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LUCIANO BATISTA DE OLIVEIRA A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB) E A CRISE POLÍTICA DO GOVERNO COLLOR CAMPINAS 2015

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LUCIANO BATISTA DE OLIVEIRA

A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB) E A CRISE

POLÍTICA DO GOVERNO COLLOR

CAMPINAS

2015

RESUMO

A presente pesquisa busca compreender a atuação política da Ordem dos Advogados do Brasil

(OAB) no período de crise do governo de Fernando Collor de Mello (“Collor”) em duas

frentes: nas ações diretas de inconstitucionalidade propostas pela entidade perante o Supremo

Tribunal Federal contra o Plano Collor I; e na participação da entidade no Movimento pela

Ética na Política. Tal problema de pesquisa será examinado com o emprego de referências

teóricas do institucionalismo histórico. Neste sentido, parte-se da premissa que a OAB é uma

instituição que, em períodos de crise política, passou por mudanças que modificaram sua

estrutura institucional-funcional, mudanças estas que se estabilizaram e funcionaram como

um padrão-referencial de atuação institucional a influenciar a tomada de decisão dos seus

agentes no contexto de crise política do Governo Collor.Esta pesquisa de dissertação de

Mestrado demonstra que a OAB, no contexto do cenário político do governo Collor, exerceu

o papel de instituição fiscalizadora da ação do Estado de forma complexa (membro da

sociedade civil e instituição com poder de fiscalização) para proteger a nova ordem jurídica

constitucional iniciada em 1988. Tratou-se de uma trajetória institucional dependente

fomentada no período de ditadura militar/redemocratização que foi seguida pelas lideranças

da instituição (Ophir Filgueiras Cavalcanti e Marcelo Lavenère). E o fenômeno da trajetória

institucional da OAB se efetivou mediante a articulação de dois fatores causais: o regime

presidencialista da instituição (fator institucional) e o contextual (fator exógeno). O regime

presidencialista da OAB centrou o processo decisório nas mãos da liderança eleita e, como

ocorriam eleições a cada dois anos, o sucessor assumia a trajetória institucional iniciada ou

seguida pelo antecessor e a aplicava em razão do contexto político apresentado, especialmente

se surtisse prejuízo à classe de advogados.

Palavra chave: Ordem dos Advogados do Brasil; Fernando Collor de Mello; Plano Collor I;

Impeachment; OAB; Collor.

ABSTRACT

This research hopes to understand the Ordem dos Advogados do Brasil's (the Brazilian Bar Association, commonly known as OAB) political perfomance during the period of crisis faced

by the Fernando Collor de Melo (“Collor”) government, with regards to two main perspectives: the direct actions of unconstitutionality before the Supremo Tribunal Federal

(Federal Supreme Court) against the Plano Collor I (Collor Plan #1); and the participation of the OAB in the “Movimento pela Ética na Política” (the Movement for Ethics in Politics).

This particular research puzzle will be examined through the application of historical institutionalism and its theoretical references. Therefore, our starting point is the premise that

the OAB, in times of political crisis, underwent several changes that modified its institutional and functional structure. Those changes have stabilized, becoming a standard reference to the

institution's perfomance, influencing its agents' decision-making in the context of political crisis of the Collor government.This Master's thesis demonstrates that the OAB, within the

political context of the Collor government, acted as a supervisory institution of State action in a complex manner (as a member of the civil society and as an institution with supervision

powers) in order to protect the new constitutional legal order established in 1988. This dependent institutional path was fostered during the military dictatorship and the re-

democratization period, and it was followed by the leadership of the institution (Ophir Filgueiras Cavalcanti and Marcelo Lavenère). The OAB's institutional path phenomenon was

made effective by the articulation of two causal factors: the institutional's presidential system (institutional factor) and the contextual (exogenous factor). The OAB's presidential system

centered the decision-making process in the hands of elected leadership and, since elections took place every two years, the successor took over the institutional path established by the

previous leader and applied this path according to the political context, especially if it resonated with the lawyers.

Keywords: Brazilian Bar Association; Fernando Collor de Melo; Collor Plan 1; Impeachment; OAB; Collor.

DEDICATÓRIA

Dedico esta pesquisa aos meus Mestres que me

auxiliaram a amar o saber, a pesquisa acadêmica e a

docência. Em primeiro, a Joel Fernandes por me

despertar e introduzir na Filosofia, o maior saber de

todos. Em segundo, a Dimitri Dimoulis por ser meu

primeiro orientador em pesquisas científicas. Em

terceiro, a Andrei Koerner pelo apoio e incentivo

nos meus primeiros passos no Mestrado em Ciência

Política. E, por fim, Frederico N. R. de Almeida pela

confiança, humildade e, acima de tudo, pela

paciência, orientando-me com toda presteza e

sabedoria.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10

CAPÍTULO I - OAB: ELITE POLÍTICA, CLASSE PROFISSIONAL, INSTITUIÇÃO

HÍBRIDA OU INSTITUIÇÃO? ............................................................................. 13

1 – INTRODUÇÃO ................................................................................................ 14

1.1 – Perspectivas teóricas sobre a OAB .................................................................... 16

1.2 – O institucionalismo .......................................................................................... 21

1.2- Conclusão ......................................................................................................... 22

CAPÍTULO II - O INSTITUCIONALISMO HISTÓRICO .................................. 23

2 – Introdução .......................................................................................................... 24

2.1 – Panorama sobre conceitos analíticos afetos à mudança institucional................... 25

2.2 – Conclusão ........................................................................................................ 31

CAPÍTULO III – MÉTODO E PROCEDIMENTO ANALÍTICO........................ 31

3 – Introdução .......................................................................................................... 32

3.1 – Critérios analíticos ........................................................................................... 34

3.2 – Universo de pesquisa, lapso temporal e fontes de pesquisa ................................ 34

CAPÍTULO IV – BREVE ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL

DA OAB NO PERÍODO 1964-1989 ....................................................................... 37

4 – Introdução .......................................................................................................... 38

4.1 –A OAB e seus passos contraditórios: entre o corporativismo e a política ............. 39

4.1.1 – Análise do período ........................................................................................ 42

4.2 – O apoio institucional da OAB ao regime militar de 1964 a 1970 ........................ 44

4.2.1 – Análise do período ........................................................................................ 46

4.3 – A modificação gradual da OAB perante o regime militar de 1970 a 1983 ........... 49

4.3.1 – Análise do período ........................................................................................ 52

4.3.2 –Outra análise: o produto da modificação institucional e sua contestação ........... 53

4.4 – A OAB e a nova Constituição........................................................................... 56

4.4.1 – Análise do período ........................................................................................ 62

4.5 – Conclusão e hipóteses à pesquisa ...................................................................... 63

CAPÍTULO V – O PAPEL DA OAB CONTRA O PLANO COLLOR I .............. 70

5 – Introdução .......................................................................................................... 71

5.1 – Primeiro período: a OAB como ator político com expertise jurídica ................... 72

5.2 – Segundo período: a OAB como instituição com poder fiscalizatório dos atos do Estado e

membro da sociedade civil com expertise jurídica ..................................................... 83

5.3 – Conclusão ........................................................................................................ 91

CAPÍTULO VI – O PAPEL DA OAB NO IMPEACHMENT DE COLLOR........ 93

6 – Introdução .......................................................................................................... 94

6.1 – Primeiro período: a OAB como membro da sociedade civil no Movimento pela Ética na

Política (MEP) ......................................................................................................... 95

6.2 – Segundo período: a OAB como membro da sociedade civil ............................. 105

6.3 – Conclusão ...................................................................................................... 118

CONCLUSÃO GERAL ........................................................................................ 120

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 126

10

INTRODUÇÃO

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi criada para cumprir uma função

institucional corporativa (seleção e disciplina da classe de advogados), mas, desde o início,

atuou no campo político mais amplo e, em 1964, apoiou o regime militar, posição esta que se

modificaria de maneira incremental no período de 1970 a 1973 para oposição e atuação como

membro da sociedade civil. Esta atuação remodelou a função institucional da OAB, tornando-

a numa instituição complexa – organização com atuação corporativa e ator coletivo-político

como membro da sociedade civil com expertise jurídica e instituição com poder de

fiscalização em relação aos atos do Estado.

Por isso, a literatura em ciências sociais tem analisado a atuação desse ator

coletivo e sua complexa ação política e produziu inúmeras pesquisas. NesTe sentido, pode-se

dividir a literatura sobre o tema em quatro flancos de análise: i) profissionalização da classe

de advogados e criação da OAB em 1930 (BONELLI, 2002); ii) apoio da OAB à ditadura

militar (BONELLI, 2002; MATTOS, 2008; NEVES, 2009; SEELAENDER, 2008;

ROLLEMBERG, 2008); iii) oposição da instituição contra a ditadura militar, o respectivo

apoio aos movimentos sociais insurgentes (a partir de 1974) e sua ação política no período de

redemocratização brasileira, especialmente na Constituinte 1988 (BONELLI, 2002; MOTTA

e DANTAS, 2006; MATTOS, 2008; MOTTA, 2006; AQUINO, 2007; XIMENES, 2007;

ROLLEMBERG, 2008); e, por fim, iv) atuação no período do governo de José Sarney

(MOTTA e DANTAS; SCHILLING, 1997).

Entretanto, o universo acadêmico em ciência política carece de pesquisas que

foquem detidamente a atuação da OAB no período da crise do governo de Fernando Collor de

Mello (Collor).

Sob esse aspecto, diz-se “detidamente”, porque existe uma pesquisa acadêmica

que examina a atuação da OAB no período do governo Collor. Trata-se da pesquisa de

dissertação de mestrado de TATAGIBA (1998) que analisou a conjuntura da crise do governo

Collor e a atuação dos movimentos sociais em tal período, principalmente no processo de

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cassação do mandato presidencial (impeachment) – e é, em tal contexto, que a referida

pesquisadora fez o examine da OAB.

Porém, existem motivos plausíveis a legitimar uma análise detida relativa à

atuação da OAB no período do governo Collor, que são os argumentos adiante mencionados.

Conforme salientado acima, a OAB, em função da ação política em contextos de

crise política (ditadura militar, redemocratização brasileira e a instalação da Constituinte de

1988), passou por mudanças institucionais que delinearam sua ação funcional efetiva e

ampliaram seu papel enquanto ator no cenário político, o que permitiu a ela, OAB, agir tanto

como corporação, ou instituição fiscalizadora das ações governamentais ou, ainda, como ator

componente de movimentos sociais.

A instituição, em razão disso, no período do governo Collor exerceu novamente

papel expressivo e atuou como instituição fiscalizadora dos atos estatais e como membro da

sociedade civil. Explica-se:

I. Propôs ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) perante o STF, a fim

de questionar a constitucionalidade da edição de inúmeras medidas

provisórias editadas por Collor, que compunham o pacote econômico

(Plano Collor I) aventado no período de eleições (1989), sob o argumento

de não preenchimento dos critérios de urgência e relevância da matéria a

ser regulada (Cf. art. 62, caput, da Constituição Federal). 1

II. Acompanhou as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito

instaurada do Congresso para apurar a denúncia de corrupção feita por

Pedro Collor contra Collor e Paulo Cesar Farias (PC Farias) à revista

“Veja”;

III. Protocolou, em conjunto com ABI, pedido de impeachment perante a

Câmara contra o Collor em 1° de setembro de 1992; e,

IV. Compôs o Movimento pela Ética na Política (MEP), conjuntamente com

outros principais membros: a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,

o Pensamento Nacional de Bases Empresariais e a Central Única dos

Trabalhadores.

1Salienta-se, em tal contexto, que o manuseio e proposição da ADI é adstrito a um rol de instituições legitimadas.

A OAB é uma destas instituições, podendo mover a ação para a declaração de inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, de lei ou ato normativo.

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Essa digressão elucida um fato político: está-se diante de uma instituição

complexa com atuação complexa no cenário da política. Tal referência empírica dá guarida

suficiente para tornar necessária a análise da atuação da OAB. E mais: um importante

problema de pesquisa emerge dessa referência empírica, que é: qual o papel político exercido

pela OAB no contexto de crise política do governo Collor?

O referencial teórico a permitir o exame desse problema de pesquisa é o do

institucionalismo histórico. Segundo esta vertente da ciência política, as instituições são

integrantes relativamente permanentes da paisagem histórica e política, e, ao mesmo tempo,

um dos principais fatores que mantém o desenvolvimento histórico; ainda, segundo essa

perspectiva, as instituições não são os únicos fatores que influenciam a vida política e deixa

espaço para outros fatores, como os socioeconômicos e culturais (HALL E TAYLOR, 1996).

Ao mais, esse referencial permite analisar o desenvolvimento das instituições

(institutional development), em contextos históricos de crise política (critical conjunctured) a

passar por modificações institucionais abruptas ou graduais causadas por fatores externos (o

próprio contexto de crise) ou internos (a ação dos membros da organização), que, uma vez

sedimentadas, traçam trajetórias institucionais (path dependency) a influenciar a ação dos

membros de uma instituição em outros contextos históricos.

Por isso, a aplicação do institucionalismo histórico é pertinente, pois permite:

I. Entender a OAB como ator político e coletivo, logo, uma instituição;

II. Entender a complexidade da OAB como resultante de um processo

histórico de modificação institucional a se sedimentar como regra

institucional de atuação a influenciar a tomada de decisão dos membros

da organização;

III. Permitir a análise da complexa atuação da OAB na de crise do governo

Collor em relação a esse processo de desenvolvimento institucional.

Salientado isso, e dialogando com o referencial teórico escolhido, levanta-se a

seguinte hipótese de pesquisa a ser testada: no contexto do cenário político do governo

Collor, a OAB exerceu o papel de instituição fiscalizatória da ação do Estado para proteger a

nova ordem jurídica constitucional iniciada em 1988 e seguiu uma trajetória institucional

dependente construída anteriormente que serviu de parâmetro para a tomada de decisão sobre

sua ação na crise instalada.

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Portanto, esses são o objeto, o problema de pesquisa e a hipótese a ser testada

lastreada no referencial teórico escolhido que, uma vez concretizados, contribuirão com o

universo de pesquisa em ciência política que analisa a atuação da OAB no cenário político

brasileiro.

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CAPÍTULO I - OAB: ELITE POLÍTICA, CLASSE PROFISSIONAL,

INSTITUIÇÃO HÍBRIDA OU INSTITUIÇÃO?

1 – Introdução

Este capítulo visa basear a pesquisa em um referencial teórico capaz de fornecer

um arsenal de conceitos analíticos para explicar um ator político complexo e que age de

forma complexa, que é a OAB. Diz-se isto pelo fato desta organização não se enquadrar pura

e simplesmente em categorias analíticas referentes a certos atores 2, pois, apesar de ser

destinada à seleção e disciplina de advogados, articula-se politicamente e assume papéis

diferentes em um mesmo contexto histórico a atuar ora como fiscal dos atos estatais, ora

como membro da sociedade civil, mas também como instituição com poder efetivo de

fiscalização das demais instituições públicas. 3

Afinal de contas, o que é a OAB para a ciência política?

Talvez seja essa a grande questão a permear o imaginário dos que pesquisam a

OAB e sua atuação; e é esta a perquirição de pano de fundo da pesquisa, cuja importância

ganha mais peso quando se percebe que está ligada umbilicalmente ao fato político objeto da

dissertação e ao problema de pesquisa erigido. Veja-se:

i. Fato político: a atuação complexa da OAB no período de crise do governo Collor

como membro da sociedade civil (componente do Movimento pela Ética na

Política e proponente indireto do pedido de impeachment) 4 e como instituição a

promover atos de fiscalização (legitimada a propor de ação direta de

inconstitucionalidade); e,

ii. Problema de pesquisa: buscar compreender qual o papel político exercido pela

OAB no contexto de crise política do governo Collor; e,

2 Esse aspecto será descrito com mais profundidade quando do exame do bacharelismo e do profissionalismo

jurídico. 3 O capítulo III detalha de forma pormenorizada esse aspecto da OAB. 4 Porque quem propôs o pedido de impeachment foi o então presidente da OAB, Marcelo Lavenère.

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iii. Hipótese de pesquisa: a OAB exerceu o papel de instituição fiscalizatória da ação

do Estado para proteger a nova ordem jurídica constitucional iniciada em 1988 e

seguiu uma trajetória institucional dependente construída anteriormente que serviu

de parâmetro para a tomada de decisão sobre sua ação na crise instalada.

Ou seja, necessita-se de um referencial teórico capaz de explicar a natureza da

OAB e, ainda, seu papel político complexo, mas não só isto. Deve também dar conta

explicativamente da atuação da organização, levando-se em consideração outro fator causal: o

contexto histórico e político, pois, conforme a literatura pertinente ressalta5, a complexidade

da OAB é fruto de uma construção histórica.

Aprofundando esse ponto, frisa-se que a OAB foi criada para cumprir uma função

institucional corporativa e desde o início atuou no campo político mais amplo. Atuou em

1964 e apoiou o regime militar, porém, seu posicionamento institucional de mudou

incrementalmente em função da ação de seus membros, assim, opôs-se à ditadura e apoiou os

movimentos sociais insurgentes. Esta atuação remodelaria a atuação institucional da OAB,

tornando-a complexa – organização com atuação corporativa e ator coletivo-político a atuar

no campo político como membro da sociedade civil com expertise jurídica e instituição com

poder de fiscalização em relação aos atos do Estado, tendo por referência a Constituição

Federal.

Esse aspecto permite a depreensão de três conclusões.

Em primeiro lugar, percebe-se que o passado da OAB diz muito sobre o seu modo

de atuação, especificamente o modo como se modificou institucionalmente em momentos de

crise política a criar um novo papel de atuação que se estabilizou.

Em segundo lugar, a OAB passou por mudanças institucionais não só pela questão

do contexto de político de crise, mas, também, pela ação institucional de seus membros, isto

é, as lideranças que compunham os seus quadros funcionais, que, afinal de contas, foram as

pessoas que de fato agiram, tomaram e executaram as decisões escolhidas – e tal aspecto é

relevante quando se percebe que as modificações no papel da OAB ocorreram a partir da

percepção de suas lideranças do contexto político de crise, os quais remodelaram a atuação da

organização. 6

Por fim, e em terceiro lugar, a forma de atuação complexa da OAB foi exercida

novamente no período de crise política do Collor. Ora, em tal contexto, a OAB não exerceu

5 Cf. BONELLI, 2002; MATTOS, 2008; NEVES, 2009; SEELAENDER, 2008; ROLLEMBERG, 2008 MOTTA

e DANTAS, 2006; MATTOS, 2008; e, MOTTA, 2006. 6 O capítulo III detalha de forma pormenorizada esse aspecto da OAB.

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semelhantemente o papel de membro da sociedade civil como no período de ditadura militar e

redemocratização?

Em síntese, o referencial teórico deve explicar a OAB e sua atuação complexa, o

que está ligado ao exame de outros fatores: o exame do passado histórico da organização

(contexto histórico), da atuação de suas lideranças em tal período e das modificações

institucionais caracterizadoras desse papel complexo que foi replicado no período de crise do

governo Collor (trajetória institucional).

Portanto, esse é o enfoque e o alcance deste capítulo. Busca-se no seu decorrer

escolher um enfoque teórico pertinente que preencha os aspectos mencionados.

1.1 – Perspectivas teóricas sobre a OAB

A atuação complexa da OAB está interligada diretamente com a questão de se

compreender a OAB enquanto ator político; e, nas ciências sociais brasileiras, este também é

um problema candente e existem quatro referências teóricas tendentes a examiná-la, que são:

I. O bacharelismo;

II. O profissionalismo jurídico;

III. A abordagem formalista (legal); e,

IV. A abordagem político-institucional.

No decorrer no texto se fará uma análise detida das três primeiras referências

teóricas e suas críticas. Após se esgotar tal ponto, adentrar-se-á no exame do

institucionalismo.

A primeira perspectiva visa analisar a identidade dos advogados enquanto

fenômeno político. Trata-se do bacharelismo que identifica a classe de advogado como uma

elite política. Sob tal aspecto, os advogados são caracterizados pela importância político-

social no Brasil por ocupar e exercer atividades de teor político no âmago do Estado, o que

ocorreu fundamentalmente entre 1831 e 1930 (MEDINA, 2009).

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Em tal período, certa crença foi depositada nos profissionais do Direito enquanto

sujeitos capazes de exercer atividades políticas, e isto tem sua razão de ser: a relativa ausência

de homens letrados e capazes de ocupar cargos da burocracia de Estado, em função da

sociedade ter sido formada por uma minoria de proprietários de terra e por uma grande massa

formada por trabalhadores e escravos. Por isto, optou-se por trazer bacharéis de Coimbra, em

Portugal, e se criou duas Faculdades de Direito no Brasil, em São Paulo e em Recife

(MEDINA, 2009). Com a criação de tais Faculdades, uma nova elite política coesa foi

constituída, disciplinada e propensa às razões do Estado, e que se colocava à frente dos

negócios públicos a ponto de substituir, pouco a pouco, a tradicional burocracia herdada da

administração de Dom João VI (ADORNO ABREU, 1988).

Entretanto, essa importância política, social e cultural da advocacia no Brasil

passou a perder sua influência a partir de 1930 (Governo de Getúlio Vargas), período no qual

o bacharel em Direito passou a “ceder” os espaços antes cativos da burocracia estatal para

outros profissionais (tecnocratas), fator este acentuado na ditadura militar (LOBO, 1996). 7

Por sua vez, a segunda vertente busca examinar a OAB enquanto classe

profissional, adotando o prisma da sociologia das profissões. Sob tal prisma, o referencial

teórico é o profissionalismo (“trabalho especializado”), que é um modelo analítico que visa

explicar como os trabalhadores especializados, detentores de conhecimentos abstratos (o

conhecimento jurídico e o médico, por exemplo), podem controlar seu âmbito de trabalho e

foram capazes de criar/aplicar o próprio discurso especializado aos assuntos humanos, bem

como a disciplina ou o locus sobre o qual têm domínio (FREIDSON, 1995).

A sociologia das profissões busca entender, por conseguinte, como os integrantes

das profissões jurídicas superiores, entre eles os advogados, atingiram a coesão interna,

vencendo tensões criadas por concorrentes externos e internos ao campo de jurídico

(BONELLI, 2002).

Por fim, tem-se a terceira vertente, a do formalismo jurídico. Não se trata de um

corpo teórico com conceitos definidos a permitir o exame da OAB. Resume-se a uma análise

baseada numa tipologia formal. Neste sentido, alguns estudiosos partem da referência do

artigo 44, inciso I e II, da Lei n.° 8.906 de 1994, no qual está expresso que a OAB exerce duas

funções: a finalidade corporativa e a institucional. Com base nesta referência, a literatura

7 Cf. sobre o assunto: FAORO, 2001; HOLANDA, 1995; e FREIRE, 2002.

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pertinente afirma que OAB é uma corporação que exerce dupla função: a função corporativa:

a defesa dos interesses e prerrogativas dos advogados; e, a função institucional: proteger os

interesses sociais, os direitos humanos, a justiça social, da Constituição e da ordem

democrática – este papel é denominado de função institucional (LESSA e LINHARES, 1991;

Bastos, 2007; CURI, 2008; MOTTA, 2008).

Essas são, então, as principais referências teóricas sobre a OAB. Porém, algumas

críticas serão dirigidas a elas, começando pelas perspectivas do bacharelismo e do

profissionalismo.

Essas perspectivas não oferecem arsenal analítico capaz de propiciar o exame da

ação política da OAB e sua relação com a atuação no período do Governo Collor, porque

ambas as perspectivas possuem contextos analíticos específicos e alcance limitado.

O bacharelismo visa examinar o surgimento da advocacia como classe

componente de uma elite política. Seu âmbito de análise recai sobre a formação da classe dos

advogados em um lapso temporal certo: o Segundo Império até a República Velha. Em tal

período, a própria OAB não existia e os advogados, apesar de constituírem uma elite, foram

uma classe fragmentada e sem um núcleo com controle sobre seus pares. Conforme

caracteriza BONELLI (2002), a classe dos advogados foi formada por aqueles advogados sem

formação jurídica, os denominados “rábulas”; e por aqueles com formação jurídica. A luta,

então, seria unificar a classe e obter a coesão, para disciplinar e selecionar os advogados, o

que foi alcançado com a criação da OAB em 1930 devido à promulgação do Decreto n.°

19.408/1930, após inúmeros esforços do Instituto dos Advogados do Brasil, o IAB

(BONELLI, 2002).

A sociologia das profissões, por seu turno, centra-se fundamentalmente no

fortalecimento, coesão interna e autonomia para disciplinar e selecionar os advogados. No

entanto, não oferece conceitos analíticos para examinar a atuação de classes jurídicas no

cenário político mais amplo (OLIVEIRA, 2011). 8

8 Por isso que OLIVEIRA, filiada em parte à vertente do profissionalismo jurídico, ao analisar a atuação dos

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) criou um construto ideal complementar. O instrumental analítico

foi: a abordagem da judicial politics (atitudinal, estratégica, institucional e legal) que tem por foco o papel das cortes no processo político de tomada de decisão. Tendo por base esse instrumental mais complexo, OLIVEIRA

compreendeu que, como se intensificou o relacionamento entre direito e política com a Constituição de 1988, o

Supremo Tribunal Federal teve seu espaço de atuação política expandido, mas que tal expansão teria seus

problemas de legitimidade ao se constatar que os Ministros do Tribunal não são eleitos, o que se agravaria quando eles tivessem de enfrentar maiorias legislativas ao declarar leis ou atos inconstitucionais. Neste sentido, a

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De certo, não são fenômenos estanques. Tanto o bacharelismo como o

profissionalismo convivem no interior da OAB e de outras carreiras jurídicas (BONELLI,

2002; e ALMEIDA, 2002).

No que se refere ao bacharelismo, inúmeros membros da OAB ainda hoje

investem em capitais jurídicos e políticos, persistindo os traços do bacharelismo, ou seja, a

formação de uma classe jurídica com forte conotação política. Neste sentido, ALMEIDA

(2010) salienta que existem quatro tipos de juristas que investem no capital jurídico e político,

que são:

I. Bacharéis políticos: são aqueles com formação superior jurídica e que com

atividade política preponderante, compondo os quadros legislativos do

Estado brasileiro em todos os níveis da federação;

II. Políticos-juristas: são aqueles com forte transição entre o direito e a

política, com destacada atuação em ambos os campos, mesmo diante da

característica diferenciação do primeiro em face do segundo;

III. Juristas da política: são os assessores jurídicos de gabinete e os advogados

de partido, que prestam serviços técnicos especializados a políticos e que

acumulam, por tal fato, quantidades consideráveis de capital político nas

redes de relacionamento com agentes políticos, ao passo que ainda

mantém sua vinculação ao campo jurídico;

IV. Juristas-políticos: são aqueles, assim como os políticos-juristas, transitam

entre o campo político e jurídico com relativo equilíbrio de investimentos,

embora mantenham vinculação predominante ao mundo do direito, seja na

marca de sua atuação política, seja no maior tempo de vida dedicado às

atividades jurídicas (ALMEIDA, 2010).

No que diz respeito ao profissionalismo, situação que o caracteriza é o papel

influente da OAB na modelação do ensino jurídico e, ainda, a implementação da denominada

“Prova da OAB”, os quais são meios de controle sobre a formação e seleção de advogados,

entre outros, como os controles éticos e disciplinares e o estabelecimento de atividades

privativas. pesquisadora aponta que os ministros do STF buscam uma fonte alternativa de legitimidade: a autoridade

profissional, apoiando-se na expertise jurídica (profissionalismo jurídico), criando dois efeitos com o seu uso – a

criação de um meio alternativo de controle democrático para os atores políticos e sociais e, de outro lado, o

estabelecimento de certa independência dos juízes no que se refere aos interesses político -partidários (OLIVEIRA, 2011).

20

Não obstante a pertinência, problemas existem quanto à adoção dessas

perspectivas. O bacharelismo considera o papel dos juristas como atores políticos, parte da

elite política em geral, mas não especificamente da OAB como instituição e nem considera as

relações entre o caráter técnico-profissional e a atividade política dos bacharéis. Por sua vez, o

profissionalismo jurídico enfoca principalmente a atuação dos advogados como profissionais

e da OAB como entidade corporativa, compreendendo a atuação política da entidade apenas

no que se refere às interações necessárias da corporação com o Estado para garantia da

autonomia profissional.

Falta, assim, uma análise centrada OAB enquanto ator coletivo e político, atuante

no cenário político amplo diante de inúmeras instituições, sendo este o enfoque escolhido no

presente projeto de Mestrado.

Essas são as críticas dirigidas ao bacharelismo e ao profissionalismo jurídico.

Adentra-se, agora, à crítica direcionada à terceira referência teórica.

Trata-se de uma tipologia que é formal e que, por isso, cria uma percepção

estática ou “fotográfica”: a OAB enquanto corporação que exerce dupla função. Mas é uma

perspectiva cuja correspondência empírica é duvidosa. Cita-se o próprio exemplo da atuação

da OAB no período de impeachment de Collor, no qual a organização atuou de maneira

complexa: como da sociedade civil e como instituição com poder de fiscalização de atos do

Estado, tendo por base a Constituição de 1988 (legitimação à propositura de ações direta de

inconstitucionalidade). Em tal período, a análise formal e tipológica não explica o fato da

OAB não exercer o papel de corporação diretamente e, ainda menos, o papel preponderante

como membro da sociedade civil e como instituição com poder com de fiscalização.

Talvez a principal falha dessa referência seja não adotar uma perspectiva de

“fotografia em movimento”, ou seja, do objeto pesquisado se desenvolvendo ao longo do

tempo e devidamente inserido em um contexto histórico (PIERSON, 1994).

Analisados esses aspectos, no próximo tópico será examinado o institucionalismo.

21

1.2 – O institucionalismo

O institucionalismo permite analisar a OAB enquanto instituição. Nesta

abordagem, o objeto de pesquisa se centra nas instituições, porque têm importância na ação

política de pessoas a influenciar situações políticas (ALMEIDA, 2005). Sob tal perspectiva,

as instituições são compreendidas como o conjunto normativo (procedimentos, protocolos,

normas e convenções oficiais e oficiosas) relativo à estrutura organizacional de certa

comunidade política ou da economia, foco este que permite a associação das instituições às

organizações e às regras ou convenções editadas pelas organizações formais (HALL e

TAYLOR, 1996).

Isso denota um ponto fulcral, que é o argumento central do institucionalismo:

avaliar uma coletividade como um ator coletivo a atuar no cenário político mais amplo, pois a

faceta formal e institucionalizada dá estrutura organizacional a um agrupamento humano e

político e, ainda, sua identidade funcional efetivada por meio de normas.

Por isso, essa será a perspectiva teórica adota nesta pesquisa.

Tal aspecto é aplicável à OAB, pois pode ser considerada uma instituição.

Conforme denota ALMEIDA (2005), a organização possui uma faceta institucionalizada

dentro do sistema de justiça, pois, na Constituição Federal de 1988, passou a exercer o papel

institucional no sistema de justiça brasileiro (art. 133 da CF). Neste sentido, os atos dos

advogados no desenrolar de um processo judicial adquirem caráter público e é um serviço

indispensável à administração da justiça (ALMEIDA, 2005). 9

Ao mais, é uma instituição desde sua criação, por se tratar de uma organização

humana, de advogados, que se estruturou formalmente, a fim de disciplinar e selecionar os

advogados em sua atividade profissional – o estatuto jurídico da OAB (Decreto n.°

9 Argumenta, ainda, ALMEIDA que a institucionalização da OAB buscaria justificar o papel político construído

durante o período de ditadura e redemocratização de defensor da ordem jurídica liberal democrática, significando

um ponto de aproximação entre a advocacia e a estrutura do Estado brasileiro como uma função pública com caráter técnico especializado (ALMEIDA, 2005).

22

19.408/1930), promulgado por Vargas, criou sua organização, no sentido de estabelecer sua

estrutura e funcionamento, bem como funções oficiais – a seleção e disciplina dos advogados.

Por fim, e assentada a ideia segundo a qual a perspectiva do institucionalismo

permite a análise da faceta institucional da OAB, afirma-se outra questão: o institucionalismo

possibilita o exame do processo histórico de formação de mudança institucional. Conforme

explicam HALL e TAYLOR (1996), os institucionalistas se preocupam em analisar, entre

outras temáticas, o surgimento, o desenvolvimento e as mudanças das instituições,

construindo modelos analíticos incrementados para tal fim (HALL e TAYLOR, 1996).

Esse ponto é importante, porque a OAB atuou em contextos de crise política,

como no caso da ditadura e da transição democrática e, em tais contextos, sofreu mudanças

institucionais que delinearam sua ação funcional e ampliou seu papel enquanto ator político

no cenário político, o que possibilitou à instituição agir como corporação, como instituição

fiscalizadora das ações governamentais ou, ainda, como ator componente de movimentos

sociais.

1.2 – Conclusão

Dentre a pertinência de cada referência teórica, escolheu-se o institucionalismo,

pois permite o entendimento da OAB como ator coletivo no cenário político mais amplo (não

descurando do papel dos membros da organização), logo, uma instituição e, ainda, o seu

desenvolvimento institucional em contextos históricos, o que pode explicar o processo de

modificação pela qual a instituição passou em períodos de crises anteriores, “lançando luzes”

ao exame da atuação complexa da OAB no período do governo Collor.

Entretanto, afirmar isso é pouco. Esse referencial teórico tem de oferecer,

conforme explicado no início, conceitos analíticos capazes de articular outros fatores: o

exame do passado histórico da OAB (contexto histórico), da atuação de seus membros

representantes (os advogados) em tal período e das modificações institucionais

caracterizadoras desse papel complexo que foi replicado no período de crise do governo

Collor (trajetória institucional estabilizada).

Assim, buscar-se-á no próximo capítulo adentrar de forma mais específica no

institucionalismo e, em especial, em uma de suas vertentes, o institucionalismo histórico, a

23

fim de verificar quais são os conceitos analíticos oferecidos para o exame da atuação

complexa da OAB.

24

CAPÍTULO II - O INSTITUCIONALISMO HISTÓRICO

2 – Introdução

Dentre a variedade de vertentes institucionalistas (escolha racional,

institucionalismo sociológico e o histórico), especial atenção se dá nesta pesquisa aos

trabalhos recentes de pesquisadores denominados “institucionalistas históricos”. Tais

estudiosos entendem que as instituições são integrantes relativamente permanentes da

paisagem histórica e, ao mesmo tempo, um dos principais fatores que mantêm o

desenvolvimento histórico; esse referencial teórico afirma também que as instituições não são

os únicos fatores que influenciam a vida política, deixando espaço para outros fatores, como

os socioeconômicos e culturais (HALL E TAYLOR, 1996).

Adentra-se, por isso, no referencial teórico dos institucionalistas históricos que

visam analisar o desenvolvimento das instituições, que irá auxiliar no exame dos

apontamentos do capítulo anterior, ou seja: a análise do passado histórico da organização

(contexto histórico), da atuação de seus membros representantes (os advogados) em tal

período e das modificações institucionais caracterizadoras desse papel complexo que foi

replicado no período de crise do governo Collor (trajetória institucional estabilizada).

Dentro do universo teórico do institucionalismo histórico, inúmeros insights

foram desenvolvidos sobre a mudança institucional, que giram em torno de duas concepções:

o incrementalismo – mudança como resultado da acumulação gradual de pequenas

transformações e pela ação de fatores causais externos; 10

e o desequilíbrio descontinuo –

10 A concepção da vertente denominada equilibrium point enfatiza que a mudança institucional se efetiva a

partir de alterações radicais nos padrões incrementais por efeito da ocorrência de grandes transformações contingenciais exógenas e não institucionais (REZENDE, 2011; JONES E BAUMGARTER, 2006; GREIF,

2004; MAHONEY e THELEN, 2010; MAHONEY, 2011). Tem-se por premissa que as instituições passam por

longos períodos de continuidade institucional, onde são reproduzidas. A estabilidade, entretanto, seria

interrompida em momentos críticos de mudança radical, no qual a ação política molda as estruturas institucionais (MARCH e OLSEN, 2005).

25

mudança como resultado dos padrões incrementais de forma radical a partir de fatores

externos. 1112

Ambas as concepções oferecem conceitos analíticos importantes para a análise

das mudanças institucionais, notadamente os conceitos da trajetória dependente (path

dependence) e da conjuntura crítica (critical conjuncture). Tais perspectivas, no entanto,

avaliam a mudança a partir do exame da ação de fatores externos sobre as instituições, que

simplesmente se adaptariam. Neste sentido, nova concepção foi criada, fornecendo outros

insights, tendo por foco fatores institucionais internos (a ação dos agentes sobre a estrutura)

que gerariam a mudança das institucionais de forma gradual (gradual change).

Tem-se, assim, a partir do exame dessas concepções um modelo analítico que

permite o exame das instituições a partir de enfoques diferentes, mas complementares.

Tais conceitos são importantes para a presente pesquisa por permitirem analisar a

OAB enquanto instituição, compreendendo-a inserida em um lapso temporal e o seguinte

ponto: suas modificações institucionais, intercalando a ação de seus membros e o contexto

histórico como fatores causais de mudança institucional, e como tal mudança influi na ação

institucional das lideranças da OAB em períodos crise política (como a crise política do

governo Collor).

2.1. Panorama sobre conceitos analíticos afetos à mudança institucional

No institucionalismo histórico as instituições são consideradas estáveis e

tendentes a perdurar no tempo após sua criação por meio de mecanismos institucionais de

11 E a concepção do incrementalismo preceitua que a mudança ocorre com o acumulo gradual de pequenas

transformações e com a incidência de fatores externos, perante os quais ocorrem modificações pontuais (REZENDE, 2011). Sob tal aspecto, a mudança incremental pode se referir tanto a uma mudança individual, que

é pequena em magnitude e de curta duração, diante de certo contexto, bem como a uma série de pequenas

modificações que contribuem para uma grande mudança ao longo de um longo período de tempo. Tais

modificações diminutas e de curta duração podem ser as peças componentes de um processo global de mudança grande e lento (MAHONEY, 2010). 12 Não obstante a importância de tais concepções estão sujeitas a importantes críticas, que são:

i. O excessivo apego à estabilidade institucional (path dependency), não se elaborando um

conceito analítico adequado referente à mudança em si; ii. O excessivo apego ao argumento que a mudança ocorre unicamente em razão de modificações

abruptas causadas por fatores exógenos (critical conjunctures);

iii. Correlatamente, não se levaria em consideração a mudança institucional: causada por

processos incrementais e paulatinos; e, por fatores endógenos (institucionais e de agência)(REZENDE, 2011).

26

reprodução. As transformações institucionais ocorreriam com a incidência de fatores

exógenos, o que permitiriaaos agentes alterarem a trajetória institucional com seus legados. A

análise de mudança, então, é centrada nos mecanismos causais do path dependence e da

critical conjunctures, pois ambos os conceitos analíticos explicariam a estabilidade

institucional seguida de momentos críticos ensejadores de mudanças (REZENDE, 2012;

MAHONEY e THELEN, 2010; MAHONEY, 2010; THELEN, 2009; PIERSON, 2000 e

2004).

Um dos principais conceitos analíticos adotados na perspectiva do

institucionalismo histórico é o path dependency, o qual enfatiza o impacto de legados

políticos sobre escolhas políticas subsequentes (HALL e TAYLOR, 1996). Tais fatores, em

um momento histórico particular, podem determinar variações nas sequências sociopolíticas,

ou nos resultados dos países, sociedades e sistemas (KATO, 1996).

Grosso modo, o path dependency preconiza que, uma vez feita uma escolha

politica sobre a criação de certa instituição e sua finalidade, o novo desenho institucional

traçaria o caminho a ser concretizado na instituição e conformaria o interesse e a ação dos

seus agentes.

Amiúde, entretanto, o path dependency é definido vagamente com a noção de que

"a história importa" ou que "o passado influencia”, o que levou os estudiosos a compreendê-lo

inadequadamente como uma forma de análise que rastreia os resultados de volta para causas

temporalmente remotas. Necessita-se, assim, da definição do conceito de path dependency de

tal maneira a demonstrar os padrões e mecanismos que estabelecem a estabilidade

institucional (MAHONEY, 2000).

Nesse sentido, o principal esforço foi realizado por PIERSON (2000 e 2004).

Conforme explica o autor, o conceito de path dependency tem origem na disciplina da

economia, na qual também é chamado de retornos crescentes (increasing returns). Afirma o

autor que alguns teóricos da economia entendem que os retornos crescentes são o próprio path

dependency e, para outros, são apenas uma forma de path dependency. É no campo da

economia da tecnologia, no entanto, que argumentos baseados nos retornos crescentes têm

sido mais férteis. Em termos gerais, retornos crescentes significam que a probabilidade de dar

um passo à frente no mesmo caminho ou trajetória estabelecida aumenta cada vez que se

move para dentro do próprio caminho. Isto ocorre porque o benefício relativo à atividade

27

corrente, comparada em relação a outras opções possíveis, aumenta com o tempo. Para optar

por outra trajetória diferente, os custos de sair da trilha de alguma alternativa previamente

plausível crescem. Assim, os processos de retornos crescentes também podem ser descritos

como autorreforço ou processos de feedback positivo (PIERSON, 2000 e 2004).

Na ciência política, o path dependency deriva da dinâmica do comportamento de

autorreforço que é suportado por um processo de feedback positivo. A característica particular

deste comportamento é que, uma vez que os caminhos institucionais são escolhidos, tornam-

se profundamente enraizados e de difícil modificação. Com efeito, o comportamento futuro e

a tomada de decisão tendem a gerar a dinâmica de autorreforço do desenho institucional

estabelecido, o que explica a inércia/estabilidade institucional (PIERSON, 2000 e 2004;

PIERSON e SCHOPOL, 2011). 13

A adoção desse conceito é importante, porque clareia o modus operandi da

política em certa medida. Conforme salientam PIERSON e SKOCPOL (2011), existem fortes

motivos teóricos para acreditar que os processos de autorreforço são predominantes na vida

política. Uma vez estabelecidos, os padrões de mobilização política e as “regras do jogo”

institucionais gerariam dinâmicas de autorreforço. Os argumentos atrelados ao path

dependency ajudam a compreender, então, a “rigidez inercial” que caracteriza muitos aspectos

do desenvolvimento político, bem como é uma justificativa importante para o foco em

questões de tempo e sequência que constituem uma segunda fundamentação teórica

importante para se concentrar nos processos históricos. Em processos de path dependence, a

ordem dos eventos pode fazer uma diferença fundamental (PIERSON e SKOCPOL, 2011).

Ao mais, existe outro conceito-chave para compreensão do fenômeno político-

institucional, o critical conjuncture (conjuntura crítica), que permite o exame da mudança

institucional (institutional change), pois, em certos momentos, ocorreriam acontecimentos

decisivos na vida política que teriam o condão de gerar mudanças incrementais, excluindo

outras opções.

O conceito da critical conjuncture representa configurações temporais que causam

o realinhamento de crenças, preferências e escolhas estratégicas dos agentes em relação aos

13 Para uma revisão atual do conceito de path dependency: Cf. MAHONEY, 2000; BENNET e ELMAN, 2006.

28

arranjos institucionais existentes. A atenção a esses processos ilumina diversos mecanismos

pelos quais se configuram rupturas da estabilidade institucional (KATZNELSON, 2003). 14

Por isso, o conceito de conjuntura crítica é um elemento essencial do

institucionalismo histórico, porque muitos argumentos causais estão baseados em um modelo

dual: períodos relativamente longos de estabilidade e de reprodução institucional (path

dependency) que são modificados por fatos externos conjunturais (critical conjuncture). Tal

dualidade permite entender, então, que os momentos críticos são importantes porque colocam

os arranjos institucionais em caminhos ou trajetórias novas também sujeitas ao path

dependency (CAPPOCIA e KELEMEN, 2007).

Essa dualidade conceitual, no entanto, está sujeita a algumas ressalvas e objeções

na ciência politica, que produziram insights importantes e pertinentes à compreensão do

fenômeno da estabilidade e da mudança institucional. A primeira crítica se refere ao

entendimento que ambos os conceitos são antitéticos (um ligado à estabilidade e outro à

mudança), bem como que a mudança se daria unicamente com acontecimentos de grande

magnitude e abruptos (PIERSON, 2004). Por sua vez, a segunda crítica diz respeito ao

excessivo apego à mudança institucional em virtude da ocorrência de momentos críticos e

exógenos, o que relegaria em segundo plano as mudanças de natureza incremental e aquelas

decorrentes de fatores endógenos – a ação dos agentes em face da estrutura (THELEN, 1999;

THELEN e MAHONEY, 2010; MAHONEY, 2010; LIEBERMAN, 2002; MARSH E

OLSEN, 2005).

A primeira crítica é realizada por PIERSON na sua obra intitulada “Politics in

time: history, institutions, and social analysis”, de 2004. O autor, após revisar a literatura

sobre a mudança institucional, criticou a dualidade contraditória entre o path dependency e a

critical conjuncture. Segundo o autor, a trajetória histórica de uma instituição

necessariamente traz consigo mudanças, que são geradas por fatores exógenos ou endógenos,

pontuais ou complexos. Então, para melhor caracterizar esta relação, PIERSON formulou o

conceito do institutional development, preconizando que estabilidade e mudança fariam parte

da “vida” da instituição (PIERSON, 2004). 15

14 Cf. também COLLIER e COLLIER, 1991. 15 Ademais, o conceito permitiria o exame das transformações institucionais que apresentam uma temporalidade

de longo prazo que vão além da ação individual, denotando sequências e variações nas transformações, que

podem ser lentas ou graduais, que, uma vez ocorrentes, seriam frequentemente marcadas por situações de path dependency (PIERSON, 2004).

29

A segunda crítica, por sua vez, está ligada excessivo exame de processos de

mudança calcados na incidência de choques exógenos que provocam reconfigurações

institucionais radicais. De acordo com MAHONEY e THELEN (2010), faltariam ferramentas

úteis para explicar a evolução mais gradual de instituições uma vez que tenham sido

estabelecidas. E isto ocorre porque quando as instituições são tratadas como causas, os

estudiosos são muito aptos a assumir que as mudanças grandes e abruptas de formas

institucionais são mais importantes ou consequentes do que as mudanças lentas e graduais

(MAHONEY e THELEN, 2010).

A proposta dos autores, então, é que as mudanças graduais também têm grande

importância em seu próprio campo. Podem ser extremamente enfáticas como causas de outros

resultados a viabilizar mudanças institucionais que, após isto, entrariam em uma trajetória

dependente(MAHONEY e THELEN, 2010).

Por fim, outra objeção importante é desenvolvida por um importante conjunto de

pesquisadores (LIEBERMAN, 2002; MARSH E OLSEN, 2005; THELEN, 1999;

MAHONEY E THELEN, 2010; MAHONEY, 2010). Argumenta-se que a literatura

tradicional dá atenção excessiva a fatores exógenos e à prevalência da estrutura sobre a

agência, o que levaria a uma análise reduzida da mudança institucional (LIBERMAN, 2002).

16

Uma das principais contribuições sobre a relação entre agência versus estrutura

está exposta no artigo “A theory of gradual institutional change” de MAHONEY e THELEN

(2010). O pressuposto da mudança em tal contexto é que devem ser analisada a partir de

categorias ligadas ao conflito distributivo, que determinam a alocação de recursos escassos

entre múltiplos agentes. Neste sentido, mudanças envolveriam conflitos e ambiguidades que

permitiriam compreender como as instituições acumulam tensões decorrentes dos

mecanismos causais (MAHONEY e THELEN, 2010; REZENDE, 2012).

Então, as variáveis associadas diretamente ao contexto e às formas institucionais

assumem poder causal para compreender o modo pelo qual emergem formas diferenciadas de

mudança institucional. Os agentes interpretam e reagem de modo diferenciado aos espaços de

mobilização e alocação de recursos em torno dos quais se verificam conflitos entre eles. No

entanto, para se compreender este aspecto, é fundamental atentar para as questões em torno da

16 Cf. visão geral sobre os problemas da análise da estrutura institucional em face da agência: OMETTO e LEMOS, 2010.

30

aplicação de regras. Os mecanismos de obediência (compliance) dos agentes são, pois,

elementos causais fundamentais. O problema da mudança é desencadeado a partir do grau de

ambiguidade gerado nos processos de implantação de regras e decisões diante do conflito

distributivo. Os autores argumentam que a ambiguidade típica das instituições gera espaços de

interpretação, debate e contestação por parte dos agentes, e introduzem possibilidades para a

mudança endógena. Não é o grau de formalização institucional que está associado à

ambiguidade e ao problema de implantação das regras. Mesmo quando se trata de executar

regras altamente formais, os agentes criam “espaços políticos” de interpretação e abrem

consideráveis lacunas para a ocorrência de conflitos em torno do significado, da aplicação e

das formas específicas de alocação dos recursos; lacunas que permitem a emergência de

novos modelos institucionais (REZENDE, 2012).

No modelo de MAHONEY e THELEN (2010) a ação dos agentes modificar a

estrutura, levando em consideração o contexto político e a características da instituição,

gerando, conforme o caso, quatro tipos de mudanças institucionais:

Quadro 01. Tipos de mudanças institucionais

1.

Deslocamento

(displacement)

Ocorre quando as regras existentes são eliminadas e novas regras são

introduzidas, seja de forma gradual ou brusca.

2.

Camadas

(layering)

Ocorre quando novas regras são inseridas junto ou por cima das

regras anteriores – as regras existentes são complementadas, revistas

ou alteradas.

3.

Deslizamento (drift)

Ocorre quando mudanças no próprio ambiente alteram o impacto das regras existentes.17

4.

Conversão (conversion)

Ocorre quando há mudanças na interpretação ou aplicação das regras

existentes. 18

Fonte: MAHONEY e THELEN (2010).

17 Como a alteração ocorre quando do impacto das regras (devido às mudanças nas condições externas), elas

permanecem as mesmas. Entretanto, os atores, ao não responderem a essas mudanças externas para ajustar as

instituições, fazem que ocorra uma transformação institucional. 18 Em oposição ao deslizamento, na conversão o espaço entre as regras e sua aplicação real não é ocasionado pela negligência dos atores frente à mudança no ambiente, mas produzido pelos próprios atores explorando

ativamente as ambiguidades inerentes às instituições. Os atores reposicionam-se de maneira a reorientar as

instituições para novos objetivos, funções ou propósitos. A conversão pode ocorrer também em virtude da

incorporação de novos atores ou rearranjos de poder entre os atores, que buscam usar (e não desfazer) as antigas instituições de novas maneiras, explorando suas ambiguidades.

31

2.2 – Conclusão

A análise do institucionalismo histórico ofertou conceitos importantes a presente

pesquisa, principalmente o duplo conceito path dependence-critical conjunctured referente à

estabilidade de uma instituição e sua modificação em função de fatores externos (fatores

exógenos), porém, não só isto. As mudanças podem também ocorrer em razão da causação de

fatores institucionais internos (a ação dos agentes sobre a estrutura) que gerariam mudanças

institucionais de forma gradual (gradual change), que são passíveis de tipificação19

, cujo

autorreforço (feedbacks positivos) geraria nova estabilidade institucional em outros contextos

políticos.

Portanto, e sendo dessa forma, necessita-se adentrar na metodologia de pesquisa, a

qual será apresentada no próximo capítulo.

19 Cf. quadro 01.

32

CAPÍTULO III – MÉTODO E PROCEDIMENTO ANALÍTICO

3 – Introdução

Esta pesquisa parte de uma referência empírica, que é a atuação complexa da

OAB no período de crise do governo Collor como membro da sociedade civil (componente do

Movimento pela Ética na Política e proponente indireto do pedido de impeachment) e como

instituição a promover atos de fiscalização (legitimada a propor de ação direta de

inconstitucionalidade).

Diante desse fato político a denotar a atuação complexa da OAB no período de

crise política do governo Collor é que se elaborou o problema de pesquisa, questionando-se

qual seria o papel político exercido pela OAB em tal contexto.

O referencial teórico escolhido foi o institucionalismo histórico por permitir

entender: a OAB como instituição (ator político e coletivo); a complexidade da atuação da

organização como resultado de um processo histórico de modificação institucional a se

sedimentar como regra institucional, influenciando a agência (membros da OAB); e, a análise

da complexa atuação da OAB na de crise do governo Collor em relação a esse processo de

desenvolvimento institucional.

Tal referência é importante por permitir a explicação de um fenômeno

constatável após o exame do desenvolvimento institucional da OAB em períodos de crise

política, que é: estabilidade institucional - modificação institucional gradual - nova

estabilidade institucional.

O quadro abaixo sintetiza e aponta para esse fenômeno institucional.

33

Quadro 02. Desenvolvimento institucional da OAB em contextos de crise política.

Período de ditadura

(1964 a 1970) 20

“Estabilidade

institucional”

Período de oposição à ditadura e

atuação na redemocratização

(1970 a 1989)

“Mudança institucional gradual”

Período de atuação contra o

governo Collor

(1989 a 1992)

“Estabilidade institucional”

a) Apoio institucional à

ditadura.

a) Oposição à ditadura;

b) Integração com a sociedade civil

contra o regime;

c) Atuação com a sociedade civil em prol de uma nova Constituição;

e,

d) Oposição ao governo Sarney,

questionando a constitucionalidade de suas ações.

a) Oposição ao governo Collor;

b) Questionamento da

constitucionalidade dos atos de

Collor, movendo ações direta de inconstitucionalidade; e,

c) Integração com a sociedade

civil contra Collor.

Fonte: elaborado pelo autor.

Percebe-se que “o passado diz muito” sobre a complexidade da OAB no período

Collor. Por isto, elaborou-se a hipótese de pesquisa, levando-se uma resposta provisória ao

problema de pesquisa no sentido de que,no contexto do cenário político do governo Collor, a

OAB exerceu o papel de instituição fiscalizatória da ação do Estado para proteção da nova

ordem jurídica constitucional iniciada em 1988 e seguiu uma trajetória institucional

dependente construída anteriormente que serviu de parâmetro para a tomada de decisão sobre

sua ação na crise instalada.

Por tais motivos, está-se diante de uma pesquisa cuja finalidade é realizar uma

pesquisa explicativa de um fenômeno político (a complexidade da OAB no governo Collor)

para identificar os fatores que contribuem à ocorrência desse fenômeno, o que não é possível

por meio de métodos quantitativos ou de levantamento de dados, mas somente mediante a

análise, interpretação e sintetização da relação entre instituições e processos históricos.

Nesse sentido, a metodologia adotada é de estudo de caso por permitir o exame de

fatos complexos e o contexto nos quais estão inseridos, o que dialoga com todo o exposto

acima.

20 O período de criação da OAB até o apoio a ditadura é importante, mas, para fins da pesquisa, os períodos avaliados oferecem mais elementos de análise para o problema de pesquisa.

34

3.1 – Critérios analíticos

Busca-se o exame do contexto macro, apreendendo-se os efeitos combinados de

instituições e processos, em vez de examinar apenas uma instituição ou um processo de cada

vez (PIERSON e SKOCOL, 2011); e isto é possível mediante o emprego dos conceitos

analíticos que o institucionalismo histórico oferta.

I. Path dependency: indica a análise do fator institucional (ou estrutura) em

uma instituição;

II. Critical conjuncture: indica o exame do contexto político no qual a

instituição está inserida; e, por fim,

III. Gradual change: aponta para o exame da ação da agência perante a

estrutura institucional, gerando modificações graduais.

Logo, a aplicação de tais conceitos nesta pesquisa determina a adoção de uma

análise trifacetada, que é:

I. Fator institucional: o exame da configuração institucional da OAB em certo

lapso temporal e contexto político;

II. Fator exógeno: o exame do contexto político no qual a OAB está inserida;

e,

III. Fator institucional endógeno: a ação das lideranças da OAB inseridas em

uma estrutura institucional e em um contexto político específico.

3.2 – Universo de pesquisa, lapso temporal e fontes de pesquisa

O universo de pesquisa está delimitado a dois períodos diferentes para a pesquisa:

1964 – 1985/1985-1989, período no qual ocorreu o desenvolvimento institucional da OAB

mais substancial e 1989-1992, período relativo à estabilidade institucional em face do governo

Color.

Isso se justifica, frisa-se novamente, em função da evidencia empírica constante

do quadro 02 retro, o qual indica que, no período de crise do regime militar, a OAB apoiou a

ditadura, o que caracteriza uma atuação institucional estável de 06 anos. Depois se opôs ao

35

regime por ação de seus membros, apoiou os movimentos sociais e, logo após, lutou em prol

da realização da Constituinte de 1988, tratando-se, é claro, de uma mudança institucional,

seguida por uma estabilidade que persistiu por 19 anos. Ao mais, tal comportamento

institucional estabilizado (1970-1989) foi reproduzido ou replicado no período de crise do

governo Collor.

Quanto ao primeiro período, adota-se as seguintes fontes de pesquisa:

o Bibliografia que analisou a atuação da OAB em períodos de crise política;

21

o Atas de reuniões do Conselho Federal da OAB;

o Anais das Conferências Nacionais dos Advogados;

o Jornais e revistas de notícias do período;

o Periódicos de publicação da OAB;

o Bibliografia que analisou os contextos de crises política, notadamente:

ditadura militar, redemocratização e governo Sarney; e,

o Revistas e jornais atinentes aos períodos de crise política brasileira.

Essas fontes de pesquisas servirão para uma breve análise, a qual se aplicará os

conceitos analíticos do institucionalismo histórico. Com isto, depreender-se-á amiúde os

fenômenos de estabilidade institucional da organização, modificação institucional, seguida de

nova estabilidade institucional e, ainda, obter-se-á insights importantes para o exame do

segundo período, especialmente se a construção histórica da OAB no período de

ditadura/redemocratização influenciou na atuação da instituição no contexto de crise do

governo Collor.

Quanto ao período de análise afeto à crise política do governo Collor, adotou-se as

seguintes fontes de pesquisa:

i. Plano Collor I e II:

o Ações: ADI´s n.º 272, 295, 302, 315, 427; 2223

21 Cf. LESSA E LINHARES, 1991; BONELLI, 2002; BASTOS, 2007; CURI, 2008; MOTTA, 2008; AQUINO,

2007; XIMENES, 2007; SCHILLING, 1997; BASTOS, 2007 BONELLI, 2002; TATAGIBA, 1998;

ROLEMBERG, 2008; MATTOS, 2008. 22 Para tanto, acessou-se o sítio do STF para fazer pesquisa textual. Acessou-se o link Jurisprudência”, o

subtópico “Pesquisa” e, no campo “Pesquisa Livre”, inseriu-se as palavras-chave “Conselho Federal”, “Ordem”,

“Advogados” e “Brasil”, tendo-se, assim, acesso a todas as decisões do STF relativas às ações propostas pela

OAB. 23 Fonte: < http://www.stf.jus.br/>, acesso em 18/10/2014.

36

o Bibliografia que analisou a atuação da OAB nesse aspecto;

o Atas de reuniões do Conselho Federal da OAB;

o Anais das Conferências Nacionais dos Advogados;

o Jornais e revistas de notícias do período;

o Periódicos de publicação da OAB;

ii. Impeachment de Collor:

o Bibliografia que analisou a atuação da OAB nesse aspecto;

o Atas de reuniões do Conselho Federal da OAB;

o Anais das Conferências Nacionais dos Advogados;

o Jornais e revistas de notícias do período; E,

o Periódicos de publicação da OAB.

Tais fontes permitiram o exame da estabilidade institucional, se houver, e o

papel exercido pela OAB diante do contexto de crise do governo Collor para responder

o problema de pesquisa e, logo, verificar a ocorrência concreta da hipótese de

pesquisa.

Por fim, salienta-se que o exame dos dois períodos se baseará fortemente

em um conjunto de bibliografias históricas produzidas a respeito do desenvolvimento

institucional da OAB.

Uma primeira fonte de pesquisa se refere a um conjunto de trabalhos de

memória institucional produzidas pela própria OAB, que abarca o período de

referencial de 1943 a 1992 e contêm a descrição histórica e cronológica do

desenvolvimento da organização e, ainda, atas do Conselho Federal no período,

discursos e entrevistas dos presidentes da instituição. Essas fontes são BAETA (2003;

2010) e OAB (1993).

Ao mais, utiliza-se de bibliografia desenvolvida pelos pesquisadores que

participaram da elaboração das fontes acima mencionadas, os quais aprofundaram

alguns pontos específicos, especialmente os trabalhos de MOTTA (2006; 2008) e

MOTTA e DANTAS (2006).

37

Portanto, esses são o universo de pesquisa, o lapso temporal e as fontes de

pesquisa.

38

CAPÍTULO IV – BREVE ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO

INSTITUCIONAL DA OAB NO PERÍODO 1964-1989

4 – Introdução

Nos capítulos anteriores se verificou que a OAB é uma instituição e que, dentro

do cenário do institucionalismo histórico, existem conceitos analíticos que permitem

compreender o desenvolvimento de instituições em um lapso temporal.

Pois bem, tais conceitos serão aplicados na trajetória institucional da OAB no

período de 1964 a 1989, conforme o apontado no capítulo III. Por isto, este capítulo gira em

torno de dois argumentos:

I. A OAB, em função da ação política em contextos de crise política

(ditadura militar, redemocratização brasileira e a instalação da Constituinte

de 1988), passou por mudanças institucionais que delinearam sua ação

estrutura institucional e funcional de maneira complexa, que ampliou seu

papel enquanto ator no cenário político a permitir agir tanto como

corporação, como instituição fiscalizadora das ações governamentais ou,

ainda, como ator componente da sociedade civil; e,

II. Tal estrutura funcional complexa foi aplicada no governo Sarney, logo,

perfez uma trajetória institucional estabilizar a estar presente na crise

política do governo Collor como opção de ação institucional e política das

lideranças que presidiram a OAB em tal contexto político.

Portanto, esses são os principais argumentos desta pesquisa. Adentra-se adiante na

análise do período mencionado.

39

4.1 –A OAB e seus passos contraditórios: entre o corporativismo e a política

A OAB foi criada com a finalidade institucional corporativa para selecionar e

disciplinar a classe de advogados (Decreto n.° 19.408/1930) 24

e seus membros não podiam se

posicionar sobre temáticas não corporativas, conforme o exposto no artigo 8º, do Decreto n.º

20.784/1931. 25

Porém, como a composição interna da instituição foi formada por uma forte

elite política (advogados que integraram o núcleo de bacharéis criadores da União

Democrática Nacional – UDN), a atuação da OAB se ampliou para além de atuação

corporativa, ou seja, no âmbito político (MATTOS, 2008). 26

Em meados de 1934, instalou-se o governo provisório e uma Assembléia Nacional

Constituinte foi convocada para elaborar o anteprojeto relativo à promulgação de Constituição

de 1934 a substituir a de 1891.27

Neste contexto, o presidente da instituição, Levi Carneiro,

foi convidado para auxiliar na elaboração do anteprojeto, o qual compôs um grupo formado

por outros juristas que trabalhou em tal mister por oito meses (BAETA, vol. 4, 2003). 28

No entanto, em momento posterior o comportamento institucional da OAB no

campo político se retrairia. Em 1937, diante do golpe de Getúlio Vargas, a instituição não se

manifestou contra a violação da ordem constitucional e nem contra as violações dos direitos

humanos decorrentes.

24 Conforme o artigo 17 do Decreto n.° 19.408/1930: “Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de

disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da

Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo”. 25 Conforme o artigo 8º do Decreto n.° 19.408/1930: “A diretoria, o conselho e a assembléia, não discutirão, nem

se pronunciarão, sobre assunto imediatamente não atinente aos objetivos da Ordem”. 26 Entre o período de 1930 a 1934, a OAB foi presidida por duas lideranças: Levi Carneiro e Attílio Vivácqua. A

agenda dos presidentes foi o fortalecimento corporativo da instituição, organizando-a, bem como as secções estaduais e, ainda, criou o código de ética aplicável aos advogados (BAETA, vol. 04 2003). 27 Em 03 de novembro de 1930, Getúlio Vargas tomou posse como chefe do Governo Provisório da República,

chegando ao fim a Primeira República e começava um novo período chamado de República Nova. Vargas, ao

assumir o Governo Provisório, deparou-se com uma situação política e econômica instável: sua base política era fragmentada, formada por líderes tenentistas e representantes de algumas das oligarquias estaduais; e o país

enfrentava violenta crise econômica, resultante da depressão econômica internacional de 1929. Diante disso,

Vargas nomeou um ministério que refletia sua dependência em relação aos diferentes grupos de apoio e procurou

configurar legalmente o novo governo. Assim, decretou o dissolvimento do Congresso Nacional, das assembleias estaduais e das câmaras municipais e, ainda, foi investido de plenos poderes para governar.

Essa situação excepcional perduraria apenas até a eleição de uma Assembléia Constituinte, à qual caberia definir

uma nova organização jurídico-política para o país (CASTRO, 2007). 28 Esse ponto ressalta, por conseguinte, que o fenômeno do bacharelismo "vive" na OAB, pois suas lideranças e membros agiam por meio da instituição a visar investimentos políticos.

40

No caso, em 16 de julho de 1934, a nova Constituição foi promulgada e Getúlio

Vargas foi eleito Presidente da República em julho e pôs fim ao governo provisório. A

Constituição também determinou a realização de novas eleições presidenciais em janeiro de

1938, porém, em 1937, Vargas instaurou um golpe de Estado que garantiu a sua continuidade

à frente da Presidência e obteve apoio de lideranças políticas e militares. Neste momento,

iniciava-se o Estado Novo e, para assegurar essa continuidade no poder, Vargas determinou

uma ação política ditatorial contra os movimentos sociais contrários ao golpe (CASTRO,

2007).

Diante de tal crise, no entanto, as lideranças da OAB se mantiveram silentes, o

que ocorreu por dois motivos: por entenderem que a atividade primordial da instituição era a

corporativa, não devendo se imiscuir em questões políticas; e, ainda, por não ensejar uma

situação comprometedora perante a situação política dominante (SILVA, 1997).

A oposição ao governo ditatorial ocorreria somente em 1943 após inúmeras

representações relacionadas a advogados presos ou submetidos a condições constrangedoras

(OAB, 2003). 29

Por isto, em 1944, os dirigentes da OAB se posicionaram contra o Estado a

enfatizar o restabelecimento do habeas corpus eapresentaram protestos contra as violências

praticadas em face dos advogados Nehemias Gueiros e Jader de Carvalho - este vice-

presidente da Seção do Ceará, condenado a vinte anos de prisão pelo Tribunal de Segurança

Nacional e libertado em maio de 1945 (BAETA, vol. 04, 2003).

A partir de 1963, a OAB opôs-se ao pleito de reforma agrária advindo das classes

trabalhadoras e, por conseguinte, contra o Governo Goulart que visava facilitar/efetivar essa

reforma. Conforme explica MATTOS (2011), o problema é que boa parte das lideranças da

OAB faziam parte da classe dominante, logo, contrária às reformas pretendidas:

“Os vínculos de classe dos conselheiros federais estavam na base do antagonismo

do Conselho Federal da OAB em relação a Goulart, conquanto não constituíssem os móveis exclusivos da adesão do organismo à campanha antigovernista. O

levantamento de dados biográficos a respeito dos conselheiros federais demonstra,

ao menos para uma parte deles, uma ligação estreita com as classes dominantes

(amplamente contrariadas com o reformismo do governo federal), das quais eram integrantes ou consultores jurídicos (Mattos, 2012, pag.157 e 158; 2011, pag. 177-

183).

29 E o depoimento do membro da OAB José Cavalcanti caracteriza esse ponto:

“Getúlio era um homem muito inteligente e queria figurar como um presidente que

não perseguia ninguém. Mas, claro, perseguia. Muitos advogados foram presos

entre 1937 e 1945, e alguns sofreram também constrangimentos desagradáveis,

tendo sido até levados para fora do Rio. Dizia-se que havia advogados torturados, mas eu nunca soube nem assisti, é claro” (CAVALCANTI, 2003, vol. 7, p. 63)

41

Doutra parte, essa oposição se prendia a interesses da corporação. Conforme

esclarece MATTOS:

“(...) a adequada compreensão das razões do antagonismo da OAB em relação ao

governo Goulart exige que se considerem, também, os interesses específicos da

entidade, relacionados à sua consolidação institucional e às demandas corporativas dos advogados. A partir da década de 1950, o Conselho Federal começou a se

dedicar a uma nova agenda corporativa. A novidade era a incorporação de temas

relacionados aos interesses econômicos e às condições de trabalho dos advogados.

Até então, a ação do Conselho Federal no âmbito corporativo se havia limitado quase somente à seleção e fiscalização dos advogados. O pano de fundo do

investimento do organismo numa pauta corporativa renovada foram as

transformações e dificuldades experimentadas pela categoria profissional, em

grande medida decorrentes da modernização do capitalismo brasileiro. Nesse período, o paradigma liberal que moldava tradicionalmente a profissão passou a

conviver crescentemente com a figura do advogado-empregado (do Estado ou de

empresas privadas). O Conselho Federal enfrentou as transformações sofridas pela

categoria profissional com pragmatismo. Assim, reconheceu a advocacia preventiva, conformou-se com o assalariamento dos advogados e procurou garantir

proteção social a eles.(MATTOS, 2012, pag.160).

Uma das questões corporativas afetas a essa transformação foi o tratamento

jurídico da previdência social dos advogados. O projeto de regulamentação dessa matéria foi

aprovado e não correspondeu aos anseios da categoria. Segundo afirma MATTOS (2012),

esta questão foi o ponto de tensão das insatisfações das lideranças OAB com o governo

Goulart:

“Em janeiro de 1963, Povina Cavalcanti atacou, em entrevista ao jornal O Globo, a

condução, pelo governo, da questão previdenciária. O presidente da OAB expôs,

assim, a sensação de duplo desprestígio experimentada pela elite dos advogados: o

que atingia a categoria profissional, ameaçada de desclassificação social, e o que se abatia sobre a OAB, diminuída no seu papel de interlocutora privilegiada do

Estado. Evidentemente a ameaça de proletarização que pesava sobre os advogados

não era imputada ao governo, conquanto Povina Cavalcanti o acusasse de omissão

frente à questão. Contudo, Cavalcanti queixava-se amargamente do afastamento do governo em relação à OAB, evidenciando a redução da capacidade de persuasão da

entidade junto ao governo” (Mattos, 2012, pag.162).

Com base em tais dados, conclui-se que a oposição da OAB ao governo Goulart

se baseou em dois fatores: o fato das lideranças da instituição comungarem da cultura

direitista da época contrária à reforma de cunho social e, ainda, por embates com o governo

no que se refere ao não favorecimento no processo de regulamentação de questões

corporativas.

42

Por isso, em 1964, a OAB aquiesceu com o golpe militar que derrubou Goulart,

pois suas lideranças entendiam ser um ato necessário para conter a disseminação do

comunismo e a subversão da ordem jurídica (MATTOS, 2012). 3031

4.1.1 – Análise do período

Dessa breve digressão, de 1930 a 1943, nota-se que, apesar do artigo 8º, do

Decreto n.º 20.784/1931 vedar aos membros da OAB (“diretoria, o conselho e a assembléia”)

a discussão e o posicionamento sobre assuntos não ligados aos objetivos corporativos da

instituição, tal impedimento não se constituiu em um problema às lideranças. Em verdade,

posicionavam-se de forma seletiva quanto à aplicação dessa norma vedativa. Veja-se a

atuação do presidente da instituição, Levi Carneiro, que atuou politicamente na elaboração da

Constituição de 1934 sem que essa norma fosse arguida. Entretanto, noutro momento, de

1937 a 1943, a norma ganhou força a impedir a atuação institucional da OAB no campo

político contra as violações de direitos perpetradas pela ditadura instalada no Estado Novo sob

o argumento que tais situações não eram questões corporativas.

A relação entre o formato institucional e a ação das lideranças da OAB,

principalmente dos presidentes, não seguiu uma lógica de adequação (concepção estruturo-

funcionalista), isto é, de coadunação da ação dos membros à regra institucional posta. Logo,

as lideranças da OAB desenvolviam interpretações de seus interesses e metas diferentes de tal

racionalidade imposta pela estrutura institucional.

Um dado claro relativo a isso foi o discurso do presidente Augusto Pinto Lima em

17 de agosto de 1948. 32

Ao iniciar seu discurso relativo à divergência entre o papel

corporativo e o papel não oficial da OAB de atuar no campo político, fez uma leitura literal

das normas reguladoras da instituição, firmando seu entendimento na ideia que não caberia à

organização atuar em outros campos senão o corporativo:

“Tenho, contudo, para mim que a finalidade da Ordem outra não deve ser senão a

que está inscrita no artigo l° do regulamento, em seus precisos termos: órgão de

30Ato continuo inúmeros membros do Conselho Federal da OAB foram convocados para desempenhar funções

no novo regime instalado (MATTOS, 2008). 31 Em tal período também vigia uma norma que proibia a manifestação da OAB, seus órgãos e membros sobre

questões política. Tratava-se do artigo 145, da Lei n.°4.215 de 1963, no qual estava expresso: “Nenhum órgão da

Ordem discutirá nem se pronunciará, sôbre assuntos de natureza pessoal, política ou religiosa ou estranhos, de

qualquer modo, aos interesses da classe dos advogados”. 32 Presidente de 11 de agosto de 1948 a 31 de agosto de 1948.

43

seleção, defesa e disciplina da classe dos advogados. Não há por que se transpor esse raio de ação; nem se legitima o alargamento desses limites, com a interferência

da instituição no que não se relacionar diretamente com o exercício da nossa

profissão. A vida da Ordem, a meu ver, está circunscrita, e assim deverá continuar

em prol de seu próprio prestígio, às nossas atividades profissionais”. 33

Entretanto, e aqui está o ponto interpretativo, o próprio Augusto Pinto Lima

relativizou seu entendimento e a aplicabilidade da norma vedativa. Afirmou que, em casos

excepcionais de crise no Direito, a OAB poderia atuar em prol dos reclamos da Nação. 34

Essa ambiguidade ocorria em função da articulação de dois fatores: o

institucional, referente ao regime presidencialista da OAB; e o exógeno, condizente com

contexto político estabelecido.

O Decreto n.º 20.784/1931 estatuiu um regime presidencialista. A liderança eleita

como presidente tinha amplos poderes em suas mãos, pois era quem representava a OAB no

âmbito político para defender os interesses da corporação (artigo 88, inciso I e II). Ou seja:

diante de um problema de natureza política, somente o presidente podia convocar o Conselho

Federal, o qual presidia (artigo 85 e artigo 88, item 3º), formava a agenda de debate e de

deliberação e, com a decisão interna tomada, ele próprio, o presidente, que a executava no

campo político. 35

Percebe-se, ao mais, que esse disciplinamento gerava uma dependência do

Conselho Federal para com o presidente, pois era este quem detinha o poder de convocar o

Conselho e, ainda, propunha a pauta e presidia as reuniões de deliberação. Assim, o Conselho

era organizado para ser um órgão auxiliar do presidente e não um órgão independente a fim

de dividir o poder, e tornar a decisão tomada em uma decisão institucional – na verdade se

tratava de uma decisão do presidente.

Portanto, pode-se afirmar que o presidente detinha o poder de traçar a trajetória

institucional da OAB sem maiores entraves, isto é, constrangimentos externos e institucionais

sobre sua ação.

Dito isso, e adentrando no segundo aspecto, pode-se afirmar que o que criava

limitações ao poder institucional do presidente era fator exógeno, o contexto político no qual

estava inserido. Isto pode ocorrer. Conforme explica KATZNELSON (2003), mudanças

institucionais podem ocorrer pela ação da agência, levando-se em consideração os

33 Cf. Ata da sessão da OAB de 17 de agosto de 1948. 34Cf. Ata da sessão da OAB de 17 de agosto de 1948. 35 Não se pode esquecer também que as lideranças da OAB compunham uma elite política, mantendo relações com o Estado, tendo em vista investir em capitais políticos.

44

acontecimentos exógenos decisivos e naturais da vida política, o que serve de parâmetro para

tomada de direção sobre direções novas, sobre o realinhamento de crenças e sobre

preferências/escolhas estratégicas dos agentes em relação aos arranjos institucionais existentes

(KATZNELSON, 2003).

Por tal motivo é que, que, no decorrer da breve narrativa histórica, percebeu-se

que as lideranças da OAB agiam politicamente se o contexto político fosse favorável e elas, à

instituição ou aos advogados. 36

Porém, se existisse um contexto de crise política prejudicial,

o presidente centrava sua atuação institucional da proteção da corporação, logo, a norma

impeditiva era evocada – a ação da presidente se baseava em cálculos políticos, portanto.

Assentada a análise desse período, adentra-se, por agora, no período de 1964 a

1970, período condizente com o apoio institucional da OAB ao regime militar.

4.2 – O apoio institucional da OAB ao regime militar de 1964 a 1970

O apoio da OAB ao regime militar se baseou em três componentes que

compunham a cultura política que permeou as concepções dos membros da OAB: a crença na

ideologia conservadora e ligada aos valores da tradição, do anticomunismo e do

antipopulismo, que marcaram a gestão da OAB em 1964; a noção de que a ação dos militares

foi uma via legítima de manutenção do aparato legal; e, que os militares iriam intervir para

acalmar politicamente o país de forma temporária – cessada a causa da intervenção, os

membros da OAB acreditavam que a gestão do Estado seria reestabelecida (NEVES, 2009;

BONELLI, 2002).

Outro fator também deu ênfase a tal posicionamento institucional e político. As

lideranças da OAB ajudaram o regime militar (por exemplo: Francisco Campos e Bilac Pinto)

e auxiliaram na criação dos atos jurídicos autoritários, da Constituição federal de 1967 e de

sua modificação com a 1ª emenda, denominada de “Emenda Constitucional de 1969”

(SEELAENDER, 2008). 37

Demais, cita-se também a indicação de membros da OAB à

36 Isso também ocorria se diante de um contexto político de crise, mas que não fosse prejudicial às lideranças, à

OAB e aos advogados. 37A Emenda Constitucional nº 1 concretizou os atos institucionais editados pelo regime militar com o golpe de

1964 a gerar o endurecimento e recrudescimento da ditadura.

45

posição de Ministro do Supremo Tribunal Federal e de Procuradores Gerais da República com

a edição do Ato Institucional n.º 2 (ROLLEMBERG, 2008). 38

Tal aspecto se denota do discurso do ex-presidente da OAB, José Cavalcanti

Neves, o qual foi questionado do apoio dos presidentes da instituição ao regime militar,

respondendo que:

“Não tenho dúvidas em proclamar que o Conselho Federal da OAB aplaudiu o

chamado "golpe de 64", bastando ler, na ata da sessão realizada em 7 de abril de

1964, as palavras do presidente Povina Cavalcanti, no sentido de que "mercê de

Deus, sem sairmos da órbita constitucional, podemos, hoje, erradicado o mal das conjuras comuno-sindicalistas, proclamar que a sobrevivência da nação brasileira

se processou sob a égide intocável do Estado de direito". O presidente Povina

Cavalcanti participou também, logo em seguida, da conhecida Comissão Geral de

Investigações,'" na condição de vice-presidente, sem que tenha havido qualquer protesto do Conselho." Vale ressaltar que ao fazer o presente registro, move-me

somente o desejo de dizer a verdade, não importando em qualquer censura à

conduta do referido ex-presidente, aprovada pela maioria dos advogados

brasileiros. Como ele, muitos outros podem ser citados: Milton Campos, que presidiu a seccional de Minas Gerais e sempre foi considerado um símbolo da

democracia no Brasil, foi ministro da Justiça do governo Castelo Branco; Nehemias

Gueiros, outro ex-presidente do Conselho Federal da OAB, se vangloriava em

afirmar que fora o autor do Ato Institucional n° 2 (AI -2) e Alcino de Paula Salazar, também ex-presidente do Conselho Federal, exerceu o cargo de procurador-geral

da República nesse período. Quando o número de ministros do Supremo Tribunal

Federal foi aumentado de 11 para 15, o presidente Castelo Branco preencheu as

novas vagas com integrantes da chamada "Banda de Música" da União Democrática Nacional (UDN): Prado Kelly, ex-presidente do Conselho Federal,

Aliomar Baleeiro, Adauto Lucio Cardoso, Osvaldo Trigueiro. Se por exemplo os dos

senadores Teotónio Vilela e Severo Gomes, que exerceram mandatos pela Aliança

Renovadora Nacional (Arena) até os últimos anos do governo Ernesto Geisel. Eu mesmo, quando eclodiu o golpe, estava licenciado da presidência da OAB-PE,

ocupando o cargo, em comissão, de procurador-geral da Fazenda Nacional,

nomeado pelo presidente João Goulart, do qual me demiti quando da edição do AI-

2”(NEVES, vol. 7, 2003, p.52).

Essa relação de proximidade das lideranças, segundo MATTOS (2011),

aumentaria com a vitória do regime militar, porque seriam convocados para exercer tarefas:

“Vitorioso o golpe, os integrantes do Conselho Federal foram convocados a

desempenhar tarefas importantes no novo regime. Considerando, inicialmente,

apenas os bacharéis pertencentes ao Conselho Federal entre o início do governo

Goulart e o golpe de 31 de março, localizemos os que foram designados pelo novo regime para exercer funções-chave. Prado Kelly e Temístocles Cavalcanti foram

nomeados ministros do STF. Povina Cavalcanti foi nomeado vice-presidente da

Comissão Geral de Investigações (CGI). Miguel Seabra Fagundes e Temístocles

Cavalcanti compuseram, ao lado do primeiro presidente da OAB, Levi Carneiro, e de Orosimbo Nonato, uma comissão nomeada, em 1966, por Castelo Branco com a

incumbência de elaborar um anteprojeto de Constituição. Nehemias Gueiros foi o

autor do texto do Ato Institucional n° 2. Merece destaque a atuação de Carlos Medeiros Silva, que se tornou um importante artífice do arranjo institucional da

ditadura militar. Ele foi, com Francisco Campos, autor do texto do Ato

Institucional n° 1 e o responsável pelo anteprojeto de Constituição encaminhado

38 Um exemplo foi a indicação e o empossamento da cadeira por Prado Kelly, ex-presidente da OAB (11/8/60-

11/8/62) e ex-presidente da UDN. A OAB nessa situação se “rejubilou” em ver antigos membros tomando posse em cargos de alto nível na estrutura burocrática (ROLLEMBERG, 2008).

46

pelo governo ao Congresso Nacional, no final de 1966. Medeiros ainda redigiu a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional de 1967, além de ter sido ministro

do STF entre 1965 e 1966 e ministro da Justiça entre 1966 e 1967.

(...)

Num levantamento sucinto, foi possível identificar 22 bacharéis integrantes do Conselho Federal da OAB durante o período democrático que exerceram cargos no

Executivo Federal ou mandatos parlamentares pela ARENA nos governos Castelo

Branco e Costa e Silva. Por outro lado, o mesmo levantamento identificou apenas

seis integrantes do organismo no mesmo período que, até 1968, manifestaram oposição ao novo regime, foram por ele perseguidos ou filiaram-se ao MDB.410

Dentre os seis ex-presidentes da OAB ainda vivos em 1964, cinco desempenharam

funções públicas nos primeiros anos da ditadura militar: Haroldo Valadão, Seabra

Fagundes, Nehemias Gueiros, Alcino Salazar e Prado Kelly” (MATTOS, 2011, pag. 134-135)

Isso permite verificar o porquê do apoio da OAB ao regime militar durante o

período de 1964 a 1973: a postura institucional da organização se baseava nas opções de suas

lideranças que se beneficiavam dessa relação, a qual possibilitou manter ou obter expressivos

cargos na estrutura do Estado autoritário.39

No entanto, esse apoio da OAB ao regime militar se modificaria gradualmente em

função de fatores externos à instituição a determinar um realinhamento lento de opções

políticas.

4.2.1 –Análise do período

Depreende-se desse período narrado, que a as lideranças da OAB apoiaram o

regime militar, ou seja, agiram politicamente. Em tal caso, e novamente, a relação entre o

formato institucional e a ação das lideranças da OAB, em especial dos presidentes da

instituição, não seguiu uma lógica de adequação (concepção estruturo-funcionalista), isto é, as

39 Ao mais, essa relação próxima com o regime militar não se dava somente com as lideranças que presidiram o

Conselho Federal, os presidentes dos conselhos seccionais também integravam comissões de investigação da

ditadura, conforme explica José Cavalcanti Neves: “Vários presidentes de seccionais integraram também subcomissões de

investigações nos seus respectivos estados. Aliás, o que estou afirmando não é

novidade, pois durante a VI Conferência Nacional da OAB, realizada em Salvador,

em 1976, sob a presidência do eminente Caio Mário da Silva Pereira, o ilustre advogado paulista J. B. Viana de Moraes, falando em nome das delegações

visitantes, disse textualmente o seguinte: "Quando explodiu o grande movimento em

1964, para impedir o prosseguimento do caos, o povo acolheu a providência com

radiosa expectativa. A época, a classe dos advogados não vacilou um só instante. Colocou-se ao lado da nova autoridade que buscava, com patriotismo, o concerto

da paz social, do império da lei e, notadamente, da ordem coletiva. Aderiu afetiva e

civicamente à transmutação ocorrida, hipotecando toda a energia de sua

inteligência às novas perspectivas que se abriam, acreditando nos novos horizontes que se descortinavam para a democracia brasileira" (NEVES, vol. 7, 2003, p.52).

47

lideranças geraram interpretações diferentes à da racionalidade do artigo 145, da Lei n.°4.215

de 1963.

Isso ocorreu porque se articularam, no período, o fator exógeno e a ação

institucional calculada das lideranças da OAB, ou seja:

I. Fator exógeno: crise política efetivada pelo regime militar;

II. Ação calculada das lideranças:

o Lideranças da OAB comungavam da cultura-política da época; e,

o Lideranças da OAB obtiveram cargos no regime de ditadura

militar.

Importante salientar, quanto a esse ponto, que o regime jurídico ao qual a

presidência estava submetida novamente possibilitava ao líder eleito dar o norteamento à

instituição levando em conta o contexto de crise política. Em 1963, o regime jurídico que

disciplinava as funções da presidência era a Lei n.º 4.215/ 1963 manteve os moldes

institucionais do Decreto n.º 20.784/1931, ou seja, possibilitava ao Conselho Federal defender

a ordem constitucional (artigo 18, inciso I). 40

Porém, isso dizia respeito somente a uma parte

do procedimento de tomada de decisão institucional da OAB. Segundo o artigo art. 9º, inciso

II, do mesmo diploma, ao presidente da instituição cabia convocar o Conselho Federal e dar

resolução às decisões institucionais (art. 9º, inciso III) 41

e, por tal motivo, representava a

OAB juízo ou fora dele, incluindo o político (art. 9º, inciso I) – tal disciplinamento replicou a

grande dependência do Conselho Federal em face presidente a centrar nas mãos deste o poder

institucional de traçar a trajetória institucional da OAB sem constrangimentos externos e

institucionais.

Por isso, o apoio ao regime militar por seguidos presidentes. O regime

institucional do presidente dava poder institucional à liderança de agir conforme melhor

aprouvesse, logo, para o regime se assim o fosse, o que se efetivou mediante cálculos

políticos em face do contexto político dado. Tal

Verifica-se tal ponto, seguindo o discurso de José Cavalcanti Neves acima citado,

mediante a análise do quadro abaixo.

40 Cf. artigo 18, inciso I: “Compete ao Conselho Federal: I - defender a ordem jurídica e a Constituição da

República (...)”. 41 Cf. art. 9º, inciso III: “Compete ao Presidente da Ordem: (...) III - convocar e presidir o Conselho Federal e dar execução às resoluções deste”.

48

Quadro n.° 03. Presidentes da OAB e suas relações com o regime militar

Presidente da OAB

Período de exercício da

presidência

Vínculo com o Estado

Nehemias Gueiros

11/08/1956 a 11/08/1958

Autor do Ato Institucional n° 2

(AI-2)

Alcino de Paula Salazar

11/08/1958 a 11/08/1960

Procurador-geral da República

José Eduardo do P. Kelly

11/08/60 a 11/08/62

Ministro do Supremo Tribunal Federal

Carlos Povina Cavalcanti

11/08/62 a 06/04/65

Membro da Comissão Geral de

Investigações

José Cavalcanti Neves

01/04/71 a 01/04/73

Procurador-geral da Fazenda Nacional

Fonte: NEVES, vol. 7, 2003, p.52.

Da análise desse quadro, percebe-se, ainda, a relação muito próxima das

lideranças da OAB com o Estado. Por conseguinte, o fenômeno do elitismo político estava

presente na atuação das lideranças da instituição, pois formavam um grupo que investia em

capitais políticos - pode-se dizer que se enquadravam no tipo "político-juristas" criado por

Almeida (2010), que é aquele jurista que transita entre o campo político e jurídico com

relativo equilíbrio de investimentos, embora mantenha vinculação predominante com o

mundo do direito, seja na marca de sua atuação política, seja no maior tempo de vida

dedicado às atividades jurídicas (ALMEIDA, 2010).

Por outro lado, deve-se observar que o apoio ao regime militar durou 06 anos,

tratando-se de uma trajetória institucional estabilizada, cuja modificação não ocorreu

imediatamente. Constitui-se no fenômeno do path dependency que se refere à dinâmica de

autorreforço a se basear em um processo de feedback positivo, ou seja, diz respeito ao fato de

que, uma vez que os caminhos institucionais são escolhidos, tornam-se profundamente

enraizados e de difícil modificação (PIERSON, 2000 e 2004; PIERSON e SCHOPOL, 2011).

Isso ocorreu pelo fato de que cada presidente era eleito a cada dois anos (artigo 7º,

parágrafo 2º, da Lei n.º 4.215/63) a obrigar o sucessor a “receber a herança institucional do

presidente anterior”, caracterizada por decisões institucionais tomadas, funções institucionais

modificadas ou estabilizadas e articulações políticas estabelecidas, ou seja, o presidente eleito

seguia a trajetória institucional do seu antecessor - neste caso, a “herança institucional” do

antecessor se referia ao apoio ao regime militar e às relações políticas estabelecidas.

49

Avaliado isso, examina-se adiante o período de modificação gradual da OAB, no

qual deixou de apoiar o regime militar e se juntou à sociedade civil.

4.3 – A modificação gradual da OAB perante o regime militar de 1970 a

1983

O primeiro motivo para um realinhamento institucional gradual se deu em razão

da violação de prerrogativas do exercício da advocacia. No caso, a OAB se posicionou sobre a

possibilidade de os advogados cassados (com base no ato institucional n.º 1) exercerem a

advocacia ou não; e, em razão da situação lamentável a que outros advogados presos eram

submetidos pelas autoridades militares (ROLLEMBERG, 2008). Em face de tais situações, a

OAB decidiu que os advogados cassados podiam exercer a profissão e, em ata publicada,

protestou contra a prisão e contra situações a que muitos advogados estavam sujeitos

(ROLLEMBERG, 2008).

Claro que, durante a aplicação do ato institucional, somente alguns membros se

manifestavam contrariamente, o que não representava um posicionamento institucional da

OAB de oposição ao regime militar. Porém, esta ação divergente de certos membros gerava o

conflito em torno das regras institucionais da OAB aliado à ambiguidade: apoio institucional

ao regime e o contexto político de violação de direitos dos advogados.

E o que caracterizou este conflito foi a voz dissonante do membro Heráclito

Sobral Pinto, conselheiro pelo Distrito Federal, posição que o isolou diante dos demais

membros, pois afirmava que, com a edição do ato institucional n.º 2, confirmava-se o golpe

militar de 31 de março, bem como consagrava todos os atos abusivos, despóticos, violentos e

injustos praticados, à sombra do golpe militar de 31 de março de 1964, em todos os recantos

do território nacional (ROLLEMBERG, 2008).

No entanto, como já dito, tratava-se de uma posição isolada incapaz de modificar

abruptamente a ação institucional da OAB. 42

Nem o ato institucional n.° 2, nem tampouco o

ato institucional n.º 5 foram capazes de provocá-la imediatamente, o que ocorreu em

definitivo em função de outro fator contextual: a crise que recairia sobre a própria instituição

a acelerar o processo de conflito diante das finalidades institucionais.

42 Lembrando que o próprio presidente da OAB entre 11 de agosto de195 e 11 de agosto de 1958 Nehemias Gueiros, conselheiro-nato do Conselho Federal, participou da elaboração do AI-2 (ROLLEMBERG, 2008).

50

Na década de 70, a OAB sofreria pressão do regime militar, que buscava sujeitá-la

à prestação de contas ao Tribunal de Conta da União (TCU) e ao Ministério do Trabalho

(AQUINO, 2007), o que não se coadunava com as preferências das lideranças da OAB.

A esse respeito, o discurso de Caio Mario da Silva Pereira é claro:

“a princípio seria ao Ministério do Trabalho, o que nós, em absoluto, não queríamos. A Ordem dos Advogados nada tem a ver com o Ministério do Trabalho.

O Ministério do Trabalho disciplina a atividade do profissional não a atividade da

Ordem dos Advogados. A Ordem dos Advogados é livre para ser o que ela deve ser"

(PEREIRA, vol. 7, 2003, p.60).

Por isso, as lideranças da OAB tomaram a decisão da instituição se opor ao

regime militar e se unir à sociedade civil, fazendo frente à ditadura, o que concretizou a

denominada “solidariedade para baixo” como forma de legitimar socialmente suas pretensões

dentro e fora do campo jurídico. Tal ato permitiu que na retórica dos memebros da OAB fosse

incorporada a temática da reconstitucionalização democrática e de enfretamento da lógica

repressiva e economicamente centralizadora do autoritarismo vigente (AQUINO, 2007).

Tratou-se da prática de ato político calculado: legitimar-se perante a sociedade com a

oposição ao regime militar, fato destinado a angariar prestígio social e corporativo, enfim,

político.

Em 1972, a OAB começou a se posicionar politicamente contra o regime com a

realização do VI Encontro da Diretoria do Conselho Federal, no qual foi produzida a

Declaração de Curitiba a firmar a posição da instituição no campo da luta pela

redemocratização (ROLLEMBERG, 2008). Mas a ruptura efetiva ocorreu em 1973 na gestão

presidencial de José Ribeiro Castro Alves. 43

Conforme explica Caio Mairo da Silva Pereira,

foi a gestão do referido presidente que despertou a atenção do regime militar sobre a

instituição e gerou a derradeira quebra do vínculo de apoio:

“Era um grande colega, muito distinto, muito corajoso, e que exerceu uma

presidência muito ativa na OAB. O período do Ribeiro de Castro, entre 1973 e

1975, eu posso afirmar, marcou o despertar da atenção do governo dos militares pela atuação da Ordem dos Advogados. O próprio Ribeiro de Castro foi chamado,

inclusive, ao Ministério da Justiça para depor.

Como uma entidade com orientação democrática, completamente autônoma e

independente, a OAB começou a se constituir em um problema para o governo. Daí o interesse em observar a atuação da Ordem, talvez em função de suspeitas

infundadas de ligações mantidas pela entidade com movimentos revolucionários e

subversivos da época”(PEREIRA,2003, p.59).

Nessa gestão, a agenda da OAB foi a luta pelo restabelecimento das garantias do

Judiciário e da plenitude do habeas corpus; o equilíbrio entre a segurança do Estado e os

43 Presidente da OAB de 01 de abril de 1973 a 01 de abril de 1975.

51

direitos individuais do indivíduo; o livre exercício da advocacia; o respeito à pessoa humana e

aos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ROLLEMBERG, 2008).

Em 1975, o advogado Caio Mario da Silva Pereira 44

foi empossado e seguiu a

trajetória de seu antecessor e manteve a atuação da OAB como membro da sociedade civil no

contexto de reedificação das instituições republicanas a estabelecer, segundo MOTTA (2006)

as seguintes palavras de ordem:

“(...) defesa do restabelecimento das garantias institucionais, devidas aos

magistrados e aos cidadãos; restabelecimento do primado do direito sem

transigências com a ordem pública; restabelecimento do habeas corpus em sua plenitude; denúncia do abuso e da violência e respeito às prerrogativas individuais

dos cidadãos e dos seres humanos” (MOTTA, 2008, pag. 05).

Com tal ato, a OAB posicionou-se, com a Igreja Católica, como uma das

principais instituições capazes de contestar os atos do regime militar referentes à tortura e às

arbitrariedades do aparato de repressão (MOTTA, 2008).

No debate contra a ditadura, a OAB realizou a VI Conferência Nacional da Ordem

dos Advogados do Brasil, em 1976, na cidade de Salvador. Três foram os principais temas

discutidos: a independência/autonomia do advogado – claramente vinculada à sujeição que o

Ministério do Trabalho procurava impor; a reestruturação e o reestabelecimento da

democracia brasileira; e a reforma do Poder Judiciário, visando de antemão a restauração do

Estado de Direito (MOTTA, 2008).

Outro ato da OAB foi a oposição ao “Pacote de Abril” em 1977, o qual alterava as

regras do jogo eleitoral a impor às bancadas estaduais da Câmara a regra de que não poderiam

ter mais do que cinquenta e cinco deputados e menos do que seis. Com tal medida, os Estados

do Norte/Nordeste, com menos população, porém controlados pela Arena, garantiriam boa

representação governista no Congresso, equilibrando as bancadas do Sul e Sudeste, locais

com maior oposição (MOTTA, 2008).

Por fim, a instituição se posicionou a respeito do projeto de anistia do governo. Os

membros da OAB entendiam que o caso exigia o desvendamento dos desaparecimentos

políticos. Tal posição colocou-a como alvo dos atos violentos da ditadura (MOTTA, 2008). 45

Percebe-se, assim que a OAB no período de 1973 a 1979 foi presidida por

lideranças combativas, as quais optaram por apoiar a sociedade civil e lutar pelo Estado

democrático de Direito, trajetória institucional esta perfilhada pelo ex-presidente Eduardo

44 Presidente da OAB no período de 01 de abril de 1975 a 01 de abril de 1977. 45Em 1980, a sua sede no Rio de Janeiro foi alvo de uma bomba que matou uma secretária da instituição (MOTTA, 2008).

52

Seabra Fagundes, o qual presidiu a instituição no período de 01 de abril de 1979 a 31 de

março de 1981 (FAGUNDES, vol. 7, 2003).

Por fim, no período de 1981 a 1983, a OAB foi presidida por Bernardo Cabral, o

qual também manteve a luta pela redemocratização como trajetória institucional da OAB:

“O meu comportamento como presidente foi no sentido de batalhar pela efetiva democratização dopais. É claro que nós não nos descuramos da defesa dos

interesses da classe, mas isso era algo mais voltado à atuação dos conselhos

seccionais. O Conselho Federal, evidentemente, tinha que dar todo o apoio aos

conselhos seccionais nesse sentido, mas ele tinha uma posição de liderança perante a sociedade civil que não podia ser desprezada. Daí a razão dos realces do meu

discurso em relação a esta questão. Tanta era a nossa preocupação que nós

promovemos, aqui em São Paulo, o Primeiro Congresso Nacional Pró-Constituinte,

logo em seguida à minha eleição. Fizemos questão de convidar também pessoas desvinculadas da advocacia, justamente porque considerávamos a questão de modo

amplo e abrangente. Contamos com a participação de sociólogos, historiadores,

psicólogos, enfim, profissionais de outras áreas que trouxeram a sua contribuição

no sentido de caminharmos para um modelo de Constituição que todos almejávamos (CABRAL, vol. 7, 2003, p. 134).

4.3.1 –Análise do período

A narrativa indica que a trajetória institucional (path dependency) da OAB a favor

do regime militar se modificaria gradualmente (gradual institutionalchange) a transitar para

uma posição de desapreço e, em um momento posterior, de total oposição e luta, tudo isto em

função da atuação institucional da presidência (que possibilitava ao líder traçar livremente a

trajetória institucional da OAB)46

em razão de fatores contextuais (fatores externos e contexto

de crise)em desfavor da instituição e dos advogados.

Nesse ponto, importante se faz rememorar os conceitos trabalhados no capítulo II,

que são: contexto de crise (criticalconjuncture) e a mudança gradual (institutionalchange).

O primeiro, o da conjuntura crítica, é um fator importante no institucionalismo

histórico, porque muitos argumentos causais estão baseados em um modelo dual: períodos

relativamente longos de estabilidade e de reprodução institucional (path dependency) que são

modificados por fatos externos conjunturais (criticalconjuncture). Tal dualidade permite

entender, então, que os momentos críticos são importantes porque colocam os arranjos

46 Em tal período, ainda vigia a Lei n.º 4.215/ 1963, mas que manteve os moldes institucionais do Decreto n.º 20.784/1931.

53

institucionais em caminhos ou trajetórias novas também sujeitas ao path dependency

(CAPPOCIA e KELEMEN, 2007).

Por sua vez, o segundo, o da mudança institucional gradual, enfatiza que as

variáveis associadas diretamente ao contexto e às formas institucionais assumem poder causal

para compreender o modo pelo qual emergem formas diferenciadas de mudança institucional.

Em tal aspecto, os agentes interpretam e reagem de modo diferenciado a regras institucionais,

podendo gerar conflitos e, assim, espaços de mobilização quando se está diante de uma

situação de ambiguidade gerada nos processos de implantação de regras e decisões.

MAHONEY e THELEN argumentam que a ambiguidade típica das instituições gera espaços

de interpretação, debate e contestação por parte dos agentes, introduzindo possibilidades para

a mudança endógena (MAHONEY e THELEN, 2010; REZENDE, 2012).

Isso, então, ilumina o motivo pelo qual o padrão institucional estabilizado de

apoio ao regime militar se modificou gradualmente, pois tal norma de comportamento

institucional começou a ser contestada por atos isolados dos membros, principalmente Sobral

Pinto e que gerou uma interpretação diferente. Ao mais, a ruptura derradeira ocorreu quando

as lideranças da OAB se deparam com um contexto político prejudicial à instituição, com o

regime militar buscando limitar a autonomia da instituição, vinculando-a ao Ministério do

Trabalho e ao Tribunal de Contas da União, e aos advogados, que tinham suas prerrogativas

violadas.

Portanto, o contexto político posto em desfavor à instituição/advogados e a

correspondente ação de seus membros culminaram em uma mudança institucional gradual a

levar a OAB a se opor à ditadura e a apoiar os grupos da sociedade civil.

4.3.2 –Outra análise: o produto da modificação institucional e sua

contestação

A modificação gradual do posicionamento institucional da OAB gerou uma nova

função institucional, porque, diante do contexto de crise desfavorável, a instituição apoiou a

sociedade civil, logo, tornou-se um membro da mesma. Tal aspecto, assim, indicou a

54

ampliação da função institucional da OAB: além de ser uma corporação de advogados, desde

o período de ditadura, expandiu sua ação sobre temáticas políticas de interesse mais amplo e

social.

Essa complexidade da OAB foi captada pela literatura especializada. Os

estudiosos enfatizam que a OAB possui duas funções: a função corporativa, que se refere à

defesa dos interesses e prerrogativas dos advogados; e, a função institucional, que diz respeito

à proteção dos interesses sociais, dos direitos humanos, da justiça social, da Constituição e da

ordem democrática (LESSA e LINHARES, 1991; BONELLI, 2002; BASTOS, 2007; CURI,

2008; MOTTA, 2008; AQUINO, 2007).

Analisando esse ponto, pode-se afirmar que ocorreu com a OAB o tipo de

mudança institucional já teorizado por MAHONEY e THELEN (2010), que é a mudança

denominada de layering (camadas), que significa a inserção de novas regras funcionais junto

ou por cima das regras anteriores. No caso, tal fenômeno foi representado pela mudança

incremental da OAB no que pertine a sua atuação institucional no período de ditadura pela

proteção dos interesses sociais, dos direitos humanos, da justiça social, da Constituição e da

ordem democrática, função esta que foi inserida e complementou o campo de atuação da

OAB, o âmbito corporativo.

Entretanto, a ação complexa da OAB seria questionada por seus próprios pares.

Explica-se: a função corporativa era reconhecida oficialmente no estatuto da instituição,

enquanto que a função institucional não; pelo contrário, o Estatuto da OAB proibia a sua

atuação ou de seus membros em face de questões de cunho não-corporativo, como a política

ou a economia (artigo 145, da Lei n.°4.215 de 1963).

A problemática da atuação da OAB foi aventada quando se questionou qual seria

o posicionamento da insitutição sobre a renegociação da dívida externa brasileira no período

do governo Sarney. Após uma reunião suspensa do Conselho Federal da OAB, na sessão

seguinte, de 17 de setembro dde 1986, o assunto foi retomado. Firmou-se a ideia de que o que

estava em jogo era o caráter permanente da OAB e a provisoriedade dos governos e no risco

que tal opção poderia trazer para a independência da instituição (MOTTA e DANTAS, 2006).

Os componentes da OAB, assim, criaram “espaços políticos” de interpretação e

abriram uma lacuna para a ocorrência de conflitos em torno do significado da própria

instituição a possibilitar o questionamento de uma função exercida de fato – diz-se de fato,

pois as lideranças da OAB construiram informalmente essa função.

A respeito desse conflito, duas linhas de entendimentos se estabeleceram:

55

I. Os que enveradaram para a não atuação da OAB, por entenderem que tal

situação poderia fragilizar a respeitabilidade da instituição pelo

envolvimento em “questão polêmica de fundo partidário” (MOTTA e

DANTAS, 2006), e;

II. Os que entenderam que a OAB deveria se imiscuir na denúncia da

negociação da dívida externa brasileira. Frisaram ter sido justamente a

posição “militante” em questões politicas desse tipo que granjearia para a

instituição o lugar de mais importante membro da sociedade civil (MOTTA

e DANTAS, 2006).

Logo, estar-se-ia diante de um entrave institucional imposto por uma regra formal

rígida que impedia a OAB atuar em questões políticas. Logo, qual seria o rumo da OAB no

período de redemocratização?

O problema foi resolvido por meio de votação. Por ampla margem de votos — 19 a

3 — saiu vitorioso o parecer do relator Marcelo Lavenère que manifestou posição crítica da

Ordem em relação aos termos em que dívida externa brasileira era negociada e solientou a

necessidade imperiosa de mudá-los em favor dos interesses nacionais (MOTTA e DANTAS,

2006).

Ao mais, essa atuação se ampliaria, pois, após duras críticas sobre a atuação da

OAB, decididiu-se pela atuação da instituição de forma ampla e irrestrita quanto à transição

democrática. Isto ocorreria tendo por base os apontamentos do conselheiro, Lamartine Corrêa,

que descreveu o anseio de seus pares quanto ao posicionamento da OAB. Seguno ele, não

haveria verdadeira democracia enquanto a estrutura social brasileira se assentasse sobre a

marginalização de uma imensa maioria de brasileiros. Neste sentido, ao distinguir a “democracia

formal” da "democracia real", que determinava reformas sociais e econômicas, o conselheiro

insistiu na tese de que o rumo da OAB deveria ser mantido em favor do “verdadeiro" Estado de

direito, isto é, na defesa dos mais pobres dentre os brasileiros (MOTTA e DANTAS, 2006).

Mas uma questão deve ser levantada quanto a isso: por que a regra que impedia o

envolvimento da OAB em questões políticas não foi um impeditivo na posição contrária da

instituição ao regime militar, mas apareceu formalmente como um problema quando do

posicionamento da OAB perante o questionamento político da dívida externa brasileira no

período do governo Sarney?

A resposta dessa questão se refere ao abaixo explicado.

56

No período de autação da OAB no regime militar, esse impedimento existia, mas,

diante da opressão dos militares contra a institutição e contra os advogados cassados (ato

institucional n.º 1), os membros da OAB (a agência), que se contrapunham ao regime,

puderam fazer valer sua posição e criaram um espaço de interpretação, debate e contestação a

introduzir, assim, a possibilidade da mudança institucional: a oposição à ditadura militar.

No entanto, no período de redemocratização existia um contexto político de crise,

mas não prejudicial à instituição e aos advogados. Em tal caso, o regime militar não era mais

um problema efetivo para a OAB. Ela não estava mais sob o risco de perder sua autonomia e

os advogados não tinham suas prerrogativas cassadas. Tal contexto possibilitou, assim, que a

norma que vedava a atuação da OAB no campo político fosse arguida. Porém, o

questionamento apontado por certos membros não foi suficiente para fazer frente à norma

informal que delineou o novo padrão institucional da OAB. A trajetória institucional já estava

sedimentada e era reproduzida pelos presidentes sucessivamente eleitos, fato representativo

do fenômeno do autorreforço a gerar feedbacks positivos.47

Analisado esse ponto, direciona-se o exame na atuação da OAB no caso na

Constituinte de 1987.

4.4 – A OAB e a nova Constituição

Após a redefinição institucional, a OAB estabeleceria toda uma agenda de atuação,

que se fortificaria com a escolha de seu novo presidente, Hermann Assis Baeta. 48

Este quando

tomou posse afirmou que aplicaria um projeto pessoal calcado na convicção de que as

instituições civis desenpenhavam um papel relevante na sociedade brasileira e, entre elas,

destacou o papel da OAB, o qual pretendia impulsionar mais a diante:

“Se existia uma coisa que eu desejava era ocupar a presidência da Ordem. Eu só

comparo a satisfação de ter exercido este cargo à satisfação de quando eu fui aprovado no vestibular, quando eu reconheci em mim mesmo uma pessoa. Não foi

missão de sacrifício. Eu teria dado tudo para ser presidente da Ordem, porque eu

tinha um projeto que não era pessoal, mas um projeto para a categoria dos

advogados e também para o meu país. Eu me preparei durante toda a minha vida, desde os bancos académicos, e sabia que as instituições civis tinham um papel

importantíssimo na sociedade brasileira. Eu achava que a Ordem já vinha dando

47 Respectivamente: OAB seguiram o padrão institucional iniciado por José Ribeiro Castro Alves (1.4.73 a

1.4.75), Raymundo Faoro (1.4.77 a 1.4.79),Eduardo Seabra Fagundes (1.4.79 a 31.3.81) e Bernardo Cabral

(1.4.81 a 3.4.83). 48 Presidente no período de 01 de abril de 1985 a 31 de março de 1987.

57

um exemplo e construindo um trabalho muito interessante, e sentia que eu poderia impulsioná-la ainda mais adiante. Evidentemente que por vezes batia a

insegurança, mas eu sabia enfrentar as dificuldades. Além de todos os autores que

me ajudaram a consolidar uma visão do mundo e do Brasil, superando as minhas

lacunas, os amigos Lamartine Correa e Leônidas Rangel Xausa foram também fundamentais. Minha chegada à presidência da Ordem foi fruto também de um

projeto, de uma estratégia. Por tudo isso, por todas as lutas, percalços e conquistas,

me dá uma imensa satisfação ter presidido uma instituição que faz parte da história

de homens maravilhosos que foram meus antecessores e sucessores. Muitos que vieram depois de mim, mesmo que em outras situações, guardam ainda, como

ideais, as bandeiras históricas da Ordem, de contribuir para o aperfeiçoamento das

instituições jurídicas e avançar rumo à plena democracia. Hoje, eu posso dizer que

não teria mais possibilidade de fazer o que eu fiz, por falta de condições físicas, mas me orgulho de ter trabalhado intensamente nesses dois anos em prol da Ordem e da

sociedade brasileira, contribuindo para o seu reconhecimento nacional e

internacional” (BAETA, vol. 7, 1997, pag. 185).

Nesse intento, a gestão de Hermann Assis Baeta se centrou na consolidação da

democracia, isto é, na “concretização do sonho brasileiro de ver seu Estado democrático

permanente e irreversível” a englobar a legalização dos partidos comunistas, a anístia completa

com as devidas reparações de atos políticos autoritários (MOTTA e DANTAS, 2006).49

Em especial, a nova gestão visou uma democracia plena que, não se limitasse à

recuperação da liberdade, mas que incluísse a concretização de uma igualdade social e

material. Neste ponto, a OAB reivindicou a solução da reforma agrária no Brasil por ainda

existir insumos conflitos entre latifundiários e pequenos posseiros, garimpeiros e

trabalhadores rurais; bem como que se tocasse na questão de um a melhor distribuição de

renda, seriamente comprometida pela grave crise econômica no período do da ditadura militar

e majorada pelo governo Sarney (MOTTA e DANTAS, 2006).

Por isso, era central a OAB acompanhar a elaboração da nova Constituição; e

assim o fez ao definir os princípios que deveriam balizar a Assembleia Constituinte, que

foram: a criação e a convocação de uma Constituinte “livre, soberana eautônoma”; a

rejeição de qualquer anteprojeto da Constituição sem colaborações e participações da

sociedade civil. E, no que se refere ao conteúdo da própria Constituição, a OAB debateria

seus inúmeros institutos em seus Congressos, principalmente no XI Congresso Nacional

(realizado de 4 a 8 de agosto de 1986), que se organizou em torno de três grandes temas:

organização do Estado; sistema de propriedade; direitos do homem - os quais, por sua vez,

abrangeram, respectivamente, os seguintes subtemas: poder e propriedade; federação e

organização tributária; Poder Judiciário; reforma Agrária; reforma urbana; direitos da pessoa

49 “Entulho autoritário” representado por um conjunto de leis de exceção, corno a Lei de Segurança Nacional, a Lei Falcão, a Lei de greve, a Lei de imprensa, a Lei dos estrangeiros.

58

humana; família, educação, saúde e cultura; e, direitos do trabalhador (MOTTA e DANTAS,

2006).

Entretanto, a tese da Constituinte exclusiva não vingou. Em 28 de março de

1985, Sarney encaminhou ao Congresso Nacional uma mensagem, que foi transformada na

Emenda Constitucional de nº 43 a transformar a legislatura seguinte em Congresso

Constituinte (MENDES DE LIMA, 2003). Por isto, em setembro de 1986, a Comissão

presidida por Afonso Arinos concluiu o anteprojeto de Constituição composto de 468 artigos,

mas que foi rejeitado pelo Executivo, assim gerou novos debates sobre a futura norma

constitucional.50

Nesse momento, a OAB voltou a atuar como membro da sociedade civil, para

realizar inúmeras comitivas e Congressos, bem como propondo anteprojetos à Constituição de

1988(MOTTA e DANTAS, 2006). Em função disto, o novo presidente da OAB, Márcio

Thomaz Bastos51

, foi convidado cinco vezes para participar dos debates da Constituinte para

oferecer a expertise jurídica para o projeto da Constituição de 1988. Como tinha “pavor

intelectual” de participar de comissões como as da Constituinte criou o Bureau de

Acompanhamento Constitucional para assessorar nas questões atinentes à Assembleia

Constituinte:

“O Bureau de Acompanhamento Constitucional foi algo que eu instalei logo no meu

primeiro dia de mandato, devido ao meu pavor intelectual de ter que depor nas

subcomissões temáticas do Congresso Constituinte. Logo que tomei posse, deparei -

me com cinco convocações dessa natureza, relacionadas a assuntos dos mais variados. Como eu já tinha um grupo que me auxiliava nestes assuntos, resolvi

institucionalizar este Bureau, que era composto basicamente de pessoas ligadas a

mim, mas que tinham como característica comum um extraordinário preparo, um

grande brilho intelectual e muita versatilidade. Faziam parte dele o dr. Sérgio Sérvulo da Cunha, que hoje é meu chefe de Gabinete aqui no Ministério da Justiça;

o professor Lamartine Correa de Oliveira, falecido tragicamente e talvez o homem

de maior altitude intelectual e técnica deste Bureau; o dr. Marcelo Lavenère, ex-

presidente da Ordem; a talentosa dra.. Marília Muricy, e a dra. Olga Cavalheiro Araújo, também já falecida. Eles funcionavam como um grupo de assessoria ligado

às questões da Constituinte. Nós discutíamos todos os temas, com toda a liberdade”

(BASTOS, vol. 7, 2003, p. 194).

Em uma das sessões do referido núcleo, a OAB recebeu Ulysses Guimarães,

presidente da Constituinte, o qual se referiu ao apoio que recebera da OAB em momento

50 Em setembro de 1986, meses antes de a Assembléia Nacional Constituinte iniciar seus trabalhos, uma

comissão provisória criada pelo Executivo concluiu a elaboração de um anteprojeto de Constituição que, no

entanto, acabou não sendo enviado oficialmente ao Congresso. Embora tivesse o nome de Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, o grupo ficou conhecido como Comissão Afonso Arinos, pois seu presidente foi o

jurista, ex-deputado federal e ex-senador Afonso Arinos de Melo Franco (SENADO, 2008) Fonte: <

http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2008/10/01/comissao-afonso-arinos-elaborou-anteprojeto-de-

constituicao> 51 Presidente da OAB de 1987 a 1989.

59

anterior e esperou a colaboração da instituição para a elaboração e para a redação da nova

Constituição. Com tal convite, no ano de 1988, a OAB estabeleceu debates a subsidiar a

Constituinte. O principal deles seria o ocorrido na XII Conferência Nacional da Ordem,

realizada em Porto Alegre entre 2 e 6 de outubro. Em tal âmbito, o tema central discutido foi

“O advogado e a OAB no processo de transformação da sociedade brasileira”, o qual se

desenvolveu em torno de quatro pontos principais: reflexão histórica e política sobre a

sociedade brasileira e seus segmentos; a condição dos direitos humanos hoje; a conjuntura

constitucional; a problemática atual da advocacia (MOTTA e DANTAS, 2006).

Ao propor seus anteprojetos à Constituinte, a OAB mantinha relação direta com o

deputado Nelson Jobim, que fazia o papel de representação da instituição perante os demais

constituintes. O discurso do então presidente da OAB, Márcio Thomaz Bastos, caracteriza

essa relação de representatividade:

“Nós trabalhamos estreitamente ligados ao deputado Nelson Jobim, que pensava de modo parecido ao nosso. Ele nos ajudou muito, ele realmente falava por nós. Na

questão, por exemplo, do Conselho Nacional de Justiça, do controle externo do

Poder Judiciário, ele foi o que mais trabalhou, dentro da Constituinte, para que se

concretizasse. Ele tinha uma ligação muito forte com a conselheira do Rio Grande do Sul, Olga Cavalheiro Araújo, que era do nosso Bureau. O meu secretário, na

época, Luís Carlos Madeira, tinha sido presidente desta mesma seccional quando o

Nelson Jobim era vice. Nós tínhamos realmente uma ligação muito próxima”

(BASTOS, vol. 7, 2003, p. 197).

Em 05 de outubro de 1988, a nova Constituição foi promulgada e um ponto

importante a ser frisado: a OAB, ao propor anteprojetos à Constituição, inseriu inúmeros

dispositivos constitucionais aprovados que lhe atribuíram papel político ainda mais

significativo, como de instituição com forte papel de intervenção no cenário político perante

as demais instituições, tudo reconhecido pela Constituição de 1988 (AQUINO, 2007;

XIMENES, 2007).

Em primeiro lugar, na Constituição Federal, o advogado é considerado

“indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no

exercício da profissão” (art. 133 da Constituição Federal) e a OAB é considerada um ator

político importante, participando em espaços de tomada de decisão no Estado, bem como de

fiscalização sobre os atos estatais eivados de ilegalidade, conforme explicado abaixo.

Em segundo lugar, a OAB poderia compor: o Conselho Nacional do Ministério

Público (art. 130-A); na condição de ministros, o Superior Tribunal de Justiça (art. 104), o

Tribunal Superior do Trabalho (art. 111 - A), o Tribunal Superior Eleitoral (art. 119) e o

Tribunal Superior Militar (art. 123); na condição de desembargadores: os Tribunais Regionais

60

Federais, os Estaduais e do DF (art. 94), os Tribunais Regionais do Trabalho (art. 115) e os

Tribunais Regionais Eleitorais (art. 120, §1°, inciso III).

Em terceiro lugar, a OAB poderia fiscalizar o concurso público de ingresso na

magistratura (art. 93, inciso I) e nas procuradorias estaduais e do DF (art. 132).

Por fim, e em quatro e mais importante, a OAB pode propor ação direta de

inconstitucionalidade contra leis ou atos normativos federais, que nada mais se trata de uma

legitimação da OAB, a qual permite o controle/fiscalização dos atos do Estado que violem a

Constituição de 1988.

A introdução desse papel relevante na Constituição de 1988 foi redigida e

proposta pelo presidente da OAB, Márcio Thomaz Bastos, que, ao se referir a tal fato,

afirmou:

“Eu lutei por isso e ajudei a redigir o texto. Evidentemente, o tipo de tratamento que

a Ordem recebeu na elaboração da Constituição foi um reflexo do papel que ela representou no processo de redemocratização da sociedade brasileira, ocupando

espaços que ficaram vazios pela falta de atuação política. Esse papel ascendente

nos termos da relevância social de sua atuação contra a ditadura culminou em

alguns eventos de peso para a história brasileira recente, como a campanha das Diretas-Já, em 1984, a Constituinte, em 1987(...)”(BASTOS, vol. 7, 2003, p. 201).

O motivo da inserção radicava na proteção dos interesses da corporação, pois,

quando Márcio Thomaz Bastos foi questionado se a constitucionalização do papel do

advogado o tornava parte constituinte dos Poderes, respondeu:

“Não. Acho que apenas o protege no exercício da função, pensando no seu

consumidor final, que é o cliente. Porque o advogado, para defender bem, precisa

ter uma plataforma de sustentação. Ele não pode correr riscos de ser processado, no exercício da profissão, porque ofendeu o juiz”(BASTOS, vol. 7, 2003, p. 201).

Percebe-se, por conseguinte, que a introdução da OAB nos debates constitucionais

não teve por base apenas o exercício de membro da sociedade, mas, também, um cálculo

político – o benefício ao exercício da advocacia.

Doutra parte, no período de redemocratização, o comportamento da OAB seguiu

uma dinâmica de autorreforço a gerar uma estabilidade institucional, pois enraizada estava a

função institucional. Este padrão fez com que os membros da OAB tomassem a decisão de

continuar a concretizá-la no período indicado. Ademais, foi um cumprimento institucional

focado na concretização da transição democrática, em especial a realização da Constiuinte, a

qual a OAB contribuiu sobremaneira.

Tal aspecto se confirmou no período do governo Sarney, logo após a promulgação

da Constituição.

61

Em primeiro, a atuação da OAB começou quando o ex-ministro da

Administração, Aluísio Alves, foi indicado para o cargo do Superior Tribunal Militar (STM),

que colocou a instituição em rota de colisão com o governo Sarney. Os membros da

instituição argumentavam que sobre o indicado pairava inúmeras denúncias de irregularidades

quando do exercício no Ministério da Administração e, ainda, apontaram que Aluísio Alves

não tinha comprovado ter exercido dez anos de advocacia, conforme exigido pela

Constituição para o cargo de magistrado, logo, violando o art. 123, parágrafo único, inciso I,

da Constituição Federal (MOTTA, 2010).

Em segundo, atuou institucionalmente contra o uso das medidas provisórias por

parte de Sarney. No caso, Sarney editou a medida n.º 11/89, regulando a matéria penal (prisão

temporária a acusados de certos crimes). A OAB se opôs e suas lideranças asseveraram que a

matéria penal não podia ser regulada em sede de medidas provisórias, e, sim, no processo

legislativo comum sediado no Congresso Nacional (MOTTA, 2010; DA ROS, 2008; STF,

1989), e; 52

Em terceiro, a OAB questionou da formação da divina externa do Brasil, que,

segundo alguns conselheiros, violaria a Constituição (MOTTA, 2010).

Por fim, a OAB fez pedido de impeachment contra Sarney em razão de denúncias

de corrupção na vigência de seu mandatado político. Neste caso, as acusações se

direcionavam na relação do Presidente com o Congresso, com a Constituinte e com o próprio

PMDP, porque Sarney teria promovido a política do “dano que se recebe” a consubstanciar

atos de propina em prol da governabilidade, os quais foram objeto de investigação em

Comissão Parlamentar de Inquérito de 1988 (CARDOSO SANTI, 2012), mas o processo de

cassação do mandato político de Sarney foi arquivado (SCHILLING, 1997).

Conclui-se, assim, que, logo após a Constituinte de 1987 e seguinte promulgação

da Constituição de 1988, a OAB exerceria um comportamento institucional tendo por foco a

nova ordem constitucional instaurada.

52No caso, o Tribunal entendeu que uma instituição jurídica poderia intervir na atividade legislativa da

presidência – foi, conforme explica DA ROS, uma leve inflexão em relação ao padrão já delineado durante o autoritarismo, mas sem força de mudança (DA ROS, 2008; STF, 1989).

62

4.4.1 –Análise do período

O período de atuação da OAB entre 1987 e 1989 caracteriza uma trajetória

institucional estabilizada (path dependency) calcada no papel institucional de seus dois

presidentes, Herman Assis Baeta e Marcio Thomaz Bastos, os quais seguiram o caminho

institucional efetivado pelos antecessores, o que gerou o fenômeno institucional do

autorreforço.

No entanto, nesse período existiu um aspecto novo: os dois presidentes

aproveitaram do momento contextual favorável e inseriram a instituição nos debates da

Constituinte, situação que possibilitou a modificação institucional da OAB, transformando-a

em uma instituição com poder de fiscalização dos atos do Estado e, neste interim, a propor

ação direta de inconstitucionalidade.

Ocorreu uma modificação institucional que alargou as funções já existentes, ou

seja, além de ser uma corporação e componente da sociedade civil, passou a exercer o papel

de fiscal das ações do Estado. Tratou-se, assim, de uma mudança institucional do tipo

layering, sendo inseridas novas regras junto ou por cima das regras anteriores – as regras

existentes foram complementadas (MAHONEY e THELEN, 2010).

Esse novo papel institucional possibilita à OAB mover ações diretas de

inconstitucionalidade (art. 103 da CF) perante o Supremo Tribunal Federal53

contra leis e atos

normativos do Estado. Com a propositura de ações desse teor, a finalidade almejada é que o

Tribunal constitucional exerça sua função a averiguar a compatibilidade dos atos discutidos

perante a Constituição Federal. Caso o Tribunal entenda pela inconstitucionalidade, declara a

invalidade dos mesmos desde a vigência (efeito ex tunc).

Frisa-se que a legitimação para a propositura das ações direta de

inconstitucionalidade é fechado, conforme o artigo 103 da Constituição Federal:

“Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de

constitucionalidade: I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

53 Cf. art. 102, alínea “a”, e parágrafo 1°, da CF.

63

IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

V o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004)

VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”.

Logo, são poucos os atores políticos que podem questionar e fiscalizar os atos do

Estado e a OAB é um deles.

Isso é um dado importante, porque, segundo VIANNA (2010), o exercício do

controle concentrado de constitucionalidade pelos legitimados transformou o Supremo

Tribunal Federal em outro foro de discussão política:

“Converte-se então o Judiciário em um novo lugar para se fazer política. A

descoberta, por parte da sociedade, desses institutos sedimentou e criou história e

hoje se fala de ADIs para tudo. O Judiciário entrou na vida interna do Legislativo,

como no caso das comissões parlamentares de inquérito (CPIs), obrigando, judicialmente, em nome dos direitos parlamentares da minoria, a convocação de

uma CPI por parte do presidente de uma casa legislativa que se recusava a praticar

esse ato regimental. O Direito tornou-se uma nova gramática, uma nova linguagem

para a vida política brasileira – inclusive dos setores subalternos, como no caso do estatuto das cidades, com o tema do usucapião, que agora voltou, felizmente, a

ganhar novo fôlego a partir de certas políticas públicas que estão sendo

desenvolvidas nas cidades. Essa linguagem, essa gramática está presente na

organização dos quilombolas e nas lutas sindicais. E a própria corporação dos magistrados, antes resistente, começa a se ajustar, pois já mudam a bibliografia, os

juízes, os próprios cursos de Direito. Não se pode mais falar de política no Brasil

tendo como base os velhos axiomas da separação nítida e rigorosa entre os três

poderes”. (VIANNA, 2010, pag. 35 e 36).

Dessa forma, conclui-se que a OAB se tornou uma instituição legitimada a propor

ações diretas de inconstitucionalidade na Constituição de 1988 (artigo 103, inciso VII), o que

possibilitou questionar os atos normativos do Estado, incluindo os do Poder Legislativo e do

Poder Executivo. 54

4.5 – Conclusão e hipóteses à pesquisa

Conclui-se que a OAB passou por um desenvolvimento institucional a delinear

uma instituição com atuação política complexa: função corporativa e função institucional; que

transita do “universo corporativo”, para “política” ou para a sociedade civil e que tal

54 Tal ponto é importante porque esse papel foi utilizado pela OAB contra o governo Collor I, objeto de análise desta pesquisa.

64

configuração institucional foi construída historicamente. Tal modificação institucional não

gerou uma nova instituição ou uma nova organização, pelo contrário, está a se referir a mesma

instituição. Conforme explica PIERSON (2004), a trajetória histórica de uma institucional

necessariamente traz consigo mudanças, que são geradas por fatores exógenos ou endógenos,

pontuais ou complexos. Por isto, a estabilidade e a mudança fazem parte da “vida” de uma

instituição, o que caracteriza o seu “desenvolvimento institucional” (PIERSON, 2004).

Nesse sentido, a OAB passou por modificações que determinaram novas funções,

que os estudiosos enfatizam que são duas: a função corporativa, que se refere à defesa dos

interesses e prerrogativas dos advogados; e, a função institucional, que diz respeito à proteção

dos interesses sociais, dos direitos humanos, da justiça social, da Constituição e da ordem

democrática (LESSA e LINHARES, 1991; BONELLI, 2002; BASTOS, 2007; CURI, 2008;

MOTTA, 2008; AQUINO, 2007).

Entretanto, analisando o contexto de 1973 a 1989 se percebe outros modos de

atuação, que são:

Quadro 04. Diferentes papéis da OAB.

PERÍODO PAPEL CONCEITO

Período de

combate ao

regime militar

-

1973 a 1985

Membros da sociedade civil

Denúncia das ações do regime

militar violadores da

Constituição, do Estado Democrático de Direito e dos

direitos fundamentais por meio

de notas institucionais e

Conferências.

Membros da sociedade civil

Atuação em conjunto com a

sociedade civil contra o regime

militar.

Período de luta

pela

redemocratização

-

1985 - 1989

Membros da sociedade civil

A OAB compõe os movimentos da sociedade civil em prol de

uma Constituinte e, ainda, é

convidada a apresentar

anteprojeto nessa condição de representatividade.

Instituição com poder de fiscalização dos

atos das instituições públicas perante a nova

Constituição

A OAB insere dispositivos na

Constituição de 1988, que a

tornam uma instituição com poder de fiscalizar as ações das

instituições perante a nova

ordem constitucional.

Fonte: elaborado pelo autor.

65

Em tal quadro, é possível notar a especificação dos papéis diferenciados da

instituição, o que demonstra que a OAB é um ator complexo, que transita da função

corporativa para a institucional, e, dentro desta função, para uma gama de diferentes papéis

quando a questão em jogo é a proteção dos interesses sociais, dos direitos humanos, da justiça

social, da Constituição e da ordem democrática.

Ao mais, essa complexidade permite avaliar que a regra institucional que vedava a

OAB e aos seus membros atuarem no âmbito político não seguia uma lógica de adequação

(concepção estruturo-funcionalista), isto é, de coadunação da ação das lideranças com a regra

institucional posta. Pelo contrário, percebe-se que o debate em torno de tais vedações foi

seletivo 55

, nunca sendo um problema para as lideranças da OAB argui-la em certo contexto e

em outro não.

Especificado isso, adentra-se noutra conclusão possível. Existem dois fatores de

modificação institucional/estabilidade dentre outros, que se sobressaem, que são: o regime

presidencialista da OAB 56

e o contexto político.

Quanto ao primeiro fator, ele foi detectado pela literatura, resumindo-se a situação

ao seguinte enunciado: ocorre uma “extremada identificação” da própria OAB com a figura

do seu presidente. Quem percebeu esta situação foi MOTTA (2006) que, ao se deparar com

ela, levantou a seguinte pergunta: em que medida pode o presidente impor (ou não) o seu

próprio estilo ao modo de atuar da OAB?

A pesquisadora não respondeu a questão que levanta, apenas afirmou que o que

estava em jogo era a margem de negociação entre a liberdade de agir do indivíduo e os

constrangimentos dados pelos padrões definidores de uma determinada identidade

institucional (MOTTA, 2006).

Percebe-se que MOTTA (2006) está diante da diante do problema da ação da

agência versus regra institucional e sua modificação já explorada nesta pesquisa e

aprofundada no exame dos apontamentos de MAHONEY e THELEN (2010). Entretanto,

entende-se que a análise está errada. Trata-se, sim, de uma relação entre ação da agência e a

regra institucional, porém, no caso da OAB, é o próprio regime jurídico a que o presidente

está submetido que possibilita essa identificação extremada, ou melhor, é o que possibilita o

presidente eleito traçar o caminho institucional que a instituição deve seguir.

55 Cf. respectivamente: o artigo 8º do Decreto n.° 19.408/1930 e o artigo 145, da Lei n.°4.215 de 1963. 56 Dualidade explorada nos tópicos anteriores.

66

Sobre esse aspecto, o ex-presidente da OAB, Eduardo Seabra, ao ser questionado

se a questão da identificação da instituição com o presidente empossado era uma característica

histórica da organização, respondeu:

“É, a Ordem se caracteriza por um acentuado presidencialismo. O presidente, pela

suaprojeção, dá a tónica daposição da Ordem, o que não quer dizer queo Conselho Federal não seja também extremamente atuante e que não tomeas deliberações de

sua competência. Penso, aliás, que nenhum presidentesobreviveria se o Conselho

lhe negasse inteiramente o apoio. Sempre ouvimuito os companheiros do Conselho

Federal, isso talvez tenha sido um dossegredos da minha presidência. Agora, pode ter certeza que a Ordem é dessasinstituições em que o presidente aparece perante a

opinião pública como oretrato da instituição” (SEABRA, vol. 7, 2003, pag. 83).

Ou seja, essa identificação se refere ao regime presidencialista; e é desta forma

que ocorre, pois o regime jurídico que disciplinava as funções da presidência da OAB, a Lei

n.º 4.215/ 1963 outorgava à presidência o poder institucional de captar o problema político,

interiorizá-lo para debate no Conselho Federal e, por fim, executar no mundo político a

decisão institucional, representando a OAB. 57

Esse regime jurídico começou a ter vigência em 1963, mas manteve os moldes

institucionais do Decreto n.º 20.784/1931, ou seja, possibilitava ao Conselho Federal defender

a ordem constitucional (artigo 18, inciso I). 58

Porém, isso dizia respeito somente a uma parte

do procedimento de tomada de decisão institucional da OAB. Segundo o artigo art. 9º, inciso

II, do mesmo diploma, ao presidente da instituição cabia convocar o Conselho Federal, dar

resolução às decisões institucionais (art. 9º, inciso III) 59

e representar a OAB em juízo ou fora

dele, incluindo o político (art. 9º, inciso I). 60

Nesse sentido, o Conselho Federal era dependente em face da presidência,

cabendo a esta convocar o Conselho, propor a pauta e presidir as reuniões de deliberação.

Funcionava, assim, como um órgão auxiliar do presidente e não como um órgão independente

a fim de dividir o poder e tornar a decisão tomada em uma decisão institucional – na verdade

se tratava de uma decisão do presidente.

Portanto, esse disciplinamento centrou muitos poderes institucionais nas mãos da

do presidente da OAB a permitir que direcionasse a trajetória institucional da OAB sem

57 Cf. art. 9º, inciso I e III, da Lei n.º 4.215/ 1963. 58 Cf. artigo 18, inciso I: “Compete ao Conselho Federal: I - defender a ordem jurídica e a Constituição da República (...)”. 59 Cf. art. 9º, inciso III: “Compete ao Presidente da Ordem: (...) III - convocar e presidir o Conselho Federal e dar

execução às resoluções deste”. 60 Cf. art. 9º, inciso III: “Compete ao Presidente da Ordem: I - representar o Conselho Federal ativa e passivamente, em juízo e fora dele”.

67

maiores constrangimentos externos e institucionais, o que caracterizou a observação já feita

por TAYLOR (2008) e ALMEIDA (2005) no sentido que as lideranças da OAB atuavam no

campo político com autonomia na sua ação institucional TAYLOR, 2008 e ALMEIDA,

2005).

Mas o que possibilitava a presidência mudar a trajetória ou mantê-la?

O que fazia a presidência mudar a trajetória institucional ou mantê-la era o fator

exógeno, o contexto. Dependendo de como o contexto político estava em relação à OAB ou à

advocacia, o presidente imprimia modificações ou mantinha a trajetória institucional

sedimentada. Ou seja, as lideranças da OAB, diante do contexto político, podiam ou não agir

institucionalmente. O fator médio entre o contexto e a ação institucional era o cálculo

político: se o contexto político em crise trazia prejuízo ou benefício à instituição e aos

advogados.

O quadro abaixo sintetiza e deixa claro esse aspecto.

Quadro 05. Posicionamento da OAB diante de contextos políticos de crise.

PERÍODO CONTEXTO AÇÂO INSTITUCIONAL RESULTADO E

FINALIDADE

1930 a 1943

Favorável

Ação política: cúpula da OAB formada por elites políticas e

possibilitar a aproximação com

o Estado. Em tal período, as

lideranças da OAB, especialmente Levi Carneiro,

atuavam na OAB e exerciam

cargos na estrutura estatal.

Mudança institucional: de classe estritamente profissional

para ator político.

1943 a 1963

Desfavorável

Atuação política contra o Estado

ditatorial de Vargas, pois

inúmeros advogados tinham

suas prerrogativas violadas. Ainda, atuação política contra as

reformas sociais pretendidas

pelo governo Goulart e em

função do Estado não prestigiar os interesses corporativos da

OAB.

Modificação institucional:

oposição ao Estado e lutou pela

preservação dos interesses das lideranças e da corporação.

1961 a 1964

Desfavorável

Atuação política contra as

reformas sociais pretendidas

pelo governo Goulart e em função do Estado não prestigiar

os interesses corporativos da

OAB

Modificação institucional:

oposição ao Estado e lutou pela

preservação do exercício da advocacia e depois dos direitos

humanos.

1964 a 1970

Favorável

Atuação política de apoio ao

regime militar por partilhar do

Trajetória institucional

68

mesmo consenso de sua

necessidade e pelo fato de muitos dos seus fazerem parte

do regime, de apoiá-lo e de se

beneficiarem com tal apoio.

estabilizada de apoio ao Estado

em benefício próprio.

1970 a 1985

Desfavorável

Atuação política contra o regime militar por este buscar

controlar a OAB e agir contra os

advogados, bem como pela

necessidade de fortalecimento institucional perante os

advogados-empregados e a

sociedade.

Modificação institucional, visando legitimar-se perante a

grande massa de advogado e

perante a sociedade e contra o

regime militar, a fim de angariar prestígio social e

corporativo, enfim, político.

1985 a 1988

Favorável

Atuação política a favor da

redemocratização e da

instalação de uma nova Constituinte.

Trajetória institucional estabilizada de membro da

sociedade civil.

Ampliação da função

institucional, pois com o apoio e prestigio angariado no

período de ditadura, a OAB

pode inserir dispositivo na

Constituição, transformando-a em uma instituição com poder

de fiscalizar as ações do Estado.

1988 a 1989

Favorável

Atuação política contra o

governo Sarney a questionar a questão da dívida externa

brasileira, o uso das medidas

provisórias e ações políticas

específicas.

Trajetória institucional

estabilizada a agir como fiscal das ações do Estado perante a

nova Constituição, a de 1988.

Fonte: elaborado pelo autor.

Interessante ressaltar que, no decorrer da pesquisar, pode-se notar que o elitismo

político foi um fenômeno presente, principalmente no período de 1930 a 1970. Percebeu-se a

relação próxima das lideranças da OAB com o Estado a caracterizar um grupo de jurista

componente da instituição que investiam em capitais políticos. Neste sentido, pode-se dizer

que se enquadravam no tipo "político-juristas" criado por Almeida (2010), que é aquele jurista

que transita entre o campo político e jurídico com relativo equilíbrio de investimentos,

embora mantenha vinculação predominante com o mundo do direito, seja na marca de sua

atuação política, seja no maior tempo de vida dedicado às atividades jurídicas (ALMEIDA,

2010).

Por outro lado frisa-se o seguinte: o aspecto institucional ligado à presidência da

OAB (atrelado ao fator contextual) possibilitou que a instituição sofresse modificações

abruptas ou graduais, porém, isso não explica a estabilidade.

69

Por que a OAB manteve entre certos períodos uma trajetória institucional

sedimentada com a sua replicação por inúmeros presidentes?

A resposta a essa questão também foi explorada na pesquisa. Refere-se ao regime

institucional a que o presidente da OAB está submetido, que é o regime de alternância na

presidente, pois cada presidente era eleito a cada dois anos (art. 7º, parágrafo 2º, da Lei n.º

4.215/63) a ser sucedido por outro. Entretanto, esse regime de eleição obrigava o sucessor a

“receber a herança institucional do presidente anterior”, caracterizada por decisões

institucionais tomadas, funções institucionais modificadas ou estabilizadas e articulações

políticas estabelecidas. Ou seja, o presidente eleito seguia a trajetória institucional do seu

antecessor, pois, uma vez estabilizada, ocorria o fenômeno institucional do autorreforço

(feedbacks positivos).

Por isso, que, no período de 1985 a 1989, a trajetória institucional iniciada pelo

ex-presidente José Ribeiro Castro Alvesem 1973 foi mantida. Os presidentes subsequentes, ao

estarem diante de um contexto político favorável, seguiram essa trajetória anterior a fazer a

OAB atuar como membro da sociedade civil em prol da redemocratização, fato este

constatável nas gestões de Caio Mário da Silva Pereira (1.4.75 a 1.4.77), Eduardo Seabra

Fagundes (1.4.79 a 31.3.81), Bernardo Cabral (1.4.81 a 3.4.83), Hermann Assis Baeta (1.4.85

a 31.3.87) e Márcio Thomaz Bastos (1.4.87 a 1.4.89).

Por fim, agora se busca passar de conclusões gerais para hipóteses específicas

para a presente pesquisa.

Em primeiro lugar, o quadro n.º 05 permite depreender que a OAB exerce sua

função institucional em contexto de políticos de crise, mas que não lhe é desfavorável, pelo

contrário. Logo, segue uma trajetória institucional estabilizada, que foi construída em

momentos de crise e serviu como parâmetro de atuação às lideranças da instituição.

Ora, no período que antecede a vigência do governo Collor, a OAB já estava

estrutura e configurada institucionalmente da forma acima mencionada. Isto arregimenta a

hipótese já levantada neste presente pesquisa, isto é, que a OAB, no contexto do cenário

político do governo Collor, seguiu uma trajetória institucional dependente construída

anteriormente e que serve de parâmetro para a tomada de decisão sobre sua ação na crise

instalada.

Em segundo lugar, e, dentro por referência dois últimos períodos de atuação da

OAB mencionados no quadro n.º 5 (1985-1988 e 1988-1989), percebe-se que a atuação

70

institucional se centrou na criação da Constituição de 1988 e, logo depois, sua proteção no

período do governo Sarney.

Esse aspecto fortifica a segunda parte da hipótese, ou seja, a OAB seguiu uma

trajetória dependente que serviu como parâmetro de atuação no período de crise do governo

Collor e, ainda, tendo uma finalidade específica: a proteção da nova ordem jurídica

constitucional, da qual se coloca como protetora e como beneficiária.

Portanto, esses são as análises que dialogam e fortificam a hipótese de pesquisa

levantada para o problema central desta dissertação, o que será analisado e averiguado nos

capítulos V e VI.

71

CAPÍTULO V – O PAPEL DA OAB CONTRA O PLANO COLLOR I

5 – Introdução

Neste capítulo se examinará a primeira parte do objeto de pesquisa referente à

atuação da OAB no período de implementação do Plano Collor I e sua crise (17 de março de

1990 a 03 de janeiro de 1991), a fim de responder o problema de pesquisa elaborado. Para

tanto, este capítulo foi construído em torno de três argumentos principais que se articulam, os

quais serão explicados adiante.

Em primeiro lugar, entende-se que a OAB, no período de denúncia de contestação

do Plano Collor assumiu três comportamentos institucionais com as seguintes configurações:

Quadro n.º 06. Papéis da OAB contra o plano Collor I.

PAPÉIS DA OAB CONTRA O PLANO COLLOR I

PERÍODO PAPEL DESEMPENHADO

17 de março de 1990 a 25 de

abril de 1990

Membro da sociedade civil com expertise jurídica: denúncia da

inconstitucionalidade do uso excessivo de medidas provisórias pelo

governo Collor a violar o artigo 62, parágrafo único, da Constituição

Federal. 61

26 de abril de 1990 a 03 de

janeiro de 1991

Instituição com poder de fiscalização: propositura de ações perante o

Supremo Tribunal Federal para declaração de inconstitucionalidade

de medidas do Plano Collor I por violação do artigo 62, parágrafo

único, da Constituição Federal.

Membro da sociedade civil com expertise jurídica: articulação e

liderança de movimento político composto por membros da

sociedade contra o uso excessivo de medidas provisórias

(denominado de “Frente Nacional pela Democracia e Contra a

Recessão”).

Fonte: elaborado pelo autor.

61 Esse aspecto será brevemente avaliado adiante.

72

Em segundo lugar, a finalidade do exercício de tais papéis institucional foi o

resguardo da Constituição Federal e, em específico, a violação do artigo 62 da Constituição

em função da reedição medidas provisórias em outras no caso do Plano Collor I a forçar a não

apreciação pelo Congresso - sob tal aspecto o uso das medidas tornou-se regra, e não a

exceção conforme os critérios de “urgência” e “relevância” da norma constitucional (artigo 62

da Constituição Federal de 1988).

Por fim, e em terceiro, o exercício desses papéis tiveram por base a escolha das

lideranças da OAB em seguir a trajetória institucional estabilizada e construída desde o

período ditadura/ redemocratização, o que ocorreu mediante a articulação de dois fatores

causais. O primeiro se refere ao contexto político (fator exógeno) favorável ao plano

econômico a gerar certo impedimento às ações concretas de contestação da OAB. E o

segundo diz respeito à atuação do presidente da (fator institucional), Ophir Filgueiras

Calvanti, pois, em função do regime presidencial, seguiu a trajetória institucional de seu

antecessor, Márcio Thomaz Bastos.

Portanto, o presente capítulo gira em torno desses três principais argumentos que

se articulam com outros com o intuito de se comprovar a hipótese de pesquisa, ou seja, que a

OAB exerceu seu papel para preservar a ordem constitucional vigente a partir de 1988, o que

se tratou de uma trajetória institucional dependente construída anteriormente e que serviu de

parâmetro para a tomada de decisão sobre sua ação na crise instalada.

5.1 – Primeiro período: a OAB como ator político com expertise jurídica

Em 16 de março de 1990, Collor editou 22 medidas provisórias, que compunham

o seu prometido plano econômico criado para debelar a inflação galopante presente desde o

governo Sarney. Tais medidas provisórias foram convertidas em lei antes do decurso do prazo

constitucional de 30 dias; 02 foram revogadas mediante a promulgação de novas medidas

provisórias, por serem inconstitucionais; e, 01 foi reeditada e acabou perdendo sua eficácia ao

final de sua segunda edição (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2001).

Essa “aparente vitória” tem explicação em um aspecto institucional: trata-se de

um instrumento de iniciativa e de criação legal de competência constitucional do Chefe do

73

Executivo a ser usado em momentos de “relevância” e “urgência”, os quais não permitam

normatizar certa matéria pelo processo legislativo ordinário; e quando Collor manuseou as

medidas provisórias alterou unilateralmente o status quo, assim, colocou os parlamentares

diante de um fato consumado de difícil modificação. Por isto, em várias oportunidades, os

congressistas entenderam que a rejeição do Plano Collor via medidas provisórias não surtiria

efeito prático (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2001). 62

Doutra parte, a criação desse plano econômico, apelidado de Plano Collor I, teve

por motivo combater a remonetização rápida e descontrolada da economia no período do

governo Sarney. 63

Por conseguinte, o Plano Collor I tinha por meta garantir uma

remonetização gradual, ordenada e lenta, mantendo a inflação em baixa por meio da

implementação de um pacote econômico que combinou ferramentas econômicas, tais como

impostos, taxas de câmbio, crédito e taxas de juros (CARVALHO, 2008).

Ou seja, determinou:

I. O confisco dos ativos de contas correntes e aplicações financeiras e

limitou os saques a Cr$ 50.000,00 e Cr$ 25.000,00 respectivamente e o

saldo restante seria confiscado pelo Banco Central e devolvido após 18

meses em 12 parcelas mensais; 64

II. A reforma monetária, com a substituição do Cruzado Novo pelo Cruzeiro,

sem qualquer corte de dígitos, o reajuste das diversas tarifas púbicas,

seguido da proibição de reajustes de preços e salários além do índice

inflacionário, o aumento da alíquota do IOF (Imposta sobre Operações

62 No entanto, o sucesso das medidas provisórias não tem o seu valor em per si somente; a ela se deve acrescentar o uso das prerrogativas regimentais garantidas pelos líderes partidários sobre o controle da discussão

e da votação das matérias em pauta a neutralizar em parte a participação de parlamentares individualmente

falando, em função do controle da agenda dos trabalhos a definir quais emendas, quando e por qual método

(simbólico ou nominal) se votaria, protegendo, por conseguinte, a unidade e o interesse geral do partido contra as tentações dos parlamentares de garantir ganhos eleitorais de curto prazo (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2001). 63 Explica-se essa situação econômica: quando uma economia se aproxima da hiperinflação a sua moeda deixa de

funcionar como meio de troca, isto é, a moeda deixa de ser utilizada nas transações econômicas. Em tal situação,

ocorre uma redução na demanda por moeda a ser substituída por outra mais estável. Entretanto, com a interrupção do processo inflacionário, a moeda recupera as suas funções e determina uma elevação da demanda

por moeda, ou seja, ocorre um processo de remonetização da economia (MODENESI, 2005).

Por conseguinte, o Plano Collor I tinha por meta garantir uma remonetização gradual, ordenada e lenta a manter

a inflação em baixa por meio da implementação de um pacote econômico que combinou ferramentas econômicas, tais como impostos, taxas de câmbio, crédito e taxas de juros (CARVALHO, 2008). 64 Tal medida atingiu principalmente os pequenos correntistas e poupadores, pois as grandes empresas e grandes

aplicadores lograram liberar a maior parte de seus ativos por meio de diversos mecanismos como os leilões de

remonetização, a pressão política, a fraude contábil ou a compra de dívidas (NEVES e FAGUNDES, 1996; CARVALHO, 2008)”.

74

Financeiras), a definição da taxa de cambio pelos critérios de mercado e a

liberação das importações;

III. A privatização das empresas estatais com a aplicação do Programa

Nacional de Desestatização; e, 6566

IV. Uma ampla reforma administrativa (NEVES e FAGUNDES, 1996;

CARVALHO, 2008).

No entanto, de todas as medidas adotadas o confisco de 80% dos ativos de contas

correntes e aplicações financeiras foi a mais grave (CARVALHO, 2008). 67

A OAB, diante do novo plano econômico, opôs-se e atuou no âmbito político e se

diferenciou dos demais atores políticos por ser detentor da expertise jurídica.

Essa diferenciação se sedimenta no fato da OAB ser uma organização de

advogados que atingiu a coesão vencendo tensões criadas por concorrentes externos e internos

ao campo jurídico (BONELLI, 2002), logo, composta por trabalhadores especializados,

detentores de um conhecimento abstrato, o conhecimento jurídico, o qual lhes permite

controlar seu âmbito de trabalho e, mais importante, criar e aplicar o próprio discurso

especializado aos assuntos humanos (FREIDSON, 1995).

Nesse sentido, busca-se afirmar que, diante de problemas políticos, a OAB se

posiciona e aplica expertise jurídica que suas lideranças são detentoras, assim, pode apoiar ou

se opor a situações políticas e, para tanto, dá razões jurídicas.

65 TUMOLO (2002) ressalta que, apesar do caráter heterodoxo do plano, o conteúdo econômico apresentava

caracteres neoliberais evidenciados pelo controle da inflação, pela redução drástica da liquidez, pela

liberalização da taxa de câmbio e das importações e, por fim, pelo amplo projeto de reforma patrimonial e

administrativa do Estado. Neste sentido, o Plano representou um ambicioso plano neoliberal a redefinir o padrão de acumulação capitalista e a fazer ofensiva contra os direitos sociais e trabalhistas (TUMOLO, 2002). 66 O Plano Nacional de Desestatização (PND) foi o ponto de partida aos processos de privatização, os quais além

de selarem o destino de outros milhões de trabalhadores do serviço de todas as categorias, aumentaram a onda de

desemprego que a ofensiva neoliberal desencadeou, à semelhança do que já vinha fazendo em outros países em que esta ideologia estava consolidada (ALMEIDA, 2010). 67 As origens do plano devem ser buscadas na reflexão brasileira sobre as dificuldades colocadas pela inflação

elevada e crônica, no contexto das restrições macroeconômicas da década de 1980. E são muito dispersas e

fragmentadas as informações sobre a gênese do Plano Collor, ou seja, sobre como e quando a equipe de Collor se decidiu pelo bloqueio. Não foram divulgados documentos. Vieram a público apenas textos curtos e declarações

esparsas. Com base no que está disponível, pode-se afirmar que só no início de janeiro de 1990, a dois meses e

meio da posse, a proposta foi adotada pelos economistas reunidos em torno de Zélia Cardoso de Mello, futura

ministra da Economia, e levada ao Presidente eleito. O desenho das medidas deve ter sido muito influenciado por uma proposta discutida na assessoria do candidato do PMDB, Ulysses Guimarães, durante o primeiro turno das

eleições presidenciais de 1989. Quando ficou claro o esvaziamento da campanha de Ulysses, a proposta foi

levada para a candidatura de Luís Inácio Lula da Silva, do PT, obteve grande apoio por parte de sua assessoria

econômica e chegou à equipe de Zélia depois do segundo turno, realizado em 17 de dezembro (CARVALHO, 2008).

75

Isso ocorreu em 08 de abril de 1990, momento no qual o Conselho Federal se

reuniu e começou a se posicionar pela inconstitucionalidade do Plano Collor I. Em tal

momento, o membro José Cavalcante Neves solicitou a constituição de uma comissão de

juristas para avaliação da constitucionalidade do plano econômico e a possível proposição de

uma ação direta de inconstitucionalidade: 68

“José Cavalcante Neves, Membro Nato, que, com a palavra, propôs que o Conselho

Federal designasse uma comissão de juristas para opinar, sob o prisma da

constitucionalidade, a respeito dos diplomas legais editados pelos Poderes

Executivo e Legislativo para regulamentar o Plano Económico do governo, devendo

tal parecer, se aprovado pelo plenário, servir de fundamento jurídico a eventual

propositura, perante o Supremo Tribunal Federal, de ação direta de

inconstitucionalidade dessas leis ou de parte delas. Ao justificar sua proposição o

ex-presidente José Cavalcanti Neves relembrou antigos e reiterados

pronunciamentos da OAB no sentido de que "não há legitimidade no

desenvolvimento económico que não esteja, pautado pelas linhas de um Estado de

Direito Democrático, este condicionado, por sua vez, pelo resguardo dos direitos

fundamentais do homem”. 69

Após o início dos debates na sessão referida, o posicionamento efetivo da OAB se

daria na realização da sessão de 10 de abril de 1990, quando o secretário do Conselho Federal,

Marcelo Lavenère, apresentou a nota de posicionamento institucional elaborado pela

comissão de juristas, conforme requerido na sessão anterior.

A nota formulada e apresentada foi:

“(...) Dr. Marcelo Lavenère, levou ao plenário a nota sobre as medidas Provisórias que havida sido aprovada na sessão anterior, redigida pela comissão:" O Conselho

Federal da ordem dos Advogados do Brasil, reunido em sessão ordinária de

09.04.90, em face do último plano econômico governamental, considerando seus

reiterados pronunciamentos no sentido de que não há legitimidade no desenvolvimento econômico que não esteja condicionado aos princípios de um

Estado de Direito Democrático, em especial pelo resguardo permanente dos

direitos e garantias individuais e coletivos, pautados na Constituição;

considerando, ainda, caber-lhe ‘defender a ordem jurídica e a Constituição da República’ e bem assim ‘contribuir para o aperfeiçoamento das instituições

jurídicas (art. 18, I, da Lei 4.215/63), resolveu: 1.Reafirmar sua reprovação à

prática abusiva de medidas provisórias pelo Poder Executivo, que avassala o

processo legislativo e cerceia a atuação do Congresso Nacional, em matérias de discutível ou de nenhuma relevância e urgência que poderiam ser melhor reguladas

em leis ordinárias. A conversão dessas medidas provisórias em lei pelo Congresso

Nacional, não afasta seu vicio de origem (...). 70

68 Nota-se que a partir dai a ideia de proposição de ações diretas de inconstitucionalidade foram gestadas. 69 Cf. Ata da sessão da OAB, 08 de abril de 1990. 70 Cf. Ata da sessão da OAB, 10 de abril de 1990.

76

O posicionamento institucional da OAB se centrou no questionamento

constitucional do plano econômico a se denotar a falta de preenchimento dos quesitos de

“relevância” e “urgência” das matérias reguladas, as quais poderiam ser normatizadas em leis

ordinárias a perpassar pelo Congresso Nacional. Como não o foram, o Executivo estaria a

perturbar o equilíbrio dos Poderes.

Mas por qual motivo a OAB efetivou esse papel de ator político com expertise

jurídica a combater o Plano Collor I?

A análise do discurso de Ophir Filgueiras Cavalcanti, então presidente da OAB,

na abertura da XIII Conferência Nacional dos Advogados, realizada em 23 de setembro de

1990, permite a obtenção de alguns elementos explicativos, que são: a OAB era um ator

complexo, fator institucional este resultante de um processo histórico e que serviria de

referência para atuação contra o Plano Collor I.

No início de seu discurso, Ophir Filgueiras Cacalcanti salientou a honra de

presidir a OAB, uma instituição “ambígua”, conforme denominou, que transita do

corporativismo para a sociedade civil:

“A história e a generosidade dos colegas advogados reservaram-me a ventura de

dirigir o Conselho Federal da OAB e esta XII Conferência Nacional, honra máxima que um de nós pode almejar na sua vida de militância pelo direito e pela justiça.

A Ordem dos Advogados do Brasil, sonhada desde o século passado, completa 60

anos do decreto do governo provisório que a instituiu logo depois da Revolução de

1930. Esta forma de ser organizada marcaria o seu duplo papel, contraditório para alguns, de forma organizativa autônoma dos advogados, ente típico do que hoje se

chama sociedade civil, e de instituição legalmente prevista e regulada, portanto,

órgão da esfera do Estado e de suas relações jurídico-políticas.

A ambiguidade não desejada, mas, real, fortaleceu em alguns momentos o papel da Ordem, obstruiu sua ação efetiva, noutros “(CAVALCANTI, 1993, p. 79).

Ao mais, ressaltou também que essa “ambiguidade” se deu em função de uma

construção histórica gestada no período de aproximação com o Estado nos idos de 1940-1950

e 1963-1970, e de afastamento, autonomia e apoio à sociedade civil a partir de 1970:

“Sinal da modernidade desenhada em Trinta, carimbada com o forte

corporativismo da época, e ainda remanescente na nossa sociedade, a OAB soube desatrelar-se politicamente do Estado nos momentos mais cruciais da vida

brasileira, quando resistir foi imprescindível.

Filha atos estatais — decretos, decretos-leis e leis - a OAB optou pela função de

instrumento da sociedade civil e teve papel de liderança na defesa das liberdades públicas e individuais, do estado de direito, da justiça e da democracia.

O silêncio que atingiu nossa sociedade em dramáticas experiências autoritárias,

não feriu nossa entidade. Congressos deixaram de ser realizados pela falta de garantia, advogados foram presos, exilados ou desapareceram, nossas funções

sofreram limitações graves. Mas, resistimos. E quando foi possível levantar a

opinião pública pela reconstitucionalização, lá estava a OAB exercendo o papel

77

histórico de vanguarda na defesa da democracia. O terrorismo paramilitar reacionário feriu-nos tão profundamente, roubando a vida dedicada de dona Lida

na própria sede do Conselho Federal”(CAVALCANTI, 1993, p. 79).

.

Ophir Cavalcanti denotou, ainda, que o resultado final, a OAB como membro da

sociedade civil, tratou-se de uma função que se estabilizou no período de redemocratização:

“Estivemos na campanha das diretas. Temos presença marcante na defesa dos

direitos humanos. Lutamos pela Constituinte. Não nos resignamos ao autoritarismo. Ultrapassamos a visão individual do direito, pugnando por direitos coletivos. E

preocupamo-nos com a soberania nacional e o colonialismo moderno da dívida

externa. Os problemas económicos e sociais frequentam nossas pautas de luta, ao

lado do campo institucional e jurídico. Conquistada a possibilidade da Assembleia Constituinte, lutamos pela sua

soberania e para que fosse legítima e originária, livre e exclusiva.

Ao longo dos trabalhos da elaboração constitucional defendemos o estado de

direito, o papel do advogado, a justiça e nos debruçamos sobre a qualidade da democracia a ser constitucionalmente desenhada” (CAVALCANTI, 1993, p. 80).

Portanto, o ex-presidente Ophir Filgueiras Cavalcanti tinha total clareza da

trajetória institucional da OAB no passado a apoiar o Estado, afastar-se e se aproximar da

sociedade civil, bem como que esta trajetória iniciada se estabilizaria no período de

redemocratização.

Doutra parte, essa trajetória institucional seria efetivada no período pós-

constituinte de 1998 a ser replicada no período do governo Sarney e, mais importante, no

governo Collor:

“Promulgada a Constituição, coincidindo com nossa XII Conferência, realizada em

Porto Alegre, passamos à sua defesa, à luta pela plenitude de sua vigência. Fomos

ao Supremo Tribunal Federal com ações diretas de inconstitucionalidade de

medidas provisórias e outros atos que atingiram nosso ordenamento fundamental. Instamos seguidamente os Poderes Legislativo e Judiciário: o primeiro para a

necessária regulamentação da Constituição, tarefa que ainda não se completou; o

segundo, para que assumisse o novo papel do controle constitucional e não tardasse

a responder à atribuição destas consequências. Mais recentemente insurgirmo-nos contra aqueles que transformam a economia

numa nova segurança nacional, em cujo nome, ou sob alegação de seu risco,

cometem-se atropelos à ordem jurídica, aos direitos dos cidadãos e aos princípios

constitucionais. Há indivíduos que ainda pretendem governar as leis, ao invés de a elas se

submeterem. Substituindo o poder absoluto do rei, o direito originário das

revoluções ou a doutrina da segurança nacional, temos hoje a economia, com suas

crises ou interesses, sendo apontada como algo acima da Constituição, da lei, da ética e da sociedade. Um novo Leviatã ao qual todos deveriam sucumbir e

inatingível pelo regramento jurídico-social necessário à vida democrática. Como

ontem o direito resistiu ao absolutismo, à visão totalitária e à preconizada intocabilidade da segurança nacional, haverá agora de resistir à doutrina da

supremacia económica e da insubmissão do fato económico à ordem jurídica. Não é

sacrificando a liberdade individual e o direito coletivo que havemos de superar

crises e realizar transformações justas” (CAVALCANTI, 1993, p. 80).

78

Esse discurso caracterizou a complexidade da OAB que foi engendrada e

estabilizada nos contextos de crise política brasileira, e a luta contra o Plano Collor I

representou a continuação dessa trajetória.

Por tal motivo, é que Ophir Calvanti efetivou a trajetória da OAB e, ainda,

enfatizou o papel expressivo da instituição como legitimada a propor ações diretas de

inconstitucionalidade:

“Não podemos nos omitir a pensar sobre o papel atual da OAB e do advogado,

constitucionalizado em nosso País. A OAB como uma das instituições capazes de

acionar até mesmo o Supremo Tribunal Federal na mais importante das ações, a da inconstitucionalidade direta. O advogado, considerado essencial à administração

da justiça, como representante e como parte inafastável do contraditório.

Reafirmamos, outrossim, a convicção de que a violência e a insegurança atuais na

realidade brasileira, necessitam de um combate pelo aprimoramento das instituições policiais e judicias, pela superação das causas sociais e culturais tão

presentes” (CAVALCANTI, 1993, p. 82 e 83).

Trata-se, portanto, de uma trajetória institucional estabilizada, a qual, diga-se mais

uma vez, é possível pela causação do fator institucional ligado ao exercício da atividade por

Ophir Calvanti, que é o regime presidencialista no qual está inserido a ser disciplinado pela

Lei n.º 4.215/ 1963, que ainda surtia seus efeitos e centrava todo o procedimento de decisão

institucional nas mãos do presidente. 71

Ademais, aliado a esse ponto as decisões que os presidentes anteriores tomaram

criaram uma trajetória institucional, no sentido da OAB atuar como membro da sociedade.

Como Ophir Calvanti sucedeu Marcio Thomaz Bastos, assumiu essa herança institucional e a

replicou.

Porém, o fenômeno da atuação da OAB no início no início do governo não é

explicável somente por esse aspecto institucional. Outro aspecto que se articulou para a

derradeira atuação da instituição diante do Plano Collor I foi: o contexto político (aspecto

exógeno).

No início, apesar do posicionamento da OAB, conforme se verificou, não ocorreu

uma posição efetiva, como a propositura de uma ação de controle de constitucionalidade.

Tratou-se, então, de um posicionamento velado, pois os membros da OAB estavam diante de

um contexto político não favorável: o de aprovação do Plano Collor I, o qual foi entendido

71 Cf. artigo 9º, incisos I, II, e III, e artigo 18, inciso I, da Lei n.º 4.215/63.

79

como o meio mais adequado a fim de extinguir a inflação galopante desde o Estado Novo

(OAB, 1993).

E isso tinha seu motivo de ser. No período de transição democrática brasileira 72

,

um dos temas centrais, além do problema econômico 73

, foi a ética na coisa pública, ou seja, o

respeito às instituições, ao Estado de Direito e o repudiasse à corrupção. Ao mais, o Brasil

passava por séria crise socioeconômica com a escalada inflacionária, o déficit público, o

aumento do desemprego e o arrocho salarial, a violência e a criminalidade, o que gerou, no

plano institucional e político, a crise de credibilidade direcionada ao Congresso, seus pares, e

ao Poder Executivo (TATAGIBA, 1998).

Tal contexto, por conseguinte, precedeu e permeou o período de eleições à

presidência de 1989, o qual acabou por simbolizar uma situação política de mudançaque

poderia romper com tais crises e, ao mais, a população poderia escolher pela via do voto

direto o seu candidato e fazer-se ouvir. Isto influenciou a configuração partidária e resultou

em uma forte aversão aos partidos e políticos tradicionais, notadamente os da direita-

conservadora. 74

72 A construção da Nova República foi idealizada como um período positivo de transição, pois, em tese,

sucederia os tempos de crise econômica e política do regime militar. Tal ideário esteve presente no discurso (retórico) de Tancredo Neves em 1984/1985 quando foi candidato à Presidência e escolhido pelo voto indireto, o

qual se esvaiu na vigência do governo de José Sarney, período este denominado pela literatura de “década

perdida” em virtude da extrema crise econômica com seus reflexos na política (SALLUM JÚNIOR, 1988 e

2003; TATAGIBA, 1998; OLIVEIRA, 1992; LAMOUNIER, 1990) e por atos de corrupção (TATAGIBA, 1998). 73 No plano econômico, a crise seria marcada pelas dificuldades econômicas e pela fragilização do Estado no que

pertine à redução da sua capacidade de condução do sistema econômica, fatores estes desagregadores do regime

militar. Em face da crise econômica, o governo vigente, o de Sarney, implementou três planos econômicos consecutivos: o Cruzado, o Cruzadinho e o plano Bresser. Porém, nenhum deles conseguiu debelar a

hiperinflação, gerando a remonetização rápida e descontrolada da economia, o que foi explicado na nota n.º 54. 74 A configuração partidária nas eleições á presidência de 1989 foi: Fernando Collor de Mello (PRN / PSC), Luiz

Inácio Lula da Silva (PT / PSB / PC do B), Leonel de Moura Brizola (PDT), Mário Covas Junior (PSDB), Paulo Salim Maluf (PDS), Guilherme Afif Domingos (PL /PDC), Ulysses Guimarães (PMDB), Roberto Freire (PCB),

Aureliano Chaves (PFL), Ronaldo Caiado (PSD), Affonso Camargo (PTB), Enéas Carneiro (PRONA), José

Alcides Marronzinho de Oliveira (PSP), Paulo Gontijo, Zamir José Teixeira, Lívia Maria (PN), Eudes Mattar

(PLP), Fernando Gabeira (PV), Celso Brant (PMN), Antônio Pedreira (PPB) e Manuel Horta (PDC do B). Os partidos conservadores, em razão da situação de crise política do governo Sarney, não conseguiram emplacar

um candidato capaz de garantir uma vitória tranquila no pleito presidencial. Até tentaram reverter o quadro

desfavorável a emplacar a candidatura do empresário das telecomunicações Sílvio Santos, que foi logo

impugnada pelo Superior Tribunal Eleitoral. Por conseguinte, nesse cenário de aversão aos partidos tradicionais direitista, os partidos de esquerda conseguiram lançar dois personagens importantes e que polarizaram a disputa

presidencial, ou seja, Leonel Brizola, candidato filiado ao Partido Democrático Trabalhista, que obteve apoio

devido a sua extensa vida na política desde o período da Era Vargas, e Luís Inácio Lula da Silva, à frente do

Partido dos Trabalhadores, o qual teve sua base política assentada entre os trabalhadores e as principais lideranças sindicais do país (MACIEL, 2008; CARREIRÃO, 2002).

80

É em tal contexto de crise que surgiu o Collor, que também captou o meio no qual

estava inserido, assim, caracterizou-se como moralizador, incorruptível, jovem e não

vinculado às lideranças políticas tradicionais e fez forte oposição retórica ao governo Sarney;

figuração pessoal que foi potencializada com a cobertura midiática das eleições (a primeira da

época) 75

, pois Collor (acionando e esbanjando marketing político, sondagens de opinião,

produção de imagem pública) obteve e buscou a máxima exposição a criar um discurso

populista que representasse o signo do contexto citado e a solução dos problemas do povo - ao

mais obteve forte apoio das elites conservadora, em especial da “Rede Globo”. 76

De tal forma, Collor foi eleito pela população com legitimidade e força política a

representar “a figura ética”, ou melhor, a figura de um outsider, de um messias na política

caçador de marajás. Tal aspecto fez com que seu plano econômico, o Plano Collor I, obtivesse

aprovação de muitos economistas. 77

75 Nesse contexto de ascensão da candidatura de Collor, um fator foi relevante: o papel da mídia. Em 1989, mais

de 64% das residências (quase 35 milhões) do Brasil tinham televisores e uma pesquisa com amostragem nacional denotou que 86% dos entrevistados tomavam conhecimento dos acontecimentos políticos através da

TV (KOWALSKI e SANTOS, 2010; BENITES, 2012). Por conseguinte, a relação direta do eleitorado com os

políticos presidenciáveis acabava por se dar nos programas eleitorais, mais especificamente no Horário Gratuito

Político Eleitoral (HGPE), pois os candidatos ocupavam, diariamente, duas sessões de 70 minutos, sete dias por semana e por um período de 60 dias (ALMEIDA, 2013).

E, nesse contexto, Collor construiu um discurso populista, à margem dos partidos, contra elites e com forte base

de apoio das massas urbanas. Portanto, Collor se apresentava como o “novo” e o “jovem” no cenário político

nacional por se autocaracterizar como alguém capaz de representar o povo e de satisfazer seus anseios diante da crise de representação política resultante da crise do Estado novo; e como um líder jovem e saudável para a

construção de um Brasil Novo, que concretizaria os anseios sociais e faria uma forte oposição contra os

poderosos e à corrupção (SINGER, 1990; BENITES, 2012).

Ademais, buscava representar a “mudança contra o continuísmo” a denotar que não repetiria os erros de cunho econômico e de articulação/ operacionalização do governo Sarney – ressaltando a falta de competência pessoal

deste (BENITES, 2012).

Por todos esses aspectos de sua estratégia discursal, percebe-se que Collor tinha uma alta capacidade de

manipular a opinião pública. Como sua campanha era altamente enérgica, pois alimentada pelo seu bom posicionamento nas pesquisas de opinião, criou a sensação de uma nova “força irreprimível” no cenário político

de 1989 (SKIMIDORE, 2000). 76 A Rede Globo tinha seu foco de ataque na pessoa Brizola, o qual era denominado por Roberto Marinho, em de

1989, como portador de um projeto “caudilhesco-populista”. Tal oposição tinha sua razão de ser: a vitória Brizola poderia significar alguns problemas para a Rede Globo, dadas às promessas do pedetista de romper com

o monopólio midiático que essa organização exercia (ARÊAS, 2012).

Assim, a Rede Globo construiu uma ampla campanha contra Brizola; na TV Brizola tinha poucas aparições em

comparação a Collor e nas páginas de “O Globo” diuturnamente era mencionado em matérias desfavoráveis que apontavam casos de participação de pedetistas em casos de violência ou os associando a casos de corrupção e ao

tráfico de drogas (ARÊAS, 2012). Ao mais, a Rede Globo optou por apoiar Collor por ser um candidato

conservador com mais chances de derrotar a esquerda, favorecendo-o, assim, no jornal “O Globo” com sua

imagem de jovem, dinâmico, “caçador de marajás”, ressaltando, ainda, uma imagem propositiva e o defendendo contra acusações, entre elas, de ser “conservador” (ARÊAS, 2012). 77 Um conjunto considerável de pesquisadores e economistas aplaudiu o plano sob o argumento que se deveria

enfrentar a hiperinflação, não existindo alternativa frente ao problema senão um pacote político drástico,

inclusive no que tange à imposição do confisco (CAVALCANTI ALBUQUERQUER, 1990; MACEDO, 1990; CARDOSO, 1990). Doutra parte, outro grupo questionou o impacto político especificamente do confisco que

81

A esse respeito, a mobilização da OAB a questionar os fundamentos

constitucionais do Plano Collor soava como ação de uma classe profissional que não percebia

a finalidade e o benefício do plano econômico, que se apegava a “formalidades menores” (a

constitucionalidade das medidas provisórias). E isto estava expresso no posicionamento do

membro José Cavalcanti Neves ao ler artigo publicado pelo Professor Luiz Delgado da

Faculdade de Direito de Recife:

“Filigranas jurídicas? Será desprezível irrelevância o debate sobre a

constitucionalidade do Plano Collor? Pruridos bacharelescos, só bacharelice reles, formalismo de superados legalistas sistematicamente desatentos à realidade social,

mania de viciados à cata de filigranas? Devemos amaldiçoar esses ‘sutis’

intérpretes que só têm olhos para a letra, as letrinhas da lei, e não querem ver os

dramas, as agonias, as imensas agonias do povo ferido e faminto?”. 78

Entretanto, a OAB se posicionou pela defesa da nova ordem jurídico-

constitucional, o que se tratou de uma posição institucional motivada por um cálculo político

de suas lideranças, pois, não obstante o contexto de aprovação do Plano Collor I, a instituição

se direcionou pela avaliação de sua constitucionalidade a seguir o parecer José Cavalcanti

Neves, o qual relembrou o período de ditadura militar e questionou qual teria sido a garantia

para o cidadão rico ou pobre, amigo ou adversário, quando as Constituições de 1946 e 1967

foram violadas com a edição dos atos institucionais (BAETA, 2010). Quis dizer com isso que,

por mais que existisse um contexto político-cultural de aprovação de medidas do Estado, tal

situação não poderia pôr em xeque a Constituição, pois os efeitos poderiam ser nefastos na

realidade social, como ocorreu no caso da edição dos atos institucionais pela ditadura a violar

direitos fundamentais e humanos.7980

acabaria por impactar os poupadores (CASTRO, 1990; MANTEGA e OLIVA, 1990; MAIA, 1990; MACEDO,

1990; PEREIRA, 1990). 78 Cf. Ata da sessão da OAB, 08 de abril de 1990. 79 Ademais, sobre esse ponto se faz uma inflexão sugestiva quanto à atuação da OAB, mas se trata de uma

hipótese a ser testada ainda. Na leitura da nota não está claro ou expresso, mas não se pode esquecer que a

instituição e seus membros apoiaram o regime militar por comungar com a cultura então vigente e se beneficiaram com tal ato político, pois muitas de suas lideranças foram empossadas em cargos públicos pelos

militares. Entretanto, e aqui reside o problema, o regime se voltou contra a OAB e violou direitos fundamentais

de cidadãos, apesar dos atos institucionais serem amplamente aceitos no início. E, com tal referência, supõe-se

que talvez os membros da OAB optaram por uma atuação efetiva contra o Collor para não cometer o mesmo erro de seus antecessores (caso de cálculo politico). 80 O Presidente da OAB se posicionou a respeito, publicando pequeno artigo no jornal Folha de São Paulo de 22

de abril de 1990, asseverando o seguinte:

a) A medida provisória teria força de lei, mas dependia de ser convertida em lei pelo Congresso Nacional. Em tal situação, o Congresso poderia alterá-lo livremente e o resultado voltaeia ao Presidente como um

projeto para aprovação. Caso não fosse votada em trinta pelo Congresso, perderia sua eficácia, cabendo

à Casa Legislativa regular seus efeitos surtidos.

b) Mas o Executivo abusou de sua competência e o Legislativo foi conivência com suas reiteradas falt as de quórum a auxiliar no decurso do prazo. E o Judiciário ainda não ajudava, pois não barrava o uso

82

Portanto, o contexto político gerou um cálculo político, mas, ressalta-se, o papel

do presidente foi fundamental na ação institucional da OAB no período. Como cabia ao

presidente convocar o Conselho Federal para decisões institucionais, e ele próprio que as

executava, Ophir Calvanti tinha em suas mãos o poder de montar a pauta de deliberação do

Conselho Federal (artigo 9º, inciso I e III, da Lei n.º 4.215/ 1963).

Esse é um dado muito importante, pois, ao se analisar as atas do Conselho

Federal, constatou-se que o debate em torno do Plano Collor para posicionamentos

institucionais somente ocorreu quando o presidente colou a temática em pauta para discussão;

quando não colocou, nenhum membro do Conselho Federal se posicionou a respeito.

Em 09 de abril de 1990, o presidente da OAB propôs o tema a respeito do Plano

Collor I e o membro José Cavalcanti se manifestou sobre a criação de uma comissão para a

avaliação da constitucionalidade do plano econômico e, ainda, sobre a elaboração de nota

institucional a respeito, proposições estas que foram aceitas por unanimidade. 81

Noutra data, 10 de abril de 1990, novamente o presidente da OAB propôs o tema

e o membro Josélito Barreto de Abreu propôs a elaboração de carta-resposta à posição de

Fabio Konder Comparato que criticou a OAB no Jornal Folha de São Paulo, pedido este

aprovado por quase todos os membros, existindo a ressalva de Moacir Belchior que foi a

favor do plano e consignou sua posição;82

Em momento posterior, em 14 de maio de 1990, o presidente expôs suas

convicções acerca da inconstitucionalidade do Plano Collor I e nenhum membro posicionou

de forma contrária. 83

No entanto, em 15 de maio de 1990, o presidente não propôs o tema e nenhum

membro se opôs. 84

indevido da medida provisória. Por isto, o que era exceção virava regra e o país tinha sua legislação

feita através de medidas provisórias ao invés do meio ordinário, o processo legislativo.

c) Sob esse aspecto, em meados de março de 1990 a situação era mais grave, porque 29 medidas provisórias tinham sido editadas em 16 dias a regular diversos temas, tais como: tributação, penas,

procedimentos penais, criação de um dissimulado empréstimo compulsório, o uso de carros oficiais,

autorizando o Vice-presidente da Republica ter um automóvel de representação, à regulação da conduta

de servidores e, ainda, o confisco das contas de poupança, onerando o titular delas. Por isto, afirmou que foram tratados através desse instituto muitos temas cuja relevância e urgência em medidas

provisórias eram de difícil averiguação. (FOLHA DE SÃO PAULO, 1990) 81 Cf. ata da sessão da OAB – 09 de abril de 1990. 82 Cf. ata da sessão da OAB –10 de abril de 1990. 83 Cf. ata da sessão da OAB – 14 de maio de 1990.

83

Por fim, em 04 de junho de 1990, o presidente colocou o tema em pauta e afirmou

que mandou um telex ao Congresso Nacional com apontamentos ao projeto de lei de Nelson

Jobim que visava regulamentar o uso das medidas provisórias e nenhum membro se

manifestou. 85

Depreende-se disso que o presidente, ao formar a pauta, fechava as temáticas de

posicionamento dos membros do Conselho Federal e foi vencedor em tal situação. Portanto, o

presidente foi o fator primordial a articular o contexto político e a ação institucional da OAB

contra o Plano Collor I.

5.2 – Segundo período: a OAB como instituição com poder fiscalizatório dos

atos do Estado e membro da sociedade civil com expertise jurídica

Avaliado o primeiro papel, examina-se agora a ação institucional da OAB ao

propor quatro ações diretas de inconstitucionalidade (n.º 272, 295, 302 e 427) 86

e o papel na

Frente Nacional pela Democracia e Contra a Recessão como membro e líder articulador.

Tratou do exercício do papel de instituição com poder de fiscalização sobre as

ações do Estado. No caso, a OAB exerceu sua legitimidade constitucional para propor ações

diretas de inconstitucionalidade na Constituição de 1988 (artigo 103, inciso VII), logo,

aplicou sua expertise jurídica e questionou a constitucionalidade do Plano Collor I elaborado

pelo Poder Executivo.

Ressalta-se que a primeira medida da OAB foi propor ação direta de

inconstitucionalidade n.º 272 com o intuito de se obter a declaração de inconstitucionalidade

das medidas provisórias n.º 181 e 182.

A medida provisória n.º 181 determinou, em seu artigo 1º, que o Poder Judiciário

estava impedido de conceder medida liminar em mandados de segurança, em ações ordinárias

e em ações cautelares em favor de terceiros, tendo por objeto o questionamento das Leis nº

8.029, 8.030, 8.032, 8.033, 8.034, 8.014, 8.012, 8.021, 8.023, 8.024, especificadas abaixo.

Quadro n.º 07. Conteúdo do Plano Collor I

84 Cf. ata da sessão da OAB – 15 de maio de 1990. 85 Cf. ata da sessão da OAB – 04 de junho de 1990. 86 Propostas respectivamente em: 26/04/1990, 04/06/1990, 05/06/1990 e 03/01/1991.

84

Medida provisória

n.º

Lei n.º Conteúdo

151 8.029 Dispõe sobre a extinção e dissolução de entidades da administração Pública Federal, e dá outras providências.

154 8.030 Institui nova sistemática para reajuste de preços e salários

em geral e dá outras providências.

158 8.032 Dispõe sobre a isenção ou redução de impostos de

importação.

160 e 171 8.033 Altera a legislação do Imposto sobre Operações

Financeiras.

161 8.034 Altera a legislação do Imposto de Renda das pessoas jurídicas.

164 8.012 Dispõe sobre o pagamento de tributos de competência da

União.

165 8.021 Dispõe sobre a identificação dos contribuintes para fins

fiscais.

167 8.023 Altera a legislação do Imposto de Renda sobre o

resultado da atividade rural.

168 8.024 Institui o cruzeiro, dispõe sobre a liquidez dos ativos financeiros e dá outras providências.

Fonte: elaborado pelo autor.

Desse quadro, denota-se um dado importante para se entender o motivo da

propositura da ação da OAB – tais normas compunham o conjunto de medidas provisórias

convertidas em lei pelo Congresso Nacional de uma só vez na data de 12 de abril de 1990,

referente ao pacote econômico do Plano Collor I, que foi precedido por um conflito político

entre Collor e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDP) e teve por ponto

central a aprovação do plano.

O embate entre o governo Collor e o PMDB se iniciaria com a votação da medida

provisória nº 168, a qual dispunha “sobre a liquidez de ativos financeiros”, ou seja, o confisco

das cadernetas de poupança, o centro do Plano Collor I. 87

A votação dessa medida foi cercada

de manobras de ambas as partes e seguiu o padrão de votação de acordos de cúpula levados ao

plenário apenas quando as negociações se esgotavam. Na noite em que foi aprovada, o

governo deixou claro que não faria mais concessões ao PMDB, assim Collor vetou

parcialmente sete das 18 medidas provisórias aprovadas e alteradas pelo Congresso, e este, no

mesmo tom, apresentou alterações às reedições das correções da medida nº 168, relaxando o

87A principal controvérsia ficaria adstrita a dois pontos. O primeiro deles se referia ao limite de saques nas

cadernetas de poupança. Neste sentido, o relator Osmundo Rebouças (PMDB-CE) previa a liberação de três

parcelas de 200 mil cruzados, convertidos em cruzeiros, nos meses de julho, outubro e janeiro. Ou seja, o PMDB relaxava a principal política do plano para conter a inflação. E o segundo ponto se referia à regulamentação da

faculdade outorgada ao Ministério da Fazenda para autorizar a conversão de cruzados em cruzeiros para atender

casos excepcionais: a abertura das “torneiras” de injeção de ativos. Pelo texto do projeto de lei, determinava-se

que as liberações de recursos deveriam ser acompanhadas de parecer de toda a diretoria do Banco Central – buscava-se restringir o poder que a medida concedia ao governo (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2001).

85

saque das poupanças.88

A estratégia do governo era impedir a votação da matéria para que ela

perdesse sua eficácia. A vitória final do governo só veio no último dia de tramitação da

matéria (3 de junho de 1990), mas, ao tempo em que a série de medidas provisórias

relacionadas diretamente com a medida provisória nº 168 encerrava a sua tramitação com a

perda de eficácia da medida provisória nº 184, o governo já editava, em 30 de maio de 1990,

uma nova medida provisória, a de número 189, e deu novo tratamento à questão dos ativos

financeiros – tal medida provisória seria reeditada cinco vezes e foi aprovada apenas em 31 de

outubro de 1990 (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2001).

Então, o conflito entre o governo e as oposições, comandadas pelo PMDB,

alongou a apreciação do Plano Collor. O “empate técnico” que se verificou foi resolvido pela

reedição das medidas provisórias que perderam sua eficácia. As modificações introduzidas, as

novas arestas abertas e as correções de rumo impostas pelo desenrolar dos acontecimentos

impediram que se fizesse um balanço conclusivo sobre o destino das medidas relacionadas ao

Plano Collor I, pois o quadro relativamente simples que presidiu a aprovação das medidas

editadas no dia da posse cedeu lugar a um quadro complexo marcado pelo conflito e por

vitórias parciais. Entetanto, em 17 de abril de 1990, ao reeditar a medida provisória nº 172,

que tomou o número 180, o governo revogou a medida provisória nº 174, cujas correções

foram incorporadas à nova medida. Em seguida, como o PMDB não “arredava o pé” de

alterar o limite dos saques da poupança, o governo revogou a medida provisória nº 180 por

meio da medida nº 184, editada em 04 de maio de 1990, fazendo com que o centro da batalha

entre governo e oposições se deslocasse para esta nova medida (FIGUEIREDO e LIMONGI,

2001).

Logo, a OAB moveu a ação direta de inconstitucionalidade n.º 272 sobre a

inconstitucionalidade da medida provisória n.º 181 e acabou, por via reflexa, por se imiuscuir

na tensão da disputa política entre Legislativo e Executivo. E este embate estaria presente na

argumentação da OAB sob a roupagem de seu questionamento constitucional referente às

reedições constantes das mesmas matérias não convertidas em lei por decurso de prazo em

outras a violar o modelo do artigo 62 da Constituição Federal, pois Collor tornaria uma

exceção, o uso das medidas provisórias, em regra para fugir do processo legislativo ordinário

88Entretanto, em 17de abril de 1990, ao reeditar a MP nº 172, que toma o número 180, o governo revoga a MP nº

174, cujas correções são incorporadas à nova medida. Em seguida, como o PMDB não arreda pé de alterar o

limite dos saques da poupança, o governo revoga a MP nº 180 por meio da MP nº 184, editada em 4 de abril de

1990. O centro da batalha governo-oposições se desloca, assim, para a nova medida (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2001).

86

e, com isto, também violaria a separação de Poderes (art. 2º da Constituição), pois exerceu, na

prática, o papel do Legislativo de forma arbitrária. 89

Mas não somente isso. A medida provisória n.º 182 questionada pela OAB voltou

a regulamentar matéria normatizada em outras medidas não convertidas em lei (nº 176, 178,

179 e 180) referente às hipóteses nas quais foi vedado o deferimento de medidas cautelares e

liminares pelo Poder Judiciário. Segundo DA ROS (2008), esta regulamentação em face do

Judiciário visou solucionar um conflito anterior entre os Poderes, pois já existia uma tensão

de conflito entre o Executivo e o Judiciário em torno do Plano Collor I, cujo confisco de

ativos financeiros foi grandemente frustrado pela enorme volume de liminares concedidas

pela Justiça Federal a desbloquear contas de poupança. 9091

Como forma de evitar semelhantes

empecilhos, o governo desenvolveu instrumentos de controle, o que ocorreu no bojo das

medidas provisórias analisadas (DE ROS, 2008).

No fundo, além, de resolver as incongruências constitucionais que a reedição de

medidas provisórias representava, a OAB também questionava o embate do Executivo em

face do Legislativo e do Judiciário.

Explorado esse ponto político atinente à ação direta de inconstitucionalidade n.º

272, volta-se ao exame das demais ações, que são:

I. Ação direta de inconstitucionalidade n.º 295: questionou a

constitucionalidade da medida provisória n.º 186, que reeditou o conteúdo da

medida provisória nº 185 não convertida em lei pelo Congresso, que versou

sobre a interposição de recurso nos dissídios coletivos e a concessão de efeito

suspensivo;

II. Ação direta de inconstitucionalidade n.º 302: visou a declaração de

inconstitucionalidade da medida provisória n.º 190 que versou sobre o

conteúdo da medida provisória nº 182 não convertida em lei pelo Congresso

referente à regulamentação sobre a suspensão da execução de sentenças em

dissídios coletivo; e,

89 Esse aspecto será esmiuçado adiante. 90 TOSI RODRIGUES salienta que o embate entre o Judiciário e o Executivo se iniciou em 29 de maio de 1990, quando um juiz de primeira instância de São Paulo prolatou sentença liberando 800 mil cruzeiros novos (NCz$)

de uma caderneta poupança retida pelo confisco, sendo a primeira decisão judicial contra seguida de outra em

todo o país (TOSI RODRIGUES, 1999). 91 E, ainda, as decisões judiciais que suspendiam diversos leilões de privatizações e que foram postergados (DE ROS, 2008).

87

III. Ação direta de inconstitucionalidade n.º 495: questionou a

constitucionalidade da medida provisória n.º 190, tratando-se, mais uma vez,

da reedição da medida provisória nº 182 não convertida em lei.

Sendo analisados de forma geral os atos normativos questionados pela OAB,

adentra-se no argumento constitucional empregado pela instituição.

Em primeiro lugar 92

, a instituição asseverou que a Constituição de 1988 foi

arquitetada a fim de substituir o autoritarismo do decreto-lei vigente no regime constitucional

de 1967, e, ainda, visou evitar a morosidade do processo legislativo em matérias que

demandariam respostas urgentes e relevantes. Por isto, teria buscado inspiração no instituto

experimentado no regime parlamentar, a medida provisória, a qual foi prevista no artigo 62 e

parágrafo único, da norma constitucional.

Nesse aspecto, tratar-se-ia de uma medida de competência do Presidente “com

força de lei excepcional e transitória” (por isso o requisito de “urgência” e “necessidade”),

destinada a enfrentar “emergências legislativas” ou “estado de necessidade”, que deveria ser

convertida em lei pelo Congresso Nacional, no prazo de trinta dias. No caso de não

conversão, perderia a eficácia desde a edição e caberia ao Congresso disciplinar as relações

jurídicas efetivadas (OAB, 1990a).

Entretanto, Collor reeditou essas medidas não convertidas em lei no bojo de

outras medidas provisórias, modificando-as formalmente apenas. Tal manejo das medidas

provisórias fez com que deixassem de ser um instrumento de exceção, mas a regra para

normatização de matérias pelo Executivo, desvirtuando, na aplicação, as finalidades do

dispositivo constitucional e violando os pressupostos de “relevância” e "urgência" para o uso

dessa providência legislativa, conforme o artigo 62 e parágrafo único, da Constituição de

1988 (OAB, 1990a).

Doutra parte, e dizendo respeito ao segundo caso, a instituição desenvolveu o

argumento jurídico a denotar que toda lesão, mesmo uma ameaça, deveria ser apreciada pelo

Poder Judiciário, e isto com esteio no artigo 5º, inciso II, da Constituição (OAB, 1990a). 93

92 A argumentação é extraída da ADI – 272/DF. Todas as demais seguem o mesmo estilo de construção

argumentativa, não sendo necessária a repetição com a transcrição do conteúdo de cada ação. 93Cf. artigo 5º, inciso II, da Constituição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

88

Na lógica da OAB, todo cidadão poderia recorrer ao Judiciário, utilizando os

mecanismos judiciais aptos a impedir a consumação de certa lesão; e é neste contexto que se

inseririam as medidas cautelares e liminares, componentes do arcabouço legal para que o

Poder Judiciário apreciasse lesão ou ameaça a direito e decidisse cautelarmente (OAB,

1990a).

Sob essa ótica, a Constituição teria definido como princípio basilar nas relações

entres os Poderes a independência e a harmonia entre eles, quando nela está expresso que:

“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o

Judiciário” (art. 2º).

Essa independência e harmonia não permitiriam que nenhum dos Poderes, por ato

unilateral, restringisse as competências do outro. Por conseguinte, não poderia o Executivo

alterar as atribuições do Legislativo ou vice-versa, e nem do Judiciário (OAB, 1990a).

No entanto, no caso, tinha-se uma medida com força de lei a dispor sobre o

exercício da competência jurisdicional referente à concessão de medidas liminares e

cautelares. Isto na realidade concreta significava a impossibilidade do Poder Judiciário

conceder liminares em face do plano econômico de Collor e, logo, uma manifestação

discricionária e isolada do Poder Executivo a ferir o equilíbrio equipotente diante dos demais

Poderes (OAB, 1990a).

A conclusão obtida pela OAB foi que Collor, ao adotar, com forca de lei, as

medidas provisórias desta forma, violou a “arquitetura constitucional” prevista para o

exercício das medidas provisórias e violou o princípio da Separação dos Poderes (artigo 2° da

Constituição) (OAB, 1990a).

Por tais motivos, é que a OAB requereu em suas ações a suspensão cautelar das

medidas provisórias e a posterior declaração de inconstitucionalidade, o que significava a

declaração de nulidade de tais medidas e não aplicação dos seus efeitos na realidade concreta

(OAB, 1990a).

89

Ademais, é importante frisar que, a OAB no período de propositura de ações

diretas de inconstitucionalidade (30 de maio de 1990), articulou e liderou movimento da

sociedade civil, a denominada “Frente Nacional pela Democracia e Contra a Recessão”.94

Em tal papel, a OAB se portou como um membro da sociedade civil, porém, a se

diferenciar dos demais, pois, conforme mencionado no tópico 5.1, a instituição, ao adentrar no

âmbito político, posiciona-se e aplica a expertise jurídica que suas lideranças são detentoras.

Por isso, quando formou e articulou a “Frente Nacional pela Democracia e Contra

a Recessão” sua meta principal foi questionar a inconstitucionalidade do uso excessivo das

medidas provisórias. (TOSI RODRIGUES, 1999; LISBOA ROMÃO, 2006; ONZE DE

AGOSTO, 1990). Neste sentido, a OAB formou um plantão de assistência jurídica a

advogados e a cidadãos e, além disso, discutiram propostas ao projeto de lei complementar n.º

223, de autoria do deputado Nelson Jobim, destinada à regulamentação do uso de tais medidas

e, entre as propostas, a impossibilidade de reedição (ONZE DE AGOSTO, 1990).

Ao mais, o Conselho Federal da OAB, em sessão de 04 de junho de 1990,

determinou o envio de telex ao Congresso Nacional, cujo conteúdo versou sobre essas

propostas a serem proposta e, se fosse o caso, acrescidas ao projeto de lei complementar de

Nelson Jobim. 95

Salientado isso, volta-se ao julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade

no Supremo Tribunal Federal, as quais não lograram o seu objetivo na sua totalidade.

Conforme se denota na tabela abaixo, as ações n.º 272 e 295 perderam o objeto, pois as

medidas provisórias n.º 181 e 186 foram convertidas na Lei n.º 8.076/90, o que fez com que o

STF não as apreciasse de imediato, mas somente em 2001. 96

94 Formada pelos seguintes membros: OAB/SP, União Brasileira de Escritores Centro de Estudos de Direito

Financeiro, Centro Santos Dias, Sindicato dos Advogados, Associação Brasileira de Juristas Sindicato dos Artistas, União dos Favelados, Sindicato dos Arquitetos, Paróquia N. S. Mãe da Igreja, Instituto Sedes Sapienta e

Humanos-Lapa, Sindicato dos Engenheiros, Comissão Regional de Direitos, Instituto de Engenharia, Sindicato

dos Médicos, Circulo das Quartas-Feiras, Sindicato dos Enfermeiros, Associação dos Advogados Trabalhista,

Centro Acadêmico XI de Agosto,Sindicato dos Jornalistas, Centro Acadêmico Clovis Bevilaqua-Sindicato dos Sociólogos, Articulação Nacional do Solo Urbano, Conselho Regional de Psicologia, União Popular de

Mulheres, INDEC — Instituto de Defesa do Consumidor, Clube da Criação Publicitária, Comissão de Relações

do Trabalho Grupo Fé e Política Ecumênico da Assembleia Legislativa, Associação dos Geógrafos- Frente dos

Profissionais Contra a Recessão, Fórum de Pequenos e de Pequenas e Médias Empresas Secretaria dos Negócios Jurídicos, Anistia Internacional, Serviço Pastoral dos Migrantes, Associação Nacional Editora e Gráfica e

Diocese de São Miguel (ONDE DE AGOSTO, 1990). 95 Cf. Ata da sessão da OAB, 04 de junho de 1990. 96 Percebe-se que o tema não era simples e o Supremo Tribunal Federal o avaliou pela primeira vez em 1967, quando teve de julgar o recurso extraordinário nº 62.739. Tal recurso teve por objeto a discussão sobre a

90

Doutra parte, a ação n.º 302 não foi julgada e a de nº 427, proposta em janeiro de

1991, teve seu pedido liminar concedido no mesmo mês.

Quadro n.º 08. As decisões do Supremo Tribunal Federal

ADI DATA DE PROPOSITURA POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

ADI 272

26/04/1990

Improcedência do pedido cautelar em 08/05/1990

(STF, 1990a)

Julgamento final da ação somente em 09/03/2001

(STF, 1990a)

ADI 295

04/06/1990 Improcedência do pedido cautelar em 22/06/1990

(STF, 1990b)

Julgamento final da ação somente em 09/11/2001

(STF, 1990b)

ADI 302

05/06/1990

Pedido liminar considerado prejudicado em

11/06/1990 97

Sem julgamento final (STF, 1990c)

ADI 427

03/01/1991

Pedido liminar deferido somente em 16/01/199198

(STF, 1991).

Sem julgamento final (STF, 1991).

Fonte: elaborado pelo autor.

Entretanto, em 16 de janeiro de 1991 o STF julgou procedente o pedido liminar

feito pela OAB na ADI 426 de suspensão da medida provisória nº 192, mas, adverte-se, o

processo eletrônico constante do sítio do Tribunal não dá elemento para se entender o porquê

da decisão em função da inexistência de decisão publicada (STF, 1990).

O único indicio é um dado mencionado pela OAB no conteúdo da petição ação

movida por ela. A instituição apontou que o STF prolatou decisão liminar em outra ação que

possibilidade de controle jurídico dos requisitos para a edição de decretos com força de lei pelo Poder Executivo. Em tal oportunidade, o Tribunal se manifestou no sentido de que a apreciação de tal ato assumia caráter político

e estaria entregue ao juízo de discricionariedade do Presidente da República, mas ressalvou a apreciação do

Congresso Nacional. Por isto, o Supremo Tribunal Federal se retirava da função de apreciar os atos do poder

Executivo e entregou a tarefa inteiramente ao poder Legislativo, o qual se encontrava enfraquecido em função do período de ditadura militar (DA ROS, 2008).

Tal temática seria reapreciada pelo Supremo Tribunal Federal somente em 1989, no bojo da ação direta de

inconstitucionalidade n. 162-1, movida pela própria OAB, que versava sobre legislação processual penal. Em tal

ocasião, o STF estabeleceu entendimento diferente, mas sem força para mudar o precedente que se consolidou, acima mencionado. No caso, o Tribunal entendeu que uma instituição jurídica poderia intervir na atividade

legislativa da presidência – foi, conforme explica DA ROS, uma leve inflexão em relação ao padrão já delineado

durante o autoritarismo, mas sem força de mudança (DA ROS, 2008; STF, 1989).

Por outro lado, e conforme mencionado acima, Executivo e Judiciário já travavam um conflito político-institucional em torno do Plano Collor I, em função de concessão de liminares judiciais que atingiam o cerne do

pacote econômico (o confisco dos ativos financeiros), pois as decisões judiciais prolatadas desbloqueavam

contas de poupança, o que levou Collor a editar medidas provisórias para impedir o Judiciário de assim agir.

Nesse sentido, DA ROS (2008) assevera que seria de se supor que o STF, ciente dessas tensões e das iniciativas do governo para contornar as decisões judiciais, não se colocaria em rota de colisão e moderaria suas posições

ante os interesses dos Poderes Executivo e Legislativo e assumindo uma posição de mediação nos atritos

existentes entre estes Poderes e os círculos inferiores da hierarquia judicial. 97 Os motivos fundantes da decisão do STF não foram publicados. 98 Os motivos fundantes da decisão do STF não foram publicados.

91

suspendeu os efeitos da medida provisória n.º 190. Neste caso, está a ser referir à ação direta

de inconstitucionalidade n.º 293-7, proposta pelo Procurado Geral da República, em

01/06/1990 (OAB, 1991).

Essa ação mencionada foi proposta contra a medida provisória nº. 190, que

reeditava, com algumas modificações, a medida provisória nº. 185, rejeitada de forma

expressa pelo Congresso Nacional dias antes. Em tal situação, o Supremo Tribunal Federal

jugou procedente o pedido liminar e suspendeu a sua aplicação com base no voto do Ministro

Celso de Mello.

O Ministro, em seu voto, ressaltou que as medidas provisórias configuram, no

direito constitucional positivo brasileiro, uma categoria especial de atos normativos a serviço

do Poder Executivo, mas a função legislativa em si pertence ordinariamente ao Congresso

Nacional. Tais medidas seriam uma exceção, mas cujo uso estaria subordinado ao processo de

conversão legislativa, ou seja, à vontade soberana do Congresso Nacional (STF, 1990).

E, por se constituírem em uma exceção, deveriam ser manejadas em caso de

necessidade, impondo ao Poder Executivo a adoção imediata delas sem seguir as regras

ordinárias de legiferação. Mas a plena submissão das medidas ao Congresso Nacional

constituía exigência que decorria do princípio da separação de poderes. Assim, o conteúdo

jurídico que elas veiculavam somente adquiriria estabilidade normativa a partir do momento

em que observava a disciplina do procedimento de conversão em lei, ou seja, havendo

pronunciamento favorável do Poder Legislativo (STF, 1990).

A aprovação, segundo o Ministro, era necessária, insubstituível e insuprível,

fazendo com que, caso o Legislativo rejeitasse certa medida provisória, impediria o Presidente

da República de renovar a medida. Por conseguinte, modificações secundárias de texto, que

em nada afetariam os aspectos essenciais e intrínsecos da medida provisória expressamente

repudiada pelo Congresso Nacional, constituíam expedientes incapazes de descaracterizar a

não aprovação pelo Legislativo (STF, 1990).

5.3 – Conclusão

A conclusão deste capítulo é que a hipótese de pesquisa se confirmou.

92

Em primeiro lugar, a OAB exerceu três papéis, que foram:

I. Membro da sociedade civil com expertise jurídica: denúncia da

inconstitucionalidade do uso excessivo de medidas provisórias pelo

governo Collor, violando o artigo 62, parágrafo único, da Constituição

Federal;

II. Instituição com poder de fiscalização que propôs ações diretas de

inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal; e,

III. Membro da sociedade civil com expertise jurídica: articulação e liderança

de movimento político composto por membros da sociedade contra o uso

excessivo de medidas provisórias (denominado de “Frente Nacional pela

Democracia e Contra a Recessão”).

A finalidade do exercício de tais papéis foi a proteção e o resguardo da

Constituição Federal de 1998, pois Collor, ao reeditar medidas provisórias não convertidas em

Lei pelo Congresso Nacional, violou o artigo 62 da Constituição, especialmente por tornar a

normatização via medidas uma regra, e não uma exceção conforme os critérios de “urgência”

e “relevância” da norma constitucional; e,

Assim, a primeira parte da hipótese de pesquisa foi confirmada, no sentido de que

se concluiu que a OAB, no contexto de crise do governo Collor, exerceu o papel de instituição

fiscalizatória da ação do Estado, a fim de proteger da nova ordem jurídica constitucional

iniciada em 1988.

Doutra parte, o exercício destes papéis seguiu uma trajetória institucional

estabilizada construída em períodos de crise anteriores; e desta forma ocorreu pela articulação

de dois fatores causais: o contexto político (fator exógeno) favorável ao plano econômico que

gerou certo impedimento às ações concretas de contestação por parte da OAB; e, a atuação

institucional do presidente da OAB (fator institucional), Ophir Filgueiras Calvanti, pois, em

função do regime presidencial, seguiu a trajetória institucional de seu antecessor, Márcio

Thomaz Bastos, e fez com que a OAB atuasse no campo político contra o Plano Collor I.

Portanto, nesse ínterim, contatou-se que o exercício dos papéis em resguardo da

ordem constitucional-jurídica vigente a partir de 1988 ocorreu em função dos fatores

mencionados acima, o que fez com que a liderança da OAB seguisse a trajetória institucional

93

dependente construída anteriormente e que serviu de parâmetro para a sua tomada de decisão

sobre sua ação na crise instalada.

94

CAPÍTULO VI – O PAPEL DA OAB NO IMPEACHMENT DE COLLOR

6 – Introdução

Neste capítulo se examinará a segunda parte do objeto, que é a atuação da OAB

no período de crise política do governo Collor que culminou no processo de impeachment

com o intento de responder o problema de pesquisa elaborado mediante a comprovação da

hipótese de pesquisa.

Essa finalidade se desenvolverá mediante a articulação de três argumentos

principais, que são os anunciados abaixo.

Em primeiro lugar, entende-se que a OAB, no período de denúncia, de

investigação e de instauração do processo de impeachment, assumiu o comportamento

institucional de membro da sociedade civil com a seguinte configuração:

Quadro n.º 09. Papel da OAB no período de impeachment de Collor

PAPÉIS DA OAB NO GOVERNO COLLOR

PERÍODO PAPEL DESEMPENHADO

24 de maio de 1992 a 01 de

setembro de 1992

Membro da sociedade civil com expertise jurídica: componente do

Movimento pela Ética na Política (MEP), no qual se manifestou

publicamente contra as denúncias de corrupção em face de Collor e

apontou violações constitucionais decorrentes, além de traduzir em

termos jurídicos as demandas com alto teor político dos

componentes do MEP.

01 de setembro de 1992 – 29 de

dezembro de 1992

Membro da sociedade civil com expertise jurídica: elaborou o

pedido de impeachment e, diante de sua propositura por meio de

Marcelo Lavenère e Barbosa Lima Sobrinho, perante a Câmara,

assessorou na tramitação e defesa, inclusive nos embates judiciais no

Supremo Tribunal Federal.

Fonte: elaborado pelo autor

95

Em segundo lugar, a finalidade do exercício de tais papéis institucionais foi o

resguardo da Constituição Federal de 1998 e, em específico, o princípio constitucional da

moralidade pública, constante do artigo 37 da Constituição Federal, pois Collor o teria

violado por ter cometido crimes de responsabilidade 99

, objeto que foi do processo de

impeachment.

Por fim, e em terceiro, que o exercício desse papel institucional teve por base a

escolha da liderança da OAB em seguir a trajetória institucional estabilizada e construída

desde os períodos de crise políticas anteriores (ditadura e de redemocratização), o que ocorreu

mediante a articulação de dois fatores causais. O primeiro diz respeito ao contexto político

favorável e calcado no ideário de eticidade fomentado desde o período de redemocratização,

segundo o qual os políticos deveriam exercitar seus cargos no Estado de maneira ética, zelosa

e proba. Em razão de tal contexto, é que a liderança da OAB norteou a atuação da instituição

como membro da sociedade civil e pregou a proteção do princípio da moralidade

constitucional por ser um sucedâneo do contexto político-cultural. E o segundo se refere à

atuação do presidente de Marcelo Lavenère (fator institucional), que optou por seguir a

trajetória de atuação engendrada em períodos de crise, logo, a OAB assumiu o papel de

membro da sociedade civil.

Portanto, o presente capítulo gira em torno desses três principais argumentos que

se articulam com outros, a fim de comprovar a hipótese de pesquisa, ou seja, que a OAB

exerceu o papel de instituição fiscalizadora dos atos do Estado para preservar a ordem

constitucional vigente a partir de 1988, o que se tratou de uma trajetória institucional

dependente construída anteriormente e que serviu de parâmetro para a tomada de decisão

sobre sua ação na crise instalada.

6.1 – Primeiro período: a OAB como membro da sociedade civil no

Movimento pela Ética na Política (MEP)

O posicionamento da OAB se iniciou com as denúncias de corrupção veiculadas

pela revista Veja em 24 de maio de 1992, na qual Pedro Collor fez duras acusações contra seu

99 Artigo 85, incisos IV e V, da Constituição Federal, e artigos 8º, item 7, e 9º, item 7, da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950.

96

irmão, Collor, o Presidente. As acusações giravam em torno da suposta participação do

Presidente em um conjunto de crimes praticados por Paulo César Farias (“PC Farias”), ou

seja, o envolvimento em crimes de extorsão de empresas, de realização de tráfico de

influência e, ainda, associação em negócios ilegais para levantar recursos para custear gastos

pessoais e de campanhas políticas (PINTO, 1992; ESTADÃO, 2012). 100101

Nesse caso, a OAB se posicionou como um ator político componente da

sociedade civil com expertise jurídica e se manifestou publicamente, e aplicou o próprio

discurso especializado contra os atos do Estado. 102

Importante frisar, porém, que essa notícia apareceria em um contexto político de

crise, pois, em função do insucesso econômico, a popularidade de Collor mudou

drasticamente: de 71% de aprovação no início de governo, para 36% em três meses, bem

como 24% um ano depois e para 15% seis meses antes de a Câmara dos Deputados autorizar

o processo de impeachment (SALLUM e CASARÕES, 2011).

O descontentamento popular e de diversas frações burguesas levaram o governo a

um processo progressivo de deslegitimação e de perda de direção política, isto é, o ideário de

eticidade sobre a figura de Collor se desmoronaria, deslegitimando-se. Por conseguinte, não

seria exagero sugerir que Collor teria manuseado uma “faca de dois gumes” ao se declarar

como um outsider ou messias da política por ser moral e incorruptível, pois, quando foi

denunciado por crimes de corrupção, o argumento da ética se voltou contra ele, logo,

caracterizado como um político desonesto e corrupto a usar a coisa pública a favor de

si(OLIVEIRA, 1992).

Esse aspecto relativo à ética foi uma das bandeiras da sociedade civil contra

Collor. Conforme ressaltado por TATAGIBA (1998), a questão da ética tinha fixado raízes

profundas no campo social, especialmente na sociedade civil após duras lutas no período de

ditadura e redemocratização, que voltaria a propugnar pela ética na política diante de

denúncias de corrupção a recaírem sobre Collor (TATAGIBA, 1998).

100 Cf. a reportagem de Pedro Collor para revista Veja em: PINTO, 1992. 101 A acusação se disseminou rapidamente. No mesmo dia da publicação na revista Veja, o assunto foi exibido no

Jornal Nacional, da Rede Globo, com uma reportagem de mais de nove minutos. Ganhou também a manchete do jornal O Estado de S. Paulo, que repercutiu a decisão de Fernando Collor processar o irmão. No dia seguinte,

Pedro Collor afirmou à imprensa que PC Farias havia lhe oferecido US$ 50 milhões para que desistisse das

denúncias contra o Collor e que ele não tinha aceitado, pois alegou que sua luta “não tinha preço” (ESTADÃO,

2012). 102 Tipologia explicada no capítulo V.

97

O contexto de crise do governo Collor e o político-cultural calcado na ética

influenciaram a conduta das lideranças da OAB, a infundir um papel de institucional de

membro da sociedade civil para se posicionar contra as ações do Estado violadoras da

Constituição de 1988.

Sobre esse ponto, o então presidente da OAB, Marcelo Lavanère, salienta o

mencionado:

“Na verdade, quando os desmandos do governo federal e do presidente da

República chegaram ao ponto de levar o seu irmão afazer as denúncias que fez, em

um órgão de imprensa de grande circulação, era porque já vivíamos a gota-d'água de uma situação insustentável. Daí o porquê da inserção da Ordem nos debates,

acompanhada de outras entidades da sociedade civil. Mas, à medida que a situação

se agravava, crescia na mesma proporção o sentimento de que alguma coisa

precisava ser feita. Como presidente da Ordem eu senti esse peso sobre as minhas costas, de uma maneira muito intensa” (LAVENÈRE, vol. 7, 2003, p. 233).

Percebe-se, por conseguinte, que o contexto influenciou uma tomada de decisão

por parte das lideranças da OAB – exercer seu papel de membro da sociedade civil para se

posicionar contra as denúncias.

Nota-se, ademais, no que diz respeito à articulação do papel institucional

expressivo e relevante de Marcelo Lavenère. Este ingressou no conselho seccional da OAB de

Alagoas em 1970, onde foi conselheiro, vice-presidente e presidente em dois períodos

consecutivos. Após a experiência em Alagoas, elegeu-se para o Conselho Federal e exerceu as

funções de conselheiro, secretário-geral – função esta que foi exercida na gestão do presidente

Ophir Cavalcante. Tal trajetória representa um dado importante, pois, ao gestar sua carreira

nos quadros da OAB, Marcelo Lavanère aprendeu o funcionamento da instituição,

principalmente no que pertine à função da organização como membro da sociedade civil e, ao

mais, ao se candidatar representou a continuação da gestão anterior, a de Ophir Cavalcanti, já

analisada nesta pesquisa:

“Esta presença contínua aqui em Brasília e na diretoria da Ordem me permitiu uma

aproximação maior com os presidentes das seccionais, dos conselheiros e de organizações da sociedade civil com quem nós tínhamos muito contato, o que

reforçou a minha intenção de ser candidato. Em verdade, de início, havia mesmo

duas candidaturas. Além de mim, que representava de alguma forma o trabalho

desenvolvido pela diretoria anterior, havia o dr. Jair Leonardo Lopes, presidente da OAB de Minas Gerais, que era professor de direito penal e um homem de prestígio.

Era um candidato muito significativo. A disputa foi muito equilibrada entre nós,

durante a campanha. Apenas ao seu final é que alguns apoios que minha chapa

angariou fizeram pesar a balança a nosso favor” (LAVENÈRE, vol. 7, 2003, p. 224-225).

98

Isso representa e corrobora o informado no capítulo IV. Por exercer um cargo

institucional de presidência determinado pelo regime da Lei n.º 4.215/ 1963, tinha em suas

mãos todo procedimento de decisão institucional e o Conselho Federal como um órgão

auxiliar. 103

Ao mais, por tomar posse em um cargo elegível teve de assumir as decisões que

os presidentes anteriores tomaram quanto à trajetória institucional, no sentido da OAB atuar

como membro da sociedade. Assim, Marcelo Lavenère estava inserido nesse regime

institucional, o que determinou que sofresse a influência dos antecessores, em especial Ophir

Filgueiras Cavalcanti, logo, seguiu a trajetória institucional preexistente (MOTTA, 2006). 104

Tal aspecto se depreende da nota publicada pelo Conselho Federal da OAB, em

25 de maio de 1990, na qual Marcelo Lavenère ressaltou que, diante das denúncias de

corrupção, a OAB deveria exercitar seu papel cumprido no processo histórico e político de

transição democrática do Brasil:

“No conjunto das forças vivas da reação, fortalecidas pela atual crise institucional, estão o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria da

República, do lado Estatal, a imprensa e os segmentos organizados da sociedade

civil do outro. Entre estes despontou, mais uma vez, a Ordem dos Advogados do

Brasil. Nossa querida, aguerrida, corajosa, atuante corporação dos advogados brasileiros. Honrando seu compromisso histórico com a nacionalidade, com a

defesa e o aprimoramento das instituições, a OAB, imbuída de suas

responsabilidades, consciente de que se constitui em referencial da identidade do

país, portadora de credibilidade crescente perante a opinião pública, líder inconteste no conceito das entidades integrantes da sociedade civil, legitimada por

seu compromisso com a defesa da Constituição, autorizada por sua opinião supra-

partidária e supra-ideológica, porém comprometida umbilicalmente com o Estado

Democrático de Direito, com a justiça social, os direitos humanos e com a ética, fundamento supremo do direito, a Ordem dos Advogados do Brasil foi a primeira a

se posicionar e a se pronunciar publicamente, corajosa e intrepidamente contra a

corrupção, contra a agressão à ética que se praticava no mais alto escalão do

Poder Executivo” (LAVENÈRE, 1993, pag. 28-29)

Portanto, a trajetória institucional até então trilhada criou incentivos (feedbacks

positivos) para sua replicação no contexto de crise política do governo Collor, o que esteve

presente no decorrer do discurso de Marcelo Lavenère.

Explicada o aspecto atinente à trajetória institucional, analisa-se os motivos

fundantes da manifestação da OAB nesse período inicial.

103 Cf. artigo 9º, incisos I, II, e III, e artigo 18, inciso I, da Lei n.º 4.215/63. 104 Outro fator salientado é que, nas eleições da OAB, certo sentimento de mudança era comungado pelos

membros da instituição a exemplo do caso Collor. Como Marcelo Lavenère foi considerado progressista pelos

seus pares, caracterizou-se como uma opção diferente em face de seu concorrente, um conservador, por isto, foi eleito (LAVENÈRE, 2003).

99

O discurso de Marcelo Lavenèré teve por eixo central o aspecto ético contextual

acima citado, relacionando-o com a ordem constitucional, isto é, o respeito ao princípio da

moralidade. Neste aspecto, o argumento assumiu três formas diferentes, todas calcadas na

ideia da ética como dever institucional em cumprimento ao princípio constitucional da

moralidade (LAVENÈRE, 1993), que são os apontados:

I. Primeiramente, a que a Administração Pública, incluindo o governo

Federal, deveria respeitar o princípio da moralidade pública, expresso na

Constituição Federal (art. 37, inciso LXXIII) (LAVENÈRE, 1993);

II. Em segundo lugar, caberia à OAB cumprir esse mandamento

constitucional para zelar pela preservação das instituições cuja

credibilidade seria pressuposto da ordem jurídica; e seria ela mesma, a

OAB, a referência da consciência institucional da nação, ou seja, o

parâmetro de moralidade construído durante o período de

redemocratização (LAVENÈRE, 1993); e,

III. Por fim, e em terceiro lugar, diante da gravidade estampada na mídia da

época ao atingir o alto escalão do Executivo, a OAB requereu que as

denúncias fossem apuradas cabalmente por quem tivesse isenção e

independência e por todos os meios expressos na nova Constituição, em

respeito à cidadania (LAVENÈRE, 1993). 105

Analisado isso, especifica-se que o papel exercido por Marcelo Lavenère não foi

somente presidir e determinar a atuação institucional da OAB, mas também foi um importante

ator político individual a auxiliar na articulação do processo de impeachment, pois, ele

próprio, em conjunto com o Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), quem

propôs o pedido.

Entretanto, tal aspecto será esmiuçado no decorrer da análise. Por agora, volta-se

ao exame do contexto de crise atinente às denúncias de Pedro Collor.

A denúncia de Pedro Collor resultou em grande repercussão. Na data de 27 de

maio de 1990, um grupo de deputados e senadores de oposição ao Presidente Collor requereu

a criação de uma Comissão Paramentar Mista de Inquérito (CPMI), destinada a, no prazo de

105 Diante desses três argumentos, percebe-se que o referido na parte introdutória: o argumento ético e

constitucional acaba por motivar a atuação da institucional da OAB perante a crise a se instalar no governo Collor.

100

até 45 dias, apurar os fatos contidos nas denúncias de seu irmão referentes às atividades PC

Farias capazes de configurar ilicitude penal (SENADO, 2007).

Dois dias depois do requerimento de criação da CPMI, a sede da OAB foi palco

de uma reunião de entidades representativas da sociedade civil que reiteraram a nota

anteriormente divulgada pela instituição, ou seja, conclamaram para os entes cabíveis a

apuração da verdade sem restrições (TEIXEIRA e GUEIROS FILHO, 2010).

Essa reunião foi realizada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) a

pedido do então deputado federal José Carlos Sabóia (PSB do Maranhão), para discutir a

política do país. O INESC convidou formalmente o presidente da Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil (CNBB), Dom Luciano Mendes de Almeida, e o então presidente da OAB,

Marcelo Lavenère, além de outros parlamentares. A discussão centrou-se no ponto ressaltado

pela OAB: a ética na política; e, ainda, sobre como inspirar a sociedade a se organizar de novo

como no período de luta contra a ditadura militar e de redemocratização (PANDOLFI e

GAZIR, 2012).

A articulação da OAB com membros da sociedade civil também representou uma

tomada de decisão institucional das lideranças da OAB para se levar em consideração a

trajetória institucional da organização construída no período de ditadura e redemocratização

(party dependency); e o discurso de Marcelo Lavenère salienta tal aspecto:

“(...) e tenho ainda hoje, de que Ordem perde quando se isola, como também porque

ela tem acumulado uma experiência muito rica de parceria com várias outras

entidades da sociedade civil organizada, acumulada nas lutas contra a ditadura. Então, logo após o surgimento das primeiras denúncias nós começamos a atuar

junto do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Económicas (Ibase), da União

Nacional dos Estudantes (UNE), da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), da

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)” (LAVENÈRE, vol. 7, 2003, p. 233).

A partir de tal reunião, convidaram outras organizações da sociedade civil para

uma segunda reunião na CNBB, na qual foi criado o Movimento pela Ética na Política

(MEP), constituindo-se numa articulação a compor o movimento contra Collor e que manteve

contato continuado com os atores de outros campos (PANDOLFI e GAZIR, 2012;

TATAGIBA, 1988).

Conforme se denota do discurso de Marcelo Lavenère, ainda não se cogitava em

construir uma articulação pró-impeachment, mas, sim, conforme já mencionado, uma

101

articulação política tendente à concretização do ideário político-cultural da ética na política, a

fim de demandar a investigação das denúncias de Pedro Collor:

“Nós tínhamos inclusive a preocupação de que a movimentação que promovíamos

não fosse tomada como partidária ou ideológica. Tinha que ser algo movido por um

sentimento mais amplo. Nada se encaixava melhor do que a bandeira da ética na política. Então, logo de início não se pensou num movimento anti -Collor, nem pró-

impeachment, mas "pela ética na política". Estávamos ainda em maio de 1992. O

nosso mote inicial foi a necessidade de se apurar as denúncias através de uma CPI.

Começamos a divulgar notas pelos jornais tentando mobilizar a sociedade em torno da questão Como a Ordem tinha uma posição de liderança dentro desse grupo, a

sede do Movimento Pela Ética na Política ficou sendo no prédio do Conselho

Federal da Ordem. Entramos em contato com as seccionais de todos os estados

solicitando que difundissem a ideia do Movimento, já que não poderia ser uma coisa só de Brasília. Finalmente, a CPI foi instalada, tendo como relator o senador

Amir Lando. Naquele momento, começaram as manifestações de rua, vieram os

"caras-pintadas". Em junho, com as informações que a CPI foi colhendo, aí sim se

começou a falar em impeachment” (LAVENÈRE, vol. 7, 2003, p. 233).

Portanto, são esses os motivos pelos quais a OAB participou como membro da

sociedade civil, especificamente no MEP. Em tal grupo, a OAB exerceu o papel de tradutora

dos problemas e das demandas de forte conotação política para a linguagem jurídica. Assim,

orientou, dentro do quadrante do legalismo, a escolha de motes, palavras-de-ordem,

bandeiras, como também desenhou o percurso das demandas. E a OAB reiteradamente se

colocou contra qualquer tipo de desconsideração ao percurso previsto na Carta

Constitucional, o que caracterizava a defesa da constituição numa democracia (TATAGIBA,

1998).

Salientado isso, frisa-se que outra reunião foi realizada, em 09 de junho de 1992,

pelo INESC, porém, na sede da OAB, local que se constituiu no centro de tomadas de

decisões dessa articulação da sociedade civil (TATAGIBA, 1998). Foram convidadas a OAB,

a CNBB e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, o IBASE, além de 26

parlamentares, 23 entidades, movimentos representativos da sociedade civil e várias

personalidades (QUINTÃO, 2011; OAB, 1993; TATAGIBA, 1998; PANDOLFI e GAZIR,

2012).

Dessa reunião, foram elaborados princípios a reger a ação do movimento e um

deles foi proposto pela própria OAB. Os pontos são:

I. Criação de uma vigília pela ética na política, proposta pelo presidente da

OAB, Marcello Lavenère;

II. Levantamento dos projetos prioritários para o movimento popular e as

posições das bancadas dos partidos progressistas democráticos, com o

102

objetivo de realizar discussões que possibilitem uma articulação para as

suas votações;

III. Elaboração de um documento base, que se contraponha ao projeto

neoliberal do governo Collor, para ser discutido numa reunião em agosto

de 1992; e.

IV. Articulação dos parlamentares sindicalistas para uma atuação conjunta no

Congresso em tomo de temas que abordem a relação capital/trabalho

(OAB, 1993).

A partir dessa reunião que se firmou os princípios basilares do MEP outros

comitês surgiram em quase todos os estados brasileiros com a finalidade de zelar pela ética na

política. Destaca-se, neste ponto, a ação da OAB que estimulava 106

as seccionais a procurar

parceiros para instalação de comitês nas cidades. Por isto, a campanha ganhou em agilidade e

representatividade, o que possibilitou a realização de manifestações simultâneas nas ruas das

principais capitais do país num mesmo dia. (TATAGIBA, 1998). 107

No entanto, em paralelo à movimentação da sociedade civil, em 01 de junho de

1992, os atores políticos agiram. O Congresso Nacional instalou uma Comissão Parlamentar

Mista de Inquérito (CPMI) para apurar os negócios de PC Farias no governo Collor, a qual foi

presidida pelo deputado Benito Gama e teve como relator o senador Amir Lando (CÂMARA,

2012).

Com essa articulação política e institucionalizada do Congresso Nacional para

apuração da denúncia, o MEP passaria a acompanhar as investigações da CPMI de forma

intensiva e criaria articulações com seus membros, principalmente com a participação em

reuniões internas organizadas pela então deputada Roseana Sarney (TATAGIBA, 1988).

Doutra parte, a OAB e outras entidades da sociedade civil se mobilizaram no

campo político a favor de outro evento político, a realização da “Vigília pela Ética na

Política”, que acabaria por ocorrer no dia 23 de julho de 1992, no auditório Petrônio Portela

do Senado Federal (OAB, 1993; QUINTÃO, 2011).

106 Segundo TATAGIBA (1998), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) também exerceu esse papel

(TATAGIBA, 1998) 107 TATAGIBA (1998) salienta também que grupos de interesses começavam a se formar em tal período. Uns

para defender Collor (denominado por Tropa de Choque do Governo), outros em prol do impeachment, mas todos com o mesmo fim: intervir no debate, influenciar a opinião pública e orientar o rumo do processo.

103

Em tal dia e local, os manifestantes tinham como objetivo fiscalizar os trabalhos

de investigação das denúncias feitas, bem como fomentar a articulação de setores organizados

da sociedade em torno da ideia de que a ética era a “pedra angular” (OAB, 1993; QUINTÃO,

2011).

Em declaração entregue, os manifestantes do MEP reivindicaram a aplicação da

lei para todo e qualquer cidadão, situação que não permitiria a alguém, num sistema

democrático, estar acima da ética e da lei. Ao mais, reivindicaram que o Congresso Nacional

defendesse a ética na política, para que as conquistas efetivadas na transição democrática não

fossem violadas, ou seja, a Constituição e a democracia (OAB, 1993; QUINTÃO, 2011).

Entretanto, em 28 de junho de 1992, outra denúncia abalou a estabilidade de

Collor na presidência e acabou iniciar e arregimentar articulações políticas pró-impeachment.

A revista “Isto é” veiculou a entrevista de Eriberto França, motorista do Planalto, o qual

revelou que PC Farias bancava as despesas da família de Collor e salientou o caso da compra

de um Fiat Elba, e a reforma na casa da Dinda – um imóvel particular transformado em

residência oficial (ESTADÃO, 1992). E, no mesmo mês de julho de 1992, Eriberto França foi

ao Congresso Nacional para depor na CPMI e para confirmar suas denúncias (CÂMARA,

2012).

Essa nova denúncia geraria seus efeitos e posicionamentos políticos.

É a partir desse fato que as lideranças da OAB formaram a convicção de que

Collor estava envolvido no esquema de corrupção de PC Farias. Logo, a OAB exerceu seu

papel de membro da sociedade civil e se manifestou sobre o caso em nota publicada em 07 de

julho de 1992, na qual o ponto fulcral estabelecido foi o argumento da ética aliado ao

cumprimento da Constituição seja por ela própria, OAB, seja pelas instituições envolvidas no

caso (OAB, 1993).

Em primeiro lugar, o presidente da OAB asseverou que os advogados brasileiros

tinham por dever a proteção das instituições e considerou a situação grave, situação que

demandaria o respeito à Constituição e, com isto, o resgate da transparência administrativa e

da moralidade pública:

“A cada instante denúncias e acusações são apresentadas à opinião pública, ampliando o desgaste na crença aos Poderes Constituídos.

Em todo o País, nas várias vertentes, arautos do caos e da intranquilidade

apregoam fórmulas construídas à margem da constitucionalidade e do Estado de Direito.

Tais fatores impõem aos Advogados Brasileiros, por seu Órgão Máximo, o

Conselho Federal, posicionamento em defesa das Instituições. O País não vive,

104

como alardeiam setores mais radicais, qualquer clima de golpe. Até porque, a Nação não suporta mais tal prática. O que o Povo Brasileiro deseja, e tem

manifestado seguidamente, é a decência e a firmeza, traduzidos na transparência e

probidade no trato da coisa pública.

(...) Os Advogados Brasileiros, portanto, por seu Conselho Federal, nesta hora grave, e

em conformidade com pronunciamentos anteriores, consideram como exigência da

cidadania o respeito á Constituição, o resgate da transparência administrativa e da

moralidade pública, sem o que, nada terá valido a pena” (OAB, 1993, p. 20).

Em segundo lugar, como o país passou por uma profunda crise política, não se

poderia admitir uma fuga aos princípios da Constituição Federal, assim, deveria a verdade dos

fatos ser desvendada com cautela, isto é, a apuração deveria ocorrer com o cumprimento

integral da trajetória estabelecida pela Constituição Federal (promulgada pela vontade do

Povo), a fim de se conseguir o restabelecimento da credibilidade dos Poderes da União. Por

isto, a CPMI e o Ministério Público deveriam, em tal contexto, desempenhar suas funções

institucionais sem pressões e influências (OAB, 1993).

Após o discurso da OAB, outro fato político importante iria influenciar o contexto

político: Collor conclamaria o povo brasileiro para que, no dia 16 de agosto de 1992, saísse às

ruas, com as cores nacionais, em sua defesa (CÂMARA, 2012).

O povo efetivamente saiu às ruas na referida data, porém, com o propósito de

protestar e de requerer o impeachment de Collor. Por conseguinte, multidões saíram às ruas

de todo o país e se vestiram de negro em sinal de luto – exemplo foi a manifestação ocorrida

em Salvador (BA), onde cerca de 20 mil estudantes se vestiram de negro e pintaram o rosto de

verde e amarelo (SOBRINHO, 2008).

O MEP também se posicionou diante do pedido de Collor e pediu por mais

manifestações públicas. Por isto, 400 mil estudantes com os rostos pintados foram protestar

em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP) e seguiram para o Vale do Anhangabaú.

Doutra parte, em Salvador, 80 mil pessoas participaram de uma passeata e conclamaram pelo

“fora Collor”; e cerca de 100 mil faziam o mesmo em Recife (TATAGIBA, 1998).

No dia seguinte, em Brasília, 60 mil pessoas aguardavam a aprovação do relatório

da CPI feito pelo senador Amir Lando (PMDB-RO), o qual recomendava a abertura de

impeachment (SOBRINHO, 2008).

É a partir desse ponto histórico, em meados de agosto de 1992, que a OAB

passaria a se posicionar a favor do impeachment, mas tal posição institucional só tomaria

feições concretas com o pedido de impeachment proposto e assinado pelo seu presidente após

105

a ocorrência de outro fator causal: a aproximação de políticos contrários a Collor a convidá-lo

para assinar e para propor o pedido de cassação política.

6.2 – Segundo período: a OAB como membro da sociedade civil

Em 17 de agosto de 1992, no Conselho Federal da OAB, os presidentes seccionais

deliberaram sobre o pedido de impeachment de Collor, o qual foi aprovado por unanimidade.

Para tanto, nomearam uma comissão composta pelos presidentes da OAB/PI e SP, Fides

Angélica Ommatti e José Roberto Batochio, e pelo advogado Sérgio Sérvulo, para que

elaborassem a nota oficial, na qual deveria conter o posicionamento institucional da OAB a

respeito (OAB, 1993). 108

Nesse caso, a OAB exerceu novamente seu papel político de membro da

sociedade civil e participou de alianças políticas, conforme se verificará, a fim de propor o

pedido de impeachment contra Collor, ato este que foi realizado concretamente pelo

presidente da instituição, Marcelo Lavenère, em conjunto com a Associação Brasileira de

Imprensa, presidida por Barbosa Lima Sobrinho.

Importante ressaltar, no entanto, que essa conceituação analítica da OAB como

membro da sociedade civil não é a mesma que é adotada pela literatura respectiva (LESSA e

LINHARES, 1991; Bastos, 2007; CURI, 2008; MOTTA, 2008).

Conforme mencionado no capítulo I, existe a adoção de certa tipologia para

análise da atuação da OAB que se baseia numa referência formal/legal a servir como

parâmetro de análise. Neste sentido, alguns estudiosos partem do artigo 44, inciso I e II, da

Lei n.° 8.906 de 1994, no qual está expresso que a OAB exerce duas funções: a finalidade

corporativa e a institucional. Com base nesta referência, a literatura pertinente afirma que

OAB é uma corporação que exerce dupla função: a função corporativa: a defesa dos interesses

e prerrogativas dos advogados; e, a função institucional: proteger os interesses sociais, os

direitos humanos, a justiça social, da Constituição e da ordem democrática – este papel é

denominado de função institucional.

108 Cf. Ata da sessão da OAB, 17 de agosto de 1992.

106

Esse último papel, o institucional, é o utilizado por essa literatura ao analisar o

papel da OAB, mas com um adendo: afirmam que a instituição exerceria o papel de

representante da sociedade civil (LESSA e LINHARES, 1991; Bastos, 2007; CURI, 2008;

MOTTA, 2008).

No entanto, essa terminologia conceitual não será adotada nesta pesquisa pelos

motivos abaixo.

Em primeiro, não se constatou, ao se analisar os dados da atuação da OAB no

período de impeachment, que a instituição tenha atuado no âmbito da sociedade civil ao ponto

de ser alçada à representação; e o máximo que se pode afirmar são os dados ofertados por

TATAGIBA (1998), que são:

I. A sede da OAB em Brasília funcionava como ponto de articulação política de

grupos (não todos) da sociedade civil que lutavam pela ética na política, o que

não significa que a OAB representou a sociedade civil; e,

II. A OAB, no âmbito do Movimento pela Ética na Política, exerceu o papel de

tradutora dos problemas e das demandas de forte conotação política dos

demais grupos componentes para a linguagem jurídica; e, ainda, de transmitir

para suas seccionais a bandeira da ética pela política com o intuito de

fomentar subgrupos nos Estados (TATAGIBA, 1998).

Porém, alguns poderiam aventar que, no ato de proposição do pedido de

impeachment, a OAB foi acompanhada por muitos membros da sociedade civil (fator este a

ser analisado adiante). Isto é verdade, mas ser acompanhada por membros da sociedade civil

não significa representá-los e os dados examinados não permitem uma conclusão diferente da

seguinte: o presidente da OAB propôs o pedido e foi acompanhado por alguns atores da

sociedade civil.

Em segundo, a adoção dessa terminologia significaria desconsiderar o exame da

ação política das organizações da sociedade civil que se envolveram no movimento pró-

impeachment, com suas preferências, seus cálculos e articulações próprias.

A esse respeito, TATAGIBA (1998) indica que os membros do MEP mantinham

uma articulação política frágil. Os grupos possuíam temáticas, preferências e interesses

próprios que, caso fossem explicitados, o rompimento da aliança política poderia ocorrer. Por

107

isto, o que os unia foi um sentimento tácito construído em torno de valores e opiniões que

desaguavam na eticidade na política:

“Contudo, quando buscamos compreender a prática da comunicação no MEP, somos

surpreendidos pela idéia de um consenso que é mais expressão de um sentimento, de uma

sensação compartilhada, do que resultado dc um processo no qual as diferenças são reconhecidas e equacionadas por meio da fala. Na realização das entrevistas fui

surpreendida por esta noção de um consenso que se constrói de forma tácita, que não

precisa ser verbalizado para ser reconhecido como legitimo e que tem como referência uma

certeza: a fragilidade da unidade que garantia a articulação. (...) o debate não era dispensável porque todos estavam de acordo em relação às

questões mais amplas, como reforma do Estado, privatização, etc, mas sim porque havia um

reconhecimento tão forte das diferenças que, se caso isso fosse explicitado a unidade

poderia se romper. Por outro lado, havia rodo um terreno comum a ser explorado, todo um campo dc valores e opiniões que poderia ser compartilhado, e o tema da "ética na politica"

expressava justamente esse vinculo potencial” (TATAGIBA, 1998, p. 169).

Portanto, esses são os motivos pelos quais não se adotará a ideia que indica a

OAB como exercente de um papel de representatividade da sociedade civil no período de luta

pelo impeachment de Collor.

Após esse breve hiato de debate teórico, volta-se à análise efetiva da atuação da

OAB.

Afirmou-se que, em 16 de agosto de 1992, o Conselho Federal da OAB, os

Presidentes Seccionais deliberaram sobre o pedido de impeachment de Collor, o qual foi

aprovado por unanimidade. Quanto a esta tomada de decisão, Marcelo Lavenère salienta que,

o exame do contexto político, não oferecia dados suficientes para prever que o

posicionamento pró-impeachment se concretizaria. O ato da instituição representou um

posicionamento pela ética na política diante das inúmeras denúncias:

“Nós não tínhamos nenhuma idéia do que poderia acontecer no dia seguinte. Talvez

o presidente pudesse conseguir maioria no Congresso, os militares talvez se levantassem contra o impeachment. Era tudo uma incógnita, até porque não é fácil

colocar um presidente da República para fora. Nunca se colocou, empais nenhum

do mundo. Leonel Brizola foi contra, o grande Ulysses

Guimarães nunca absorveu bem a ideia, não nos ajudou em nada. Eu tinha por isso uma certa mágoa do dr. Ulysses. Era uma hora em que nós tínhamos que limpar,

que dizer para o mundo inteiro: esse pais tem dono, esse país não tem espaço para

um aventureiro qualquer, que empolga o poder e toma posse dele. Esse país tem

instituições, o tecido social brasileiro existe. Estão aqui os empresários, estão aqui os trabalhadores, estão aqui os profissionais liberais, está aqui a OAB, estão aqui

os jornalistas, está aqui um sentimento patriótico de que não é possível viver num

país de bandidagem, de falta de ética, um país que não é sério. Nós não somos uma

republiqueta” (LAVENÈRE, vol. 7, 2003, p. 235).

108

A OAB, assim, posicionou-se pelo impeachment e uma equipe de advogados se

reuniu na casa do ex-presidente da OAB, Márcio Thomaz Bastos, para preparação da primeira

versão do pedido de impeachment. Porém, com a versão do pedido consolidada, faltava saber

quem iria requerer o impeachment (LAVENÈRE, 2003), pois a Lei n.º 1.079 determina que o

pedido deva ser feito por pessoas físicas.

A escolha de quem deveria propor o pedido ocorreu em razão de uma articulação

política. Um grupo de políticos fez pedido expresso ao presidente da OAB, Marcello

Lavenère, para que propusesse o pedido de impeachment com o Presidente da Associação

Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho (TEIXEIRA e GUEIROS FILHO, 2010). 109

O pedido à OAB, segundo Marcelo Lavenère, ocorreu pelo fato dos políticos

terem a percepção de que a instituição gozava de prestígio ao passo que o Congresso não

tinha credibilidade (LAVENÈRE, 2003).

No entanto, existia um problema: a Lei n.º 1.079 de 1950, que regulamenta o

processo de cassação política, determina, em seu artigo 14, que a propositura de denúncia

contra o Presidente da República somente poderia (e pode) ser realizada por cidadãos nos

casos de crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.

Como seria o próprio presidente a assinar a petição da denúncia enquanto cidadão

e pessoa física, Marcelo Lavenère preferiu se reunir com o Colégio de presidentes seccionais

e o Conselho Federal da OAB para que decidissem sobre a feitura do pedido e sobre a

assinatura 110

(TEIXEIRA e GUEIROS FILHO, 2010; OAB, 1993).

Esse posicionamento se lastreava no motivo de que o então presidente reconhecia

que a decisão de assinar o pedido de impeachment não poderia ser individual, mas

institucional, pois ligado estava ao peso da entidade que presidia, ou seja, agia no âmbito

109 Importante salientar que os políticos a solicitarem isso ao então presidente da OAB foram: o senado Fernando

Henrique Cardoso do PSDB, o senador Pedro Simon do PMDB, o deputado federal Vivaldo Barbosa do PDT e o

deputado federal Aldo Rabelo do PC do B.

Ou seja, políticos de direita e esquerda fizeram esse pedido em comum. Por que ocorreu isto? Quem explorou esse aspecto foi BRASÍLIO SALLUM (2011). Este pesquisador afirma que os partidos de centro e de esquerda

(PMDB, PSDB, PDT, PT e partidos menores) atuaram como se constituíssem uma frente partidária na maioria

das vezes em que estiveram em questão temas vinculados ao equilíbrio entre os poderes (como a do instituto da

medida provisória) e a questões relativas a salários, aposentadorias e assemelhados. Tratava-se, conforme explica o autor, primordialmente de uma “coalizão” não articulada de veto. Salienta, ainda, que o seu núcleo da

coalização (PMDB, PT e PSDB) se converteu em uma oposição e, depois, pró-impeachment a auxiliar a

imprensa e a sociedade civil, e a conduzir as investigações e todas as iniciativas e negociações que produziram o

impeachment (BRASÍLIO SALLUM, 2011). 110 Presidente da OAB de 1991 a 1993.

109

político como presidente da OAB e não como pessoa física (TEIXEIRA e GUEIROS FILHO,

2010; OAB, 1993).

Após agir assim perante o colegiado de presidentes e o Conselho Federal, Marcelo

Lavenère foi autorizado a propor o pedido de impeachment e a instituição publicou a seguinte

nota em 17 de agosto de 1992:

“O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, órgão máximo da

instituição, e o Colégio de Presidentes, este composto pelos Presidentes da OAB em

todos os Estados brasileiros, reunidos em Brasília nos dias 16e 17deagostode 1992,

reafirmam sua posição pela Ética na Política, relacionada, neste momento, às investigações promovidas por Comissões Paramentares de Inquérito do Congresso

Nacional, e pela Procuradoria Geral da República. O senso ético, a consciência

jurídica, a própria honra da Nação reclamam, mais a cada dia que passa, a

aplicação indesviável da Constituição e das leis a todos os que fraudaram a confiança do povo e perderam respeito da cidadania. Contra a crença na

impunidade, a OAB sustenta haver medidas legais suficientes para reprimir, com

energia, a ação dos que fraudam, cometem perjúrio, mentem, ofendem pelas mais

variadas formas os valores que juraram respeitar, e que tem buscado embargar a ação investigatória sobre suas condutas. Dia após dia novas revelações aturdem a

Nação: “operações financeiras suspeitas, lavagem de dólares, obscuros negócios

com ouro, fantasmas, e circulando, a uma velocidade alucinante, quantias

fabulosas de dinheiro cuja origem se vê não ser honesta. Estes fatos agridem, mais que tudo, um País tristemente composto por 11% de miseráveis absolutos, 42% de

indigentes e 39% de pobres, onde grassam a mortalidade infantil e à fome, conde se

cortam injustificadamente as verbas de merenda escolar. As investigações até aqui

realizadas indicam a ocorrência de graves delitos no âmbito da administração pública federal. Impossível deixar de levar estas investigações a seu termo,

instaurando-se os processos previstos na lei, e garantida ampla defesa aos

acusados. Assim entendendo, propõe que, tão logo conhecidas as conclusões da

Comissão Parlamentar de Inquérito, os dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil, enquanto cidadãos, tomem a iniciativa de requerer as medidas legais

cabíveis, inclusive impeachment. Numa Democracia ninguém pode estar acima da

Lei” (OAB, 1993, p. 23).

Após o discurso do presidente da OAB, no dia 23 de agosto, a CPMI teve seu

deslinde. O senador Amir Lando (PMDB-RO) submeteu à CPMI seu parecer, imputando a

Collor a prática de ilícitos penais comuns, que deveriam ser investigados pelo Ministério

Público, mas que também configuravam crime de responsabilidade, em relação ao qual a

prerrogativa era da Câmara dos Deputados (CÂMARA, 2012).

Com o findar das investigações da CPMI, em 01 de setembro de 1992, Marcello

Lavenère e Marcelo Lima Sobrinho entregariam a petição de impeachment ao Presidente da

Câmara, deputado Ibsen Pinheiro (OAB, 1993).

Os membros do Conselho Federal da OAB, no referido dia, reuniram-se em sua

sede, com a presença dos presidentes seccionais acompanhados de lideranças da sociedade civil

integrantes do MEP, os quais aprovaram o texto final do pedido do impeachment elaborado por um

110

grupo de advogados, fato que permitiu os presidentes da OAB e da ABI o assinassem – a petição

foi assinada também por todos os conselheiros federais e presidentes de seccionais presentes (OAB, 1993;

LAVENÈRE, 2003). 111

Ao mais, na entrega da petição ao Presidente da Câmara dos Deputados, lbsen Pinheiro, os

membros foram em caminhada cívica da sede da OAB até o Congresso Nacional. No percurso o

presidente da UNE, o presidente da CUT, os representantes dos movimentos feministas e, ainda, o

sociólogo Betinho compuseram o movimento e, na chegada à Câmara dos Deputados, os Presidentes das

duas Casas do Congresso e inúmeros esperararn os advogados e membros da sociedade civil e a petição foi

entregue (OAB, 1993; LAVENÈRE, 2003).

Ou seja, o ato foi acompanhado por inúmeros membros da sociedade civil que

comungavam do mesmo intento da OAB e da ABI.

Examinado esse ponto, verifica-se, por agora, o conteúdo do pedido de

impeachment.

O argumento central do pedido de impeachment foi a ética e a moral pública.

Entenderam seus formuladores que o impeachment se aplicava a condutas graves, abusivas e

de perversão do poder político. Como Collor exerceu um cargo público de eminência, tal

situação lhe geraria deveres morais, os quais foram violados, logo, o processo se cassação se

aplicaria a ele (OAB, 1993).

Tal argumento é o pano de fundo de toda petição e dele se deriva um segundo.

Afirmaram os proponentes que, nos regimes democráticos, o grande juiz dos governantes é o

povo, o qual seria a “consciência ética popular” e o titular da soberania (OAB, 1993).

Nesse sentido, dois outros argumentos foram desenvolvidos:

I. Caso algum governante eleito violasse a moralidade pública com atos de

corrupção pessoal, de apropriação indébita ou desvio da coisa pública,

quem seria atingido diretamente seria o próprio povo que o elegeu; e,

II. Portanto, a competência para julgar essa conduta violadora seria exercida

precisamente pelo órgão de representação popular, que representa a

consciência ética popular, logo, o órgão capaz de interpretar e exprimir o

111 Cf. também ata de sessão da OAB, 01 de setembro de 1992.

111

sentido ético dominante em face dos atos de abuso ou traição da confiança

nacional (OAB, 1993).

Esse argumento calcado na ética serviu de parâmetro para a elencação dos tipos

criminais pertinentes a condutas violadoras da moral pública. Por isto, aplicou-se ao caso de

Collor a Lei n.º 1.079 de 1950 112

e, especificamente, os artigos 8º, item 7, e 9º, item 7, os

quais se referem às seguintes condutas:

I. Crime contra a segurança interna do país: permitir, de forma expressa ou

tácita, a infração de lei federal de ordem pública; e,

II. Crimes contra a probidade na administração pública: proceder de modo

incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo (OAB, 1993).

No primeiro caso, os requerentes asseveraram que a conduta de Collor foi

omissiva por não cumprir com o dever básico de zelar pelo princípio constitucional da

moralidade pública, pois recebeu vultosas quantias injustificadas por meio de correntistas

“fantasmas” e por se beneficiar do tráfico de influência exercido por Paulo César Farias

(OAB, 1993).

Com isso, argumentam os autores que Collor teria permitido a violação de leis

federais de ordem pública:

I. Legislação penal: por prática de tráfico de influência e obtenção de

vantagem indevida por funcionário público (art. 5° da Lei n° 8.027/90); e,

II. Legislação administrativa: por violação da moralidade administrativa e da

probidade administrativa (art. 117, inciso XI e XII, da Lei nº 8.112/90 e

artigo 37, parágrafo quarto, da Constituição)(OAB, 1993).

No segundo caso, os autores entenderam que Collor teria praticado crime contra a

probidade na Administração Pública nas seguintes situações:

I. Falta de decoro e de dignidade para o exercício do cargo: o conjunto de

fatos incriminadores apurados caracterizava comportamento incompatível

com a honra, a dignidade e o decoro que se exigiam do Presidente da

República;

112 Normatiza o processo de impeachment e, assim, as penas aplicáveis a crimes de responsabilidade.

112

II. Vantagens indevidas: recebimento de valores injustificados a violar, por

conseguinte, a honra e o decoro do cargo;

III. Tráfico de influência: recebimento de valores relacionados à exploração de

prestígio exercida por PC Faria, o qual ofertava serviços para sua empresa e

não os realizava; e,

IV. Mentira: negação, em rede nacional, das acusações do motorista Francisco

Eriberto França que teriam sido comprovadas na Comissão Parlamentar de

Inquérito (OAB, 1993).

Por fim, os autores requereram que fosse aplicada a Collor a pena de perda do

cargo, com inabilitação por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo do

procedimento penal competente, pelas infrações penais comuns (OAB, 1993).

Esse, então, foi o conteúdo da petição proposta por Marcelo Lavenère e Barbosa

Lima Sobrinho.

Frisa-se que a participação indireta da OAB em tal caso foi questionada, ou seja,

colocou-se em questão se a instituição deveria mesmo atuar politicamente já que era uma

corporação de advogados, logo, voltada à seleção e disciplina de advogados.

Especificamente, um conjunto de advogados moveu uma ação judicial para

requer a concessão de liminar a fim de que o presidente da OAB se abstivesse de toda e

qualquer forma de divulgação da OAB como patrocinadora indireta do pedido de

impeachment de Collor, sob o argumento de que o presidente da OAB utilizou a imagem da

instituição a favor de movimentos populares pela decretação do processo de cassação (OAB,

1993).

Entretanto, essa ação não foi julgada de imediato, mas somente em 11 de janeiro

de 1993. A juíza Selena Maria de Almeida decidiu que a finalidade da OAB não se limitava à

supervisão da ética profissional, mas também na defesa da ordem jurídica e da Constituição

da República e, ainda, no dever de pugnar pela boa aplicação das leis e pela rápida

administração da justiça e contribuir para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas. Logo,

prolatou a seguinte decisão judicial:

“Cabe ao Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil representá-la ativa e passivamente, em juízo e fora dele, bem como dar execução as

suas decisões (art. 9° -1 e III, da Lei 4.215/63); O Conselho Federal, por sua vez, é

o órgão supremo da OAB (art. 3° da Lei 4.215/63). Ao Conselho também compete ‘defender a ordem jurídica e a Constituição da República, pugnar pela boa

aplicação das leis e pela rápida administração da Justiça e contribuir para o

aperfeiçoamento das instituições jurídicas’ (art. 18-L da Lei 4.215/63). Logo, a

decisão do Conselho Federal no sentido de se requerer o ‘impeachment’ do

113

Presidente da República foi adotada no exercício legítimo de competência estatutária e, por isso tudo, a ação do requerido está dentro da lei e dentro do

mandato histórico da advocacia. A pretensão deduzida é contrária, portanto, em

tese, ao art. 18,1, da Lei 4.215/63, o que vale dizer que o pedido dos requerentes é

juridicamente impossível. Por esse motivo a petição inicial também é de ser julgada inepta” (OAB, 1993, pag. 200-201).

O efeito prático é a representação de uma vitória política da OAB a permitir que

atuasse de forma indireta no processo de impeachment de Collor, o que, aliás, será explorado

adiante.

Examinado esse ponto, aponta-se que, em 03 de setembro de 1992, com o

recebimento da petição de impeachment, a Câmara institui uma Comissão Especial para dar

parecer sobre a denúncia contra Collor crime de responsabilidade e teve como Presidente, o

deputado Gastone Righi, e Relator, o deputado Nelson Jobim (CÂMARA, 1992).

Na tramitação do processo na Câmara dos Deputados, Collor propõe sua defesa e

aduziu que a denúncia não se preocupou em demonstrar qualquer conduta determinada que

pudesse ser enquadrada como crimes de responsabilidade, o que caracterizaria mais um

manifesto político ou uma conclamação a correligionários (OAB, 1993). 113

Em 24 de setembro de 1992, os advogados da OAB subscreveriam a Carta de

Vitória, ao realizarem a XIV Conferência Nacional dos Advogados do Brasil. Externaram à

sociedade brasileira seu posicionamento sobre o último ponto mencionado. Ressaltaram que

pela primeira vez que uma grave crise de poder se resolvia dentro dos canais institucionais,

pois o Congresso brasileiro e o Supremo Tribunal Federal cumpriram seus papéis

institucionais. Neste sentido, salientaram que a democracia material se construía naquele

momento e o impedimento do Presidente era uma de suas etapas, com a participação efetiva

da sociedade (OAB, 1993).

Em 28 de setembro, o presidente da OAB, Marcelo Lavenère, discursou na

Câmara dos deputados, especificamente sobre a admissão do pedido de impeachment a ser

examinada na data de 29 de setembro:

“A Câmara Federal tem neste momento, senhor Presidente, senhores Deputados, em suas mãos, mais do que em qualquer outra oportunidade, o destino da nação. E

qual é o clamor uníssono, qual é o rugido rouco de nossa gente, excelência? O que

lhes estão pedindo seus eleitores, seus correligionários, seus amigos, suas famílias,

seus irmãos, seus filhos, o que lhes está pedindo a Pátria, a nação, a sociedade, o povo? Pedem-lhes que restaure a dignidade deste país. Que lhe devolvam a

autoestima Que preservem a honra nacional. Que digam não à corrupção e à

impunidade. Amanhã V. Exas. decidirão a admissibilidade do pedido de impeachment do Presidente da República. Sou, junto com o Dr. Barbosa Lima

113 Em 10 de setembro de 1992, Collor impetrou o mandado de segurança n.º 21564, o qual foi deferido em parte

apenas para manter a medida cautelar que aumentara de cinco (05) para dez (10) sessões o prazo para manifestação do impetrante perante a Câmara dos Deputados (STF, 1992a).

114

Sobrinho, subscritor da denúncia. Tão nobre tarefa, é também carregada de enorme responsabilidade. Temos consciência disto. Temos consciência de que nossas

assinaturas na força vestibular transcendem as pessoas de seus autores, das

entidades que dirigem, dos movimentos sociais de que participam. Entendam V.

Exas. que o pedido de Impeachment está assinado pelo sertanejo, pelo pantaneiro, peio operário, pelo jangadeiro, pelo boia-fria, pelo contribuinte da Previdência,

pelos estudantes secundaristas e universitários, pelos moradores de palafitas e

favelas, e dos conjuntos residenciais do SFH, pela classe média, pelos gaúchos,

pelos amazônicos, pelo nordestino sofrido, pelos habitantes ribeirinhos e pelos das alterosas. Velhos e moços, pobres e ricos, de todas as cores, de quaisquer

ideologias, todos simplesmente brasileiros que afirmam que o país tem honra.

Todos lhes pedem a aprovação do pedido de Impeachment. Não é um pedido

qualquer. V. Exas. sabem-no muito bem. A denúncia é o resultado de um trabalho coletivo que começou com a imprensa cumprindo o seu papel (LEVENÈRE, 1993,

p. 131).”

Percebe-se, por conseguinte, que o discurso se centrou em dois argumentos:

caracterizar o ato do pedido de impeachment como um ato representante do anseio da nação e

cuja apreciação e admissão a favor do impeachment era um dever moral da Câmara.

Após esse discurso, no dia posterior, a Comissão Especial da Câmara aprovou o

parecer do deputado Nelson Jobim, favorável à autorização do processo por crime de

responsabilidade por 441 a favor e 33 contra. Com a vitória, em 1º de outubro de 1992, o

processo de impeachment foi instaurado no Senado Federal, o qual decidiu que Collor seria

afastado da Presidência da República até a conclusão do processo de impeachment – o vice-

presidente Itamar Franco assumiu provisoriamente o Governo (CÂMARA, 2012).

Diante da aprovação da instauração e tramitação do processo de impeachment, em

27 de novembro, a OAB determinou apoio técnico e jurídico para Marcello Lavenère e

Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho (OAB, 1993). 114

Os advogados iriam assessorá-los

na tramitação do pedido de impeachment e em ações movida perante o Supremo Tribunal

Federal.

Essa situação se configurou a partir de 14 de dezembro de 1992. Em tal data,

Collor impetrou mandado de segurança no STF (o de n.º 21.623-9) e aduziu a violação dos

princípios do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da Constituição)

quando do indeferimento de prova requerida, pela abertura do prazo de alegações finais antes

de concluída a produção de provas e pela recusa de afastamento de inúmeros Senadores

acusados de suspeição (STF, 1992b).

114 Cf. Portaria nº 030/92.

115

Em tal processo, Marcelo Lavenère e Barbosa Lima Sobrinho, assessorados pelos

advogados indicados pela OAB, afirmaram que a ação de Collor era um ato procrastinatório,

pois o Presidente do Supremo Tribunal Federal teria determinado a oitiva da testemunha

arrolada por Collor, beneficiando-o; ainda, que o pedido de afastamento dos Senadores era

ilegítimo, pois a lei somente o permitiria em situação de caracterização de vínculo de

parentesco com o acusado (Lei 1.07950) - (STF, 1992b).

Perante tais argumentos, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos,

denegou o mandado por entender que não teria havido cerceamento de defesa, pois a

testemunha arrolada por Collor teria sido ouvida e, ao mais, os senadores compunham um

órgão político, o Senado, contra o qual não poderiam ser aplicadas regras de suspeição

atinentes aos juízes (STF, 1992b).

Solucionada essa discussão jurídica, em 21 de dezembro de 1990, Collor destituiu

seus advogados no âmbito do processo de cassação. A finalidade ato foi adiar a realização do

julgamento do impeachment no dia seguinte, dia 22 de dezembro, pois estava sem defesa

técnica. Contra tal ato, as lideranças da OAB se posicionaram, entendendo que o adiamento

era inevitável, mas que não poderia ser remarcado para fevereiro ou março de 1993, mas o

julgamento foi remarcado para o dia 28 de dezembro de 1992 (LAVENÈRE, 2003).

No entanto, na data marcada para o julgamento, Collor renunciou, com o intuito

de extinguir o processo de impeachment. O motivo se baseou juridicamente no artigo 15 da

Lei n.º 1.079 de 1950, no qual expresso estava que a denúncia contra o Presidente da

República ou Ministro só poderia ser recebida enquanto o denunciado não estivesse, por

qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo. Logo, com a renúncia Collor objetivava

que o Senado fosse impedido de julgá-lo e de aplicar a ele a pena de inabilitação política por

oito anos.

O caso suscitou controvérsia. Por isto, a OAB requereu parecer jurídico aos três

advogados que assessoravam Marcelo Lavenère e Barbosa Lima Sobrinho sobre a destituição,

que foram:

Quadro n.º 10. Pareceres quanto à renúncia de Collor

PARECERISTA CONTEÚDO

Fabio Konder Comparato

Cometido o crime de responsabilidade não fica o Presidente isento de qualquer das sanções a ele

cominadas, seja qual for a razão por que tenha

deixado o cargo. Neste caso, prorroga-se a

competência do Senado para realizar o julgamento.

116

Com a renúncia, o Senado não perdeu a

competência para prosseguir no julgamento do acusado; ao contrário, teve-a prorrogada, tal como

ocorre nos delitos comuns em que o Presidente,

por ter deixado o cargo, continua gozando do foro

privativo do Supremo para julgá-lo.

Paulo Lopes Saraiva

Se o Presidente renunciar, o Senado deve prosseguir no julgamento e aplicar a pena de

inabilitação.

O processo jurídico-político, como é o

impeachment, deve ser concluído e nunca extinto. O Presidente, pelo ato de renúncia unilateral,

jamais poderá ficar acima do Tribunal que o julga.

José Paulo Cavalcanti Filho

O Pedido de Collor seria juridicamente impossível,

uma vez que, sendo a matéria da competência

exclusiva do Congresso Nacional (vale dizer Senado Federal e Câmara dos Deputados reunidos

em sessão conjunta), em nenhuma circunstância

poderia o Senado Federal isoladamente receber.

Fonte: OAB, 1993, p. 150 a 181.

Com os pareceres, o presidente da OAB e importantes juristas se articularam com

outros senadores perante o Senado Federal para sedimentar o entendimento que o processo de

cassação deveria continuar:

“Depois da posse do Itamar pairou um certo sentimento de que tudo estava

acabado, tudo resolvido. Nós então, o dr. Evandro, eu, o Sérgio Sérvulo, Fábio

Konder Comparato, Miguel Reale Jr. e outros juristas, além dos senadores José Paulo Bisol, Amir Lando e Mário Covas, tratamos de alertar que aquilo não

poderia se encerrar assim e que o processo teria que continuar. Foi difícil, mas

conseguimos, afinal, convencer o Senado da importância da continuidade do

processo. Daí decorreu a inelegibilidade do ex-presidente por oito anos” (LAVENÈRE, 2003, p. 238).

Por isso, o processo de cassação foi retomado e Collor teve seus direitos políticos

cassados por oito anos pelo Senado Federal por 76 votos a favor e 02 contra e o Vice-

presidente Itamar Franco assumiu em definitivo o cargo e completou o mandato restante

(CÂMARA, 2012). 115

A decisão no processo de impeachment foi a seguinte:

“RESOLUÇÃO Nº 101, DE 1992. O SENADO FEDERAL resolve:

115 A literatura brasileira concentra a análise sobre o impeachment de Collor e, busca inventariar e entender os

motivos que levaram à ocorrência desse processo de cassação. De forma geral, são três as perspectivas: i) Origem sociocultural de Collor (SKIDMORE, 2000; MELLO, 2007) e contexto social para tomada de decisão

política (LAMOUNIER, 1991); ii) Aspecto de análise institucional centrada na disputa entre o Executivo e o

Legislativo LAMOUNIER, 1991; e, iii) A ação da sociedade civil perante o Estado em um contexto

sociocultural determinado (TATAGIBA, 1998).

117

Art. 1º. É considerado prejudicado o pedido de aplicação da sanção de perda do cargo de Presidente da República, em virtude da renúncia ao mandato apresentada

pelo Senhor Fernando Affonso Collor de Mello e formalizada perante o Congresso

Nacional, ficando o processo extinto nessa parte.

Art. 2º. É julgada procedente a denúncia por crimes de responsabilidade, previstos nos arts. 85, incisos IV e V, da Constituição Federal, e arts. 8º, item 7, e 9º, item 7,

da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950.

Art. 3º. Em consequência do disposto no artigo anterior, é imposta ao Senhor

Fernando Affonso Collor de Mello, nos termos do art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal, a sanção de inabilitação, por oito anos, para o exercício de

função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis” (SENADO,

1992).

No entanto, em 28 de 04 de 1993, e mais uma vez, Collor impetrou o mandado de

segurança n.º 21.689 no Supremo Tribunal Federal. Afirmou, em primeiro, que o julgamento

pelo Senado ocorreu após o pedido de renúncia. Depois apontou uma contradição: a

Constituição Federal previa a punição de 8 anos de inabilitação para quem estivesse no

exercício da função e o Senado teria extinguido o processo quanto ao pedido de impeachment

no tocante a tal ponto, mas aplicou teria aplicado a pena de inabilitação. Por fim, asseverou

que as penas não seriam autônomas de acordo com a leitura do artigo 52 da norma

constitucional, logo, a extinção de uma extinguiria a outra (STF, 1993).

Ato contínuo, Marcelo Lavenère e Barbosa Lima Sobrinho se manifestaram no

processo, por meio de seus advogados, e aduziram que o indicado artigo 52 previa duas penas

conjuntas. Como Collor cometeu crime de responsabilidade, o Senado não poderia deixar de

aplicar a pena. Ao mais, entenderam que cometido crime em função pública, a renúncia não

afastaria a competência do órgão julgador (apoiado na súmula 394 do STF) – STF, 1993.

Diante desse novo embate, o STF denegou o mandado de segurança por entender

que, no impeachment brasileiro, existiam duas penas (perda do cargo e inabilitação, por oito

anos, para o exercício de função pública) e a renúncia ao cargo apresentada na sessão de

julgamento quando já iniciado não paralisaria o processo de cassação (STF, 1993). 116117

116 Frisa-se que, em 24 de abril de 2014, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) absolveu Collor de todas as acusações penais. O Ministro Público Federal no período de 1992 propôs a ação penal 465 contra Collor e

imputou contra ele a prática dos crimes de falsidade ideológica, corrupção passiva e peculato, previstos nos

artigos 299, 312 e 317 do Código Penal, respectivamente. Entretanto, a maioria dos ministros absolveu Collor

dos três crimes (STF, 2014). 117 Ademais, Collor moveu ação de danos morais contra a Revista Veja, da empresa Editora Abril, e pleiteou

indenização R$ 500 mil.

A Revista Veja publicou, em março de 2006,o artigo intitulado “O Estado Policial”, no qual o jornalista André

Petry chamou o ex-presidente de "corrupto desvairado” quando comparou os episódios de denúncias de corrupção nos governos Collor e Lula.

118

6.3 –Conclusão

Conclusão deste capítulo é que a hipótese de pesquisa se confirmou neste segundo

ponto da análise temporal da atuação da OAB condizente com sua atuação no período de

impeachment.

Em primeiro lugar, a OAB exerceu o papel de membro da sociedade civil com

expertise jurídica e se manifestou contra os atos de Collor, e compôs o Movimento pela Ética

na Política (MEP), no qual assessorou na elaboração do pedido de impeachment contra o

então Presidente do Brasil e no seu processamento.

A finalidade do exercício de tal papel foi o resguardo da Constituição Federal de

1998 e, em específico, o princípio constitucional da moralidade pública, constante do artigo

37 da Constituição Federal, pois Collor o teria violado por ter cometido crimes de

responsabilidade 118

, objeto que foi do processo de impeachment.

Esse mote de preservação da ordem jurídico-constitucional assumiu três modos

distintos no discurso de seus membros, mas todos convergindo à ideia ética do dever como

cumprimento das normas constitucionais.

I. Dever das instituições de respeitar e cumprir a Constituição;

II. Exercer seu dever de fiscalizar as ações do Estado;

III. Requerer às instituições incumbentes de investigar as denúncias o

cumprimento de seus deveres institucionais dentro dos ditames

estabelecidos na Constituição e nas leis.

Assim, a primeira parte da hipótese de pesquisa foi ratificada. Conclui-se, no que

pertine a esse ponto, que a OAB, no contexto de crise pró-impeachment de Collor, exerceu o

papel de instituição fiscalizatória da ação do Estado a fim de proteger a nova ordem jurídica

constitucional iniciada em 1988.

Por isso, que Collor moveu a frisada ação. A causa subiu, pela via recursal, até o Superior Tribunal de Justiça,

que deu ganho de causa a Collor e determinou o pagamento da referida indenização (Cf. recursos especiais n.º

1.068.824 e 1.120.971) (STJ, 2012). 118 Artigo 85, incisos IV e V, da Constituição Federal, e artigos 8º, item 7, e 9º, item 7, da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950.

119

Doutra parte, o exercício destes papéis seguiu uma trajetória institucional

estabilizada construída em períodos de crise anteriores e desta forma ocorreu em função da

articulação de dois fatores causais.

O primeiro se referiu ao contexto político favorável calcado no ideário de

eticidade fomentado desde o período de redemocratização, segundo o qual os políticos

deveriam exercitar seus cargos no Estado de maneira ética, zelosa e proba. Mas com o amplo

questionamento constitucional do Plano Collor I e a derrocada do mesmo em abolir a inflação

no momento que as denúncias de corrupção sugiram, a sociedade civil e grupos políticos se

voltaram contra Collor, fato que incluiu a ação da OAB, pois as lideranças da instituição

estavam inseridas nesse contexto político-cultural calcado na ideia da eticidade, assim,

suscitaram o pedido de impeachment,

O segundo se refere à atuação do presidente (fator institucional).

Marcelo Lavenère exerceu o papel de presidência da OAB e sofreu o

constrangimento externo de seguir a trajetória institucional preexistente, logo, assumiu “a

herança institucional” de seus antecessores. No caso, foi antecedido pelo ex-presidente Ophir

Filgueiras Cavalcanti (01 de abril de 1989 a 01 de abril de 1991), que manteve a trajetória

institucional da OAB como ator político expressivo no início da crise do governo Collor. Por

tal motivo, Marcelo Lavenère optou por continuar tal trajetória institucional, estabilizando-a,

o que determinou a atuação da OAB como membro da sociedade civil.

Ao mais, Marcelo Lavenère foi figura central nas articulações políticas pró-

impeachment, pois assinou o pedido de cassação em conjunto com o presidente da ABI. E tal

aspecto foi resultado direto do regime jurídico atrelado à presidência da OAB. Conforme se

ressaltou diversas vezes nesta pesquisa, o presidente era o ponto para o qual todo o processo

de decisão institucional da OAB convergia, logo, o presidente tinha o poder de nortear a

atuação da entidade.

Portanto, contatou-se que o exercício do papel acima mencionado visou à

preservação da ordem constitucional vigente a partir de 1988 e se tratou de uma trajetória

institucional dependente construída anteriormente e que serviu de parâmetro para a tomada de

decisão sobre sua ação na crise instalada, o que se efetivou mediante a articulação dos dois

fatores relatados, o exógeno e o institucional.

120

CONCLUSÃO GERAL

Nesta conclusão não se fará a reminiscência de tudo o que foi analisado e

explicado. Busca-se ressaltar a importância do emprego do institucionalismo histórico no caso

da atuação da OAB no contexto de crise do governo Collor em relação à literatura de ciência

política que examina essa organização de advogados.

Inicia-se afirmando que foi útil e necessária a aplicação do institucionalismo

histórico em relação a este estudo de caso, a atuação complexa da OAB em contextos de crise

política brasileira.

O primeiro motivo se refere ao embasamento teórico. Muitas pesquisas centram a

análise na atuação da OAB, ou seja, o bacharelismo político, a sociologia das profissões ou o

formalismo legal, porém, tais referências são passíveis de críticas. O bacharelismo considera o

papel dos juristas como atores políticos, parte da elite política em geral, mas não

especificamente da OAB como instituição e nem considera as relações entre o caráter técnico-

profissional e a atividade política dos bacharéis. Por sua vez, o profissionalismo jurídico

enfoca principalmente a atuação dos advogados como profissionais e da OAB como entidade

corporativa, compreendendo a atuação política da entidade apenas no que se refere às

interações necessárias da corporação com o Estado para garantia da autonomia profissional.

Por fim, o formalismo legal centra a análise da OAB em uma tipologia formal calcada em

uma percepção estática e não correspondente com a realidade, não dando conta da

complexidade ingênita à própria organização gestada em períodos de construção histórica.

Por isso, a escolha do institucionalismo histórico e dos conceitos analíticos

correlatos (path dependency, critical conjunctured e gradual change) foi produtiva e

relevante, elucidando dados importantes sobre a OAB, que são:

I. Permitiu o entendimento da OAB como instituição representante de uma

coletividade (de uma elite política ou de profissionais) e que atua no

cenário político;

II. Possibilitou compreender a complexidade da OAB e de sua atuação como

fruto de uma construção histórica, pois, sob tal enfoque, a instituição

121

passou por modificações institucionais em períodos de crise política,

notadamente a do regime militar e de redemocratização, e que se

estabilizaram, o que fomentou uma organização institucionalizada com

funções complexas – a corporativa e a institucional; e,

III. Entender que a configuração institucional resultante do processo histórico

da OAB estava presente e foi replicada no período de crise do governo

Collor.

Ou seja, é uma perspectiva teórica que possibilitou observar a OAB como ela é

concretamente, uma instituição complexa, que alberga ingenitamente o corporativismo e,

além disso, a atuação como membro da sociedade civil e como instituição com poder de

fiscalização sobre os atos do Estado.

Trata-se de uma percepção lastreada em uma observação “de fotografia em

movimento” que avalia o objeto pesquisado a se desenvolver ao longo do tempo e

devidamente inserido em um contexto histórico (PIERSON, 1994). Logo, que permite

perceber as modificações pelas quais a OAB passou e que não geraram novas instituições,

porém, a mesma que se desenvolveu institucionalmente.

Ao mais, tal referencial permitiu depreender que a estrutura institucional e

funcional complexa da OAB não imprimiu uma força de adequação rígida e cerrada em face

da agência. Conforme se examinou, as lideranças da OAB podem manuseá-la e aplicá-la na

realidade política de diferentes maneiras e seletivamente de acordo com os interesses políticos

em jogo.

A relação entre agência e estrutura institucional mostrou como as lideranças da

instituição agem, fato político relacionado ao bacharelismo e ao profissionalismo, que

convivem dentro da OAB. Quanto ao primeiro caso, verificou-se que, nos idos de 1930 a

1970, a OAB foi formada por lideranças que compunham uma elite política, que transitava

entre o Estado e a estrutura da organização, o que gerou um comportamento institucional

peculiar justamente por essa ligação (vide a não atuação inicial contra o governo Vargas e o

apoio à ditadura). Doutra parte, no que se refere ao segundo caso, também se observou que a

OAB, ao adentrar a seara política, traz consigo sua especificidade de ser uma instituição

formada por advogados, ou seja, uma atuação que aplica o saber jurídico-abstrato aos

problemas políticos.

Portanto, o institucionalismo histórico supera as demais vertentes teóricas, não

gerando uma análise facetada ou formal da OAB, mas, sim, de uma instituição complexa

122

inserida em um contexto político específico a ser guiada por lideranças que imprimem a

trajetória institucional.

Doutra parte, os dados obtidos indicaram que a mudança ou a estabilidade

institucional se efetivava mediante a articulação da presidência em relação ao fator externo, o

contexto político.

O regime jurídico que disciplinava as funções da presidência da OAB, a Lei n.º

4.215/ 1963 119

, determinava que cabia ao presidente da instituição exclusivamente convocar

o Conselho Federal, dar resolução às decisões institucionais (art. 9º, inciso III) 120

e

representar a OAB em juízo ou fora dele, incluindo o político (art. 9º, inciso I). 121

Nesse

sentido, tal regime jurídico outorgava à presidência o poder institucional de captar o

problema político, interiorizá-lo para debate no Conselho Federal e, por fim, executar no

mundo político a decisão institucional, representando a OAB. 122123

Portanto, esse disciplinamento todo o processo decisório da OAB nas mãos do

presidente da OAB, o qual poderia mudar trajetória institucional ou mantê-la sem sofrer

constrangimentos externos e institucionais, o que caracterizou a observação já feita por

TAYLOR (2008) e ALMEIDA (2005) no sentido que essa liderança da OAB atuava no

campo político com autonomia na sua ação institucional.

Entretanto, a mudança ou a manutenção da trajetória não ocorria a esmo.

Conforme afirmando e analisado na pesquisa, a presidência agia de acordo com o contexto

político e suas ações se baseavam em cálculos políticos (benefícios versus malefícios).

O quadro abaixo sintetiza essa informação.

Quadro n.º 11. Agência versus contexto político e cálculo político

Período Contexto Período de criação da OAB e

início do governo Vargas

(1930 - 1937)

Contexto político que permitiu a aproximação das lideranças com

o Estado. A OAB, assim, passou por mudança institucional de

organização corporativa para política.

Período do Estado novo

(1937 - 1943)

Contexto político de crise política com o golpe político de Vargas, mas que não trazia prejuízos à OAB, suas lideranças ou

advogados. Por isso, a instituição se retraiu e não lutou contra

violações de direitos fundamentais por não se tratar de interesses

119 Esse regime manteve os moldes institucionais do Decreto n.º 20.784/1931. 120 Cf. art. 9º, inciso III: “Compete ao Presidente da Ordem: (...) III - convocar e presidir o Conselho Federal e

dar execução às resoluções deste”. 121 Cf. art. 9º, inciso III: “Compete ao Presidente da Ordem: I - representar o Conselho Federal ativa e

passivamente, em juízo e fora dele”. 122 Cf. art. 9º, inciso I e III, da Lei n.º 4.215/ 1963. 123 Ao mesmo tempo, criava um vínculo de dependência do Conselho Federal em relação à presidência, cabendo a esta convocar o Conselho, propor a pauta e presidir as reuniões de deliberação.

123

corporativos.

Período do Estado novo

(1943 - 1945)

Contexto político desfavorável, pois advogados tinham suas

prerrogativas violadas pelo governo Vargas, o que fez com que a OAB atuasse contra tais violações em prol do interesse

corporativo.

Período de ditadura militar

Contexto político a surtir efeitos negativos à instituição ou aos

advogados, logo o papel da OAB foi modificado para a proteção

da instituição (e da classe de advogados), integrando-a junto da sociedade civil e contra o regime militar.

Período de redemocratização

Contexto político pró-Constituinte a surtir efeitos positivos à

instituição, que fez com que as lideranças da OAB mantivessem a

trajetória institucional iniciada em 1970 e conquistaram com tal

opção a oportunidade de apresentar projetos à Constituinte, os quais foram aprovados e configuraram a organização como uma

instituição com poder de fiscalização das demais instituições

públicas (proposição da ações direta de inconstitucionalidade).

Primeiro período de crise do

governo Collor

Contexto político desfavorável à instituição e sem prejuízos

imediatos, mas que poderia surtir efeitos prejudiciais à mesma, aos advogados e à sociedade, assim a OAB teve mantida a

trajetória institucional sedimentada do período de

ditadura/redemocratização.

Segundo período pró-

impeachment de Collor

Contexto político favorável a OAB e contrário a Collor, logo, a

organização agiu mantendo a estabilidade institucional.

Fonte: elaborado pelo autor.

Ou seja, o que fazia a presidência mudar a trajetória institucional ou mantê-la era

o fator exógeno, o contexto. Dependendo de como o contexto político estava em relação à

OAB ou à advocacia, o presidente imprimia modificações ou se mantinha na trajetória

institucional sedimentada.

Pode-se concluir disso, e agora com mais respaldo, que a OAB possui uma ação

institucional reativa, no sentido de agir depois de provocada pelo contexto de crise política e,

diante de tal ponto, as lideranças determinam a ação institucional correspondente

(modificação ou manutenção da trajetória dependente) com base em um cálculo político.

Por outro lado frisa-se o seguinte problema: a análise acima ilumina o fenômeno

da modificação ou manutenção institucional tendo por foco o exercício da presidência

individualmente falando, ou seja, cada presidência no exercício de sua função instituição, o

que não explica quando a estabilidade é seguida por várias lideranças.

A resposta a essa questão também foi explorada na pesquisa. Refere-se ao regime

de alternância na presidente, pois cada presidente era eleito a cada dois anos (art. 7º, parágrafo

2º, da Lei n.º 4.215/63). Entretanto, esse regime de eleição obrigava o sucessor a “receber a

herança institucional do presidente anterior”, caracterizada por decisões institucionais

124

tomadas, funções institucionais modificadas ou estabilizadas e articulações políticas

estabelecidas.

Em suma, o presidente eleito seguia a trajetória institucional do seu antecessor,

pois, uma vez estabilizada, ocorria o fenômeno institucional do autorreforço (feedbacks

positivos). Por isto, que, no período de 1985 a 1989, a trajetória institucional iniciada pelo ex-

presidente José Ribeiro Castro Alves em 1973 foi mantida. Os presidentes subsequentes, ao

estarem diante de um contexto político favorável, seguiram essa trajetória anterior e a OAB

atuou como membro da sociedade civil em prol da redemocratização, fato este constatável nas

gestões de Caio Mário da Silva Pereira(1.4.75 a 1.4.77), Eduardo Seabra Fagundes(1.4.79 a

31.3.81), Bernardo Cabral (1.4.81 a 3.4.83), Hermann Assis Baeta(1.4.85 a 31.3.87), Márcio

Thomaz Bastos (1.4.87 a 1.4.89), Ophir Filgueiras Cavalcante (1.4.89 a 1.4.91) e Marcello

Lavenère Machado (1.4.91 a 1.4.93).

Salientados esses pontos, ressalta-se, por último, outro aspecto contributivo: –

análises para um construto analítico apto ao exame da ação institucional da OAB em

contextos de crise política.

Os conceitos analíticos do institucionalismo histórico demandaram o exame de

certos aspectos do mundo político, que são: path dependency (indica a análise do fator

institucional, ou estrutura, em uma instituição); critical conjunctured (indica o exame do

contexto político no qual a instituição está inserida); e, por fim, o gradual change (aponta

para o exame da agência perante a estrutura institucional).

A aplicação de tais conceitos determinou uma análise trifacetada do problema

pesquisa e se constatou um fenômeno comum e constante: a ação institucional da OAB é

condicionada à articulação entre o contexto político crítico e a ação das lideranças da OAB.

Portanto, trata-se de um construto capaz de analisar o processo de

desenvolvimento institucional da OAB em contextos de crise política, podendo servir para o

exame em outros contextos políticos ainda não observados.

Entretanto, não se pode afirmar que essa análise trifacetada seja aplicável à

atuação da OAB em períodos de estabilidade política, pois está no cerne do construto o

exame da atuação institucional em conjunturas críticas. Claro que, se a atuação da OAB é

reativa, pode-se se deduzir que em contextos de estabilidade política a instituição se manteria

125

passiva, mas se trata de uma hipótese a ser testada, não cabendo afirmações sem provas

empíricas a respeito.

Dessa forma, essas são as contribuições desta pesquisa ao âmbito acadêmico em

ciência política.

126

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