A origem da mímica corporal : uma entrevista com Etienne ... · PDF fileRESUMO Nesta...

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  • Formado em Mmica Corporal Dramtica pela cole de Mime Corporel Dramatique (Pa-ris/Londres), Doutorando em Artes Cnicas (PPGAC/UFBa), Mestre em Artes (UFBa),Licence dtudes Thtrales (Universit de la Sorbonne Nouvelle Paris III), professordo Curso de Artes Cnicas da Faculdade Social da Bahia, ator e diretor teatral. e-mail:[email protected] ou [email protected]

    APRESENTAO E TRADUO:

    GEORGE MASCARENHAS

    A origem da mmica corporal :uma entrevista com Etienne Decroux

  • R E S U M ONesta entrevista a Thomas Leabhart, Etienne Decroux aborda aspectoshistricos e filosficos acerca do surgimento da mmica corporal dra-mtica e expe seus pensamentos, idias e desejos para a arte teatraldo futuro. Este texto indito em portugus permite o acesso ao pensa-mento do mestre francs, alm de oferecer pistas para o entendimentodesta arte ainda pouco conhecida e praticada, mas de grande impor-tncia para o desenvolvimento do teatro fsico.

    P A L A V R A S - C H A V Emmica corporal dramtica, Etienne Decroux, Jacques Copeau.

    A B S T R A C TIn this interview to Thomas Leabhart, Etienne Decroux approaches thehistorical and philosophical aspects of the origins of dramatic corporealmime and expresses his thoughts, ideas and desires for the art of theatrein the future. This text still unpublished in Portuguese allows for the accessto the thoughts of the French master, besides offering clues to theunderstanding of this art which is not yet well-known and practiced, inspite of its great importance to the development of physical theatre.

    K E Y W O R D Sdramatic corporeal mime, Etienne Decroux, Jacques Copeau.

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    Etienne Decroux e a origem daMmica Corporal Dramtica uma apresentao

    GEORGE MASCARENHAS

    O incio da construo da mmica corporal dramtica temum marco preciso na histria de Etienne Decroux e se d aolongo de quase 60 anos de sua vida quase centenria, atraves-sando uma guerra mundial e dois ps-guerras. Com um con-sidervel conhecimento de histria e artes, o olhar de Decrouxsobre o mundo tem a influncia de sua formao neo-renas-centista foi, segundo ele, pintor, encanador, marceneiro,telhador, aougueiro, aterrador, estivador, reparador de vages,lavador de pratos, enfermeiro (...) (DECROUX, 1994, p.8, trad.nossa).

    Alm disso, sua admirao por quase todas as formas dearte, esporte e trabalho, a potncia e os limites de seu mo-mento histrico viveu entre 1898 e 1991, desenvolvendo suaarte a partir da dcada de 20 , sua perspectiva ideolgicapessoal o humanismo anarquista a necessidade de umaconstruo potica anti-realista manifesta em sua arte e o de-bate sobre a legitimidade e necessidade de sua criao artsti-ca definem um largo panorama de inspirao para o seu per-curso como artista e pensador.

    Nascido na Frana e considerado pelo The Sunday Ti-mes, em 1991, como um dos 1000 realizadores do sculoXX, ao lado de verbetes teatrais mais conhecidos como AntoninArtaud, Bertolt Brecht e Samuel Beckett, Decroux uma figuraemblemtica do artista que repensa a vida atravs de para-digmas ideolgicos, que acredita na transformao pessoal ecoletiva atravs do pensar, do imaginar e do agir, de um olharescrutinador do mundo.

    Etienne Decroux foi, efetivamente, um homem de teatro,embora desejasse tornar-se orador poltico na juventude. Seutrabalho tem incio, justamente, em um momento histrico sin-gular, pautado pelos grandes movimentos modernistas da pri-meira metade do sculo XX, pela sucesso de manifestos denatureza poltica e artstica e pelas reaes a estticas vigentes

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    especialmente o realismo/naturalismo a exemplo dos pro-cedimentos artsticos de Meyerhold, da Bauhaus, de Brecht etantos outros.

    na cole du Vieux Colombier de Jacques Copeau queDecroux, originalmente inscrito para o curso de oratria, des-cobre o princpio gerador de sua mmica corporal. Entre 1924-25, participa da experincia dos Copiaux, o grupo de 15 ato-res que partiram para Pernaud (Bourgogne) com JacquesCopeau, aps o fechamento da cole. Com Jean-Louis Barrault,seu primeiro aluno, inicia o desenvolvimento da tcnica, a par-tir de 1931, e cria diversos espetculos de m-mica, realizandona Comdie Franaise, em 1945, uma de suas peas, O Com-bate Antigo, como cena integrada montagem de Antnio eClepatra de Shakespeare. De 1926 a 1945, Decroux ganha avida como ator de teatro, rdio e cinema, interpretando maisde 65 personagens, sob a direo de Charles Dullin, LouisJouvet, Gaston Baty e Antonin Artaud, e atuando em mais de30 filmes, incluindo o clssico Les Enfants du Paradis (OBoulevard do Crime) de Jacques Prvert e Marcel Carn (1945).S a partir de 1945, passa a dedicar-se exclusivamente cons-truo da mmica, viajando e dando conferncias e oficinasem diversos pases. Em 1963, abre a sua escola, na antigacasa de sua famlia, em Boulogne-Billancourt, subrbio de Pa-ris, onde consolidar a sua pesquisa, afastado da vida teatralcorrente. (SOUM, 1998)

    Seus ltimos assistentes, Steven Wasson e Corinne Soum,diretores da Ecole de Mime Corporel Dramatique/Theatre delAnge Fou International Mime School de Londres, com quemrealizei minha formao na tcnica, relatam com freqncia ovigor e obstinao com que o mestre dedicou-se at o final davida, para a construo de sua arte e afirmao de uma distin-o na tcnica. Todavia, apesar deste empenho, a mmica cor-poral dramtica frequentemente confundida com a pantomi-ma moderna ou mimodrama, estilo que mais se popularizouno sculo XX, embora possua orientaes estticas e princpi-os de criao artstica inteiramente opostos. (MASCARENHAS,2007).

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    No Brasil, a mmica corporal dramtica ainda pouco co-nhecida, mas j possui experincias de formao e produoartstica consolidadas na Bahia, atravs da realizao do cursopermanente de mmica corporal dramtica, realizado durantecerca de 10 anos, em Salvador, e de sua aplicao em discipli-nas das graduaes em teatro (UFBa e Faculdade Social), almda criao de espetculos e preparao corporal de elencos.

    Esta entrevista, indita no Brasil, concedida a ThomasLeabhart e publicada originalmente por ocasio do 80. ani-versrio de Decroux, traz alguns dos elementos de reflexo eestruturao da mmica corporal dramtica: a influncia desua viso de mundo, o encontro com Jacques Copeau e acole du Vieux Colombier, a convivncia com Charles Dullin eLouis Jouvet, o pensamento sobre o teatro de seu tempo, suasposies polticas e a projeo de um desejo para o teatro dofuturo. Com um estilo muitas vezes divertido e irnico, Decrouxindica aspectos metodolgicos da mmica corporal dramticae marca os limites do que considera ser o trabalho do ator edo mmico, reivindicando para o teatro, para o ator, a mesmadisciplina de um futuro msico instrumentista.

    A origem da mmica corporal

    P: Como o senhor comeou a mmica corporal?R: Em primeiro lugar, existe a minha natureza. Por nature-

    za, eu sou o que se poderia chamar de materialista espiritual.Isto significa que me sinto subjugado pelo espiritual quandoele doa sua forma ao material. Quando eu passeava pela Itlia,por exemplo, a coisa que mais me chamava a ateno era queeu tinha a impresso talvez exagerada, mas, de qualquermodo, uma impresso de que os italianos no acreditavam,no autorizavam e no davam nenhum crdito ao seu prprioesprito, at que ele se manifestasse na matria.

    Eu me lembro de uma vez ter lido num jornal sobre umprojeto de se construir um estdio na Amrica capaz de abri-gar milhares de espectadores. Eu no me lembro se eram qua-renta ou quatrocentos mil, mas era um nmero extraordinrio.

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    Eu fiquei cativado pela idia de que poderia haver tanta gentese concentrando no mesmo ponto. Eu acho isto emocionan-te. Certamente, isto tem a ver com o meu temperamento soci-alista. Eu gosto dos corais de canto e fala e de coros de pro-cisses e de protestos e, claro, sou fascinado pelos monu-mentos, porque um monumento um lugar onde as pessoasse renem. Cada pessoa pode ver e ser vista pelos outros. Euacho isto emocionante. Que maravilha sair do seu prprio epequeno eu, sair de sua prpria rotina. Esta a nica coisaque me absorve.

    Obviamente, isto me leva ao segundo pensamento: a idiatem de se materializar. por isto que eu gosto dos esportes.Eu sei muito bem que se pode ser um intelectual e ser frgil,fraco, fora de forma; e que se pode ser um imbecil e, mesmoassim, ser um atleta de primeira classe. Mas, mesmo assim,eu sempre gostei dos esportes, porque os esportes me mos-tram fisicamente a luta do homem. As coisas s comeam ame interessar quando elas se manifestam materialmente. Basi-camente, eu acho que sou mais cristo do que pareo. Vocconhece o debate na Igreja Catlica, quando eles tentaramdecidir se o que valia mais aos olhos de Deus era a f ou asboas aes? Bem, para mim, as duas coisas realmente souma. A f importante, certamente, mas ela s se mostraatravs das aes. Precisa-se agir para medir a f, para poderlev-la a srio. Mas aqui estamos, imobilizados neste corpohumano, ou nesta matria que foi construda por corpos huma-nos com as mos, com as pernas, com os ps, com esforo.

    Uma esttua! Imagine! Algumas vezes, ns vemos escritono pedestal de uma esttua: Erigida com a generosidade dedoaes pblicas. Voc j viu isto, no? Isto quer dizer quemuitas pessoas se reuniram para levantar fundos para erigir aesttua. Que idia emocionante e significativa! Contudo, tudoisto ainda no nos leva mmica. Talvez eu me impressionas-se mais com a escultura do que com a dana, porque a danatinha alguma coisa que no me parecia, digamos, sria, queme parecia fluida, alusiva, algo que no se podia agarrar. Elano parava, no se enraizava, no falava, no articulava.

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    Se fico impressionado com todas as artes, ainda que noigualmente com todas, existe uma que me de