A Pa Gin a 171 Out 2007

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05 Director: José Paulo Serralheiro http://www.apagina.pt · [email protected] ano XVI | n.º 171 | OUTUBRO | 2007 Mensal | Continente e Ilhas 2 Euros [IVA incluído] Há um ditado americano que diz “a um homem com um martelo, tudo parece um prego”. Filipe Reis cita esta máxima para comparar o que se passa, entre nós, com a presente febre da tecnofília. É que a um go- vernante com um computador portátil para oferecer, tudo parecem sondagens e uma radiante caminhada em direcção à moder- nidade. Um computador é, seguramente, uma ferramenta importante para os alunos, mas estes, em muitas escolas, têm outras carências prioritárias. Quem está a precisar dos computadores é o marketing político. Marketing devora “portáteis” O recente concurso para professor titular terá sido a pior forma de iniciar a execução do Estatuto da Carreira Docente (ECD), em primeiro lugar porque o regime transitório de recrutamento de professores titulares recusou a possibilidade de uma avaliação séria e credível dos candidatos. Foi um simulacro de avaliação, diz Licínio Lima, lembrando que o currículo profissional dos candidatos, todos de nomeação definitiva, foi amputado, por vezes em mais de duas dezenas de anos, por conveniência técni- co-administrativa e decisão discricionária. Avaliação a fazer de conta 07 Na corrida para se tornarem globalmente competitivas, as economias fundadas no conhecimento, os governos, as empresas e as organizações em todo o mundo deram prioridade a políticas e a programas visan- do a produção, recrutamento e retenção de futuros inovadores, de ‘talentosos’, e ‘alta- mente qualificados profissionais’. Assim começa o artigo de Susan L. Robertson so- bre as novas diásporas do saber. Precisa-se de cérebros talentosos 12 O que pede a sociedade aos animadores sócio-culturais? “Lo que se les pide a es- tos profesionales de lo social es que sean agentes socializadores. Es decir, que encar- nen, transmitan y ayuden a las personas y a las comunidades a integrar valores, prin- cipios y conductas que les permitan desar- rollar su vida social y cultural dentro de los márgenes que – jurídica y normativamente – establecen las sociedades actuales, sin que eso tenga porque significar, necesaria- mente, simple reproducción social.” Quem assim escreve é Xavier Úcar Martínez. Uma missão quase impossível 20 Jaime Carvalho e Silva, do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra, faz o elogio do trabalho de casa, seja no secun- dário seja noutros níveis de ensino, como uma condição essencial da aprendizagem. O trabalho de casa tem ainda a importância fulcral de permitir, mais fácil e focadamente, que professores e alunos identifiquem as dificuldades reais no tema que está a ser trabalhado. Além de não haver verdadeira- mente avaliação contínua sem se valorizar os trabalhos de casa, ou melhor dito, como diz Silva, os trabalhos feitos fora da sala de aula no ensino secundário e no superior. Em defesa do trabalho de casa 35 ler Em Foco nas páginas 26 a 29 Apesar de reclamar mais e melhor formação Governo lança para o desemprego dezenas de milhares de professores O testemunho de Pascal Paulus em Entrevista a “a Página” Como ensinar deslumbramentos num bairro de pessoas pobres páginas 21 a 23

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05

Director: José Paulo Serralheiro

http://www.apagina.pt · [email protected]

ano XVI | n.º 171 | OUTUBRO | 2007

Mensal | Continente e Ilhas 2 Euros [IVA incluído]

Há um ditado americano que diz “a um

homem com um martelo, tudo parece um

prego”. Filipe Reis cita esta máxima para

comparar o que se passa, entre nós, com a

presente febre da tecnofília. É que a um go-

vernante com um computador portátil para

oferecer, tudo parecem sondagens e uma

radiante caminhada em direcção à moder-

nidade. Um computador é, seguramente,

uma ferramenta importante para os alunos,

mas estes, em muitas escolas, têm outras

carências prioritárias. Quem está a precisar

dos computadores é o marketing político.

Marketingdevora “portáteis”

O recente concurso para professor titular

terá sido a pior forma de iniciar a execução

do Estatuto da Carreira Docente (ECD), em

primeiro lugar porque o regime transitório

de recrutamento de professores titulares

recusou a possibilidade de uma avaliação

séria e credível dos candidatos. Foi um

simulacro de avaliação, diz Licínio Lima,

lembrando que o currículo profissional dos

candidatos, todos de nomeação definitiva,

foi amputado, por vezes em mais de duas

dezenas de anos, por conveniência técni-

co-administrativa e decisão discricionária.

Avaliaçãoa fazer de conta

07

Na corrida para se tornarem globalmente

competitivas, as economias fundadas no

conhecimento, os governos, as empresas e

as organizações em todo o mundo deram

prioridade a políticas e a programas visan-

do a produção, recrutamento e retenção de

futuros inovadores, de ‘talentosos’, e ‘alta-

mente qualificados profissionais’. Assim

começa o artigo de Susan L. Robertson so-

bre as novas diásporas do saber.

Precisa-se decérebros talentosos

12

O que pede a sociedade aos animadores

sócio-culturais? “Lo que se les pide a es-

tos profesionales de lo social es que sean

agentes socializadores. Es decir, que encar-

nen, transmitan y ayuden a las personas y

a las comunidades a integrar valores, prin-

cipios y conductas que les permitan desar-

rollar su vida social y cultural dentro de los

márgenes que – jurídica y normativamente

– establecen las sociedades actuales, sin

que eso tenga porque significar, necesaria-

mente, simple reproducción social.” Quem

assim escreve é Xavier Úcar Martínez.

Uma missãoquase impossível

20

Jaime Carvalho e Silva, do Departamento de

Matemática da Universidade de Coimbra, faz

o elogio do trabalho de casa, seja no secun-

dário seja noutros níveis de ensino, como

uma condição essencial da aprendizagem.

O trabalho de casa tem ainda a importância

fulcral de permitir, mais fácil e focadamente,

que professores e alunos identifiquem as

dificuldades reais no tema que está a ser

trabalhado. Além de não haver verdadeira-

mente avaliação contínua sem se valorizar

os trabalhos de casa, ou melhor dito, como

diz Silva, os trabalhos feitos fora da sala de

aula no ensino secundário e no superior.

Em defesado trabalho de casa

35

ler Em Foco nas páginas 26 a 29

Apesar de reclamar mais e melhor formação

Governo lançapara o desempregodezenas de milhares de professores

O testemunho de Pascal Paulus em Entrevista a “a Página”

Como ensinar deslumbramentosnum bairro de pessoas pobres

páginas 21 a 23

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Memórias da minha morte

Júlio Roldão

jornalista

[email protected]

/ COMUNICAÇÃO e escola 0�

a página da educação · outubro �007

Inesquecível foi a Volta a Portugal em Bicicleta de 1985 que cumpri integrado na equipa de reportagem do “Jornal

de Notícias”. Assegurava dois espaços diários dessa cobertura jornalística - um de puro fait divers, “No Coração

da Volta, a Volta no Coração”, e outro de entrevistas aos ciclistas amadores, subordinadas ao mote “A minha

profissão é...” -, mas o que se tornou inesquecível foi o microcosmo que sempre se gera num serviço destes.

Atravessar o país a 35 km/h, sob um calor de rachar, num carro sem ar condicionado e com os cinco lugares da

lotação sempre ocupados é dose. Mesmo dispensados de ditar para a sede do jornal, pelo telefone, as classi-

ficações da etapa, dos prémios especiais (montanha, juventude, pontos) e a geral, nome a nome, com o tempo

de cada ciclista ao segundo, como era prática em anos anteriores.

Acresce que o JN dedicava muito mais páginas à Volta do que os restantes jornais - a Volta a Portugal em

Bicicleta era então organizada pela própria Empresa do Jornal de Notícias, o que justificava a generosidade do

espaço concedido à corrida e ao “circo” que a envolve.

Nessa Volta, a 47ª, cruzei-me com um amigo mais velho, profissional que sempre admirei, nome grande des-

sa escola de jornalismo que foi “A Bola”, o (lis)poeta Carlos Pinhão, que numa única e generosa observação

deu-me uma inesquecível lição de relações públicas. Atento à minha ingenuidade jornalística, reparou que eu

tinha grande dificuldade em chegar à fala com os ciclistas pelo facto de os tratar

por senhor fulano ou senhor beltrano em vez de os tutear pelo número do dorsal a

pretexto de lhes perguntar o nome - “ó 27, como é que tu te chamas?”.

Ensaiei o método e a comunicação resultou. “É triste, mas, como não estão habitu-

ados a ser tratados de senhor, quando os chamas assim ficam desconfiados e não

te respondem”, disse-me Carlos Pinhão com a indisfarçável doçura que sempre

transmitia. Foi uma das minhas grandes lições de uma Volta corrida numa equipa

que o Fernando Cardoso, da Secção Desportiva, coordenou e que incluiu ainda o

colaborador desportivo Ramos Tavares, o Fernando Timóteo, que assegurava os

“bonecos” *, e o Jaime Baptista, o Jaiminho, que conduzia o “gaiolo” *.

* “bonecos”, gíria jornalística para fotografias.

“gaiolo”, calão do Norte para “carro”

Lição de Relações Públicas à 47.ª Volta

Aquela professora mencionada no tex-to anterior saiu apressada para o pon-to do ônibus. Enquanto pensava que era engraçada uma professora de Por-tuguês correndo para o “ponto final”, passou pela porta da lan house e viu seus alunos se acotovelando para pa-gar e entrar no salão, que nem é gran-de. A distância da sua casa é que é. Muito! Pensou na sua fantasia infantil com o tele-transporte: desintegra aqui, integra de novo no destino. Todos eles morando no Rio, na Cidade Maravilhosa, nenhum podendo ver o Pão de Açúcar ou o Cristo Redentor... O entorno deles não inclui cartões pos-tais visíveis no cotidiano, mas nem por isso ela vai baixar aquele “jogo” cha-mado Second Life. Não tem dinheiro real para jogar fora em transações com esta coisa faz-de-conta do mundo vir-tual. Ela não só faz as contas, como não quer desistir de estabelecer cone-xões vitais. Também não quer ver sua vida exposta em sites como o Orkut, este diário público. Lembra do “meu querido diário” da adolescência e do

cuidado de guardá-lo como a uma for-taleza a ser mantida inexpugnável. Lia para “viajar” e para se entender me-lhor. Escrevia para falar das coisas e dos seus desejos, para exorcizar seus demônios e fantasmas. Também inven-tava personagens e se sentia mais po-tente, dona daquelas ações e destinos. Parece que foi ali que ela começou a lidar com a contradição, conceito que aprenderia muito depois. Será que o que está em jogo agora é só mais um conflito de gerações? Lembra da cara que os alunos fizeram quan-do ela anunciou o filme para o dia se-guinte. Eles nem perguntaram qual era o título ou algo parecido. Foram logo implicando com a duração. “No tempo dela”, quando tinha filme na escola, era uma festa! Claro que, vez por outra, ela também pensava na escola como uma chatice, mas era especialmente um lu-gar para aprender milhões de coisas. Ela se pergunta onde, neste tempo tão comprimido, os alunos vão aprender a ver mais do que vídeo clipes e discutir o que viram. Chato ter que incluir um

teste sobre o filme, mas que alternativa teria para prender-lhes a atenção? Será tão difícil assim entender que o tempo na/da escola não pode ser igual ao da TV e da Internet, que tem que haver um espaço para elaborar coletivamente o bombardeio de tantas coisas imediatas e fugazes? Que outro espaço seria es-se, senão a escola?Estranha a sensação de estar como que condenada a habitar um “tempo dos dinossauros”! Se os seus alunos soubessem que ela também navega na Internet horas a fio nos finais de se-mana... Se soubessem que de vez em quando ela passa pelo You Tube... Se soubessem que alguns professores usam o Google até para ver se os alu-nos copiaram os trabalhos de algum site... Se soubessem que ela só co-meçou mandando e-mails em lingua-gem formal e agora até usa um pouco de “internetês”, abreviando palavras, quando mais de duas pessoas falam com ela no MSN ao mesmo tempo...Pensa que essa coisa de ir “comendo vogais” e achando jeitos de economi-

zar na escrita é válida para quem sabe o que está sendo modificado. O que será que provoca na cabeça de quem (ainda) não domina a escrita? Como estabelecer limites para estes usos? E se os alunos escreverem assim na pro-va? O que fazer exatamente com seus alunos tão jovens? E se ela abrisse es-te novo espaço aos alunos? Será que iriam invadi-lo a qualquer hora? Será que ela acabaria tendo que trabalhar muitas horas mais? Será que escre-veriam todo dia? Será que mandariam uma avalanche de mensagens até en-tupir a sua caixa de entrada? Manda-riam vírus, será? Se ela conversasse tudo isso com eles...Vai saltar no próximo ponto. O tempo passou rápido. Ela também corre mui-to, embora não goste nem um pouco. O fato é que tem mil coisas a fazer ago-ra. Vai ter que pensar nisto depois.

Raquel Goulart Barreto

Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Laboratório Educação e Imagem, ProPEd-UERJ

(O outro lado da história, meses depois)

Q q vc ker?

IE/FN

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0�EDITORIAL /

a página da educação · outubro �007

O capitalismo global não tem inimigos externos. Agora o inimigo é a opinião públi-ca que é preciso manipular, em cada país, de modo a manter o poder, sem anular, ainda, o direito de voto. A arma mais poderosa dos actuais governos já não é o velho poder militar, mas competentes gabinetes de comunicação. Aos velhos ge-nerais sucederam os directores de marketing.Estratégias sofisticadas, bem planeadas e poderosas, são usadas para transfor-mar os discursos interesseiros, dos donos do mercado, em ideias populares. «Fa-zendo aparecer os interesses das corporações financeiras como se fossem a ex-pressão política de toda a sociedade» (Popkewitz).Um exemplo desta estratégia é o argumento segundo o qual o futuro da nação depende inteiramente da educação e que a escola pública não está a respon-der capazmente a este desafio. Com esta ideia vem embrulhada a declaração de que não há crise do capitalismo e que as insuficiências deste se devem à falta de mão-de-obra altamente qualificada. Isto é dito onde a realidade nos mostra que a mão-de-obra qualificada está em larga maioria sem emprego, ou a ser escandalo-samente explorada em trabalho desqualificado. Ao culpabilizarem o sistema público de ensino, os defensores da submissão da so-ciedade aos interesses momentâneos do mercado, apropriam-se das preocupações dos pais e de outros cidadãos, favorecendo os argumentos a favor da privatização da educação. Além disso, conseguem disfarçar os seus interesses egoístas, apre-sentando-os como conclusões cientificas e verdades inquestionáveis e universais.A afirmação de que uma boa educação, só por si, é um pré-requisito para que todos tenham um bom emprego, e um bom salário, é uma mistificação. Tal mis-tificação faz parte do pacote discursivo e das práticas dos que recusam discutir o sistema e as condições económicas dos países. Condições que favorecem ou restringem a quantidade e a qualidade dos empregos disponíveis, bem como a facilidade ou dificuldade de acesso ao mercado de trabalho. «Não há evidência de uma relação directa entre as boas qualificações dos estudantes e altos salários fu-turos quando se controlam variáveis como a de classe social» (Spring). A estrutura salarial e o nível das remunerações, são determinantes no incentivo à procura de formação, sobretudo, por parte dos mais pobres.É evidente que um nível educacional mais elevado melhora as oportunidades indi-viduais de acesso ao trabalho. Mas também é evidente que o facto de elevarmos os níveis de qualificação, tem contribuído para acentuar as desigualdades eco-nómicas e culturais. O argumento de que uma boa educação, só por si, produz vantagens económicas, esconde a importância que a divisão nacional e inter-nacional do trabalho têm no incremento da desigualdade social e no acesso ao trabalho qualificado. Continuam a ser as políticas económicas – e não as políticas educativas – a determinar o aumento ou a diminuição, e a natureza, dos postos de trabalho, e, questão crucial, os níveis salariais e a menor ou maior desigualdade educativa e social. A retórica que diz que o futuro da nação depende apenas da educação , é mais uma forma de fugir à responsabilidade de reconhecer a incapacidade do capitalismo em responder às obrigações dos direitos de cidadania. E serve também para abrir as portas a mais um negocio, sem riscos, feito à custa do desmantelamento do Esta-do, da privatização da educação, e do incremento das desigualdades sociais.No bombardeamento mediático a que estamos sujeitos, conceitos como com-petitividade, eficiência, produtividade, sacrifício, cliente, consumidor, substituíram conceitos democráticos como, por exemplo, igualdade, solidariedade, paz, coo-

peração, Cidadão e cidadania. Produzir «capital humano», em vez de formar cida-dãos, faz parte da religião neoliberal e do novo credo educacional.Das muitas tendências neoliberais, em matéria de educação, uma vai em crescendo. Ela tende a organizar o sistema de modo a que os alunos considerados com baixo potencial de aprendizagem sejam discretamente descartados, aprendendo apenas o básico, em escolas pobres. O poder sabe, ao contrario do que apregoa, que na economia global, quer a nível internacional quer em cada nação, não só prevalece, como se vai alargando, a quantidade de trabalho que exige baixa qualificação. Por isso, defendem a concentração do investimento na formação de elites, embora já pensem também que o trabalho altamente qualificado pode ficar mais barato se im-portado . A observação do mercado de trabalho, a nível internacional, mostra que a desigualdade educativa vai em crescendo e com ela a desigualdade e económica.As reformas neoliberais subordinam a educação às regras do mercado. Os seus defen-sores consideram que os alunos, oriundos das classes média e média alta, têm maior potencial de «retorno» do investimento em educação. E que é neles que vale a pena in-vestir. A massa dos pobres – pescando nela algum que se destaque – deve ser «demo-craticamente» encaminhada para formações profissionalizantes básicas e baratas. Para criarem um sistema educativo que facilite estes objectivos têm vindo a propagandear, e a naturalizar, conceitos como a «livre escolha da escola» e o «cheque-ensino».A «livre escolha da escola» é apresentada em nome da liberdade dos pais. De facto, trata-se de uma enganadora manipulação do termo liberdade. No acesso a qualquer bem de consumo, só ilusoriamente somos livres de o obter, pois cada um é condicionado pelos recursos económicos de que dispõe. Assim, a aplicação deste modelo de mercado no acesso à educação, colocar-nos-ia em contradição com os princípios democráticos da igualdade e universalidade que decorrem do conceito de educação como um bem público. Para disfarçar a desigualdade pro-duzida por esta medida, os elitistas invocam o «cheque-ensino». O «cheque-ensino» é mais uma mistificação. Se fosse introduzido seria magro à partida e com tendência para a anorexia a prazo. Emagrecendo-o progressiva-mente, o Estado encontraria nele o modo de escapar às suas obrigações educa-tivas universais. Mas acima de tudo, ele seria o melhor meio de promover a desi-gualdade de acesso dos cidadãos à boa educação. Neste modelo, o que conta não é tanto o valor do cheque dado pelo Estado mas o que cada um lhe pode juntar. E é esse complemento, à medida do bolso de cada um, a decidir a melhor ou pior escola a que os seus terão direito. A «liberdade de escolha da escola» e o «cheque-ensino», são duas das ferramen-tas que o neoliberalismo quer usar para desenvolver a nova sociedade de classes cada vez mais desigual e mais subserviente ao poder dominante.Nesta perspectiva, os sistemas de educação pública (sem esquecer o que neles é preciso transformar e recriar), têm um imenso sentido para milhões de crianças e jovens. Para milhões, a escola é quase a única oportunidade de aumentarem o seu «capital cultural» num mundo cada vez mais injusto (Bourdieu). A escola pública é essencial para salvaguardar e desenvolver a democracia. A política educativa que tem vindo a ser aplicada em Portugal, copiada da deriva neoliberal, é, antes de mais, um ataque à democracia e à cidadania. Paradoxal-mente, é-nos apresentada sob a capa das boas intenções e do interesse geral. Mas, como já dizia a minha avó, «de boas intenções está o inferno cheio».

José Paulo Serralheiro

As escolas públicas, o deus mercadoe a democracia – ou como os discursosbaseados na evidência e nas falinhas mansasencobrem as práticas mais canalhas

«Pode-se não perceber nada na superfície,

mas nas profundezas o inferno está em chamas».

(Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 1998)

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/ EDUCAÇÃO desportiva 04

a página da educação · outubro �007

A experiência acumulada pelas formigas da espécie “Cerapachys biroi”, durante a sua juventude, determina o

seu comportamento durante a fase adulta, de acordo com um estudo publicado na revista “Current Biology”.

Uma equipa de biólogos da Universidade de Paris 13 separou em dois um grupo de formigas em idade de procu-

rar alimento para as larvas. Metade foi colocada numa zona onde havia alimento, a outra, numa área sem alimen-

tos. Um mês depois o primeiro grupo tinha-se especializado na procura de alimentos, enquanto o segundo se

mostrava mais orientado para cuidar das jovens crias no interior do ninho. Segundo os cientistas, a descoberta

veio provar que “a história individual desempenha um papel importante na organização das sociedades de in-

sectos, a experiência vivida aparece como uma variável fundamental no desenvolvimento do comportamento”.

Originárias do Japão e da Tailândia, as formigas “Cerapachys biroi” foram eleitas para esta experiência porque

se reproduzem sem fecundação, pelo que todos os indivíduos desta espécie são clones.

AL/ Fonte: AFP

FORMIGAS

A história individual determina a vida em sociedade

Embora se viva numa enorme crise do Estado Providência em que o desporto, como não podia deixar de ser, também tem vindo a sofrer profundas consequências, hoje, os países desenvolvidos com o Reino Unido – lembramos que Londres vai organizar os Jogos Olímpicos em 2012 –, Austrália, Canadá e países do Norte da Europa à cabeça, estão novamente a investir em políticas públicas em matéria de desporto, conducentes não só a apoiar a alta competição como a generalização da prática desportiva, com objectivos de promoção social, equilibrando, deste modo, os ex-cessos que o mercado introduziu nos sistemas desportivos nos últimos anos. Se olharmos para o que se passou nos últimos anos em matéria da promoção objectiva da prática desportiva numa lógica nacional, através de políticas con-certadas entre as escolas, os clubes e as autarquias, pouco ou nada há a referir. De facto, os nossos Governos limitaram-se a acompanhar a medo o desporto fe-derado, mantendo todo o programa nacional de preparação olímpica – incluindo o correspondente pacote de financiamento – sob o arbítrio decisional do Comité Olímpico de Portugal, situação “sui generis” que desresponsabiliza o Estado pela condução efectiva do desporto a nível da competição internacional, com os re-sultados que vimos recentemente com o apuramento do futebol nacional para os Jogos Olímpicos de Beijing.E quanto ao desporto de base, se formos procurar programas de promoção activa no território nacional, estudo sistematizado e recolha de elementos de caracteriza-ção da prática desportiva no todo nacional, definição de quadros estratégicos de desenvolvimento desportivo local, parcerias locais entre clubes e escolas, lança-mento de quadro de competições desportivas escolares nacionais, programas de formação de treinadores, de captação e formação de voluntários, não é possível identificar seja o que for com o mínimo de consistência.O que hoje se constata é que aonde estas políticas deviam começar que é no sis-tema de ensino, as coisas passam por uma profunda crise de identidade. De facto, o “modelo pedagogista da educação física”, aliado a um pós-moderno “exercício para a saúde”, para além de estar a repetir erros do passado, está a transformar uma disciplina curricular vocacionada para o ensino do desporto numa espécie de “actividade paramédica” sem qualquer sentido no quadro das necessidades das crianças e dos jovens do país. Por outro lado, o desporto escolar enquanto actividade de complemento curricular foi reduzido ao grau zero da sua dignidade,

ao liquidar-se paulatinamente uma estrutura nacional que lhe dava um mínimo de operacionalidade e prestígio nacional e internacional. Tudo isto, salvo raras excep-ções, perante a incompreensível complacência das Associações dos Profissionais de Educação Física e da própria Sociedade Portuguesa de Educação Física.E assim, atingiu-se o culminar de uma situação insustentável iniciada em meados dos anos oitenta, quando uma perspectiva neo-mercantilista começou a desres-ponsabilizar o Estado das suas funções sociais em matéria de desporto, passando para o movimento desportivo responsabilidades para as quais este não tinha nem competência nem vocação para as exercer.Assim, ao cabo de mais de dois anos de governação estranhamos que o IDP, orga-nismo com especiais atribuições em matéria de promoção do desporto, insista em deslocar progressivamente a sua missão para a actividade física que hoje é uma indústria que se auto-sustenta numa forte dinâmica económica e ainda bem, mas que nada tem a ver com a promoção do desporto que é e deveria continuar a ser a verdadeira missão do IDP. Estranhamos ainda que o IDP, pura e simplesmente, ignore as diversas problemáticas que oportunamente foram levantadas no impor-tante documento da União Europeia sobre desporto neste momento em discussão (o “Livro Branco sobre o Desporto na UE”), apenas se referindo explicitamente ao desporto num minúsculo programa apelidado de “Mexa-se”. Quer dizer que o IDP, com pergaminhos em matéria de desenvolvimento do desporto com raízes nos anos quarenta do século passado, reduziu a sua vocação principal a um progra-ma de exercício físico importado de uma autarquia da periferia. Depois, surge um Nelson Évora e o país descobre que afinal em matéria de desporto, para além de alguns resultados de atletas de excepção que dependem fundamentalmente deles e dos seus treinadores, o desporto está parado.Há um trabalho urgente a desenvolver que deve decorrer em paralelo com o de-senvolvimento da Lei de Bases do Desporto e da Actividade Física. Caso contrá-rio, Laurentino Dias ficará na história do desporto nacional, como mais um ministro que por aqui passou sem que se tivesse dado por isso.

Gustavo Pires

com José Pinto Correia

Universidade Técnica de Lisboa

Governo & políticas desportivasIE/FN

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Revista de imprensa

TEXTOS bissextos / 05

a página da educação · outubro �007

PROFESSORES SUJEITOSA NOTA MíNIMA O Estatuto da Carreira Docente exige que os futuros professo-

res façam uma prova de ingresso na profissão. Na proposta

de portaria que regulamenta o estatuto, o Governo é claro: os

erros gramaticais, as más construções frásicas e uma maior

dificuldade em falar em público ou expor ideias vão fechar as

portas do ensino aos jovens licenciados. O documento esti-

pula que, mesmo depois de cinco anos de universidade e o

grau de mestre conferido em instituições cujos cursos são

reconhecidos pelo Ministério da Ciência e Ensino Superior,

os professores sejam avaliados com três exames distintos.

Correio da Manhã

03.09

FENPROF ACUSA GOVERNODE DESPEDIMENTO EM MASSA A Fenprof acusou ontem o Governo de José Sócrates de estar

a promover o equivalente a um dos maiores despedimentos

colectivos no País, a propósito do concurso de colocação de

professores que, na primeira fase, deixou de fora quase 45 mil

candidatos. “Este é o maior, ou dos maiores, despedimento

colectivo que teve lugar neste país, da responsabilidade de

um Governo que ainda por cima quando se candidatou e se

apresentou a votos prometeu criar empregos”, afirmou Mário

Nogueira, dirigente da Fenprof.

Meia Hora

04.09

CGTP qUER AUMENTO DE 5,8% NO SALáRIO MíNIMO A CGTP reivindicou ontem um aumento de 5,8% para o Sa-

lário Mínimo Nacional, de modo a que o seu valor passe para

426,5 euros em Janeiro de 2008 e respeite o compromisso

de chegar aos 450 euros em 2009 e aos 500 euros em 2011.

Entretanto, o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado

(STE) revelou ontem que o poder de compra dos trabalha-

dores da Administração Pública diminuiu mais de 10% nos

últimos sete anos. Na apresentação da proposta de actuali-

zação das condições de trabalho na Administração Pública

para o próximo ano, o sindicato revelou que os trabalhadores

cujos salários foram congelados em 2003 e 2004 perderam,

em termos acumulados, 10,3% do poder de compra. Já os

restantes trabalhadores não abrangidos pelo congelamento

perderam 7% desse poder.

Destak

05.09

OE �008 NÃO COBRE SALáRIOS EM MAIS DE METADE DAS UNIVERSIDADES As verbas do Orçamento do Estado que vão ser transferidas

para as instituições de ensino superior no próximo ano não

cobrem as despesas com pessoal em oito das 14 universi-

dades públicas. Nos politécnicos, são afectados cinco dos

15 institutos (…). Em 2008, a dotação pública do ensino

superior cresce ligeiramente, mas de forma residual: as ver-

bas a distribuir directamente pelas instituições passam dos

970,5 milhões de euros de 2007 para 977,1 milhões (cresce

0,68%). Açores, Algarve, Madeira, Trás-os-Montes, Aveiro,

Évora, ISCTE e Beira Interior são as universidades que têm

uma situação mais delicada. Nos politécnicos, Tomar, Bra-

gança, Portalegre, Guarda e Viana do Castelo são os que se

vêem mais afectados na capacidade de cobrir os salários atra-

vés das verbas do OE de 2008.

Jornal de Negócios

11.09

“Hoje a dominação eterniza-se e amplia-se não só me-diante a tecnologia, mas como tecnologia; e esta pro-porciona a grande legitimação ao poder político ex-pansivo, que assume em si todas as esferas da cultura. Neste universo, a tecnologia proporciona igualmente a grande racionalização da falta de liberdade do homem e demonstra a impossibilidade ‘técnica’ de ser autóno-mo, de determinar pessoalmente a sua vida. Com efeito, esta falta de liberdade não surge nem irracional nem como política, mas antes como sujeição ao aparelho técnico que amplia a comodidade da vida e intensifica a produtividade do trabalho. A racionalidade tecnológica protege assim antes a legalidade da dominação em vez de a eliminar e o horizonte instrumentalista da razão abre-se a uma sociedade totalitária de base racional”1

Vale a pena recordar estas palavras de Marcuse numa época em que, pelo país, andam ministros em corrupio a distribuir computadores pelas escolas, e o governo promove e patroci-na shows comerciais sobre quadros interactivos com pupilos contratados para o efeito. Na verdade, esta tecnofilia gover-nativa pode ser reconduzida à ideia que Marcuse expôs nos anos 60 e que Habermas, seu comentador, desenvolverá um pouco mais tarde: a de que, nas sociedades avançadas, a técnica e a ciência funcionam como ideologia ao proporcio-narem e garantirem, como defende Marcuse, “a grande legiti-mação ao poder político expansivo”. A questão, bem entendido, não é saber se as escolas preci-sam ou não de computadores, ou de quadros interactivos, nem tão pouco discutir os benefícios da introdução alarga-da dessas ferramentas nas práticas de ensino e aprendiza-gem desde o ensino básico. A questão é: porque precisam as escolas de visitas ministeriais transformadas em autênti-cos “potlatch” tecnológicos? A minha resposta é: as escolas não precisam, mas o marketing político sim. A imagem de um governante oferecendo portáteis ou visitando uma imacula-da sala de aulas equipada com computadores só pode tra-zer benefícios: nem sequer é preciso dizer nada, os objectos mostrados já dizem tudo, são modernos, ou melhor, levam a modernização àquelas pessoas e àqueles sítios pelas mãos daqueles modernizadores. No mesmo dia em que termino a escrita deste texto um leitor do Público escrevia isto numa das “Cartas ao Director”: “Na minha escola (...) não há grande falta de computadores. O pro-blema desta escola é que, no ano passado...”.2 De seguida, o leitor fala de casas de banho fechadas por falta de arranjo, chuva nos pavilhões e no ginásio e falta de material para os

A tecnofilia como ideologialaboratórios, e termina, com ironia, pedindo a um governante que passe por lá a oferecer o que faz mesmo falta. É aqui que é necessário voltar a Marcuse quando ele diz que “a tec-nologia proporciona igualmente a grande ra-cionalização da falta de liberdade do homem e demonstra a impossibilidade ‘técnica’ de ser autónomo, de determinar pessoalmente a sua vida”. A tecnofilia como ideologia gover-nativa, racionaliza essa falta de liberdade que consiste em dizer paternalmente - tomem lá o que vos dou, que eu é que sei do que é que vocês precisam – e expõe à vista de to-dos as contradições da nossa modernidade (sempre) inacabada. Repito: não estou a discutir os benefícios des-tas tecnologias para o ensino e a aprendiza-gem, pese embora eles só possam ser avalia-dos a partir das formas como estão a ser inte-grados na cultura organizacional das escolas. Creio ainda que, no domínio das competên-cias em informática e em usos pedagógicos de ferramentas informáticas, há muito a fazer. Como qualquer pessoa compreende a mera instalação de uma rede informática não ga-rante que ela seja efectivamente aproveitada e potenciada, além de que exige recursos para a sua manutenção e reparação quando há ava-rias. Mas sejamos optimistas: quando a rede e o material informático da escola do leitor do Público se avariar, ou tornar obsoleto, o canali-zador e o reparador de telhados vão finalmente chegar. Li algures que há um ditado americano que diz “a um homem com um martelo, tudo parece um prego”; aqui é caso para dizer, a um governante com um laptop para oferecer, tudo parecem sondagens e uma radiante caminha-da em direcção à modernidade.

Filipe Reis

Instituto Superior de Ciências do Trabalho

e da Empresa (ISCTE), Lisboa

1 Citação de Herbert Marcuse colhida no livro de Habermas, Técnica e Ciência

como Ideologia, Ed. 70, p.49

2 Publico nº 6379 de 16/9/07

IE/FN

Page 6: A Pa Gin a 171 Out 2007

/ DO PRIMáRIO 0�

a página da educação · outubro �007

O número de alunos britânicos que aprendem línguas estrangeiras é cada

vez menor. Os idiomas mais afectados são o francês e o alemão, reportam

estatísticas do ministério da Educação publicadas este mês.

O alemão é a língua estrangeira que registou a maior baixa com menos

10,2 por cento de alunos sujeitos a exame no final do ano lectivo de

2007 comparativamente ao anterior. O francês registou uma queda de

8,2 por cento.

Em 2004, o governo britânico pôs fim ao ensino obrigatório de línguas

estrangeiras para alunos maiores de 14 anos. No início escolar de 2005,

o número de alunos que aprendiam o francês e o alemão, disciplinas

consideradas difíceis, caiu 14,4 por cento.

A mensagem que se passa aos jovens não é particularmente forte sobre o

valor futuro do conhecimento de uma língua estrangeira, por conseguinte

têm tendência a tomar outras opções”, aponta Greg Watson, director execu-

tivo do comité de exames de línguas estrangeiras, indo mais longe nas suas

observações: “São os empregadores que sentem a falta de competências

linguísticas, no entanto, nada fazem de positivo em termos salariais para

valorizar quem as tem!”

Num editorial, o diário “The Times” apelou ao governo para que valorize

a aprendizagem de línguas estrangeiras, defendendo o regresso à obriga-

toriedade após os 14 anos: “Se para o governo não faz diferença, porque

é que os jovens se vão interessar?”

Entretanto, o governo anunciou em Março que os alunos britânicos de-

vem iniciar a aprendizagem de uma língua estrangeira aos 7 anos.

AL/ Fonte: AFP

FRANCÊS E ALEMÃO

Alunos britânicos sem interesse em aprender línguas estrangeiras

Volto ao questionável acto de rotular e tratar alunos como “deficientes”. Trago-vos dois episódios, que po-dem ilustrar uma realidade oculta: há fenómenos de in-comunicabilidade nas nossas escolas, cuja responsa-bilidade não deve ser imputada somente às escolas.A Bárbara é uma aluna com dislexia. A professora “especial” passa pela sala, duas vezes por semana. Mas já confessou que (afinal) “não é especialista em dislexias (sic) e que, portanto, pouco pode ajudar”… A professora dita “regular” diz que “faz o que pode, mas que não se espere milagres, porque com deza-nove alunos mais uma “disléxica” na sala, o tempo não chega para tudo”… A meio da manhã, diz a professora para a “disléxica”: “Vais ficar sem recreio, porque eu não consigo ler o texto que escreveste!”. Resposta pronta da Bárbara: “Tu não consegues ler, mas eu consigo!” A Bárbara é disléxica, mas não é parva.A dislexia existe! Há necessidade de identificar a dis-lexia a tempo, de modo que não se converta, defini-tivamente, num obstáculo ao sucesso e à realização pessoal. E, muito mais que identificar, é imperioso que um especialista, no seio de uma equipa, dê res-posta às Bárbaras. Porém, há casos e casos, e bem diferente é o caso do Tito. O Titinho (como a extremosa mamã lhe chamava) chegou à escola acompanhado de um processo com cinco centímetros de altura. Eram relatórios de psi-cólogos, mais os dos pedopsiquiatras, mais os rela-tórios das professoras de educação especial, mais os dos médicos… Veredicto: “disléxico”. Tratamento: dois anos sob orientação de uma professora “espe-cial” mais três anos a pastar fichas, no fundo da sala,

que a professora regular não era entendida em dis-lexias.Uma semana de ociosidade depois, o professor apro-ximou-se do moço: Então?... Desde que chegaste, ainda não fizeste nada. O aluno não estava diagnosticado de autista, mas não deu troco. O mestre insistiu:E posso saber porquê?O moço fez ouvidos de mercador.Não me ouviste? Posso saber porquê, Tito?Aquele mocetão quase a fazer doze anos de idade, enfim, reagiu:Eu sou Titinho! Não sou Tito! Você não sabe?Está bem, Tito. Mas diz-me por que não te vejo traba-lhar como os outros meninos.Você não sabe?Não, não sei.Eu, na outra escola, também não fazia nada.Ai não?...Não. Só quando a setora do especial lá ia é que eu fazia uns joguinhos.Ai sim?É. Está a ver? Eu não fazia nada. E você não me pode obrigar porque…Esgotada a paciência, o professor interrompeu-o: Porque é que não fazias nada, na outra escola?Você não sabe?Já te disse que não.É que eu sou disléxico.Ai, tu és disléxico? Eu sou Luís! E, agora, vais pegar nesta folhinha e vais fazer o que o teu grupo tem no plano para tu fazeres.Ficou de boca aberta e sem tempo para retorquir. O

Tito fez o trabalho que o grupo o ajudou a fazer (a pressão social justa e fraterna resulta sempre…), ape-sar de “trocar umas letrinhas”, como depois comen-tou, pedindo desculpa pelo que não devia. Perante a afável autoridade do professor e a persuasão exerci-da pelos colegas do grupo, restava ao Tito escolher entre duas atitudes: ou fazia o trabalho, ou fazia o trabalho… Optou por fazer o trabalho. Qualquer outro “disléxico” inteligente optaria por essa hipótese. Imaginava o professor Luís o que se estaria a passar naquela cabecinha: “então este professor não saberá o que é um disléxico?” É claro que o professor sabia. Tanto sabia, que o Titinho – entretanto promovido a Tito pelo grupo – foi fazendo exercícios que o ajuda-ram a ultrapassar algumas dificuldades. Porém, não todas…O Tito pendurou o seu casaco, atirando ao chão ca-sacos de colegas. O professor chamou-lhe a aten-ção. O “disléxico” respondeu: Não são meus!... Pois não eram, mas o Tito apanhou os casacos do chão e pendurou-os nos respectivos cabides.A mãe do Tito chegou, ao final do dia. Retirou do ca-bide o casaco do filho, provocando a queda de ou-tro casaco, que estava pendurado num cabide adja-cente. O professor fitou a senhora, insistentemente. Apercebendo-se da recriminação no olhar do profes-sor, a senhora exclamou: Não fui eu!....O professor Luís afastou-se, sem dizer palavra, re-flectindo sobre as dislexias familiares, que fazem a infelicidade de muitos Titinhos.

José Pacheco

Escola da Ponte, Vila das Aves

Dislexia

Page 7: A Pa Gin a 171 Out 2007

Revista de imprensa

LUGARES da educação /

a página da educação · outubro �007

07

ENSINO PRIVADO CRESCE Só no ano lectivo de 2006/2007, e segundo números

preliminares do gabinete de estatística do Ministério

da Educação a que o SOL teve acesso, as escolas

particulares ganharam mais de cinco mil alunos no

básico e no secundário, o que corresponde a um au-

mento de 2,8 por cento. O privado contabiliza agora

cerca de 197 mil estudantes nestes dois níveis de en-

sino, o número mais elevado dos últimos cinco anos.

No mesmo período, a escola pública perdeu dezenas

de milhares de alunos, tendência a que a tutela co-

meça agora a pôr travão com a aposta nos cursos

profissionalizantes.

Sol

15.09

EMIGRANTES NA ALEMANHA NAS RUAS CONTRA FALTA DE PROFESSORES A Federação das Associações Portuguesas na Alema-

nha (FAPA) manifesta-se hoje em Dusseldorf contra a

falta de professores de português naquele país, ape-

sar de o Ministério da Educação (ME) ter anunciado

que vai colocar mais docentes. Em Julho passado,

uma professora denunciou que cerca de 900 alunos

nas áreas de Dusseldorf, Frankfurt e Estugarda iriam

ficar sem aulas de português porque os professores

que as leccionavam se tinham reformado. “Esses seis

professores eram pagos pelas entidades alemãs, mas

reformaram-se e a Alemanha, que já desde 2000 avi-

sava Portugal que não iria contratar mais docentes,

não os substituiu”, explicou o presidente da FAPA,

Vítor Estradas.

Público

16.09

TRêS qUARTOS DOS ADULTOS Só TêM ENSINO BáSICO Não há dados para 12 as regiões comunitárias, mas

entre todas as outras, o panorama da qualificação dos

trabalhadores portugueses é, no mínimo, desolador.

Começando a ler a lista das regiões com mais pesso-

as que nunca ultrapassaram a escolaridade mínima,

entre todos os 27 países que hoje integram a União

Europeia, em último lugar aparecem os Açores (81%

das pessoas tem o 9° ano ou menos, ou seja, oito em

cada dez), depois o Norte (80%), o Centro (78%), a

Madeira e o Alentejo. Só o sexto pior qualificado, a

ilha de Malta, não é português. Mas a interrupção

é curta: logo a seguir vem o Algarve. E Lisboa não

está assim tão bem qualificada quanto isso: só tem

quatro regiões estrangeiras pior colocadas. Consi-

derando todo o país, três em cada quatro pessoas

com idade para trabalhar nunca passou do 9.° ano,

à semelhança do que acontece em Malta. Nos 27 pa-

íses, já agora, a média está pouco acima de um em

cada quatro.

Jornal de Notícias

17.09

Embora crítico do Estatuto da Carreira Docente (ECD) que vigorou até à aprovação do novo ECD pelo Decre-to-Lei nº 15/2007, de 19 de Janeiro, não recebi este no-vo diploma favoravelmente. O seu conteúdo, em diver-sas áreas, e a forma como foi aprovado, em braço-de-ferro com os sindicatos e os professores, não auguram nada de bom. Em qualquer caso, a principal crítica que formulei, desde as primeiras versões do documento, embora contra a opinião da maioria dos intervenientes, foi a de que o ECD proposto insistia em criar duas cate-gorias de professor mas, contraditoriamente, se reve-lava pouco exigente, em termos substantivos, quanto à avaliação do currículo académico, científico e pro-fissional dos docentes, manifestando dificuldades em libertar-se das amarras técnico-burocráticas que vêm dominando as escolas e os professores portugueses.O primeiro exemplo disso mesmo aí está, em toda a sua expressão, com o recente concurso para professor titular. Tratou-se da pior forma de iniciar a execução do ECD, deixando claro que o regime transitório de recruta-mento de professores titulares (regulado pelo Decreto-Lei nº 200/2007, de 22 de Maio) recusou a possibilidade de uma avaliação séria e credível dos candidatos.Quem conhece por dentro, com profundidade e criti-cidade, as escolas portuguesas, só dificilmente será capaz de assegurar que o processo seguido terá con-tribuído para “dotar as escolas de um corpo docente altamente qualificado, com mais experiência e forma-ção”, através de um concurso documental perversa-mente limitado à “aplicação de uma grelha de critérios objectivos e quantificáveis” que visaria “seleccionar os docentes que revel[assem] ter melhores condições pa-ra o exercício das funções específicas atribuídas a esta categoria”, ou seja, a professor titular.Seguiu-se a via mais fácil em termos administrativos, do que resultou um simulacro de avaliação; critérios burocráticos exactos e uniformes, mensuração e quan-tificação, um processo à prova da emissão de qualquer juízo fundamentado. Em suma, um concurso sem ava-liação digna desse nome, reduzido à mais elementar e desqualificante natureza contábil, em plena contradi-ção com a retórica oficial.Por isso a “certificação das candidaturas” se revelou mais importante do que qualquer outro procedimento e o júri, a quem competia formalmente a “avaliação dos candidatos”, não chegou, de facto, a avaliá-los. Tal ta-refa seria sempre supérflua, e também arriscada, face à perfeição objectivista e à lógica positivista do respectivo “formulário electrónico” de candidatura. De resto, seria sempre substantivamente impossível, tendo em conta o

número dos envolvidos, os prazos estabelecidos e o carác-ter centralizado-desconcentrado da decisão administrativa. A escola concreta de cada docente, seja enquanto instância mi-nimamente responsável pela avaliação e promoção, contextu-alizadas, dos seus professores, seja enquanto locus incontor-nável à produção de sentido e de juízo crítico sobre o currículo profissional de cada um, foi uma vez mais desprezada. Os cri-térios foram definidos fora e acima de cada escola, e totalmen-te a posteriori face ao desempenho objecto de pretensa avalia-ção. Algo do tipo: seja educador ou professor durante mais de vinte ou trinta anos que depois lhe comunicaremos aquilo que virá a ser valorizado para a sua promoção a titular.Mas o que é mais surpreendente é que o próprio currículo profissional dos candidatos, todos de nomeação definitiva, foi subitamente amputado, por vezes em mais de duas deze-nas de anos, para, por conveniência técnico-administrativa e decisão discricionária, passar a incluir apenas o período compreendido entre 1999/2000 e 2005/2006, inclusive. Apa-garam tudo o resto das suas histórias e vidas profissionais, os diferentes ciclos de desenvolvimento profissional, seus investimentos, estratégias de carreira, etc.O que esta opção significou para docentes com manifesto prestígio entre os seus pares, grande experiência e dedica-ção sem falhas, por vezes anos a fio detentores dos mais elevados cargos escolares (os verdadeiros professores ti-tulares avant-la-lettre, mas já com provas dadas), que por circunstâncias diversas não desempenharam, ou desempe-nharam menos, cargos nos últimos anos, só está ao alcance de quem conhece as escolas sem ser apenas à distância e vistas de cima. E as circunstâncias de participação fluida a que me refiro não são apenas de ordem pessoal. Envol-vem, frequentemente, decisões dos conselhos executivos e de outros órgãos escolares, práticas rotineiras e regras con-suetudinárias por vezes criticáveis, critérios de oportunidade nem sempre claros e edificantes; quase todos conhecidos dos docentes experientes e, tantas vezes, objecto da sua aquiescência passiva, compreensão, solidariedade, tolerân-cia, ou mesmo interesse activo e empenhado.Seria altura de lhes pôr termo, dentro e fora das escolas, exi-gindo políticas, critérios e regras claros e transparentes, nome-adamente na designação para cargos de gestão e na atribui-ção de responsabilidades de coordenação pedagógica. A des-politização deste tipo de decisões só pode acarretar situações equívocas, surpresas desagradáveis e danos de diverso tipo.Veremos se, e até que ponto, é que será possível resgatar a avaliação e promoção docentes, a realizar ordinariamente no futuro próximo, deste precedente desastroso e pouco presti-giante de provimento de professores titulares.

Licínio C. Lima

Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho

Um simulacro de avaliação

ANA ALVIM

Page 8: A Pa Gin a 171 Out 2007

/ FORMAÇÃO e desempenho 08

a página da educação · outubro �007

Quase cinco por cento das famílias americanas - 14 milhões de pessoas - não falam inglês, de acordo com os

mais recentes dados dos Serviços do Censo dos Estados Unidos.

Dos 111,6 milhões de lares nos Estados Unidos (4,8 por cento) estão “isolados linguisticamente”, o que signi-

fica que todos os membros destas famílias com mais de 14 anos, têm dificuldades em falar inglês.

O idioma mais falado por essas famílias é o espanhol (27,6 por cento), seguido pelas línguas asiáticas (27,4 por

cento). Em 2006, um em cada cinco habitantes (19,7 por cento, contra 17,9 por cento em 2000) com mais de cin-

co anos falava uma língua que não o inglês em sua casa, mas 60 por cento também falam inglês correctamente.

Na Califórnia, estado mais povoado dos EUA, a percentagem de lares que não falam inglês é de um em cada

dez, e para 42,5 por cento dos californianos o inglês não é o idioma falado em casa. O mesmo acontece com

36,5 por cento dos habitantes do Novo México e 33,8 por cento da população do Texas (sudoeste). Em Los

Angeles, mais de um em cada dois habitantes (53,4 por cento) fala outra língua em casa, enquanto em Miami

essa proporção chega a 48,6 por cento.

AL/ Fonte: AFP

COISAS da AMÉRICA

Cinco por cento das famílias americanas não sabem falar inglês

Começo a pensar seriamente que isto não é vida! Esta foi a expressão de desâ-nimo de uma professora profissionalizada de Geografia ao saber que não fora colocada depois de sete anos de docência. Como ela, milhares de candidatos viram frustradas as expectativas de continuarem ou iniciarem a actividade como professores. Habituámo-nos, ao longo de anos, por esta altura, ao confronto com esta realidade com dimensões cada vez mais inquietantes e que, durante o resto do ano, fica mais ou menos silenciada. Persistem, no entanto, os efeitos de fac-tores que a vão agravando. Nos últimos dois anos a rede escolar perdeu milhares de professores. Os efeitos demográficos e a orientação das políticas educativas agravarão, por si só, a empregabilidade docente. O discurso político da qualidade, da racionalização e da eficácia na educação não virá, certamente, ao encontro dos anseios dos candidatos a professores. Esperamos, pelo menos, que o impacto penalizador para os professores daquelas mudanças, seja compensado, na me-dida do possível, através de investimentos sistemáticos e regulares na formação contínua dos professores que permanecem no sistema. Apesar deste cenário de desemprego na educação e noutros sectores, o número e a diversidade de diplomados estão longe das necessidades de um desenvolvi-mento normal para Portugal. Existe uma extrema debilidade da sociedade e do mercado de trabalho para integrar os que, em cada ano, vão concluindo as suas formações e, mais do que isso, para manter muitos dos que nele já tinham sido co-locados. Tem faltado a definição de opções mais claras de desenvolvimento e para tal, das necessidades de formação. Por esta e outras razões, algumas internas às instituições de formação, permanece um grave desajustamento na relação entre a quantidade, a qualidade e a diversidade das formações e o desenvolvimento de-sejado. Na docência, face aos referidos constrangimentos, tem sido claramente excessivo o número de diplomados. E muitos dos que procuram lugares na docên-cia, mesmo profissionalizados, fazem-no porque o mercado de emprego noutros domínios não tem dimensão para os integrar.

Esta realidade apela a ajustamentos pelo lado da formação. As mudanças propos-tas pela Declaração de Bolonha incluem desafios nesse sentido, nomeadamente formações flexíveis e profissionalizantes. Embora concebido nesse contexto, o Regime Jurídico da Habilitação Profissional para a Docência define uma estrutu-ra para a formação inicial de professores do ensino básico, em dois ciclos, que pouco correspondem a esses – necessários – desafios. O 1º ciclo – licenciatura – tem finalidades e utilidade pouco definidas. Seria desejável que este constituísse o fim de uma etapa formativa que dotasse o diplomado com competências para trabalhar em áreas específicas de intervenção social. Ou, se assim o desejasse, continuar, em seguida ou mais tarde, no 2º ciclo/mestrado, a sua formação nu-ma área de um conjunto de opções em que também se incluiria a docência. Sem profundas alterações da matriz de formação apresentada no referido diploma, e através de opções para aprofundamentos em áreas específicas, seria possível realizar, durante a licenciatura, formações profissionalizantes. Alargar-se-iam as opções dos diplomados no mercado de trabalho e sustentar-se-iam concepções de profissionalidade docente mais adequadas às realidades da sociedade em que vivemos. Aquela é mutável e desenvolve-se durante a carreira sendo feita de re-configurações de competências em função dos tempos e contextos. O que ho-je é esperado de um professor não é, seguramente, o mesmo que há 20, 10 ou mesmo 5 anos. A ideia dominante do professor enquanto prático reflexivo tende a centrar-se no espaço estrito da docência e obscurecer o contexto real a montante e a jusante desse espaço. O conhecimento, a compreensão e, eventualmente, a intervenção em áreas do domínio alargado em que se insere a docência constitui, certamente, uma mais valia para a construção de uma profissionalidade mais di-nâmica e abrangente da realidade social.

Carlos Manuel Neves Cardoso

Escola Superior de Educação, ESE de Lisboa/CIED

ANA ALVIM

Isto não é vida!

Page 9: A Pa Gin a 171 Out 2007

Revista de imprensa

LUGARES da educação /

a página da educação · outubro �007

09

ESCOLAS FRIAS DÃO POLéMICA Quatro em cada cinco escolas são frias e têm excesso de

humidade no ar. A acusação foi feita ontem pela DECO,

depois de dois estudos realizados em Fevereiro em 40

salas de aula de 20 escolas portuguesas, mas foi pronta-

mente contestada pelo ministério da Educação. Há muitas

escolas que, além de frias e húmidas, não terão ventilação

adequada nos edifícios, degradados e com ar interior de

má qualidade. Em 80 por cento das escolas, a renovação

do ar é insuficiente, segundo a DECO...

Jornal de Notícias

19.09

PORTUGUESES FIGURAM ENTRE OS qUE MAIS CEDO SAEM DA ESCOLA Apenas 26% dos portugueses, entre os 25 e 64 anos,

possui o ensino secundário. Menos de metade da média

dos restantes países da OCDE (68%). Abaixo de Portugal,

só o México (21%). A média sobe se estreitarmos a fai-

xa etária. Quarenta e três por cento dos portugueses entre

os 25 e 34 anos concluíram o secundário. Mesmo assim,

Portugal continua muito longe da média da OCDE (77%)

e a “anos-luz” de países como a República Checa, onde

94% dos jovens concluem o secundário. Espanha e Itália

são os países mais próximos, com taxas de 64 e 66%,

respectivamente.

Jornal de Notícias

19.09

INVESTIMENTO ABAIXO DA MéDIA Portugal gasta anualmente 5030 euros em despesas de

educação por aluno, desde o ensino básico até ao supe-

rior, estando no 23.° lugar entre os 34 países analisados

pela OCDE. Com menor investimento do que Portugal

ficam apenas seis países europeus: Grécia, a República

Checa, Hungria, Estónia, a Polónia e a Eslováquia. No fim

da tabela constam ainda México, Turquia, Chile, Rússia

e Brasil. Nos diferentes níveis de ensino, Portugal surge

sempre abaixo da média dos países da OCDE. Assim, nos

gastos com o primeiro e segundo ciclos do ensino bási-

co, Portugal despendeu 4054 euros, menos 997 do que a

média da OCDE. Já no terceiro ciclo do básico e ensino

secundário foram gastos por ano e por estudante 5342 eu-

ros, enquanto a média da organização se situa nos 6301.

No ensino superior, o investimento do Estado português é

de 6703 euros contra uma média de 9613 euros.

Global Notícias

19.09

SUPERIOR ESTá A AUMENTAR PROPINAS ATé AO MáXIMO O valor da propina anual no 1.° ciclo do Ensino Supe-

rior (licenciatura), também aplicado em muitos casos nos

mestrados integrados, sofreu uma subida generalizada no

sector do Estado. Há 18 instituições, entre universidades e

faculdades, que se colaram à propina máxima legal, isto é,

949,14 euros. Os aumentos chegam a atingir os 22,81%.

Contrariando a lei 49/2005, de 30 de Agosto, muitas uni-

versidades aplicam a mesma propina para todos os cur-

sos, não distinguindo, por exemplo, Medicina de Letras.

(…) Universidades com cursos de áreas tão distintas

quanto Engenharias, Ciências Sociais, Letras e Medicina

- curso com o índice de custo mais elevado nas regras

oficiais de financiamento do Estado - optaram por fazer

tábua rasa da lei, aplicando a mesma propina em todos

os casos. É assim nas universidades de Coimbra, Porto,

Beira Interior e Minho.

Jornal de Notícias

21.09

Pierre Merle, na sua análise do processo de democra-tização do ensino em França1, desenvolve uma tipolo-gia que contempla três modalidades de democratiza-ção: uniforme, igualizadora e segregativa. No primeiro tipo, a democratização do ensino traduz-se num in-vestimento generalizado de todos os grupos sociais na escolarização da respectiva prole, proporcionan-do-lhe mais anos de estudos, mantendo-se, contu-do, a décalage entre os vários grupos. No segundo caso (democratização igualizadora), o alongamento do nº médio de anos de estudos surge acompanha-do de uma diminuição do hiato entre os diversos gru-pos, desde logo porque os mais favorecidos, primeiro nos níveis iniciais, foram progressivamente atingindo a “saturação” com taxas de escolarização de 100%. Contudo, como salienta Duru-Bellat (2006: 20), “mais estudos para todos não quer dizer os mesmos es-tudos para todos.”2 É aqui que entra o conceito de democratização segregativa. Este tipo de democra-tização do ensino, em expansão em geografias só-cio-políticas bastante diversas, incluindo Portugal, pretende dar conta da coexistência de fenómenos de crescimento generalizado das taxas de acesso dos vários grupos sociais a um determinado nível de es-colarização (por exemplo, o secundário), com reforço das desigualdades nas oportunidades de acesso às várias fileiras desse nível de escolaridade. Neste caso, parafraseando Duru-Bellat, não será tanto o concluir (ou não) o secundário que faz a diferença, mas o tipo de secundário concluído. O que diversos estudos demonstram é que, apesar de a percentagem de crianças e jovens oriundos de meios populares terem globalmente aumentado nos vários níveis e fileiras de ensino, essa evolução foi bastante diferente nos distintos percursos escolares. Por isso, observa Duru-Bellat, “a democratização, real a certos níveis, não é antinómica com uma hierarquiza-ção social crescente dos diferentes itinerários” (idem. Ibidem). Na verdade, como sustenta Antoine Prost, a democratização “quantitativa” (crescimento do acesso aos diferentes níveis do sistema educativo das crian-ças de categorias sociais desfavorecidas), não asse-gura necessariamente a democratização “qualitativa”

(igualdade de acesso das diferentes categorias sociais a um determinado nível de ensino). E, contudo, apenas a última será capaz de desafinar a correia de transmissão que transmuta desigualdades sociais em desigualdades escolares que vão le-gitimar novas desigualdades sociais, refundando a educação como campo de emancipação e de maior justiça social. Estas considerações surgem como necessárias à problema-tização e questionamento da bondade da muito propalada “Iniciativa Novas Oportunidades”, nomeadamente no eixo de intervenção jovens. Se “fazer do nível secundário o patamar mínimo de qualificação para jovens e adultos” se nos afi-gura como um objectivo socialmente louvável, concretizá-lo pela expansão da oferta das fileiras menos prestigiadas do secundário, segmento com clara sobre-representação das categorias sociais mais desfavorecidas (cursos profissio-nalizantes), e que proporcionam acesso às ocupações com remunerações mais modestas, pode criar a ilusão de uma certa democratização (desde logo quantitativa), e até melho-rar a posição do país no ranking europeu da escolarização (sempre importante para fins de “cosmética política”), mas muito provavelmente não corrigirá as assimetrias e as desi-gualdades, antes as recomporá e diferirá no tempo. Esta medida de política educativa enquanto “tecnologia so-cial” (Grácio, 1986)3 parece cumprir aqui a importante função de reorientar certos grupos de jovens no sentido da escolha de certas fileiras (por exemplo através de condições de frequência aparentemente mais vantajosas para os que fizerem essa op-ção), preservando outras (as que conferem acesso às posições sócio-profissionais mais gratificantes) como “reservas sociais” de acesso limitado aos herdeiros no sentido bourdieusiano do termo. Neste caso, a “democratização quantitativa” convive (e encobre) a “democratização segregativa” pois, apesar de gerar “excluídos do interior” (Bourdieu), confere uma aparente face de legitimidade ao sistema deslocando, sub-repticiamente, o ónus da exclusão para os ombros dos excluídos.

Virgínio Sá

Instituto de Educação e Psicologia (IEP) da Universidade do Minho

1 Merle, P.(2002). La Démocratisation de l’enseignement. Paris : La Découverte.

2 Duru-Bellat, M. (2006). L’inflation scolaire. Paris: Seuil.

3 Grácio, S. (1986). Politica educativa como tecnologia social. As reformas de ensino técnico de 1948 e

1983. Lisboa: Livros Horizonte

IE/FN

As “novas oportunidades”e a “democratização segregativa”

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/ ENTRELINHAS e rabiscos

Milhares de crianças correm o risco de morrer à fome devido à desnutrição severa que assola as regiões do

centro e do sul da Somália, anteriormente consideradas o “sótão de trigo” de um país devastado por 16 anos

de guerra civil. O alerta vem da UNICEF: “Um total de 83 mil crianças sofrem de desnutrição e 13.500 destas

crianças são atingidas por uma desnutrição severa correndo o risco de morrer.” “A desnutrição não é uma novi-

dade na Somália. Contudo os níveis também críticos atingidos na região conhecida como o ‘sótão de trigo’ do

país são alarmantes”, sublinha a UNICEF acrescentando que “a continuação da violência em Mogadíscio pode

provocar novas deslocações de populações.”

Desde Janeiro, o número de somalianos que têm necessidade de ajuda humanitária passou de um para um

milhão e meio, de acordo com a mesma fonte. O país conta com cerca de 10 milhões de habitantes.

As forças governamentais somalianas, apoiadas pelos seus aliados etíopes e pela força de paz da União africana,

não chegam a fazer cessar a guerrilha que actua em Mogadíscio há oito meses. O governo de transição, instau-

rado há três anos, não pode exercer o seu controlo sobre este país dirigido por clãs desde a queda, em 1991, do

presidente Mohamed Siad Barra, que marcou o início da guerra civil em que a Somália está mergulhada.

AL/ Fonte: AFP

RISCO DE VIDA NA SOMÁLIA

Fome ameaça de morte milhares de crianças

Quando a rentrée se aproximava verti-ginosamente, nós, os professores, cos-tumávamos sentir, em conjunto com um leve sabor amargo de fim de férias, o entusiasmo pelas novidades que o novo ano escolar nos traria, principal-mente em relação à distribuição de ser-viço. Este ano, não sei bem por que ra-zões, muitos de nós escorregaram para a escola como quem vai pela primeira vez até à cadeira do barbeiro, cheio de medo de vir de lá sem uma orelha. É ainda um tempo em que vimos ha-bituados a poder ler o jornal de fio a pavio, como devia ser todos os dias apesar do péssimo serviço que tantas vezes nos é prestado. Todos os órgãos de informação fala-ram na questão dos preços dos manu-ais escolares; os tablóides e os outros, os que dizem não o ser, alertaram meio mundo para essa questão, esquecendo todas as outras que o uso exagerado destes instrumentos de trabalho pode provocar; e neste apreço pelo desvio da atenção dos pais em relação às ques-tões essenciais (ignorância ou inten-ção?) acabaram por ser bem servidos pelo Ministério da Educação (ou vice-versa?); toda a gente discutiu o preço dos manuais como se fosse o pão de

cada dia que tivesse subido e todos in-teriorizaram mais uma vez que os alu-nos precisam de manuais como de pão para a boca, o que não é verdade. Pelo menos competiria aos responsáveis do ME esclarecer a população a este res-peito. Mas louve-se a justeza relativa da boa nova da obrigatoriedade de manter o manual durante seis anos.Nada nos deve espantar daqui para a frente depois de vermos uma primeira página do “Público” com grande cha-mada e foto da inauguração de algo numa escola, em que um prelado faz a respectiva aspersão, na presença da Senhora Ministra da Educação e em que o senhor Primeiro Ministro se benze; tudo isto, certamente dentro do respeito pela liberdade religiosa de ca-da um, mas esquecendo-se suas ex-celências que representam ali os prin-cípios da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual a escola é laica; convém até interrogarmo-nos se não se trata de um acto anticonsti-tucionalissimamente (como eu gostava desta palavra quando era jovem estu-dante…) grave. Como cidadão (a mi-nha convicção religiosa não interessa aqui…) sinto-me confuso.Agora que a escolas estão a ficar deser-

tas, a nível discente e também no que diz respeito a professores, parece boa a notícia de que vamos ter câmaras para segurança da comunidade. Tão sozinhos estamos - e somos já quase todos só “os mais velhinhos” - que a coisa se começa a tornar perigosa. Pouca gente esclare-ceu que não foram simplesmente 45 mil professores que ficaram sem emprego; a senhora ministra da educação esque-ceu-se de frisar bem que pelo menos 17 mil perderam o emprego; isto é: já tinham trabalhado alguns anos e não tiveram lu-gar: há menos alunos e os professores que ainda estão nas escolas passaram a ter mais horário lectivo. Que geração se-rá esta que vai ser educada nas escolas só por pessoas com mais de 45 anos? Há-de ter repercussões e dar para alguns estudos das Ciências Sociais…Lá fui então até à escola. Ao contrário do que num diz-se-que-disse-e-que-diz várias vezes repetido na RTPN, não estávamos ali com vontade de fazer cair em cima dos alunos a nossa amargu-ra profissional (ninguém, poderia, aliás, dizer uma coisa dessas); somos profis-sionais e muito dignos; porém, neste primeiro dia de aulas notava-se já um cansaço que vinha do ano anterior: uma frustração por um concurso para titula-

A turma de desportopara António Vitorino de Almeida

res cheio de injustiças que se espelhava agora também na ausência de alguns colegas; e embora sejamos profissio-nais correctos, os nossos olhos fingem mal, perante os alunos, as tristezas cau-sadas por tantas mudanças – às vezes necessárias – mas levadas a cabo tan-tas vezes de forma estonteante.Entre outras, calhou-me a turma de Desporto. Equipas “famosas”. Lá fui. Afinal a turma é impecável, raparigas e rapazes cheios de vontade de aprender. Conversar sobre futebol (eu que não percebo mesmo nada…) e tentar expli-car que há outras modalidades despor-tivas igualmente importantes. Achei que ia ser difícil, num país em que os jornais dedicam ao futebol um número de pá-ginas bem superior ao que dedicam a todas as outras dezenas de modalida-des; num país em que qualquer canal televisivo põe tudo quanto é cão ou ga-to (poetas, pintores, escritores, desig-ners, jornalistas não desportivos, enfim gente com “responsabilidade” e que se preocupa pouco se a sua arte é ou não divulgada entre as populações – gente “culta”) a falar sobre o “desporto-rei”; ou melhor, a discutir horas quantos cen-tímetros quadrados da mão de Scollari assentaram na cara do outro; num país em que os especialistas/cientistas na área - que os há em Portugal da melhor qualidade – raramente vão à televisão.Perante este dilema voltei em pensa-mento às férias e lembrei-me do Ma-estro António Vitorino de Almeida, com vários convidados, em espectáculos apoiados pela Câmara de Caminha, de aldeia em aldeia, a mostrar coisas de qualidade, da música dita clássica, ou não, àqueles que pareciam a priori ter outros gostos, se se permitir a imagem, que pareciam gostar só de futebol. E os centros culturais a abarrotar de Po-vo, em pé, a aplaudir. E a minha sin-gela homenagem a ficar aqui, perante alguém que ainda se preocupa com a dignidade e a identidade nacionais.Gostava de ver aqueles comentadores de sofá das nossas televisões por esse país fora, nas férias, com o Maestro.Se António Vitorino de Almeida me des-se a honra de ser professor na minha escola, a turma de desporto era para ele. Para falar de futebol e de música. De vida e de educação.

José Rafael Tormenta

Escola Secundária de Oliveira do Douro

ANA ALVIM

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11DISCURSO directo /

Sublinhado

Em pleno sudeste asiático, encostada à China, à Ín-

dia, ao Bangladesh, à Tailândia e ao Laos, a Birmânia

volta a estar no centro das atenções dos órgãos de

comunicação social com novo fôlego da oposição

democrática a tentar uma alteração ao regime de di-

tadura militar que vigora no país.

Aung San Suu Kyi, Prémio Nobel da Paz e rosto em-

blemático da resistência birmanesa, actualmente em

prisão domiciliária, já depois de uma nova detenção

arbitrária nas prisões do regime, ocorrida este ano,

apareceu à porta de casa para saudar manifestantes

que protagonizam o presente movimento.

Na primeira linha destas manifestações mostram-se

monges budistas, o que revela o profundo isolamen-

to em que se encontra a Junta Militar que sufoca o

país à frente de um regime tão ilegítimo e agarrado

ao poder que não hesita em assassinar quem ouse

manifestar-se contra, mesmo que sejam monges.

A Junta proibiu os ajuntamentos de mais de cinco

pessoas, decretou o recolher obrigatório na capital e

declarou o centro da cidade local de acesso reserva-

do, eufemismo normalmente utilizado para caracteri-

zar zonas de Guerra. Há notícias do assassínio de três

monges que integravam uma manifestação.

Este ciclo de protestos contra o regime iniciou-se em

Agosto com manifestações convocadas para reagir

a uma situação também sufocante, no plano econó-

mico, para as populações, sem meios mínimos para

sobreviver com dignidade num cenário de inflação

galopante.

Pior e sem perspectivas de um qualquer exílio, vivem

os iraquianos, território de acesso tão militarmen-

te reservado que a admitida retirada dos ocupantes

poderá ser tão mortífera quanto a permanência da

ocupação – a situação vivida é tão má que parece

preferível a humilhação da perda de soberania.

George W. Bush insiste em adiar a data para a retirada

das tropas americanas, apesar do Senado começar

a falar na necessidade dessa decisão, agora que se

aproximam as eleições presidenciais norte-america-

nas, muito mais sentida e mais desejada. Bush não

pode ser reeleito e os que querem suceder-lhe prefe-

rem parecer mais diplomáticos do que guerreiros.

Júlio Roldão

Jornalista. Porto

Territóriosde acessoreservado

A destruição, numa plantação algarvia, de um hectare de milho transgénico, em 73 hectares possíveis, foi elevada à categoria de uma ma-nifestação de carácter terrorista por uma par-te significativa dos fazedores de opinião que a imprensa portuguesa vai acolhendo. Ainda que reconheçamos ser esse um acto ilícito, não dei-xamos de confessar a nossa perplexidade pe-rante um julgamento tão severo. Que tipo de terroristas são estes que, perante a presença de um diminuto contingente da GNR, interrompem, de imediato, a acção que protagonizavam, sem oferecer resistência e deixando-se identificar? Só por ingenuidade é que poderíamos acredi-tar que estamos, apenas, perante uma reacção emocional, e por isso excessiva, de mulheres e homens maduros e vividos que se sentem afec-tados pela dor do dono da plantação. Só por in-genuidade é que não atribuiríamos nenhum sig-nificado ao facto da generalidade da imprensa ter ignorado os alimentos transgénicos como fonte de debate, ao contrário do que é habitual acontecer em casos que envolvam um tipo de controvérsia pública equivalente àquele que te-mos vindo a analisar. É por causa destas e de outras que importa per-guntar até que ponto é que as sociedades me-diáticas acabam por ser um instrumento de des-truição, a prazo, de sociedades que se intitulam como democráticas. Trata-se de uma questão pertinente, sobretudo quando se vê aceitar a manipulação como modo de comunicação es-trategicamente aceitável numa sociedade onde as regras da intercompetitividade se assumem como as regras da vida, legitimando-se, assim, a lei do mais forte como modo de governação inevitável. É uma questão, igualmente, pertinen-te quando se contribui, de forma deliberada, pa-ra que nos transmutemos de actores sociais em consumidores de uma realidade que tende a ser entendida como uma espécie de «reality show» e não como uma instância em cuja construção, de algum modo, todos participamos. É, finalmente, uma questão pertinente quando sabemos que o controlo político nas sociedades mediáticas embora se afirme juridicamente através do voto

Das sociedades mediáticas como objecto de reflexão educativa

popular, constrói-se, na prática, através de modalidades mais ou menos subtis e poderosas de modelagem das crenças e de orientação das perspectivas sobre o mundo e os aconte-cimentos que acabam por condicionar aquele voto. No debate público sobre educação, um dos principais pro-blemas dos personagens que se situam no campo político democrático tem a ver com as dificuldades em lidar com o tipo de debate e de acção que ocorre nas sociedades medi-áticas. Por vezes, entendem-se tais dificuldades como uma manifestação de incompetência, sem se cuidar de saber se não será, antes, uma manifestação de impotência no âmbito de um jogo onde a margem de manobra daqueles persona-gens não é tão ampla como alguns querem fazer crer. É que já sentimos na pele, e de que maneira, a manipulação de-clarada de dados que, sugeridos nos títulos dos jornais, são completamente contraditórios com os relatórios de onde fo-ram extraídos. Já sentimos na pele como a valorização de al-gumas declarações sobre educação e escolas são avaliadas não pela plausibilidade e pelo rigor das mesmas, mas pelo estatuto que a imprensa atribui àquele que as profere. Um estatuto que quantas vezes se constrói como um exercício de maledicência que se limita a explorar o medo, a ignorân-cia e as evidências de uma realidade que parece dispensar a análise cuidada e criteriosa.Sabemos que aquilo que definimos como realidade foi sem-pre, e de algum modo, produto do olhar que aborda e inter-preta essa realidade. Isso não significa, contudo, que esse olhar justifique uma leitura arbitrária da mesma ou, pelo me-nos, que o arbitrário de todos os olhares não possa e não deva ser tão controlado quanto possível, sobretudo quando gera notícias e comentários com um impacto público como aquele que é suposto a imprensa gerar. O problema das so-ciedades mediáticas, então, não tem tanto a ver com a ar-bitrariedade da leitura daqueles que são os seus mentores, mas com as razões que justificam, incentivam e difundem essa mesma arbitrariedade, de forma a que esta não só se torne aceitável, como constitua, igualmente, o fundamento das leituras que se tornam inevitáveis à força de serem di-vulgadas por um núcleo restrito de comentadores e de pro-jectos editoriais que se caracterizam mais pelo que têm em comum do que por aquilo que os diferencia.O que fazer?

Ariana Cosme

Rui Trindade

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

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/ RECONFIGURAÇÕES

Na corrida para se tornarem globalmen-te competitivas, as economias funda-das no conhecimento, os governos, as empresas e as organizações em todo o mundo deram prioridade a políticas e a programas visando a produção, recru-tamento e retenção de futuros inovado-res, de ‘talentosos’, e ‘altamente quali-ficados profissionais’. “A competitivida-de da América”, escreveu o presidente da Microsoft Corp, Bill Gates, numa coluna no Washington Post em 2007, depende de “…um só factor crítico: inovação… o nosso estatuto enquanto centro mundial de novas ideias, não po-de ser assumido como algo garantido. Outros governos estão a acordar para o papel vital que a inovação desempe-nha na competitividade”. E Gates con-tinua argumentando que duas transfor-mações são necessárias se os Estados Unidos quiserem manter a seu domínio económico global; a reforma radical da educação escolar, e a introdução de mudanças no sistema de emigração como consequência dos acontecimen-tos gerados em torno do 11 de Setem-bro, no sentido de fazer reflectir sobre a importância de trabalhadores estran-geiros altamente qualificados. Gates não está sozinho neste aspecto. Do outro lado do Atlântico, a Comissão Europeia lançou uma série de iniciativas com o objectivo de tornar a Europa a sociedade do conhecimento mais com-petitiva do mundo. Estas iniciativas in-cluem políticas internamente orientadas para ‘mobilizar o poder dos cérebros da Europa’, para recrutar os talentos mais brilhantes dos países não pertencentes à União Europeia, e iniciativas legislati-vas para agilizar o acesso aos talentos estrangeiros através de um ‘uma auto-rização científica’ de residência para in-

vestigadores de outros países. Estas iniciativas ligadas ao ‘conheci-mento’, ‘talento’ e ‘competitividade global’ ressuscitaram um velho deba-te acerca da fuga dos cérebros, par-ticularmente quando os cérebros em consideração provêm daquelas par-tes do mundo que mais têm a perder com isso, isto é, os países com baixos rendimentos. Trata-se também de uma questão política sensível, dado o foco do desenvolvimento da agenda desde os anos 1990; a realização das Metas de Desenvolvimento do Milénio visa-vam a redução da pobreza global e o incremento do crescimento económi-co e a atribuição de uma maior prio-ridade ao conhecimento pelas agên-cias multilaterais para impulsionar o processo de desenvolvimento. Edu-cação, conhecimento e qualificações foram assumidos como centrais para a realização destas agendas. Contu-do, perante factos como 1 em cada 10 pessoas adultas com educação ter-ciária são nascidas nos EUA, Austrá-lia ou na Europa Ocidental, em 2001, ou como 30 a 50% da população no mundo em desenvolvimento formada no campo da ciências e da tecnologia vive no mundo desenvolvido, podemos ver as contradições e tensões, nos paí-ses desenvolvidos, entre as estratégias orientadas para a procura de talentos e o compromisso com o desenvolvimen-to dos países com baixos rendimentos. Segundo algumas estimativas, haverá mais cientistas africanos a trabalhar nos EUA do que em África. A ‘opção diáspora’ - que está a apelar aos sentimentos patrióticos dos ‘na-cionais’ e residentes fora do país no sentido de regressarem, numa espécie de ‘remessa de conhecimento’, emer-

ge com uma ‘terceira via’ de solução para este problema. Trata-se de uma solução que também foi considerada apelativa por agencies multilaterais, como o Banco Mundial, particularmen-te quando essas diásporas são redes profissionais cujos membros são vis-tos como tendo um pé em cada um dos campos; localização e acesso ao conhecimento, qualificações e recur-sos no ‘norte’ e um sentido de dever em relação às suas origens no ‘sul’. É também uma opção a ser explorada pelos governos e empresas nacionais, desejosas de se envolverem com o co-nhecimento, qualificações e estabele-cerem conexões com os seus patrio-ticamente considerados concidadãos. Em vez de estes trabalhadores globais serem incentivados a desenvolver ati-tudes mais cosmopolitas, são reforça-dos o nacionalismo e o respectivo sen-tido do dever. Algumas destas iniciati-vas nacionais figuram como sucessos nos relatórios do Banco Mundial , por exemplo GlobalChile (Chile), Red Cal-das (Colômbia), Redde Talentos (Méxi-co) e KEA-NZ (Nova Zelândia). Pode-mos ser encorajados, pois, a ler esta ‘terceira via’ praticada pelo Banco Mundial como uma solução ganhador-ganhador para um assunto particular-mente complexo. À primeira vista, o empenhamento do Banco Mundial na promoção das diás-poras de qualificações como um me-canismo de desenvolvimento é apelati-vo. O Banco Mundial, aparentemente, é sensível às necessidades dos países em desenvolvimento e à falta de conhe-cimento e de qualificações. Contudo, há uma outra forma de ler o interesse do Banco Mundial nesta questão. Um olhar mais atento à iniciativa do Banco

Mundial, Programa Conhecimento para o Desenvolvimento, Diásporas das Altas Qualificações e Migração dos Talentos, revela que o Banco privilegia as redes de diáspora que são fracções da classe capitalista internacional. Possuem um bom conhecimento daquela que um dia foi a sua cena ‘local’ e são assumi-dos como sendo agentes dispostos a participar numa procura de capital para novos mercados. São, como diz Anna Saxenian na sua investigação sobre Si-licon Valley, os novos Argonautas – os aventureiros económicos globais e os investidores pioneiros do século XXI, cujos conhecimento e qualificações podem ser postos a funcionar em fa-vor do desenvolvimento. O seu talento para furar caminho, para conseguir os melhores contactos e para fazer dinhei-ro de uma boa ideia pode servir assim como um ponto de entrada nos novos mercados, neste caso nos países em desenvolvimento. Ao assumirem o pa-pel de intermediários culturais também reduzem os custos de transacção as-sociados ao facto de se fazer negócio em territórios não familiares. A fuga de cérebros transformou-se agora em cir-culação de cérebros e em lucro, valen-do não só aquilo que está a ser posto em circulação e as suas implicações para o desenvolvimento, mas também os interesses de classe da própria re-de de diáspora. Estas redes, assim, ac-tuam como pontos de penetração de ideias neo-liberais; de capital produtivo e de investimento, e são as condutas para a circulação da base estrutural e ideacional de uma macro-ordem pós-fordista globalmente integrada.

Susan L. Robertson

Universidade de Bristol, Uk

Levando as diásporas ao mercado: erguendo otalento (e o patriotismo) nas economias nacionais

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1�E AGORA professor? /

Erva Moira

SENADO AMERICANO APROVA DIVISÃO DO IRAqUE EM ESTADOS éTNICOSO Senado dos Estados Unidos aprovou em Setembro um pla-

no para dividir o Iraque em três estados, de acordo com as

suas etnias, apresentado como a única solução para encerrar

a guerra e retirar as tropas americanas, que ocupam o país

desde a invasão em 2003.

O Senado aprovou a proposta por 75 votos a favor e 23 con-

tra. O plano foi apresentado pelo senador democrata Joseph

Biden. Traçado com a assessoria de Leslie Gelb, especialista

em política externa da administração do ex-presidente Jimmy

Cárter, a ideia é estabelecer um sistema federal, sustentado na

Constituição iraquiana, que dividiria o país em três entidades

- curda, chiita e sunita - com um governo federal sediado em

Bagdad encarregado da administração dos lucros do petróleo

e da segurança nas fronteiras.

A divisão do Iraque em função das diferentes comunidades

maioritárias (curda, chiita e sunita) é recusada pelo governo de

George W. Bush. O líder do partido Democrata no Senado, Harry

Reid, disse que “a adopção da emenda Biden reflecte o impor-

tante reconhecimento por parte do Senado de que a reconcilia-

ção política deve ser o objectivo essencial dos iraquianos”.

TRIBO qUE VIVE ISOLADA é DESCOBERTA NA FRONTEIRA ENTRE BRASIL E PERUIndígenas que vivem isolados foram vistos na região ama-

zónica peruana perto da fronteira com o Brasil, informaram

nesta quarta-feira o Instituto de Recursos Naturais do Peru

(Inrena) e a Sociedade Zoológica de Frankfurt. De um peque-

no avião que sobrevoava o Parque Nacional do Alto Purus fo-

ram localizados cinco abrigos construídos recentemente com

folhas de palmeira e 21 indígenas, entre mulheres, crianças e

jovens, que saíram para observar a aeronave, dispersando-se

em seguida, segundo as instituições. Num segundo sobrevoo

uma mulher foi vista segurando flechas com uma expressão

de enfrentamento. O resto do grupo, que se refugiava sob a

vegetação amazónica, foi avistado logo depois, segundo o In-

rena. Os indígenas estavam numa praia, numa das margens

do rio Las Piedras, que fica dentro do parque do Alto Purus,

na região de Madre de Dios, 1.100 km ao sul de Lima. Os téc-

nicos do Inrena e da sociedade alemã encontraram também

cinco acampamentos abandonados noutras áreas do mesmo

rio. Estes grupos nómadas deslocam-se voluntariamente num

âmbito territorial protegido pelas leis peruanas, chegando a

cruzar a fronteira com o Brasil.

“Este avistamento afasta qualquer dúvida sobre a existência

desses grupos, desconhecidos pela grande maioria da so-

ciedade peruana, que não pedem nada a ninguém e que só

desejam viver sem ser incomodados”, afirmou o Inrena.

Estes grupos indígenas costumam habitar as margens dos

rios amazónicos, onde aproveitam os ovos das tartarugas

aquáticas que fazem a desova nas praias. Eles também pro-

curam as cabeceiras dos rios, ao pé das montanhas, quando

começa a temporada de chuvas, em busca de outros recursos

que caçam, pescam e colectam para se alimentar.

JPS/ Fonte: AFP

Tribalismo parece atravessar o tempo

Esta reflexão surge no seguimento da apresentada no jornal A PÁGINA, nº 168, de Junho 2007, em que o enfoque princi-pal radicava nas questões do ensino e da aprendizagem do voluntariado. Como refere Ricardo Vieira (2006), relativamente ao volunta-riado e ao modo de ser assistente social, seja de uma forma profissional, seja de modo informal, provavelmente estaremos mais perante um processo de aprendizagem do que de ensi-no, como, de resto, parece acontecer com outras profissões que tocam o âmbito social, entre as quais a de professor co-mo tem sido abundantemente estudado (Nóvoa, 1987; Vieira, 1999b). Mas outras profissões haverá em que esse processo se encontra igualmente presente. Na minha pesquisa de doutoramento sobre as Trajectórias Pessoais, (re) construção identitária, representações e práti-cas profissionais dos Assistente Sociais, estudo a maneira de ser dos profissionais do Serviço Social, seus modelos de ac-ção e convicções de intervenção social, com base no estudo da designada escola paralela, ou escola de vida, para além da educação formal que confere o diploma. Nesta pesquisa o conceito de habitus (Bourdieu, 1980) assu-me particular importância. Com este conceito, Pierre Bour-dieu procura articular as posições objectivas das estruturas sociais, a subjectividade da criatividade individual e as situa-ções concretas da acção social.Também para Christine Josso (2002), o profissional que age não o faz só considerando os ensinamentos formais da hete-roformação e da ecoformação; fá-lo também com a autofor-mação e reflexividade sobre a experiência de vida.É nesse sentido que consideramos que o Assistente Social é também uma pessoa (Abraham, 1984) e é essa pessoa tor-nada profissional que interage com os seus públicos-alvo de intervenção. Claro que o profissional e a pessoa são vistos aqui como processos dinâmicos, compósitos, mestiços e ina-cabados: (Nóvoa, 1992; Vieira 1999a , 1999b, 2006; Maalouf, 2002; Laplantine e Nouss, 2002; Hall, 1997).

A escola “cria” e licencia profissionais espe-cializados nas mais diferentes áreas, inclusi-ve para a área social, mas continua a haver espaços sociais para os quais a escola não licencia nem prepara. Nesta área, a educação não formal, a apren-dizagem ao longo da vida e o voluntariado são vitais para a formação de futuros profis-sionais. Os Assistentes Sociais são um exem-plo concreto deste processo, como tenciono vir a reflectir aqui mais vezes.

REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS

· ABRAHAM, A. (1984). L´Enseignant est une Personne, Paris: Les Édit. ESF.

· BOURDIEU, Pierre (1980). Le Sens Pratique, Paris: Minuit.

· NÓVOA, A. (1987). Les Temps des Professeurs, 2 vols, Lisboa: INIC.

· JOSSO, Marie Christine (2002). “As dimensões formadoras da escrita da narrativa

da história de vida: da estranheza do outro à estranheza de si” in JOSSO, Marie

Christine (2002). Experiências de vida e formação, Lisboa: Educa, (pp. 130-146).

· HALL, Stuart (1997). [1992]. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, Brasil:

DP&A Editora.

· LAPLANTINE, F. e NOUSS, A. (2002). A Mestiçagem. Lisboa: Instituto Piaget.

· MAALOUF, Amin (2000). As Identidades Assassinas, Difel Difusão Editoria, S.A.

· VIEIRA, Ricardo (2006). “Da Construção da Identidade Profissional do Professor”,

in MUNHOZ, A. FELDENS, D. SCHCK, R. (2006). Aproximações sobre o

Sujeito Moderno: Traçando Algumas Linhas, Lajeado, RS: UNIVATES.

· VIEIRA, R. (1999a). Ser Igual, Ser Diferente: Encruzilhadas da Identidade.

Porto: Profedições.

· VIEIRA, R. (1999b). Histórias de Vida e Identidades, Professores e Intercultu-

ralidade. Porto: Biblioteca das Ciências do Homem, Edições Afrontamento.

Cristóvão Margarido

Investigador do CIID

Centro de Investigação Identidades e Diversidades

ESE – IPLeiria

[email protected]

Profissões que se aprendem e que dificilmente se ensinam...

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/ IMPASSES e desafios

A abertura de uma escola pública bilingue onde se ensinará o árabe, em Brooklyn (Nova Iorque), está a suscitar

reacções contraditórias, temendo-se que este projecto sirva para a propagação do Islão radical.

A academia internacional Khalil Gibran (poeta cristão de origem estadounidense-libanés), cuja abertura foi

aprovada pelo “Mayer” da cidade, Michael Bloomberg, será financiada através do departamento de educação

de Nova Iorque. O representante democrata Dov Hikind, pelo Estado de Nova Iorque, considerou numa carta que

“a abertura de uma escola árabe é uma ideia perigosa”, justificando a sua posição com o argumento de que as

crianças poderiam ser “doutrinadas”.

Por outro lado, vários grupos anti-racismo e a favor da imigração, insistiram, em comunicado, na necessidade

de uma escola com estas características em Nova Iorque. “A cidade conta com mais de 60 programas de educa-

ção bilingues, que unem o inglês com a aprendizagem de idiomas como o espanhol, o chinês e o russo. Estas

escolas, longe de serem enclaves separatistas, são o mais eficaz na aproximação entre os imigrantes e o resto

dos estudantes”. Quarenta e cinco alunos já se encontram inscritos para o curso de 2007-2008.

AL/ Fonte: AFP

POLÉMICA

Abertura da primeira escola pública bilingue árabe em Nova Iorque

A política tem, para muitas pessoas, um certo travo a pa-lavrão. A política é o lugar da discussão, das dissensões, da oposição, … tudo tão contrário a um mundo (desejavel-mente?) perfeito em que as decisões fossem fundadas em critérios racionais que dariam origem a evidentes consensos. Ora, como diria Ferlinghetti, “mesmo no céu não se canta constantemente” – e este discurso anti-político tem signifi-cativos riscos para a democracia que só sobrevive porque há lugar para o reconhecimento e a expressão pública da diver-sidade e do pluralismo. É por isso que a desvalorização da política comporta um risco intenso em termos da educação das novas gerações, educação essa que deveria ser uma responsabilidade assumida por todos os adultos e institui-ções sociais – desde os partidos políticos, passando pelos média até, naturalmente, às escolas – e não uma preocupa-ção “arrumada” numa qualquer área curricular. No entanto, não quer isto dizer que as escolas não sejam con-textos nucleares de aprendizagem (da) política, quer este pro-jecto seja (ou não) explícita e intencionalmente assumido como tal. Desde logo, porque são espaços onde inevitavelmente in-teragem pessoas diferentes – e a política, lembra Arendt, ten-de a emergir no espaço entre pessoas que se envolvem na resolução de problemas comuns. Depois, porque a qualidade P

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ític

a…

do envolvimento cívico e político, nas suas diversas formas (mais ou me-nos participadas, mais ou menos episódicas, …) e em diferentes contextos (associações juvenis ou culturais ou ambientais ou…), parece depender de factores como a escolaridade e a crença na possibilidade de fazer a dife-rença. Aqui, a escolaridade é também o sinal de uma literacia que remete para uma capacidade global de “ler” e “interpretar” o mundo em diversos domínios. Por exemplo, e tenho vindo há anos a insistir neste ponto, um professor de ciências naturais faz mais pela literacia política dos seus alunos se apresentar o conhecimento científico, não como um facto inquestionável, mas sim como o produto de um processo de inquirição, sempre inacaba-do e tentativo, do que se discursar sobre a importância das eleições. Isto, porque “a ciência” é, hoje em dia, frequentemente usada como “argumento final e decisivo” de decisões que são, na sua essência, políticas – como foi óbvio nos ainda recentes debates a propósito da interrupção voluntária da gravidez. Finalmente, porque a vivência da escola, tanto dentro quanto fora dos seus muros, na sua relação com a comunidade envolvente, propicia um conjunto de oportunidades para aprender sobre o poder, a negociação, a discussão e a participação – competências essenciais para o exercício de múltiplos papéis na comunidade, incluindo o papel de cidadã/o. Mas não quero aqui desvalorizar o papel dos dispositivos curriculares que estão actualmente em vigor com o objectivo explícito de promover a cidadania dos alunos, como é o caso da Formação Cívica e da Área de Projecto. Efectivamente, aqueles de nós que acompanham o processo de decisão e implementação de dispositivos curriculares nesta área desde a Reforma Curricular de 1989, reconhecem as vantagens destas áreas cur-riculares não disciplinares, por duas razões principais. Em primeiro lugar,

pela universalidade, na medida em que abrangem todos os alunos do ensino básico. Em segundo lugar, porque a decisão de não

exigir uma formação específica aos professores envolvidos permitiu uma disseminação que não fora possível com os dispositivos anteriores. No entanto, esta opção também tem riscos que é essencial reconhecer. Desde logo, definir

uma área para abordar as questões da educação para a cidadania pode corresponder a delimitar e acantonar essas questões; na medida em que há professores responsáveis por essa área pode gerar-se a ideia de que são os responsáveis exclusivos ou principais por

essa tarefa. Depois, porque a ausência de uma forma-ção específica e intensiva pode dificultar a operacionali-

zação de objectivos, conteúdos e competências a promover nes-sas áreas; aqui, há claramente um deficit de informação, pela ausên-

cia de estudos sistemáticos acerca da implementação da Formação Cívica e da Área de Projecto e porque são relativamente escassas as

descrições de experiências do terreno. Mas os poucos estudos que já vão aparecendo indiciam uma ênfase em questões mais interpessoais e alguma ausência de política nestas áreas curriculares. Corro certamente o risco de estar a injustiçar as muitas professoras e pro-fessores que fazem da promoção de uma consciência cívica e política, da discussão de visões alternativas do mundo, do envolvimento dos alunos e das alunas em decisões colectivas e do estímulo à sua participação na vida das suas comunidades uma componente importante do seu quoti-diano na escola. Mas estou seguramente à espera do dia em que estes profissionais da educação assumam o protagonismo na descrição das suas experiências que revele como as escolas portuguesas são ainda locais onde a nobreza da política se vive todos os dias.

Isabel Menezes

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

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a página da educação · outubro �007

15EXPOSIÇÃO de arte /

Maximum 10kg é o título deste colectivo londrino, exposição organizada por Ana Efe, “uma iniciativa de curadoria que se pretende revelar uma materialização de múltiplos gestos e ideias sem fronteiras espacio/temporais”São ao todo 14 artistas: Oswaldo Ruiz, Szu Han Chen, An-toaneta Galabova, Paula Naughton, Siobhán McAuiley, Ana Efe, Bethany Murray, Lisa Flynn, Sérgio Cruz, Samantha Mo-gelonsky, Francisca Aninat, Tânia Bandeira, Helena Hans e Manuela Barczewski.Artistas que aparentemente exibem o seu trabalho de uma for-ma autónoma, mas que, na realidade, possuem em comum a vivência de uma cidade, Londres, uma cidade que se apre-senta como um veículo de diversidade e de multiculturalidade. Uma cidade também mais aberta por acção das companhias áreas de baixo custo.Não será por acaso que no Turbine Hall West Entrance da Tate Modern se lia, este Verão, que “em 2007, pela primeira vez na História, metade da Humanidade vive em cidades”. Não será também por acaso que há quem diga que as cores de Londres “são o preto // e são o branco // a ausência total e a soma de todas as cores”.Cores e outros “sentidos” visíveis no Porto, durante 6 dias, na programação da casaviva 167, paredes meias com o ate-lier portuense da escultora Ana Efe que organiza este acon-tecimento da rentrée cultural “não oficial” do Porto.Pretexto para outros textos, “Maximum 10 kg” vai fazer-nos lembrar, a partir deste mês de Outubro, que a expressão não se refere apenas, e em exclusivo, ao peso máximo dos ani-mais de estimação aceitáveis em certos hotéis ou ao peso das bagagens de mão das companhias aéres de baixo custo. (2)

A não perder.

texto de Júlio Roldão que agradece as fotos cedidas por Ana Efe

e a tradução, para inglês, de um resumo deste artigo, tradução

“cravada” ao Tiago Roldão.

(1) na grafia original da Crónica de D. João I de Fernão Lopes

(2) “Small pets (maximum 10 kg) are accepted at an additional cost of EUR 14 per pet per day”.

“Last time I flew (with Ryanair), the restrictions on hand baggage were 50x35x23 cm (20x14x9 inch)

and maximum 10 kg “

Fernão Lopes, jornalista (mesmo que não reconhecido

como tal), escreveu, no capítu-lo XXII da Crónica de D. João I, que foi um tal Rui Pereira, que não o actual ministro da Admi-nistração Interna, entenda-se, quem, virando-se para o Me-estre, futuro D. João I, disse:

“Querees que vos diga, Senhor? Vos, dizem que vos

hiis pera Imgraterra; mas a mim pareçe que boom Londres

he este” (1) . Estas palavras de Rui Pereira terão sido secun-dadas pelas de um escudeiro fidalgo a quem chamavam Al-

voro Vaasquez de Gooes, no último quartel do século XIV,

mais de 600 anos antes de ser criada a Ryanair, uma das mais

famosas companhias aéreas de baixo custo (low cost), com

base em Dublin, na Irlanda, e com voo directo de Londres

(Stansted) para o Porto, muito provavelmente a carreira que

trará os 14 artistas que aceita-ram o desafio da escultora Ana

Efe, também ela entre os 14, para exporem, colectivamente, no Porto, de 4 a 9 de Outubro.

The title for this news story about an exhibition, in the portuguese city of

Porto, of 14 artists with various nationalities, living and studying arts in

London, is the same as the title for the exhibition itself, and evokes the

low cost airlines, referring their maximum baggage allowance.

The journalist, on the other hand, evokes a known episode of portugal’s

history, occurring during the succession crisis of 1383/85, in which D.

Joao, Master of Avis, soon to be king D. Joao I of Portugal, was talked

into giving up a trip to London to take part in the Revolution that would

turn him king.

The initial text includes still a witticism, of a politic nature, as it is noted

that Rui Pereira, actual portuguese Internal Affairs Minister, has the same

name as the Master of Avis’s counsellor, the one who convinced him to

renounce such trip to London. The return trip for our 14 artists.

There is even reference in the text to an expression stated in the Turbine Hall

West Entrance of the Tate Modern saying that “in 2007, for the first time in

history, half the world’s population lives in cities”, and also reference to the

colours of the exhibition, as well as to some sentences using the expression

“maximum 10 kg”.

(ou bom Londres é o Porto)Maximum 10kg

Ficha técnica da exposição

Maximum 10kgcasaviva167Praça Marquês do Pombal, 167 · 4000-390 Porto InauguraçãoQuinta-Feira 4 de Outubro às 19hStomper Party (DJ Greg Poole) 20 h

HorárioSexta-Feira, 5 de Outubro, das 15h às 20hSábado, 6 de Outubro, das 15h às 20hDomingo, 7 de Outubro, das 15h às 20hSegunda-Feira, 8 de Outubro, das 15h às 18hTerça-Feira, 9 de Outubro, das15h às 18h

Abstract

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/ CINEMA 1�

a página da educação · outubro �007

A Austrália figura entre a maioria dos países desenvolvidos, mas um estudo tornado púbico vem alertar para o

facto de cerca de 10 por cento da sua população estar a viver na pobreza apesar do florescimento económico do

país. Realizado pelo Conselho Australiano dos Serviços Sociais, este estudo reforça a ideia de que “o governo

deve agir de maneira mais eficaz para que a prosperidade económica seja aproveitada por todos”.

Este organismo, comparou a situação da Austrália à de outros países desenvolvidos em sectores chave como a

educação, saúde e habitação. As conclusões do estudo referem que a incidência de população a viver na pobreza

aumentou de 7,6 por cento (em 1994) para 9,9 por cento em 2004. Cerca de 2 milhões de australianos.

Estes números colocam a Austrália no 14º lugar do ranking onde se estabelece o nível de pobreza das popula-

ções, dos 18 países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

O primeiro-ministro conservador John Howard mostrou-se céptico quanto a estes resultados, pondo em causa

os métodos utilizados pela OCDE e argumentando que a fraca taxa de desemprego na Austrália seria uma prova

que a pobreza não está a progredir no país.

AL / Fonte: AFP

POBREZA EM PAÍS DE RICOS

Cerca de 10 por cento dos australianos vivem na pobreza

À primeira vista, é um caso de esquizofrenia. A mesma União Europeia que, “heroi-camente” há menos de dois anos, foi a vanguarda do combate pela Convenção da Unesco sobre a diversidade cultural, tenta no presente um reenquadramento dos sistemas nacionais de ajudas ao cinema que as enfraquece consideravelmente. O objectivo da Comissão Europeia é simplesmente tornar compatíveis os progra-mas de ajuda dos estados membros às suas produções cinematográficas com as regras de concorrência pura em vigor no mercado único europeu. Coisa complica-da, pois existem mais de 600 mecanismos de apoio ao cinema nos 27 países da União...Bruxelas realça sobretudo o “território nacional” de algumas medidas, que obriga o produtor do filme a gastar parte do seu orçamento no país que o apoiou. Na procura de uma maior eficácia , a Comissão não esconde o seu desejo de uma “territorilização nacional” dos apoios. Porque isso, assegura, tornará mais fácil as co-produções num mercado menos fragmentado.Nestes tempos de incerteza, é dizer pouco que a “Comunicação sobre a Cultura”, documento assinado pela Comissão Europeia de 2007, foi acolhido com frieza. A Comissão reafirma dois princípios-chave. Primeiro, a política cultural incumbe aos estados membros. Segundo, existe, em relação aos apoios à indústria, uma especificidade do campo cultural que lhe permite não cumprir as estritas regras da concorrência. Formulada pela primeira vez no tratado de Maastricht (1992), a precisão é vital: “Podem ser consideradas compatíveis com o mercado comum (...) os apoios destinados a promover a cultura e a conservação do património, quan-do não alterem as condições das trocas e da concorrência na Comunidade em medidas contrárias ao bem comum.” O artigo 87 permitiu salvaguardar as ajudas públicas ao cinema em todo o espaço europeu durante anos.Mas não nos deixemos enganar. Esta declaração de intenções foi adoptada por proposta da direcção geral da Cultura, representada pelo comissário eslovaco Jan Figel. Isso não quer dizer que os comissários da concorrência ( Neelie Kroes) e dos Media (Viviane Reding), que também tinham uma palavra a dizer sobre o dossier, partilhassem a mesma opinião. A Comissão Europeia não é , de facto, um governo. Cada comissário tem uma autonomia proporcional ao seu peso político e... como é de calcular, o comissário da Cultura não é seguramente dos maiores.

A situação não foi sempre tão límpida. Quando em 1998 Bruxelas deu novamente o seu aval ao sistema de apoios, estes foram julgados compatíveis com o mercado comum porque o cinema é uma indústria cultural. Três anos depois, a reflexão “afi-na-se”. Numa “Comunicação sobre o Cinema” publicada em 2001, e confirmada em 2004, Bruxelas fixa quatro critérios à autorização de apoios: a ajuda deve ser destinada a um “produto cultural” (a apreciação do que é um “produto cultural” é deixada aos Estados); o apoio financeiro não deve exceder 50% do orçamento total do filme, exceptuando-se os orçamentos muito pequenos; os suplementos para certas prestações técnicas são formalmente proibidos; por fim, o critério mais discutido , ligado às “clausulas de territorialização”, segundo o qual os Estados não estão autorizados a impor a um produtor que gaste no seu território, em troca dos apoios, mais de 80% do orçamento da obra. “Em 1998, a decisão da autoriza-ção dos apoios franceses ocupava uma quinzena de páginas. Em 2006, a decisão sobre o conjunto do sistema ocupa 160. Isto prova que nestes anos a Comissão desenvolveu muito mais detalhadamente o mecanismo dos apoios, numa base mais sofisticada. Provocando um efeito de bala: onde poderia mostrar-se mais to-lerante, torna-se mais exigente”, inquieta-se Xavier Merlin, director dos Negócios Europeus e Internacionais do CNC francês.E tudo indica que as coisas vão piorar. Novo exemplo do voluntarismo de Bruxelas são os “testes culturais”, aplicados em vários países desde o fim de 2006.Em Cannes, este ano, as agências nacionais de cinema europeias denunciaram o risco da generalização destes testes, que “levará à adopção de uma definição muito restritiva de cultura e cinema”, defendendo ainda, a uma só voz (coisa im-pensável há anos atrás!), “a actual configuração dos apoios”. Estas reuniões, que desde 2003 se tornaram trianuais (Berlim + Cannes + San Sebastian ou Veneza), podem, e devem, tornar-se foco de reflexão ambicioso. Actualmente contra a po-lítica da Comissão Europeia.Só por curiosidade... já tinham ouvido, ou lido, alguma coisa sobre isto, por cá?

Paulo Teixeira de Sousa

Escola Secundária Fontes Pereira de Melo, Porto

A prova de Bruxelas

IE/FN

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17

IE/FN

ERA digital /

Cartas na mesa

A mulher latino-americana recebe um salário entre 20

por cento e 30 por cento menor do que o homem para

desempenhar as mesmas actividades, a jornada labo-

ral é redobrada pelas tarefas domésticas, declarou à

AFP a directora regional do Fundo da População das

Nações Unidas (UNFPA), Marcela Suazo. “A mulher

está cada vez mais inserida ao mercado de trabalho,

mas em muitos casos o nível salarial é 20 a 30 por

cento menor do que do homem com igual formação e

responsabilidade. Uma diferença que pode chegar a

46 por cento, disse Suazo, que participou da X Confe-

rência sobre a Mulher realizada este mês em Quito.

“As mulheres tendem a encontrar uma maior abertura

em trabalhos de menor remuneração e em condições

mais deploráveis”, acrescentou a directora do UNFPA

para América Latina e o Caribe. Suazo, apresentou o

documento “Para um novo pacto social e de género”

na X Conferência. Nele se lê que de 1990 a 2004 cerca

de 33 milhões de mulheres ingressaram no mercado

de trabalho na América Latina, aumentando a taxa de

participação de 39 para 45 por cento, enquanto que a

do homem se manteve em 74 por cento.

No entanto, 16 por cento da força de trabalho femi-

nina na região dedica-se ao serviço doméstico, uma

ocupação que em vários países recebe remunerações

inferiores ao salário mínimo e exige mais de oito ho-

ras de trabalho.

As mulheres pobres enfrentam a necessidade de

ingressar num trabalho mesmo que em condições

precárias. E apesar do aumento da participação da

mulher no mercado de trabalho, o seu ingresso ainda

está condicionado a tarefas como o cuidado de crian-

ças, doentes e idosos, alertou Suazo.

Na América Latina 60 por cento das razões pelas

quais uma mulher demora ou deixa de ingressar no

mercado de trabalho tem a ver com esses trabalhos,

acrescentou. Até 2025 a população com mais de 60

anos será de mais de 100 milhões, dos quais 32 por

cento correspondem ao México, o que significa que

mais mulheres se vão dedicar aos trabalhos domés-

ticos, seja de forma remunerada ou não.

Segundo Suazo, os indicadores assinalam que ainda

há desigualdades na região, por isso são necessárias

políticas públicas que permitam ensinar o homem a

dividir o trabalho doméstico.

“É o momento para um novo pacto que tenha em con-

ta estas novas realidades para que sejam desenvolvi-

das políticas que respondam e ampliem as oportuni-

dades de participação das mulheres e o exercício de

seus direitos”, concluiu.

AL/ Fonte: AFP

DESIGUALDADE

Mulheres ganham �0 por cento menos que os do homens na América Latina

A expansão do acesso e a utilização das tecnologias digitais para promover a inclusão social não depen-de apenas da quantidade ou da qualidade dos equi-pamentos instalados e das linhas de acesso à Inter-net, nem mesmo de programas exteriores ao local que se instalam como “coisa” (ver o filme The Thing John Carpenter) para a qual dificilmente se encon-tra sentido. Se assim for a “coisa” ocupará uma tal centralidade que passará à margem dos indivíduos e dos processos sociais – torna-se objecto de culto, de crença, de medo (ou de proibição) mas permane-ce fora da vida das pessoas e terminará fechado em lugar seguro ou na embalagem, ou no lugar de culto, isolado da vida quotidiana e do processo social para que se não deteriore e necessariamente se desactu-alize e torne objecto inútil.Warschauer preconiza que um programa para a ex-pansão do acesso e a utilização das tecnologias di-gitais para promover a inclusão social necessita:a) do estudo prévio das estruturas sociais, dos pro-

blemas sociais, da organização social, das rela-ções sociais, das práticas sociais locais – apren-der, colaborar, partilhar, progredir e de como estas se podem ampliar com o acesso e a utilização das tecnologias;

b) a identificação da centralidade do social e a ca-pacidade dos indivíduos e das organizações para a inovação e a mudança. Não se trata de impingir as tecnologias às pessoas mas de criar a longo prazo comportamentos intrinsecamente motiva-dos para o envolvimento nas tecnologias, para o aperfeiçoamento e adequação das tecnologias aos indivíduos e ao processo social. Isto exige mudanças sociais que facilitem a aprendizagem de novos comportamentos e melhorias nas con-dições de vida local;

c) a exploração dos efeitos catalíticos das tecnolo-gias tendo no entanto em atenção que algumas mudanças não se devem propriamente às tecno-logias mas podem simplesmente advir da inte-racção humana decorrente do próprio processo tecnológico;

d) dificilmente um projecto de desenvolvimento tec-nológico depende só ou principalmente dos es-pecialistas. Os líderes locais, as lideranças locais e as dinâmicas locais são decisivos para o su-cesso dos projectos tecnológicos orientados pa-ra a inclusão social. Habituadas a gerir projectos sociais poderão os líderes ou animadores locais aprender a integrar nestes as tecnologias.

e) a organização, concepção, implementação e avaliação dos projectos tecnológicos para a inclusão social deve-rão ser abertos e flexíveis e partir de pequenas iniciativas. Os projectos centralizados, e implementados a grande escala sem espaço para experimentação e inovação local não satisfazem o desenvolvimento local e acabam por ter apenas um efeito transitório e superficial.

f) os mecanismos de mercado são eficazes na expressão e expansão do acesso às tecnologias mas não são sufi-cientes para os processos tecnológicos de inclusão so-cial. É necessário o apoio institucional à aquisição dos computadores e artefactos digitais (isenção de impostos, benefícios fiscais, aquisição/distribuição de equipamen-tos e de acesso à rede a baixo custo), à pesquisa sobre o desenvolvimento tecnológicos - hardware, software, ar-tefactos, linguagens, etc., aos estudo das causas e con-sequências do acesso restrito, às questões do acesso a software livre (open source).

Estas talvez as razões para reflectir sobre os projectos que encontramos nas escolas, nos bairros, nas periferias urba-nas, nas zonas afastadas dos grandes centros, nas comuni-dades isoladas ou para ler a obra de Mark Warschauer (Pro-fessor nos Departamentos de Educação e de Informática na Universidade da Califórnia) Technology and Social Inclusion: Rethinking the Digital Divide (2003) em que nos baseamos para organizar estas notas. Para mim a elaboração destas notas reponde à necessidade de construir referências e ins-trumentos teóricos antes da partida para trabalho de cam-po em Jequitibá, Estado de Minas Gerais no Brasil. A re-gião, antigamente rica porque atravessada pela estrada real e objecto de múltiplos projectos de desenvolvimento, ficou à margem das mudanças sociais. Rica em capital social, em memória local e em património imaterial não conseguiu en-contrar formas de superar a pobreza endémica que parece ter-se definitivamente instalado na região. Inicia-se porém um processo de criação de telecentros e de relação com as universidades através dos investigadores que ali realizam trabalho de campo. Esta também a razão destas notas e de pressupostos a ter em conta na investigação. A parte terceira destas notas decorrerá depois da passagem ao terreno.

José da Silva Ribeiro

Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais.

Laboratório de Antropologia Visual, Universidade Aberta

NOTA:

A 1ª parte deste artigo pode ser lida na Página de Agosto-Setembro ou em www.apagina.pt

Tecnologias digitais para a inclusão social (II parte)

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a página da educação · outubro �007

/ AFINAL onde está a escola?

George W. Bush, anunciou uma proibição permanente de entrada nos Estados Unidos aos futuros imigrantes

ilegais, renovando assim a pressão por uma reforma migratória, tema central da sua agenda de política interna.

Um pacote de reformas revisto foi apresentado ao Senado nos últimos dias. O anterior fora chumbado pelo

senado a 7 de Junho.

Numa das suas aparições semanais na rádio, Bush revelou que na proposta revista, quem atravessar a fronteira

dos Estados Unidos ilegalmente não só será deportado, como nunca mais terá permissão para voltar ao país, se-

ja com visto de trabalho ou de turista. Bush acrescentou que a nova lei dará prioridade à segurança fronteiriça.

A medida inclui 4,4 mil milhões de dólares de assistência à Patrulha Fronteiriça dos Estados Unidos para

contratar mais agentes, construir defesas adicionais, adquirir câmaras de infravermelhos e outras tecnologias

que contribuam para interceptar os imigrantes ilegais. “Só depois destas ferramentas de segurança estarem em

funcionamento é que outras partes da lei entrarão em vigor”, destacou.

Esta lei acontece numa altura em que o secretário americano do Comércio, Carlos Gutiérrez, de origem cubana,

enfatizou durante um discurso perante a Federação Nacional das Minorias em Washington que os EUA precisam

dos imigrantes para sustentar o crescimento económico e acompanhar as necessidades crescentes de mão-de-

obra. “A imigração não é algo que deva ser tolerado, mas incentivado, porque é a nossa grande oportunidade

de levar vantagem sobre o resto do mundo”, sustentou. “Os imigrantes complementam a nossa necessidade de

força de trabalho, trazem criatividade, vitalidade e iniciativa”, resumiu Carlos Gutiérrez.

AL / Fonte: AFP

BUSH E OS IMIGRANTES

Futuros imigrantes ilegais terão acesso negado nos EUA por toda a vida

Uma das discussões que vêm ocorrendo entre os docentes, especialmente das redes públicas de ensino, diz respeito à introdução de computadores nas escolas para uso didáctico.Se a utilização do computador se fizer em substituição ao uso do quadro-de-giz pelos professores e pelas professoras ou em substituição ao próprio professor e à própria professora, como me parece que algumas discussões levam a crer, considero um grande equívoco. Ao lado da televisão e do vídeo, o computador assim utilizado se constitui em mera “máquina de ensinar”. São esses três instrumentos que costumam estar englobados no discurso oficial de “novas tecnologias”. O que se veicula é a equi-vocante e perigosa possibilidade de virem a substituir a relação professor/aluno.Equivocante porque a relação educativa fundamental se faz nas relações que os seres humanos estabelecem entre si mediatizados pelo mundo, já nos ensinava Paulo Freire. A máquina, qualquer que seja, se constitui numa das múltiplas me-diações. Não que a máquina não ensine: sem dúvida que ela ensina; mas a relação educativa vai para além do ensinar e do aprender racional. Os seres só se consti-tuem como tais em função de suas relações afectivas e intelectivas. Desvincular o afecto é desvincular o que de fato nos promove como seres humanos. Além dis-so, é tentar a impossível tarefa de anular o efeito do exemplo na educação. Mais que conteúdos, ou melhor, para além dos conteúdos, o professor e a professora se constituem em exemplos para os alunos e as alunas. Nem sempre exemplos a serem seguidos, é verdade, mas sempre exemplos; exemplos de como os seres humanos são vários, diversos, múltiplos, complexos. Quanto maior o contacto que tivermos com a diversidade de que se compõe a espécie humana, mais ricas serão as possibilidades de formação de nossa subjectividade, de nossa forma de ser e de viver, de nossa forma de estar no mundo. Por isso considero, além de equivocante, também perigosa a tentativa de se substituir o ser humano pela má-quina. Se entendemos que essas tecnologias (e outras mais) são instrumentos que professores e professoras podem utilizar no sentido de auxiliá-los a ajudar os alu-

nos e as alunas a tecer seus conhecimentos, então esses recursos são tão válidos quanto lápis, caneta, caderno, giz, quadro-de-giz, apagador, borracha e outras tantas tecnologias já de tão largo uso que nem nos lembramos mais que o são.O computador é uma tecnologia, talvez mais do que quaisquer outras, que nos permite entender a não-linearidade da tessitura dos saberes e das lógicas; a não-linearidade das formas de escrita e dos processos de produção textual.Do ponto de vista pedagógico, aumenta em muito a solidariedade entre os alunos e as alunas, uma vez que há os que já sabem operar com o computador, os que estão começando a saber e os que ainda não sabem: todos e todas podem se ajudar a dominar as operações necessárias.Tenho observado que usuários do computador tendem a ser solidários entre si di-vidindo seus saberes, suas dificuldades e suas descobertas. É quase febril: quan-do se está num grupo de usuários, a conversa acaba girando em torno dos avan-ços, das dúvidas, de como alguém conseguiu superar esta ou aquela dificuldade no uso da máquina; alguém sempre ainda não sabe alguma coisa e sempre tem alguém que já saiba e se dispõe a ensinar. Em tempo, a utilização do uso do computador também é, para mim, nesse mo-mento algo novo. Fui premida a esse aprendizado pela escritura da tese de dou-torado. Depender de outros para digitar, me levava a escrever com prazos muito estreitos, pois ficava na dependência da digitação, da correcção da digitação, dos acertos necessários e todos os etc. correspondentes. Além disso, escrever implica em re-escrever, em escrever de outra maneira, em acrescentar, em retirar...enfim, em mexer inúmeras vezes no texto... o que acaba dando uma certa preguiça. O uso do computador, ao contrário, configura-se num estimulador desses proces-sos, maximizando o prazer da escrita.

Joanir Gomes de Azevedo

Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro

O computador e os seus usosIE/FN

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a página da educação · outubro �007

19FORA da escola também se aprende /

Trigo limpo

Cerca de 3 mil pessoas cometem o suicídio por dia no mun-

do, ou seja, uma em cada 30 segundos. E por cada pessoa

que acaba com a própria vida, pelo menos 20 vêem gorada a

sua tentativa. O alerta vem da Organização Mundial da Saúde

(OMS) por ocasião do Dia Mundial de Prevenção do Suicídio.

“A percentagem de suicídios aumentou 60 por cento, em

todo o mundo, nos últimos 50 anos, sendo que o aumen-

to mais forte foi registado nos países em desenvolvimento”,

acrescentou a organização. O suicídio é actualmente a terceira

causa de mortalidade entre os 15 e os 34 anos, ainda que a

maioria dos suicídios sejam cometidos por adultos.

A Finlândia, um dos países com maior incidência de suicí-

dios, conseguiu inverteu este cenário, registando números

comparáveis aos dos seus vizinhos europeus. O número de

suicídios caiu 40 por cento nos últimos 15 anos. As razões

para esta forte diminuição são muitas, segundo o psiquiatra

Jouko Lonnqvist, chefe do departamento de Saúde Mental do

Instituto Nacional de Saúde Pública. “O diagnóstico, a pre-

venção e o acompanhamento melhoraram. Realizamos cam-

panhas de informação sobre a depressão, melhor identificada

e tratada agora. O apoio social e psicológico aos doentes foi

reforçado”, assegura.

Em 1991, os finlandeses registavam, juntamente com neozelan-

deses e islandeses, o recorde mundial de mortes voluntárias. As

campanhas de sensibilização em escolas e quartéis também pa-

recem ter dado frutos: o índice de suicídios entre adolescentes e

jovens caiu 30 por cento durante o mesmo período.

Sem distinção de sexo, a mortalidade por suicídio atinge núme-

ros assustadores nas regiões mais isoladas e pobres do leste e

do norte do país. Além dos tradicionais problemas mentais (de-

pressão), pessoais (divórcio) ou sociais (desemprego), os cien-

tistas consideram o alcoolismo como principal factor de risco.

Os finlandeses consomem por ano o equivalente a 10 litros de

álcool por pessoa, segundo dados da OMS correspondentes

a 2004. Menos que os franceses (14 litros) e mais que os

seus vizinhos suecos (7 litros) e noruegueses (6 litros).

Os médicos descartaram o estereótipo de que os ambien-

tes muito frios favorecem o suicídio. “A relação existe, mas

não é determinante”, assegura Lonnqvist. Exemplo disso, a

Noruega, que situada na mesma latitude regista metade dos

suicídios.

Enquanto nestes países se trabalha para poupar vidas nos

EUA discute-se se é ou não constitucional o Estado matar

utilizando determinados métodos.

O Supremo Tribunal dos EUA vai examinar o recurso de dois

condenados à morte no Kentucky, que alegam que o método

de execução por injecção letal é contrário à Constituição.

O Tribunal aceitou considerar os dois casos de condenados à

morte no seio de uma crescente controvérsia devido aos efei-

tos das injecções ministradas. Em causa está o argumento de

que a injecção tem um efeito lento e doloroso sendo, por isso,

a morte nestas circunstâncias contrária à proibição constitu-

cional de exercer “castigos cruéis e degradantes”.

Esta é a primeira vez em mais de cem anos, que o Supremo

Tribunal vai analisar se um método de execução é válido ou

se viola a Constituição.

Todos os estados norte-americanos, onde vigora a pena de

morte utilizam injecções letais, à excepção do Nebrasca que

utiliza a electrocussão.

AL/ Fonte: AFP

A cada �0 segundos um suicídio – ao mesmo tempo que se discute a legalidade da execução dos condenados à morte

No final dos anos 1970 no Brasil, a importância do uso de jogos no processo ensino-aprendizagem nas escolas, sobre-tudo de educação infantil (crianças de 2 a 6 anos, na época), era considerada, debatida e entendida como a mais “progres-sista” das posturas educativas. Inspiradas no trabalho de Je-an Piaget a respeito dos processos de desenvolvimento da inteligência, inúmeras publicações tratavam do assunto. Foi a época da proliferação desenfreada dos brinquedos e jogos com finalidade pedagógica e de escolas que desenvolviam suas ações pedagógicas com essa inspiração. Passados quase trinta anos, e com o advento e valorização de outras tendências pedagógicas, o assunto perdeu sua cen-tralidade no debate pedagógico. Atualmente, poucos são os autores que se dedicam ao tema, mas a grande questão que subjazia a discussão da época permanece em aberto e me-rece permanecer no debate educacional, creio. De que modo podemos perceber a importância das atividades lúdicas para o processo educativo, dentro e fora da escola? Para além dos modismos pedagógicos de antes e de agora, como podemos, hoje, compreender a relação entre essas atividades e os pro-cessos de formação e de aprendizagem dos sujeitos sociais?Acreditamos que as atividades lúdicas possuem um grande potencial como fator de aprendizagem, na medida em que, ao desenvolvê-las, estamos exercitando nossa plenitude, confor-me afirma Luckesi em texto recente . Segundo o autor, o que mais caracteriza a ludicidade é a experiência de plenitude que ela possibilita a quem a vivencia em seus atos (1998). E argu-menta: Com isso, queremos dizer que, na vivência de uma ati-vidade lúdica, cada um de nós estamos plenos, inteiros nesse momento; nos utilizamos da atenção plena, como definem as tradições sagradas orientais. Enquanto estamos participando verdadeiramente de uma atividade lúdica, não há lugar, na nos-sa experiência, para qualquer outra coisa além dessa própria atividade. Não há divisão. Estamos inteiros, plenos, flexíveis, alegres, saudáveis (2000). A preocupação do autor é eviden-

ciar a importância que tem para o sujeito, sua formação e desenvolvimento integrais a rea-lização de atividades lúdicas, não importa a sua idade, meio social ou outras variáveis. Podemos juntar a isso aquilo que já sabemos a respeito da função socializadora da prática de jogos coletivos, do bem-estar produzido nos diferentes sujeitos quando são bem-su-cedidos no enfrentamento de desafios. Po-demos, ainda, referir o argumento pedagógi-co de que muitos jogos, ao exigir dos alunos que tragam para a prática concreta alguns dos conhecimentos escolares, cumprem fun-ção de reforço e fixação dos referidos conte-údos, para afirmar que as atividades lúdicas na educação de jovens e adultos são, não só desejáveis, como necessárias ao bom de-senvolvimento do trabalho. Mas, ao final da discussão, o que se destaca como mais importante é o reconhecimento da indissociabilidade entre as diferentes formas de inserção no mundo e o enredamento per-manente das atividades cotidianas, lúdicas ou não, com os processos escolares de ensi-no-aprendizagem: aprendemos dentrofora da escola, de modo permanente e articulado.

Inês Barbosa de Oliveira

Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, UERJ. Coordenadora do grupo de pesquisa “Redes de

conhecimentos e práticas emancipatórias no cotidiano escolar”,

vinculado ao Laboratório Educação e Imagem.

1 http://www.luckesi.com.br/textos/ludicidade_e_atividades_ludicas.doc

A atividade lúdicacomo processo educativo

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/ PEDAGOGIA social

Hay que comenzar por una evidencia. La del animador sociocultural es una de las llamadas profesiones sociales y como tal el encargo es claro: lo que se les pide a estos profesionales de lo social es que sean agentes socializadores. Es decir, que encarnen, transmitan, y ayuden a las personas y a las comunidades a inte-grar valores, principios y conductas que les permitan desarrollar su vida social y cultural dentro de los márgenes que – jurídica y normativamente – establecen las sociedades actuales, sin que eso tenga porque significar, necesariamente, simple reproducción social. Creo, sin embargo, que ésta es una respuesta que no acaba de satisfacer porque resulta demasiado general.Esta respuesta encajaría, probablemente mejor, en la sociedad de los 70 y 80 que en la del 2010. Han pasado y están pasando demasiadas cosas para una respues-ta tan simple. Citaré, solo por contextualizar, algunos de los cambios que están modificando de forma sustancial las maneras de vivir y de entender la sociedad. El paso de la cultura del esfuerzo a la estética del consumo, magistralmente analizada por Bauman, como uno de los cambios importantes de la sociedad que vivimos. La normalización de las tecnologías de la comunicación y la información como uno de los medios a través de los que desarrollamos aspectos recientes de nuestra sociabilidad. El ciberespacio es el nuevo territorio en el que experimentamos nue-vas formas de relación social. Second Life es uno de los más actuales exponentes de esta nueva socialidad. El avance inexorable de la globalización económica y la emergencia, cada vez con más fuerza, de nuevas comunidades culturales. La presencia del riesgo en todos los aspectos de la vida que nos fuerza a la búsqueda de soluciones biográficas a contradicciones que son sistémicas según la acertada sentencia de Beck. Y, para acabar, la colonización del ámbito social por la emer-gencia de la cultura según el análisis de Touraine. Una colonización que, simplifi-cando, supone que se prioriza el reconocimiento de las características identitarias por encima de las problemáticas sociales.Todas estas caracterizaciones nos muestran unas sociedades muy complejas donde no acaba de estar muy claro lo que significa ser social y, en consecuencia, habría que empezar definiendo qué tipos de socialidad han de posibilitar las inter-venciones de los animadores.Jacquard describió, de una manera muy gráfica, a finales del 70, la ubicación del ma-estro dentro del sistema escolar señalando que siempre se movía en el ámbito de las traiciones. Aplicando esta idea al animador sociocultural, se diría que es un técnico que está entre los políticos y las comunidades. Los primeros lo contratan para que trabaje con –o sobre- las segundas. Siempre tiene que escoger a quien traiciona: a los políticos desarrollando una tarea claramente educativa, que puede hacer que la comunidad se levante contra ellos reivindicando y exigiendo sus derechos. O puede decidir traicionar a la comunidad haciendo una tarea normativa y de control que para nada tiene en cuenta a las personas. En el primer caso puede llegar en perder su tra-bajo y en el segundo a desarrollarlo de una manera muy ineficaz e insatisfactoria. Este planteamiento, que nos ayuda a visualizar a los animadores como profesio-nales de la acción sociocomunitaria, dibuja una relación vertical que tampoco se

acaba de corresponder con las realidades complejas y reticulares en las que hoy desarrollan su trabajo estos profesionales. Cada vez más los modelos políticos en el ámbito local se caracterizan por la proximidad, la participación y por formas muy diversificadas de articulación entre los diferentes agentes del territorio. Estamos pasando de unos modelos verticales, normativos, de arriba abajo, a otros que son relacionales, horizontales y negociados entre los agentes. En este nuevo marco los animadores se sitúan entre una diversidad de agentes que obedecen a intereses muy variados y que poseen oportunidades y posibilidades de poder diversas.¿Cómo se mueve el animador entre todos estos agentes: la administración; el mundo empresarial; las entidades del tercer sector; y las redes de parentesco y vecinaje- el denominado cuarto sector? ¿Qué funciones cumple y en relación a qué demandas? Dubet ha analizado en profundidad los cambios experimentados por las profesio-nes sociales como resultado de la evolución y transformación de nuestras socie-dades. Este autor identifica tres lógicas de acción diferenciadas que, en función de cómo se combinen, pueden ayudar a responder la pregunta sobre las demandas que la sociedad hace al animador sociocultural y las respuestas que estos profe-sionales pueden dar:1. La lógica del CONTROL: los animadores son mediadores entre unos referentes

normativos (políticos –leyes-, comunitarios –tradiciones-, socioculturales –cos-tumbres- etc...) y las personas participantes. Los animadores encarnan a las instituciones; son la institución. Esta lógica, que se fundamenta en el principio de igualdad, puede convertirse, en los casos más extremos, en simple brutalidad.

2. La lógica del SERVICIO: Los animadores son expertos que poseen unas com-petencias y dominan unas estrategias y unas técnicas que les permiten dar respuesta y ayudar a resolver problemáticas de tipo sociocultural y comunita-rio. Ésta se fundamenta en el principio del mérito. En los casos más extremos el animador es un mercenario que pone la técnica al servicio del cliente.

3. La lógica de la RELACIÓN: Los animadores son personas que se relacionan con otras personas gracias a unas determinadas cualidades personales. La dimen-sión relacional se fundamenta en el principio del reconocimiento del otro pero, en los casos más extremos puede ser simplemente narcisismo o demagogia.

Estas tres lógicas configuran buena parte de las posibilidades respecto a las demandas hechas a los animadores y las respuestas que éstos pueden llegar a dar. En cualquier caso, es necesario acabar apuntando que, dentro de lo que el código deontológico de la profesión posibilita, las funciones, los proyectos, los ob-jetivos o las acciones concretas que los animadores desarrollan han de ser objeto de negociación previa entre todas las personas implicadas directa o indirectamen-te por los resultados de sus acciones profesionales.

Xavier Úcar Martínez

Departamento Pedagogia Sistemática y Social

Universidad Autónoma de Barcelona

¿Qué demandas hace la sociedada los animadores socioculturales?

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�1ENTREVISTA /

Conte-nos um pouco acerca do seu percurso pessoal: porquê a opção pelo primeiro ciclo e de que forma um professor belga acaba por vir dar aulas para Portugal… Eu sou professor do ensino primário de formação – ou “instituteur”, como se de-signa em francês, que considero uma palavra mais adequada por corresponder melhor à especificidade do trabalho de monodocência, permitindo um trabalho pedagógico continuado com crianças e jovens e a criação de um espaço cultural de referência.O contacto com a pedagogia institucional, concretizada através do meu pai, pro-fessor de jovens em contexto de trabalho que haviam sido afastados do sistema educativo regular, foi determinante na minha opção. Para a minha decisão contri-buiu igualmente o estágio que realizei numa turma organizada por um professor que fazia parte de um grupo ligado à pedagogia institucional e que trabalhava com Fernand Oury, “instituteur” francês ligado ao Movimento da Escola Moderna francesa.Esta experiência constituiu para mim um encantamento: ver como é possível pôr os miúdos a organizarem-se por eles próprios, através da mediação do professor, uma conceptualização de turma que Fernand Oury designava por “turma coo-perativa organizada pela pedagogia institucional”, onde o conselho de turma é o instituinte de toda a organização da turma.

De que forma veio parar a Portugal?Depois de alguns anos a trabalhar na Bélgica ligado a vários projectos fundados na pedagogia institucional, conheci um grupo português num congresso interna-cional do Movimentos da Escola Moderna, realizado em Lovaine, na Bélgica. Esse encontro marcou-me decisivamente, não só pelo teor do debate que proporcionou como pelo facto de me ter apercebido que havia pessoas neste país a implementar aquilo que eu procurava fazer na Flandres. À paixão pedagógica junta-se uma paixão pessoal, já que conheci a minha mu-lher, também ela professora, através do Movimento da Escola Moderna. A ideia

“A escola é castradora quando a sociedadea utiliza como um instrumento de dominação”

Pascal Paulus, professor associado ao Movimento da Escola Moderna

em entrevista à PÁGINA da educação

Diplomado pela Escola Normal de Gent, na Bélgica, em 1977, onde se formou como professor do ensino primário, faz uma curta passagem pelo ensino público laico belga e é convida-do a integrar uma equipa cujo objectivo era criar, na cidade de Leuven, uma escola assente na pedagogia institucional. No início dos anos 80 trabalha na alfabetização de adultos e participa em projectos de desenvolvimento local e trabalho com jovens sob contrato de aprendizagem.Vem para Portugal no final da década de 80, onde trabalha como coordenador pedagógico numa escola privada. A equi-valência parcial do diploma permite-lhe começar a trabalhar no primeiro ciclo do ensino básico público e, paralelamente, como formador de formação contínua de professores do 1º ciclo nas áreas da matemática e do desenvolvimento curri-cular, função que exerceu ao longo de 18 anos. Integrou tam-bém a equipa do Laboratório de Aprendizagens, da Câmara de Cascais, um espaço de reflexão e de experimentação para técnicos ligados ao ensinoÉ, desde 2005, professor efectivo da escola básica do pri-meiro ciclo Amélia Vieira Luís e sócio do Movimento da Es-cola Moderna e da cooperativa Sociedade de Estudos e In-tervenção em Engenharia Social, na qual tem participado em projectos de desenvolvimento local, baseado na intervenção com mulheres, em zonas urbanas.Autor dos livros “Histórias de matemática – uma abordagem da didáctica experimental da matemática” (publicado em co-autoria com Miguel Narciso) e “A escola faz-se com pessoas – Undi N ta Bai?” e de dezenas de artigos em diversas publica-ções periódicas, Pascal Paulus é também colaborador regu-lar de A Página da Educação na rubrica “Coisas do tempo”.

ANA ALVIM

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/ ENTREVISTA

de virmos para Portugal concretizou-se porque na-quela altura, em meados dos anos 80, nos parecia pedagogicamente mais aliciante trabalhar na escola primária portuguesa do que na flamenga. Além de os desafios serem maiores, agradava-nos a forma co-mo estava organizado o ensino e pareceu-nos que o programa do 1º ciclo aprovado em 1989 facilitava a gestão institucional. A realidade entretanto mudou, mas na altura estes factores foram determinantes na nossa escolha.

Trabalha numa escola dos arredores de Lisboa com uma população essencialmente composta por crianças filhas de pais imigrantes ou pertencentes a minorias. É mais difícil trabalhar nessas condições? Penso que trabalhar com filhos de imigrantes ou tra-balhar com filhos de residentes é basicamente o mes-mo. Há, no entanto, uma série de condicionantes que complicam a relação com a escola. Uma delas é o facto de estas crianças serem oriundas de famílias que não têm um estatuto social, ou cujo estatuto não é reconhecido como o estatuto padrão. Faço minhas as palavras de um colunista do jornal Público, que se referia recentemente ao facto de hoje em dia já não existir “proletariado” mas sim “precariado”. Estas crianças são precisamente filhas desse pre-cariado, pessoas que muitas vezes estão apenas de passagem no país, em transição para outros países europeus como a Inglaterra, a Holanda ou a Suiça. Muitos dos meus alunos chegam mesmo a perguntar-me porque razão eu próprio não emigro… porque têm noção de que aqui a vida está difícil. Depois, a escola e os próprios professores são quase vistos como funcionários das finanças (risos) e a rela-ção entre as duas partes é praticamente reduzida ao mínimo indispensável. Quando a escola contacta os encarregados de educação é habitualmente para lhes dar conta do mau comportamento das crianças… A própria escola cria com estas pessoas uma relação hierárquica, burocraticamente bem definida. Um dos aspectos que mais me surpreende, por exem-plo, é o facto de uma criança só se poder matricular se tiver o boletim de vacinas em dia, coisa que eu nun-ca tinha visto na Bélgica. Eu compreendo os motivos que estão por trás desta medida, mas ainda assim, na minha opinião, não deixa de ser algo estranho. Ou se-ja, há uma estrutura que nada tem a ver com a escola e que coloca entraves. A relação que a partir daí se estabelece é, naturalmente, uma relação hierárquica.

Sente que esse contexto socialmente desfavo-recido que retratou coloca mais dificuldades na implementação do trabalho pedagógico dos pro-fessores?Eu costumo dizer que trabalho num bairro de pessoas pobres. Assim é mais claro. Um bairro que pertence a uma freguesia onde cerca de um terço do total de fogos é de habitação social (noventa por cento dos quais concentrados aqui) e onde existem quatro es-colas do primeiro ciclo, duas delas pertencentes ao nosso agrupamento. Estas duas escolas servem cer-ca de 300 crianças, todas elas oriundas deste meio. Ou seja, não há outros miúdos na minha escola a não ser os miúdos do bairro social, havendo portanto, um fenómeno de “guetização” muito forte.Recentemente, foi construído em frente ao bairro so-cial um empreendimento privado, sendo curioso ve-rificar que, à medida que este vai sendo habitado, aumenta o número de carrinhas de escolas e colégios que vêm buscar os miúdos. Portanto não há nenhu-ma interacção entre os dois contextos. Posto as coisas nestes termos, é óbvio que existem dificuldades pedagógicas acrescidas no nosso traba-lho. Eu lido com crianças que muitas vezes não têm sequer um livro em casa e cujos pais têm um tempo

limitado para se ocupar delas. Nos últimos anos, mui-tas delas tiveram oportunidade de frequentar o ensino pré-escolar, o que é muito bom. Mas que por si só não é suficiente, porque não há uma cultura de referência escolar nas respectivas famílias. Neste sentido, é pre-ciso estar extremamente atento às referências trazi-das por estas crianças e pelos pais para, a partir daí, ter âncoras que possam ajudar a fazer a transferência da cultura que lhes é própria para uma outra cultura. Acrescente-se a isso, e este aspecto parece-me mui-to importante, o facto de a escola, em muitos sen-tidos, ter a mesma cultura autoritária, de cima para baixo, que se vive no bairro. Famílias em que o pai manda na mãe, e a mãe, por sua vez, manda nos filhos. Quando estes se portam mal, o pai reprime a mãe que reprime os filhos. Na escola pública está presente exactamente este género de estrutura vertical, na qual a criança, situa-da na base, é alvo de sanções disciplinares ditadas por um regulamento interno que lhe é imposto por adultos. Ora, para uma criança que em casa tem co-mo referência a autoridade do adulto, que manda e castiga caso ela desobedeça, a associação é quase imediata, apenas diverge na forma. E dado que as crianças nos seus grupos de pertença se revoltam contra a autoridade dos adultos, acabam por fazer o mesmo revoltando-se contra a autoridade da escola… Dentro deste contexto, tentar implemen-tar uma comunidade democrática e pô-la a funcionar é um desafio muito grande.

Como é esse esforço de tentar pôr em prática uma comunidade democrática na escola e na sala de aula? Os outros professores acompanham-no ou têm uma certa desconfiança dessa atitude?Não posso falar pelos restantes professores. Feliz-mente, a liberdade metodológica do professor está

consagrado no Estatuto da Carreira Docente. Na mi-nha opinião, para as crianças se desenvolverem co-mo cidadãos têm de ter contacto com uma forma de democracia directa e não delegada, como habitual-mente acontece. E isto tem de ser aprendido e ex-perienciado numa comunidade pequena. E um bom instrumento para a pôr em prática é o chamado Con-selho de Cooperação.

Que é uma das metodologias defendidas pelo Mo-vimento da Escola Moderna…Sim, exactamente. Que se inicia pela organização do trabalho na sala de aula, no qual se apela à coope-ração dos alunos, e que num segundo momento se concretiza num momento formal, que é o Conselho de Cooperação, onde se tratam os assuntos mais im-portantes que dizem respeito à vida da turma. De resto, tudo se resume a uma questão de tempo e de paciência. Não será no primeiro dia que as crian-ças vão contar o que lhes vai na alma, mas é uma forma de construir espaços onde esta abertura se tor-na possível, e que, pouco a pouco, vai criando laços mais fortes entre o professor e as crianças.

Que resultados práticos tem colhido da imple-mentação do Conselho de Cooperação?Ele resulta sobretudo quando é aplicado na resolu-ção de aspectos muito práticos e concretos do quo-tidiano da sala de aula, como determinar, por exem-plo, o que fazer quando um pincel utilizado para uma cor fica inutilizado por ter sido aplicado numa cor diferente. Em primeiro lugar, claro, ter mais atenção para que isso não volte a acontecer. Depois, com-prar outro pincel. É através destes pequenos meca-nismos que os alunos se apercebem de que há um debate possível sobre a forma de se organizarem na sala de aula.

“A escola é um espaço cultural e um espaço de humanização. É, ao mesmo

tempo, um espaço de passagem. E nesse sentido é, em si própria, um espaço

artificial. (…) No que esse espaço se converte depende de todos os elementos

que nele interagem.”

ANA ALVIM

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��ENTREVISTA /

E isso acaba por ser aplicado a outros contextos, como as relações entre os alunos e entre estes e a escola?Sim, mas só com o decorrer do tempo. Este ano, por exemplo, tive miúdos de 5 e 6 anos que iniciavam o ensino primário. E a nossa escola, apesar de ser um estabelecimento de intervenção prioritário e de no projecto estar contemplado a reorganização do es-paço exterior, não tem qualquer tipo de equipamento lúdico no recreio, tarefa que compete à autarquia.Aproveitando uma discussão sobre este tema realiza-da numa outra turma, lancei a ideia aos meus alunos de elaborarmos uma proposta à câmara municipal, que também foi acolhida por outro professor. E is-so implicou uma planificação do trabalho, através da realização de inquéritos, de recolha de informação, do estabelecimento de contactos, da construção de uma maqueta, etc. No final, produzimos um peque-no filme que mostrava aos responsáveis autárquicos qual o tipo de recreio que as crianças gostariam de ver implementado. Apesar de se tratar de um trabalho eminentemente prático, pelo meio surgem sempre discussões, que já são de ordem organizacional. Depois, o trabalho conjunto de duas turmas acaba sempre por originar algum tipo de conflito. Nesse caso, temos de os dis-cutir e ver qual a melhor forma de os ultrapassar…

Tendo em conta que a metodologia de trabalho do Movimento da Escola Moderna é um pouco dife-rente daquele que é habitualmente desenvolvido pela maioria dos professores, sente-se isolado na sua forma de trabalhar?Por vezes, mas a necessidade de falar com outros colegas sobre o quotidiano da escola faz com que procure romper esse isolamento, quando e se ele acontece. Porque há sempre a possibilidade de no

interior de uma comunidade escolar (e a minha não é tão pequena quanto isso) procurar aqueles que, tal como eu, estão atentos àquilo que acontece na co-munidade escolar e no bairro em que ela se integra. E pensar que há sempre a possibilidade de estabelecer uma parceria. Por outro lado, também considero fundamental não interferir no trabalho dos outros quando isso não é de-sejado. Nesse sentido, nunca critico nenhum colega e mantenho-me disponível para o debate. A partir daí é sempre possível trabalhar em conjunto. O importante, na minha opinião, é não ficar no isolamento.

O livro que editou sob a chancela da Profedições in-titula-se “A Escola Faz-se com Pessoas – Undi N Tai Bai?”. O título do livro pretende, de alguma forma, ilustrar essa concepção de escola e de trabalho?A escola é um espaço cultural e um espaço de hu-manização. É, ao mesmo tempo, um espaço de pas-sagem. E nesse sentido é, em si própria, um espaço artificial. O grupo de trabalho que se encontra nesse espaço é, também ele, artificial. Ninguém escolheu estar com aquelas crianças. E nenhuma daquelas crianças escolheu estar naquele espaço, com aque-les adultos. A única condição que está pré-definida é o facto de a escolaridade obrigatória obrigar à pas-sagem por um espaço comum. No que esse espaço se converte depende de todos os elementos que nele interagem. Cada uma das crianças com a sua história de vida e o professor com a sua história de vida.Depois, na minha opinião, este espaço só tem sen-tido se também interagir com o exterior. Ele é uma espécie de laboratório, onde se aprende o que é ser cidadão num contexto de participação directa. Todos nós temos hipóteses de agir sobre o contexto que nos rodeia. Há neste espaço algumas regras exterio-res a ele e uma “encomenda” à qual não podemos,

“Na minha opinião, para as crianças se desenvolverem como cidadãos têm

de ter contacto com uma forma de democracia directa e não delegada, como

habitualmente acontece. E isto tem de ser aprendido e experienciado

numa comunidade pequena.”

nem devemos, escapar: os conteúdos programáti-cos. Enquanto grupo, a nossa tarefa é dar resposta à encomenda que nos foi proposta, para a qual nos organizamos e trabalhamos.Mas isto só faz sentido se o que aprendermos servir para alguma coisa depois de sairmos daquele espaço cultural. Daí a ideia de que a escola só tem sentido se a pensarmos como um espaço de construção entre pessoas, sejam elas crianças ou adultos, num con-texto de alfabetização ou de formação contínua… A ideia continua a ser a mesma. A mais valia do saber que aí se gera é construída a partir das pessoas, com as pessoas, para aquelas pessoas.

Num dos seus textos já se referiu à escola co-mo uma instituição “castradora”. Até que ponto é possível mudar essa percepção?A escola é castradora quando a sociedade a utiliza como um instrumento de dominação. Neste sentido, penso que a mudança terá de ir mais além do que a simples alteração de práticas pedagógicas. Paulo Freire dizia com insistência que só existe peda-gogia quando se trabalha com as pessoas. A escola, no fundo, é um instrumento político que pode assumir o seu papel de duas formas totalmente distintas: um em que domina, reproduzindo socialmente indivíduos que se limitam a executar aquilo que se lhes ordena; outro no qual assume valores humanistas, formando e dando possibilidade às pessoas de se deslumbra-rem – a “escola dos deslumbramentos”. Uma escola em que o aluno está na posse dos instrumentos que lhe permitem a si próprio evoluir num contexto de de-mocracia participativa. A escola castradora a que me refiro não corresponde politicamente a esta última dimensão, reflectindo, afinal, aquilo que é a democracia representativa das nossas sociedades, onde os alunos não têm a palavra, onde aprendem não a ser cidadãos mas meras entidades.

Foi, durante muitos anos, formador de professo-res. Que conselho daria a quem se está a iniciar na profissão?Um professor é, antes de mais, um ser humano. É precisamente isso que o qualifica. E como qualquer ser humano ele tem um determinado patamar de se-gurança, que só evolui quando ele aceita confrontar-se com os seus pares, permitindo-lhe questionar-se e ultrapassar os obstáculos que se lhe deparam. Julgo que a formação inicial de professores, quando conduzida com inteligência, possui um conjunto de elementos interessantes (como o figurino de estágios, o ano probatório e a figura de professor cooperante) que possibilitam a construção desse processo. Ao novo professor não basta ter muitos conhecimen-tos científicos, é indispensável ter esse patamar mí-nimo de segurança e contar com alguém mais expe-riente que, servindo de referente, o ajude a fazer a gestão da sua aprendizagem de forma que mais tarde possa ser ele o referente na gestão da aprendizagem dos seus alunos. Neste sentido, julgo que o ano probatório proposto no novo figurino de formação inicial pode constituir uma excelente forma de ir ganhando algumas certe-zas provisórias em espaços onde o jovem professor ainda não sente muito à vontade. Acima de tudo, po-rém, penso que é um processo que passa muito mais pelas pessoas do que por uma mudança radical do processo de formação em si.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa

NOTA

Pascal Paulus é autor do livro «A escola faz-se com pessoas. Undi N ta Bai?», editado pela

Profedições. Pedidos: [email protected] ou 226002790.

ANA ALVIM

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/ PONTO de encontro I

Este é já o segundo livro de poesia que publica. De onde surgiu o seu in-teresse por este género literário?O meu interesse pela poesia adveio sobretudo da sua leitura. Lembro-me que desde adolescente me emociona-va com a grandiloquência ou com as dores que eram relatadas em poesia. Depois li tudo o que me passava ao al-cance dos olhos e, mais tarde, comecei a ser mais selectivo. Assim adquiri um conhecimento razoável tanto da poesia que se edita em Portugal como de al-guns autores estrangeiros. Depois foi o grande salto de receptor para emissor. Gostar de poesia – até mesmo gostar de certa poesia ou de certo autor – não nos compromete, não nos expõe; mas dar a conhecer algumas linhas que seja so-bre as nossas emoções é já uma tarefa que implica uma grande exposição. Es-ta exposição é tanto mais difícil quanto, como é o meu caso, se tem consciência que a nossa contribuição é muito limita-da. Será que vale a pena este pequeno passo gigantesco de passar de leitor de poesia a produtor de poesia? Mas sempre tive um fascínio por escrever textos curtos. Tenho uma série de contos escritos e não publicados em que cada um não tem mais de três mil caracteres. Daqui à poesia é um caminho mais fá-cil. Talvez por a poesia ser feita de textos mais enxutos e mais densos do que se esperaria, à partida, por exemplo, de um texto em prosa. Densificar e simbolizar são, para mim, as operações que podem converter um texto em poesia, e se a isto se juntar o “engenho e arte”, pode até nascer uma boa poesia.

Ambos os livros têm a particulari-dade de serem escritos seguindo a tradição formal do “Haiku”, uma ancestral forma de poesia japonesa minimalista caracterizada por ver-sos de três linhas. Pode explicar-nos

melhor em que consiste o Haiku e a razão de ser da sua escolha? O primeiro livro “Espírito de Corpo: tex-tos prensados”, publicado em 2006, foi um livro sobretudo dedicado ao Corpo. Já neste livro publiquei vinte e sete haiku. Este segundo livro – “Estações Sentidas” – é constituído por 111 destes poemas. Este interesse pelos Haiku advém, em grande medida, por tê-los encontrado na obra de vários poetas. Venceslau de Morais, Casimiro de Brito, Herberto Hel-der, Eugénio de Andrade, Albano Mar-tins, só para citar alguns poetas portu-gueses, foram seduzidos tal como eu por este tipo de poesia. Talvez porque, antes de mais, o Haiku tem o encanto do desafio: exprimir uma ideia poética em dezassete sílabas constitui uma em-presa complexa de forma a encontrar as palavras exactas, necessárias e sufi-cientes, para tornar inteligível a ideia que se quer expressar. Um outro factor que considero muito interessante no Haiku é a sua ligação íntima à observação da natureza, uma ligação que é feita no momento pre-sente (assumida pelo poeta como um “insight”, uma intuição) encravado no curso entre o passado e o futuro. Nes-te aspecto o Haiku assume um papel de contra-corrente à nossa vida quoti-diana por duas razões principais: antes de mais porque é uma forma sintética, subtil e precisa que surge numa socie-dade que cultiva o excesso, a repeti-ção e a exuberância; por outro lado, porque desenha uma ponte com a na-tureza da qual as pessoas (e sobretu-do as populações urbanas), estão ca-da vez mais distantes. Numa época em que esta separação entre o Homem e a natureza começa a dar sinais de uma irreversibilidade dramática a temática do Haiku convida-nos a observar com reverência e respeito o que está à nos-sa volta. Grande mestra é a natureza se

soubermos ser bons alunos...O meu interesse pelos Haiku é pois o de visitar os valores mais simples da vi-da, aqueles que se podem aprender da natureza. As nossas sociedades estão tão preocupadas em produzir riqueza que por vezes se perdem na rota de saber para quê ou para quem esta ri-queza serve. Partindo da minha experiência, o Haiku parece criar dependência... é o caso de muitos amigos meus, que mal lêem os Haiku ficam com uma indomável von-tade de os fazer. Por isso, o Haiku é tão usado em educação, como uma forma de iniciação poética para jovens. Ainda há pouco tempo, Maria Kodama, viúva do escritor Jorge Luis Borges, organi-zou um livro de Haiku escrito por alu-nos do ensino primário e secundário. Um último factor interessante sobre o Haiku é a enorme disseminação que tem a nível mundial: podemos encon-trar em todos os países sítios, publica-ções, associações, grémios literários, concursos, seminários, clubes que se dedicam a esta forma poética. Talvez seja na actualidade a forma poética mais popular e disseminada. Para o constatar basta consultar a Internet.

Tendo em conta que o Haiku apare-ce sempre associado a uma das es-tações do ano ou contendo referên-cias à natureza, este segundo livro versa algum destes temas em par-ticular?Gosto do termo “estação”. Dá ideia que confrontados com o correr do tem-po nós inventamos quatro estações (is-to é, formas mais permanentes de “es-tar”, como se fosse um “estar grande”) para assistirmos ao tempo a passar e talvez criar a ilusão que o tempo corre e nós atrasamo-lo, nós “estamos”. Os Haiku referem-se muito frequentemen-te a este correr lento mas inexorável

“Grande mestra é a natureza seDavid Rodrigues é professor associado da Faculdade de Motricidade Humana, insti-tuição na qual se doutorou na área de Educação Espe-cial e Reabilitação. Ensina e investiga na área da Educa-ção Especial, sendo coorde-nador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva. O ar-gumento para esta entrevis-ta, porém, não é tanto a sua actividade profissional mas mais a sua veia de escritor. Com vinte livros publicados no âmbito científico, “Esta-ções Sentidas” – o livro que acaba de lançar pela editora Indícios de Oiro – representa a sua segunda incursão pe-la literatura de ficção, com a particularidade de ser total-mente escrito obedecendo a uma ancestral forma de po-esia japonesa minimalista: o Haiku. No preâmbulo de ambos os livros refere que “escolheu a arte, a música, a família, os amigos e algumas causas sociais para lhe faze-rem companhia na jornada”. Nesta entrevista, a Página dá a conhecer as motivações deste professor para a escri-ta e desvenda alguns dos se-gredos do Haiku.

David Rodrigues, professor e colaborador de A Página, acaba de lançar o seu segundo livro de poesia

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�5PONTO de encontro II /

“Grande mestra é a natureza sedo tempo olhando-o através das mo-dificações que ele provoca na nature-za. A palavra japonesa “kigo” designa precisamente estas marcas próprias de cada estação que não deixam de ser sempre passageiras e fortuitas face ao fluir do tempo. Esta é a concepção mais tradicional do Haiku da qual po-deria dar o exemplo do famoso Haiku do grande poeta japonês, Bashô: “O velho tanque/ uma rã mergulha/baru-lho de água”. No entanto, muitos poe-tas, na actualidade, usam o Haiku com conceitos menos estritos. Vejamos o exemplo de um Haiku do poeta Casi-miro de Brito publicado em Maio des-te ano no Japão: “De canto em canto/ vou caindo/no charco do silêncio”.No meu livro “Estações Sentidas” pro-curo escrever sobre as quatro estações em que se divide o ano, numa temáti-ca mais ligada à natureza (ex: “Com mil olhos negros/ a oliveira olha mansa/ as aves que passam” ou “O granito áspe-ro/ficou com pele de veludo/nasceu-lhe um trevo”) e numa segunda parte escre-vo com uma maior liberdade temática (ex: “A estrada onde vou/ tem flores de um lado e noite de outro/ caminho nas bermas” ou “O lago não sabe/ até que chegue o vento/ quantas ondas tem”). Deixe-me fazer uma referência ao ex-celente prefácio ao livro que é feito pe-lo meu amigo, o escritor Gonçalo M. Tavares, onde, numa linguagem muito bela e precisa, explica em que consiste o Haiku e como deve ser lido.

Está a preparar mais algum trabalho no campo da poesia ou da literatura?O mais difícil é começar, depois os pro-jectos sucedem-se e encadeiam-se... tenho um livro de contos para crianças e um livro de contos prontos e outros projectos que esperam a prova do tem-po para poderem ver a luz do dia. Acho que estas produções, tal como alguns

vinhos, precisam de um período de re-pouso para apurar o seu valor... Depois, há uma tarefa na qual eu não sou mui-to fluente que é a de encontrar editores para estes trabalhos. Mas acredito que no momento certo eles aparecerão.

Para além da sua faceta de escri-tor, o David Rodrigues é sobretudo reconhecido pela sua actividade en-quanto investigador na área do en-sino especial e como coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (FEEI). Nessa qualidade, e apesar de regularmente escrever no nosso jornal sobre este tema, qual o seu comentário acerca da reorgani-zação da Educação Especial levada a cabo pelo actual Governo? É verdade. A minha profissão não é po-eta, é professor universitário. Isso até se vê pela publicação: publiquei vinte livros como académico e só dois co-mo poeta... Trabalho há muitos anos na formação, intervenção e investiga-ção em Educação Especial. É difícil fa-zer um balanço muito sucinto sobre a sua questão, mas vou tentar usar uma resposta inspirada na economia de pa-lavras do “Haiku”... Penso que muitas das medidas que estão a ser tomadas são positivas e bem intencionadas (ex: a defesa da educação de todos os alu-nos na escola regular, a extinção de escolas especiais como lugares de es-colarização, etc.). Tenho criticado, no entanto, alguns aspectos desta política (a utilização da Classificação Interna-cional de Funcionalidade da Organiza-ção Mundial de Saúde para construir planos de intervenção para alunos, a restrição dos serviços de apoio espe-cializado só a alunos com uma con-dição de deficiência, entre outros as-pectos) mas um ponto fundamental da minha crítica prende-se com a ausên-cia de diálogo do ME com os profes-

sores e com os especialistas da área, o que não permite que as medidas que o ministério pensa que são adequadas (umas serão, outras menos...) se expo-nham a qualquer tipo de contraditório. Esta atitude “iluminada” do ME tem criado resistências e descrença escu-sadas na bondade das medidas.

Qual é o âmbito de actuação do FEEI e que balanço faz da sua intervenção?O Fórum de Estudos de Educação In-clusiva (FEEI) (www.fmh.utl.pt/feei) é um projecto que procura pela positiva promover as condições para o desen-volvimento de projectos inclusivos. Pa-ra isso temos um centro de documen-tação, organizamos formações, temos contactos internacionais, fazemos in-vestigação (foi publicado no mês pas-sado o livro “Percursos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso), e discussão de linhas progra-máticas. Consideramos que os nossos quase 600 membros são boas notícias da Educação Inclusiva e um patrimó-nio que temos que valorizar e preser-var. O balanço que faço é muito posi-tivo só poderia ser ainda mais positivo se contássemos com parcerias (nome-adamente com as entidades oficiais) que permitissem que a nossa reflexão e formação tivesse ainda mais impac-to entre os professores. Mas estamos satisfeitos com o que alcançamos e sobretudo motivados e fortalecidos para continuar. A Educação Inclusiva é um desígnio nacional assumido por milhares de professores, por pais, por alunos, pelo Governo e pelo Presiden-te da República; não estamos a falar sozinhos: estamos a oferecer o nosso trabalho para criar um serviço de qua-lidade para atingir um objectivo estra-tégico e ético do nosso país. Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa

IE/FN

soubermos ser bons alunos...”

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/ EM FOCO I

De acordo com dados do Ministério da Educação, nos últimos dois anos a rede de ensino público perdeu mais de dez mil professores, cerca de 7500 dos quais só ao longo do último ano lectivo. Segundo a Federação Nacional dos Professores (FENPROF), a estes poderão juntar-se outros dez a doze mil até ao final de 2008 e entre 16 e 23 mil nos próximos três anos. Apesar desta perda progressiva, este ano existem mais 14 mil alunos matriculados no sistema de ensino relativamente ao ano anterior.No concurso de colocação de professores, cujos resultados foram divulgados no final de Agosto, apenas 3252 dos quase 48 mil professores candidatos obtiveram um horário completo na primeira fase. Neste universo contavam-se mais de 20 mil que, em 2006/07, tinham dado aulas. Na segunda-feira seguinte à divulgação destes resultados, milhares de docentes acorreram aos centros de emprego, ser-viços da Segurança Social e lojas do cidadão para se candidatarem ao subsídio de desemprego.A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, considerou que o aumento do desemprego se deve ao “desajustamento entre a oferta de formação e as ne-cessidades do sistema educativo”, argumentando ainda que mais de metade dos candidatos são provenientes de ciclos de ensino que não estão em crescimento. “Temos cada vez menos alunos no ensino básico e, portanto, não há condições para responder às expectativas destes diplomados no ensino”, sublinhou a minis-tra, rejeitando quaisquer responsabilidades por esta situação. Os casos mais dramáticos observam-se no ensino pré-escolar, no 1º ciclo e nas áreas disciplinares de Português e História do 2º ciclo. As necessidades do sistema centram-se agora em professores do 3º ciclo e do ensino secundário, sobretudo de-vido ao aumento da oferta nos cursos de educação e formação profissionalizantes.

Sindicatos responsabilizam ministra

As duas principais federações de sindicatos de professores reagiram em unís-sono às declarações de Maria de Lurdes Rodrigues, responsabilizando a tutela

pela actual situação. Para a mais representativa organização sindical do sector, a Federação Nacional dos Professores (FENPROF), não há desajustes entre oferta e procura que justifiquem o aumento do desemprego entre os professores, nome-adamente pelo facto de a grande maioria dos candidatos que não obtiveram co-locação já ter dado aulas no ano passado. Mário Nogueira, secretário-geral desta estrutura, afirmou que a actual situação se deve exclusivamente às políticas de “redução de trabalhadores na função pública”, referindo como exemplo os cerca de 4400 professores que se aposentaram no passado ano lectivo e que não foram substituídos, acusando o actual Governo de promover “um dos maiores despe-dimentos colectivos de que há memória” no país. Neste sentido, recordou que o trabalho dos professores não se resume à sala de aulas, havendo necessidade de mais docentes para trabalhar com crianças com necessidades educativas, ou no desenvolvimento de outros projectos em contexto escolar, como o papel de me-diadores na gestão de conflitos.O presidente da Federação Nacional de Educação (FNE), João Dias da Silva, la-mentou a actual situação e apontou medidas como a criação de mecanismos de apoio à promoção do sucesso nas escolas ou o estabelecimento de um enquadra-mento legal que permita dar prioridade a estes professores no desenvolvimento de actividades de enriquecimento curricular no 1° ciclo. O coordenador da FNE defendeu ainda que a tutela deveria promover “formações curtas a nível superior”, em articulação com o Ministério da Ciência e do Ensino Superior, que permitam a reconversão profissional dos professores, seja os que se encontram em exercício seja os candidatos ao ensino que continuam a sair das faculdades e “cujo destino mais óbvio é o desemprego”.Carlos Chagas, presidente do Sindicato Nacional e Democrático dos Professores (SINDEP), acusou também o Governo de ser o único responsável pela situação. “Es-te Governo determina o número de vagas da formação inicial de professores no ensi-no superior e por razões que se prendem com uma política de má gestão vem agora dizer que há excesso e que nada tem a ver com isso”, afirmou Chagas, garantindo que caso existisse uma boa gestão por parte da tutela haveria lugar no sistema de ensino para os cerca de 45 mil docentes que agora se encontram no desemprego.

Desemprego cresce assustadoramente entre os professores

A taxa de desemprego entre os professores atinge níveis preocupantes. A ministra Maria de Lurdes Rodrigues rejeita respon-sabilidades e fala de um “desajustamento entre a oferta de formação e as necessidades do sistema educativo”. Os sindicatos recusam este argumento e consideram que o problema se deve sobretudo à política de dispensas na função pública e à má gestão da oferta de formação no ensino superior. Neste Em Foco, procuramos lançar algumas pistas para o debate ouvindo opiniões e apontando algumas soluções preconizadas por parte de quem reflecte sobre esta questão.

Onde está a justificação?

ANA ALVIM

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�7EM FOCO II /

Reconverter e alargar o perfil dos profissionais de educação

Apesar de mostrar preocupação com a crescente falta de empregabilidade que afecta os recém-formados, Luís Rothes, professor da Escola Superior de Educa-ção do Instituto Politécnico do Porto, recusa o “alarmismo” das organizações sin-dicais e afirma que “o sistema educativo não pode ser pensado para dar emprego aos professores”. Questionado sobre o futuro das instituições de formação de professores face à actual conjuntura, Rothes garante que não receia pela sobre-vivência das mesmas. “Num país com um significativo atraso educativo como o nosso, existe uma mani-festa necessidade de técnicos superiores de educação que possam actuar em áre-as como a formação de adultos, o ensino das artes ou o serviço de carácter social, entre outras. A formação não pode é continuar direccionada para áreas onde o sis-tema já atingiu a saturação”. Para isso, explica, “é preciso apostar em formações de banda larga que permitam ampliar o perfil de actuação dos futuros profissionais de educação, paralelamente com ofertas formativas que garantam uma rápida recon-versão e actualização dos saberes científicos”. É precisamente em contextos como este, diz ainda, que “o processo de Bolonha pode constituir uma oportunidade”. Ricardo Vieira, professor da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Leiria (IPL), partilha das mesmas opiniões e vai mais longe ao afirmar que no nosso país “existe a ideia enraizada de que a obtenção de um curso garante necessaria-mente um emprego”. No caso dos professores, adianta, “o Ministério da Educação foi durante muitos anos a entidade formadora e empregadora, não tendo havido preocupação em regular o mercado”, circunstância que acabou por se traduzir no actual desequilíbrio. Perante o facto consumado, e embora admitindo que a sua proposta não seja propriamente inovadora, uma das soluções para o desemprego docente poderá passar, a curto prazo, por acções pontuais de reconversão profis-sional que lhes permita assumirem funções de apoio técnico – nomeadamente em áreas emergentes como as novas tecnologias – cultural e pedagógico às escolas. Face à previsível diminuição do número de candidatos aos cursos orientados para a via de ensino, as instituições de formação deverão, também elas, saber “adaptar-se e reconverter a sua oferta”. Tanto mais, explica Vieira, quanto “à escola de hoje se colocam desafios e problemas que exigem um novo perfil de educador”, vocaciona-do para o trabalho social, como a ligação à família, a mediação de conflitos ou o de-senvolvimento e animação de projectos locais. Para que isto aconteça, porém, “o ME terá de abrir espaços de intervenção nas escolas e legitimar estes novos papéis”. Antecipando a actual conjuntura, a ESE de Leiria apontava, já no início dos anos 90, para a necessidade de reequacionar a sua oferta formativa e alterar a designação para Escola Superior de Educação e Ciências Sociais. Apesar de nunca ter obtido

luz verde do Governo para esta nova denominação, a instituição decidiu avançar, em 1993, para a abertura de novos cursos de banda larga: Relações Humanas e Comu-nicação do Trabalho, Turismo Cultural, Comunicação Social e Educação Multimédia, Serviço Social e Animação Cultural. “Se esta reconversão não tivesse ocorrido, a ESE de Leiria já teria provavelmente fechado as suas portas”, garante Vieira. Questionado sobre este tema, o presidente do Conselho Coordenador dos Insti-tutos Superiores Politécnicos (CCISP), Luciano Rodrigues de Almeida, considera que a definição de um quadro orientador da formação de professores em Portu-gal depende, antes de mais, dos “objectivos do país no domínio da sua política educativa”. Na sua opinião, “esta é uma das matérias em que a ausência de um pacto de regime que afaste as tentações que cada ministro sente de fazer a ‘sua’ reforma, destruindo o trabalho do anterior sem o avaliar, compromete qualquer esforço sério de regulação”. Em matéria de educação, aliás, Luciano de Almeida considera que “os partidos políticos têm sido completamente irresponsáveis, ha-vendo muitos actores do sector educativo em Portugal que ainda não entenderam que a educação é um bem público”.

Formação para a docência tem vindo a diminuir

De acordo com o Observatório da Ciência e Ensino Superior, o número de recém-formados nas áreas vocacionadas para a docência tem vindo a diminuir desde 2003. Ainda assim, as universidades e politécnicos portugueses formaram 88161 mil professores entre 1998 e 2005. Analisando os dados mais detalhadamente, pode verificar-se que o número de alunos que obtiveram um diploma em cursos da área de Educação passou de 6667 no ano lectivo de 1997/98 para 15012 em 2002/03, ano em que esta tendência se começou a inverter. De facto, em 2003/04 o número caiu para 12166 diplomados e para 10246 no ano seguinte, evolução à qual não terá sido alheia a diminuição do número de vagas disponibilizadas pelas instituições de ensino superior com oferta nesta área. Relativamente ao número total de diplomados, o sector educativo representava 14 por cento em 1997/98, tendo subido para 22 por cento em 2002/03. No ano seguinte representava ape-nas 18 por cento, tendo regressado para valores próximos do início do período em análise (15 por cento) em 2004/05. Apesar de a análise destes dados permitir verificar que existe uma diminuição do número de candidatos a professor lançados para o mercado de (des)emprego, o número daqueles que não consegue colocação nas escolas tem conhecido uma progressão inversamente proporcional. Tendo em conta este problema crescente, que tipo de resposta oferece o Instituto do Emprego e Formação Profissional?

ANA ALVIM

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/ EM FOCO III

A PÁGINA colocou esta questão ao delegado regional do norte do IEFP, Avelino Lei-te, que considera o trabalho com os candidatos a professor “muito difícil”. Isto, ex-plica, porque “a maioria interiorizou um projecto de vida que não contempla outras alternativas para além do ensino, sendo habitualmente pouco provável convencer pessoas nesta situação a aceitar ofertas de emprego noutras áreas de actividade”. Como exemplo, refere o facto de o IEFP ter mantido ao longo dos últimos anos um conjunto de acções de formação destinadas a reencaminhar a saída profissional de activos qualificados – designado Programa Fordesq –, nas quais se encontra-vam inscritos um significativo número de professores, “descontinuadas em função dos seus resultados praticamente nulos”. Muitos dos candidatos, diz, “desistiam mal lhes aparecia uma oportunidade para preencher um horário, ainda que incom-pleto, em escolas localizadas a centenas de quilómetros de distância, em regiões como o Alentejo ou o Algarve”. A esta circunstância, acresce o facto de o IEFP receber uma escassa oferta de emprego na área da docência – exceptuando casos pontuais provenientes de ga-binetes de estudo ou similares –, dada a natureza muito específica do processo de recrutamento inerente ao sistema de ensino, reduzindo consideravelmente a capa-cidade deste organismo em proporcionar uma resposta específica a este sector. “Estamos num regime de mercado livre onde cada um pode obter as qualificações que entender, mas não podemos esperar que toda a gente encontre emprego na respectiva área de formação. Os professores que estão no desemprego, à seme-lhança de outros profissionais, têm de perceber que muitas vezes têm de optar por uma área que não corresponde necessariamente à sua formação. O grande drama dos professores nesta situação é que na maioria dos casos demoram muito tempo a aperceber-se dessa inevitabilidade”.

Partilha de responsabilidades entre Governo e instituições de ensino superior

Em Março do ano passado, a Página publicava uma entrevista com Eduardo An-selmo de Castro, professor da Universidade Aveiro (UA), que, em colaboração com uma equipa de investigadores, desenvolveu um modelo de análise prospectiva que permite determinar com precisão o número de professores necessários ao sistema educativo português, nas diferentes áreas disciplinares, até 2020. Para além de permitir determinar a procura, Anselmo de Castro garantia que ele pode ser aplicado, sem demasiada rigidez, às possibilidades de saída profissional. O modelo foi testado com sucesso pela própria UA num estudo de viabilidade pa-ra a instalação de um pólo na cidade de Viseu, e o Instituto Politécnico de Leiria encomendou um modelo semelhante de procura e de colocação da formação de professores para o ensino básico e secundário.Nessa entrevista, Anselmo de Castro explicava que o modelo assenta no cruza-mento de parâmetros como as previsões demográficas da população, o número de alunos, as taxas de escolarização e a dimensão média das turmas existentes por nível de ensino, prevendo a possibilidade da extensão do ensino obrigatório para doze anos a partir de 2010. Partindo desses resultados, cruzam-se dados

como o número de professores existente por grupos etários e por grupos disci-plinares, o número previsto de aposentações, a variação de cargas horárias e as horas destinadas a cargos pedagógicos, bem como o número de professores pre-vistos nos cursos de formação de professores. Como forma de avaliar o impacto de medidas alternativas de política educativa, são considerados três parâmetros variáveis (dimensão da turma, idade de reforma e formação de professores) que, combinados entre si, ajudam à definição de diferentes cenários.Apesar de garantir que houve interesse por parte do Ministério da Ciência e do Ensino Superior – na altura tutelado pelo ministro Pedro Lynce – em conceber um modelo prospectivo similar para o sistema educativo português, o facto é que o pedido acabou por ficar na gaveta. Na mesma ocasião, Anselmo de Castro lamen-tava a falta de interesse dos decisores políticos numa planificação mais rigorosa do sistema, afirmando ser muito difícil introduzir este tipo de cultura no nosso país.A questão que se coloca é, então, porque razão nem o Governo nem as institui-ções de ensino superior se socorrem de instrumentos desta natureza no sentido de regular o mercado de emprego e salvaguardar situações como a que actual-mente se vive. Colocamos esta questão aos presidentes do Conselho de Rei-tores das Universidades Portuguesas (CRUP) e do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos. Ao longo de uma semana tentamos contactar o presidente do CRUP, mas Fernando Seabra Santos mostrou-se indisponível para responder ao nosso convite.Na opinião de Luciano Rodrigues de Almeida, presidente do CCISP, o “evidente de-sajustamento entre a oferta de formação superior e as necessidades da rede esco-lar” resulta de “responsabilidades partilhadas” entre o Governo e as instituições de ensino superior. “O Governo porque tinha a obrigação de ter promovido os estudos prospectivos que permitissem com rigor fazer o levantamento das necessidades de professores a médio prazo, o que pressupunha a definição de uma política educati-va capaz de sobreviver a um ministro e a um governo e de aproximação aos níveis de desempenho da média da União Europeia. As instituições porque, enquanto centros de saber e na omissão do Governo, tinham a obrigação de ter elas próprias promovido esses estudos e adequado a sua oferta de formação”. Neste domínio, sublinha, “o conservadorismo das nossas instituições de ensino superior e de grupos de interesses instalados tem conseguido dificultar qualquer iniciativa de auto-regulação”. Regulação, admite este responsável, que “acabou por ser feita à custa da diminuição de candidatos”, à qual se seguiu uma redução drástica do número de vagas por parte das instituições, sem qualquer estudo prospectivo que a sustentasse. Concluindo num tom crítico, Luciano de Almeida afirma que “em geral, as nossas instituições de ensino superior são incapazes de tomar decisões e incapazes de promover mudanças, porque estão prisioneiras de jogos de interesses corporati-vos que as paralisam”. Além disso, diz, “têm uma deficiente concepção de ‘auto-nomia’ e não a usam em matérias em que supostamente estão obrigadas a fazê-lo, como o da regulação da sua oferta pedagógica”.

Ricardo Jorge Costa

ANA ALVIM

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�9EM FOCO IV /

A existência de um número muito significativo de pessoas com qualificação profissional para a docência que hoje não encontram trabalho correspondente a essa qualificação é um facto que não pode deixar de merecer reflexão, seja por parte dos principais empregadores, seja por parte das insti-tuições de formação, seja, enfim, por todos aqueles a quem as questões da educação importam ou dizem respeito. Não podendo ser este o lugar para um comentário extenso sobre o tema, deixaria, no entanto, algumas linhas de leitura que julgo pertinentes:

1. Há uma profunda contradição entre a existência de níveis de qualificação escolar da nossa população, que ficam claramente aquém do que seria desejável, e a existência de um corpo de pessoas profissionalmente habilitadas que não podem dar o seu contributo efectivo para o au-mento dessa mesma qualificação. Não me parece que esta contradição possa ser respondida apenas com base em expectativas acerca das virtualidades do “mercado educacional”. Haverá certamente lugar para o desenho e desenvolvimento de políticas públicas que possam apro-veitar o esforço que o país ao longo dos anos foi despen-dendo na formação de profissionais qualificados.

2. No que diz respeito à formação dos novos profissionais, haverá que aprender com os erros do passado e explorar novas possibilidades. Existe hoje, e julgo que fundada, a convicção de que a formação de professores se tornou para muitas instituições de ensino superior um projecto instrumental de expansão da sua oferta educativa, sem que muitas vezes a qualidade dessa oferta tenha sido suficientemente acautelada, situação para que alguma demissão do Estado na regulação da oferta acabou por contribuir. A verificação de que muitos licenciados não encontram hoje acolhimento no sistema enquanto pro-fissionais e de que alguma rarefacção na procura deste tipo de formações vai acontecer pode ser uma oportu-nidade para se repensar, em novas bases, de maior exi-gência, a formação dos professores. Julgo que alguns passos positivos foram dados com a publicação recente do decreto-lei nº 43/2007 que aprova o regime jurídico de habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário. A avalia-ção rigorosa dos projectos em sede de acreditação dos cursos será um mecanismo com significativas potencia-lidades.

3. Se temos uma certeza é de que professores profissio-nalmente qualificados serão cada vez mais necessários. Por outro lado, muitos estudantes continuarão a ver na profissão de professor um horizonte desejável. Neste quadro, o desafio maior que se coloca é o de encontrar as formas mais adequadas de conjugar estes dois tipos de expectativas, de forma a garantir a expansão susten-tada de ofertas educativas de qualidade.”

Rui Vieira de CastroUniversidade do MinhoInstituto de Educação e Psicologia

Algumas notasde reflexão

ANA ALVIM

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/ À MESA do café

Paulo Dias, 31 anosProfessor de Geografia na Escola Secundária de Fafe10 anos de serviço | 5º escalão

Está há um ano na Escola Secundária de Fafe, conta estar mais dois. Depois? Sorri. De novo a incerteza. No aspecto pessoal está preocupado com o futuro. Sobretudo no que toca ao vencimento e à estabilidade profissional. Ao ponto de se colocar a questão sobre se manterá ou não o ensino como a sua actividade “para o resto da vida”. Apesar de já pertencer aos Quadros de Zona, diz-se “apreensivo”. As condições de trabalho são outra das suas preocupações, nomeadamente o facto de trabalhar em escolas cada vez mais distantes do Porto, cidade onde resi-de. Os custos com as deslocações pesam também no vencimento. Um depósito por semana é quanto Paulo Dias gasta. Feitas as contas por alto, 160 euros num ordenado de 1220 euros líquidos mensais. Sobre o que o preocupa ao nível do ensino Paulo Dias responde sem hesitação: “O facilitismo!” Di-lo por comparação ao tempo em que era aluno. “Há um facilitis-mo que está cada vez mais presente em termos de aprendizagem e de objectivos que os alunos supostamente deveriam atingir no final do ano lectivo já de si muito reduzidos”, critica o professor, acrescentando: “Alteraram-se as nomenclaturas de objectivos mínimos para específicos mas isso só vem escamotear a realidade, porque se exige menos dos alunos e passa-se a ideia de ‘brincar para aprender’, com a qual eu não concordo.” Outra das questões que o preocupa é ver constantemente posto em causa o papel do professor. “Se o aluno não corresponde aos objectivos a culpa é sempre do professor, mas é preciso ver que há outros culpados, nomeadamente as condi-ções familiares, sociais, económicas e até da própria sociedade que dá mais valor ao ter que ao ser...” E explica: “Cultiva-se a mentalidade de que importa passar a qualquer custo onde o saber ou não saber pouco interessa...”Por fim, diz o professor, “a actuação das hierarquias superiores da educação” não es-tá a contribuir para uma melhoria do estado da educação. “Veja-se a questão em que a ministra põe em causa a importância dos trabalhos de casa... compreendo que, por um lado, nem todos os alunos tenham acesso aos mesmos meios de pesquisa e in-formação, mas, por outro lado, deve-se valorizar o trabalho fora do tempo lectivo.”

Concentração sindical

“Já fui sindicalizado mas deixei de ser porque quando precisei de ajuda não fui bem orientado!”, resume Paulo Dias enquanto tenta encontrar as razões de tal atendimento: “Provavelmente por ser um sindicato pequeno, a quota paga era a mais barata na altura, rondava os cinco euros...” Outros aspectos mais pragmáti-cos originaram a desistência: a dificuldade no acesso, a falta de estacionamento e a incapacidade de resolução de problemas via telefone. “Entretanto, casei com uma professora que é sindicalizada e apoio-me no sindicato dela... assim fica dois em um”, graceja. Questionado sobre a actuação dos sindicatos, Paulo Dias comenta: “Penso que os sindicatos são importantes em qualquer actividade profissional!” Mas adianta: “O problema é existirem vários sindicatos, o que reflecte também a disparidade de categorias dentro do corpo docente.” O ideal para este professor seria a con-centração. “Um só sindicato que englobasse todas as sensibilidades para ter mais força.” Mas também, acrescenta, “mais neutro em termos de cores partidárias”. A esta diversidade típica da profissão, Paulo Dias recorda ainda outra divisão que diz estar a contribuir ainda mais para a perda de força da classe: a divisão entre professores titulares e não titulares. “Uns vão avaliar o trabalho dos outros, uns es-tão num patamar superior aos outros...”, comenta. Uma actuação que Paulo Dias diz ser a de “dividir para reinar” e que prevê contribuir para agravar o “mal-estar entre a classe docente”.

Bandeiras de luta

Entende que o principal papel dos sindicatos seja o de defender as condições laborais do trabalhador. Mas, no caso dos professores, refere, “o sindicato devia imiscuir-se nas situações pedagógicas”. Porquê? “Porque isso também mexe com o bem-estar do professor no seu local de trabalho”, responde. De que forma? “Melhorando o ambiente de trabalho, não só em termos de condições materiais nas escolas mas também a relação entre professores e alunos, nomeadamente ao nível da segurança.” O sindicato, segundo Paulo Dias, devia ainda “defender um aumento de poder disciplinar dos professores”. A questão salarial e a valorização do estatuto social do professor seriam, para Paulo Dias, duas lutas que nunca de-veriam ser retiradas da agenda sindical. Questionado sobre a actuação das organizações sindicais ligadas ao ensino, Pau-lo Dias hesita em atribuir-lhes uma nota. “Daria mais do que 10 porque num go-verno com maioria absoluta os próprios sindicatos dizem ter pouca margem de manobra.” E recorda as negociações feitas no que toca ao Novo Estatuto da Car-reira Docente. “Um ou outro pormenor foi alterado, mas sem grande peso no seu conteúdo geral.”

Miguel Sousa, 42 anosProfessor de Educação Física | Escola Secundária da Ribeira Grande, São Miguel, Açores17 anos de serviço

Está efectivo na escola onde lecciona e se estivesse no Continente estaria a con-correr a Professor Titular, faz questão de referir, lembrando que o escalamento da carreira nas ilhas é diferente.Sobre as preocupações com o ensino actual, Miguel Sousa elege o que afirma ser a tentativa de “os governantes quererem transformar a escola que é a casa da educação, na casa da instrução”. E explica: “O sucesso escolar foi reduzido ao passar ou não de ano, isto é dizer que na escola só se instrui. Os nossos políticos querem que as crianças saibam muito de português ou matemática, mesmo que sejam mal-educados ou tenham mau carácter”. Por isso conclui: “A escola deixou de educar. É claro que a escola deve dotar os alunos dos mecanismos suficientes para procurarem uma profissão, mas não pode ser só isso.”

A criação de uma Ordem de Professores

Na sequência da sua preocupação, Miguel Sousa admite que gostaria de ver as orga-nizações sindicais “a ajudar o Governo a definir o que é o sucesso escolar, uma vez que o argumento do executivo para mudar o Estatuto de Carreira Docente foi a pro-moção do sucesso escolar”. Miguel Sousa adianta-se na definição com um exemplo de uma realidade que está presente no seu quotidiano. “A ministra devia perceber que um filho de agricultores que tem de se levantar às 4 horas da manhã para ordenhar a vaca, apanhar o carro para ir para a escola, voltar às 19 horas da noite para nova-mente ir ordenhar vacas, começar a estudar às 21h e ao outro dia estar a pé às 4h, já tem sucesso escolar!” No entender deste professor “não se pode fazer uma avaliação quantitativa do sucesso escolar sob o risco de reduzir a escola a números”.Outra das suas preocupações em relação à actuação dos sindicatos é “a sua sede de poder”, que diz ser “ tão grande quanto a dos políticos”. A sua posição quanto a este aspecto passaria pela criação de uma Ordem dos Professores. “Para mim o sindicato devia admitir que as questões laborais dos professores são demasia-damente graves e, por isso, justificavam o delegar das questões deontológicas numa eventual Ordem.” Mas esclarece: “Isto não significa que Ordem e sindicatos estivessem de costas voltadas!”

Preferiam vê-los “amansar a fera” em vez de todos os dias ameaçarem que a vão matarA PÁGINA da Educação lançou o desafio a quatro professores para se pronunciarem sobre as suas preocupações educativas e a actuação das organizações sindicais de professores. O “facilitismo” instituído nas escolas, a insensibilidade ministerial, os baixos salários, a precariedade das colocações, a falta de discussão sobre as questões deontológicas, a necessidade de formação ao longo da carreira, foram as preocupações mais sublinhadas. Na conversa os docentes falaram da actuação sin-dical como um todo, ainda que alguns fizessem questão de se assumir como sindicalizados.

Professores e sindicatos

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�1À MESA do café /

Sindicato em avaliação

Questionado sobre a nota a atribuir à actuação sindical, o professor é peremptório: “Dava nota negativa, claramente! Era necessário bater o pé, não tanto em relação às carreiras, mas contra a tentativa de tornar o professor num burocrata ao invés de um pedagogo. Temos mais papéis para preencher que alunos para ensinar!”A nota justifica-se ainda por outra crítica. Miguel Sousa diz que na discussão em torno das formas como os professores vão ser avaliados, está a ser esquecida a falta de instrumentos para que estes se possam defender de uma avaliação in-justa. “Os alunos têm o direito de protestar a nota e os professores não têm esse direito, por isso gostava de ver isso clarificado no Estatuto”, contesta.

Bianca Almeida, 24 anosProfessora do 1º ciclo | Ensino Particular e Cooperativo3 anos de serviço | Efectiva

Nas formações que tem feito, Bianca Almeida, professora do 1º ciclo tem visto de tu-do. “Professores muito empenhados e professores muito revoltados!” A revolta é atri-buída à actuação do ministério. Uma situação que, apesar de estar no ensino particu-lar e cooperativo, não a deixa indiferente. “Vejo os professores do ensino público com condições de trabalho difíceis que dificultam a prática de um ensino diferente.”

Problemas laborais e alunos

Mas será que as questões laborais dos professores não estarão a sobrepor-se aos interesses educativos dos alunos? “Não!”, afirma a professora. O facto, esclarece Bianca Almeida, é que “as alterações nas carreiras foram muito significativas e têm tornado muito difícil ao professor saber o que esperar da escola em termos de fu-turo.” A “insegurança” é para a professora a causa de todos os problemas.

Mais greves não!

Neste cenário, a actuação dos sindicatos merece alguns reparos da professora. “Acho que a prioridade de actuação não deveria passar tanto pelas greves, mas por procurar estabelecer uma ligação com o Ministério da Educação através de uma via mais suave.” O melhor a fazer seria “amansar um bocado as feras”, graceja a professora. Mas essa sua visão não encontra feedback na propaganda sindical que Bianca diz receber. “Os panfletos que recebo em casa apelam sempre à ‘luta contra’ ou ‘à greve’”, lamenta Bianca, recordando que toda a acção que se repete acaba por perder a sua eficácia. O “alarmismo” com que vê os sindicalistas tratar certas questões também lhe merece críticas. Bianca Almeida vê como excessi-

vas algumas declarações dos sindicalistas que ouve na televisão, sobretudo no que toca à legislação ministerial. “Um decreto-lei pode ser interpretado de várias maneiras, mas acho que muitas vezes os sindicatos só destacam os pontos ne-gativos…” Apesar de, como insiste em dizer, “ter uma relação aberta com a direcção da es-cola”, Bianca Almeida recorre várias vezes ao seu sindicato. Interessam-lhe as acções de formação que são promovidas pela organização. E é essa parte “forma-tiva” que se reflecte na nota que a professora atribui à actuação sindical: 10.

Pedro Graça, 40 anosProfessor – associado e membro do conselho pedagógico da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação12 anos de serviço

Uma preocupação de quem participa em órgãos de gestão – como é o seu caso – é a “qualificação pedagógica dos docentes”, diz Pedro Graça, que critica o fac-to de a progressão na carreira ser feita apenas a partir de indicadores de produ-ção científica. “São um factor de qualidade pedagógica, mas não só”, observa o docente. “Um professor pode escrever vários ‘papers’ por ano mas estar pouco apetrechado para divulgar ciência numa sala de aula”, diz. “No ensino superior faz falta uma forma de valorizar os docentes que investem na investigação e ao mes-mo tempo têm boas capacidades pedagógicas”, acrescenta Pedro Graça.

Problemas no Superior

Entre outras preocupações sobre o estado do Ensino Superior, Pedro Graça des-taca a “fuga de cérebros”, ou seja, “a procura dos bons profissionais para outros campos que não a docência”, algo que diz acontecer “sobretudo na área das ciên-cias”. O problema, aponta Pedro Graça, é económico. “Muitas vezes um professor do ensino público consegue ter um rendimento superior trabalhando apenas meia dúzia de horas fora da instituição de ensino.”

Sindicatos mais virados para a formação

Por tudo isto, Pedro Graça gostaria de ver os sindicatos a apostar mais na área da formação. Essa devia ser cada vez mais uma das atribuições sindicais. No en-tanto, “o sindicato ainda é visto como um corpo reivindicativo ao qual se recorre quando se tem problemas com a entidade empregadora”, alerta. O ideal seria que o sindicato actuasse como um parceiro mais presente no que toda à “construção da carreira”, na procura de cursos e de formações.

Andreia Lobo

ANA ALVIM

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��

a página da educação · outubro �007

/ SAÚDE escolar

Num hospital psiquiátrico para crianças Jesse, um jovem pintor queniano aperta mãos, troca e encontra a ins-

piração para as suas obras que descrevem um universo perturbado.

“Não encontro ideias observando o céu. Exploro os meios que são estigmatizados e de que as pessoas têm

medo”, explica Jesse Seng Ang, de 25 anos. Num mundo à margem que é o motor da sua obra, Jesse sente-se

em casa: alguns dos seus parentes sofrem de doenças mentais. Em 2006, recebeu uma bolsa para ir pintar nos

Estados Unidos. “Ali, não me autorizavam a entrar nos hospitais psiquiátricos.” Ficava louco, não tinha inspira-

ção. Terminei as minhas telas e voltei ao Quénia”.

Para “atelier”, Jesse utiliza o centro de reabilitação Daraja [“ponte” em swahili], que acolhe crianças das ruas

de Nairobi. Pinta na sala onde as crianças, sentadas na terra, sonham com uma vida melhor enquanto assistem

a um filme.

“Certas pessoas dizem que as minhas pinturas são deprimentes, mas há sofrimento por toda a parte”, diz o ar-

tista. Jesse luta também: expôs nos Estados Unidos e no Quénia, vende telas, essencialmente a Ocidentais, mas

continuou sempre a trabalhar como cabeleireiro para ganhar a sua vida neste país pobre da África do Leste.

Jesse, nunca estudou arte mas lançou-se na pintura em 2003, depois de ter trabalhado como cartoonista para

um jornal local queniano. “Não era feliz, não ganhava muito dinheiro e não tinha liberdade, parei”, recorda-se.

“Queria ajudar, e encontrei a inspiração para as pinturas no voluntariado”, conta. Porque além de pintar, Jesse

compartilha o seu saber: tenta aconselhar as famílias dos doentes que sofrem de perturbações psiquiátricas,

geralmente abandonadas no Quénia e dá cursos de pintura às crianças errantes. “A pintura, é extraordinária para

as crianças de rua ajuda-as a crescer.”

AL/ Fonte: AFP

PINTURA e CIDADANIA

Crianças de rua inspiram artista queniano

A actividade física é um dos determinantes da saúde que deve ser desenvolvido em meio escolar. O exercício físico regular, além de ser um importante componente no crescimento e desenvolvimento do sistema músculo-esquelético, contribui pa-ra a diminuição do risco de obesidade infantil. Os estudos nacionais apontam para uma prevalência do excesso ponderal em cerca de um terço na população escolar, esteja-se a mesma a referir ao jardim-de-infância, ensino básico ou secundário.Por outro lado, estudos científicos têm apontado uma relação entre o exercício físico regular e um melhor desempenho escolar nas crianças. A nível dos adoles-centes, os estudos associam-no a uma menor probabilidade destes se tornarem fumadores, bem como adoptarem outro tipo de consumos nocivos, e, no que diz respeito aos jogos em equipa, a um desenvolvimento de competências na área das capacidades sociais, ao promover a integração social.As vantagens não se ficam por aqui. Sabe-se que os comportamentos praticados pelos jovens serão mais facilmente replicados na vida adulta, pelo que a conti-nuidade da prática de exercício físico nesse ciclo de vida está associada a uma redução do risco de morte prematura, dado diminuir o riscos de algumas doenças, sejam elas do foro cardio ou cerebrovascular, músculo-esquelético, metabólico, cancerígeno e psiquiátrico. Por outro lado, as próprias crianças portuguesas obe-sas já começam a manifestar patologia cardiovascular e metabólica, além desta doença crónica estar associada a uma baixa auto-estima, mau rendimento e ab-sentismo escolares.No ambiente obesogénico que actualmente se vivencia – isto é, um ambiente que encoraja comportamentos que aumentam o risco de obesidade – e numa altura

em que se estima que o sedentarismo é responsável por 1 milhão e 900 mil mor-tes a nível mundial, e que dois terços da população mundial não realiza exercício físico regular, é importante definir que quantidade de exercício é necessário para ser benéfico à saúde.Se nos adultos se deve realizar 30 minutos diários de actividade física cumulativa moderada (por exemplo, caminhar, andar de bicicleta, dançar ou praticar jogos recreativos), as crianças e adolescentes necessitam de complementar esta activi-dade com a prática efectiva de 20 minutos adicionais de actividade física vigorosa, três vezes por semana. Já para controlar o peso, se recomenda, pelo menos, 60 minutos diários de actividade física vigorosa ou moderada.Nas escolas, a prática da actividade física encontra-se prevista nos programas do 1º ciclo básico, na área curricular disciplinar da expressão e educação físico-mo-tora, de frequência obrigatória, estando a educação física prevista também nos restantes ciclos de ensino, sendo este um espaço privilegiado para que os jovens possam realizar o exercício físico adequado. Além de programas desportivos es-colares, outras iniciativas desportivas e actividades físicas providenciadas fora do horário escolar são algumas das estratégias que a escola pode utilizar para a pro-moção da actividade física regular. A escola tem, deste modo, a responsabilidade acrescida de ser o local privilegiado de luta contra um mundo promotor do seden-tarismo. É importante pôr as crianças e os jovens a mexerem-se todos os dias!

Nuno Sousa

Médico de saúde pública, Porto

IE/FN

Os alunos estãodemasiado quietos…

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a página da educação · outubro �007

��DA CIêNCIA e da vida /

Foto ciência com legenda

Situada na grande nuvem de Magalhães, a Tarântula,

também chamada de 30 Doradus é a maior nebulosa

difusa que se conhece. A sua massa representa cerca

de 500 000 vezes a do Sol e estende-se por uma área

de mais de 6000 anos-luz, embora a sua parte mais

visível tenha um diâmetro de apenas 700 anos-luz.

No centro desta vasta nuvem de hidrogénio ioniza-

do é possível observar um aglomerado de estrelas

jovens muito quentes que formam um núcleo muito

brilhante com 80 anos-luz de diâmetro, o R136. É

neste enxame compacto de estrelas que é produzi-

da a maior parte da energia. Esta mesma energia é

depois emanada por acção do vento resultante das

explosões estelares, o que lhe confere uma forma se-

melhante a uma aranha, daí o seu nome.

Foto: WFI, MPG/ESO telescópio de 2,2 m, La Silla, ESO

Nebulosa Tarântula

A história do conflito entre os promo-tores de um empreendimento imobi-liário americano e os advogados da protecção de um pequeno rato salta-dor, referida na crónica anterior, tem o seu quê de burlesco mas constitui um paradigma das questões que hoje se levantam repetidamente em relação à conservação da biodiversidade. São assuntos que causam frequentemente discussões acesas e tomadas de po-sição vincadas em torno de “o que é que vale realmente a pena preservar” e “o que é importante para o bem estar e desenvolvimento humano”. O papel da Ciência e dos cientistas neste contexto é também paradigmático do seu papel na sociedade em geral, sendo por is-so um exemplo muito interessante de discutir. A Ciência procura obter uma descrição e explicação útil do modo de funcionamento do universo que nos rodeia. Poderá chegar à conclusão de que determinado elemento de um sis-tema é necessário para o seu funcio-namento, ou que a sobrevivência de A depende de B. Mas não lhe compete atribuir valores, classificações de bom ou mau. E a resposta a estas perguntas é uma resposta sobre valores. A defini-ção de valores e a tomada de decisões subsequentes tem de ser feita pela sociedade como um todo, com base

no conhecimento científico que detém mas, sobretudo, nos princípios filosófi-cos e éticos em que se alicerça. Afinal, por quê valorizar a biodiversida-de? Em termos gerais, podem apon-tar-se três razões: porque podemos vir a precisar dela – valores associados à utilidade; porque gostamos dela – va-lores associados ao prazer e à estéti-ca; ou porque achamos que devemos – valores associados à ética ou moral. A obtenção de um consenso universal torna-se, evidentemente, muito difícil. Mas numa era em que as acções hu-manas sobre o ambiente estão a de-sencadear alterações tão rápidas, esta é uma discussão essencial. A Ciência diz que ritmo de desapareci-mento de espécies vivas na actualida-de é muito superior à taxa de extinções observada noutras eras. Mas isso é bom ou mau? Afinal, a extinção de es-pécies é um processo natural. Poder-se-á argumentar que o problema é que as extinções actuais são consequência da actividade humana e que, por isso, se trata de um processo artificial, lo-go, mau. Mas se considerarmos que o ser humano é parte do mundo natural, então as consequências da sua acti-vidade também o serão. Onde reside, afinal, o problema?Como parte do mundo natural, o ser

humano também depende e beneficia dele. O desaparecimento de certas es-pécies ser-lhe-á, assim, prejudicial. O prejuízo pode ser imediato - temos de nos habituar a viver sem bacalhau?; ou potencial - será que aquela planta rara da amazónia contém uma nova subs-tância terapêutica?Por outro lado, sabemos que os seres vivos integram redes complexas de in-teracções e fluxo de matéria e energia, os ecossistemas. O desaparecimento de uma espécie chave pode pôr em causa o equilíbrio de toda esta estrutu-ra, repercutindo-se também nas condi-ções de vida da humanidade. A aplica-ção deste critério assume hoje um lugar importante na política de conservação. Mas como ter a certeza se uma espécie é realmente fundamental para o funcio-namento do ecossistema? Não é raro sermos surpreendidos pela nossa fal-ta de conhecimento. Quando as gran-des árvores começaram a desaparecer do parque natural do Yellowstone, nos EUA (e com elas os castores, o que por sua vez provocou modificações no cur-so dos rios e efeitos nas condições bio-físicas da região), não foi de imediato evidente que se tratava apenas de uma consequência do desaparecimento do lobo (e do resultante aumento da popu-lação de veados que destruíam as árvo-

Conservação da biodiversidadea ciência e os valores

res jovens). Mas mesmo que se conclua que determinada espécie não “oferece” nenhum “serviço” essencial, implicará isso que não merece ser protegida? Estes exemplos sublinham como a te-mática da biodiversidade proporciona uma oportunidade extraordinária de discussão actual e interdisciplinar para explorar nas escolas, pelo que vale a pena voltar a abordar.

Margarida Gama Carvalho

Instituto de Medicina Molecular e Faculdade

de Medicina de Lisboa

IE/FN

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�4

a página da educação · outubro �007

/ O ESPíRITO e a letra

A conferência mundial de Berlim espera reunir 8 mil milhões de dólares destinados ao Fundo Mundial de luta

contra o HIV, a tuberculose e a malária.

Representantes de cerca de 30 países participaram nesta conferência de dois dias para discutir a elaboração de

um projecto-piloto para o Fundo durante o período 2008-2010, com a esperança de reunir entre sete e oito mil

milhões de dólares.

A conferência começou com a assinatura de uma nova iniciativa que pretende reverter parte das dívidas contra-

ídas por diferentes países para o Fundo Mundial.

A Alemanha renunciou assim a um total de 50 milhões de euros que a Indonésia lhe devia depois deste país se

comprometer a dedicar metade ao Fundo Mundial.

“A luta contra a pobreza mundial e as doenças ligadas à pobreza são um dever para os países ricos”, afirmou

a ministra alemã do Desenvolvimento Heidemarie Wieczorek-Zeul, que considerou que a nova iniciativa re-

presenta “um ganho para todas as partes envolvidas”.O presidente do Fundo Mundial, Michel Kazatchkine,

destacou este acordo, considerando que “é a primeira vez que dívidas bilaterais são revertidas em benefício

de um fundo multinacional”. O HIV, a tuberculose e a malária são as principais doenças que afectam muitas

regiões no mundo.

AL/ Fonte: AFP

DESENVOLVIMENTO

Dívidas revertem a favor do Fundo Mundial de luta contra o HIV

Oitocentos anos de História, dizem, espalhados por outros tantos quilómetros de costa peninsular e marítima, paisagem dividida em duas partes pelas águas do Tejo, que corre de Albarracim e atravessa calmo as terras de Aranjuez e Toledo, desaguando as suas mágoas no coração da capital lisboeta já sem fragatas, faluas ou bergantins de outros tempos. Olha-se e percorre-se esta faixa continental em dois tempos, é um modo de dizer, não há muito mais para nos causar espanto. O que sobra da paisagem é ainda esse sal de um colectivo desespero na procla-mada brandura dos nossos costumes. Tretas! Somos diferentes de outros povos por sabermos silenciar o desencanto que ciranda num e noutro sentido. E pouco mais. Antes de Abril, o flagelo fascizante vigiava todos os actos e palavras; depois de Abril, outras desvairadas águas passaram por debaixo da ponte que foi Salazar de má memória. Mas não aprendemos muito. O que resta da nossa aventura pelos longes dos anos já corridos, não basta para encher o saco da viagem que acabou em Novembro triste de 1975. Na cobardia escondida e encapotada dos bombistas ou no cruzar das espadas para outras futuras revoluções. Talvez necessárias, mas ainda por haver. E na saudade que guardo de Alexandre O’Neill, na admiração pela poesia que de si sempre posso ler e no silêncio em que repousa no cemitério de Benfica, o Poeta de “Feira Cabisbaixa” ainda me diz ao ouvido:

Ó Portugal, se fosses só três sílabas, linda vista para o mar, Minho verde, Algarve de cal, jerico rapando o espinhaço da terra, ó Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato.

E a seu modo, num estilo bem pessoalíssimo, Fernão Lopes foi cronista implacável do seu tempo, mesmo que nas andanças pelos paços reais focasse de preferên-cia o quotidiano da época que caminhava lenta, sem as arrelias e perturbações do nosso tempo incómodo e fatigante. Mas ser cronista deste tempo e mundo, estar bem atento ao que se passa intramuros numa cidade como Lisboa, capital-do-país-todo, não é tarefa que agrade, por ser preciso ter uma atenção lúcida e intervencionista. E, mesmo com simpatia, Lisboa não se pode encarar de olhos vesgos e sem um sorriso nos lábios: existe de tudo nesta grande-pequena cida-de europeia, nos anos iniciais do século vinte e um, acontece um pouco de tudo nesta urbe com mais de um milhão de habitantes à hora de ponta, no vaivém dos cacilheiros de uma para a outra banda. Não se conhecem bem os limites da cidade e não se pode percorrê-la numa noite como el-rei fazia ledo ao som das trompas de prata. Lisboa cresceu, estendeu-se, tem muita gente que não é daqui, e isso pouco importa. Lisboa não passa de um corpo macrocéfalo e alguns quilómetros de extensão, e é hoje, como dizem os cartazes espalhados em cada esquina, um pólo de atracção turística ou esse “slogan” já gasto de ser o eixo fulcral de muitos negócios, hoje contados em milhões de euros em tempo de comunidade europeia. Cidade que cativa as gentes que chegam da província e se instalam, como podem e é possível, nos arredores que entram cada vez mais pela cidade adentro. E assim, mesmo com alguma simpatia, Lisboa é uma cidade grande, largos milha-res que trabalham, comem, dormem, passeiam, divertem-se, vão muito ao futebol e menos ao cinema e ao teatro, lêem os jornais, sobretudo os desportivos, claro, vão às docas de Alcântara, a Alfama, ao Bairro Alto, às Amoreiras ou ao Colombo, frequentam ainda às casas típicas, bares e discotecas, já não têm a Feira Popular

ou o Parque Mayer, mas gozam ainda que se fartam na Feira da Ladra e do Re-lógio, passeiam pelo Parque das Nações, vão ao Casino de Lisboa perder alguns maravedis que lhe fazem falta para outras coisas na triste ilusão de enriquecer do pé para a mão, coitados, visitam o Centro Cultural de Belém e a colecção Berardo para excursionista ver - enfim, as gentes lisboetas passam o tempo enquanto o tempo deixa, nas vinte e quatro horas do dia, sofrem muito quando o Benfica ou o Sporting perdem ou passam os dias de Verão na Trafaria e na Caparica, mas di-zem aos vizinhos que foram lavar o corpo nas areias de Punta Cana ou Maldivas. Vivem numa agitação constante e o barulho ensurdecedor do trânsito e, por mais viadutos, túneis, crel’s e cril’s que se construam as dores de cabeça não desapa-recem e juntam-se às do orçamento familiar tão desequilibrado. Em Lisboa vive-se como se pode, estendem-se as pernas, vê-se a Gina Llolobri-gida que chega toda sorridente ao aeroporto da Portela para uma festa da Lili Ca-neças ou qualquer programa televisivo demasiado pobre e goucha... Em Lisboa, no começo deste século e já depois de Abril ter chegado e colocado a capital em polvorosa por pouco tempo, na memória de uma classe política na sua maioria inculta mas ávida nas manigâncias do poder, que despontou e até hoje não se re-novou, neste século que não é de outras luzes e certamente de outras trevas, com um governo socialista e socrático sem bússola que o oriente e trace outro rumo, mas afinal não passa de um barco à deriva que a todos nos aflige, vive-se como se pode e nos deixam, já que este pedaço de sol e de céu azul é pago a peso de oiro, fica caro, e ninguém faz contas... Por isso, ser cronista de Lisboa é talvez correr o risco ou o perigo de ser moiro nos domínios de el-rei ou judeu que “depois do sol-posto fosse achado pela cidade” e “com pregão publicamente açoitado por isso”... Mas Lisboa tem muito de provin-ciana, a par de um cosmopolitismo disfarçado ou encoberto de ser ou ainda querer ser “capital da cultura” neste ano da graça de 2007. E todavia não é cosmopolita quem quer, nem é civilizado quem mais o deseja. E assim o queirosiano homem de Tormes de “A Cidade e as Serras” continua vivo em qualquer cidadão pacato e burguês desta Lisboa moderna, segue ao volante de um Chevrolet emprestado, como era o de Álvaro de Campos pela estrada de Sintra ao luar e ao sonho, a loira mulher espigadota e fartota num saia-e-casaco enfeitado de malmequeres verme-lhos e azuis, os filhos guedelhudos no banco de trás, em passeio arrastado pelo Estoril, Cascais, Guincho, Malveira da Serra, Praia Grande, Colares ou Sintra de todos os devaneios. Mas ser contemporâneo desta nossa boa gente nestes anos iniciais do novo milénio, já depois de todas as tormentas dobradas e passadas, é na realidade ser talvez parente pobre de um futuro de que mal se vislumbram as raízes da própria árvore da vida. Não sei. E ainda evoco estes versos do irmão da Ophéliazinha a quem Pessoa escreveu cartas de amor que “nunca foram ridí-culas”, esse Carlos Queiroz que foi um poeta triste, esquecido e nascido há cem anos e de quem quase ninguém se lembra, que proclamava com sincera ironia:

Português e vivoÉ diminutivo.Só fazemos bemTorres de Belém.

Serafim Ferreira

Escritor e critico literário

Lisboa, o Tejo e o resto

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a página da educação · outubro �007

�5DO SECUNDáRIO /

O que espera do próximo ano lectivo?

A demissão da Ministra da Educação

45%

Vai melhorar

07%

Vai piorar

��%

A continuação deste

�4%

Total Respostas: 1.100

Oferta: portes por envio à cobrança

�0%Descontos

Livraria on-linehttp://www.profedicoes.pt/livraria/

PROFEDIÇÕES, Lda

Inquéritos On-line

qual a sua posição em relação à divisão da

carreira docente entre professores e professores

titulares?

Absolutamente contra

7�%

Relativamente contra

09%

Relativamente a favor

1�%

Absolutamente a favor

0�%

Total Respostas: 1.0�9

Na sua opinião a generalidade dos portugueses está:

Muito mais felizes que há 20 anos

0�%

Mais felizes que há 20 anos

11%

Menos felizes que há 20 anos

��%

Muito menos felizes que há 20 anos

��%

Total Respostas: 990

A precariedade do emprego é uma:

Fatalidade

0�%

Escolha política favorável só ao capital

�4%

Uma boa opção política

04%

Incógnita para mim

0�%

Total Respostas: 988

Apesar de todos os actores do sistema educativo, seja no ensino secundário seja noutros níveis de ensino, incentivarem os alunos a estudar regular-mente na sequência do que vão fazendo na sala de aula, a verdade é que não há notícia de a gene-ralidade dos alunos ler os manuais escolares (ou outros livros) ou fazer (por si sós, sem explicado-res) as tarefas/problemas/exercícios desses ma-nuais. Algumas pessoas até acham que a partir do ensino secundário o aluno deve ter autonomia para trabalhar por si só pelo que não se justifica enviar trabalhos para casa. Contudo, é frequente os professores se lamentarem de os alunos só te-rem dúvidas na véspera dos testes!Ora, o trabalho regular do aluno é uma condição essencial da aprendizagem. E um aluno que não consiga por si só resolver problemas significativos ou descobrir quais são as dúvidas que tem, não es-tá na realidade a aprender. Só se o aluno trabalhar efectivamente, na sala de aula e fora dela, é que po-demos dizer que o aluno está no centro da apren-dizagem. Mas a generalidade dos alunos do ensino secundário só trabalha “na véspera dos testes”.Por outro lado alguns alunos muitas vezes tam-bém se lamentam não só de os professores não li-garem aos trabalhos de casa que até fizeram, mas também de estes não serem devidamente valo-rizados (“só conta a média dos testes”) e assim frequentemente desistem de os fazer. Na minha opinião tudo isto é uma consequência nefasta de, na realidade e ao contrário do que de-fensores e opositores julgam, não haver (em geral) avaliação contínua no ensino secundário. Acho que o que faz aqui falta são tanto orientações pre-cisas sobre o que professor espera que o aluno faça, como a valorização real do trabalho feito na sequência dessas orientações. Em particular, não só deve haver trabalho de casa, como deve ser claro para o aluno qual o peso do trabalho de casa na avaliação final (um mínimo de 10% – 2 valores em 20 – parece-me essencial).

Revalorizando o trabalho de casa no Ensino Secundário

Entendo que um professor, seja qual for a disciplina, deve, em cada semana, indicar aos alunos que tarefa estes devem desenvolver em casa; pode ser ler um excerto do manual escolar e escrever numa frase sobre qual é na sua opinião a ideia principal, pode ser resolver um problema, pode ser in-vestigar dados para um determinado trabalho, etc.Havendo verdadeiramente avaliação contínua, todo o trabalho deve ser valorizado; para poder ser valorizado, ou o professor toma notas sobre a prestação do aluno na sala de aula como consequência directa do trabalho de casa, ou o professor re-colhe as produções escritas dos alunos e as anota ou corrige.O trabalho de casa tem uma outra importância fulcral que, na minha opinião, é frequentemente subestimada: é aquele que permite mais facil e focadamente que professores e alunos identifiquem as dificuldades reais no tema que está a ser tra-balhado; assim, os professores podem retomar alguma (e só essa) ideia, sabendo que é aí que os alunos têm mais dificul-dades, os alunos ficarão alerta de que afinal não dominam tal questão e prestam redobrada atenção ao que o professor diz para a ultrapassar; se o aluno não receber retorno contínuo so-bre o seu trabalho, nem consegue progredir devidamente, nem podemos dizer que haja verdadeiramente avaliação contínua.Não menos importante: os “trabalhos de casa” não precisam de ser feitos “em casa”. Sabemos que muitos alunos, pelas mais variadas razões, não têm condições em casa para tra-balhar; a escola deve fornecer salas de estudo, com acompa-nhamento especializado, para ajudar os alunos a fazer esses trabalhos; é até de incentivar que os alunos recorram a aju-da para fazer os trabalhos de casa desde que tenham uma participação real no resultado final. Depois, na sala de aula, o professor tem muitas maneiras de saber se o trabalho foi essencialmente feito pelo aluno ou por uma terceira pessoa.Em suma, não há verdadeiramente avaliação contínua sem se valorizarem os trabalhos de casa (ou melhor dito, os tra-balhos feitos fora da sala de aula) no ensino secundário (e devo acrescentar, também no ensino superior). Revalorize-mos pois o trabalho feito pelo aluno fora da sala de aula.

Jaime Carvalho e Silva

Departamento de Matemática

Universidade de Coimbra

IE/FN

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a página da educação · outubro �007

/ SOCIEDADE e território

A cadeira de Ecologia Urbana do 5º ano, da Licenciatura em Arquitectura, orientou-se, como nos anos anteriores, numa perspectiva estratégica sobre o desenvolvi-mento ecologicamente sustentável usando-se uma metodologia de investigação, viagens de estudo, conferências e workshops que permitiram a realização dum dossier e de um blogue da referida cadeira (http://ecologiaurbana.blogspot.com).O painel exposto é apenas uma parcelar “imagem-desejo” realizada pelos alunos, que testemunha um projecto sensível, susceptível de vir a ser concretizado no fu-turo. Esta estratégia pedagógica pretende dar visibilidade ao invisível, permitindo potenciar “o princípio da esperança” (Ernest Bloch) de maneira a que o elemento utópico ganhe uma dimensão do possível concreto.Este texto-manifesto, escrito pelo professor da cadeira, constituiu um propósito pedagógico que deu corpo à reflexão e investigação feita durante o ano lectivo e que alargou o objecto de estudo do ano anterior, circunscrito apenas ao edifício da FAUP, para um território mais vasto – Pólo Universitário. Assim a estratégia foi transformar um campus abandonado e triste num Eco-Pólo.

Tema: Concurso de Ideias Proposto pelo Conselho de Ministros do Governo de Transição do Ano I da Era Ecológica

1. Pressupostos

Os desafios que a humanidade terá de enfrentar nesta nova era ecológica são: 1. O esgotamento energético, as poluições globais e em especial as mudanças

climáticas; 2. A emergência duma urbanização crescente (desertificação do interior, centra-

lismo das megapólis e aparecimento das metapólis);3. A comunicação global na era da informática (indústria cultural e redes de Internet); 4. O aparecimento de novas dinâmicas sociais (novas relações sociais e familia-

res, movimentos migratórios inter e transculturais); 5. Os condicionalismos sócio-económicos (novas formas de trabalho e formação

bem assim como desemprego e mobilidade social alargando cada vez mais o grupo de seniores com capacidade de intervenção cívica e social mas que dei-xaram o mundo habitual do trabalho e também o aumento da exclusão social);

Na arte, a cultura e o ensino têm uma crise instalada que mostra a encruzilhada em que vivemos mas pré anuncia também uma viragem necessária.

E essa hora da mudança chegou.É necessária uma revolução cultural e eco-tecnológica. E a Universidade está no centro das grandes transformações.

2. Linhas de Força

O fosso que tem existido entre as instituições universitárias e o público em geral, é fruto da crise instalada na própria sociedade.Hoje, exigem-se quadros dinâmicos capazes de uma aprendizagem concreta. É preciso produzir uma cultura futurante, cada vez mais ligada a uma vida que se vai transformando diante dos novos desafios. O ensino ligado à Vida é essencial para a emergência deste novo paradigma ecológico!

3. Tarefas

O empenhamento pessoal e a participação cívica são valores imprescindíveis para a democracia social.Também a formação contínua ajudará a ultrapassar as injustiças dos acessos ao saber e permitirá a emergência duma sociedade de cooperação face à sociedade de exclusão social.A formação cultural junto da imigração é cada vez mais importante, criando-se uma dinâmica mais rica para a cultura e para a sociedade, graças à multi, inter e transculturalidade.A delinquência e a xenofobia têm que dar lugar ao diálogo de civilizações e ao enriquecimento mútuo das culturas, graças às diferenças.Os seniores constituem um factor importante. Cada vez é maior a massa de cidadãos disponíveis para uma vida social, criativa e cívica se lhes for facultada uma adequação sócio-pedagógica da vida pós-laboral em prol da comunidade e do interesse público.

4. Os meios práticos

As Universidades deverão ser dotadas de oficinas criativas.A sensibilização ecológica aos materiais, às energias e aos valores do desenvol-vimento ecologicamente sustentável, devem ser vivenciados e apreendidos em todos os espaços adequados e adaptados a uma formação transdisciplinar.

Um Pólo Universitário melhor é possível

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�7SOCIEDADE e território /

As salas bioclimatizadas, os utensílios e mobiliário pedagógico e até mesmo o jardim agro-ecológico, constituem a eco-logística para todos os sectores da Universidade.Na zona central do Campus Universitário situa-se a mediateca com oficinas. A pro-dução de documentação mediática (livros, fichas pedagógicas, revistas, discos com-pactos, dvd, etc.), realiza-se na oficina de multimédia articulando um espírito crítico com vocação sócio-pedagógica para implementar o pensamento reflexivo (filosofia).A cantina, a piscina biológica e o ginásio, constituem várias estruturas espaciais disponíveis para estudantes e para a comunidade envolvente. Também outras es-truturas pedagógicas, em horários diferentes, estão disponíveis para a população em geral e constituem o apoio à formação contínua: as oficinas do imaginário, o teatro e o cineclube, os vários ateliers de escultura, pintura, cerâmica e desenho, clubes de leitura e de escrita criativa.Outras oficinas irão constituir uma ligação à arquitectura, paisagismo e urbanismo: . Eco-construção; . Eco-urbanismo; . Energias renováveis;Diversas manifestações culturais: ciclos de cinema e teatro, exposições, festivais, conferências e work-shops, serão organizados para toda a cidade, retirando à uni-versidade o carácter de “gueto” em que funcionava no passado.

5. Sócio-Pedagogia / Métodos

Dumazedier, Ivan Illich e Edgar Morin são exemplos defensores de democraticida-de e participação das populações no processo cultural.É preciso cultivar um olhar macroscópico, articulando o global com o local e a singularidade com a universalidade, de modo a aprofundarmos a cidadania parti-cipada e consciente na estratégia e gestão da futura eco-pólis.

Para isso, é preciso também alargar a intervenção sócio-pedagógica a outras re-giões, participando na descentralização cultural do País.

6. Programa Logístico

O núcleo essencial do espaço do Campus Universitário assenta numa estrutura cultural (mediateca, biblioteca, arquivo, audiovisual, cinemateca, teatro) e numa estrutura ligada à saúde e bem-estar. Várias áreas de educação física e a pisci-

na biológica ligam-se à zona de jardins onde se encontram também o jardim de Infância, o ATL e o Jardim de Aventuras para crianças. Sistemicamente ligado a essas estruturas aparecem as actividades agro-ecológicas constituídas por hor-tas, pomares e pequeno bosque que servem de investigação-acção no ensino e fornecem a base alimentar para a cantina. A este sector agroecológico ligam-se também jardins filtrantes para a reciclagem da água. A reserva de água ligada à piscina biológica é alimentada pelo aproveitamento das águas, nomeadamente pluviais, recolhidas nos telhados dos vários edifícios.O sistema climático desses edifícios integra vários processos passivos de biocli-matização (estufas, telhado verde, poço canadiano e poço provençal, geotermia, etc.) utilizando também o apoio das energias renováveis como a energia solar, eólica e biomassa.Todos estes edifícios foram estruturados em termos bioconstrutivos tornando-se sustentáveis ao nível das energias renováveis, sendo mesmo capazes de produzi-rem energia renovável excedente para uso da comunidade.Os protótipos de energias renováveis (eólicas, acumuladores termosolares, pai-néis de fotopilhas, etc) constituem uma mini-central do Campus que permite dis-ponibilizar toda a energia renovável para a cidade.As várias Faculdades e Departamentos do Campus Universitário cuidarão dos vários sectores que referimos e que serão campos de trabalho para a própria eco-aprendizagem. 7. Organização das Etapas

Organizar um plano onde se refira a transição das várias etapas construtivas e do funcionamento das futuras actividades. Mostrar nesse plano a metamorfose orgâ-nica do território nas várias etapas temporais.

Jacinto Rodrigues

Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

NOTA: As imagens foram organizadas pelos alunos Ana Simões, Ana Carolina Coelho, Nuno Duarte, Sara Ribeiro, Daniela Marques e Vítor

Segarra com o apoio da restante turma.

Dar visibilidade ao invisível

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/ EM PORTUGUêS

O presidente boliviano, Evo Morales, criticou a ideia dos biocombustíveis, fazendo um ataque indirecto ao dis-

curso do presidente Luís Inácio Lula da Silva na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas.

“Não consigo entender que possamos transformar alimentos agro-pecuários em combustível para carros”, disse

Morales no plenário da Assembleia Geral.

No dia anterior, o presidente do Brasil afirmou: “O mundo precisa desenvolver urgentemente uma nova matriz

energética”, na qual os biocombustíveis terão “um papel vital”. “A experiência do Brasil em três décadas mostrou

que a produção de biocombustíveis não afecta a segurança alimentar”, disse Lula.

Morales denunciou ainda que parlamentares bolivianos e membros de seu governo têm enfrentado dificuldades

para entrar nos Estados Unidos, como ocorre com as delegações de diversos países. “Alguns países vêm para

cá para serem ameaçados pelo dono da casa (...) o presidente Bush”, disse Morales. Se esta situação persistir,

“devemos mudar a sede das Nações Unidas”.

Morales, referia-se às palavras de Bush, que, referindo-se a Fidel Castro, disse na Assembleia Geral da ONU

que “o regime de um ditador cruel aproxima-se do fim”.

JPS/ Fonte: AFP

DEBATES NA ONU

Morales ataca biocombustíveis na Assembleia Geral da ONU

Nas muitas e merecidas homenagens que já tiveram lugar em várias zonas do país, para comemorar o centenário do nasci-mento (12 de Agosto) de Miguel Torga, não demos por nenhu-ma voz (expressivo augúrio?) que, alegando o apego do Poeta à terra ibérica, o evocasse para defender a integração de Por-tugal na Espanha, como terapêutica que alguns “managers” e “vencidos da vida” recomendam contra as cíclicas crises eco-nómicas que, segundo eles, resultam da nossa “pequenez”. Seria uma errónea alegação. É que, iberista até ao cerne, Torga, mesmo se visse, hoje, desolado, como numerosos portugueses, desertando de uma pátria imersa em mais uma profunda depressão económico-cultural, se estão a trans-ferir, e uns tantos com armas (o capital) e bagagem (a famí-lia), para Espanha, e como os espanhóis estão a comprar ao desbarato as terras incultas e abandonadas, de Norte a Sul de Portugal, para nelas implantarem indústrias e fazendas agropecuárias, não admitiria nenhuma espécie de “rendição” ou “entrega” ao “inimigo histórico” de outras eras.Torga distinguia muito bem o que significava a Castela hege-mónica, a Espanha aglutinadora, a Ibéria matricial, a filipiza-ção e o franquismo, e o que da Mãe primigénia se transmitira em herança genética para as gerações vindouras, por último configuradas, já menos por laços de sangue do que por afi-nidades, em comunidades autónomas ou independentes, como Portugal.E tão ciosas elas da sua sobranceria e tão complacente o luso-ibérico Torga mesmo perante o sentimento possessivo dos irmãos genésicos separados pelos avatares da história, que, na sua viagem a Olivença, em 1954, apenas reco-nheceu que “também as terras murcham longe da pátria e também um burgo pode ter saudades e mirrar-se de melan-colia”, sabendo que Olivença, conquistada aos mouros por D. Afonso Henriques, fora anexada por Espanha, em 1801, aquando das invasões napoleónicas, e assim continuou ape-sar dos convénios internacionais que prescreveram a “de-volução”. E com a mesma condescendência ou resignação passou pelo arquipélago das Canárias, pouco tempo depois, onde só registou que “os portugueses de quinhentos deixa-vam padrões nos lugares que descobriam”, “esquecendo” que durante século e meio Portugal discutiu com Castela a posse do arquipélago, alegadamente visitado, antes de 1336, no reinado de D. Afonso VI, pela armada portuguesa. Mas embora complacente ou resignado, porque sentindo, quanto às pátrias, que “a regra, agora, é pensar em função de continentes e não de países e em vez de Portugal talvez fosse melhor escrever Europa”, visto que “o espaço vital diminui, e já nem como cidadão do mundo o homem respira com desafogo”, não abdicava de afirmar, imune às visões paracléticas do sapateiro Bandarra e do padre António Vieira (referindo apenas os “profetas” mais antigos), que “há um meio específico onde cada indivíduo é menos infeliz. E o meu é este, de que conheço as agressões possíveis, e de que me sei defender instintivamente.” (O que) “mais não é do que a expressão profunda da minha experiência histórica, social, telúrica, religiosa ou outra, vivida aqui.”

O iberismo telúrico de TORGAEste pensamento acompanhou-o até aos últimos dias da sua vida, em 1995. Já não ouviu o capitalista José Manuel de Mello e o jornalista José António Saraiva (repetindo o pes-simismo oitocentista de Antero de Quental e Oliveira Martins) interrogarem-se, em 2004, “sobre se valerá a pena o país continuar a existir ou se não será mais sensato integrarmo-nos na Espanha, porque os espanhóis nos governariam me-lhor.” Nem ouviu José Saramago - que escreveu, em 1980, porventura o mais telúrico romance português da sua obra, “Levantado do Chão” - declarar, em 2007, numa entrevista ao “Diário de Notícias”, sobre o futuro de Portugal na Península Ibérica: “Não vale a pena armar-me em profeta, mas acho que acabaremos por integrar-nos. Já temos a Andaluzia, a Cata-lunha, o País Basco, a Galiza, Castilla la Mancha, e tínhamos Portugal. (...) Não seríamos governados por espanhóis, have-ria representantes de ambos os países, que teriam represen-tação num parlamento único com todas as forças políticas da Ibéria, e tal como em Espanha, onde cada autonomia tem o seu parlamento próprio, nós também o teríamos.” Dando um sinal contrário, nas últimas páginas do seu “Di-ário” (1993) , Torga registava, depois de ter atravessado a fronteira já sem quaisquer empecilhos: “Mas nem por isso andei por Espanha dentro de coração solto. Confrontado com a realidade do poder crescente que por toda a parte nela verifiquei, a minha velha perspicácia de ibérico livre veio à tona agravada. A arrogância e o desprezo, que lia na ca-ra de cada interlocutor, causaram-me ainda mais engulhos do que no passado. A tese de Franco na escola militar foi a ocupação desta faixa ocidental em poucas horas. E a da generalidade dos demais espanhóis, mesmo civis, é indisfar-çadamente a mesma.” O “aviso” já o tinha feito muito antes. Diante duma Revolu-ção nacional que já era almejada por Antero, mas na qual Torga não via a esperança da regeneração política do pa-ís, confessava: “Apetece fugir, deixar de ver esta pátria que mais ninguém sabe reconhecer, gramatical, cívica e huma-namente, e onde o capricho de um galoado qualquer, a má disposição da sua amante ou a qualidade da aguardente que bebe mudam o curso de uma revolução. Mas abandoná-la de que maneira? (...) Mobilado de valores morais e sentimentais, telúricos, intelectuais e outros, prendem-me ao chão nativo amarras indestrutíveis. Para poder partir teria de meter no bornal o Marão, o Douro, o Mondego, a luz de Coimbra, a biblioteca e as vogais da língua. Sou um prisioneiro irreme-diável numa penitenciária de valores tão entranhados na mi-nha fisiologia que, longe deles, seria um cadáver a respirar.” Amenizava-o pensando que “é preciso ser contra isto, para ser por isto”- como o recordou Manuel Alegre, na comemo-ração em Coimbra. Por tudo isso, muitos o reconhecem como o escritor mais “português” do século XX e um dos maiores lusomundialis-tas de todos os tempos.

Leonel Cosme

Investigador. Porto

O meu iberismo é um sonho platónico de harmonia peninsularde nações. Todas irmãs e todasindependentes.Diário XV – 13/9/88

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�9OLHARES de fora /

Erva daninha

Quase 3 mil crimes foram cometidos em 2006 na In-

glaterra e no País de Gales por crianças com menos

de 10 anos, idade abaixo da qual nenhum processo

em justiça pode ser instaurado, de acordo com um

inquérito realizado pela rádio BBC 5.

De acordo com as estatísticas de 32 das 43 forças

polícias dos dois países, estas crianças, com menos

de 10 anos, foram suspeitas de ter cometido 2.840

crimes em 2006, dos quais 66 infracções de carácter

sexual.

Cerca de 1.300 infracções denunciadas foram incên-

dios voluntários e estragos. Mas crimes como a per-

seguição, golpes e feridas, também figuram entre as

acusações, é referido no inquérito apresentado.

Na Inglaterra e no País de Gales, apesar de antes

dos 10 anos não haver responsabilidade criminal,

estes delitos são registados pela polícia. Ainda que

representem uma pequena parte dos 5,5 milhões de

crimes cometidos em 2006, de acordo com números

do ministério do Interior.

Lawrence Lee, advogado de um dos dois rapazes de

10 anos que mataram em 1993 o pequeno James

Bulger, afirma que - como advogado de defesa - uma

redução desta idade legal não seria o mais indica-

do. “Mas se vestir o meu fato de cidadão, diria que

quando atravesso qualquer cidade e vejo a idade das

crianças que vagueiam como uma matilha de lobos,

então considero que reduzir a idade de responsabili-

dade criminosa para 8 anos é vital”, acrescentou.

Recorde-se que James Bulger, de dois anos, tinha

sido raptado de num centro comercial perto de Man-

chester por duas crianças que o torturaram e mata-

ram. Tendo sido condenados a prisão perpétua.

Contrariando esta opinião, Bob Reitemeier, da asso-

ciação “Children’s Society, acredita que o ideal seria

dilatar a idade de responsabilidade criminosa para

os 14 anos.

Em Inglaterra, apesar da sociedade ser atravessada

por correntes repressivas dominantes, ainda há quem

pense que a resolução da violência infantil passa por

outras medidas que não as meramente repressivas. E

há mesmo quem venha chamando a atenção para o

facto de o endurecimento, por parte da sociedade e

do Estado, contra a violência juvenil ter aumentado

essa mesma violência.

Numa entrevista à cadeia de televisão BBC News,

Bob Reitemeier chamou a atenção para contradições

evidentes da sociedade: “Reparem na forma como as

crianças são tratadas pelo governo e pela legislação:

devem ter 18 anos para votar, 16 anos para ter rela-

ções sexuais e 10 anos apenas para responder por

um crime. Não é um sistema muito lógico”, disse.

AL / Fonte: AFP

CRIMINALIDADE INFANTIL

Três mil crimes cometidos por crianças na Inglaterra e no País de Gales

Estudos sobre consumo e recepção constatam que a maioria das crianças e adolescentes preferem fil-mes de ação e se aborrecem com aqueles filmes que trabalham com grandes planos a subjetividade e com relatos intimistas. É possível afirmar que, ante as dificuldades de saber o que fazer com o passado e com o futuro, as culturas juvenis se consagram ao presente, ao instantâneo. São exemplo dessa cultu-ra do instantâneo as salas de bate-papo simultâneas na internet, videoclips e música no volume máximo nas discotecas, no interior dos carros, na solidão do walkman. As novas salas de cinema são pequenas, não só para otimizar a mercantilização dos espaços de entretenimento, mas para amontoar os especta-dores mais perto da tela e tornar mais intensa a vio-lência dos filmes, ampliar a sucessão de momentos em que se atropela a narração. A hiperrealidade do instantâneo, a fugacidade dos discos que precisam ser escutados em cada semana, a velocidade de in-formação e a comunicação fácil que a audição pro-picia levaram Zygmunt Bauman a afirmar que hoje “a beleza é uma qualidade do acontecimento, não do objeto (...) a cultura é a habilidade para mudar de te-ma e posição muito rapidamente” (Costa, 2002). Na mesma direção se posiciona George Steiner quan-do sustenta que “a nossa, é uma cultura de casino e de azar, onde tudo se aposta e corre perigo; na qual tudo está calculado para gerar um máximo de impacto e uma obsolescência instantânea” (Idem). Tudo se passa tão rápido que para milhões de jovens de classe média e média baixa, o modelo de triunfo social é ser um ex-big brother. Este “presentismo” não é uma característica pecu-liar dos jovens, pois é coerente com o modo co-mo as políticas neoliberais reordenam ou “desor-denam” as sociedades. O que fazer para reorientar este processo?Não é fácil, sem dúvida, desprendermo-nos de um pragmatismo em educação que reinou durante mui-tos anos nas aulas de nossas escolas, e situou nas aprendizagens instrutivas (conhecimentos) a finali-

O cinema do instantâneo e sua repercussão no seiodas crianças e adolescentes

dade, quase exclusiva, do trabalho do professor. É óbvio, que as reformas educativas não se mostram eficazes en-quanto não fizerem parte da cultura ou do modo de pen-sar daqueles que as vão aplicar. Por isso, falar de liberdade, respeito mútuo, solidariedade, etc. como proposta educati-va, pode significar, todavia uma ocorrência singular, quando inexoravelmente estamos imersos numa carreira cuja meta desejada, e difícil, é o exercício de uma profissão para a qual somente se nos exigem conhecimentos e destrezas.Na prática, sem dúvida, não é fácil separar as aprendiza-gens instrutivas das componentes atitudinais e valorativas. Em qualquer atuação docente estamos filtrando e projetando uma determinada concepção de pessoa, promovendo deter-minados valores, pelo que não podemos renunciar à nossa condição de humanos que vivem e atuam a partir de valores. É impossível, portanto, subtrairmo-nos da condição de emis-sores de mensagens que chegam aos alunos codificadas e interpretadas a partir da nossa ótica pessoal. A escola não só “molda” o pensamento da criança oferecendo-lhe uma quantidade considerável de conhecimentos. Se isso fosse assim, dir-se-ia que a ação instrutiva-educativa ocorreria fo-ra do tempo e do espaço.Certamente, a experiência do valor será sempre contraditó-ria, quer dizer, existirão sempre experiências de injustiça, in-tolerância, etc. Por isso, a apropriação do valor representa e exige uma opção-escolha do educando. E o ensino do valor deverá incidir sempre na preparação do educando para que ele possa fazer a melhor escolha. Não faz sentido, portanto, impor os valores num processo educativo. Se não oferecer-mos, entre muitas outras, as experiências dos valores que desejamos transmitir, a educação nesses valores converte-se numa tarefa impossível. Se não oferecermos a possibili-dade de os nossos alunos verem outro tipo de cinema, como romper com os valores inculcados pelo cinema dominante?

José de Sousa Miguel Lopes

Universidade do Leste de Minas Gerais

REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS

COSTA, Flávia, entrevista com Zygmunt Bauman: “Lo que queda de la belleza”, Clarin, Suplemento Cultura

y Nación, Buenos Aires, 7/12/02.

IE/FN

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/ DA CRIANÇA

Quotidiano

Vinha de uma lâmpada, não parecia ser um mago comum! Um Rousseau envelhecido e cínico (seria Jean-Jac-

ques ou não?) encontrou o professor e disse que lhe queria contar uma história (ou estória). Começou:

- Dantes, antes da minha intervenção, só os nobres estudavam, ou até mesmo os plebeus, desde que tivessem dinhei-

ro… As pessoas do povo não precisavam de estudar, para que estudariam? O que quererão ler os analfabetos?

- Sim, e?

- Sim, então eu apareci e todos começaram a estudar, os pobres também, imagine, eu convenci-os, “assim vão

aprender a trabalhar melhor” – bom negócio, não? Veja que agora até há gente que pratica exercício físico no

intervalo do trabalho.

- E depois?

- Foi necessário construir umas enormes teorias, cheias de palavras difíceis e ideias pouco acessíveis, a in-

tenção era mesmo falar sem explicar, como se costuma dizer, “usar o discurso como arma”. Os textos foram

sendo feitos e baralhados, usaram-se “complicadores”, umas máquinas especiais que se ligam aos cérebros,

multiplicaram-se as descrições de maneira a não se perceber o que se dizia. Explicou-se ao povo que a saúde é

um custo insuportável, as aposentações são um vício dos maus, porque os bons trabalham do berço ao túmulo,

como faziam aqueles egípcios do tempo das pirâmides, naquela sociedade exemplar, entende? O desemprego é

um bem, é como a palavra “crise”, que tanto quer dizer “problema” como “oportunidade”… A garantia de em-

prego é má, impede a autonomia e o desenvolvimento pessoal. Tudo tendo sempre em vista um posicionamento

de esquerda, um humanismo subjacente, a intenção de sofrer para um dia, eventualmente, estar melhor.

- E porquê isto, perguntou o professor.

- A culpa foi dos que estudaram! Os problemas surgiram quando eles começaram a indagar coisas como “para

quê” e para além do trabalho, o sentido da vida, da sociedade, das guerras e da paz. Então, nessa altura, foi

necessário recomeçar a dizer que a educação pode ser perigosa, que é necessário “aprender a trabalhar”, hum,

é necessário aprender aquilo que o «mercado» quer dizer, o patrão quer…

Carlos Mota

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real

As utopias actualizadas

Dedicado à rapariga do 11 de Setembro de 1973

Tinha visitado o Chile, pela curiosidade de observar o Governo do primeiro So-cialista eleito em eleições livres. A pesar que o Dr. Salvador Allende nem ter tido tempo para Governar, por ter sido morto devido aos interesses de um Governo estrangeiro que sublevou o exército, mandou para a prisão todos os que podia, matando chilenos de forma indiscriminada. Apesar do meu estatuto de visitante, na noite das Festas Nacionais, 18 de Setembro, fui levado para um campo de concentração, do qual fui salvo por Jack Goody, meu professor, director e colega da Universidade de Cambridge. Este amigo tinha estado 4 anos em Auswitchs… sabia bem o que se fazia nesses sítios. Fui denunciado como Socialista, o maior pecado do mundo, pela minha própria família, expropriada das suas terras e in-dustrias, mandadas distribuir entre os que as trabalhavam. Melanie Klein descreve este tipo de situações bem melhor ao estudar um sobrinho de Freud em 1937, no seu texto “Inveja e gratidão” .Faço aqui um aparte apenas para indicar aos leitores, pais de crianças hipotetica-mente expostas ao sofrimento, como é o caso da rapariga da qual vou falar. Apar-te, porque o elo central é esta rapariga. Não tolerei que ninguém entrasse no seu quarto, aos 35 soldados que invadiram a nossa casa e queimaram a nossa biblio-teca. Falei com autoridade de patrão, que até os soldados me fizeram continência, enquanto eu dava as ordens de como devia ser levado para a prisão. Ninguém to-cou na rapariga nem aos livros dos Séculos XV, XVI e XVII, que eu pretendia salvar. E salvei durante os 37 anos de exílio a que fui condenado. A rapariga – erro de pai – viu-me regressar cansado, macilento e em pranto. Desde esse dia, ela pensou que eu estava morto e era a minha alma que falava com ela. Não se cansou de repetir que eu era um morto, nos seus cinco anos de idade, a idade da impressão no inconsciente como dizem Freud em 1906 e Wilfred Bion em 1963. O exílio, foi outro dos motivos de distância entre os dois. A depressão adquirida pelo imenso

castigo, fez de mim um bom adulto para ela, mas rejeitado porque lhe lembrava a vida perdida, a sua família, e a imensidão de amigos, amores ternos e o desapare-cimento do progenitor que, sente ela, não a soube cuidar nem tratar com histórias e contos, danças e imaginários, como relato no meu livro “O imaginário das crian-ças”, de forma disfarçada para o leitor não saber da vida privada do escritor.Um dia, encontrou o homem da sua vida, teve com ele crianças e de mim, seu pai, quer saber o estritamente necessário. Procura, como mulher que é, alguma distân-cia dos seus antigos adultos, facto racional e emotivo, que opera entre gerações. Estes adultos que a adoram e cuidaram dela ao longo de vário anos de vidaÉ isto que lembramos todo os meses de Setembro: Sua Excelência o Presidente Allende, o ataque às Torres Gémeas de New York, a morte de Luciano Pavarotti e estas pequenas, trágicas históricas dos filhos que crescem, que salvam os pais mas que procuram autonomia entre a sua casa doméstica e o lar dos seus anti-gos adultos. Sem ser católico, não posso deixar de exclamar: Ave Maria, e agora? Resta as solidão das solidões? O temor de falar? O desejo de receber um telefo-nema? Ou, mais importante, o respeito entre adultos?Estes pequenos grandes dramas que passamos ao deixar a nossa vida abando-nada entre o crescimento dos mais novos e o envelhecimento em terra estranha dos adultos. É preciso habituarmo-nos, suponho… e aceitar a realidade do tempo e as suas mudanças.

Raúl Iturra

Etnopsicólogo da Infância

ISCTE/CEAS/Amnistia Internacional

Docente, investigador, escritor

11 de Setembro de 2007

[email protected]

IE/FN

A rapariga que me salvou a vida, pede hoje respeito pela sua forma de vida

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a página da educação · outubro �007

41A ESCOLA que (a)prende /

Golpe de vista

A Comissão Europeia apresentará a 23 de Outubro o seu

projecto de criação de uma nova permissão de residência

na União Europeia, um “cartão azul” inspirado no cartão

verde (“green card”) norte-americano que procura atrair

uma imigração qualificada, revelou Bruxelas.

Face ao envelhecimento demográfico da União Europeia

(UE), “o desafio é atrair trabalhadores necessários para

enfrentar uma escassez específica”, declarou o comissário

europeu a cargo da imigração, Franco Frattini, num dis-

curso em Lisboa.

Segundo Bruxelas, metade dos imigrantes oriundos de

países mediterrâneos de Oriente Médio e norte de África,

titulares de um diploma universitário, residem no Canadá

e Estados Unidos, enquanto que 85 por cento das pessoas

dessas regiões que a Europa recebe não possuem estudos

superiores.

Para inverter esta tendência o “cartão azul europeu” con-

cederia “o direito de trabalhar num Estado-membro por

um período de dois anos renovável”. Depois dessa etapa

inicial, os imigrantes poderiam trabalhar “mediante certas

condições” num outro Estado-membro, algo que é muito

difícil hoje em dia. Os imigrantes poderiam ainda acumu-

lar esses diferentes períodos de residência para obter o

estatuto de residente de longa duração. Frattini estima que

esses trabalhadores deveriam ser admitidos com base em

“critérios comuns”, como “contrato de trabalho, qualifi-

cações profissionais e um salário claramente acima dos

salários mínimos”.

O comissário prevê apresentar em finais de Outubro uma

segunda proposta da directiva para garantir que os imi-

grantes tenham os mesmos direitos que os cidadãos da UE

em matéria de segurança social e condições laborais.

Segundo Frattini, a UE tinha 18,5 milhões de imigrantes

legais em Janeiro de 2006, o que significa “cerca de 4 por

cento da sua população”.

AL/ Fonte: AFP

UE apresentará em Outubro um “cartão azul” para imigrantes qualificados

Estamos no tempo dos melões: verdes, brancos, amarelos, lisos, rugosos, pontiagudos, esféricos, pequenos, grandes, maduros, verdes... Os me-lões aparecem no fim do Verão para nos inundar a boca com o seu doce, fresco e perfumado sumo. Bom, doce e perfumado... só alguns... que ou-tros (vá-se lá saber porquê) têm um parentesco, no sabor, com o desinteressante pepino. Daí a importância de conhecer essa ciência oculta que é escolher melões. Tem a ver com a forma, com o peso, com o barulho quando percutido, com a densidade, com a maturidade palpada junto ao... pé do fruto. Tão oculta é esta ciência que mui-tas vezes os compradores se sentem incapazes de ajuizar por si e pedem ao vendedor que lhes escolha um melão bom. Com ar doutoral, como um médico que ausculta o doente, o vendedor de fruta, bate, palpa, olha, cheira, rejeita uns poucos e finalmente selecciona “o tal”. Muitos lugares de venda de fruta, talvez para acelerar este pro-cesso clínico e individual de selecção de melões, começaram a dividir os melões em normais e “se-leccionados”. Claro que o “seleccionado” é mais caro mas reduz sensivelmente a desconfiança do comprador. Se é seleccionado, logo é garantido o seu sabor e maturidade. Como é que um me-lão atinge o patamar de “seleccionado”? Será pelo pedigree (qualidade)? Será por um exame prévio? Tem que ser por sinais exteriores porque lá dentro nunca ninguém esteve...Este tema dos melões vem a propósito de uma conversa que tive com a presidente do Conse-lho Executivo de um grande agrupamento de es-colas da Zona Oeste do país. Esta experiente professora, quando trocávamos ideias sobre o desenvolvimento da Educação Inclusiva, dizia-me que certas escolas seleccionavam os alunos que recebiam. Não todos, claro, mas quando se tratava da possibilidade do aluno frequentar uma ou outra escola, o encaminhamento dos alunos

para certas escolas era feito em função da profissão dos pais. Se os pais eram profissionais liberais ou de classe mé-dia eram acolhidos em certas escolas, se os pais eram ope-rários ou trabalhadores de outro tipo, dizia-me a presidente, então vinham indicados para a minha escola. Este factor influía, segundo ela, no lugar desfavorável do ranking em que o seu agrupamento se encontrava. Isto significa que certas escolas se comportam como os compradores de “melões seleccionados” (na acepção popular “melão” também quer dizer “cabeça”...). E curiosamente são premiados com um lugar melhor no ranking por rejeitarem os melões comuns...É um bom ponto de reflexão para o início deste ano de 2007/2008. De que maneira a organização das escolas (co-mo se fazem as turmas, como se seleccionam os alunos, quem fica no turno da manhã e quem fica no turno da tarde, etc. etc.) não prenuncia, não indicia um caminho mais curto e mais óbvio para a inclusão ou para a exclusão que na escola quer dizer insucesso e abandono? Quando falamos na promoção da Educação Inclusiva gosta-ríamos de lançar em cada escola a discussão sobre o que é que a escola faz ou não faz para proporcionar diferença de tratamento (isto é: igualdade de oportunidades) para todos os alunos. Muitas vezes o nosso olhar privilegia exclusiva-mente as práticas de sala de aula, vai até à avaliação ou chega mesmo à gestão do ensino. Está bem, mas talvez nos devêssemos preocupar também com as formas subtis e capciosas de organização da escola que, de uma forma “naturalizada”, proporcionam a certos alunos maiores con-dições de sucesso do que a outros. Na prática é como se alguns alunos entrassem já na escola com a etiqueta de “me-lões seleccionados”, melões cujo sucesso já estava garanti-do. Mas a questão da escola pública, o problema do ensino básico, da escola para todos, é que todos os melões (e não só os “seleccionados”) têm que ser cultivados para chega-rem ao máximo do seu sabor e doçura. Afinal, que mérito teria um agricultor que cultivasse melões que já soubesse à partida que iam ser “melões seleccionados”?

David Rodrigues

Universidade Técnica de Lisboa

Os melões seleccionados

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/ REPÚBLICA dos leitores

O conceito de cidadão com direitos e deveres esteve – e ainda está – praticamente ausente na educação tradicional, que realçava exclusivamente os deveres (Figueiredo:2001), fruto de uma pedagogia “marcada pelo recurso a uma autoridade esmagadora onde o educando tinha para com o educador não só obedi-ência e respeito, mas também, frequentemente, te-mor” (Cabanas:2002).Progressivamente, com a Revolução Francesa e o seu lema «Liberdade, Igualdade, Fraternidade», a es-cola foi sendo debilmente influenciada por pedago-gias mais progressistas que atribuíam mais direitos à criança. Desejava-se, simplesmente, que ela fosse criança! A defesa da sua participação em várias to-madas de decisão na escola – e “há política a partir do momento em que são tomadas decisões” (Bar-bier:1996) – foi sendo vista cada vez mais como uma necessidade, visando assim o desenvolvimento ético e moral do aluno, a educação para a participação nas instituições e serviços cívicos, enfim, a construção de uma escola mais justa, mais pluralista e democrática – a “Escola Cidadã” (Gadotti:2000).

Quais são os grandes eixos que sustentam a escola cidadã? A escola cidadã sabe que se nasce cidadão, mas um cidadão esclarecido, consciente, activo e solidário forma-se. Por isso, a escola cidadã tem um projecto educativo filantropo, que combate as desigualdades escolares e sociais, que promove a participação da comunidade na construção do bem comum no inte-rior da escola, na reconstrução do seu conhecimento e, acima de tudo, do seu projecto de vida. A escola cidadã oferece um currículo aberto à diver-sidade ou à sensibilidade para as diferenças dos alu-nos, para que todos aprendam quem são os outros. A Escola Cidadã acredita que a “diversidade dos alunos é uma fonte de enriquecimento mútuo, de intercâmbio de experiências, que permite conhecer outras manei-ras de ser e de viver e que desenvolve atitudes de res-peito e de tolerância” (Marchesi in Rodrigues:2001). Na Escola Cidadã transpira-se cidadania – ou cida-danias –, pois os alunos têm liberdade de escolha e de decisão, discutindo colectivamente a forma de melhorar a vida escolar, fomenta-se a defesa dos di-

reitos humanos e a solução dos problemas ou con-flitos sociais, promove-se a consciência dos direitos e deveres cívicos, potencia-se o raciocínio e a argu-mentação sobre justiça, liberdade, responsabilidade, solidariedade, respeito mútuo, tolerância, verdade, esforço, de modo a induzir o saber estar, ou seja, condutas socialmente responsáveis (através dos mo-delos de clarificação de valores; comunidade justa; educação do carácter)A escola cidadã é norteada por uma bússola que con-duz os professores e a comunidade numa mesma di-recção – o bem comum (Sergiovanni: 2004).A escola cidadã é acolhedora e encantadora, porque tem salas amplas, espaços lúdicos, ginásios, campo de jogos e zonas verdes que permitem dinamizar hor-tas e cuidar de animais. A escola cidadã é a minha – e deveria ser a nossa – utopia.

Miguel Gameiro Silva

Professor

Fajã de Baixo, Ponta Delgada, Açores

A escola cidadã

Relaciono isto, com alguma revolta interior, porque consegui uma pontuação elevada, mas pressenti, por ter sido atribuída uma vaga no departamento disci-plinar a que pertenço, que não ascenderia a titular. Fiquei, amarguradamente, embebido numa espécie de parémia com as novas 7 Maravilhas, pelo que me afecta! Digo isto, porque fui Director de Turma, mas esses anos não couberam no cabaz do lustro deter-minado para a contagem. Igual sorte caiu sobre Petra, quando as especiarias passaram ao lado, sem que nada pudesse fazer”! Sem pensar na titularidade, mas com o objectivo de estar mais preparado nos conteúdos que não foram leccionados na universidade que me concedeu a li-cenciatura, realizei várias cadeiras na Universidade Aberta. Mas de nada valeram! Senti que cortaram as mãos como fizeram aos pedreiros do Taj Mahal, a mando do príncipe Khurram! Também nada ajudou ter desempenhado o cargo de Sub-coordenador! Senti-me outra vez a vítima que ficou exangue durante o solstício no hemiciclo de Stonehenge, depois de lhe rasgarem o peito com um punhal!Como outrora, era necessário para a escola, fui eleito ainda Coordenador de Departamento, mas a pon-tuação foi insuficiente. Com o não redondo deste concurso, senti-me crucificado no meu pedestal co-mo se fosse o Redentor! Perdoai-lhes, porque eles (não) sabem o fizeram!Recordo-me que nos 7 anos que contaram para atingir a titularidade, fiz diversas actividades a mais do exercício lectivo! Mas não bastaram para a subi-

da à nova categoria. Organizei e acompanhei tan-tas Visitas de Estudo a museus da minha cidade, de Coimbra, de Leiria, de Alcobaça. Segui os alunos nas deslocações às casas do Gaiato, a Fátima e ou-tros lugares onde a escola me demandava. Foram longos sete anos, tal a da Muralha da China na mi-nha vida, tal o sacrifício de um servo que ajudou a erguer esse paredão!Para Machu Picchu aduzo o Clube de Xadrez, atra-vés do qual levei os alunos a participar em torneios e campeonatos realizados em Aveiro, na Benedita, em Armação de Pêra, em Braga, em Famalicão, no âmbito do Desporto Escolar e Federado. Horas que me “tiraram” muitas sextas-feiras e sábados noite dentro! Na primeira versão do projecto, contava dois pontos, depois retiraram-nos! Desprezaram a car-reira única docente como fizeram à altiva urbe Inca! Portanto só me resta lamentar à dimensão do vale do Urubamba!Apresentei cincos anos à guilhotina da assiduidade, registando a máxima pontuação. Cumpri até um ano sem uma falta! Mas tudo foi em vão e sofri na pele a angústia dos que padeceram no Coliseu! Ora vinham os gladiadores que me decepavam, ora o espectácu-lo compreendia as quadrigas e brigas que me espezi-nhavam para gáudio do público! Em outras festivida-des saltavam as feras a deliciarem-me a carne! Há tempos, julguei importante fazer uma pós-gra-duação, mas os míseros 5 pontos que atribuíam não ajudaram para a titularidade no professorado. E ao concorrer senti-me um dos malogrados guerreiros que iria ser degolado no cimo de Chichen Itza, para

que o sangue escorresse convulsivamente pelos de-graus para a grande alegria dos chefes! Hoje sou um arqueossítio agrilhoado como a Maravi-lha que compreende as 9 Pirâmides de Gisé, ao lado de outras pirâmides que transpuseram os 90 pontos suficientes para se ser titular e não conseguiram! Sin-to-me também uma das esfinges ao lado dos que chegaram aos 110 pontos e foram reduzidos a pro-fessores de menores remunerações! Sinto-me um dos obeliscos ao lado dos que ultrapassaram os 120 pontos, mas não conquistaram a nomeação, tal co-mo aconteceu à única Maravilha que resistiu até aos nossos dias!Hoje, com todas as fragilidades que afectam os pro-fessores, mesmo que me expliquem que nos próxi-mos anos ascenderia a titular, responderei que será impossível! Acreditaria se me justificassem por que não escolheram o Monte Saint-Michel para ser uma das Sete Maravilhas?! Facilmente enumeraria mais exemplares arrenegados… mas somente referirei o Palácio Potala, apesar de ter sido erguido a 3700 me-tros acima do nível do mar, ninguém o nomeou?! Quando os processos assentam, metodicamente, num diagrama calculado para determinados móbiles eco-nomicistas, nada há fazer. Se não, digam-me quantos milhares de professores, a nível do País, com mais de 95 pontos – a fasquia imposta aos professores do 10º escalão – não acederam, como eu, à nova categoria.

José Manuel Teixeira

Professor não titular

Pela maravilha do concurso a professor titular, perdoai-lhes, porque eles (não) sabem o que fazem!

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O processo de ensino-aprendizagem compreende múltiplas interações que permeiam desde o rigor do conteúdo científico, fruto das investigações desen-volvidas no decorrer da evolução das sociedades e civilizações, até a transposição dessas conquistas para a vivência cotidiana do estudante. É papel das instituições que se dedicam à Educação fornecer subsídios para a concretização desses objetivos.Responsáveis pela prática educativa, como docen-tes e coordenadores, devem atentar para as ques-tões relativas ao método de ensino. O estudante deve ser motivado a participar ativamente do processo de

construção do seu próprio conhecimento. É funda-mental (re-)criar, (re-)inventar constantemente o tra-balho educativo, embasando-o em práticas que va-lorizem os conhecimentos trazidos pelo estudante e tornem-no capaz de relacionar os novos saberes às suas concepções prévias do mundo em que vive.Para alcançar resultados satisfatórios no espaço edu-cativo (a exemplo dos cursos pré-vestibulares) faz-se condição primordial haver um espaço próprio para a avaliação, momento no qual serão empreendidas re-flexões sobre o planejamento, a execução e os resul-tados alcançados ao longo do processo de ensino-

aprendizagem. A partir daí, os frutos advindos dessa experiência serão norteadores para ações mais efe-tivas no intuito de despertar nos educandos o dese-jo em compreender o porquê dos conteúdos que lhe são apresentados, muito além daquilo que é exigido nos vestibulares. Enfim, a perspectiva de um ensino que traga em si o significado pleno do seu existir.

Jaílson Santos de Novais

Universidade Estadual de Feira de Santana. Brasil

Departamento de Ciências Biológicas

A que se destina o aprender?

Assiste-se hoje a uma intensa campanha contra o sis-tema partidário saído da Revolução de Abril.Intencionalmente ou não confunde-se o sistema par-tidário com a actuação dos partidos políticos. Devido à actuação dos partidos políticos que têm governado o país há restrições às liberdades democráticas. Co-mo exemplo podemos ver a lei dos partidos políticos, aprovada pelo PS e pelo PSD, onde são impostas por estes partidos normas de funcionamento interno a todos os outros. Imagine-se o que seria se, por hi-pótese, fosse o PCP a sugerir uma lei para o funcio-namento de todos os outros partidos. Neste aspecto, há que reconhecer que o PCP sempre defendeu que cada organização partidária, pelas suas característi-cas e pela sua história, é que deve procurar a melhor maneira de se estruturar, de eleger os seus dirigentes, sejam eles locais, regionais ou nacionais.A chamada crise do sistema partidário é artificial. Ela foi criada e é alimentada de modo a ajudar a perpe-tuar no poder o mesmo bloco de interesses. Durante muitos anos estes foram representados pelo regime existente antes do 25 de Abril, uma ditadura fascis-ta, e hoje representados e defendidos pelo conjunto PS/PSD/PP. Houve apenas as mudanças necessárias que a própria evolução impôs.A grande diferença nas opções sociais e na seriedade política vem do PCP, o que não significa que esteja isento de erros. Assim, por exemplo, para Portugal, o PCP sempre defendeu a liberdade de formação de partidos políticos, sempre defendeu a liberdade re-ligiosa respeitando igualmente todas as opções de crença, mas não soube demarcar-se das opções e dos erros existentes nos antigos países socialistas. Perante o ruir da URSS e seus aliados e a desagrega-ção de numerosos partidos comunistas, o PCP, man-tendo as suas características de classe, é uma referên-cia para os povos do mundo na sua luta pela liberdade e independência nacional contra o imperialismo. Confundir a falha de uma experiência com a falsidade de uma teoria é uma atitude cientificamente incorrecta, como também foi incorrecta a atitude de tomar o êxito de uma experiência como confirmação de uma teoria.Muito conseguiu a humanidade com a experiência socialista na Rússia. Muitas das regalias sociais e dos direitos dos cidadãos, enquanto trabalhadores, foram possíveis graças ao triunfo da Revolução Bolchevi-que. Aliás, quando o imperialismo derrotou a URSS, os direitos sociais e laborais começaram a ser con-testados e limitados em todo o mundo capitalista.A necessidade de propagandear uma crise do sis-

Os partidos e o sistema partidário português

tema partidário anda a par com a necessidade de apresentar algumas diferenças de forma como sen-do profundas diferenças de conteúdo, marginalizan-do aqueles que realmente podem ser alternativa, por apresentarem verdadeiramente diferenças de conte-údo. Tal só é possível impondo o pensamento único, onde o capitalismo é a única solução global para a humanidade e os diferentes países devem procurar as melhores soluções deste enquadramento. Nesta perspectiva surgem as campanhas à modernização e salvação dos partidos comunistas. Ainda antes do desmembramento da URSS foi o euro-comunismo, principalmente, com os partidos comunistas de Itália, França e Espanha. O resultado está à vista. Tinham, nos respectivos países, uma implantação eleitoral superior à do Partido Comunista Português. Em Itá-lia e Espanha dissolveram-se e em França é quase insignificante. Neste período, como hoje, o combate ideológico é intenso e a chamada crise do sistema partidário insere-se nesse combate.A campanha anti-partidos tanto aparece com o “eles são todos iguais”, perpetuando quem está no poder, ou sugerindo que todos os partidos são “ramos do mesmo tronco”. O mesmo tronco implica as mesmas raízes. Ora, aí está a diferença. As raízes do bloco PS/PSD/PP são as mesmas. As do PCP são diferen-tes. Se não fossem, o PCP não resistia como resiste, nem tinha conseguido combater a ditadura fascista como o fez. O PCP formou-se em Portugal em 1921. Nessa altura havia muitos partidos políticos e com mais meios humanos e financeiros que o PCP, mas

foi o PCP que resistiu a todo o período da ditadura, e foram 48 anos. O PS formou-se em 1973 e na Ale-manha, o PSD e o CDS (depois PP) apenas depois do 25 de Abril, até porque muitos dos seus fundadores faziam parte de órgãos dirigentes do fascismo. Apesar de controlar a generalidade dos órgãos de comunicação social, o capitalismo português, histo-ricamente submisso ao capital estrangeiro, ainda se sente incomodado pela diferença e peso eleitoral do PCP. Assim os seus partidos preparam-se para alte-rar as leis eleitorais para a Assembleia da República e para os órgãos de poder local. Por exemplo, nas recentes eleições para a Câmara de Lisboa, o PS que obteve 30% dos votos, teria 100% da Câmara! O sistema partidário saído da Revolução de Abril tem muitas potencialidades. Houve governos de maioria relativa (do PS e do PSD), houve governos de coli-gação (PS/CDS, PS/PSD, PSD/CDS/PPM, PSD/PP), houve governos de iniciativa presidencial (Nobre da Costa, Maria de Lurdes Pintassilgo), houve governos de maioria absoluta ( do PSD, do PS). O sistema partidário permite a formação de coligações pré ou pós eleitorais (AD, FRS, FEPU/APU/CDU), permite a formação de novos grupos parlamentares (PRD, BE).Defender o sistema partidário saído da Revolução de Abril, respeitar o regime democrático e as amplas liber-dades do cidadão é condição necessária para o de-senvolvimento económico, social e cultural do país.

Paulo Morgado

Professor na Escola Secundária de São Pedro da Cova

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Perante uma sociedade em permanente mudança, a es-cola tem de sentir necessidade de aderir a uma cultura de avaliação que permita a prestação de contas, decor-rente da maior responsabilidade inerente à autonomia (ainda que decretada) e o desenvolvimento de apren-dizagens significativas que proporcionem as soluções mais adequadas à resolução dos seus problemas.Estarão, actualmente, as escolas públicas a aderir à auto-avaliação, conceptualizada como um processo desenvolvido pela comunidade educativa, com o in-tuito de se consciencializarem acerca das dinâmicas produzidas no seu seio, para se conduzirem as acções colectivas (aprendizagens) que sejam promotoras da sua melhoria? Ou, pelo contrário, continuam a repetir os mesmos erros, a manter as mesmas limitações, nunca se questionando sobre os resultados das suas actividades ou em que consiste o seu sucesso?Num estudo exploratório, desenvolvido nas escolas públicas da alçada DREN (N=406) , apercebemo-nos de que, entre os anos 2003 e 2005, a maioria das escolas (144 das 206) que participaram no estudo dizem promover a auto-avaliação. E, fazem-no, por

diversas motivações, sendo as duas principais: a ne-cessidade de estar em permanente aprendizagem e a necessidade de dar resposta aos problemas mais emergentes da sociedade envolvente. Nota-se que um número significativo de escolas recorre à auto-avaliação para aquisição de conhecimento que pro-porcione a aprendizagem necessária para conseguir responder à multiplicidade de problemas com que vai sendo confrontada, sem que para isso tenha de espe-rar por respostas fabricadas no exterior.Mesmo sendo de carácter obrigatório, 62 escolas di-zem não desenvolver auto-avaliação, essencialmen-te, por três razões: falta de meios humanos dispo-níveis (44,8%); falta de meios humanos qualificados (24,1%) e ausência de tempo para a administrar / concretizar (31,0%). Estes obstáculos podiam ter si-do já ultrapassados, visto que, após a publicação da Lei n.º 31/2002 , pouco ou nada foi feito pela admi-nistração central para a sua efectiva aplicabilidade. São diversas as dúvidas quanto às potencialidades das actividades que estão a ser desenvolvidas neste âmbito (Efectividade da auto-avaliação das escolas

e Avaliação externa das escolas) para conseguir ha-bilitar as escolas para desenvolverem o seu próprio dispositivo de auto-avaliação porque, na realidade, parece-nos que tem existido uma preocupação em dizer às escolas o que devem fazer, em vez de as ha-bilitar a fazer o que deve ser feito.Para finalizar, gostaríamos de dizer que, embora exis-tam escolas que recorrem à sua auto-avaliação co-mo fonte de aprendizagem, o facto é que ainda exis-tem algumas que não o fazem, levando-nos a pensar que desconhecem a sua realidade, o que dificultará a melhoria das suas dinâmicas. Mais do que uma obri-gação legal, a auto-avaliação deverá ser vista como uma necessidade da escola, cujo intuito é, não só ensinar, mas, sobretudo, aprender, para proporcionar o sucesso educativo.

Serafim Correia

Doutorando em Educação: Desenvolvimento Curricular, no Instituto de

Educação e Psicologia da Universidade do Minho

[email protected]

Auto-avaliação de escola:obrigação ou necessidade?

Temos sido confrontados, em situações diversas, com alguma confusão relativa às finalidades e lógi-cas de alguns documentos essenciais na autonomia das escolas: os Projectos Educativo de Agrupamento (PEA), o Projecto Curricular de Agrupamento (PCA) e o Projecto Curricular de Turma (PCT). A pouca clareza traz consigo, inevitavelmente, uma mera burocratiza-ção de documentos que poderiam ser ferramentas pedagógicas, oportunidades de trabalho em equipa na perseguição de objectivos comuns.Com o DL n.º 6/2001, regulamentou-se a flexibiliza-ção curricular, entrando em vigor o Currículo Nacional com as Competências Essenciais que se espera a Es-cola faça adquirir e desenvolver. Os “arquitectos da estrutura de Ensino” (Zabalza, 1997), que trabalham ao nível central, estabelecem as aprendizagens consideradas fundamentais, explicita-das em termos de competências essenciais, trans-versais e específicas das diversas disciplinas. Dentro destas «balizas» nacionais é possível, ao nível local, equacionar caminhos diferenciados que conduzam a um maior sucesso da Escola, através da adequação do Currículo Nacional aos diversos públicos. No uso da sua autonomia, cada agrupamento de es-colas elabora o PEA e o PCA. O Projecto Educativo reflecte a caracterização da comunidade em que o agrupamento se insere, as dificuldades, os recursos e as potencialidades. Dessa caracterização, surgem opções estratégicas a tomar, relativamente à forma

de a escola se organizar, de rentabilizar os recursos internos e da comunidade, à forma de ultrapassar as dificuldades e aumentar a sua eficácia. É, no fundo, a clarificação da filosofia educativa do agrupamento. O Projecto Curricular encadeia-se no Educativo. A partir do Currículo Nacional, os professores, enquan-to gestores do currículo e não só meros executores, têm a oportunidade de definir o conjunto de acções a desenvolver pelo agrupamento, no sentido de «opor-tunidade para a aprendizagem»: o conjunto de ex-periências educativas que os alunos vivenciarão no contexto escolar (Zabalza, 1997).Construir um PCA implica decidir a que aprendiza-gens se vai dar ênfase, que aspectos vão ser deixa-dos em segundo plano, para valorizar outros conside-rados a este nível mais importantes. Que competên-cias se pretende desenvolver? Que sequências dar a essas prioridades? Deste modo, a Escola, deixando de ser uma entida-de gerida administrativamente como uma organiza-ção que veicula um sistema uniforme, cujas decisões emanam da hierarquia, passa a ser gestora do currí-culo, na adaptação das linhas nacionais à realidade local, de acordo com as suas necessidades, desejos e características dos alunos.“A essência burocrática e formal (…) do Currículo Na-cional deve dar lugar à riqueza de matizes, à proximi-dade (…) à gestão feita na escola e para os alunos da escola” (Zabalza, 1997).

Partindo do Projecto Curricular de Agrupamento, o professor titular de turma (1.º ciclo) ou o Conselho de Turma (2.º e 3.º ciclos) elaboram o Projecto Curricular de Turma, articulando o trabalho em torno de metas educativas comuns.O «síndroma do cumprimento dos programas» dá lu-gar à acomodação do currículo aos alunos concretos. O PCT deverá reflectir um processo gradual e contí-nuo que envolve observação, reflexão e ajustamento das orientações e das práticas pedagógicas (DEB, 2001). Os professores não são mais meros executo-res de programas, mas estrategas que sabem que a realidade reage às iniciativas. “O estratega baseia-se na observação do terreno” (Crozier, 1995).Nesta perspectiva, o PCT, em vez de mero documen-to burocrático, deverá ser um instrumento pedagógi-co, uma vez que reflecte as opções curriculares para a turma, para os alunos concretos. Turma e alunos singulares que têm direito a um percurso próprio e adequado à sua realidade.Esta forma de gerir o currículo em diversos níveis per-mite a diferenciação de percursos, a adaptação à he-terogeneidade de alunos e realidades locais.

Mário Henrique Gomes

Professor

Póvoa de Penafirme

Projectos curriculares: burocracia ou pedagogia?

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45CONTAS /

Jornal A Página da Educação — Publicação Mensal — Publica-se na 1ª segunda-feira de cada mês | Proprietário: Editora Profedições, Lda. | Capital Social: 5.000 Euros | Director e Coordenador editorial: José Paulo Serralheiro | Editor Gráfico Adriano Rangel | Redacção: Andreia Lobo e Ricardo Costa | Secretariado: Lúcia Manadelo | Paginação: Ricardo Eirado | Fotografia: Ana Alvim.

Rubricas e colaboradoresA ESCOLA que (a)prende — Coordenação: David Rodrigues, Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (www.fmh.utl.pt./feei). Jorge Humberto, Mestre em educação Especial. | AFINAL onde está a escola? — Coordena-ção: Regina Leite Garcia, Colaboração: Grupalfa—pesquisa em alfabetização das classes populares, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. | CINEMA — Paulo Teixeira de Sousa, Escola Secundária Fontes Pereira de Melo, Porto. | COISAS do tempo — Ana Bena-vente, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Betina Astride, Escola EB1 de Foros de Vale de Figueira. Luísa Mesquita, profes-sora e deputada do Partido Comunista Português. Pascal Paulus, Escola Básica Amélia Vieira Luís, Outurela. | COMUNICAÇÃO e e escola — Felisbela Lopes, Manuel Pinto e Sara Pereira, Universidade do Minho. Raquel Goulart Barreto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ, Brasil |CULTURA e pedagogia — Coordenação: Marisa Vorraber Costa, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Luterana do Brasil | DA CIêNCIA e da vida — Francisco Silva, Portugal Telecom. Margarida Gama Carvalho, Faculdade de Medicina de Lisboa e Instituto de Medicina Molecular. Rui Namorado Rosa, Universidade de Évora. | DA CRIANÇA — Raúl Iturra, ISCTE Universidade de Lisboa. | DISCURSO Directo — Ariana Cosme e Rui Trindade, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. | DIZERES — Angelina Carvalho, Colaboradora do CIIE da Faculdade de Psicologioa e Ciências da Educação da UP. | DO PRIMáRIO — José Pacheco, Escola da Ponte, Vila das Aves. | DO SECUNDáRIO — António Silva Pereira, Escola Secundária Fontes Pereira de Melo, Porto. Arsélio de Almeida Martins, Escola Secundária de José Estevão, Aveiro. Domingos Fernandes, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Fernando Santos, Escola Secundária de Valongo, Porto. Jaime Carvalho da Silva, Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. | E AGORA professor? — Coordenação: Ricardo Vieira, Escola Superior de Educação de Leiria. Colaboram: José Maria dos Santos Trindade, Pedro Silva, Susana Faria da Escola Superior de Educação de Leiria e Rui Santiago da Universidade de Aveiro. | EDUCAÇÃO desportiva — Gustavo Pires e Manuel Sérgio, Universidade Técnica de Lisboa. André Escórcio, Escola B+S Gonçalves Zarco, Funchal. | EDUCAÇÃO e Cidadania — Américo Nunes Peres, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Chaves. Miguel Ángel Santos Guerra, Universidade de Málaga, Espanha. Otília Monteiro Fernandes, Universidade de Trás-os Montes e Alto Douro, Chaves. Xesús R.Jares, Universidade da Corunha, Galiza. Xurjo Torres Santomé, Universidade da Corunha, Galiza. | EM PORTUGUêS — Leonel Cosme, investigador, Porto. | ENTRELINHAS e rabiscos — José Rafael Tormenta, Escola Secundária de Oliveira do Douro | ERA digital — Coordenação: José Silva Ribeiro. Colaboram: Adelina Silva, Casimiro Pinto, Fernando Faria Paulino, Maria Fátima Nunes, Maria Paula Justiça, Ricardo Campos, do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI), Laboratório de Antropologia Visual, Universidade Aberta e Sérgio Bairon (Brasil) e Francesco Marano (Itália) associados à rede de investigação do LabAV | MEMóRIAS da minha morte e SUBLINHADOS — Júlio Roldão, Jornalista, Porto | PEDAGOGIA social e éTICA e educação social — Adalberto Dias de Carvalho, Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Isabel Baptista, Universidade Católica Portuguesa, Porto. José António Caride Gomez e Xavier Úcar, Universidade Autónoma de Barcelona. | FORA da escola também se aprende — Coordenação: Nilda Alves, Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ, Brasil. Colaboração: Laboratório Educação e Imagem: questão de cidadania | FORMAÇÃO e Desempenho — Carlos Cardoso, Escola Superior de Educação de Lisboa. | FORMAÇÃO e Trabalho — Manuel Matos, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Uni-versidade do Porto. | IMPASSES e desafios — Agostinho Santos Silva, Engenheiro mecânico, CTT, Lisboa. António Teodoro, Universidade

Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa. Isabel Menezes, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. João Barroso, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. João Menelau Paraskeva, Universida-de do Minho. Manuel Pereira dos Santos, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. | LUGARES da Educação — Coordenação: Almerindo Janela Afonso, Universidade do Minho. Colaboram: Licínio C. Lima, Universidade do Minho. Manuel António Ferreira da Silva, Universidade do Minho e Virgínio Sá, Universidade do Minho. | O ESPíRITO e a Letra — Serafim Ferreira, escritor e critico literário. | OLHARES de fora — Beatriz Gonçalves e Silva, Universidade Federal de São Carlos e Conselho Nacional de Educação, Brasil. José Miguel Lopes, Universidade do Leste de Minas Gerais, Brasil. Maria Antónia Lopes, Universidade Mondlane, Moçambique. Ivonal-do Neres Leite, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil | POLAROIDs.txt. Palavras Situadas — Coordenação: Rui Vieira de Castro, Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. Colaboram: António Branco, Universidade do Algarve e Maria de Lurdes Dionísio, Universidade do Minho. | qUOTIDIANOS — Carlos Mota e Gabriela Cruz, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real. | RECONFIGURAÇÕES — Roger Dale, (Universidade de Bristol), Susan Robertson, (Universidade de Bristol), Xa-vier Bonal (Universidade Autónoma de Barcelona), Fátima Antunes (Universidade do Minho), Fernanda Rodrigues (Universida-de Católica Portuguesa), Mario Novelli (Universidade de Amesterdão) e António M. Magalhães (Universidade do Porto). | SAÚ-DE escolar – Coordenação: Rui Tinoco, psicólogo clínico Unidade de Saúde da Batalha, Porto. Colaboram: Nuno Pereira de Sou-sa, médico de saúde pública; Débora Cláudio, nutricionista da Direcção dos Serviços de Saúde Área de Nutrição da Sub Re-gião de Saúde do Porto | SOCIEDADE e território — Jacinto Rodrigues, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. | TERRITóRIOS & labirintos — António Mendes Lopes, Instituto Politécnico de Setúbal. | TEXTOS bissextos — Coordenação: Luís Souta, Instituto Politécnico de Setúbal. Colaboram: Filipe Reis, ISCTE, Lisboa, José Catarino, Instituto Politécnico de Setúbal, José Guimarães, Universidade Aberta, Lisboa, Luís Vendeirinho, escritor, Lisboa, Paulo Raposo, ISCTE, Lisboa. VISIONARIUM: foto ciência com legenda — Conteúdos Científicos Visionarium, Centro de Ciência do Europarque – Espargo – 4520 Santa Maria da Feira – [email protected] - tel 256 370 605

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Apresentação de contas relativas ao exercício do ano fiscal de 2006

DEMONSTRAÇÃO dos RESULTADOS ( por natureza ) em �1 DE DEZEMBRO DE �00�

CONTASEXERCICIOS

2006 2005

CUSTOS E PERDAS

61 Custo das Merc.Vend. E Cons.

Mercadorias 413.88€ 413.88€ 0.00€

62 Fornecimentos e Serviços Externos 183,652.21€ 197,681.90€64 Custos com o Pessoal

642 Remunerações 24,298.17€ 24,485.65€645 Outros 5,423.47€ 29,721.64€ 5,156.70€ 29,642.35€66 Amortizações do Imobilizado

Corpóreas e incorpóreas 2,712.60€ 1,670.41€63 Impostos 10.59€ 39.49€65 Outros Custos e Perdas Operacionais 1,343.63€ 1,354.22€ 722.83€ 762.32€

( A ) 217,854.55€ 229,756.98€Juros e Custos Similares

683 Outros 0.00€ 63.22€( C ) 217,854.55€ 229,820.20€

69 Custos e Perdas Extrordinárias 2,214.16€ 100.00€( E ) 220,068.71€ 229,920.20€

86 Imposto sobre Rendimento do Exercicio 7,599.13€ 3,415.48€( G ) 227,667.84€ 233,335.68€

88 Resultado Liquido do Exercicio 24,953.95€ 20,819.85€252,621.79€ 254,155.53€

PROVEITOS E GANHOS

71 Vendas - Mercadorias 737.99€ 0.00€72 Prestações de Serviços 251,435.28€ 254,155.53€73 Proveitos Suplementares 448.52€ 0.00€

( B ) 252,621.79€ 254,155.53€Outros Juros e Proveitos Similares

781 Outros 0.00€ 0.00€( D ) 252,621.79€ 254,155.53€

79 Proveitos e Ganhos Extrordinarios 0.00€ 0.00€( F ) 252,621.79€ 254,155.53€

RESUMO

Resultados Operacionais: ( B )-( A ) 34,767.24€ 24,398.55€Resultados Financeiros: ((D)-(B))-((C)-(A)) 0.00€ -63.22€Resultados Correntes: ( D )-( C ) 34,767.24€ 24,335.33€Resultados Antes dos Impostos: ( F )-( E ) 32,553.08€ 24,235.33€Resultados Liquidos do Exercicio: (F )-( G ) 24,953.95€ 20,819.85€

BALANÇO FINANCEIRO EM �1 DE DEZEMBRO DE �00�

CONTASEXERCICIOS

2006 2005APLICAÇÕES DO CAPITAL Bruto Amortiz. Liquido LiquidoImobilizado:Imobilizações Incorpóreas:

431 Despesas de Instalação 35.51€ 35.51€ 0.00€ 0.00€433 Propriedade Intelectual e outros direitos 1,240.71€ 1,240.71€ 0.00€ 0.00€

1,276.22€ 1,276.22€ 0.00€ 0.00€ Imobilizações Corpóreas:

423 Equipamento Básico 17,148.18€ 13,148.47€ 3,999.71€ 750.00€425 Ferramentas e Utensilios 138.00€ 138.00€ 0.00€ 0.00€426 Equipamento Administrativo 9,367.62€ 9,071.09€ 296.53€ 1,093.03€429 Outras Imobilizações Corpóreas 581.16€ 581.16€ 0.00€ 0.00€

27,234.96€ 22,938.72€ 4,296.24€ 1,843.03€Circulante:Existencias:

32 Mercadorias 5,846.48€ 0.00€ 5,846.48€ 0.00€5,846.48€ 0.00€ 5,846.48€ 0.00€

Dividas de Terceiros:211 Clientes C/C 22,987.91€ 0.00€ 22,987.91€ 9,259.10€24 Estado e Outros Entes Publicos 12,963.69€ 0.00€ 12,963.69€ 7,807.11€

268 Outros Devedores 16,674.52€ 0.00€ 16,674.52€ 14,963.95€52,626.12€ 0.00€ 52,626.12€ 32,030.16€

Depósitos Bancários e Caixa12 Depósitos Bancários 94,554.02€ 0.00€ 94,554.02€ 76,992.85€11 Caixa 636.03€ 0.00€ 636.03€ 479.31€

95,190.05€ 0.00€ 95,190.05€ 77,472.16€Acréscimos e Diferimentos

272 Custos Diferidos 3,150.00€ 0.00€ 3,150.00€ 8,729.00€3,150.00€ 0.00€ 3,150.00€ 8,729.00€

TOTAL DO ACTIVO 185,323.83€ 24,214.94€ 161,108.89€ 120,074.35€

CONTAS EXERCICIOS2006 2005

ORIGENS DO CAPITAL Bruto Amortiz. Liquido LiquidoCapital

521 Quotas Proprias 5,000.00€ 0.00€ 5,000.00€ 5,000.00€5,000.00€ 0.00€ 5,000.00€ 5,000.00€

Reservas574 Reservas Livres 3,181.61€ 0.00€ 3,181.61€ 1,099.62€591 Resultados Transitados 76,969.74€ 0.00€ 76,969.74€ 58,231.88€

80,151.35€ 0.00€ 80,151.35€ 59,331.50€88 Resultado Liquido do Exercicio 24,953.95€ 0.00€ 24,953.95€ 20,819.85€

TOTAL DO CAPITAL PRÓPRIO 110,105.30€ 0.00€ 110,105.30€ 85,151.35€ Dividas a Terceiros:

221 Fornecedores C/C 39,721.34€ 0.00€ 39,721.34€ 27,222.26€228 Fornecedores-Fact.Recp.Conferencia 2,408.51€ 0.00€ 2,408.51€ 0.00€24 Estado e Outros Entes Publicos 8,873.74€ 0.00€ 8,873.74€ 5,548.58€

268 Outros Credores 0.00€ 0.00€ 0.00€ 2,152.16€51,003.59€ 0.00€ 51,003.59€ 34,923.00€

TOTAL DO PASSIVO 51,003.59€ 0.00€ 51,003.59€ 34,923.00€TOTAL DO CAPITAL PRÓPRIO E PASSIVO 161,108.89€ 0.00€ 161,108.89€ 120,074.35€

Ficha Técnica

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a página da educação · outubro �007

/ REPÚBLICA dos leitores

Seguros e confortáveis, é quanto se exige dos fatos de protecção individual para a aplicação de produtos fito-farmacêuticos. Ou seja, devem proteger eficazmente o operador e proporcionar-lhe o conforto necessário ao bom desempenho do seu trabalho, especialmente em regiões com climas quentes, como os países do Sul da Europa e, bem assim, encontrar-se disponíveis a um preço acessível aos agricultores. Requisitos estes fundamentais que, a par de outros, como manda a lei, terão de ser garantidos, através de certificação.Tudo isso conseguiu a pesquisa portuguesa, integra-da num grupo europeu, num tempo excepcionalmen-te curto e o certo é que, por uma vez, Portugal, nesta área, vai à frente da generalidade dos países euro-peus, sendo inclusive pioneiro na certificação de um fato de protecção com base em nanotecnologia para uso exclusivo na aplicação de produtos fitofarmacêu-ticos. Uma tecnologia que confere um grau acrescido de protecção ao operador.Efectivamente, o processo de certificação implica que antes seja homologada e publicada uma norma que defina as características técnicas a que devem obedecer os fatos de protecção a utilizar nas pulveri-

zações agrícolas. O que em toda a Europa só sucedia com a Alemanha e, desde fins de Maio último, passou a acontecer com Portugal.Na verdade, através de estreita colaboração entre a ANIPLA – Associação Nacional da Indústria para a Protecção das Plantas, a DGPC – Direcção-Geral pa-ra a Protecção das Culturas e o IPQ/CITEVE – Cen-tro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal, foi possível, de forma bastante rápida, transcrever para a legislação nacional a norma ale-mã que, depois de ter sido sujeita às etapas próprias deste tipo de normalizações, foi oficialmente desig-nada por NP 4462:2007.Todo este labor, contudo, foi antecedido por uma in-tensa pesquisa de tecidos teoricamente capazes de garantir a protecção do operador que, não só foram testados nos melhores laboratórios do mundo nes-tas matérias, como também passaram por rigorosos testes de campo. Foram seleccionados três tipos de tecidos que mostraram proteger eficazmente os ope-radores, mas o que apresentou melhores resultados, inclusive em termos de conforto, foi o que é constituí-do por tecido de algodão e polyester com acabamen-

to NanoPel, produzido na Alemanha e designado por “Resist Spills”. A confecção do fato ora certificado, que pode ser lavado mais de 50 vezes sem perder as propriedades, é efectuada em Braga, estando, ao que se sabe, já disponível no mercado.Tenha-se em conta que a certificação deste primeiro fato de protecção constitui um dos principais resulta-dos do projecto “Cultivar a Segurança” lançado pela ANIPLA no Minho há cerca de três anos, mas a alar-gar gradualmente a todo o país, a exemplo do que se passa um pouco por todo o Sul da Europa, tendo em vista aumentar a segurança do operador de produtos fitofarmacêuticos, através da melhoria das técnicas de aplicação e da utilização correcta do equipamento de protecção individual.O coordenador do projecto é o engenheiro Luís Sara-mago para quem este fato é factor de competitividade, pois, “se o agricultor tem respeito por si, transmite tam-bém uma imagem de respeito pelos consumidores.”

Luís Vieira

Técnico da Autoridade para as Condições de Trabalho

Segurança na aplicação de agroquímicosFato de protecção certificado

A intervenção do homem sobre a natureza, consu-mindo os recursos naturais e degradando o ambien-te, tem provocado consequências nefastas para o planeta e para a vida. A produção e emissão de gases têm destruído a camada de ozónio e promovido o aquecimento global, aumento do nível do mar, amea-ça à biodiversidade, escassez hídrica, desertificação, regressão florestal, etc.Apesar disso, as políticas e medidas que contrariam sua emissão e os problemas decorrentes, tem sido pequena e protelada. Certo de que avanços nessas áreas dependem de ac-ções tecnológicas; é imprescindível que a sociedade adira a causa. As pessoas precisam aprender a adoptar atitudes simples, mas que provocam grandes efeitos.Algumas, tal como a redução do consumo de energia eléctrica e água, conseguida pelo consumo eficiente, utilização de fontes renováveis e reciclagem; têm si-do consideradas essenciais para o equilíbrio global, além de estarem associadas a ganhos económicos. A diminuição dos problemas depende de progressos em outras áreas e está sujeita as políticas, mas a edu-

cação pode ser, sem dúvida, a “pedra de toque” na consecução da recuperação terrestre. Admitindo que a conservação do ambiente depende da capacidade das pessoas aprenderem a protegê-lo; a escola, embora não seja a única, deve ser con-siderara excelente, não só para ensinar conteúdos e competências, mas estimular o desejo e prazer de cuidar da terra.Sabemos que é nas crianças e jovens que se pode transformar atitudes em hábitos, assim, cabe ensinar a reciclar, reduzir e reutilizar, transformando esses ac-tos numa rotina.Sem discutir a inclusão desses saberes no currículo, os professores de todas as disciplinas, podem contribuir, integrando as questões ambientais aos programas; con-trariando as pequenas acções, realizadas de forma es-porádica e desorganizadas, motivadas pelo modismo.Entretanto, para que a escola seja feliz na formação de cidadãos comprometidos com o ambiente, ela mesma tem que se constituir numa comunidade ecológica, se revestindo de valores de preservação e comungando com a terra. Não lhe basta ensinar conteúdos, mas

promover a construção bio-psico-social do homem. O homem é constituído ontologicamente de cuida-do, de sentimentos e de contemplação, sem essas dimensões não é humano. Precisamos pois, lutar contra uma lógica destrutiva e desumanizadora, des-provida de espiritualidade e beleza. Trata-se de nos libertarmos através da capacidade, ela mesma huma-na, de sentir e de se escandalizar com o mau trato da terra, o que só poderá ser feito se obedecermos mais ao coração e menos a exploração dos recursos e se a escola se juntar à causa.O quadro é alarmante, mas não pode ser usado como desculpa para a inércia. Ainda é possível ter esperan-ça. De fato, os problemas ambientais têm solução, e nós sabemos quais são. Resta ultrapassar o mo-dismo, a inércia e a ganância económica; resta prin-cipalmente admitir que a salvação do planeta passa indiscutivelmente pela escola.

Luiz Gustavo Lima Freire

Psicólogo escolar, mestrando em Psicologia da Educação,

Universidade de Lisboa

IE/FN

Preservação ambiental: o papel da escola

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Editora Profedições, Lda – Novidades de Setembro

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LIVROS /

Montra de Outubro

Crianças de meio ruralAs mãos na terra e os olhos no futuroRui Pedro Rodrigues Palma da SilvaISBN: 972-8562-45-8 · pp. 250 · Preço: 12.00€

Professor e Investigador associado do centro de Investigação em Ciências Sociais (CICS) da Uni-versidade do Minho. Participou no Projecto E.R.V.A.L. (Escolas Rurais do Vale do Lima), no âmbito do Projecto “Escolas Rurais – De Obstáculo a recurso” do I.C.E. – Instituto das comunidades Educativas.

O Imaginário das CriançasOs Silêncios da Cultura oralRaúl Iturra / pp.189Fim de Século

“Tenho defendido, em vários dos meus textos, que o grupo social tem duas culturas: a do adulto e a da infância. O pensa-mento do adulto está formado, desenvolvido e sabe que, ao fa-lar ou agir, define uma interac-ção. O pensamento da infância

está em formação e explora as várias alternativas para enten-der a realidade da mencionada interacção, da qual faz par-te. O pensamento e agir da infância é uma experimentação permanente, tendo em vista a definição dos seus próprios conceitos e o entendimento dos usados na interacção.” Do autor, Raul Iturra, etnógrafo, antropólogo, professor no Ins-tituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa. Co-labora mensalmente na PÁGINA da Educação, onde escreve na rubrica Da criança.

Revista Lusófona de Educação �007/09Neoliberalismo e Transfor-mação da Educação e do Trabalho dos ProfessoresDirector António Teodoro / pp. 217Edições Universitárias Lusófonas

A Greve Académica de 1907, as suas repercussões políticas e educativas; globalização e

educação; uma Epistemologia feminina Freiriana; as rela-ções entre professores e alunos, computador e sociedade em ambiente digital. São alguns dos temas a ler nesta edição da responsabilidade do Observatório de Políticas da Educa-ção e de Contextos Educativos da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Esta edição trás um CD Rom “Escola Francisco Arruda (1956-1974): Espólio documental de Manuel Maria Calvet de Magalhães.

A Separação das águas(Angola 1975-1976) Leonel Cosme / pp. 475Campo das Letras

“Tendo por cenário Angola de 1975-76, representa-se neste livro o quarto acto do drama (ou melodrama, ou epopeia, ou tragédia, como se queira) da colonização portuguesa de África. Deu-se-lhe o título de ‘A Separação das Águas’ para sig-

nificar, na sequencia dos actos anteriores – representando “a revolta”, “a terra da promissão” e “a hora final” – , que marcaram a longa viagem dos portugueses pelo rio da his-tória colonial, o momento último em que, quando a corrente se dividiu antes de precipitar os viajantes numa queda fatal, eles tiveram de escolher entre a margem de salvamento que lhes serviria de ancoradouro ou entre o chão das raízes.” Le-onel Cosme colabora mensalmente na PÁGINA da Educação, onde escreve na rubrica Em Português.

Esboço de um programa para os trabalhos das novas geraçõesFernando Pereira Marques / pp. 256Campo das Letras

Passagens para áfrica O povoamento de Angola e Moçambique com Naturais da Metrópole (1920-1974) Cláudia Castelo / pp. 405 Edições Afrontamento

A obra conta-nos a história da migração para Angola e Mo-çambique de centenas de mi-lhar de portugueses naturais da metrópole, entre cerca de 1920

(início da ocupação civil) e 1974 (vésperas da descoloniza-ção). Apresenta uma visão panorâmica da migração colonial, cruzando três abordagens complementares: uma história das politicas oficiais e das concepções ideológicas em confronto sobre os modelos de povoamento das principais colónias africanas; um estudo sociológico da migração de portugue-ses para Angola e Moçambique e das populações brancas aí residentes.; uma história antropológica dos colonos (...) e que reivindicações dirigiam ao poder central. Claúdia Cas-telo é mestre em História dos Séculos XIX e XX e doutorada em Sociologia Histórica.

Cognição, Neuropsicologia e AprendizagemAbordagem neuropsicológica e psicopedagógicaVítor da Fonseca / pp. 184

Editora Vozes

Embora a educação cognitiva tenha uma herança de quase 100 anos, os conceitos aplica-

dos na sala de aula são recentes. Por este motivo, este livro vem introduzir conceitos teóricos e procedimentos de avalia-ção dinâmica, que podem ser agrupados como componentes de uma educação cognitiva. Enfim, um valioso instrumento de trabalho para os profissionais e os estudantes de psicolo-gia, pedagogia, de educação especial e reabilitação.

A Magia de LerEnciclopédia Moderna Estudos LiteráriosJosé António Marina e Maria de la Válgoma / pp. 133Ambar

“A linguagem transfigurou a espécie humana, talvez a magia de ler faça o mesmo consigo.”

Porque ler é uma necessidade urgente, pública e privada. A vida humana decorre entre palavras. Este livro é apresentado como uma introdução poética, científica e prática à leitura. (...) Mas, acima de tudo, é um livro de magia. Mistura receitas e conselhos para conseguir encantamentos prodigiosos.

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EDUCAÇÃO E CINEMANovos olhares na produção do SABERJosé de Sousa Miguel LopesISBN: 978-972-8562-41-0 · pp. 311 · Preço: 12.00€

José de Sousa Miguel Lopes, moçambicano, é Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais e Doutor em História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tem vários trabalhos publicados no campo da educação e literatura no Brasil, Por-tugal e Alemanha. É membro do Conselho Editorial consultivo da Revista Presença Pedagógica, desde a sua criação em 1995. Membro do Conselho Editorial da Revista “on-line” “Currículo sem fronteiras”, editada nos EUA a partir de Janeiro de 2001. Colaborador regular desde 2002, do jor-nal “A Página da Educação”, editado em Portugal. Sócio fundador da Associação Internacional de Literaturas de língua Portuguesa e Outras Linguagens (2004).

OS PORTUGUESESPortugal a DescobertoLeonel CosmeISBN: 978-972-8562-47-2 · pp.71 · Preço: 9.00€

“Não será hiperbólico pensar que as novas saídas de numerosos portugueses para o estrangeiro, em busca de melhores condições de vida, - se nos lembrarmos de que situações de vida análogas já se verificaram noutros séculos – poderão ser um indício preocupante de que mais uma parcela do nosso povo está a desistir antes de terminar o último desafio.” Neste livro, editado na colecção “Bichos Carpinteiros – Corroendo o pensamento dominante”, Leonel Cosme, põe Portugal a Des-coberto, debruçando-se sobre histórias que se repetem, a insularidade, a tristeza dos portugueses e uma certa nostalgia do paraíso perdido. O autor, colaborador de A PÁGINA da Educação na rubrica EM PORTUGUÊS, exerceu actividade jornalística e dedica-se actualmente à actividade literária.

ESCRITAS DO MAIO: escrever com José AfonsoTexto de Miguel Gouveia e Design gráfico de Cláudia LopesISBN: 978-972-8562-42-7 · pp. 111 · Preço: 14.00€

Trata-se de uma obra que resulta da colaboração entre a editora Profedições e a Associação José Afonso. Uma unidade didáctica que, centrada na pessoa e na obra de José Afonso, apresenta pro-postas de trabalho não só na área da língua portuguesa mas em outros aspectos da educação e formação dos alunos. Indispensável aos educadores sociais e professores.

OS PROFESSORES EM CONTEXTO DE DIVERSIDADECarlos CardosoISBN: 972-8562-32-2 · pp. 170 · Preço: 12.00€

Doutorado em ciências da Educação/Educação Urbana (Educação Multicultural e para a Cidadania), King’s College, University of London, 1997; Mestre em Ciências da Educação (Ensino das Ciências Sociais), Bóston University, 1985; Licenciado em Sociologia, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresas; Licenciado em Antropologia, Instituto Superior de Ciências Sociais e Polí-ticas; Diploma (Bacharelato) em Administração Pública, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. É, actualmente, Professor Coordenador da ESE de Lisboa onde exerce desde 1988. Tem dezenas de publicações (incluindo livros, partes de livros e artigos) no domínio da educação, com particular incidência na área da educação e diversidade.

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a página da educação · outubro �007

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/ ÚLTIMA

Dizeres

Tinham começado as aulas há pouco. No jardim-de-infância, as jovens educadoras (algumas

muito jovens mesmo) recebiam as primeiras estagiárias. Era o primeiro contacto destas com

a realidade, a formação no terreno, como então dizíamos.

Uma dessas minhas alunas procurou-me preocupada pois não sabia muito bem como agir.

Professora, contava ela, uma das meninas que está na minha sala está coberta de…piolhos,

pode iniciar-se um surto de pedicolose…Já lhe lavei a cabeça, dei o champô para ela levar à

mãe, mas ela continuou a chegar cheia de…daquilo, com muitas lêndeas, e eu já não sei que

fazer. É que chamei a mãe. Ela lá apareceu; até que nem ia mal arranjada embora à moda do

campo. Ia assim, sei lá, assim de socos, avental e o cabelo apanhado. E até dava a ideia de

estar limpa mas a cabeça estava cheia de lêndeas, eram tantas que parecia que tinha a cabeça

com farinha. Depois eu falei-lhe da filha, de como ela estava mal com aquele problema, que era

perigoso para a saúde dela e também das outras crianças e até evitava olhar-lhe para a cabeça

enquanto falava, porque era como se estivesse mesmo a falar dela também.

Expliquei-lhe que tudo se podia tratar mesmo com o champô que eu mandara pela miúda

– e que pelos vistos ela não usara – e de como devia lavar a cabeça da filha com alguma

regularidade e, se possível, (aqui senti-me corar) também a das outras pessoas da família.

Foi quando ela me interrompeu, nada aborrecida mas apenas preocupada com a minha

preocupação:

— Não vale a pena, menina, deixe lá, não se esteja a afligir.., disse ela

— Não vale a pena porquê? Perguntei admirada.

— Porque nem a ela aquilo vai passar nem ela vai pegar às outras crianças…

— Porque diz isso? Insisti com ela.

— Porque isto é a modos que uma doença que temos. É, como é que se diz? Hereditário?

— Hereditário?!

— Sim, ela tem, eu sempre tive, a minha mãe sempre teve e a minha avó também tinha. Isto

é mas é uma doença de família. Vê-se logo que é hereditário…

Não sei o que fazer, professora…

Quando a minha aluna terminou a sua história fiquei um pouco sem saber o que dizer. A

argumentação estava correcta: tínhamos as provas. As situações que se repetiam, as dife-

rentes gerações com um mesmo problema, logo a conclusão, para aquela mãe, só podia ser

aquela. A evidência impunha-se por si mesma. Aquela era a argumentação da evidência.

A mesma argumentação que se usa para reafirmar que os da família dos Melros são sempre

assim: já fui professora do pai, dos irmãos mais velhos e agora deste. Nunca conseguiram

aprender nada. Logo, ele também não conseguirá…

Alguns pais dizem que se nasce com vocação para uma coisa: ou jogador de futebol, ou

serralheiro ou médico. É tudo uma questão de vocação, basta ver o que faziam os pais e

os avós…

Os alunos de famílias pobres são sempre mais fracos a matemática…e talvez isto seja tam-

bém uma questão de vocação ou de hereditariedade. Daí que a meritocracia possa benefi-

ciar menos os ricos que os pobres. Mostra-se à evidência que estes serão duplamente be-

neficiados: o mérito de terem sucedido e o mérito de se poderem comparar com os ricos…

A minoria que conseguir, claro.

Como refere António Nóvoa, o que é evidente mente, evidentemente.

Angelina Carvalho

Colaboradora do CIIE da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

A evidência

ANA ALVIM