam trabalho, depois intelectuais queconsideravam e que, pelo seu prestígio local, valorizavam as suasLojas), originando uma surpreendentemente rápida transição daMaçonaria Operativa para a moderna Maçonaria Especulativa.Simbolicamente, marca-se o início formal desta através daconstituição da Premier Grand Lodge de Londres, em 1717. Mas,na época, e antes, havia outras Lojas, para além das quatro Lojasde Londres fundadoras dessa Grande Loja, designadamente, naEscócia, na Irlanda e na região de York. Da Maçonariapré-estabelecida na região de York reclama-se herdeira - e maisantiga Grande Loja do Mundo - a relativamente pouco conhecida (enão reconhecida pela UGLE e pela Maçonaria Regular) The GrandLodge of All England at York.

Desde a fundação da Premier Grand Lodge, a evolução histórica daMaçonaria até aos dias de hoje é bem conhecida.

Rui Bandeira

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Lenda (republicação)

August 21, 2013

(Este texto foi originariamente publicado no blogue A Partir Pedraem 21 de janeiro de 2009)

Lenda é uma história romanceada. Normalmente partindo de um facto historicamente ocorrido ou referindo-se a um personagem que efetivamente existiu, constroi-se uma história mais rica, mais pormenorizada, mais interessante, que embeleza e enriquece o facto em que se baseia ou que engrandece ou particularmente qualifica o personagem que refere.

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Na lenda parte-se da realidade e vai-se para além desta. Parte-se do que foi e chega-se ao que se gostaria que tivesse sido. Vai-se do real para o surreal (mais do que o real; para além do real). A lenda é sempre mais interessante, mais bela, mais apelativa à nossa imaginação e à nossa afetividade do que a realidade. A lenda é melhor do que a realidade. Só assim se justifica. Só assim existe. Só assim persiste. A lenda é a melhor homenagem que a mente humana pode prestar à realidade. Um personagem valoroso, fora do comum, que se destaca, pode tornar-se um personagem lendário. Um acontecimento, porventura banal, quiçá trivial, mas que impressiona o intelecto, emociona a mente, desperta a imaginação, pode, com o passar do tempo, assumir uma dimensão lendária. Porque a lenda vai para além da realidade, e portanto é melhor do que a realidade, mais bela, mais apelativa, mais memorável, facilmente a lenda perdura mais do que o real. E representa melhor os mais nobres ideais do homem. Todas as organizações humanas da maior relevância, mais tarde ou mais cedo assumem uma dimensão lendária, umas vezes coexistindo com a realidade, outras vezes apropriando-se desta e substituindo-a. Também a Maçonaria tem a sua dimensão lendária, com especial relevância e particular importância no seu ideário. A moderna Maçonaria Especulativa baseia o seu simbolismo fundamental na Lenda de Hiram. Não vou aqui revelá-la, embora ela esteja profusamente publicada. A Lenda de Hiram tem a sua

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origem no episódio da construção do Templo de Salomão, relatado na Bíblia, no Livro dos Reis e também referenciado nas Crónicas. Conforme se pode ler num interessante trabalho de Ethiel Omar Cartes González , maçon da Loja Guatimozín 66, da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo (Brasil), publicado na reconhecidaPietre-Stones, Revue of Freemasonry, na Bíblia é mencionado Hiram como Hirão de Tiro, (Reis 7, 13) ou Hurão Abiú sendo Hurão, meu pai, (Crônicas 2,13) filho de uma mulher viúva, filha de Dã e que, junto com ser um homem sábio de grande entendimento, sabia lavrar todos os materiais. Mas a Bíblia não credita a Hiram Abif o cargo de diretor dos trabalhos de construção do Templo e sim como um artífice encarregado de criar as obras de arte que iriam a causar admiração aos visitantes. (De passagem: é esta referência bíblica a origem da expressão filhos da viúva, com que os maçons se autodenominam.) A Lenda de Hiram, trave-mestra dos ensinamentos transmitidos num dos graus da Maçonaria Azul e pretexto de desenvolvimentos em vários dos Altos Graus, sejam do Rito de York, sejam do Rito Escocês Antigo e Aceite, é indubitavelmente uma peça central do ideário maçónico. Apesar de todos lhe reconhecerem a natureza de lenda, a mesma é pretexto e instrumento e ferramenta para extrair e trabalhar muitos símbolos fundamentais da maçonaria, muitos ensinamentos a obter e desenvolver. Um maçon, após lhe ser transmitida a Lenda de Hiram, pode - e deve! - levar muitos anos a estudá-la, a analisá-la, a compreender os significados dos símbolos por ela mostrados ou sugeridos, e disso tirar grande proveito pessoal, moral e espiritual. A Maçonaria não é só - longe disso! -

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a Lenda de Hiram. Mas a Lenda de Hiram, e os ensinamentos quepossibilita e proporciona, é muito, muitíssimo, na Maçonaria. A propósito de lenda: também a Loja Mestre Affonso Dominguestem como trave-mestra da sua existência uma lenda: a lendada Abóbada, incluída pelo grande Alexandre Herculano nassuas Lendas e Narrativas, na qual o escritor nos apresenta opersonagem de Mestre Affonso Domingues (que historicamente écerto que foi um dos arquitetos do Mosteiro da Batalha), elevando-oà imortalidade lendária, com o episódio do fecho da abóbada daBatalha e a subsequente morte do velho Mestre, após três dias deisolamento sob esta, como prova de confiança de que a mesmanão derrocaria e a emblemática tirada de que a abóbada não caiu;a abóbada não cairá. Também nós, esforçados maçons da LojaMestre Affonso Domingues nos honramos muito do nosso patronoe da sua dimensão lendária e, confiantemente, declaramos que, emrelação à nossa querida Loja, nem a abóbada cairá, nem as suascolunas abaterão, enquanto existirem, pelo menos, sete membrosda Loja à face da Terra. Rui Bandeira

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Vá lá, vê se te decides...

August 27, 2013

Em época de republicações apareço eu, como sendo também um“republicado”, desde quando ? Desde há muito tempo !!!

Sou pedra dura, serei mesmo calhau, grosso, pesado, duro departir e tenho durado todo este tempo (há anos) acompanhando os“dizeres” e “desdizeres” deste belo “A-Partir-Pedra”, cada vez maisbelo, cada vez mais cumprindo o objetivo esclarecedor,desmistificador para que foi criado e que os meus Queridos Irmãostêm mantido (bem hajas RUI, e Zé, e Paulo, e ...) e desenvolvido.

Tenho andado por outras andanças da escrita e do pensamento,materialmente longe do “A-Partir-Pedra”, ideologicamente eespiritualmente integrado nele.

E hoje resolvi sair desta lonjura física e aproximar-me.

A razão está num vídeo que me caiu no “Outlook”, certamente talcomo caiu nos Vs. também, (estas coisas costumam ser virais...) mas, cumprindo ensinamentos da minha avó, mais vale repetir doque faltar !

Assim trago ao blog um vídeo de autor brasileiro, especialista em“Motivação”, engenheiro e advogado (esquisito...), Presidente daVerde Ghaia, do Instituto Oksigeno, autor do projeto literárioSemente Ecológica, fundador e incentivador de mais uma “dúzia”de outras entidades e projetos, sempre na área da ecologia e doequilíbrio natural.

Aqui vão alguns apontamentos/reflexões. Tem tudo a ver connosco.

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J.PaivaSetúbal

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Mitos (republicação)

August 28, 2013

(Este texto foi originariamente publicado no blogue A Partir Pedraem 22 de janeiro de 2009)

Se a lenda parte da realidade para a superar, o mito cria-se e perdura independentemente da realidade. A única ligação que existe entre a realidade e o mito é que aquela é o pretexto para o surgimento deste, muitas vezes como forma de explicação do que nela se não entende. Quando o homem não consegue explicar uma realidade, cria um mito que lhe dá a ilusão do conhecimento que lhe falta.

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Muitos mitos originam religiões. A mitologia grega do Olimpo e dos seus deuses era a base da crença religiosa dos gregos da Antiguidade. Da mitologia grega deriva a mitologia romana e os seus deuses. Mito e lenda casaram-se e tiveram como fruto da sua união clássicos da Literatura, o maior exemplo dos quais é a Ilíada, o poema épico em que se narra a guerra e a queda de Tróia, quer no plano (lendário) das lutas entre os homens, Aquiles e Heitor acima de todos, quer no plano (mítico) da confrontação entre os deuses, uns defendendo Tróia, outros ao lado dos gregos. O mito é produto da imaginação. É grandioso. Épico. Maravilhoso. Mitifica-se o que se desconhece e nos parece importante. Também na Maçonaria o plano mítico teve e tem o seu lugar. Desconhecendo-se a origem da Maçonaria, e não se dispondo dos meios científicos que a modernidade colocou ao alcance do historiador, também em relação a essa origem nasceram e subsistem mitos. De alguns sabemos hoje a origem. Como surgiram outros, só podemos tentar adivinhar - mas esse é terreno perigoso, não vá a adivinhação originar mito sobre a origem do mito... Surgiram mitos de que a Maçonaria seria herdeira dos Mistérios de Elêusis, ou dos Mistérios Esotéricos Egípcios, ou do Culto Mitraico, ou ainda continuadora da Escola Filosófica Pitagórica. Sem esquecer várias vertentes da Tradição Oriental (afinal de contas, os maçons buscam a Luz no Oriente...). Enfim, à míngua de certezas, as mais variadas e mirabolantes hipóteses são afirmadas como se

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certezas fossem, esquecendo-se que a busca da Humanidade pela compreensão dos mistérios da Vida e da Criação vem dos primórdios da sua existência, de todas as civilizações, do norte, do sul, do oriente e do ocidente e que é inevitável que interrogações comuns originem tentativas de explicação essencialmente semelhantes, em várias épocas e lugares. Poder-se-á sempre descobrir pontos de contacto entre a Maçonaria e as mais diversas Tradições. Isto não implica que a Maçonaria descenda ou suceda a esta, àquela ou aqueloutra Tradição. Prova apenas que a Interrogação Fundamental é a mesma, em todos os tempos e todos os lugares. Mas talvez o mais famoso e persistente mito sobre a origem da Maçonaria seja aquele que a declara herdeira dos Templários, através dos sobreviventes do massacre de Filipe, o Belo, que lograram fugir para a Escócia e aí reconverter a sua Ordem de cavalaria na Ordem Maçónica. Este mito é ainda hoje muito disseminado, havendo maçons que piamente creem nas raízes templárias da Maçonaria. Também o mundo profano á sensível a este mito, como abundantemente foi demonstrado com as sequelas da obra de ficção O Código da Vinci, do autor americano Dan Brown e das variantes associadas àRosslyn Chapel. Porém, este é um mito cuja origem é perfeitamente conhecida. Mais, sabe-se inclusivamente quem o criou e lançou e os motivos por que o fez. O mito da origem templária da Maçonaria deve-se a Andrew Michael Ramsay, também conhecido por Chevalier Ramsay, um intelectual da pequena nobreza escocesa do século XVIII, que viveu grande parte da sua vida adulta em França. Ramsay foi

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maçon - é sabido. Menos conhecido é o facto de que foi também consagrado Cavaleiro da Ordem de S. Lázaro de Jerusalém, originalmente uma Ordem Militar das Cruzadas, criada para proteger os peregrinos cristãos a Jerusalém. Em Inglaterra, a Maçonaria, originariamente oriunda de uma classe profissional, com a sua evolução para a moderna Maçonaria Especulativa, rapidamente ganhara o apreço da classe nobre. Se o primeiro Grão-Mestre da Premier Grand Lodge foi um desconhecido e vulgar Anthony Sayer, de quem muito pouco se sabe e, entre isso, que, após o seu mandato de Grão-Mestre, por duas vezes recebeu ajuda financeira, o que revela que não dispunha de meios de fortuna e passou, mesmo, por dificuldades, logo em 1721 assumiu o ofício de Grão-Mestre Lord Montagu, o primeiro de uma longa linhagem de nobres ingleses (e, a partir de certas altura, nobres da Casa Real) que, até aos dias de hoje, detêm o mais alto ofício da hoje Grande Loja Unida de Inglaterra. A Maçonaria foi introduzida em França em 1725-1726. A sua expansão neste país dependia de uma similar adesão da classe nobre. Porém, os nobres franceses dificilmente se deixariam seduzir por uma organização resultante da associação de operários construtores... Um dos grandes divulgadores da Maçonaria em França, nesta época inicial foi precisamente Ramsay. Em 1737, Ramsay escreveu um discurso, destinado a ser proferido perante uma assistência de nobres, que veio a ficar célebre, no qual associava a Maçonaria às Cruzadas e proclamava residir a origem da Maçonaria nas Ordens de Cavalaria criadas para conquistar e defender a Terra Santa, designadamente os Templários. Estava

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criado o mito... e garantida a adesão da nobreza francesa a umaorganização com tão ilustre pedigree... Rui Bandeira

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O MAÇOM MATA ?

August 31, 2013

Mais uma vez com recurso ao que me cai na caixa do correio (nãoa dos CTT, mas a da "net") trago ao "A-Partir-Pedra" um textozinhoque tem tanto de curto como de simples.Como diria alguém, "curto e grosso".Neste caso será "curto e simples".Dá para facilitar o nosso contacto em tempo de fim de semana e defim de férias (para os que as tiveram...).Aqui fica, de autor que desconheço:

Esta semana fui procurado por um jornal institucional, visandodescobrir “os segredos” e se realmente o demónio faz parte daMaçonaria. Veio a pergunta final:

- É verdade que o Maçom mata?

Respirei fundo e respondi: - SIM, É VERDADE, O LEGÍTIMO MAÇOM MATA! Vocês precisavam ver o brilho nos olhos e o movimento de acomodação nas cadeiras dos interlocutores. Continuei: - O Maçom Alexander Fleming ao descobrir a penicilina matou e ainda mata milhões de bactérias, mas permite que a vida continue para muitos seres humanos;

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- O Maçom Charles Chaplin com a poderosa arma da interpretação e sem ser ouvido, matou tanta tristeza, fez e ainda faz, nascer o sorriso desde criança ao idoso; - O Maçom Henri Dunant ao fundar a Cruz Vermelha matou muito abandono nos campos de guerra; - O Maçom Wolfgang Amadeus Mozart com as suas mais de 600 obras louvou a vida.- O Maçom Antonio Bento foi um grande abolicionista que junto com outros maçons, além da liberdade, permitiram a continuidade da vida a muitos escravos; - O Padre Feijó, o Frade Carmelita Arruda Câmara e o Bispo Azeredo Coutinho, baseados nas Sagradas Escrituras e como legítimos maçons, desenvolveram o trabalho sério de evangelização e quem sabe assim mataram muitos demônios; - O Maçom Baden Powell ao fundar o Escotismo pregava a morte da deslealdade, da irresponsabilidade e da falta de respeito; - O Maçom Billy Graham foi o maior pregador Batista norte-americano e com o seu trabalho matou muita aflição e desespero; - O legítimo Maçom não é o homem que entrou para a Maçonaria, mas aquele que em a Maçonaria entrou dentro dele. Houve e há Maçons em todos os segmentos da sociedade e

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todos com o mesmo propósito: Fazer nascer uma nova sociedade, mais justa e perfeita, lógicosem esquecer que o MAÇOM MATA, principalmente o preconceito.

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Irmãos em campos diferentes

September 04, 2013

Estamos, em Portugal, a menos de um mês da realização deeleições autárquicas. Por todo o país se veem cartazes depropaganda eleitoral. Inevitavelmente que neste mês de setembro aatenção das pessoas é convocada para este tema.

Também os maçons não ficam indiferentes. São cidadãos eobviamente que se interessam e preocupam com a coisa pública ecom a gestão das autarquias onde residem, onde trabalham, ondeos seus filhos frequentam estabelecimentos de ensino.

Naturalmente que, entre o apreciável número de cidadãos que secandidatam às diversas freguesias e diferentes municípios tambémexistem maçons, um pouco por todo o país.

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Em relação à Loja Mestre Affonso Domingues, num rápido cálculo,cerca de dez por cento dos seus obreiros são candidatos naspróximas eleições autárquicas ou estão diretamente envolvidos nascandidaturas, em várias autarquias da Área Metropolitana deLisboa, em vários partidos e candidaturas independentes. Não énada de anormal: não andará muito longe do ratio entre candidatose eleitores.

Na Loja Mestre Affonso Domingues existem mesmo candidatos àmesma autarquia por listas diferentes, ou seja, opondo-se entre si.Mais uma vez, nada anormal: em Maçonaria Regular, em Loja nãose discute política nem religião. O que não pertence à Loja fica forada Loja e, portanto, nenhum constrangimento esta situação gera.

Mas o contacto entre os obreiros da Loja não se resume àssessões da Loja. Há o antes e o depois, há ágapes, há o normalrelacionamento entre Irmãos que se conhecem alguns desde háapreciável lapso de tempo. Também fora de Loja o facto de haverintegrantes de diferentes candidaturas à mesma autarquia não geraqualquer desconforto ou desentendimento. Tem isso a ver, desdelogo, com algo que os maçons cultivam e que muito útil é neste tipode situações: a Tolerância.

A Tolerância consiste na natural aceitação das ideias,entendimentos e crenças do outro, mesmo quando diferentes dasnossas - especialmente quando diferentes das nossas! É portantonatural para um maçom que o seu Irmão tenha ideias políticasdiferentes das suas. E que as defenda. E que se candidate combase nessas ideias. Mesmo que essa candidatura seja concorrenteda sua. Portanto, nada de mais existe no facto de haver na nossaLoja integrantes de candidaturas concorrentes às mesmas eleiçõesna mesma autarquia.

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Isto é o normal, o básico, o minimamente exigível em Maçonaria - eque, sem qualquer esforço é praticado na Loja Mestre AffonsoDomingues.

Mas eu, do meu canto de veterano há muito retirado destas coisasda política, tenho verificado, com enorme satisfação, que os Irmãosinteressados e integrantes das diversas candidaturas, na mesmaou em diferentes autarquias, não se limitam a este "mínimoolímpico" e vão, com toda a naturalidade, muito mais longe. Tenhoverificado, com imenso agrado, que (sempre fora de Loja,naturalmente) os Irmãos candidatos não se limitam a não conflituar.Conversam sobre as respetivas candidaturas, expõem os seusprojetos e planos e, mesmo, aconselham-se mutuamente,partilhando as suas experiências.

Vou assistindo a isto - bem de perto. E fico, naturalmente, muitosatisfeito. Diria até que duplamente satisfeito, como cidadão ecomo maçom. Como cidadão, porque sei que aqueles queporventura forem eleitos serão capazes de, no respeito das suasconvicções, bem servir o Povo que os elege, cooperando com osoutros eleitos, independentemente das suas candidaturas deorigem, no sentido de todos fazerem o melhor que puderem, comos meios de que dispuserem. Como maçom, porque vejo como aefetiva aplicação dos princípios maçónicos é útil, gera concórdia,permite cooperação.

É por estas e por outras que não me vejo a ser obreiro de outraLoja que não a Mestre Affonso Domingues!

Rui Bandeira

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A Ordem DeMolay

September 11, 2013

Bandeira DeMolay

A Ordem DeMolay é uma organização de princípios filosóficos,fraternais, iniciáticos e filantrópicos para jovens do sexo masculinocom idade entre os 12 e os 21 anos. Não existe (ainda?) emPortugal, mas está já bem implantada no Brasil. Foi fundada nosEstados Unidos, em Kansas City, em 24 de março de 1919, pelomaçom Frank Sherman Land, então Diretor do Departamento deServiço Social do Riro Escocês (Scottish Rite) naquela cidade. Oprimeiro Capítulo DeMolay iniciou-se com 33 jovens da referidacidade.

Em 1921, a Ordem DeMolay passou a ser diretamente patrocinada pela Maçonaria americana, nos Estados Unidos, sendo normalmente utilizadas as instalações maçónicas para a realização das reuniões e atividades dos Capítulos DeMolay. Rapidamente a pequena estrutura iniciada em 1919 se expandiu. Em poucos meses, o Capítulo inicial agrupava cerca de 2.000 membros. Em poucos anos, criaram-se novos Capítulos um pouco por todo o lado

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nos Estados Unidos. Internacionalmente, a Ordem DeMolay existe presentemente, além do país fundador, no Brasil, Argentina. Canadá, Bolívia, Colômbia, México, Aruba, Guam, Alemanha, Austrália, Filipinas, França, Itália, Japão, Panamá, Peru e Uruguai. Atualmente existem, neste conjunto de países, mais de 170.000 jovens ativos em mais de 15.000 Capítulos DeMolay (mais de 800 no Brasil). Desde a sua fundação, já passaram pela Ordem DeMolay mais de quatro milhões de jovens. O nome da organização homenageia Jacques de Molay, 23.º e último Grão-Mestre da Ordem dos Templários, morto na fogueira em 18 de março de 1314, aoós o golpe de Filipe, o Belo, e do Papa Clemente V que aprisionou (quase) todos os cavaleiros templários e originou o fim desta lendária ordem de cavalaria. Para ser admitido na Ordem DeMolay, o jovem compromete-se a ser melhor filho e homem, honrar os seus pais, amar e servir o Criador, o seu País e todos os homens de bem, proteger as escolas públicas, não difamar ninguém e a respeitar as opiniões dos outros. São baluartes da Ordem DeMolay a defesa da liberdade religiosa (representada pelo Livro Sagrado), da liberdade cívica (representada pela Bandeira Nacional) e da liberdade intelectual (representada pelos livros escolares). Os princípios essenciais do comportamento do jovem DeMolay podem ser resumidos nas seguintes regras éticas: Um DeMolay respeita o Criador acima de tudo; Um DeMolay honra todas as mulheres;

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Um DeMolay ama e honra os seus pais; Um DeMolay é honesto; Um DeMolay é leal aos seus ideiais e aos seus amigos; Um DeMolay executa trabalhos honestos; Um DeMolay sempre permanece inabalável na defesa das escolaspúblicas; Um DeMolay é o orgulho da sua Pátria, dos seus pais, da suafamília e dos seus amigos; A palavra de um DeMolay é sagrada e sempre cumprida. As sete virtudes cardeais de um DeMolay são: amor filial,reverência pelas coisas sagradas, cortesia, companheirismo,fidelidade, pureza e patriotismo. Em suma, a Ordem DeMolay destina-se a orientar crianças eadoslecentes sobre os princípios corretos de vida. Fontes: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_DeMolay Rui Bandeira

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Maçonaria e Democracia

September 18, 2013

Em 1700, era rei de Portugal D. Pedro II, terceiro filho de D. JoãoIV, que depusera seu irmão, D. Afonso VI. Por sua morte,sucedeu-lhe no trono D. João V. Todos foram reis absolutos. Comexceção de Afonso VI, deposto por um golpe de Estado dirigido porseu irmão, todos exerceram o Poder, após a sua ascensão aomesmo, de forma vitalícia.

Carlos II era rei de Espanha, Nápoles e Sicília à data da sua morte,em 1 de novembro de 1700. Morreu sem filhos e o seu decessooriginou a Guerra da Sucessão espanhola entre 1700 e 1713, notermo da qual se afirmou como rei de Espanha aquele que Carlos IIdesignara no seu testamento para lhe suceder no trono (!): Filipe V,Filipe de Anjou, neto de Luis XIV de França. Ambos foram reisabsolutos - e vitalícios.

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Luis XIV de França, o Rei-Sol, reinou neste país até à sua morte,em 1715, sucedendo~lhe Luis XV. Ambos foram reis absolutos - evitalícios.

No norte da Europa, travava-se por essa altura a Grande Guerra doNorte, opondo o Império Sueco, cujo trono era ocupado por CarlosXII, ao Império Russo de Pedro, o Grande, ao reino da Dinamarca eNoruega, de Frederico IV, e ao reino da Saxónia-Polónia, deAugusto II. Todos foram reis absolutos - e vitalícios.

Em Inglaterra, na sequência da Revolução Gloriosa e da tomada dopoder a Jaime II Stuart, reinava Guilherme III de Orange. Por suamorte, sucede-lhe, entre 1702 e 1714, a rainha Ana, que, em 1707,logrou a união dos reinos da Inglaterra e Escócia que perdura atéhoje, sob a designação de Reino Unido. Em 1714 sucedeu-lheJorge I. No alvor do século XVIII, só estes monarcas, da dinastia deHanover, coexistiam com um Parlamento no exercício do Poder.Com exceção de Jaime II Stuart, apeado do Poder pela RevoluçãoGloriosa, todos, após terem ascendido ao Poder, o exerceramvitaliciamente.

No início do século XVIII, apenas uma instituição na Europa secaraterizava por os seus diversos núcleos elegerem os respetivoslíderes pelo voto, conferindo-lhes mandato por tempo limitado: aMaçonaria.

O exercício do Poder mediante eleição e por tempo limitado é, hojeem dia, uma regra consensual nas democracias modernas. Mesmoaquelas cujo regime é monárquico reservam aos seus monarcaspoderes limitados, apenas de representação e de influênciamoderadora, atribuindo o exercício do Poder efetivo a lídereseleitos pelo voto popular, com mandatos de duração limitada.

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A teorização do exercício do Poder por um igual designado pelovoto e da delegação desse exercício por períodos limitados detempo ocorreu nas Lojas maçónicas e foi delas que se expandiupara as diferentes sociedades, no seio delas foi ganhando raízes eveio a ganhar o consenso atual em todo o mundo democrático.

Ao teorizar e praticar um modelo de exercício do Poder querecusava o seu fundamento do Direito Divino e assentava nalegitimidade conferida pelo grupo em relação ao qual esse Poder seexercia e ao assumir o princípio de que essa delegação de Poderera temporária e objeto de periódica renovação, a Maçonariarompeu com uma tradição milenar que permitia que apenas algunsprivilegiados pudessem aspirar ao exercício do Poder(normalmente por sucessão dinástica) e que conferia esse Poderde forma vitalícia, só excecionalmente, e por via da força, assimnão sucedendo.

A teoria e prática maçónicas, ao transitarem do seu interior para associedades, foram consideradas pelos poderes vigentes no quehoje se convencionou chamar de Antigo Regime comorevolucionárias - evidentemente perigosas para a sustentação dopoder vigente. Esta a verdadeira origem das desconfianças(quando não claras e, mesmo, violentas proibições) tidas pelosdiversos Poderes vigentes na velha Europa em relação àMaçonaria.

A evolução dos tempos e o sentido dos ventos da História fizeram com que hoje seja praticamente consensual o que, há apenas trezentos anos, era somente apanágio de uma pequena e então quase insignificante instituição. No entanto, se as sociedades adotaram os princípios de designação de titulares de cargos políticos que só a Maçonaria praticava há trezentos anos, se essa

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prática é hoje consensual, porque subsiste a desconfiança? Onormal seria o reconhecimento do pioneirismo...

Para além da persistência de um reflexo adquirido, a meu ver talsucede pelo facto de alguns maçons terem sido agentes ativos dastransformações das respetivas sociedades. À míngua dapossibilidade de refutação da fundamentação doutrináriaconsistente das novas ideias que se expandiam, os Poderes emqueda apontavam o dedo aos "revolucionários", aos "agentes dadesordem" - e muitos desses, alguns com proeminência, foramefetivamente maçons. Convinha aos Antigos Regimes confundiremas ideias inovadoras com os seus agentes de difusão. Aquelasapenas são refutáveis com outras ideias suscetíveis deconvencerem. Estes eram de carne e osso, com virtudes e defeitos,anseios justos e excessos, escolhas certas e erros. Aquelas eramdificilmente refutáveis por quem estava prestes a sair no maispróximo apeadeiro da História. Estes eram alvos visíveis esuscetíveis de serem abatidos.

Hoje, quando os fundamentos democráticos estão bem assentesnas sociedades, é tempo de distinguir entre as ideias e os seusagentes difusores. As ideias - felizmente! - venceram. Mas, aocontrário do que os Antigos Regimes propalavam, não venceramporque agitadores as impuseram ou por elas lutaram. Venceramporque as ideias, elas próprias, se impuseram por si. Porque eramjustas. Porque eram corretas. Porque correspondiam aos anseiosdas populações.

Espanta-me como gente claramente inteligente e democrata aindahoje se deixa influenciar pelos preconceitos propalados pelosAntigos Regimes!

Rui Bandeira

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Força e Razão

September 25, 2013

A Força, incontrolada ou mal controlada, não é apenasdesperdiçada no vazio, tal como a pólvora queimada a céu aberto evapor não confinado pela ciência; mas, golpeando no escuro e seusgolpes atingindo apenas o ar, ricocheteia e se auto-atinge. Édestruição e ruína. É o vulcão, o terramoto, o ciclone, nãocrescimento ou progresso. (...)

Precisa ser regulada pelo Intelecto. O Intelecto é para as pessoas epara a Força das pessoas o que a delicada agulha da bússola épara o navio – sua alma, sempre orientando a enorme massa demadeira e ferro,e sempre apontando para o norte.

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(Albert Pike, Morals and Dogma)

A Força é uma das qualidades essenciais dos atos e obras que osmaçons devem empreender (as outras são Sabedoria e Beleza).

Para os maçons, o conceito de Força abrange a Força de Caráter,a Força de Vontade de quem realiza, mas também a Eficácia e aDurabilidade do que se realiza.

O excerto acima transcrito alerta-nos para o modo como se deveutilizar a Força: não irracionalmente, não descontroladamente, nãousando a Força pela Força, mas antes mediante a intermediação eo controlo do Intelecto, da Razão. A Força de Caráter sem odomínio da Razão degrada-se na Teimosia. A Força de Vontadesem o equilíbrio do Intelecto reduz-se à Obstinação. A Eficácia daobra realizada não pode ser obtida a todo o custo, sacrificandoindiscriminadamente ou prejudicando desnecessariamente outrosvalores, bens ou pessoas. A sua Durabilidade deve corresponderao destino e utilização da obra: é tão insano misturar demasiadaareia no cimento, enfraquecendo o betão que deve sustentar oedifício como misturar cimento na areia com que se faz um estivalcastelo na praia, destinado a desaparecer na subida da maréseguinte.

No processo evolutivo da construção de si mesmo que o maçom empreende desde o dia da sua Iniciação até àquele em que pousa as suas ferramentas e passa ao Oriente Eterno, deve inevitavelmente aperceber-se que tem de dar atenção ao seu caráter e à sua vontade, reforçando a sua força, mas também ter

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presente a simultânea necessidade de dominar sempre a força quecultiva. Um homem de bem necessita de caráter e vontade fortes,mas dominados pela razão. Só assim é verdadeiramente umhomem de bem e não um mero arrogante obstinado...

O maçom deve aprender que, para fazer algo que valha a penatem, sem dúvida, que ser capaz, que ser persistente, que sereficaz, mas também que ser equilibrado, sob pena de se enredareternamente na construção de obra sempre inacabada -desnecessariamente - ou de inútil fortaleza no meio de estérildeserto.

Aprimorar a sua força de caráter, a sua força de vontade, deve serincessante objetivo do maçom, mas dominar aquele e esta atravésda sua razão não é desiderato menos necessário. Afinal de contas,o maçom não se deve limitar a desbastar a sua Pedra Bruta. Devetambém dar-lhe forma e brilho para dela fazer uma devidamenteaparelhada Pedra Cúbica...

A Força sem Razão é mera brutalidade, primarismo indigno doHomem. A Força pela Força não vale nada de jeito. Um dostrabalhos do maçom consiste, assim, precisamente em garantir queos seus atos beneficiam sempre da Força da Razão, não da razãoda força!

Rui Bandeira

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O Vigésimo Segundo Venerável Mestre

October 02, 2013

Foi o primeiro maçom iniciado já no século XXI que assegurou o ofício de Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues. Cedo se destacou como um elemento interessado, muito válido e dinâmico. Rapidamente conquistou a confiança da Loja e viu serem-lhe confiados diversos ofícios, que sempre cumpriu a

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contento. Conhecia de experiência feita os deveres dos ofíciosburocráticos (indispensáveis ao funcionamento da Loja) e dosofícios rituais. Fora iniciado ainda jovem e atingia o veneralato noauge da vida.

O Vigésimo Segundo Venerável Mestre da Loja Mestre AffonsoDomingues foi talvez o maçom que mais bem preparado foi eestava para assumir o ofício de dirigir a Loja quando tal lho foisolicitado pelo conjunto dos obreiros, em unânime eleição ocorridaem julho de 2011.

Os mais veteranos reconheciam-lhe a preparação, as capacidades,a dinâmica, o mérito e o espírito de liderança e gostosamente oacompanharam e auxiliaram. Os mais jovens elementos da Lojaviam-no como um par que de entre eles se destacava emerecidamente ascendia à liderança. A sua chegada ao veneralatosimbolizava a passagem do testemunho para a nova geração daLoja, que nela entrara já no século XXI.

Nuno L., o Vigésimo Segundo Venerável Mestre, tinha quase tudopara que o exercício do seu mandato corresse bem: vontade,capacidade, preparação, vigor, ideias, aceitação e apoio unânimes.O "quase" foi incluído na frase porque apenas um detalhe faltou:não pôde beneficiar do apoio do seu Ex-Venerável Mestre que, porcircunstâncias da sua vida privada, teve de se afastar da Loja. Masmesmo este detalhe foi superado com à-vontade e segurança! Anatural inexperiência e "tremideira" do Venerável em início demandato durou apenas uma ou duas sessões e foi ultrapassadasem sobressaltos.

E efetivamente o exercício do mandato do Nuno L. correu bem. Diria mesmo que muito bem! Nuno L. confirmou-se como um líder bem preparado, com bom-senso e capaz de discernir muito bem

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quando devia exercer a autoridade e quando era o momento de adevolver ao grupo. Os resultados foram rapidamente visíveis:aumento de qualidade e exigência na preparação dos Aprendizes eCompanheiros, propiciando que o futuro da Loja seja asseguradopor gente muito bem preparada, preparação e apresentação depranchas de qualidade por Mestres, Companheiros e Aprendizes,aumento exponencial de contactos com as outras Lojas daObediência, dinamismo, eficácia e boa disposição reinando na Loja.Rara terá sido a sessão - se é que houve alguma... - em que a Lojanão teve visitantes; e Nuno L. elaborou um exigente e completoplano de visitas da Loja e seus obreiros a outras Lojas daObediência, de diversos ritos e com diferentes experiências.

No plano da Grande Loja, representou exemplarmente a Loja,fazendo questão de que a mesma correspondesse a todas assolicitações do Grão-Mestre. Numa Obediência atravessando umaagradável fase de expansão e dinamismo, afirmou a Loja MestreAffonso Domingues como um exemplo de dinâmica e capacidade.

Geriu exemplarmente a progressão nos graus de Aprendizes eCompanheiros, com a indispensável ajuda dos seus Vigilantes,deixando a Loja em perfeito estado de organização e evolução emtermos de recursos humanos.

Teve o cuidado e o gosto de reservar uma pequena parte de todasas sessões para a apresentação de breves Lições do VenerávelMestre, por vezes simples pensamentos, outras extratos de livrosque compartilhava, nunca deixando de dar aos obreiros da Lojamaterial para reflexão.

O seu mandato começou bem, prosseguiu agradável e terminou melhor. Elevou muito a fasquia para os seus sucessores! Aproveitou muito bem o que a Loja tinha para dar; semeou e

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preparou para o futuro. Dificilmente poderia ter-se feito melhor!

Rui Bandeira

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Reflexão

October 09, 2013

No século XVIII, quando se expandiu a Maçonaria Especulativa,esta seguia e divulgava os princípios do Iluminismo. A Maçonariafoi então um farol que apontou o caminho da evolução social, daconceção laica, livre, igual, fraterna e tolerante do mundo, dasociedade e do lugar nela do Homem.

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O pensamento escolástico é substituído pela Ciência Experimental;racionalismo e empirismo substituem o pensamento arcaico apenasfundado nas interpretações teológicas dominantes; Locke teoriza aTolerância como valor social; emerge o reconhecimento e proteçãodos direitos humanos; o absolutismo é substituído pela submissãoà Lei; a soberania por direito divino é substituída pelo conceito deque a soberania pertence ao Povo e deve ser exercida em nome doPovo, para o Povo e pelos representantes designados pelo Povo;emerge e triunfa a noção de que as sociedades devem prezar epreservar a Liberdade, assegurar a Igualdade, possibilitar avivência em Fraternidade; o princípio da separação de poderestriunfa. Em toda esta evolução os maçons deram o seu contributo.

Trezentos anos depois, o mundo e a sociedade são radicalmentediferentes em relação ao que eram no início do século XVIII. Osvalores que a Maçonaria adotou implantaram-se progressivamenteem toda a sociedade e - felizmente! - hoje são essencialmentevalores da sociedade, não de qualquer estrutura social, Maçonariaincluída.

Trezentos anos depois, verificando-se que o essencial do ideáriomaçónico venceu e está institucionalizado no mundo desenvolvido,inevitavelmente que surge a interrogação: continua, nos dias dehoje, a Maçonaria a fazer sentido? Não será hoje uma instituiçãoultrapassada pelo sucesso do seu ideário, transitada damodernidade no passado para o arcaísmo no presente?

Em termos sociais, só o que mantém utilidade e sentido permanece. Tudo o que não preenche já o requisito da necessidade, do interesse, inevitavelmente estiola, fenece, cai em desuso, desaparece. Ou então transforma-se, assegurando a sua existência e pujança pela assunção de valores e interesses

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socialmente úteis e necessários no momento presente. Qual afunção da Maçonaria hoje? Apenas a defesa dos valores que otempo e a evolução social consagrou? Apenas uma instituição"anti-reviralho"? Ou será que a matriz genética da Maçonaria lhepermite vislumbrar, aprofundar, consensualizar novos caminhosainda por explorar ou desenvolver, valores a implementar? Seassim é, quais os caminhos a que dar atenção, comoconsensualizar a direção a tomar?

Os tempos de hoje são radicalmente diferentes dos de há trezentosanos, de há duzentos anos, de há cem anos, mesmo de hácinquenta anos. As sociedades complexizaram-se visivelmente. Acomunicação e os meios de a efetuar evoluíram, modernizaram-se,democratizaram-se, vulgarizaram-se. Onde antes havia poucosmeios apenas ao alcance de uns poucos privilegiados, hoje tudoestá praticamente à disposição de todos. A informação hoje é tudomenos escassa. Pelo contrário, começamos a ter dificuldade emselecionar, em determinar de entre a abundante cascata queincessantemente jorra sobre nós o que verdadeiramente interessae o que é dispensável, o que é fundamentado e o que é apenasboato, palpite ou mesmo patranha. A segmentação de interesses ea extrema variedade de temas para os múltiplos interessespessoais instalou-se. A informação hoje é multipolar emundividente, cabendo ao indivíduo - a cada indivíduo - selecionaro que lhe agrada, o que lhe interessa, o que pretende. Nestecircunstancialismo, qual o papel da maçonaria? Como pode e devecomunicar? Com que meios? Seguindo que estratégias?Procurando assegurar que objetivos?

Trezentos anos depois, estamos no fim do caminho, chegámos a uma encruzilhada ou simplesmente somos nós que temos de

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desbravar o caminho para que a Humanidade chegue aonde aindanão imaginou sequer poder chegar? O nosso - dos maçons, daMaçonaria, mas também da Humanidade - caminho chega até aohorizonte ou vai para além dele?

Tudo isto são interrogações que hoje se abrem à reflexão dosmaçons e que é bom que os maçons se coloquem, em reflexãoindividual ou em análise coletiva, mas sempre plural.

Por mim, penso que há ainda muito a fazer, que os sonhos eanseios do ideário maçónico estão ainda por completar. Quantaintolerância ainda campeia! Como são ainda vulneráveis muitos dosvalores que, muitas vezes ligeiramente, consideramos solidamenteimplantados! E continua a haver - sempre continuará, acho -espaço e meio para cada um de nós poder melhorar e contribuirpara a melhoria da sociedade.

Mas também penso que as interrogações que atrás coloquei devem ser postas e que é tempo de lhes darmos atenção, de estudarmos os seus contornos e de buscarmos as respostas mais adequadas para cada uma delas. Nesse aspeto, a Maçonaria tem em si mesma uma caraterística organizacional que constitui uma poderosa ferramenta: a sua estrutura nuclear, com plena autonomia de cada Loja e, dentro destas, com plena aceitação dos caminhos e reflexões individuais de cada um. Isto permite que todas as interrogações acima colocadas - e muitas outras - sejam tratadas de formas diferentes, por gente diferente, em tempos diferentes, com diversas perspetivas. Cada Loja escolhe ou naturalmente dedica-se a um pequeno aspeto de um problema. Cada maçom interroga-se sobre o que lhe chama a atenção. Umas e outros buscam caminhos, propõem soluções. Cada Loja por si. Cada maçom em si. Em aparente desorganização e descoordenação.

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Mas é precisamente essa desorganização que se revela, afinal,muito bem organizada, na medida em que permite e gera o máximode liberdade na reflexão dos grupos e dos indivíduos. Dessecadinho, a seu tempo emerge uma ideia que se espalha. Das ideiasque se espalham, algumas fortalecem-se. Das que se fortalecem,algumas atingirão o patamar do consenso. E assim as ideias e osvalores que o tempo presente reclama emergem e fazem o seucaminho, em sociedades modernas cada vez mais complexas.

Daqui a outros trezentos anos, quem então viver e se interessarfará o balanço sobre o êxito dos trabalhos, pistas, soluções ecaminhos que agora efetuamos, buscamos, encontramos eprosseguimos.

Rui Bandeira

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Os construtores da Utopia

October 16, 2013

Desde que, no século XVI, Thomas More inventou a palavra e delafez título de uma das suas obras que se designa por Utopia asociedade ideal, perfeita.

Em termos sociais, os maçons procuram contribuir para aconstrução dessa Utopia. Fazem-no desde logo procurandomelhorar a qualidade dos materiais de que se fazem todas associedades: os homens, suas ideias e suas ações.

Nenhuma sociedade organizada, qualificada e funcionando com umexigível nível mínimo de organização, qualidade, liberdade eeficiência pode assentar em pessoas desqualificadas, seja emtermos de conhecimentos e preparação, seja do ponto de vista daMoral e dos Valores inerentes a uma sã, agradável e produtiva vidaem comum.

Não há Valores sociais que se fundem perenemente em homens de baixo caráter e inferiores qualificações pessoais e relacionais.

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Homens apenas primários, sem capacidade para ver e agir paraalém dos seus interesses pessoais egoísticos e imediatos nãogeram nem acalentam valores essenciais a qualquer sociedadeeticamente relevante.

As sociedades são compostas por pessoas. Quanto melhoresforem estas, melhores podem ser as Sociedades, os seus valores,os seus níveis de organização e cooperação. Por isso, aoconstruir-se a si próprio, ao melhorar-se a si mesmo, cada maçomestá também a contribuir para a melhoria da sociedade em que seinsere, a favorecer um pequeno, quiçá quase insensível, massempre significante, avanço da sociedade em que se insere naconstrução da Utopia.

Mas a Utopia não se constrói apenas com os materiais, aspessoas. Essa construção necessita também de ferramentas, osvalores. Neste campo, muito se avançou, na parte maisdesenvolvida do Mundo: a Liberdade é reconhecida comoindispensável à existência de uma Sociedade digna dos seuscidadãos; a Igualdade é uma aspiração que se busca concretizarmais e mais; a Fraternidade emerge como uma condiçãoindispensável à coesão social; a Tolerância emerge cada vez maiscomo uma necessidade; a Justiça consolida-se como umaessencialidade; a Solidariedade aparece como um elementoindispensável à reação comum ao infortúnio, ao cataclismo ousimplesmente à adversidade. Paulatinamente, estes e outrosessenciais valores adquirem o estatuto da naturalidade e ascendemao patamar da indispensabilidade. Mas muito ainda há e haveráainda a fazer, para que esses valores sejam efetivamente paratodos tão naturais como o ato de respirar.

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Porém, a construção social não se basta apenas com bonsmateriais e sólidas ferramentas. Há que limpar o espaço, queafastar tudo o que prejudique a edificação que se busca. Há, assim,que lutar com, afastar, remover, os preconceitos que tolhem oavanço comum - mas sem os substituir por novos preconceitos,quiçá de sinal contrário. Também neste campo muito se avançou.Também aqui muito mais há ainda a fazer. O racismo perdeu oestatuto de naturalidade que ainda há cerca de meio século (tãopouco tempo ainda; não mais de duas gerações...) detinha emsociedades tão importantes como, por exemplo, alguns Estadosdos Estados Unidos. Mas subsiste teimosamente em muitasmentes e manifesta-se ainda insidiosamente em demasiadassituações e abertamente numas quantas delas! A igualdade entresexos evoluiu notavelmente no último maio século, mas ainda é,manifestamente, um valor ainda frágil, que muitos afastam semrebuço à menor dificuldade social (basta ver as diferentes taxas dedesemprego e os não coincidentes níveis de remuneração entre osdois sexos). A Igualdade afirmou-se quase universalmente comoprincípio absoluto na teoria, mas é muito insuficientemente ainda narealidade concretizada na prática, continuando - infelizmente! -ainda a ser válida a frase de O Triunfo dos Porcos, de GeorgeOrwell, de que "Todos são iguais... mas há alguns mais iguais doque os outros". Os fundamentalismos existem, estão à vista detodos e não são extirpáveis por decreto.

Muito se andou, mas muito caminho está ainda por percorrer, se se quiser ficar perto de ver ao longe uma Sociedade que possa aspirar a comparar-se levemente com a Utopia... E esse caminho tem de ser percorrido passo a passo, incansavelmente, inabalavelmente, persistentemente, por cada um que aspira à

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Utopia.

Ao dedicarem-se ao seu aperfeiçoamento, os maçons fazem essecaminho, dão o seu contributo à Sociedade para a evolução desta.O que cada um dá é ínfimo, quase imensurável, no contexto daimensidão do que é necessário. Mas o conjunto do que todosproporcionam possibilita o avanço, ajuda a que a evolução se tornevisível.

Os maçons são, por natureza, construtores da Utopia. Não seafirmam, nem pretendem ser os únicos. Todos não são demais,que a tarefa é enorme e prolongada!

Rui Bandeira

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O maçom, a vida e a morte

October 23, 2013

Só pode ser admitido maçom regular quem seja crente numCriador, qualquer que seja a sua conceção Dele, e creia na vidapara além desta vida. Só assim faz sentido o processo iniciáticomaçónico, só assim é profícuo o labor de análise, interpretação eaprofundamento da simbologia maçónica, alguma dela diretamentebaseada em elementos extraídos de textos de natureza religiosa.

No seu processo de construção de si mesmo segundo o método maçónico, o estudo, a meditação, a associação livre, a descoberta de significados dos significantes que são, afinal, os símbolos, o

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maçom, se bem fizer o seu trabalho, inevitavelmente que nalgummomento se confrontará com a busca do significado da Vida, doseu lugar no Mundo e na Vida, com a Vida ela mesma e com amorte do seu corpo físico.

Se bem faz o seu trabalho, o confronto com a morte física, à luz dasua crença na vida para além da vida e dos elementos colhidos nosseus estudos simbólicos, algo de muito positivo lhe traz: a perda domedo da morte! Pausada, calma e profundamente analisada aquestão, quase que intuitiva é a conclusão de que a morte ésimplesmente parte da vida, do percurso que efetua a centelhaprimordial que nos anima e que é o melhor de nós, que é, afinal oessencial de nós, a Vida em nós, que permanece para além dadeterioração, desativação e destruição do invólucro meramentefísico a que chamamos corpo. Porventura adquirirá mesmo a noçãode que essa morte física é indispensável ao processo vital, àessência da vida, que é feita de energia e transformação emudança.

A perda do medo da morte é uma imensa benesse conferida àqueleque dela beneficia, por isso que o liberta para apreciar plenamentea Vida, vivê-la em pleno, colocando nos seus justos limites tudo oque de bom e tudo o que de mau se lhe depara.

A perda do medo da morte propicia enfim a Sabedoria para apreciar a Vida da melhor forma que se tem para tal: vivendo-a, sem constrangimentos, sem medos, sem dúvidas, sem interrogações sobre quanto durará o bem de que se desfruta, quanto se terá de suportar até superar o mal que se atravessa. É a perda do medo da morte que nos ilumina para o essencial significado da Vida: ela existe para ser vivida, para ser utilizada e modificada (na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se

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transforma, disse-o, há muito, Lavoisier...), força perene essencialque existe e prossegue existindo através da sua contínuatransformação.

A perda do medo da morte assegura-nos a Força paracontinuamente persistirmos na nossa melhoria, na nossapurificação, não porque interesse ao nosso corpo físico, masporque disso beneficia a nossa centelha vital, que melhor evoluiráquanto mais beneficiar do que aprendemos, do queacrescentarmos eticamente a nós próprios e portanto a ela. Anossa melhoria, o nosso aperfeiçoamento ético liberta a nossaconsciência para alturas que as grilhetas do egoísmo, damaterialidade, dos vícios e paixões impedem que atinja. É a nossaForça nesse combate que constitui o cais de partida da nossaidentidade para a viagem possibilitada pela purificação da nossaessência, que terá lugar após a libertação do peso do nosso corpofísico (será isto o Paraíso, a Salvação?). Pelo contrário, ainsuficiente libertação da nossa essência do peso do vício e daspaixões, do Mal enfim, inibirá essa nossa essência de subir tão altoe ir tão longe como poderia ir se liberta, quiçá limitando o valorfuturo da nossa vida que permanece, quiçá impondo a continuaçãode esforços de purificação e transformação (será isso o Inferno, aPerdição?)

A perda do medo da Morte permite-nos enfim desfrutar plenamente da Beleza da Vida - sem constrangimentos, sem temores, sem interrogações. Como diz a canção, o amor poderá não ser eterno, mas que seja imenso enquanto dure. Apreciar a Beleza da Vida sem temer ou lamentar a mudança, que algum dia inevitavelmente ocorrerá, permite a suprema satisfação de sentir realmente toda a beleza que existe na Beleza, toda a vida que há na Vida.

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Verdadeiramente. Um segundo que seja que se consiga ter desteclímax vale por toda uma vida...

Encarar a morte à luz da Vida e, portanto, deixar de a temer, libertao nosso Ser para além dos constrangimentos da materialidade,reduz o Ter à sua real insignificância, dá-nos finalmente condiçõespara, se tivermos atenção no momento preciso e irrepetível queantecipadamente desconhecemos quando surgirá, podermosentrever a Luz - a Luz da compreensão do significado da Vida e daCriação, da sua existência e da direção e objetivo do seu Caminho.Poucos, muito poucos, ainda que tendo trabalhado bem, ainda quepersistentemente tendo polido sua Pedra, têm a atenção focada nadireção certa quando esse inefável e intemporal momento passa.Esses são os afortunados que de tudo se despojaram e afinal tudoganham ainda neste plano da existência. Esses passamverdadeiramente pelo buraco da agulha, porque o peso das suaspaixões é inferior ao de uma pena e nada os distraiu. Essesaproveitam a Vida tão plenamente que o comum de nós nemsequer suspeita da possibilidade de existência desseaproveitamento. Esses, sim, são templos vivos onde se acolhe omais essencial do essencial: tão só e simplesmente, a essência daVida (será isto afinal o elo ao divino?).

O maçom que faz bem o seu trabalho perde o medo da morte epode viver plenamente a Vida. Mais não lhe é exigível. O resto queporventura venha, se vier, vem por acréscimo...

Rui Bandeira

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Lavagem solidária e cómoda

October 30, 2013

A associação CAIS desde 1994 que vem efetuando um assinaláveltrabalho de apoio à reinserção social de sem-abrigo.

O mais conhecido projeto desta associação é a revista com omesmo nome, CAIS, cuja forma de distribuição é, a meu ver,exemplar no auxílio à recuperação da dignidade de quem , porerros próprios ou desafortunados golpes do destino, caiu numasituação de desamparo e exclusão social. A revista éexclusivamente vendida por sem-abrigo e outras pessoas em risco,mediante a assunção de rigoroso compromisso de cumprimento deregras de conduta, entre as quais a venda da revista sempredevidamente identificado como vendedor autorizado pela CAIS,manutenção de higiene e limpeza pessoal e de vestuário e renúnciaà mendicidade.

O preço de capa da revista CAIS são dois euros e 70 % dele reverte para o vendedor. Habituei-me a adquirir as edições da revista que vão sendo publicadas, como uma pequena e insignificante forma de contribuir para a reinserção de quem caiu fundo e se tenta reerguer. Aprecio fundamentalmente a

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DIGNIDADE da forma de auxílio: não se dá, não se fazcaridadezinha, não se tem a postura de ajuda ou dádiva aopobrezinho; fornece-se um meio, um apoio para que alguém (muito)necessitado possa, pelo seu trabalho, esforçado e honesto, obteruma remuneração - e não esmolas. A meu ver, tão ou maisimportante do que o provento material obtido (obviamenteindispensável) é a recuperação da Dignidade que se proporciona.

A associação CAIS prossegue agora um outro meritório projeto, oCaHO, ou Programa Capacitar Hoje, no sentido da integração, emcontexto laboral, de pessoas em situação extrema de fragilidadesocial. Foi criada a Bolsa de Trabalho CAIS, especificamentededicada à formação e especialização profissionais. Osbeneficiários deste projeto de inserção na vida nativa são pagos àtarefa, recebendo uma justa remuneração pelo trabalhodesempenhado. Iniciou-se o projeto com as valências de lavagemmanual e aspiração de automóveis e de engraxadores de sapatos.

Cada candidato ao programa recebe uma formação profissional debase, de 50 horas, que inclui aspetos essenciais para quemnecessita de recuperar o seu espaço na sociedade: (1) Saber serser um profissional - direitos, deveres e responsabilidades; (2)Saber estar - treino de competências pessoais e sociais; (3) Saberfazer - formação profissionalizante, dentro das áreas de oferta daBolsa de Trabalho CAIS.

Mais uma vez, importa sublinhar que não se faz assistência oucaridade, proporciona-se capacidades e meios de recuperação daDignidade de cada um prover à sua subsistência através do seutrabalho.

O projeto é patrocinado por algumas empresas e instituições. Mas, sobretudo, é a demonstração de que a Solidariedade só faz sentido

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se acompanhada - sempre - do respeito pela dignidade de quemtransitoriamente está na mó de baixo.

Está já em execução, na zona de Lisboa, a valência de lavagemmanual e aspiração de carros, organizada de uma forma cómoda ea preço razoável para o consumidor. Empresas e particularespodem encomendar a lavagem manual de veículos, com o custo deonze euros por veículo, ou a lavagem manual e aspiração pelocusto por veículo de quinze euros, em ambos os casos com IVAincluído e entrega de fatura.

Os profissionais formados e enquadrados pela CAIS deslocam-se,com o equipamento necessário, onde estiver(em) o(s) veículo(s) alavar e aspirar e garantem que o serviço de limpeza, que éexecutado em uma hora a hora e meia, é realizado sem sujar olocal e sem desperdício de água.

Cada lavador recebe 60 % do total faturado com o seu trabalho.

Resumindo: prático, cómodo, ecológico, a preço razoável e,sobretudo, justo e SOLIDÁRIO.

Para agendar o serviço, deve-se contactar a CAIS Lavagem Autoatravés do telefone número 218 369 000 ou do endereço de correioeletrónico [email protected].

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Os elementos para elaboração deste texto, bem como a imagem que o ilustra, foram recolhidos em www.cais.pt

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Rui Bandeira

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O Dever, caminho para a realização

November 06, 2013

Os maçons falam muito de Dever. É natural. O aperfeiçoamentoindividual a que se dedicam implica, inevitavelmente, queidentifiquem o que têm a corrigir e definam como fazer a correção,isto é, o que se deve fazer para melhorar.

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O caminho do maçom não é uma avenida de direitos, é uma veredade deveres a cumprir. Mais: um conjunto de deveres que o maçomescolhe cumprir.

Na ética maçónica, em primeiro lugar vem a obrigação, ocumprimento dos deveres - só depois se atenta nos direitos.Porque o caminho é este, não há constrangimentos nem vergonhasna reclamação ou no exercício dos direitos, porque se interiorizouque estes são o reverso correspondente aos deveres que secumprem. Assim, o cumprimento do dever é preâmbulo doexercício do direito - nunca o oposto.

Esta postura, que é o oposto do facilitismo e do hedonismo tãopropalados por certos media comummente referidos decor-de-rosa, que insidiosamente vão influenciando as mentes maisfrágeis ou menos avisadas, é, no entanto, a mais consistente comas caraterísticas da espécie humana - as caraterísticas que nospermitiram evoluir, descer das árvores, deixar de ser meroscaçadores-recoletores, nos possibilitaram aprender a produzir oque necessitamos para consumir e até mais do que aquilo quenecessitamos, enfim, o que nos fez chegar, como espécie, aoestádio atual (no melhor e no pior...) e nos fará, creio-o firmemente,evoluir sempre mais e mais.

Ao contrário do que se possa levemente pensar, desde a mais tenra infância que o bicho-homem valoriza mais o que deve fazer, o que esforçadamente conquista, o que trabalhosamente obtém, do que aquilo que recebe sem esforço, fonte porventura de prazer imediato, mas arbusto sem raiz sólida para segurar o interesse por muito tempo. Todos aqueles que educam crianças verificam que, ao contrário do que as próprias julgam, elas não apreciam tanto assim - e, no fundo, temem - a liberdade total, a possibilidade de

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fazerem o que querem, quando querem, como querem. Se issolhes for temporariamente possibilitado, poderão extasiar-se perantea ausência de limites, mas não tarda muito que procurem oaconchego, a segurança, a certeza das fronteiras, dos limites, dasrestrições - contra as quais tanto refilam, mas que tão securizantessão. Afinal de contas, quando não há limites, como se podetransgredir? Como se pode forçar barreira inexistente para ir alémdela? E o crescimento, a evolução humana, da criança como daespécie, é feito de transgressões, de ultrapassagens de barreiras,de partidas para o incerto apenas possíveis porque se sabe que, see quando necessário, se pode recuar e voltar para o certo eseguro...

O dever é, pois, essencial para a espécie humana. Para o cumprire, por vezes, para o transgredir, aceitando os riscos e asconsequências, mas também buscando o além para lá dohorizonte...

Os direitos possibilitam-nos satisfação e conforto, mas sãoredutores, limitadores, meras pausas agradáveis, obviamentenecessárias, mas afinal fatores de simples manutenção, não deconquista ou avanço. Os direitos gozam-se e, ao gozarem-se,fica-se - não se vai, nem se avança. É no cumprimento do dever,com o esforço e o custo que isso necessariamente implica, que seavança, se conquista, se constrói, se vai além.

Gozar os direitos é obviamente bom e agradável. Mas, bem vistas as coisas, cumprir os deveres, ainda que tal implicando trabalho, custo, esforço, é melhor. Porque no fim do cumprimento do dever acaba por estar sempre um prémio. Por vezes de simples, mas saborosa, satisfação. Outras vezes com vitórias, com prazeres, com ganhos que não se teria se se tivesse mantido no simples

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gozo dos direitos que já se tinha, sem mais nada fazer. A áureamediocridade pode ter brilho - mas não deixa de continuar a sermediocridade...

Os maçons falam muito do Dever, dão atenção aos seus deveres,cumprem os seus deveres. Não por serem masoquistas. Pelocontrário: por entenderem que é assim que conseguem realizar-se.E a realização pessoal é mais do que meio caminho andado para afelicidade...

Rui Bandeira

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O visível limite da Tolerância!

November 13, 2013

A Maçonaria, sendo algo de sério, não tem que ser sisuda. Os maçons tratam do que é sério com seriedade, mas também sabem descontrair, brincar e utilizar o humor para evidenciar pontos de vista, quando é o momento e o ambiente para tal. O episódio que vou contar é uma demonstração disso mesmo. Ocorreu recentemente, no decorrer de um ágape da Loja Mestre Affonso

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Domingues.

Os ágapes são importantes complementos das reuniõesmaçónicas. No decorrer das sessões trabalha-se de modo sério,compenetrado, concentrado e tão eficiente quanto possível, sobreos assuntos que são objeto da reunião. Finda a sessão formal, osobreiros da Loja reúnem-se então à volta de uma mesa e,partilhando uma refeição, convivem, conversam, debatem, brincam,enfim, conhecem-se melhor e reforçam os laços entre si. Éfrequente que, mesmo nesse ambiente descontraído, sejamcolocados temas para debate ou análise que, sendo sérios, nãoperdem nada em serem tratados de forma mais coloquial.

Foi o caso num dos últimos ágapes da Loja. O Venerável Mestreintroduziu o tema da Tolerância e foi inevitável - é certo como amorte! - que rapidamente a conversa evoluísse para o sub-temados limites à Tolerância, se existem, como existem, quais são. Éum tema repetidamente visitado e debatido, até porque éobviamente um assunto imprescindível na formação dos maisnovos.

Sobre o tema, a minha convicção está assente e, em termos sérios,está exposta, designadamente, no texto "Os limites da Tolerância".Mas num ágape a conversa evolui e oscila entre o sério e o ligeiroe, opina daqui, brinca dali, vai-se passando a mensagem aos maisnovos. Foi o que, mais uma vez, sucedeu naquele ágape.Começou-se pelo lado sério e, a partir de certa altura, a conversaaligeirou.

Já alguém tinha repetido a conhecida e mil vezes citada frase do Grão-Mestre Fundador de que "o limite da Tolerância é a estupidez". Já tinha sido proferida a clássica piada do "eu sou tão tolerante que, sendo benfiquista, estou bem e contente aqui entre

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dois sportinguistas" (ou vice-versa) - Nota para os leitores do Brasil,talvez desnecessária, mas à cautela colocada: Benfica e Sportingsão os dois grandes clubes desportivos de Lisboa, mantendo entresi assinalável rivalidade, tal como, imagino eu, sucede no Rio deJaneiro em relação ao Fla-Flu ou, em Porto Alegre, em relação aoGrémio e ao Internacional.

Foi então que o Hélder se levantou. O Hélder é um dos fundadoresda Loja. Está muito bem conservado para a idade. Ninguém lhe dáos setenta anos que tem - e se, alguém, porventura, quisessedá-los, o Hélder de imediato os recusaria, dizendo que já os tinha,não precisava de outros... É um espírito culto, sagaz, sabedor ebem-disposto, que maneja com invulgar à-vontade a difícil arte daironia. Seja sobre que assunto for, quando o Hélder fala, todos lheprestam atenção. Mas então quando o Hélder se levanta para falar,todas as conversas cruzadas se suspendem, todos os olhares ofixam e o silêncio expectante instala-se em menos de um ai!

O Hélder levantou-se, pois - e o silêncio instalou-se! Mas, paraadensar o suspense, o Hélder não se limitou a levantar-se.Pediu ao Irmão que se sentava ao seu lado direito para se levantartambém, dizendo que precisava dele de pé para que todosentendessem bem o que ele ia dizer! Não há dúvida que o Hélder émestre em garantir toda a atenção de toda a gente na sala. Egarantiu-a automaticamente! Todos aguardavam expectantes o queele ia dizer, de pé e com um Irmão de pé ao seu lado!

Disse então o Hélder mais ou menos isto:

- Querem os meus prezados Irmãos saber quais os limites daTolerância? Então vou explicar-vos com um exemplo claro, quetodos vós vão entender.

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- Como sabem, ao longo dos meus mais de cinquenta anos detrabalho, conheci muita gente e muita gente me conhece. Sãotantos e em tantos lados que, às vezes nem já reconheço todos.Mas é frequente aparecer alguém que me conhece e,saudando-me, "então como está o meu amigo", me dá umapequena pancada amigável no ombro - e o Hélder exemplifica,dando uma pequena pancada na omoplata esquerda do Irmão quecolocara de pé ao seu lado direito.

- Eu claro que tolero isso. É normal; é até simpático. E prossegue:

- Àqueles que me conhecem melhor, que são meus amigos, atétolero quando me saúdam, "Bons olhos te vejam...", e me dão umapancada amigável no meio das costas - e o Hélder continua aexemplificar dando uma pequena pancada na zona lombar doIrmão ao seu lado.

- Tolero isso também com toda a normalidade.

De seguida, placidamente, conclui:

MAS O LIMITE DA TOLERÂNCIA ESTÁ NO CINTO!!!!!

Gargalhada imediata, geral e prolongada!

Ou muito me engano ou esta é daquelas frases que vai fazerescola e ser muitas vezes citada... Se a ouvirem, ficam a saber asua origem!

Rui Bandeira

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A trolha

November 20, 2013

A Maçonaria utiliza os artefatos e ferramentas ligados à atividadeda construção como símbolos ilustrativos dos ensinamentos queprocura transmitir e preservar. É o caso, por exemplo, da trolha.

A trolha, ou colher de pedreiro, é uma ferramenta do ofício daconstrução utilizada para separar, transportar, projetar ou colocarargamassa, massa ou cimento nas superfícies, paredes ou muros,de uma construção. Serve também para alisar a massa, argamassaou cimento colocada, por exemplo, numa placa ou na união entrepedras ou tijolos de uma parede ou muro.

Tendo em conta estas utilidades para o ofício da construção, aMaçonaria Especulativa adapta o conceito para simbolizar virtudesou comportamentos que devem ser adotados pelos maçons enaturais numa Loja maçónica.

Tal como a ferramenta operativa alisa as superfícies, assimtambém o maçom deve utilizar a trolha da concórdia, daconciliação, para alisar, regularizar, aplainar diferenças ou conflitosentre Irmãos.

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A Fraternidade não é necessariamente um oásis de paz e ausênciade conflitos. Tal como os irmãos biológicos, embora mantendoentre si laços fortes de solidariedade e amor fraternal, não obstantetêm frequentes desacordos, querelas, conflitos, que aprendem aregular sem pôr em causa a sua relação fraternal, também osIrmãos maçons estão sujeitos á erupção de conflitos e desacordosentre si, que devem regular preservando as suas fraternaisrelações.

Devem, por isso, sempre ter ao alcance de sua consciência a trolhada conciliação, da boa-vontade, do saber olhar pelo ponto de vistado outro, para alisar as diferenças, conciliar os interesses oupropósitos divergentes.

A trolha simboliza ainda a benevolência, a tolerância, a indulgência,perante as asperezas, os defeitos alheios, espalhando sobre eles amassa do perdão, do esquecimento de injúrias ou agravos, em prolda harmonia da construção.

O maçom não se deve também esquecer nunca que, tal como sevê na necessidade de utilizar a trolha para alisar as asperezas quevê em outros, também os demais utilizam idêntico instrumentosimbólico em relação às suas próprias imperfeições. A tolerância, afraternidade, funcionam em sentido duplo. Ninguém tem o direito dereclamar para si o perdão ou a complacência em relação aos seuserros sem ele próprio ter idêntica atitude em relação aos demais.

Manejar a trolha simbólica não é fácil. Exige treino, exige habituação, exige bom-senso. Só progressivamente aquele que entra na Maçonaria se habitua a manejar esta ferramenta simbólica. Enquanto as ferramentas por excelência do Aprendiz são o maço e o cinzel, com que desbastam a sua pedra bruta, corrigindo-se das maiores asperezas e dando-se forma adequada

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para colocação útil no Grande Templo da Harmonia Universal, eque as ferramentas do Companheiro são essencialmente o prumo,o nível e o esquadro, com que colocam a pedra já aparelhada nosítio certo e útil, o Mestre Maçom tem como instrumentosessenciais a Prancha de Traçar, onde traça os planos daconstrução de si mesmo e do seu comportamento e - precisamente- a trolha, com que espalha o cimento da harmonia, que unedefinitivamente todos os materiais da sua construção de si.

Rui Bandeira

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Rui Clemente Lelé (26/8/1958-18/11/2013), maçomorganizado

November 27, 2013

Há pouco mais de uma semana, a notícia da passagem ao Oriente Eterno do Rui Clemente Lelé chegou, chocante e inesperada. Sabia que o Rui tinha sido, dias antes, submetido a uma delicada intervenção cirúrgica, mas também sabia que se tratara de uma intervenção programada e que havia notícia de que tinha corrido

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bem e o Rui passara sem problemas o período de recobro e demaior risco. Mas, embora gradualmente diminuindo, há sempre umrisco numa intervenção cirúrgica - e, no caso do Rui, aconteceu oque já se pensava estar ultrapassado.

O Rui foi fundador da Loja Mestre Affonso Domingues, no ano de1990. Quando, no ano seguinte, eu, oriundo de uma Lojagermânica, ingressei na mesma Loja, integrámos juntos a Colunados Companheiros. Fomos Exaltados Mestres Maçons na mesmasessão. Vivemos e partilhámos juntos os tempos, para nósmemoráveis, da implantação e consolidação da Loja. Ao longo demais de duas décadas, partilhámos cumplicidades edistanciamentos, mas sempre uma sólida e pacata amizade emútua consideração.

Homem de convicções firmes e espinha direita, o Rui não tevesempre uma vida fácil. Frontal e direto, não temia expressar assuas opiniões e defender as suas convicções fosse perante quemfosse. As suas capacidades rapidamente conduziram a que oGrão-Mestre Fundador lhe confiasse funções na Grande Loja. Masa sua frontalidade e independência de espírito não demorarammuito a levá-lo a entrar em rota de colisão com o carismáticofundador. O embate foi de tal ordem que a situação tinha dequebrar pelo lado mais fraco e esse era, então, o do Rui. Teve dese afastar, de adormecer.

Aquando da cisão da Grande Loja, o Rui estava adormecido. Pôderegressar e foi um elemento precioso na reorganização que setornou necessária. Mais tarde, veio a dar também um importantecontributo na reunificação.

A sua saúde já o traíra, há alguns anos. A sua função renal deteriorou-se irreversivelmente e o Rui teve de se submeter a um

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transplante renal. Infelizmente, mais uma vez a sorte não estevecom ele. O seu organismo rejeitou o rim transplantado e, desdeentão, o Rui passou a ter que organizar a sua vida em função danecessidade de efetuar, várias vezes por semana, sessões dediálise.

Nem o abalo de saúde nem o evidente incómodo que passou amarcar a sua vida abateram o Rui. Conciliou o trabalho com ostratamentos, a família, os seus interesses dos tempos livres e, denovo, a Maçonaria. Como todos os homens habituados a fazer ascoisas acontecerem, organizou-se e arranjou tempo para tudo,fazendo até parecer que era fácil...

Quando regressou, fê-lo, naturalmente, à sua Loja, a MestreAffonso Domingues. Rapidamente se reintegrou, assumindo asfunções que lhe foram sendo sucessivamente confiadas. Veio a sero vigésimo Venerável Mestre da Loja. Então mais uma vez os seusdotes de organizador se revelaram e dirigiu a Loja com eficiência,motivando os seus obreiros para bem realizarem todas as tarefasde que os incumbiu.

O atual Grão-Mestre confiou-lhe o exercício da importante função de Grande Secretário, sabendo que as suas capacidades de gestor e de organizador o levariam a ter êxito - como teve - nesta importante tarefa. Teve um importante papel na preparação da reunificação da Grande Loja. Para isso, teve de tomar a sempre difícil decisão de sair da sua Loja Mestre Affonso Domingues, para alçar colunas e ser o primeiro Venerável de uma nova Loja, que teve como primeira missão acolher e integrar os vários elementos que, antes da reunificação formal, batiam à porta da Grande Loja e solicitavam a sua admissão ou readmissão nela. A essa Loja atribuiu o nome de Fernando Teixeira, o Grão-Mestre Fundador,

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que também propiciara, mais tarde, a cisão. Com isso demonstrou,mais uma vez, a sua largueza de espírito e ausência de rancor. Ofacto de ter tido importante confronto com o Grão-Mestre Fundador,grave ao ponto de ter tido então que suspender a sua atividademaçónica, não o impediu de homenagear, merecidamente, quemfoi e é credor da admiração dos maçons regulares portugueses,pela sua visão estratégica, pelo importantíssimo papel que teve noregresso da maçonaria Regular a Portugal e no reconhecimentointernacional da Grande Loja. Revelou também a sua inteligência,ciente que foi que, quinze anos passados e esbatidos eultrapassados os fatores que determinaram a dolorosa cisão, eratempo de passar a trolha do apaziguamento sobre todos essesacontecimentos e homenagear quem era admirado por ambos oslados da cisão ocorrida.

O Rui foi um entusiasta da prática do golfe. A deambulação peloscampos de golfe, atrás da bolinha que repetidamente se vaitaqueando do ponto A ao ponto B, ultrapassando distâncias eobstáculos, contribuía para o seu equilíbrio físico e psicológico. Foium entusiasta organizador de torneios de golfe, com as receitasdestinadas a fins de beneficência.

Também foi um amante da fotografia. Não do mero registo de imagens que a facilidade dos modernos telemóveis com câmaras de milhões de pixels possibilita, mas da fotografia a sério, buscando imagens de qualidade e dignas de serem registadas em telas de grandes dimensões. Na última sessão de Grande Loja (não sabíamos então que seria mesmo a sua última sessão de Grande Loja!) efetuou uma exposição de várias de fotografias suas assim registadas em tela, todas de grande qualidade. Doou uma dessa fotografias em tela para ser sorteada. Tive a fortuna de ser o

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premiado com ela. Está exposta no corredor do meu escritório.Todos os dias de trabalho a vejo e admiro. É agora mais um fatorde recordação do Rui!

Foi um católico praticante e consequente.

O Rui, com o seu temperamento bem-disposto, atencioso e afávelgranjeou o apreço de todos os maçons que com ele lidaram. A suapassagem ao Oriente Eterno naturalmente que chocou todos. Mastodos também se congratulam por terem tido a oportunidade deprivar com ele. Foi um bom exemplo para todos nós. Foi umconfortável amigo para muitos de nós. É agora uma apaziguadoralembrança. Até um dia, Rui!

Rui Bandeira

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Salomão Sequerra Amram (1933-2013), maçom discreto

December 04, 2013

Diz o Povo que um mal nunca vem só. Os provérbios popularesadvêm de constatações empíricas, umas vezes justificadas, outrasapenas decorrendo da maior ou particular atenção que, em certascircunstâncias, se dá a uma categoria de fenómenos. A extinção davida é um desses fenómenos que, quando ocorre em relação aalguém perto de nós, estimula esse tipo de atenção. É, assim,comum que, quando alguém próximo de nós se extingue, haja atendência de nos interrogarmos da proximidade de outro eventosemelhante. E, às vezes, a álea da vida confirma a dúvida.

Ainda mal refeitos da notícia da Passagem ao Oriente Eterno deum Irmão que foi fundador da Loja Mestre Affonso Domingues,fomos surpreendidos por outra de natureza semelhante, a daPassagem ao Oriente Eterno de Salomão Sequerra Amram.

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O Salomão, insigne cardiologista, que nos deixou no dealbar dasua oitava década de vida, já se retirara da Loja há alguns anos.Dos atuais obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues, poucosprivaram com ele. Só os mais antigos dele se recordam, comapreço.

O Salomão esteve poucos anos junto de nós e primou sempre peladiscrição. Apesar do seu enorme prestígio profissional, nuncapuxou de galões de sabedoria médica. Ouvia mais do que falava.Sorria bastante, normalmente com aquele sorriso benévolo que osque bem viveram mostram com frequência, perante osentusiasmos, as perspetivas, as perplexidades dos mais novos, queainda se surpreendem com aquilo que pelos mais velhos já hámuito deixou de ser novidade.

Apesar da sua valia e reconhecimento profissionais, recordo-me daforma natural e interessada como o vi sentado nas filas traseirasdas Colunas, como, com naturalidade, cumpriu o seu longo períodode silêncio e como apesar dos seus afazeres, apresentou as suaspranchas de proficiência, professor regressado à posição de alunoque apresenta o resultado de seu estudo a um júri que, sendo depares, não deixava de ser de julgadores.

Professando e praticando a religião judaica, sempre se integrou nogrupo com todo o à-vontade.

A sua postura, se bem a consigo definir, foi sempre de uma discretae solícita atenção e participação. Estava sempre disponível paraajudar ou para esclarecer, mormente no que à sua profissão diziarespeito.

Depois, o peso da idade e da saúde a fragilizar começou a cobrar o seu tributo e o Salomão teve de cessar a sua participação na Loja. Fê-lo com a elegância que sempre o caraterizou. Ao ver que não

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podia continuar a ser um obreiro assíduo, pediu e recebeu o seuatestado de quite e adormeceu. Assim fazem os homens de bem.Assim farei eu porventura um dia que verifique não poder continuara assegurar a assiduidade na Loja.

Foi uma honra ter privado com o Salomão. Foi uma lição poderverificar como o valor e a competência não impedem a simpatia, adisponibilidade e a humildade.

Salomão Sequerra Amram deu-nos a honra de ser um dos nossos.Orgulhosamente aqui o evocamos.

Rui Bandeira

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Farinha do mesmo saco

December 10, 2013

Em tempos idos, depois da colheita e da debulha, tomavam osagricultores o seu grão que levavam ao moleiro para que otransformasse em farinha. Diversas variedades de grão davamorigem a diversos tipos de farinha, que não se queriam misturados;afinal, farinha de trigo e farinha de centeio resultam em tipos de pãomuito diferentes... Por isso, cada um dos vários tipos de farinha eracuidadosamente ensacado separadamente dos restantes. Ficava,assim, a farinha mais fina separada da mais grosseira, e a maisbranca separada da mais escura.

O povo, pródigo em aforismos, terá visto nas várias qualidade de farinha uma metáfora para as qualidades humanas. Do latim nos chega, assim, a expressão ejusdem farinae ("da mesma farinha"), dizendo-se de vários indivíduos serem, como diríamos hoje, "farinha do mesmo saco", quando apresentassem qualidades ou defeitos comuns. No fundo, a expressão dá a entender que os

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bons se juntam aos bons, enquanto os maus andam na companhiados maus.

Não é segredo nenhum que os maçons procuram acolher no seuseio pessoas com determinadas qualidades. Sendo a maçonariaum instrumento cuja finalidade é o aperfeiçoamento do homem e doHomem não é de estranhar que seja essencial que o indivíduo quepretende ser maçon tenha esse desejo de se tornar numa pessoamelhor. Pretendendo-se, por outro lado, cultivar um ambiente defraternidade obriga, igualmente, ao desenvolvimento de umproporcional sentido de tolerância. Por fim, e acima de tudo, nadadisto pode ser conseguido por quem não seja uma pessoa de bem;a vileza de propósitos é absolutamente incompatível com osprincípios da maçonaria.

Serão, então, os maçons uma massa homogénea - de espíritoselevados, dirão uns, ou de energúmenos, dirão outros? De modoalgum. Antes do mais, porque não é isso o que se pretende; orespeito pela diversidade, mais do que acarinhado, é um dospilares da maçonaria: a famosa "tolerância maçónica". Por outrolado, porque os maçons nem sempre são tão eficazes quanto seriadesejável no crivo pelo qual fazem passar os candidatos. Acabam,assim, por ser admitidos indivíduos que não deveriam sê-lo.

A maior parte destas admissões "por engano" acaba por se resolver num prazo curto. Não é inaudito alguém ser iniciado, aparecer a algumas sessões, e depois deixar de aparecer. Outros ficam mais tempo; no entanto, ao fim de um par de anos, chegados ao grau de Mestre, desaparecem como os primeiros. Uns e outros acarretam um desperdício de tempo e de esforço, quer dos próprios quer da Loja. No entanto, é sempre feito um esforço suplementar no sentido de se endereçar o que tenha corrido menos bem, e no

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sentido de se ajudar o irmão em causa a reconquistar o ânimo, avontade, ou tão somente a disponibilidade.

Por fim, há os que vão ficando, pelo menos em corpo - mas não emespírito, em vontade ou em união com os demais. Bebem da fonteda maçonaria apenas o que lhes interessa, mas esquivam-se dareciprocidade que deles se espera - não reciprocidade material,mas de tempo, esforço e serviço. Mas como a maçonaria prezamuito a liberdade de cada um, e a ninguém exige aquilo que nãoqueira - ou não possa - dar, estes são, muitas vezes, metidos nomesmo saco dos "pouco disponíveis" ou, enfim, dos "poucodotados".

É inconcebível esperar que, entre milhares de pessoas, não hajaum punhado de indivíduos dissimulados, de má índole, ou com umaagenda própria. E porque basta uma pequena contaminação paracondenar todo um saco, se a maçonaria fosse um saco de farinhaas autoridades sanitárias não nos poupavam: ia tudo pelo ralo.

Por mais que o queiramos - e que o ideal seja esse - a maçonariareal, feita de maçons de carne e osso, não é um impoluto saco defarinha fina e branca, imaculada como a neve. É, antes, umairregular farinha de mistura de cereais diferentes, com pedaços defarelo e grão mal moído, a que não falta uma ou outra caganita derato. Bem amassada com água e com o sal que tempera os nossosdias, submetida ao calor de um forno que a liberta dos efeitosnefastos das impurezas, obtém-se um pão saboroso e único -saboroso porque provém de todos, e único porque provém de cadaum - para mais enriquecido com uma dose q.b. de elementospatogénicos para treinar o nosso sistema imunitário.

Há indivíduos na maçonaria que fazem coisas que não deveriam? Sem dúvida. E que, porventura, não deveriam ter sido recebidos

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maçons? Também. E que até já foram expulsos da maçonaria porcausa do que fizeram? Incontestável. O que não é verdade é quesejam esses quem define o que é a maçonaria, ou o que esta deveou não deve ser. Não basta, como fazem alguns, apontar-se ummau maçon - ou uma dúzia deles! - para descredibilizar, deimediato, toda a instituição.

Todo o pressuposto está errado. As pessoas não são farinha, ascompanhias não nos definem, e o mal não se propaga assim. Ou,como jocosamente disse Millôr Fernandes, “Diz-me com quemandas e dir-te-ei (que língua a nossa!) quem és. Pois é: Judasandava com Cristo. E Cristo andava com Judas.”

Paulo M.

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Esquadro e compasso

December 11, 2013

Talvez o mais conhecido dos símbolos da Maçonaria seja o que éconstituído por um esquadro, com as pontas viradas para cima, eum compasso, com as pontas viradas para baixo.

Como normalmente sucede, várias são as interpretações possíveispara estes símbolos.

É corrente afirmar-se que o esquadro simboliza a retidão de caráter que deve ser apanágio do maçom. Retidão porque com os corpos do esquadro se podem traçar facilmente segmentos de reta e porque reto se denomina o ângulo de 90 º que facilmente se tira com tal ferramenta. Da retidão geométrica assim facilmente obtida se extrapola para a retidão moral, de caráter, a caraterística daqueles que não se "cosem por linhas tortas" e que, pelo contrário, pautam a sua vida e as suas ações pelas linhas direitas da Moral e da Ética. Esta caraterística deve ser apanágio do maçom, não especialmente por o ser, mas porque só deve ser admitido maçom quem seja homem livre e de bons costumes.

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É também corrente referir-se que o compasso simboliza a vida correta, pautada pelos limites da Ética e da Moral. Ou ainda o equilíbrio. Ou a também a Justiça. Porque o compasso serve para traçar circunferência, delimitando um espaço interior de tudo o que fica do exterior dela, assim se transpõe para a noção de que a vida correta é a que se processa dentro do limite fixado pela Ética e pela Moral. Porque é imprescindível que o compasso seja manuseado com equilíbrio, a ponta de um braço bem fixada no ponto central da circunferência a traçar, mas permitindo o movimento giratório do outro braço do instrumento, o qual deve ser, porém, firmemente seguro para que não aumente ou diminua o seu ângulo em relação ao braço fixo, sob pena de transformar a pretendida circunferência numa curva de variada dimensão, torta ou oblonga, assim se transpõe para a noção de equilíbrio, equilíbrio entre apoio e movimento, entre fixação e flexibilidade, equilíbrio na adequada força a utilizar com o instrumento. Porque o círculo contido pela circunferência traçada pelo instrumento se separa de tudo o que é exterior a ela, assim se transpõe para a Justiça, que separa o certo do errado, o aceitável do censurável, enfim, o justo do injusto. Também é muito comum a referência de que o esquadro simboliza a Matéria e o compasso o Espírito, aquele porque, traçando linhas direitas e mostrando ângulos retos, nos coloca perante o facilmente percetível e entendível, o plano, o que, sendo direito, traçando a linha reta, dita o percurso mais curto entre dois pontos, é mais claro, mais evidente, mais apreensível pelos nossos sentidos - portanto o que existe materialmente. Por outro lado, o compasso traça as curvas, desde a simples circunferência ao inacabado

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(será?) arco de círculo, mas também compondo formas curvas complexas, como a oval ou a elipse. É, portanto, o instrumento da subtileza, da complexidade construída, do mistério em desvendamento. Daí a sua associação ao Espírito, algo que permanece para muitos ainda misterioso, inefável, obscuro, complexo, mas simultaneamente essencial, belo, etéreo. A matéria vê-se e associa-se assim à linha direita e ao ângulo reto do esquadro. O espírito sente-se, intui-se, descobre-se e associa-se portanto ao instrumento mais complexo, ao que gera e marca as curvas, tantas vezes obscuras e escondendo o que está para além delas - o compasso. Cada um pode - deve! - especular livremente sobre o significado que ele próprio vê nestes símbolos. O esquadro, que traça linhas direitas, paralelas ou secantes, ângulos retos e perpendiculares, pode por este ser associado à franqueza de tudo o que é direito e previsível e por aquele à determinação, ao caminho de linhas direitas, claro, visível, sem desvios. O compasso, instrumento das curvas, pode por este ser associado à subtileza, ao tato, à diplomacia, que tantas vezes ligam, compõem e harmonizam pontos de vista à primeira vista inconciliáveis, nas suas linhas direitas que se afastam ou correm paralelas, oportunamente ligadas por inesperadas curvas, oportunos círculos de ligação, improváveis ovais de conciliação; enquanto aquele, é mais sensível à separação entre o círculo interior da circunferência traçada e tudo o que lhe está exterior, prefere atentar na noção de discernimento (entre um e outro dos espaços). E não há, por definição, entendimentos corretos! Cada um adota o

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entendimento que ele considera, naquele momento, o mais ajustado e, por definição, é esse o correto, naquele momento, para aquela pessoa. Tanto basta! O conjunto do esquadro e do compasso simboliza a Maçonaria, ou seja, o equilíbrio e a harmonia entre a Matéria e o Espírito, entre o estudo da ciência e a atenção às vias espirituais, entre o evidente, o científico, o que está à vista, o que é reto e claro e o que está ainda oculto ou obscuro. O esquadro é sempre figurado com os braços apontando para cima e o compasso com as pontas para baixo. Ambas as figuras se opõem, se confrontam: mas ambas as figuras oferecem à outra a maior abertura dos seus componentes e o interior do seu espaço. A oposição e o confronto não são assim um campo de batalha, mas um espaço de cooperação, de harmonização, cada um disponibilizando o seu interior à influência do outro instrumento. Assim também cada maçom se abre à influência de seus Irmãos, enquanto que ele próprio, em simultâneo, potencia, com as suas capacidades, os seus saberes, as suas descobertas, os seus ceticismos, as suas respostas, mas também as suas perguntas (quiçá mais importantes estas do que aquelas...) a modificação, a melhoria, de todos os demais. Tantos e tantos significados simbólicos podemos descobrir e entrever nos símbolos mais conhecidos da Maçonaria... Aqui deixei, em apressado enunciado, alguns. Cada um é livre, se quiser, de colocar na caixa de comentários, o seu entendimento do significado destes símbolos, em conjunto ou separadamente, ou apenas de um só deles. Todos os significados simbólicos são bem-vindos! Cada um é também livre de, se quiser, nada partilhar, guardando para si

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as conclusões que nesse momento tire. Tão respeitável é umacomo outra das posições. Este espaço é livre e de culto daLiberdade. Afinal de contas, tanto o esquadro como o compassoestão abertos... abertos às livres opções, entendimentos e escolhasde cada um! Rui Bandeira

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Do problema que não foi, à solução pelo desafio

December 12, 2013

Por uma particularidade que não foi cogitada, viu-se a Loja MestreAffonso Domingues numa situação inusitada. O seu VenerávelMestre por razões pessoais, vê-se compelido a ausentar-se por umperíodo de pelo menos 5 sessões consecutivas.

Esta ausência, embora não deixando a Loja sem Venerável dedireito, deixou-a sem Venerável de facto.

Se esta fosse uma associação qualquer a decisão seria de iradiando o que fosse adiável, tornar adiável tudo que o não sendopudesse sem grande prejuízo ser adiado e consequentementefazer apenas aquilo que fosse mesmo premente e urgente.

Mas uma Loja maçónica não é uma associação qualquer. NumaLoja não se adia, faz-se, não se protela decide-se, e por issodesengane-se o leitor se pensou que no impedimento do Venerávelos maçons da Loja Mestre Affonso Domingues iriam desanimar epausar o seu trabalho.

Um Maçon pousa as suas ferramentas apenas e quando é chamado a fazer a derradeira viagem, mas sobre isso foi já escrito

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nos múltiplos textos colocados In Memoriam, logo umaadversidade como a que ocorre actualmente apenas pode serresolvida à maneira dos Maçons ou seja com trabalho.

Uma das belezas da Maçonaria, e estou certo que isto já foi poraqui abordado num ou noutro ou mesmo mais textos, é que não épreciso inventar nada. Tudo está previsto, quer pelos regulamentos,quer pelos landmarks, quer pela jurisprudência, quer pelo saberacumulado dos mais antigos. Aliás numa das muitas cerimóniasque realizamos, o Grão Mestre ao entregar o regulamento geral aorecipendiário do mesmo afirma com a natural convicção de quemsabe que naquele regulamento se encontrá solução para todo equalquer problema que possa surgir num Loja.

Ao anuncio de possível impossibilidade feito pelo ainda entãoVenerável Mestre eleito, respondeu a Loja com " isso não é umproblema pois se ainda não é mais que uma possibilidade não podeser um problema, e mais se porventura se vier a concretizartambém ai não será um problema porque existem soluções, seráquanto muito um desafio".

O cenário de ausência, como disse acima, concretizou-se. Actocontinuo a solução preconizada no regulamento geral foi aplicadaipsis verbis, gerando-se aqui uma oportunidade de ver se de facto oque o regulamento estipula é passível de ser aplicado semproblemas ou se seria uma solução apenas teórica e logo semaplicação prática. Nada melhor que aplicar teorias na pratica paraver se o "teorizador" era homem de tino ou não !

E não é que funciona mesmo ! Sem tirar nem por. Tal qual lá estáno artigo correspondente que regula a ausência de VenerávelMestre.

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Tiramos daqui uma lição. Os regulamentos quando bem feitosservem de facto para resolver as coisas.

Mas uma Loja não é só regulamentos. A adversidade fez tocar areunir !

E de repente Irmãos que andavam um pouco afastadoschegaram-se mais para perto. Vieram para ajudar, com a suapresença mas não só, com as suas ideias, com as suas formas dever e de fazer.

E tiramos mais uma lição, a da disponibilidade.

Mas não foi só.

Quando estudante os meus pais bastas vezes me acusavam de teras matérias "coladas com cuspo", ou seja estavam na memóriaefémera e como tal desapareciam rapidamente.

Na Loja Mestre Affonso Domingues, e como em muitos textos foitratado, sempre se privilegiou o ensino, a formação, a proficiência ecomo tal houve sempre empenho na transmissão deconhecimentos.

Esta transmissão sempre foi feita de maneira a que a acusaçãoacima não pudesse ser feita, muitas vezes sem que os própriosdestinatários percebessem bem a insistência e a repetição.

E hoje na adversidade naturalmente quem é chamado a fazeraparece e faz, como se fosse na ultima sessão que tivesse feito oudesempenhado o cargo pela ultima vez. Na verdade para alguns jáfazia mais de uma década que não desempenhavam similaresfunções.

A terceira lição aparece aqui. O ensino estruturado, a proficiência, ainsistência na aprendizagem, a transmissão geraram que quemaprendeu interiorizou os conceitos, tornou-os seus.

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Aqui permito-me incluir também quem foi chamado este ano pelaprimeira vez a desempenhar funções, porque tem sido um prazerver a geração importante, não porque o sejam enquanto indivíduos,mas porque são a geração que tomará os destinos da Loja dentrode muito pouco tempo, a assumir-se e a exceder-se sessão asessão na excelência dos seus desempenhos

Uma Loja, que tenha trabalhado ao longo dos anos na construçãodos seus alicerces, das suas bases tem melhores possibilidades deatravessar uma dificuldade, e isso constata-se. Este tipo detrabalho não é na maior parte das vezes atractivo. Não trásvisibilidade externa, não faz os obreiros sobressaírem no meio dosoutros como sendo mais performantes, ou mais presentes ou maisdesejados para outros projectos. Mas deixa-nos mais preparados.

E como a Maçonaria não se faz, não se mostra, não se exibe,porque apenas se vive então uma melhor preparação dos Irmãosfaz com cada um possa vive-la de forma mais plena e gratificante eassim todos beneficiamos.

Hoje quando saí da sessão e retornei a casa, apesar de cansado ede estar em estado de "matutanço" ( um estado que o Rui Bandeirajá me atribuiu várias vezes) senti que tinha valido a pena. Tinhavalido a pena porfiar ao longo destes anos todos, não sozinhocomo é evidente. Este porfiar permite que cada vez mais me vejacomo dispensável ( porque de indispensáveis está o cemitériocheio) e isso para um " marreta" é bom. Muito bom. Significa duascoisas, que o caminho tem estado certo, mas mais importante éque um novo desafio se começa a formar. Se o que sei já estápassado, então tenho que ir aprender mais coisas, pensar emnovas formas, e sobretudo em novos conteúdos para podercontinuar a ir passando conhecimento.

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José Ruah

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A morte.

December 13, 2013

A minha ilusão pode perfeitamente ser a tua ilusão, a tua vidainteira, as nossas, mas não é e, em boa verdade, é impossível de oser e ambos o sabemos. Mas (também) sei que aqui não háqualquer ilusão. És matreira e até falsa, pois fazes as “coisas” sempré-aviso e de uma forma insensível, portanto a ilusão, a existir, éapenas fruto da minha ingénua imaginação.

A nossa relação, não é, nunca foi, nem nunca vai ser fácil,recuso-me, por muito que me eduquem para tal, a reconhecer-tecomo uma fase desta passagem, é algo meu, sem falsos rodeios,posso afirmar-te, a ti e a quem quiser, é pura e sentidareciprocidade.

Não somos, nem nunca vamos ser amigos, é de todo impossívelnutrir por ti, outro qualquer sentimento que não seja a repulsa.Como poderei respeitar, encarar e entender algo que não se dá aconhecer? Por muito fértil que fosse a minha imaginação, até tureconheces, que é de todo impossível.

Compreendo que não tenhas de avisar-me de nada do que fazes,não sou nem quero ter esse ónus, entendo que seja essa a ordemnatural de algo superior que sinto mas não consigo alcançar com oolhar, por muito que o quisesse. Sei ainda que a naturalidade comque tomas as tuas atitudes são acasos do ocaso, no limiteconseguirei compreender tudo aquilo que fazes.

Quando levas contigo alguém de quem gosto, alguém pelo qualnutro sentimentos nobres, como a amizade, o respeito e o amor,hás-de convir que ainda menos te entendo, podes fazer a todos osoutros, mas não a mim. É injusto. Chega a ser imoral.

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Não tenho especial gosto em escrever-te direta e abertamentedesta forma, mas a não compreensão da tua existência eproximidade com o meu pequeno mundo a isso me obriga.

Um dia, quando entenderes que é chegada a minha hora, ireirelembrar-te de tudo isto e, darei muita luta, pois se agora pensoassim, o passar dos anos farão vincar ainda mais estas minhasideias.

Nesse dia, mesmo a dizer que não quero ir, que não é a minhahora, sei que irei contra vontade, e nesse dia, acredito quepassemos a ser amigos.

Daniel Martins

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Pavimento Mosaico

December 18, 2013

Em todas as Lojas maçónicas regulares está presente, em todo ouem parte do solo da sala onde ocorrem as sessões de Loja, umpavimento mosaico, constituído por um conjunto de quadradosbrancos e negros, colocados alternadamente entre si.

O símbolo remete claramente para a dualidade - mas também para a harmonia entre os opostos. Cada quadrado de uma das cores está rodeado de quadrados da outra cor. É assim frequente referir-se ao recém-iniciado que o pavimento mosaico representa a sucessão entre os dias e as noites, o bem e o mal, o sono e a vigília, o prazer e a dor, a luz e a obscuridade, a virtude e o vício, o êxito e o fracasso, etc.. Mas também a matéria e o espírito como componentes do Homem. Ou, simplesmente, recordar que, como

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resulta da lapidar equação de Einstein, a matéria é composta pormassa, mas também por energia.

O dualismo provém de antigas tradições humanas. A civilizaçãosuméria dotava os seus templos de piso em pavimento mosaico,que só podia ser pisado pelo sacerdote no mais alto grau dahierarquia e só em dias de eventos importantes. Convencionou-seque o Santo dos Santos do Templo de Salomão teria um pavimentomosaico.

A filosofia pitagórica postulava que o UM se transformava em DOISrefletindo-se a si próprio e separando-se, original e reflexo, sendoassim o UM o princípio criador estático e o representando o DOIS adinâmica da Criação. A interação entre o UM e o DOIS gerou oTRÊS, a Criação. Esta resultou, assim, da interação entre oestático e o dinâmico.

De onde resulta que a dualidade é fecunda, que é necessária apresença da dualidade para haver criação. Mas resulta ainda maisdo que isso: não basta que exista dualidade, tem que haverinteração entre os opostos para que a criação aconteça. Nãobastam dois opostos estáticos; é necessário que esses doisopostos sejam dinâmicos e interajam entre si. Não basta, assim, adualidade, é necessária a polaridade.

O pavimento mosaico recorda-nos assim que a vida é feita de contrastes, de forças opostas que se influenciam entre si, e que é através dessa influência mútua que ocorre a mudança, o avanço, a evolução. No fundo, a antiga asserção de que toda a evolução se processa através do confronto entre a tese a a antítese, daí resultando uma síntese, que passa a constituir uma nova tese, que se defrontará com outra antítese até se realizar uma nova síntese, que é um novo recomeço, assim e assim sucessivamente numa

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perpétua evolução...

Assim sendo, o que tomamos por mal, por desagradável, o queprocuramos evitar, sendo-o assim, não deixa, porém, de sernecessário - pois é do confronto desse mal com o bem, do quequeremos evitar com o que gostaríamos de conservar, daquilo quenos desagrada com aquilo que nos conforta, que resulta avanço,mudança, tendencialmente progresso (tendencialmente, porquenada se deve tomar como garantido: por vezes, a mudançamostra-se retrocesso...).

Nesse sentido, o bem, por si só é estático e estéril. O bem só evoluiem confronto com o mal. É desse confronto entre ambos queresulta algo, é esse confronto bipolar que é fecundo. Aliás, em bomrigor, só podemos definir o bem em confronto com o mal, tal comonecessitamos da sombra para bem apreender o que é a luz... SeAdão permanecesse no Paraíso, ainda hoje Adão seria Adão enada mais do que Adão, feliz com sua nudez, mas inapelavelmenteboçal. Foi o mal da expulsão do Paraíso que obrigou Adão a deixarde ser mera criatura e passar a ser homem; ou seja, a Humanidadesó evolui porque sempre necessitou de se confrontar com o perigo,com a fome, com a necessidade, em suma, com o mal, e teve desuperar todos os sucessivos obstáculos para atingir sucessivospatamares de bem, de satisfação, sempre confrontada com novosperigos, obrigando a novas superações. É ao superar ossucessivos obstáculos com que se depara que o Homem se superaa si mesmo.

O Pavimento Mosaico não é um espaço estático. É um caminho, com luzes e sombras, com espaços agradáveis e veredas desagradáveis, com seguranças e perigos. Ficar num quadrado branco e dele não sair não leva a lado nenhum... É necessário

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enfrentar a dualidade com que nos deparamos, suportar apolaridade inerente a tudo o que nos rodeia e, afinal, inerente a nóspróprios e... fazer-nos à vida! Se tomarmos mais opções certas doque erradas, teremos mais sínteses brancas do que negras edesbravaremos um caminho de avanço. Se ou quando (porque équase que inevitável que esse quando, muito ou pouco, cedo outarde, sempre apareça...) enveredamos por opções erradas,acabamos por cair em sombria síntese e deparar com retrocesso enão com o desejado progresso. Mas ainda assim, a solução não éficar onde se foi parar, com receio de novo retrocesso: é prosseguircom nova síntese, efetuar nova opção, desejavelmente que serevele boa, para melhor sorte nos caber. E assim, em perpétuomovimento, em contínua progressão de inesgotáveis sínteses, ohomem avança desde a sua tese inicial até à sua derradeirasíntese... que, do outro lado da cortina descobrirá que não foi umfim, mas apenas um novo recomeço, uma nova tese para, noutroplano, se confrontar com fecunda antítese...

Um simples pavimento mosaico serve de ponto de partida para a mais profunda especulação. Basta atentar e meditar e estudar e trabalhar dentro de si mesmo, juntando a intuição à razão (outra dualidade; ou melhor, polaridade, de fecunda potencialidade...). O Pavimento Mosaico, se atentarmos na sua perspetiva dinâmica, recorda sempre ao maçom que o principal do seu trabalho não se efetua na Loja, na execução do ritual, na realização de tarefas de Oficial, na discussão de pontos de vista. O principal do seu trabalho faz-se no confronto de si consigo próprio, no uso frequente e equilibrado das duas grandes ferramentas de que dispõe naturalmente, a sua Razão e a sua Intuição, para trilhar sozinho os seus caminhos (e descobrir que, afinal, encontra frequentemente

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outros nos cruzamentos a que vai chegando). Por isso, o maçomdeve reservar sempre uma parte do seu dia para efetuar a maisfecunda atividade que pode efetuar: pensar, meditar, especular.Tem as ferramentas. Só precisa de as usar. Dia a dia. E quantomais as usar e quanto mais frequentemente as usar, mais fácil éesse uso, mais gratificante é o seu trabalho. Também dentro decada um de nós há um pavimento mosaico, disponível para opercorrermos e nele ir tão longe quanto cada um quiser e puder!

Rui Bandeira

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Boas Festas!

December 25, 2013

Quis o calendário que, este ano, o dia da semana em quehabitualmente publico os meus escritos aqui no A PartirPedra corresponda, esta semana, ao dia 25 de dezembro, o dia emque os cristãos celebram o Natal.

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Desde a mais remota Antiguidade que a Humanidade celebra umafesta por volta do solstício de inverno (no hemisfério norte),celebrando o renascer da esperança, a vitória da Luz sobre aSombra que assola a paisagem, após a ocorrência do dia maiscurto - e consequentemente da noite mais longa - do ano. Estacelebração, pelas condições de vida impostas pela estação doano, tem a ver com recolhimento e solidariedade familiar, com areunião à volta do fogo, que aquece e ilumina. E relembra-nos que,suceda o que suceder, quaisquer que sejam as dificuldades, há umnúcleo que nos rodeia, protege, aconchega, acarinha, um grupo noseio do qual aprendemos a ser gente e gente responsável - afamília.

25 de dezembro é, para os cristãos, o dia de Natal, a celebração -em data que sabemos historicamente errada, mas sem que issotenha importância alguma, pois o que releva é o simbolismo que lheé atribuído - do nascimento de Jesus, filho de Maria, infanterepresentado em milhões de presépios por esse mundo fora, queviria a ser considerado o Cristo, do grego Khristós, que significa"Ungido", por sua vez uma tradução do hebraico M■ šîa■ (Messias)- fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cristo. É também, ou adquiriu, aolongo do tempo, por esse mundo fora, essa caraterística, acelebração da Família, a festa em que cada um de nós se reúnecom os seus e revive e celebra o aconchego que recorda dainfância e, adulto, procura reconstituir esse ambiente para ascrianças do seu núcleo familiar.

Hoje é um dia de festa! Festejemos, pois!

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Boas Festas para todos!

Rui Bandeira