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    A ONU aos 60 - Artigo do Embaixador Celso Amorim, Ministrodas Relaes Exteriores, publicado na "Revista Poltica

    Externa", vol. 14

    In 2005, the United Nations is commemorating its sixtieth anniversary.Representatives from its 191 Member-States, including close to 170 Chiefs of Stateand of Government, will meet in New York in September next, to participate in theHigh Level Session convened by the Organization"s Secretary-General, Kofi Annan.The occasion will afford an exceptional opportunity to reflect on how the internationalcommunity may take joint action in order to promote peace and development withsocial justice. The present scenario, characterized by new or persistent threats toglobal stability ^ from poverty and hunger to terrorism; from environmentaldegradation to the continuing presence of weapons of mass destruction demands asense of urgency in strengthening the multilateral system.

    Em 2005, as Naes Unidas comemoram sessenta anos. Representantes dos 191membros da Organizao, entre os quais cerca de 170 chefes de Estado e degoverno, devero estar em Nova York, no prximo ms de setembro, para participar

    da Sesso de Alto Nvel convocada pelo secretrio-geral da Organizao, Kofi Annan.Ser uma excepcional oportunidade para reflexo sobre como a comunidadeinternacional pode agir conjuntamente para promover a paz e o desenvolvimentocom justia social. O cenrio atual, caracterizado por novas ou persistentes ameaas estabilidade global - da pobreza e da fome ao terrorismo; da degradao ambiental continuada existncia de armas de destruio em massa - exige um sentido deurgncia para o fortalecimento do sistema multilateral.

    Criada em 1945, para evitar a repetio da experincia traumtica de duas guerrasmundiais, a ONU continua sendo a organizao internacional por excelncia.

    Reunindo a maioria absoluta dos pases em torno do objetivo comum de promover apaz, a Organizao contribuiu de maneira significativa, durante sessenta anos, parauma ordem internacional fundamentada no direito.

    Profundas mudanas, contudo, alteraram o cenrio internacional ao longo dasltimas seis dcadas. A ONU foi criada por 51 Estados (entre os quais o Brasil), querepresentavam a quase totalidade dos pases independentes na poca. O aceleradoprocesso de descolonizao dos anos 1960 e 1970 e a mais recente onda defragmentao de certos Estados (entre os quais a antiga Unio Sovitica e aIugoslvia) elevaram o nmero de Estados soberanos. Hoje, a ONU possui 191

    membros, a grande maioria pases em desenvolvimento.Ao mesmo tempo, a agenda internacional evoluiu e ampliou-se. Discutem-se, hoje,em foros internacionais, assuntos to diversos como meio ambiente, tecnologias dainformao, direitos humanos ou o combate fome e pobreza. Questes como a

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    manuteno da paz e da segurana internacionais adquiriram novos contornos, sejapela natureza interna de alguns dos conflitos, seja pelo envolvimento de atores noestatais.

    O sentimento de que a ONU precisa se adaptar a novos tempos e novas realidadesgeopolticas ganhou impulso depois da interveno militar contra o Iraque, em marode 2003. Antes disso, durante os doze anos que separaram a primeira da segunda

    Guerra do Golfo, o Conselho de Segurana tinha utilizado grande parte de seusinstrumentos na conteno do regime iraquiano, entre os quais a autorizao para ouso da fora e as mais abrangentes sanes j impostas a um pas. Havia tambmexplorado novas modalidades de ao, como a verificao do desarmamento, paraque o Iraque de Saddam Hussein no constitusse uma ameaa para a seguranaregional e global. No este o local para uma anlise mais aprofundada dosresultados da ao do Conselho no Iraque, de 1990 a 2003. Mas parece corretoafirmar que o Conselho de Segurana conseguiu impedir que o regime de Saddammantivesse e/ou desenvolvesse seus programas de armas de destruio em massa.

    Ao contrrio da primeira Guerra do Golfo (1991), a interveno do incio de 2003 nofoi avalizada pelo Conselho de Segurana. A incapacidade do Conselho demanifestar-se e sua marginalizao do processo de tomada das decises queconduziram ao militar contra o Iraque tornaram mais ntida a percepo de umdesequilbrio entre a estrutura do Conselho e as funes que deve desempenhar,expondo assim suas limitaes em responder aos desafios do mundo atual. Osecretrio-geral da ONU, Kofi Annan, interpretou o sentimento cada vez maisgeneralizado entre os membros da ONU de que a Organizao precisavaatualizar-se, convocando um Painel de Alto Nvel sobre Ameaas, Desafios eMudanas, encarregado de apresentar propostas para o fortalecimento do sistemade segurana coletiva das Naes Unidas. Em maro de 2005, Annan publicou seu

    relatrio "Um conceito mais amplo de liberdade", no qual defende uma ampla revisona estrutura da Organizao. Alm do relatrio do Painel de Alto Nvel, ele aproveitouelementos do relatrio do Projeto "Millennium", que desenvolveu um programa deao para a implementao do conjunto de objetivos de desenvolvimentoestabelecidos na Cpula de 2000, as chamadas Metas de Desenvolvimento doMilnio.

    A reunio de Cpula dos Estados membros de setembro adquire, nessas condies,ressonncia histrica. Nas palavras de Kofi Annan, "cabe a ns decidir se essemomento de incerteza pressagia o aumento dos conflitos, o aprofundamento da

    desigualdade e a eroso do Estado de Direito, ou se ser usado para renovar nossasinstituies comuns para promover a paz, a prosperidade e os direitos humanos".

    Na Sesso Plenria de Alto Nvel da Assemblia Geral da ONU, de 14 a 16 desetembro de 2005, os lderes mundiais tero diante de si uma agenda ampla ecomplexa. Trata-se, em grandes linhas, de repensar a relao entre trs pilares:segurana, desenvolvimento e direitos humanos. Na rea de segurana, necessrioatualizar o sistema de segurana coletiva; a questo do desenvolvimento inclui ocombate pobreza e a consecuo das Metas do Milnio at 2015; e o tema dosdireitos humanos ganhar relevo especial com a proposta de criao de um Conselho

    de Direitos Humanos. As decises a serem tomadas nos prximos mesesdeterminaro a capacidade de as Naes Unidas continuarem a cumprir os objetivose princpios da Carta sob um enfoque contemporneo.

    Um novo conceito de segurana coletiva

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    A noo de segurana coletiva tende a evoluir ao longo do tempo. Articuladajuridicamente pela primeira vez no Pacto da Liga das Naes (Artigos 10 e 16), aidia de que a integridade e a independncia de cada Estado devem ser asseguradaspor todos os outros conheceu momentos de maior ou menor relevncia ao longo dosculo XX. Sua formulao mais elaborada encontra-se na Carta das Naes Unidas,que, em seu Captulo VII, estabelece as condies para a autorizao do uso da

    fora para preservar a paz.O reconhecimento da interconexo entre diferentes ameaas paz em um mundoglobalizado levou o secretrio-geral da ONU a defender um conceito mais abrangentede ameaas segurana, que inclua no apenas conflitos internacionais de formatoclssico, mas tambm a "violncia civil, o crime organizado, o terrorismo e as armasde destruio em massa, a pobreza, as doenas contagiosas, entre outras". Aomesmo tempo, Kofi Annan enfatiza a necessidade de se estimular uma cultura depreveno, a qual deve incluir o combate fome e pobreza e a promoo dodesenvolvimento sustentvel.

    O Brasil privilegia um sistema de segurana coletiva verdadeiramente multilateral,em que a fora militar seja contemplada como ltimo recurso, uma vez esgotadostodos os esforos diplomticos. Sabemos, por experincia, que a paz mundial posta em xeque por atores dotados de vultosos armamentos e meios econmicos, oque obriga a comunidade internacional a trabalhar seriamente pelo desarmamento eno-proliferao. Por outro lado, a maioria dos conflitos, hoje, ocorre em pasesfragilizados econmica e socialmente, e seria um erro ignorar a inter-relao entreelementos econmicos e sociais, e situaes de insegurana. A ao do Brasil,portanto, tem-se pautado pela defesa de uma abordagem mais ampla para asquestes de segurana, que envolva, alm do Conselho de Segurana, outras

    instncias da ONU, particularmente o Conselho Econmico e Social (Ecosoc).

    O caso do Haiti ilustrativo. Entre as consideraes que levaram o governobrasileiro a decidir assumir o comando da Misso das Naes Unidas para aEstabilizao do Haiti (Minustah), est a convico de que se trata de uma operaode paz diferente. Em nosso entendimento, a ao da ONU no Haiti deve assentar-seem um trip: a estabilizao do pas; a promoo do dilogo entre as diversasfaces polticas e a capacitao institucional, social e econmica. No haver pazduradoura no Haiti se no adotarmos essa perspectiva integrada.

    A sugesto do secretrio-geral de criao de uma Comisso de Construo da Pazvisa apoiar o processo de transio de conflito para uma paz duradoura em cenriosde fragilidade socioeconmica e institucional. Preocupado com a inexistncia de umainstncia para auxiliar pases recm-sados de conflito, Annan sugere maior atenoa setores, como a recuperao institucional e o financiamento da reconstruo. OBrasil apia o estabelecimento da Comisso.

    Acreditamos, contudo, que esta deva se ocupar tambm da preveno de conflitos,desde que solicitada pelo pas afetado. Um exemplo claro da necessidade de apoiopreventivo da Comisso o da Guin-Bissau, onde a recorrncia de situaes de

    instabilidade agrega um componente dramtico situao de extrema pobreza damaioria da populao.

    Uma agenda mais ampla de desenvolvimento

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    O objetivo de colocar o tema do desenvolvimento no topo da agenda internacional um dos elementos que orientam a atuao externa do Brasil. No governo dopresidente Lula, o tema ganhou relevncia ainda maior, em consonncia com aprioridade atribuda ao combate fome e pobreza em mbito nacional. Depois dereunir mais de cinqenta lderes mundiais, na sede da ONU, em 20 de setembro de2004, o Brasil vem chamando a ateno para a necessidade de solues inovadoraspara o financiamento do desenvolvimento e, em particular, para o combate

    pobreza extrema. As estimativas mais conservadoras indicam ser necessrio oaporte adicional de, pelo menos, US$ 50 bilhes ao ano para que as Metas deDesenvolvimento do Milnio possam ser cumpridas dentro do prazo previsto, em2015.

    Para alm do compromisso - ainda no cumprido - dos pases desenvolvidos dedestinarem 0,7% de seu PIB para a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento, sonecessrios recursos financeiros adicionais. Mais do que isso, recursos de melhorqualidade, que sejam canalizados de forma estvel e previsvel para investimentosde longo prazo nos pases que mais necessitam. O Grupo de Trabalho sobreMecanismos Inovadores de Financiamento, criado no mbito da Ao Internacionalcontra a Pobreza e a Fome, e que rene Brasil, Frana, Chile, Espanha, Alemanha eArglia, vem estudando uma srie de opes. Trabalha-se com alternativas queenvolvem desde esquemas relativamente simples de contribuio voluntria, com aparticipao do setor privado, at esquemas mais complexos de taxas aplicadasnacionalmente e coordenadas internacionalmente sobre operaes financeiras ebilhetes areos internacionais. Apesar de diferentes no formato, escopo e tempo dematurao poltica, todos os mecanismos tm em comum o fato de estarembaseados na racionalidade econmica, alm de procurarem interferir o mnimopossvel no funcionamento dos mercados.

    Ao mesmo tempo, o Brasil promove a idia de aes de cooperao entre pases doSul, que compartilham realidades e desafios de natureza similar. Durante a XIUnctad, realizada em So Paulo, em junho de 2004, promovemos uma nova rodadade negociaes no mbito do Sistema Geral de Preferncias Comerciais entre pasesem desenvolvimento. Juntamente com a frica do Sul e a ndia, lanamos o Fundo"Ibas" de combate pobreza e fome, destinado a financiar projetos de cooperaoem pases de menor desenvolvimento relativo. A coordenao entre pases emdesenvolvimento reunidos no G-20, no mbito da Organizao Mundial do Comrcio,vem demonstrando que a articulao entre pases do Sul, com especial interesse emagricultura, fundamental para que suas reivindicaes legtimas sejam

    consideradas em negociaes multilaterais de comrcio como as da Rodada deDoha. Tambm estamos engajados na promoo de acordos comerciais entre pasesem desenvolvimento, que podem servir de instrumento para a ampliao dascorrentes de comrcio entre os pases do Sul.

    A consecuo das oito Metas do Milnio, o conjunto de metas definidas pelosEstados-membros no ano 2000, no esgota a questo do desenvolvimento. Osresultados da srie de grandes conferncias patrocinadas pela ONU ao longo dosanos 1990 tambm contriburam para a consolidao de uma viso mais ampla dedesenvolvimento. Conceder maior destaque ao tema na agenda e na estrutura da

    ONU , finalmente, uma decorrncia natural do conceito de segurana coletivaexpandido defendido pelo secretrio-geral.

    Maior destaque para os direitos humanos

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    O Brasil tem renovado seu compromisso com os direitos humanos, a democracia e oEstado de Direito. Somos signatrios dos principais tratados e temos trabalhadoconjuntamente com todos os organismos internacionais de promoo e proteo dedireitos humanos. A participao do Brasil na Comisso de Direitos Humanos dasNaes Unidas, quase ininterrupta desde 1978, pauta-se pelo mesmo objetivo deconstruir consensos em favor do aprimoramento do sistema internacional de direitoshumanos. O Brasil, nesse sentido, tem manifestado preocupao com a seletividade

    e a politizao que tm comprometido a credibilidade e a eficincia da Comisso,questes que espera ver superadas na reforma.Na busca de avanos na promoo e proteo dos direitos humanos no mundo, oBrasil tem tomado iniciativas visando evoluo do arcabouo conceitual e dosinstrumentos disposio da comunidade internacional. Um exemplo o projeto deresoluo que afirma a incompatibilidade entre a democracia e o racismo,apresentado na Comisso de Direitos Humanos, desde 2000, e, mais recentemente,na Terceira Comisso da Assemblia Geral da ONU. A resoluo brasileira condena aexistncia de partidos polticos com plataformas racistas, e alerta a comunidadeinternacional contra a possibilidade de que tais partidos venham a ser conduzidospara o poder numa democracia. Na esfera regional, o Brasil tem impulsionado, naOrganizao dos Estados Americanos, a discusso sobre a elaborao de umaConveno Interamericana contra o Racismo e toda Forma de Discriminao eIntolerncia, com o objetivo de ampliar e aprofundar, nas Amricas, o combate aoracismo e a promoo da igualdade racial.

    O Brasil tambm tem sido defensor ativo do princpio de que a luta contra oterrorismo no pode ser travada s expensas dos direitos e das liberdades quefundamentam o Estado de Direito. As situaes de graves violaes de direitoshumanos, sejam civis e polticos, sejam econmicos, sociais e culturais, muitasvezes esto entre as causas profundas do terrorismo. A "relativizao" de direitos e

    liberdades fundamentais em prol da luta antiterrorista, portanto, alm de violatriadas obrigaes internacionais de direitos humanos dos Estados, seriacontraproducente.

    Reconhecemos a inter-relao entre o respeito aos direitos humanos, e a promoodo desenvolvimento e da segurana internacional, o que nos leva a defender oaperfeioamento do sistema de direitos humanos das Naes Unidas. Uma maneirade lograr esse objetivo atribuir Alta Comissria para Direitos Humanos mandatopara elaborar um relatrio global sobre a situao dos direitos humanos no mundo.A independncia e legitimidade inerentes a um relatrio dessa natureza, alm de

    reforarem o multilateralismo e o princpio da universalidade no acompanhamentodos direitos humanos em todo o mundo, contribuiriam para garantir a efetividade ecredibilidade do sistema, reduzindo o risco de seletividade e politizao indevida.

    A criao de um Conselho de Direitos Humanos est em sintonia com a polticaexterna brasileira de prevalncia dos direitos humanos. A prioridade a ser concedidaao tema no mbito das Naes Unidas deve ser equivalente que se concede paze segurana e ao desenvolvimento. Parece prematuro, entretanto, estabelecer oConselho de Direitos Humanos como rgo principal da Organizao j nesseprimeiro momento. Poder-se-ia contemplar sua vinculao direta Assemblia-Geral

    e proceder a um processo de reviso em quinze anos.

    Estrutura das Naes Unidas

    O objetivo de atingir progressos nas trs reas citadas requer uma atualizao da

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    estrutura das Naes Unidas. Na viso do secretrio-geral, trs cursos de aoseriam necessrios: (I) a revitalizao da Assemblia Geral; (II) a reforma dos doisConselhos existentes - o Conselho de Segurana e o Conselho Econmico e Social(Ecosoc) - e a criao de um Conselho de Direitos Humanos; e (III) a reforma doSecretariado.Cabe Assemblia Geral, rgo que rene a totalidade dos Estados-membros, umpapel central na orientao poltica das Naes Unidas. A Assemblia foi, por

    exemplo, responsvel pela criao do Estado de Israel, em 1947. Foram tambm aliconsolidados conceitos importantes como o direito inalienvel autodeterminaodos povos e a universalidade dos direitos humanos. A crescente abrangncia de suaagenda e a estrutura de suas comisses, contudo, levaram a que, paulatinamente,as deliberaes da Assemblia se fossem burocratizando. H amplo consenso quanto necessidade de dotar a Assemblia Geral de maior eficcia. O secretrio-geralprope que o rgo se concentre em grandes temas substantivos da conjunturaatual, como a migrao internacional e a discusso de uma conveno abrangentesobre terrorismo. Assuntos como desarmamento poderiam ser includos nessaagenda.

    No se pode ignorar, alm disso, o papel que a Assemblia Geral desempenhouhistoricamente, atuando no lugar do Conselho de Segurana quando este se viaparalisado pelo veto de um dos membros permanentes. A Resoluo 377, tambmconhecida como "Uniting for Peace", permite que a Assemblia Geral realize sessesde emergncia quando o Conselho de Segurana mostrar-se incapaz de agir diantede atos de agresso ou de ameaa paz e segurana internacional. Ainda que acondenao, por parte da Assemblia, no seja juridicamente vinculante, ela oferececobertura poltica para posies defendidas por uma maioria dos Estados-membros.

    A renovao do Conselho Econmico e Social, rgo com mandato para a reviso de

    polticas e estratgias de promoo do desenvolvimento e para a coordenao dasatividades das agncias especializadas, deve equip-lo para desempenhar um papelmais estratgico na formulao e implementao de polticas coerentes dedesenvolvimento. Para tanto, o Ecosoc necessitar de agenda e estrutura maisflexveis, alm de atuar em coordenao mais estreita com o Conselho deSegurana, em particular no exame das razes sociais e econmicas dos conflitosatuais. O Ecosoc, contudo, no deve estar limitado coordenao de atividades dosistema das Naes Unidas. importante buscar recuperar seu papel de inspiradorde outras organizaes no aprimoramento da relao economia/desenvolvimento.

    A reforma do Secretariado e a promoo de maior coordenao do sistema dasNaes Unidas so tambm necessrias, na medida em que delas depende aadequada implementao dos mandatos determinados pela Assemblia Geral eoutras instncias deliberativas da ONU.

    Grande parte das atenes volta-se para a reforma do Conselho de Segurana,rgo encarregado de assegurar a paz e a segurana internacionais. Na verdade,como ressalta o secretrio-geral Kofi Annan, nenhuma reforma da ONU estarcompleta sem a expanso do Conselho e a atualizao de seus mtodos de trabalho.Ao ser estabelecido, em 1945, o Conselho de Segurana reunia o grupo de pases

    vencedores da Segunda Guerra Mundial (Estados Unidos, Frana, Reino Unido,Rssia e China) e mais seis pases eleitos pela Assemblia Geral. Em 1963, oConselho de Segurana foi ampliado para quinze membros, com a incluso de quatronovos assentos no-permanentes, formato que permanece at hoje. No atualdebate, est em pauta a questo da ampliao eqitativa do Conselho. Tambm se

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    discute uma ampliao das atribuies do rgo, para ocupar-se de temas comono-proliferao e combate ao terrorismo. Por trs dessas questes est o problemade como dotar o rgo de maior eficcia e legitimidade, de modo que suas decisessejam respeitadas pela comunidade internacional.

    A percepo de que a presente composio do rgo no mais representaadequadamente a realidade atual vem ganhando corpo h mais de uma dcada.

    Anos de debates no Grupo de Trabalho criado para analisar o tema no conduziram aum consenso sobre como proceder atualizao da composio e dos mtodos dorgo, ainda que esses objetivos sejam declaradamente compartilhados por todos.

    A segunda Guerra do Golfo (2003), decidida margem do Conselho de Segurana,parece ter reavivado, na comunidade internacional, o temor de que o paulatinoenfraquecimento da autoridade do Conselho pudesse conduzir a um unilateralismoexacerbado. A idia de atualizar o Conselho de Segurana recebeu, a partir de ento,um impulso poltico sem precedentes.

    As primeiras sugestes concretas emergiram dos debates do Painel de Alto Nvelsobre Ameaas, Desafios e Mudanas, que reuniu dezesseis personalidadesinternacionais ao longo de 2004. Seu relatrio final apresenta dois modelos dereforma do Conselho: o primeiro, conhecido como modelo A, prope a criao deseis novos assentos permanentes (dois para a frica, dois para a sia, um para aEuropa e outros e um para a Amrica Latina e o Caribe) e trs no-permanentes; osegundo, ou modelo B, limita a expanso a assentos no-permanentes ou elegveis(oito assentos com direito a reeleio e um assento nos moldes atuais). Ambas aspropostas prevem um Conselho composto por 24 pases.

    Em seu relatrio sobre a reforma das Naes Unidas, o secretrio-geral Kofi Annan

    limita-se a apresentar as propostas delineadas pelo Painel, sem optar por qualquerdos dois modelos. Faz, contudo, duas observaes importantes. Em primeiro lugar,sugere que uma deciso sobre o assunto deve ser tomada antes da Cpula desetembro de 2005. Mais importante do que isso, afirma que a incapacidade de selograr consenso sobre o tema no deve servir de "desculpa para adiar a deciso".

    irrealista pensar que uma questo de tamanha transcendncia possa ser resolvidapor consenso. J em sua criao, dispositivos importantes das Naes Unidas, comoo direito de veto dos membros permanentes do Conselho, no foram adotados porconsenso. A ampliao do Conselho de onze para quinze membros em 1963

    tampouco logrou apoio universal. Apesar de folgada maioria a favor, a Resoluo1991 (XVIII) recebeu onze votos contrrios, entre os quais os de dois membrospermanentes, a Frana e a ento Unio Sovitica. Os Estados Unidos e o ReinoUnido abstiveram-se. Isto no impediu que fosse posteriormente ratificada pelosParlamentos dos cinco membros permanentes.

    O Brasil, cuja candidatura a membro permanente foi seriamente considerada em1945 - com o apoio do presidente Roosevelt - tem defendido a necessidade de umConselho de Segurana renovado, que reflita a emergncia de pases emdesenvolvimento como atores globais. Nossa percepo de que, tal como hoje

    composto, o Conselho incapaz de articular uma viso equilibrada e inclusiva daordem internacional que reflita de forma satisfatria as percepes do mundo emdesenvolvimento.

    Em 2004, o Brasil uniu-se ao Japo, Alemanha e ndia - um grupo conhecido

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    como G-4 - para desenvolver conjuntamente uma proposta capaz de aumentar arepresentatividade do Conselho, tornando-o mais democrtico. Partiu-se dapremissa de que o estabelecimento de um equilbrio de foras que melhor reflita oconjunto dos Estados-membros aprimorar a capacidade de resposta do rgo. Paratanto, necessrio incorporar grandes pases em desenvolvimento, com credenciaisterritoriais e demogrficas, capacidade de articulao diplomtica e contribuioconsistente e significativa para a paz e a segurana internacionais.

    O projeto de resoluo apresentado pelo Grupo Assemblia Geral da ONU noltimo dia 11 de julho prope a expanso do Conselho de Segurana de quinze para25 membros, com a incluso de seis novos membros permanentes (dois da frica,dois da sia, um da Amrica Latina e do Caribe e outro da Europa Ocidental eoutros) e quatro no-permanentes (um para a frica, um para a sia, um para aAmrica Latina e Caribe e um para a Europa Oriental). Os entendimentos mantidosno final de julho com pases africanos indicaram que a incluso de um assentono-permanente adicional, a ser ocupado alternadamente pelas regies do mundoem desenvolvimento, permitiria alcanar a maioria necessria. A viso bsica dosafricanos, que fizeram grandes esforos para buscar uma posio regional,apresentava muitos pontos em comum com a proposta do G-4, tornando possvel abusca de tal convergncia.

    O projeto do G-4 tambm determina que a delicada questo do direito de veto sejadiscutida em um momento futuro, e sugere uma reviso da reforma em quinze anos.A idia de uma reviso importante, pois permite que o formato e as prticas doConselho evoluam de acordo com a realidade internacional, que o rgo deverefletir. A geopoltica do mundo pode mudar muito em poucas dcadas e at mesmoformas diferentes de representao no Conselho podero vir a ser consideradas,inclusive as de natureza regional. Esse momento ainda no chegou.

    No momento em que escrevo, o debate em torno da reforma encontra-se em umaetapa decisiva. A apresentao do projeto de resoluo do G-4 sobre a reforma doConselho de Segurana abriu o debate sobre o tema na Assemblia Geral.

    Aproxima-se a Cpula de setembro, quando os Estados-membros estaro reunidospara tomar uma srie de decises que determinaro a estrutura e os meios com quecontaro as Naes Unidas para cumprirem seus objetivos. Como bem alertou osecretrio-geral Kofi Annan, a janela de oportunidade oferecida por este momentopode no permanecer aberta durante muito tempo. Independentemente dosresultados desse processo, porm, a questo de tornar o Conselho de Segurana

    mais democrtico e legtimo continuar presente e vai requerer constante ateno dacomunidade internacional.

    No pequeno o desafio que tm pela frente os integrantes das Naes Unidas.Existe uma crescente conscincia de que a ONU corre o risco de ver sua influnciaerodida na ausncia de uma reforma. Ao permanecer como est, a Organizao estsujeita a perder dinamismo ou, pior, a se tornar irrelevante.A escolha que a comunidade internacional tem diante de si, portanto, no simplesmente uma escolha entre fazer ou no a reforma. Trata-se de decidir se dointeresse da maioria dos Estados que uma organizao como as Naes Unidas siga

    funcionando como garantia de uma ordem internacional estvel e capaz de promovero desenvolvimento de todos os seus membros, em condies de liberdade.

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    Palcio Itamaraty, Braslia Telefones: (61) 3411-6160 / 8006 / 8007Fax: (61) 3411-8002 / 8017 [email protected]

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