A palavra mão no paradigma do português brasileiro e do alemão · seleção e organização dos...
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A palavra “mão” no paradigma do português brasileiro e do alemão
Amanda Kristensen de Camargo
(Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE)
Rosemary Irene Castañeda Zanette
(Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE)
Resumo: A palavra “mão”, no paradigma linguístico do Português Brasileiro, apresenta
recorrência pragmática ampla. Mediante essa reincidência, observa-se que a palavra ultrapassa
a fronteira de um significado uno, fragmentando-se, pois, semanticamente, e, muitas vezes,
lexicalmente - sofrendo alterações morfológicas mínimas. Esse item lexical está presente em
domínios discursivos diversificados: no cotidiano, no literário, no publicitário, entre outros,
assumindo tanto a condição denotativa, comum à arbitrariedade da língua, quanto conotativa,
geralmente em Expressões Idiomáticas (EIs). As EIs constituem construções frasais inusitadas
e indecomponíveis, realizadas a fim de ressignificar sensações que o falante considera
inexistentes no repertório de seu idioma (XATARA, 1998). Acredita-se que nessas
construções, em Português, o uso do item lexical “mão”, apresente assiduidade superior a que
apresentaria nas línguas germânicas, como no Alemão. Para observar tal questão, e a
especificidade da função dessa palavra nas EIs das duas línguas, tem-se como corpus, os
verbetes “mão” e Hand de dois dicionários on-line bilíngues, respectivamente PONS (2001-
2017) e MICHAELIS (2017). A fim de descrever concretamente a especificidade cultural e
polissêmica na construção das EIs das línguas mencionadas, dispõe-se, ainda, como base
teórica, de considerações de Biderman (1984, 2005), Ferraz (2006), Plantin (2015) Xatara
(1998, 2002), Xastre (2013), entre outros.
Palavras-chave: Fraseologia; Idiomatismo; Língua Portuguesa; Língua Alemã.
Abstract: The word hand, in the Brazilian Portuguese linguistic paradigm, shows a broad
pragmatic recurrence. Through this recurrence, it is observed that the word crosses the board
of a unique meaning, fragmenting itself, because, semantically, and, many times, lexically –
suffering minimal morphological changes. This lexical item is present in diversified discursive
domains: in everyday life, in literacy, in advertising, among others, assuming as the denotative
connotation, common to the arbitrariness of language, as connotative, usually in Idioms. The
Idioms constitute unusual and indecomposable phrase constructions, uttered to resignify
sensations that the speaker considers non-existent in the repertoire of his or her language
(XATARA, 1998). It is believed that in these constructions, in Portuguese, the use of the lexical
item hand, shows a superior assiduity than it would show in the Germanic languages, such as
the German. In order to observe such matter, and the specificity of this word’s function in the
Idioms of both languages, it was selected as corpus, the entries “mão” and Hand in two on-line
bilingual dictionaries, PONS (2001-2017) and MICHAELIS (2017) respectively. With the
intention of describing correctly the cultural and polysemic specificity of the Idioms’
constructions in the mentioned languages, it is also used, as a theoretical basis, some
considerations of Biderman (1984, 2005), Ferraz (2006), Plantin (2015), Xatara (1998, 2002),
Xastre (2013), among others.
Keywords: Phraseology; Idioms; Portuguese; German.
Introdução
an die Arbeit!1
A palavra “mão” apresenta, em língua portuguesa (paradigma português e brasileiro),
a estrutura de uma lexia simples que, em sua acepção literal, nomeia um membro corporal
relacionado à anatomia do ser humano e de alguns animais. Isso também se dá com o item
lexical Hand, equivalente léxico-semântico de “mão” em língua alemã. Sabe-se de antemão,
entretanto, que tais itens lexicais não se limitam à configuração da lexia simples, apresentando-
se, também, na pragmática de ambas as línguas em usos complexos variados, que podem, por
sua vez, configurar-se em fraseologismos idiomáticos, mais especificamente em Expressões
Idiomáticas (EIs) como em “pôr as mãos no fogo por alguém” / für jdn seine Hand ins Feuer
legen ou “dar uma mãozinha” /jdm zur Hand gehen (PONS, 2001-2017).
Refletindo sobre a reincidência ampla desses usos idiomáticos nas esferas discursivas
de ambas as línguas e sobre a relevância de sua compreensão no sucesso de interações
específicas entre falantes, buscou-se analisar o processo organizacional (biderecional) de
equivalentes de “mão” em Língua Portuguesa (LP)/Língua Alemã (LA) e Hand Língua Alemã
(LA)/Língua Portuguesa (LP) que dois dicionários bilíngues on-line – com foco no usuário
estudante – realizam para atingir sucesso na mediação de tais usos idiomáticos, aferindo a
seleção e organização dos equivalentes, bem como os critérios em relação à tradução
idiomática. Para isso, como corpus de pesquisa, selecionaram-se dois dicionários bilíngues on-
line, respectivamente Pons (2001-2017) e Michaelis (2017). Essa seleção se deu devido aos
dicionários escolhidos visarem ao estudante como principal usuário e relacionarem, por meio
de ferramenta on-line, o léxico das duas línguas de forma bidirecional, possibilitando rápidas
mudanças na direção dos códigos selecionados e a averiguação dos usos equivalentes de “mão”
na direção Português/Alemão e, seguidamente, os usos equivalentes de Hand na direção
Alemão/ Português.
Analisar os usos idiomáticos do item lexical “mão” e de seu equivalente Hand permitirá
aferir não só especificidades organizacionais/metodológicas dos dicionários selecionados
como também linguísticas e culturais de ambas as línguas. Dessa maneira, ao se traçar
1 Expressão imperativa alemã “ao trabalho” correspondente à expressão idiomática brasileira “mãos à obra”.
processos específicos de idiomatização do léxico referente a partes do corpo humano, mais
especificamente da palavra “mão”, tem-se a possibilidade de contrastar singularidades de uso
idiomático em cada realização linguística (XASTRE, 2013) e generalizações metonímicas e
metafóricas que se repetem nos fraseologismos, nos quais “A mão [...] pouco ‘interessa’ como
órgão concreto – ‘interessa’, sim, como ‘portador’ de funções” (SCHEMMAN, 2009, p.64
apud XASTRE, 2013, p.17).
Para entender esses processos metonímicos e metafóricos de corporização da língua que
definem o grau conotativo de um fraseologismo (XATARA, 1998b), é necessário, inicialmente,
descrever a configuração dessas lexias complexas em sua especificidade idiomática, como se
observa a seguir.
1 Os fraseologismos e a corporização da língua
Os fraseologismos, expressões cristalizadas como “bom dia”, “velha coroca”, “engolir
sapo” e “dar uma mãozinha”, são objeto de estudo da Fraseologia, subdisciplina da área da
Lexicologia2, relacionada, ainda, à Lexicografia3, devido a esta última documentar as unidades
lexicais estudadas pela Lexicologia e Fraseologia. A Fraseologia, portanto, em sua
especificidade, estuda e descreve fenômenos linguísticos associados a unidades frasais
cristalizadas e específicas do cotidiano de falantes de determinada língua, os quais se
classificam em provérbios, expressões idiomáticas, “pragmatemas e fórmulas situacionais,
colocações, locuções fixas, frases feitas, clichês e chavões” (PLANTIN, 2014, p.15),
apresentando um rico leque de lexias complexas idiomáticas e literais. Mediante esse contexto,
fez-se necessário um recorte para a análise que segue; selecionando-se, portanto, as EIs, devido
a tais combinatórias explicitarem as especificidades culturais de determinadas línguas, fato
determinante para a área da Lexicografia Bilíngue devido a esta colocar em comparação dois
códigos distintos cujas semelhanças e especificidades culturais podem estar refletidas no
léxico.
As EIs, construções como “ser mão de vaca”, “colocar a mão no fogo por alguém” e a
já citada “engolir sapo”, diferenciam-se dos demais fraseologismos anteriormente expostos,
2 A Lexicologia tem como objetos básicos de estudo e análise a palavra, a categorização lexical e a estruturação
do léxico. (BIDERMAN, 2001, p.16). 3 A Lexicografia é a ciência dos dicionários. Seu principal objeto de estudo é a análise e significação das palavras.
(BIDERMAN, 2001, p.17).
como “velha coroca” e “bom dia” pela obrigatoriedade da idiomaticidade. Essa condição
determina que o sentido do fraseologismo inusitado não se estabeleça a partir de uma relação
sintática e até mesmo puramente semântica entre os elementos que o compõe, sendo, pois,
aferido mediante o entendimento da memória cultural de determinada língua. Em alguns casos,
considerados por Xatara (1998b) de fraco grau conotativo, mas ainda idiomáticos, há, por meio
de processos linguístico-cognitivos de realização metafórica e metonímica, fraseologismos que
apresentam palavras que, por meio de determinada combinação léxica, auxiliam no
entendimento do idiomatismo, como a palavra “mão” em “dar uma mãozinha”. Mediante a
relação da palavra “mão” e do verbo “dar”, é possível realizar a inferência de que “mão”, como
parte – membro relacionado ao trabalho – representa o todo – pessoa solícita, traduzindo a ideia
de ajuda e apoio (XASTRE, 2013). Essa combinatória, entretanto, só tem significado concreto
através da memória discursiva e de processos de convencionalização, que determinam a
compreensão de sua idiomaticidade.
A convencionalização de uma dada expressão ocorre quando a comunidade
linguística, composta por um conjunto de falantes, a toma como forma de
expressão de realidades diferentes ou novas [...] É o caso de dar uma
mãozinha’, tido como estratégia de delicadeza e uma forma eufemística de
referir ajuda ou apoio (XASTRE, 2013, p.96).
Nesse sentido, a apreensão das EIs por meio dos estudantes de língua estrangeira, ainda
que estas o sejam de baixo grau conotativo, configura-se em uma tarefa árdua, pois requer
amplo entendimento léxico, semântico, contextual e cultural da língua alvo. Essa complexidade
de compreensão ocorre principalmente na apreensão de combinatórias que não apresentam
equivalência idiomática em uma das línguas, como na EI “mãos à obra” e seu equivalente não
idiomático an die Arbeit/ “ao trabalho”. Já em outras EIs, de equivalência idiomática literal,
como a já citada “dar a mão a alguém”/jdm zur Hand geben, há a minimização do grau de
opacidade e demonstração da possibilidade de semelhança entre os códigos (PONS, 2001-217).
Muitas dessas construções idiomáticas de equivalência literal são, em maioria, combinações
lexicais de conotação metafórica e metonímica, que aludem a partes do corpo com propósito
idiomático e comunicativo e funcionam como um processo de corporização da língua
(XASTRE, 2013), no qual
[...] o significado de palavras e expressões está relacionado com as certas
partes do corpo humano, como olhos, cabeça, pés, mãos, entre outras. Estas
partes são motivo de opções linguísticas figuradas, que contribuem para a
riqueza da língua e espelham a experiência individual e social do homem
(XASTRE, 2013, p.4).
Tais EIs concretizam a experienciação corporal do sujeito no código linguístico e
podem contribuir para a imersão do estudante de Língua Estrangeira (LE) em planos
linguísticos mais profundos da língua estudada, como a idiomaticidade, possibilitando,
posteriormente, que esse mesmo estudante a domine em todas as suas concretizações (fraco e
alto grau conotativo).
[...] o aluno munido de EIs em uma LE, adequadas às diversas situações de
comunicação, verá, então, ampliadas suas possibilidades de usar essa língua
com desenvoltura e será mais facilmente conduzido a dominar uma
importante fatia do léxico (XATARA, RIVA, RIOS 2002, p. 58).
Nesse contexto, a dicionarização dos fraseologismos, conforme se demonstrará,
configura-se como um dos fatores que auxilia no conhecimento do estudante em relação aos
usos idiomáticos de determinado item lexical na língua estrangeira, bem como promove o
alargamento de seu domínio cultural e comunicativo. Inserir as EIs nos dicionários é a questão
tratada a seguir.
2 A dicionarização dos fraseologismos
A Lexicografia, popularmente conhecida como a ciência dos dicionários, concretiza,
mediante essa ferramenta linguística e cultural, uma descrição das unidades lexicais das
línguas, sejam estas simples ou complexas. Para Biderman (2005)
[...] o léxico de uma língua inclui unidades muito heterogêneas – desde
monossílabos e vocábulos simples até sequências complexas formadas de
vários vocábulos e mesmo frases inteiras como é o caso de muitas expressões
idiomáticas e provérbios (BIDERMAN, 2005, p. 747).
A dicionarização de fraseologismos em dicionários bilíngues, entretanto, não é uma
atividade muito recente, tendo se iniciado somente quando frutos da Fraseologia passaram a
ser considerados relevantes ao aprendizado em língua estrangeira, bem como unidades do
fraseoléxico começaram a ser tidas como comuns ao léxico das línguas e, portanto, passíveis
de estudo, análise e descrição. Entretanto, a organização e possível definição dessas lexias
complexas nos dicionários ainda não seguem um padrão estabelecido, dependendo, muitas
vezes, de uma decisão pessoal dos lexicógrafos:
[...] uma vez definidas as expressões idiomáticas e decidida a sua inclusão,
surge, tanto nos dicionários gerais quanto nos especiais, nos monolíngues e
nos bilíngues, o problema da ordenação, ou seja, da sequência de diversos
idiomatismos contendo o mesmo lexema (WELKER, 2004, p.167).
A escolha da organização de fraseologismos e mais especificamente de EIs em um
dicionário monolíngue ou bilíngue de língua geral é complexa devido às suas variadas
possibilidades. Em relação ao dicionário impresso bilíngue, geralmente, as EIs são
apresentadas seguindo o mesmo critério do dicionário monolíngue: inserem-se dentro do
verbete do item lexical considerado de principal relevância para o entendimento do
fraseologismo (WELKER, 2004), que é, geralmente, o substantivo. Assim como ocorre com o
dicionário monolíngue, pode existir, entretanto, a presença de um mesmo fraseologismo em
diferentes verbetes. Sobre esta questão,
Na maioria das vezes, prefere-se o substantivo; por exemplo, dar (uma)
colher de chá estaria no verbete colher [...] mas [também] encontramos a
expressão apenas no verbo dar. [...] o ideal seria que os fraseologismos fossem
arrolados nos verbetes de todos os componentes. Bastaria fornecer a definição
em apenas um verbete; nos outros haveria remissões para este (WELKER,
2004, p.173).
Essa ausência de critério em relação à escolha da organização dos fraseologismos
parece estar relativamente remediada nos dicionários bilíngues on-line analisados, uma vez que
as EIs com o item lexical “mão” e seu correspondente Hand seguem o critério de apresentação
mediante o substantivo. É possível afirmar que a complexidade da organização foi
“relativamente” sanada, uma vez que, ao limitar a apresentação dos fraseologismos a apenas
um dos itens lexicais que o formam e não apresentar possíveis remissões, não se está
apresentando o que Welker (2004) considera como metodologia “ideal”, o que gera, desse viés,
certa limitação de acesso por parte do estudante ao fraseologismo. Por outro lado, o dicionário
on-line possui certas ferramentas que ampliam o acesso do estudante às EIs. Uma delas é a
possibilidade apresentada pelo dicionário Pons (2001-2017) de o estudante acessar diretamente
determinada EI e, por conseguinte, seu equivalente, digitando-a em um campo de busca. Essa
possibilidade, entretanto, não se dá com o dicionário Michaelis (2017). Nesse sentido, pode-se
afirmar que, em relação aos recursos que a ferramenta on-line possibilita, o dicionário Pons
apresenta maior aproveitamento, enquanto o dicionário Michaelis, mostra-se próximo ao
dicionário impresso. Essa diferença de possibilidades entre os dicionários gera, mais uma vez,
contrastes na organização da apresentação das EIs, o que dificulta uma descrição geral da
organização destas combinatórias em dicionários bilíngues. O que se pode afirmar, entretanto,
é que apesar das dificuldades organizacionais que os dicionários bilíngues on-line atuais
defrontam, há a preocupação com a descrição das EIs:
O uso de uma expressão idiomática (EI) pelo falante de uma língua é muito
comum e é impossível se definir ao certo se a equivalente em língua
estrangeira é idêntica à usada em nossa língua, tanto no que se refere ao
significado, quanto à precisão da freqüência e do nível de linguagem.
Paradoxalmente, entretanto, é possível se estabelecer uma correspondência
idiomática interlínguas e dicionarizá-la (XATARA, RIVA, RIOS, 2002,
p.183).
A presença de fraseologismos (idiomáticos ou não idiomáticos) em ambos os
dicionários denotam o discernimento da relevância dessas lexias complexas para o
desenvolvimento da competência comunicativa do estudante da língua alvo. Entretanto, há
alguns detalhes de seleção e organização de verbetes que podem aperfeiçoar a compreensão do
usuário do dicionário. Refletindo sobre essas especificidades, segue-se a análise de como se dá
a alusão às EIs relativas à palavra “mão” / Hand nos dicionários selecionados.
3 análise dos verbetes “mão” e hand
Com base nas considerações de Welker (2004) e na relevância do substantivo “mão”
em construções idiomáticas intrinsecamente ligadas a contextos comunicativos específicos
brasileiros e alemães, propõe-se uma análise dos dicionários Pons (2001-2017) e Michaelis
(20017) que vise descrever as especificidades tecnológicas das ferramentas on-line em relação
à disposição dos fraseologismos e seus equivalentes, bem como as especificidades entre EIs
das línguas alemãs e portuguesa. Para isso, será dada ênfase a algumas questões: Como se deu
o critério de seleção dos fraseologismos? (Relevância na língua, recorrência em contextos
específicos, outro critério); Os fraseologismos se repetem em ambos os dicionários? Se sim, a
presença de EIs com o item lexical “mão” / Hand apresenta assiduidade superior em qual
código linguístico?; Qual o critério de organização dos fraseologismos? (Eles se apresentam
nas acepções? Em espaços específicos? Outro critério); Qual o critério de tradução dos
equivalentes? (Os dicionários sempre apresentam tradução idiomática literal quando há
equivalentes idiomáticos idênticos? Quando não há a possibilidade de equivalente literal, como
se dá a apresentação do idiomatismo equivalente?); As ferramentas on-line apresentam
recursos tecnológicos que facilitam a apreensão dos fraseologismos pelo usuário? Ambos os
dicionários disponibilizam as mesmas possibilidades tecnológicas?
A fim de responder a essas questões, é preciso conhecer ambos os dicionários.
3.1. Conhecendo os dicionários Pons (2001- 2017) e Michaelis (2017)
Os dicionários que proporcionaram esta análise – Pons (2001-2017) e Michaelis (2017)
– são dicionários bilíngues bidirecionais de língua geral cujas funções principais são propor
equivalentes entre itens lexicais da língua alemã e portuguesa e vice-versa. Sobre o número de
verbetes, o dicionário bilíngue on-line Pons conta “com mais de 300.000 vocábulos, expressões
e traduções do Alemão para o Português e do Português para o Alemão” (PONS, 2001-2017),
abarcando tanto usos portugueses quanto brasileiros; enquanto o dicionário Michaelis,
apresenta 28.000 verbetes, focalizando, segundo autodescrição, o estudante brasileiro,
entretanto, em relação aos usos, não há informação sobre qualquer diferenciação entre o
paradigma português e brasileiro. Ainda sobre as informações que as próprias editoras dispõem
on-line, faz-se relevante citar que o dicionário Pons é direcionado “a pessoas que querem
aprender e utilizar idiomas” (PONS, 2017), enquanto Michaelis é direcionado para “os
brasileiros que estudam a língua alemã e se preocupam em falar e escrevê-la corretamente”
(MICHAELIS, 2017), ou seja, o público do segundo é mais específico, limitado; e o fato de
objetivar prioritariamente a decodificação da língua estrangeira reflete em especificidades
organizacionais do dicionário, como um maior leque de fraseologismos na direção LA-LP.
O dicionário Pons apresenta recurso de áudio, com possibilidades de o usuário ouvir a
pronúncia do item procurado e seus usos tanto em língua materna (LM) quanto em LE, o que
não ocorre com o dicionário Michaelis que permite que se ouça somente a pronúncia da lexia
simples e não de seus usos compostos/complexos. Ambos os dicionários pecam, entretanto,
por não disponibilizar abonações que ilustrem/contextualizem os usos apresentados4. Sobre a
organização macroestrutural semasiológica de ambos os dicionários, há um sistema de procura
pelo item lexical em que se digita a palavra no direcionamento desejado (LP-LA/LA-LP). O
dicionário Pons conta, ainda, com outra forma de pesquisa, em que, após selecionada a língua
de partida, há a possibilidade de se escolher uma letra do alfabeto. Assim, posteriormente à
seleção do alemão como língua de partida, o usuário especifica a letra; como a letra H, inicial
de Hand, que, seguida de opções trissilábicas organizadas em ordem alfabética haa/hab/hac
[...] han orientam o pesquisador à escolha do item lexical desejado. De certa forma, esse
sistema contribui para a ampliação de acesso do usuário a outros itens lexicais, que, ao
visualizar o item selecionado, tem, como possibilidades, outros itens em ordem alfabética,
como ocorre com o dicionário impresso.
Após apresentadas especificidades de ambos os dicionários, faz-se possível analisar a
organização dos itens lexicais “mão” e Hand, conforme se segue.
3.2 O item lexical “mão” nos dicionários Pons e Michaelis
O dicionário Pons disponibiliza cinco acepções entre 35 usos e equivalentes para o item
lexical “mão”. Michaelis, por sua vez, expõe uma única acepção com três usos explicativos.
Dentre os usos idiomáticos do item lexical “mão”, apresentado pelos dicionários, apenas um
se repete, o que demonstra certo contraste no processo de seleção de idiomatismos:
Quadro 1- EIs em comum no dicionário Pons e Michaelis na direção LP – LA
Pons Michaelis
[*] de mãos dadas = Hand in Hand [*] [*] de mãos dadas = Hand in Hand [*] Fonte: Autor (2017).
Observando tal contraste, averiguou-se a superestrutura dos dicionários buscando
informações adicionais sobre o processo de seleção dos verbetes, fraseologismos em geral ou
EIs; entretanto, não há qualquer informação em relação a esse processo, ausência metodológica
que se confirma na não correspondência de idiomatismos selecionados por ambos. Esse
contraste poderia ser tido, ainda, como consequência da não especificação de usuários, pelo
4 O dicionário Pons apresenta um item denominado “Exemplo de frases” em que apresenta novos usos ou repete
os já descritos; entretanto, não há, de fato, a contextualização dos fraseologismos, pois estes não são inseridos em
contextos interacionais específicos.
dicionário Pons e da limitação de consulentes brasileiros, pelo dicionário Michaelis; entretanto,
ainda que fosse possível a inferência de que o dicionário Michaelis trouxesse somente usos em
Português Brasileiro (PB), devido ao seu direcionamento a estudantes do Brasil, haveria
controvérsias, pois muitos usos descritos no dicionário Pons como portugueses, como “fora de
mão” e “em segunda mão” são muito utilizados no paradigma do PB5 e deveriam constar, pois,
no dicionário Michaelis.
Em relação à estrutura da EI que se repete - [*] “de mãos dadas” -, pode-se afirmar que
ambos os dicionários seguem o mesmo critério: o sintagma verbal, ilustrado pelos colchetes,
pode ter sido subtraído intencionalmente pelos lexicólogos, uma vez que a frequência
sintagmática do núcleo verbal não é cristalizada, apresentando algumas possibilidades:
“andar”, “estar”, “caminhar”, entre outros. Em alemão - Hand in Hand – pode acompanhar
verbos como gehen (ir), arbeiten (trabalhar), entre outras. Há, ainda, a possibilidade de os
autores terem classificado a combinatória como uma locução adverbial (Casares, 1992)
baseado em sua estrutura formal. Aqui, entretanto, prefere-se classificar a combinatória como
Expressão Idiomática que possui homônimo livre, ou seja, um possível entendimento literal,
como a EI “fechar os olhos” (XATARA, 1998a).
3.2.1 Especificidades do item lexical “mão” no dicionário Pons e Michaelis
Iniciemos a observação do verbete “mão” no dicionário Pons. Mediante análise,
percebe-se que a organização dos fraseologismos se dá por um critério de acepção: 1 anatomia:
“à mão” (lavagem, trabalho) / von Hand; 2 pintura: mão (de pintura): “mão” / Schicht; 3 direção
(orientação): mão (na estrada): na sua mão/in Fahrtrichtung; 4 quantidade: “mão-cheia” /
Handvoll e, por último; 5 desportivo: “segunda mão” / Rückspiel . No dicionário em questão,
EIs como “abrir mão de alguma coisa”/ auf etw verzichten, “dar uma mão a alguém” / jdm zur
Hand gehen , “estar com as mãos na massa” / mit etw beschäftigt sein, entre outras, aparecem,
como usos da primeira acepção em LP, aquela que se refere ao membro do corpo humano.
5 No Brasil, “mão” (fig) é o sentido em que um veículo deve transitar. “Fora de mão”, portanto tem um primeiro
significado relacionado à contramão; há, ainda, o sentido idiomático - distante (XASTRE, 2013). Ambos os usos
são apresentados pelo dicionário Pons. Na combinatória “em segunda mão” tem-se novamente a compreensão de
duas possibilidades: algo velho/usado (idiomático) e a vez em jogo (acepção desportiva) sendo a presença de
ambas também observáveis no paradigma brasileiro (XASTRE, 2013).
Em relação à organização dos equivalentes, o dicionário Pons além de apresentar
correspondência literal de usos fraseológicos relevantes, traz, em alguns casos, mediante
equivalente não idiomático, a ideia expressa pelo fraseologismo. Isso ocorre, por exemplo, com
o equivalente da EI “em segunda mão” ao qual inicialmente tem-se o correspondente literal:
aus zweiter Hand e, posteriormente, seu uso não idiomático, gebraucht (usado). Percebe-se que
o equivalente não idiomático de aus zweiter Hand/gebraucht de certa forma explica, por meio
de linguagem denotativa, a idiomaticidade do primeiro (SANTOS, 2011). No início desta
pesquisa, era inicialmente esperada a presença de equivalentes explicativos somente em casos
específicos de EIs intraduzíveis, ou seja, sem equivalente idiomático na língua alvo; entretanto,
o dicionário em questão os trazem em usos que permitem equivalentes idiomáticos. A
motivação da apresentação do equivalente idiomático e não idiomático de EIs traduzíveis fica,
porém, sem qualquer explicação, uma vez que o lexicógrafo não aplica essa metodologia a
todas EIs que possuem equivalentes idiomáticos e não idiomáticos. Um segundo olhar em
relação à entrada permite perceber também algumas especificidades pragmáticas entre as
línguas. Em alemão, os usos figurados da palavra “mão” relacionados à pintura ou à direção
(sentido), entre outros, são nulos e se dão de forma literal: “fora de mão” /auf der
Gegenfahrbahn (na pista oposta). Essa última construção – der Gegenfahrbahn – contém em
sua formação lexical especificidades relevantes do idioma alemão, como a declinação,
perceptível pelo artigo der, a tendência à criação de compostos: gegen+fahr+bahn e grafia
maiúscula de substantivos, traços que comprovam a não correspondência direta entre
determinadas formas e estruturas das línguas, comprovando certo anisoformismo linguístico
(BUβMANN, 1983). Mediante os dados expostos, é perceptível a correspondência literal6 de
algumas expressões, como “estar nas mãos de alguém”/ in jds Händen sein, “dar a mão a
alguém”/jdm zur Hand gehen, entre outras, e a não correspondência corporal-idiomática em
alemão em alguns casos, como em “abrir mão de algo” e auf etw verzichten (renunciar a algo),
em que ocorre o apagamento do item lexical “mão”.
Com relação ao dicionário Michaelis, há limitação da apresentação de usos. Poder-se-
ia afirmar que isso ocorre pela correlação entre a limitação de verbetes do dicionário quando
comparado com o dicionário Pons; entretanto, trata-se de uma escolha metodológica, visto que
o oposto – a direção LA-LP – apresenta amplitude pragmática, fato relacionado ao dicionário
6 EIs de correspondência literal são categorizadas como idênticas (SANTOS, 2012) .
visar à decodificação da língua alemã como principal objetivo. É possível realizar mais uma
comparação quando se percebe a transcrição fonética da palavra “mão” como uma
particularidade de organização microestrutural do dicionário Michaelis, ferramenta que seria
útil, caso o dicionário não houvesse deixado claro seu direcionamento prático a indivíduos
brasileiros que estudam alemão. Quanto à organização da entrada, é nítida a presença de uma
única acepção literal do item lexical “mão”, separada pela palavra “Expressões”, sem qualquer
outra delimitação teórica. Seguem-se, então, dois fraseologismos: “à mão armada” / mit
Waffengewalt, [*] “de mãos dadas” / Hand in Hand e, o substantivo composto, “mão de obra”
/Arbeitskräfte.
Observando a não correspondência na apresentação das EIs com o item lexical “mão”
pelos dicionários selecionados, faz-se necessário aferir se isso se repete com o item lexical
Hand; para isso, segue-se a análise descritiva dos usos em comum desse item lexical em ambos
os dicionários.
3.3 O item lexical Hand nos dicionários Pons e Michaelis
Os dicionários apresentam, novamente, usos diferentes entre si, havendo poucas EIs em
comum:
Quadro 2 - EIs em comum no dicionário Pons e Michaelis na direção LA-LP
Pons Michaelis
Hand in Hand = de mãos dadas Hand in Hand = de mãos dadas
auf der Hand liegen = estar na cara/ser
evidente
das liegt auf der Hand = é óbvio
eine Hand voll (Zuschauer) =
um punhado (de espectadores)/uma mão
cheia (de espectadores)
Hand voll = punhado
Fonte: Autor (2017).
As EIs que acima se repetem, apresentam ora repetição estrutural literal, como em Hand
in Hand, ora apresentação estrutural diversa, como em das liegt auf der Hand (Michaelis, 2017)
e auf der Hand liegen (Pons, 2001-2017), determinando escolhas dos lexicógrafos. Uma delas,
nesse caso, é a supressão do sujeito das/isso (valência externa) do fraseologismo em questão,
sem que haja prejuízo no entendimento do idiomatismo. Mediante o quadro comparativo
acima, é possível perceber, ainda, que o dicionário Pons se preocupa com detalhes de uso, uma
vez que em eine Hand voll (Zuschauer) apresenta o uso comum em que a EI é utilizada (designa
grande número de espectadores), diferentemente do dicionário Michaelis, que apresenta apenas
o fraseologismo. A lexia complexa das liegt auf der Hand no dicionário Michaelis (2017) é
descrita mediante seu equivalente não idiomático – “é óbvio”, e não por meio de seu
correspondente pragmático idiomático – “estar na cara”, explicitado no dicionário Pons. Em
relação a não criticidade dos equivalentes – correspondente idiomático e não idiomático ou
apenas uma das modalidades, apresentada pelo dicionário Michaelis – crê-se que, o mais
adequado seria a apresentação das duas possibilidades, assim como realiza o dicionário Pons
em casos específicos, pois essa escolha auxiliaria o estudante a ampliar sua competência
linguística ao mesmo tempo que compreenderia o uso idiomático da EI na língua alvo.
Entretanto, como já exposto, em muitos casos em que essa metodologia caberia, o dicionário
Pons apresenta apenas o equivalente idiomático literal, sem seu equivalente não idiomático,
explicitando, também, ausência de critério na apresentação dos equivalentes.
3.3.1 Especificidades do item lexical Hand no dicionário Pons e Michaelis
Em Pons, o verbete Hand é organizado em uma única acepção, não numerada, cujos 26
usos e equivalentes apontam para a relevância do item lexical relacionado ao trabalho:
zwei linke Hände haben/não ter jeito para o trabalho manual; ao poder: die öffentliche Hand
(“mão pública”)/o Estado; e a partes do corpo: die Hände in den Schoß legen/ “cruzar os
braços”. No paradigma alemão, há apenas uma acepção, pois as demais anteriormente
apresentadas em língua portuguesa (pintura, direção, entre outras) não se repetem com o item
lexical Hand no alemão.
Anteriormente, explicitou-se que o dicionário apresenta, em alguns casos, a
organização de um mesmo idiomatismo e suas equivalências em dois usos, apresentando um
equivalente idiomático, quando este existe, e, também, seu uso não idiomático. À combinatória
etw aus der Hand nehmen / “pegar alguma coisa (a.c.)’ e seu homônimo idiomático etw in die
Hand nehmen/ “encarregar-se de a.c.” temos novamente a apresentação de dois usos, mas com
motivação metodológica diferente. Em um desses usos há a presença da marca de uso fig., que
orienta o usuário de que a expressão apresentada é figurada. Essa decisão está ligada à
ambiguidade de uso da expressão e se faz necessária. Esse processo de diferenciação ocorre,
também, com a construção já citada etw aus der Hand geben, que apresenta tradução literal:
“largar alguma coisa (a.c.)” e equivalente não idiomático – “renunciar a a.c.”. Esse último
equivalente, entretanto, facilmente poderia ser idiomático, caso se observasse o correspondente
não idiomático em alemão da EI brasileira “abrir mão de a.c.”, descrito como verzichten /
“renunciar”. Observe:
Quadro 3 – Ilustração de equivalentes
abrir mão de a.c. / auf etw verzichten etw aus der Hand geben - largar a. c.
auf etw verzichten = abdicar de/ renunciar a etw aus der Hand geben - renunciar a a. c.
(fig.) Fonte: Autor (2017)
Há especificidades que se refletem na pragmática das línguas, que, aqui, justificam a
escolha do lexicógrafo por uma não correspondência idiomática entre as EIs “abrir mão de a.c.”
e etw aus der Hand geben. “Abrir mão” - aceitar deixar algo a que se era apegado (XATARA,
2013) - não tem a mesma função pragmática que etw aus der Hand geben – simplesmente
deixar que algo se esvaia. Entretanto, o lexicógrafo não deixa isso claro ao explicar ambos os
idiomatismos, mediante o verbo “renunciar”. Dessa análise específica, depreende-se a
necessidade de o lexicógrafo realizar uma tradução explicativa única (SANTOS, 2012), quando
não houver equivalente idiomático ao uso descrito, que traduza exatamente a função
pragmática da EI, diferenciando-a pragmaticamente das demais; caso contrário,
especificidades culturais podem causar equívocos de uso por parte do consulente. É relevante
citar, ainda, duas EIs alemãs apresentadas que possuem correspondência parcial em língua
portuguesa, ou seja, são reconhecíveis7; sejam elas die Hände in den Schoß legen / “cruzar os
braços” e weder Hand noch Fuß haben / “não ter pés nem cabeça”. Essas equivalências parciais
demonstram singularidades idiomáticas – substituições lexicais –, e, ao mesmo tempo, a
realização universal que as EIs podem exercer, mediante conotações relativas ao corpo
humano. Já as EIs auf der Hand liegen, em sua modalidade idiomática “estar na cara”, assim
como freie Hand haben, “ter carta-branca”, concretizam-se como expressões parafraseáveis,
pois não possuem um correspondente literal em português – em relação à forma –, entretanto,
a função pragmática das EIs é a mesma. Observação relevante sobre ambas é que suas
7 As EIs reconhecíveis são aquelas que não têm um correspondente exato ou idêntico na outra língua, mas cujo
sentido pode ser recuperado (SANTOS, 2012).
correspondências idiomáticas, em português, excluem o item lexical “mão”, fato também
observável em equivalentes na direção Português/Alemão.
Em Michaelis, item lexical Hand, organiza-se em duas acepções: “1 mão; 2 letra,
caligrafia” (MICHAELIS, 2017). Na primeira acepção temos a tradução anatômica do item
lexical na língua portuguesa; após, sua possível concepção figurada: caligrafia. Tem-se ao uso
Hand anlegen o correspondente idiomático “dar uma mãozinha”; e ao uso zur Hand gehen, o
correspondente literal “ajudar”; não havendo novamente critério nem explicação para a
apresentação de dois usos diferentes com mesma função pragmática. O dicionário em questão
disponibiliza em um item avulso mais alguns usos compostos do item lexical Hand, como
Handarbeit (trabalho manual), com o título “Veja também”, estrutura que se compara com as
remissivas em dicionários impressos. Essa possibilidade também se dá no ato em que se digita
o item lexical Hand, como no dicionário Pons, disponibilizando, além de sua lexia simples,
opções compostas em língua alemã. Apesar da descrição de semelhanças específicas entre os
dicionários, o que mais pôde se perceber ao longo deste artigo foram divergências em relação
à organização dos fraseologismos e seus equivalentes, fato que permite que algumas
considerações finais sejam apresentadas.
4 Considerações finais
Após a análise realizada, foi possível concluir que o dicionário Pons apresenta um
maior leque de possibilidades de uso do item lexical “mão” / Hand e que a organização dos
fraseologismos desse dicionário descreve sempre que possível o equivalente idiomático da
língua alvo; ainda assim, não há um critério rigoroso, uma vez que, muitas vezes, apresenta-se,
também, o equivalente não idiomático. O dicionário Michaelis, por sua vez, ora apresenta
equivalentes idiomáticos, ora equivalentes não idiomáticos, ainda que os primeiros fossem
realizáveis. Esse contexto demonstra que os próprios dicionários não seguem um critério fixo
de apresentação dos equivalentes dos fraseologismos, o que remete a já citada afirmação de
Welker (2004) de que muitas decisões ainda são, muitas vezes, um critério individual dos
lexicógrafos para cada contexto específico. Essa quebra de linearidade em relação a critérios
dificulta, por sua vez, a confirmação ou negação de que em língua portuguesa o item lexical
“mão” seria ou não mais utilizado em usos idiomáticos do que na língua alemã – questão inicial
que moveu este artigo. Mediante a análise comparativa dos dados disponíveis, foi possível
concluir que essa afirmação não pode ser realizada nesse contexto de comparação, uma vez
que nem o recorte pragmático das línguas – realizado pelos dicionários bilíngues analisados –
apresenta correspondência na seleção dos usos descritos; nem tampouco a presença do
idiomatismo em um dicionário específico atesta sua real recorrência pragmática. Ainda,
portanto, que apenas um dicionário fosse selecionado como base, atestar-se-ia que a exclusão
do item lexical “mão” / Hand na realização de equivalentes é fenômeno comum em ambas as
línguas, ocorrendo na direção LA-LP por substituição – weder Hand noch Fuß haben / “não
ter pés nem cabeça” –; ou por explicação –: etw aus der Hand geben / “renunciar a a. c”; e, na
direção LP-LA, por meio de correspondentes de EIs intraduzíveis:
“estar com as mãos na massa” / mit etw beschäftigt sein (entreter-se com algo) (PONS, 2017).
Finalmente, de forma ainda mais ampla, a frequência idiomática real das línguas com o
item lexical “mão” / Hand é uma questão difícil de ser respondida, uma vez que, além de os
dicionários não disponibilizarem informações para o critério de seleção dos idiomatismos, e
não os apresentar seguindo uma mesma metodologia, o léxico de uma língua é um repertório
aberto, sendo complexa para a ciência lexicográfica, a apresentação e descrição de todo e
qualquer uso possível de determinado item lexical. Viável, por sua vez, é afirmar que em
Português há acepções figuradas do item lexical relacionadas à pintura, direção e esporte,
ausentes nos dicionários analisados em língua alemã, bem como que ambas as línguas
analisadas apresentam com frequência ampla o membro anatômico “mão” como tema de
construções idiomáticas, constância que reafirma a presença da idiomaticidade em toda e
qualquer língua, como um fato de expressão linguística e cultural. A esse fato linguístico, por
sua vez, seria preciso maior atenção dos lexicógrafos, principalmente no que concerne a uma
descrição metodológica mais eficaz em relação à apresentação e à seleção de usos e
equivalentes idiomáticos.
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