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EDUARDO LUIZ VIVEIROS DE FREITAS FOLHETINS E MÁSCARAS a obra de França Júnior Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, sob orientação do Prof. Dr. Miguel Chaia. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS 2002

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EDUARDO LUIZ VIVEIROS DE FREITAS

FOLHETINS E MÁSCARAS

a obra de França Júnior

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção

do título de Mestre em Ciências

Sociais, sob orientação do Prof. Dr.

Miguel Chaia.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM

CIÊNCIAS SOCIAIS

2002

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Professores, amigos, colegas, seres especiais, a instituição. Por onde começar? A

ordem não significa precedência, mas, no caso do primeiro nomeado, reconhecimento,

gratidão.

Ao professor Miguel Chaia, meu orientador, pela paciência, generosidade e

incentivo constantes. É uma honra caminhar ao lado de um intelectual que “vê, diz,

ouve e sente” como poucos, e receber sua orientação, a palavra amiga, o carinho.

À professora Vera Chaia e colegas de buscas no NEAMP, Núcleo de Estudos em

Arte, Mídia e Política da PUC/SP.

Aos meus amigos e colegas na PUC/SP, em especial Anselmo (meu segundo

irmão), Chico, José Carlos, Marta, a turma do “escritório”, Sergio Rezende e Equipe do

TUCA, ao professor Nagamine, Helena, Lúcia... e a tantos outros, agradeço pelos anos

de convívio, aprendizado, amizade e incentivo.

Ao meu amigo Pablo Moreira, diretor, por ter me apresentado o Teatro.

À Lélia Abramo, atriz, lutadora, pela palavra amiga e sábia, na vida e na arte.

À Celina, pelo apoio e amizade constantes, desde o primeiro momento, e pelo

paciente trabalho de revisar o texto. Meu carinho e gratidão.

À minha família (Luiz, Rosa, Lourdes, Maurício e Carolina), por me trazer o

sentimento de pertencer, ser querido como filho e irmão, e por ter compreendido minhas

ausências. Aos amigos do futebol, por terem cobrado a minha presença!

Agradeço também ao CEPE, Conselho de Ensino e Pesquisa, pela concessão de

horas-pesquisa no ano de 1998.

Ao Luis e demais funcionários da Academia Brasileira de Letras, pela atenção

com que fui recebido. Aqui está o resultado.

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RESUMO

A pesquisa contempla as áreas do teatro e da política, propondo como objeto a

obra literária e dramatúrgica de França Júnior (José Joaquim da França Júnior, 1838-

1890).

Este autor cria uma dramaturgia consistente e produz num gênero híbrido de

jornalismo e literatura – o folhetim, nos quais se expressam várias dimensões da

sociedade brasileira, mais especificamente da sociedade carioca ou da Corte Imperial,

da segunda metade do século XIX.

Nos folhetins é possível fazer a leitura do pensamento e da crítica social de

França Júnior, na apresentação metafórica da realidade como registro histórico e análise

social (os devaneios sociológicos feitos nos folhetins).

Quanto às peças, buscou-se na análise das estruturas e dos elementos internos, o

entendimento das seqüências de cenas e diálogos, não só na relação com a sociedade,

mas também do ponto de vista da estrutura dramática.

A elaboração das carapuças, por França Júnior, com recortes do tecido social,

cultural e político, elementos do mundo real, “costurados” com as técnicas e convenções

do teatro, da comédia de costumes, gera uma articulação de símbolos, no palco, que (re)

inventa o Brasil pela paródia, caricatura, sátira. Sua crítica tem como referência uma

sociedade burguesa, moderna, civilizada, de inspiração européia, que ele não vê ocorrer

na sociedade da Corte Imperial.

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ABSTRACT

This research focus on the area of theatre and politics, using the literacy and

dramatic work of França Júnior as the object (José Joaquim da França Júnior, 1838-

1890).

This author creates a consistent dramaturgy and produces in a hybrid of

journalism and literature – the “folhetim”, in which several dimensions of the Brazilian

society of the second half of the 19th

century, more specifically the Imperial Court of

Rio de Janeiro society, are expressed.

In the “folhetins” it is possible to interpret França Junior´s thought and social

criticism, from the metaphorical presentation of reality as a historical record and social

analysis (the “sociological day dream” made in the “folhetins”).

As for the plays, the understanding of the scenes and dialogues were sought in

the analysis of the structures and the internal elements, not only in the relation with the

society but also from the drama structure standing point.

França Junior´s “carapuças”, elaborated with patches from the social, cultural

and political tissue - elements from the real world “tied” with the technique and

conventions of the theatre, of the situational comedy, generates an articulation of

symbols on the stage which (re) invents Brazil by means of the parody, the caricature,

the satire. The reference for his criticism is a bourgeois, modern, civilized society, from

European inspiration, opposite to the one present in the Imperial Court.

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Sumário

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 001

PEÇAS TEATRAIS: ................................................................................................................. 010

FOLHETINS: ......................................................................................................................... 011

I º CAPÍTULO - UMA ÉPOCA E UMA GERAÇÃO PROCURAM O BRASIL ............. 017

2 º CAPÍTULO - FOLHETINS: A REAL FICÇÃO ............................................................ 035

CIDADE(S) .......................................................................................................................... 038

COSTUMES ........................................................................................................................ 051

POLÍTICA: .......................................................................................................................... 055

3 º CAPÍTULO - TEATRO: A REAL REPRESENTAÇÃO ............................................... 077

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 138

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 147

ANEXOS

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APRESENTAÇÃO

O riso pode, certas vezes, constituir excelente

educação do olhar. Por estranho que pareça, com

freqüência o desmascarar não está em ir atrás, mas

simplesmente em apontar a máscara, o jogo.1

Sempre me atraíram os mistérios da política, mas algo no seu interior intrigava-

me, despertando a curiosidade: o jogo, a encenação, as máscaras, o poder em cena.

Unindo minha formação como cientista social na Universidade de São Paulo a vivências

práticas do teatro, em peças universitárias, oficinas, festivais e cursando disciplinas na

Escola de Comunicação e Artes da USP (Departamento de Artes Cênicas), começou a

surgir uma preocupação intelectual, uma suspeita, a possibilidade de encontrar um

caminho, a partir deste cruzamento, para chegar ao desvendamento dos mistérios da

realidade política.

A leitura do artigo “A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel”2

contribuiu para materializar esta busca e para estabelecer o tema desta dissertação. Este

texto também foi utilizado como ponto de partida para o artigo “Teatro e Política: em

busca do elo perdido”, que publiquei em 19973, reafirmando os parâmetros da

“aproximação entre arte e política” e da “proximidade entre indivíduo e poder”. Ainda

1 Renato Janine RIBEIRO – “O entusiasmo, o teatro e a revolução.”, in: Adauto NOVAES, (org.)

– Tempo e história - São Paulo : Companhia das Letras : Secretaria Municipal de Cultura, 1992, p. 326. 2 Miguel CHAIA - “A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel”, in: Revista Estudos

Avançados – IEA/USP, ano 9, n. 23, 1995, pp. 165-182. 3 Eduardo Luiz VIVEIROS DE FREITAS - “Teatro e Política: em busca do elo perdido”, in:

Revista da APG (Associação dos Pós-Graduandos da PUC/SP), ano VI, nº 11, agosto de 1997, pp. 7-11.

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Chaia indica que a política... “não é só uma forma de conhecimento, mas também uma

técnica a ser aplicada, avaliando-se cada momento, situação e oportunidade.”4

O teatro é o local privilegiado, que apresenta com nitidez a “aproximação entre

arte e política e a proximidade entre indivíduo e poder”, e, como inúmeros exemplos,

podemos lembrar a Grécia Antiga (Sófocles, Ésquilo, Eurípides), Shakespeare e

Maquiavel no Renascimento e, mais recentemente, Piscator, Brecht, Heiner Müller,

Dias Gomes, Vianinha, Gianfrancesco Guarnieri, entre outros. Fica mais clara a

aproximação da política com o teatro, no fato de que ambos se valem de técnicas a

serem aplicadas, “avaliando-se cada momento, situação e oportunidade”. Como na

política, no teatro interessa saber não quais ações os homens executam, mas como

executam. O que é motivo para intrigas, segredos, articulações, na política, torna-se

transparência, iluminação e aclamação, no teatro: o como (astúcia, virtú, inteligência

etc) da política e o como (talento, genialidade, técnica, construção da personagem,

verossimilhança do drama etc) do teatro.

Florestan Fernandes, tratando da dimensão política no teatro de Shakespeare,

escreveu:

Ele (Shakespeare) apanha o trágico e o cômico, a ambição e a loucura, a

grandeza e a mesquinhez, a inveja e a equanimidade, o altruísmo e o egoísmo, a

vaidade e o ridículo, o histórico e o rotineiro, enfim, o poder especificamente

político, que atravessa o governo e o seu terrível percurso devastador ou

construtivo na personalidade humana, nas instituições e na sociedade. (...) Tudo

faz parte do drama, que é a vida e suas projeções psicológicas, econômicas,

religiosas, sociológicas ou históricas. As questões essenciais ou emanam do

poder ou confluem para ele, mesmo quando aparecem sublimadas ou são

repelidas. 5

4 Miguel CHAIA, op.cit., pp. 166 e 175.

5 Florestan FERNANDES, “A Política como Teatro”, in: Jornal Folha de S. Paulo, 08/01/1991.

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Com tais preocupações, e já tendo assinalado alguns supostos para uma pesquisa

interdisciplinar que contemple as áreas da arte e da política, proponho como

desdobramento deste tema (arte e política), o seguinte objeto de estudos: a obra

dramatúrgica e literária (comédias de costumes e folhetins) de França Júnior (1838-

1890), para uma aproximação entre as tradições do pensamento, investigação e pesquisa

em Ciências Humanas e a dramaturgia, a crítica, a reflexão e as encenações no Teatro.

Ao longo da preparação inicial e da pesquisa que a fundamentou, percebi que o trabalho

deslocaria sua ênfase para o pensamento social, cultural e político, produzido numa

época especial, o Segundo Reinado (1840-1889), enfocando as especificidades da

produção de França Júnior.

Tal aproximação entre Ciências Humanas e Teatro contribui para o

enriquecimento epistemológico e metodológico, trazendo novas linhas de pesquisa e

investigação para os campos do conhecimento que se (re)aproximam, através do estudo,

com novos instrumentos, das tradições de pensamento envolvidas.

Nesta pesquisa sobre a obra de França Júnior, pretende-se, portanto, encontrar e

percorrer as fronteiras entre as áreas da política e da arte, detendo-se sobre um

pensamento cultural (político e crítico) formulado por um artista e intelectual vinculado

ao teatro e à crítica de costumes. Este autor cria uma dramaturgia consistente e produz

num gênero híbrido de jornalismo e literatura – o folhetim - no qual se expressam várias

dimensões da sociedade brasileira, mais especificamente da sociedade carioca ou da

Corte Imperial, da segunda metade do século XIX.

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Quanto ao método de análise das peças e dos folhetins selecionados, serão

utilizadas as análises interna e externa da obra, através de conceitos e instrumentos

teóricos que permitam trânsito na fronteira das áreas do conhecimento envolvidas (Arte,

Dramaturgia, Sociologia, Antropologia, História e Política, Teatro e Política),

originários da teoria literária, da análise política de conjuntura, da filosofia, da história

das idéias políticas, da história do teatro, do pensamento social e cultural etc. Analisar-

se-á o contexto histórico e cultural em que foram escritas e/ou encenadas as peças, e em

que foram publicados (ou republicados) os folhetins. Será buscado, na análise das

estruturas e dos elementos internos das peças, o entendimento das seqüências de cenas e

diálogos, não só na relação com a sociedade, mas também do ponto de vista da estrutura

dramática.

Antonio Candido, num estudo publicado em 1972, dizia que a integridade de

uma obra literária não permite a dissociação entre aspectos internos (estrutura) e

externos (sociais, políticos etc), do ponto de vista da análise. Ambos...

se combinam como momentos necessários do processo interpretativo(...)o

„externo‟ (no caso, o social), importa não como causa, nem como significado,

mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da

estrutura, tornando-se, portanto, „interno‟. 6

Ao analisar o romance Senhora, de José de Alencar, o crítico utiliza-se deste

procedimento, afirmando que não basta apontar as dimensões sociais existentes na obra,

para definir o caráter sociológico de um estudo sobre ela. O assunto do romance...

...repousa sobre condições sociais que é preciso compreender e indicar, a fim de

penetrar no significado, (pois o romance retrata) a compra de um marido; e

teremos dado um passo adiante se refletirmos que essa compra tem um sentido

6 Antonio CANDIDO – “Crítica e sociologia (Tentativa de esclarecimento)”, in: Literatura e

sociedade: estudos de teoria e história literária, 5ª edição, São Paulo, Editora Nacional, 1976, p.4.

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social simbólico, pois é ao mesmo tempo representação e desmascaramento de

costumes vigentes na época, como o casamento por dinheiro. (...)

E neste caso de relações que deveriam pautar-se por uma exigência moral mais

alta, a compra e venda funciona como verdadeira conspurcação. Esta não é

afirmada abstratamente pelo romancista, nem apenas ilustrada com exemplos,

mas sugerida na própria composição do todo e das partes, na maneira por que

organiza a matéria, a fim de lhe dar uma certa expressividade.7

Ao fazer uma análise deste tipo, continua o crítico,

...podemos dizer que levamos em conta o elemento social, não exteriormente,

como referência que permite identificar, na matéria do livro, a expressão de uma

certa época ou de uma sociedade determinada; nem como enquadramento, que

permite situá-lo historicamente; mas como fator da própria construção artística,

estudado no nível explicativo e não ilustrativo. Neste caso, saímos dos aspectos

periféricos da sociologia, ou da história sociologicamente orientada, para

chegar a uma interpretação estética que assimilou a dimensão social como fator

da arte. Quando isto se dá, ocorre o paradoxo assinalado inicialmente: o

externo se torna interno e a crítica deixa de ser sociológica, para ser apenas

crítica.8

Para analisar a obra, ou parte da obra de França Júnior, será preciso

contextualizar essa obra dentro da literatura, do teatro, da história brasileira do período.

Ao mesmo tempo, será verificado que tipo de sociedade e qual a realidade social,

política e cultural eram representados nessa obra, e como o teatro se configurou, desde a

vinda da Família Real para o Brasil, como espaço político de representação social, tanto

em termos de utilização do espaço teatral como espaço de manifestação política, quanto

de representação simbólica e apresentação metafórica dessa mesma realidade.

Tratou-se de buscar pistas para decifrar a sociedade brasileira, circunscrevendo

tal tarefa às possibilidades abertas por França Júnior. Para tanto, algumas linhas de

7 Ibidem, pp. 6 e 7.

8 Ibidem., p.7.

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pesquisa, além das pistas já citadas anteriormente, foram levantadas para nortear esta

dissertação:

- França Júnior foi um crítico mordaz da política e dos costumes brasileiros de

sua época. Mostra, como disse o Hamlet, “à sua época e geração sua forma e efígie”,

através de seus folhetins e de sua dramaturgia;

- temos em França Júnior um pensador da sociedade brasileira, que expressa o

desejo de um país diferente daquele por ele criticado. Apontando os problemas e

ironizando a realidade que via à sua frente, construía uma visão de mundo própria, pela

denúncia, negação ou rejeição de comportamentos, hábitos e atitudes de seus

contemporâneos;

- a crítica aos costumes e a crítica à política, em muitos momentos, tanto nos

folhetins como nas peças de França Júnior, aparecem misturadas, pois sua visão era a de

um grande observador da vida social em suas múltiplas manifestações. No entanto,

através de metáforas que procuraremos identificar, serão separadas as duas formas de

críticas (folhetim e teatro), para melhor compreender o pensamento social e político do

autor. Nem sempre é possível identificar tais momentos, em que se poderia trabalhar ou

separar as duas formas de críticas, pois a descrição e o comentário irônico sobre um

mero costume social, por exemplo, o de fazer visitas, tinha a mesma importância da

crítica velada, na referência metafórica ou aberta das atitudes do gabinete ministerial,

tanto no teatro como nos folhetins do autor;

- em especial, o tratamento a ser dado para a análise dos folhetins procurará

identificar uma linha ou estilo adotado pelo autor, seguindo pistas dadas por outros

estudos que apontam o folhetim como gênero híbrido, situado entre o jornalismo e a

literatura. Em qual estatuto, se pensamos na análise do material pesquisado, enquadrar-

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se-iam os devaneios sociológicos9 construídos em textos nos quais as interpretações da

realidade beiram o ficcional, como ocorre na maioria dos folhetins lidos?

- na dramaturgia, ou melhor, no teatro cômico, França Júnior, misturando

os assuntos e os tipos caricaturados no processo de criação de suas obras, mostra-nos

como o público e o privado, a intimidade e a vida pública na Corte Imperial estavam

imbricados no tecido social e cultural brasileiro, compondo uma trama de hábitos,

comportamentos, ritos e aparências criticáveis. Esta trama é recortada pelo autor, a

partir de sua aguda observação da realidade, e “costurada”, na forma de carapuças10

9 “Os leitores hão de ter ouvido muitas vezes certos indivíduos, inchando as bochechas,

exclamarem orgulhosos: --- O cargo difícil que exerço... --- A tarefa cheia de espinhos que tomei sobre os ombros... --- Os deveres penosos da minha posição social... Mas os que mais incham assim as bochechas e os que mais gritam não são por certo os que mais trabalham. A vida é uma batalha. (...) Assim filosofava eu há dias, almoçando em um restaurant. E nos meus devaneios sociológicos (grifos nossos), dizia com os meus botões: --- Como é difícil e espinhosa a condição de um criado de hotel! --- Quanto estudo, quanta ciência, quanta sagacidade para bem desempenhá-la! (...) A posição de criado de hotel é ou não espinhosa e dificílima? Ele tem, mais que outro qualquer que ocupa elevados cargos sociais, o direito de inchar as bochechas e exclamar com orgulho: --- A tarefa difícil que tomei sobre os ombros... O criado de hotel, como o estadista, deve conhecer profundamente os homens, estudando-lhes o temperamento, as inclinações, os hábitos e até as fisionomias! (...) Sobre ele caem todas as descomposturas que pertencem por direito ao cozinheiro. É contra ele que o freguês desabafa o seu mau humor. E cada freguês é uma charada, um logogrifo; é preciso adivinhá-lo. (...) Regra geral: todos os sujeitos que passam mal em casa são exigentes nos hotéis. Quando se quiser rogar uma praga a um indivíduo, deve-se-lhe dizer: --- Deixa estar, que ainda hei de te ver criado de restaurant.” Folhetim “Entre o Beef e o Café”, publicado, originalmente, no jornal O Paiz, na série Ecos Fluminenses, de 1885. Ver: Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR – Folhetins, (prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira, da Associação Ciências e Letras de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos jornais O Globo Illustrado, O Paiz e o Correio Mercantil, Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1926, pp. 464/469). A ortografia e a pontuação foram alteradas, para melhor compreensão do texto original. 10

Em ilustração reproduzida ao final desta apresentação, o caricaturista Ângelo Agostini apresenta França Júnior num palco distribuindo carapuças à platéia, por ocasião da estréia de sua peça Direito por Linhas Tortas, em março de 1882. É significativa a ilustração: vemos ao fundo pessoas bem vestidas, como era comum no teatro da época, portando alegremente as carapuças distribuídas pelo autor. No primeiro plano, em frente à ribalta e à caixa do ponto, França Júnior tira as carapuças com o título da peça e as distribui ao público, que as apanha avidamente. Por cima, atrás da cabeça do escritor, estende-se um varal onde estão penduradas carapuças com títulos de comédias anteriores do autor, como Meia hora de cinismo, Uma República Modelo, Tipos da atualidade, O Defeito de Família etc. Em destaque, ainda na caricatura, uma placa com os dizeres: “Ao Carapuceiro Fluminense”. Ladeiam o comediógrafo, duas grandes penas que terminam cada uma com uma tesoura no lugar da ponta, que era mergulhada na tinta para escrever. Nas suas comédias, criando tipos e situações em chave de paródia, caricatura literária e sátira, França Júnior vai confeccionando “carapuças”, a partir de pedaços selecionados do tecido social, cultural e político recortados pela pena-tesoura do escritor. É comum ao teatro a imagem da trama, do enredo, da “costura” cênica. O autor construía, assim, seu repertório de comédias satíricas, “costurando” aspectos

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fartamente distribuídas, principalmente nas peças, através do uso de situações em que a

paródia11

, a caricatura12

e a sátira13

são elementos utilizados para uma reconstrução

teatral do Brasil. Entenda-se, aqui, o Brasil da política oficial, o Brasil da roça, da

superficialidade da Corte, enfim, o Brasil de fato existente naquele período. Ao mesmo

tempo, o quanto desse Brasil, pela “pena da galhofa e da melancolia” 14

, aparece

propositalmente distorcido, exagerado, ampliado ou idealizado?

Entre obras publicadas e títulos mencionados de peças que se perderam, França

Júnior é autor de 23 peças teatrais (comédias), uma tradução de peça (do italiano), uma

opereta e uma “revista-de-ano”15

, escrita em conjunto com Artur Azevedo. Além disso,

existem pelo menos 115 folhetins publicados em livro, conforme se vê no Anexo 1.

Nesta pesquisa, para efeito de análise, serão selecionadas apenas algumas obras de

da realidade observada. A imagem da tesoura pode nos remeter, também, à censura que o moralista conservador fazia aos costumes de sua época. 11

No Dicionário Breve de Termos Literários, de Olegário PAZ e António MONIZ (Lisboa, Portugal : Editorial Presença, 1997, p. 162), encontramos a seguinte definição de paródia: “Termo que indica a imitação irónica ou burlesca de personagens, situações ou textos, com finalidade cómica.” Em La Caricature e la parodie, de Jean-Pierre CÈBE (Paris : Boccard, 1966, p.11), citado por Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA – História do Teatro Brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues, Rio de Janeiro: Editora UFRJ : EDUERJ : FUNARTE, 1996, p. 278, temos uma definição de paródia satírica: “La parodie satirique se propose de faire rire aux dépens de son modèle, dont elle dénonce nom moins efficacement qu‟une critique sérieuse les faiblesses. Elle joue un grand rôle dans les querelles, et surtout dans les querelles litteráires.” “A paródia satírica propõe-se a zombar dos tipos, dos quais ela denuncia, não menos eficazmente que uma crítica séria, as fraquezas. Ela representa um grande papel nas querelas, e sobretudo nas querelas literárias. (trad. Livre) 12

“Termo que designa o desenho gráfico ou literário de uma personagem (geralmente, tipo), exagerando os seus pontos mais vulneráveis (defeitos físicos ou morais).” in: Olegário PAZ e António MUNIZ, op. cit., p.40. 13

“Reverso dialéctico da epopeia, a sátira é um subgénero literário que se infiltra nas mais diversas formas de expressão: o poema epigramático, o romance social, o teatro burlesco, a farsa, a comédia ou o auto de moralidade. Caracteriza-se pela crítica social, através do recurso à ironia e ao sarcasmo. W. Kayser resume com admirável simplicidade as marcas da sátira, desta forma: „No satírico torna-se visível um não-valor duradouro, que talvez seja anulado por alguma coisa de valor. Mas também é possível alguma coisa de inverso: que seja anulado o que tem valor, harmonia e medida.‟(Análise e Interpretação da Obra Literária)”, ibidem, p. 195. 14

Machado de ASSIS, Memórias Póstumas de Brás Cubas, in: Obra Completa, vol.I, Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1992, p. 513. 15

“Autêntico teatro de costumes, chegado ao Brasil no florescer de sua vida de nação independente em 1859. (...) Por definição o teatro de revista é uma revisão, de fatos e fantasias. (...)... a revisão dos fatos dos doze meses imediatamente passados.” Roberto RUIZ, in: Prefácio de O Teatro de Revista no Brasil: dramaturgia e convenções, Neyde VENEZIANO, Campinas, SP, Pontes – Editora da Universidade Estadual de Campinas, pp. 12 e 13.

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França Júnior que melhor traduzem as linhas de pesquisa levantadas. Assim, serão

estudadas as seguintes obras, tendo em vista as linhas de pesquisa assinaladas

anteriormente:

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Peças teatrais16

Tipos da atualidade, ou O Barão da Cutia (1862): a crítica ao casamento por

dinheiro, num texto híbrido que mistura a comédia de costumes a intenções

moralizantes, em que o caipira “bronco e desajeitado, completamente inadaptado à vida

da corte” 17

(O Barão da Cutia) contrapõe-se a personagens de comédia realista,

castigados ou premiados por sua superficialidade ou solidez moral (Gasparino, Carlos,

Mariquinhas e Dª. Ana).

O Tipo Brasileiro (1872): a mania de considerar tudo o que é estrangeiro

melhor do que o que é feito no Brasil, desde produtos a instituições, é criticada nesta

comédia de costumes.

Como se fazia um deputado e Caiu o Ministério! (1882): sátiras dos costumes

políticos do Império. A primeira peça desmascara o sistema eleitoral corrupto. A

segunda mostra a prática de colocar a política a serviço dos interesses pessoais,

satirizando a formação dos gabinetes ministeriais, “denunciando que o apadrinhamento

valia mais do que a competência”.18

Caiu o Ministério! se constituirá na principal obra

de análise da pesquisa.

16

Além das peças listadas, outras obras de França Júnior serão utilizadas na análise, como suporte para a reflexão. 17

Ver “França Júnior e a Comédia de Costumes”, em João Roberto FARIA – O Teatro na estante, São Paulo, Ateliê Editorial, 1998, pp 55 a 65. 18

João Roberto FARIA – op. cit. p. 63.

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Folhetins

Alguns dos folhetins publicados no Correio Mercantil, entre 1867 e 186819

,

momento de intenso combate político de conservador França Júnior ao Gabinete Liberal

presidido por Zacarias Góes de Vasconcelos, serão analisados, por tratarem de matéria

mais diretamente política. Outros exemplares dos folhetins, que tratam de temas

relativos à cidade e aos costumes, serão extraídos do livro Folhetins.20

Os capítulos da dissertação serão organizados da seguinte maneira: o primeiro

capítulo, intitulado “Uma época e uma geração procuram o Brasil”, apresentará a

geração de França Júnior, suas críticas e propostas em relação ao Brasil que conhecia.

Procurará mostrar que havia uma constelação de autores, entre aqueles escritores,

poetas, jornalistas e políticos, com uma identidade de objetivos, mesmo que não

necessariamente de princípios e idéias políticas ou estéticas. Apresentará, na história, o

Rio de Janeiro, a capital do Império, enquanto cidade e espaço político, social e cultural

que serviu de inspiração para as comédias e forneceu o material para a crônica e a

crítica contidas nos folhetins do autor, através do cotidiano de seus habitantes, das

relações de parentesco, do comportamento, das aspirações individuais de homens e

mulheres, das relações de poder e do noticiário político, da moda e maneiras de agir em

sociedade, das atitudes individuais e do comportamento coletivo em bailes, nas ruas, nas

ocasiões solenes e na intimidade. Trará, ainda, uma biografia analítica do autor,

apresentando, em linhas gerais, sua obra de comediógrafo e folhetinista.

19

Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR – França Júnior, Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia: Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume 6, 1957. 20

Idem, Folhetins, (prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira, da Associação Ciências e Letras de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos jornais O Globo Illustrado, O Paiz e o Correio Mercantil : Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1926.

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O segundo capítulo, intitulado “Folhetins: a real ficção”, apresentará o gênero

híbrido, misto de jornalismo e literatura de ficção, que foi o folhetim, antecessor da

crônica atual. No trabalho com os folhetins de França Júnior, será preciso analisar

separadamente alguns textos, levando em conta categorias como “Cidade(s)”,

“Costumes” e “Política”. É preciso ressaltar, no entanto, que a descrição e a crítica aos

costumes e à política, em muitos momentos, tanto nos folhetins como nas peças de

França Júnior, aparecem misturadas, pois sua visão era a de um grande observador da

vida social em suas múltiplas manifestações. Nos folhetins será possível fazer a leitura

do pensamento e da crítica social de França Júnior, na apresentação da realidade, como

um registro no nível da descrição jornalística ou da crônica, como registro histórico e

análise social (os devaneios sociológicos feitos nos folhetins), documento para a

pesquisa sociológica, política, histórica, estética, literária. A ambigüidade do estatuto

literário do folhetim permite esse tipo de leitura.

Assim, em “Cidade(s)”, teremos a Rua do Ouvidor como o espaço social,

cultural e político por excelência da observação e crítica de França Júnior, o confronto

entre a capital imperial e Petrópolis, a comparação entre a roça e a capital, a

comparação entre Petrópolis e Friburgo, o registro das mudanças de hábitos urbanos, tal

como a substituição dos lampiões a azeite de peixe pelos bicos de gás.

Em “Costumes”, veremos surgir a moda, a rua como espaço de exibição e de

manifestações estéticas, os armarinhos, os alfaiates, os chapeleiros, as tabacarias, as

visitas, os personagens inconvenientes, os enterros, o casamento, o namoro, as

companhias de viagem, certos devaneios sociológicos sobre o comportamento em

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sociedade, a infância, as amas de leite, a situação da mulher na sociedade da época,

enfim, um grande número de assuntos e comentários específicos sobre o cotidiano, a

tradição e as mudanças em curso na capital imperial e em cidades ou localidades

próximas (a chamada roça, que hoje se situa na periferia do Rio de Janeiro).

Em “Política”, destacaremos o uso de metáforas, chegando à caricatura pessoal

ou coletiva, ao abordar o comportamento isolado de um político, do ministério ou de um

partido (em especial o Partido Liberal, alvo dos ataques do conservador França

Júnior...), antecipando, e, em certos casos, superando comentaristas políticos atuais no

tocante ao bom humor e sarcasmo. Nos folhetins políticos, as instituições, idéias e

práticas políticas são apresentadas de maneira crítica pelo autor. Desse material anotado

e apresentado nos folhetins, o autor fará uso nas comédias analisadas.

No terceiro capítulo, que tem por título “Teatro: a real representação”, utilizar-

se-á o Realismo e a Comédia de Costumes como corrente literária e gênero

dramatúrgico a que se pode filiar as comédias de França Júnior. Na verdade, este

procura seguir, em suas produções iniciais, os postulados do Realismo no teatro

brasileiro, iniciado com a dramaturgia escrita e encenada, principalmente no período de

1855 a 1865, no Teatro Ginásio Dramático21

, mas abandona-os para dar pleno

desenvolvimento a seu talento para as comédias de costumes. Procuraremos identificar

e analisar separadamente as categorias encontradas em algumas das peças de França

21

“É nesse contexto, ou seja, num clima francamente favorável às atividades teatrais, que França Júnior aparece, desejoso de se alinhar com a reforma realista promovida pelo Ginásio”. João Roberto FARIA – “França Júnior e a Comédia de Costumes”, in : O Teatro na Estante, Cotia, São Paulo : Ateliê Editorial, 1998, p. 57; “As idéias teatrais lançadas por dramaturgos, intelectuais e críticos, entre 1855 e 1865, permaneceriam como referência para uma boa parte da dramaturgia brasileira e da crítica teatral que surgiu nos dez ou vinte anos seguintes”. Idem – “As idéias teatrais no Brasil: o século XIX – O Realismo”, in: Idéias Teatrais: o século XIX no Brasil, São Paulo, Editora Perspectiva : Fapesp, 2001, Coleção Textos, nº 15, p. 143. Ver, do mesmo autor, O teatro realista no Brasil: 1855-1865, São Paulo : Editora Perspectiva, 1993, coleção Estudos, nº 136.

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Júnior. Assim, mesmo correndo o risco de incorrer em generalização, ou, antes,

desejando chegar a categorias mais genéricas, procuraremos localizar, nas peças, em

quais passagens a crítica e o ridículo do cômico acentuavam este ou aquele detalhe,

comportamento ou comparação, de certo modo, já presentes nos folhetins.

Pretenderemos procurar, no desenvolvimento das situações teatrais, como o pensamento

do autor se manifesta em termos de crítica e idealização do real. A representação da

realidade já ironizada ou apenas descrita nos folhetins esconde, na máscara do autor de

comédias, o seu pensamento social, político, cultural. A tentativa de desvendar esse

mistério procurou trazer à luz esse pensamento fragmentário, disperso, esboçado por

França Júnior-Osíris em seus folhetins.

Como dissemos acima, França Júnior, apontando os problemas e ironizando a

realidade que via à sua frente, construía uma visão de mundo própria, pela denúncia,

negação ou rejeição de comportamentos, hábitos e atitudes de seus contemporâneos. Ao

misturar os assuntos e os tipos caricaturados, no processo de criação de suas obras, o

autor nos mostrará como o público e o privado, a intimidade e a vida pública estavam,

na Corte Imperial, imbricados no tecido social e cultural brasileiro, compondo uma

trama de hábitos, comportamentos, ritos e aparências criticáveis. Esta trama é recortada

e recomposta por França Júnior, na forma de carapuças fartamente distribuídas em suas

peças, através do uso de situações em que a paródia, a caricatura e a sátira são

elementos utilizados para uma verdadeira reconstrução teatral do Brasil.

Esta reconstrução artística da realidade social e cultural brasileira, apresenta

deformações do real, através da imitação irônica, do exagero dos defeitos individuais e

coletivos, e da crítica social. Como os elementos utilizados por França Júnior nessa

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reconstrução são a paródia, a caricatura e a sátira, a realidade, representada

simbolicamente e apresentada metaforicamente, é deformada através do exagero e da

luz que o autor projeta sobre os defeitos intelectuais e morais dos costumes e da política

da sociedade de sua época.

Représentation déformée du réel, la caricature se nourrit des défuts, physiques,

intellectuels, ou mouraux, de ceux qu’elle prend pour cible. Non seullement elle

met ces défauts en lumière, mais elle les force jusqu’à l’outrance. Elle implique,

par conséquent, un tour d’esprit “réaliste”.22

Encontramos em Anatol Rosenfeld, uma proposição estética que virá ao

encontro da justificativa para a escolha dos títulos dos 2º e 3º capítulos, dando-lhe

sustentação para o desenvolvimento da análise nos marcos desta pesquisa:

Se a apresentação estética se constitui de atos de percepção e de atos que

transcendem a mera percepção, parece necessário atribuir-se ao objeto estético

um modo de ser heterogêneo. Realmente dada é somente a superfície sensível

(objeto da percepção propriamente dita); somente esta camada tem autonomia

ôntica. No entanto, através dessa camada real transparecem outras camadas

que não têm o modo de ser ideal plenamente autônomo, de um triangulo, por

exemplo. Não lhes cabe o caráter intemporal dos seres matemáticos ou das

estruturas lógicas, já que toda obra de arte é criada em certo momento

temporal. Mas tampouco lhes cabe o modo de ser real, visto dependerem da

presença do apreciador adequado e se atualizarem somente por graça dos

seus atos intencionais. Contudo ainda menos podem ser confundidas com os

atos do apreciador. O ser específico dessas camadas não pode ser reduzido ao

real de processos psíquicos. Realidade psíquica tem apenas os atos mediante os

quais o apreciador apreende o objeto, bem como as vivências que acompanham

esses atos. Esses atos, porém, visam ao objeto estético que não tem ser

psíquico. Qualquer redução psicologizante da obra de arte a processos

psíquicos do apreciador ou autor é completamente excluída. A obra é uma e a

mesma, por mais variados que sejam os atos do apreciador, as atualizações e

concretizações dos apreciadores. Isso já se evidencia no fato de considerarmos

algumas atualizações mais adequadas do que outras. Adequadas a quê?

Evidentemente à obra. (grifos nossos) 23

22

“Representação deformada do real, a caricatura se alimenta dos defeitos físicos, intelectuais ou morais daqueles que são tomados como alvo. Ela não só joga luz sobre esses defeitos, mas também os leva ao exagero. Ela implica, por conseguinte, um movimento do espírito „realista‟ (uma distorção da realidade).” [ trad. Livre] Jean-Pierre CÈBE, op. cit. p. 8, citado por Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA, op. cit. p. 278. 23

Anatol ROSENFELD, “A Estrutura da Obra de Arte – O ser do objeto”, in: Estrutura e Problemas da Obra Literária, São Paulo : Editora Perspectiva, 1976, Coleção Elos, nº 1, pp. 13/14.

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1870

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I º capítulo –

Uma época e uma geração procuram o Brasil

Joaquim José da França Júnior, ou como mais comumente é conhecido e citado,

França Júnior, nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de abril de 1838. Seus pais foram

Joaquim José da França e dona Mariana Inácia Vitovi Garção da França. Morreu em 27

de setembro de 1890, em Poços de Caldas, Minas Gerais24

. Seu teatro prestigiou a

crítica de costumes, a sátira política e social, indo buscar nos hábitos e comportamentos

da sociedade carioca de seu tempo, a Corte do Segundo Reinado, farto material para

suas comédias e folhetins. Foi Secretário de Governo Provincial da Bahia (1868 a

1871), a convite do presidente da Província da Bahia, senador Francisco Gonçalves

Martins (magistrado, barão e depois Visconde de São Lourenço, ocupou o Senado

vitalício de 1851 até sua morte, em 187225

). Foi advogado militante e adjunto da

promotoria pública da Corte, tendo ocupado também o cargo de Curador Geral da

Segunda Vara dos Órfãos da Capital Federal. Chegou a ser condecorado Cavaleiro da

Ordem da Rosa e da Ordem Austríaca de Francisco José. Representou o Brasil na

exposição de Viena (1873 – sobre a exposição, França Júnior escreveu o relatório citado

no Anexo 1), o que o animou tomar lições de pintura (paisagens, principalmente) com o

alemão Grimm, que reuniu em torno de si um grupo de alunos que se tornariam

24

A dúvida suscitada pela afirmação de que França Júnior nascera na Bahia, feita por Artur Azevedo em artigo publicado na Revista Século XX (1906) e reproduzido na 4ª Edição dos FOLHETINS, foi desfeita por Arhur Motta (ver Anexo 1), que consultou os registros da Faculdade de Direito de São Paulo, onde consta que França Júnior, formado em 1862, era “natural da cidade do Rio de Janeiro”. Aluísio Azevedo, filho de Artur Azevedo, cita a publicação, no Correio do Povo, edição de 29-9-1890, de uma curta biografia de França Júnior (que morrera no dia 27; a missa de 7º dia foi rezada em 03 de outubro de 1890), indicando o nascimento no Rio de Janeiro, “à Rua do Príncipe, hoje Silveira Martins, no Catete”; comentário manuscrito feito em 1-5-1957, por Aluísio Azevedo, em exemplar dos FOLHETINS de França Júnior – fac-símile reproduzido no Teatro de França Júnior (Tomo I, MEC/SNT/FUNARTE, 1980). 25

Affonso E. TAUNAY, O Senado do Império (ed. Fac-similar), introdução Professora Myriam Ellis, Brasília : Senado Federal, 1998, pp. 92, 157, 190 e 193.

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paisagistas de destaque, como Caron, Vasquez, Parreiras, Ribeiro e outros. O Grupo

Grimm reunia-se para lições e atividades ao ar livre em Niterói, em meados da década

de 188026

.

Artur Azevedo, que o chamou de mestre, lamentou não ter tido “a honra de

assinar uma peça com França Júnior”, elogiou seus conhecimentos jurídicos e a

competência do curador de órfãos. Acompanhou a carreira do amigo comediógrafo e

folhetinista (que retomou em 1876 suas atividades jornalísticas interrompidas em

1868)27

, incentivando-o a escrever um de seus maiores sucessos teatrais: Como se fazia

um Deputado (1882). Informa-nos que França Júnior “não era político nem palaciano,

mas tinha muita afeição à família imperial, com especialidade ao infeliz príncipe D.

Pedro Augusto, de quem era amigo íntimo e comensal assíduo”28

. Homem de muitos

talentos, falava corretamente francês, inglês, alemão e italiano e na pintura, diz ainda

Artur Azevedo, o conhecimento do idioma alemão fez com que “aproveitasse (...) as

lições do Velho Grimm, e se tornasse um paisagista muito aceitável, resgatando ligeiros

defeitos de técnica por um profundo sentimento da cor, da luz, e da intensa poesia da

nossa terra”29

. Sobre o comportamento social de França Júnior, assim se expressou

Artur Azevedo:

26

Ver: Carlos MARTINS, Revelando um acervo (catálogo da exposição de pintura da Coleção Brasiliana – Fundação Rank-Packard / Fundação Estudar), Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo : Bei Comunicação, 2000, p. 19. 27

França Júnior colaborou nos seguintes jornais do Rio de Janeiro: Correio Mercantil (1867 a 1868, folhetins sobre política e costumes, assinados com o pseudônimo Osiris); Gazeta de Notícias (sua colaboração foi extensa, tendo sido reunidos os folhetins ali publicados, em primeira edição de 1878 – ver Anexo 1); Globo Ilustrado (número 12, 9/3/1882); O País (no qual publicou a série de folhetins Ecos Fluminenses, de 1885); Gazeta da Tarde (publicou a série de folhetins Ecos da Cidade – s/d); O Globo (com Joaquim Serra); Bazar Volante (como redator, de 1863 a 1867, em parceria com Antonio de Castro Lopes; assinava seus textos como Osiris); Vida Fluminense (s/d) e Jornal da Tarde (s/d). 28

Ver Artur AZEVEDO, artigo citado, reproduzido na 4ª edição dos FOLHETINS, de França Júnior, pp. 9 e 10. 29

Ibidem, p. 11.

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Aristocrata e fino em Botafogo ou nas Laranjeiras, boêmio na caixa de um

teatro, numa alcatéia de pintores, ou à mesa de um café, ele brilhava sempre

pela conversação, e era um dos mais espirituosos cavaqueadores (conversador,

“bom de papo”) do seu tempo, o que não o impedia da achar muita graça nos

outros, e rir como nunca vi rir ninguém. (...) Elegante, sempre apurado no

traje, sempre vestido à última moda, as suas toilettes esquisitas provocaram

muitas vezes o lápis dos caricaturistas, que o desenhavam sempre de uma

magreza e de um nariz exagerados.30

Quando França Júnior ainda vivia, Aluísio Azevedo, em artigo publicado no

Globo, em 1882, a ele assim se referiu:

Conheço muitos patrícios elegantes, distintos, com o paladar bem educado, não

há dúvida alguma; mas é que, em geral, quando um sabe ver não sabe ouvir,

quando outro sabe dizer, não sabe sentir. E o França vê, diz, ouve e sente. (....)

O França é homem que, visto pela primeira vez, nos faz vontade de ouvi-lo;

ouvindo-o, temos desejo de ouvi-lo mais, e, se o ouvimos mais, acabou-se...

ficamos amigos. (...) Para cada fato opõe uma anedota; para cada tipo um bom

dito; e para cada mulher um galanteio. É sempre o mesmo gentleman em toda a

parte. Sabe tão bem conduzir uma questão política pela imprensa, como

escrever um folhetim literário, dissertar sobre um Corrégio, ou conduzir uma

senhora na valsa. (...) Por intermédio de seus numerosos folhetins de fina

observação e graciosa crítica, vive em todas as províncias do Brasil, e convive

com toda a parte da população fluminense que sabe ler. Mas a sua veia

principal é a comédia. Seria um grande comediógrafo, se o nosso teatro não

fosse uma grande mentira. Contudo, com o que ele fez até hoje (1882), deixa

adivinhar o que seria capaz de fazer. (...) Ah! dizem também que é um

magistrado de mão cheia. Pode ser. ”31

Machado de Assis cita França Júnior numa de suas Notas Semanais, de 1º de

setembro de 1878, a propósito da constatação de que se vendia em Paris, como nota o

cronista na Revue des Deux Mondes, nas páginas de anúncios, uma cópia do quadro de

Vítor Meirelles, a Primeira Missa no Brasil. A revista elogia o quadro, mas omite o

nome de seu autor, e Machado registra a lacuna:

30

Ibidem, p. 11. 31

Aluísio AZEVEDO, artigo de 5 de abril de 1882, publicado originalmente no jornal O Globo, reproduzido na Revista da Academia Brasileira de Letras (volume 39), Rio de Janeiro, 1932, seção FIGURAS, pp. 302 a 304.

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Verdade é que o França Júnior nos disse ter achado a mesma lacuna no Fígaro,

onde aliás lhe não aceitaram a notícia, que voluntariamente lhe foi levar.32

França Júnior já estava doente quando foi proclamada a República, e a

deportação do Imperador e da família imperial mortificou-o muito. Sua última comédia,

Portugueses às Direitas (estreada no Teatro Recreio em 9 de maio de 1890), não caiu

no agrado da comunidade lusitana do Rio de Janeiro. A incompreensão do público e os

acontecimentos políticos abalaram ainda mais seu estado de saúde frágil. Morreu nos

braços de sua esposa, Dona Clotilde de França, de família privilegiada (era filha de um

Conselheiro do Império, sobrinha do Visconde de Cabo Frio), em Poços de Caldas,

quatro meses depois da apresentação de sua última obra.

O Romantismo marca, na literatura da França e de outros países da Europa com

maior nitidez, o pleno desenvolvimento da burguesia como classe dominante. Além da

ampliação da participação popular nos assuntos políticos, uma aliança tática para

solapar as manifestações de resistência da aristocracia e eventuais tentativas de

restabelecer o antigo status quo, o nivelamento das classes, ao menos no nível

simbólico, como conseqüência da Revolução Francesa e sua repercussão na Europa, dá-

se pela perda do predomínio da aristocracia sobre a literatura, pela generalização da

curiosidade por criações artísticas, especialmente através da imprensa e do teatro. Surge

o público como conceito e prática hoje conhecidos, a platéia sem discriminações ou

identificação como casta privilegiada, que vai aos teatros, lê os jornais (e, como leitura

preferida, os romances-folhetins, ou romances em folhetim, forma de popularizar a

32

Machado de ASSIS - Obra Completa, Rio de Janeiro : Editora Nova Aguilar S. A., 1992, vol. 3, p. 409. Sobre o mesmo episódio ver também Brito BROCA, Um Folhetinista Brasileiro em Paris, in: Naturalistas, Parnasianos e Decadentistas: vida literária do realismo ao pré-modernismo, Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1991, pp. 66 a 69.

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literatura de forma econômica) e os livros a que começa a ter maior acesso com a

criação de livrarias-editoras e acesso a gabinetes de leitura.

Na sua união com o povo, para conseguir expulsar do palco os

remanescentes feudais, a burguesia teria necessidade de encontrar as suas

pontes para as camadas menos favorecidas da fortuna. Encontrou-as no teatro,

que proporcionou o cenário das primeiras batalhas do romantismo e que lhe

forneceu, com o drama variado e sentimental, um veículo extraordinário; na

imprensa, em que através do folhetim, atingiu amplas camadas de leitores; no

gênero a que concedeu, desde então, a primazia, o romance, pelo qual fazia

participar da literatura um mundo de criaturas que dela estavam distanciadas

desde então.33

No Brasil recém saído da fase colonial e iniciando sua história como país

autônomo, a incipiente burguesia (ou camadas sociais com traços semelhantes) não

possuía força para impor-se politicamente. Surgia no e dava forma ao ambiente urbano,

buscando paradoxalmente o “enobrecimento” com a posse de terras, numa aliança

tácita, atrelando-se por laços comerciais, políticos e de parentesco com a classe dos

proprietários de terras em fase de urbanização. Dela (da classe dos proprietários rurais)

copia hábitos, costumes e traços exteriores. Choques de interesses e o antagonismo que

principiava entre as duas “classes” (burguesia ou pequena burguesia urbana e

proprietários de terras), no entanto, não eram tão fortes a ponto de buscar a burguesia

aliança com o povo. Mesmo porque, de que povo se poderia falar numa sociedade em

que a participação política restringia-se à classe de proprietários, com um arcabouço

jurídico e uma organização institucional estruturados para manter praticamente intacto o

principal pilar em que se sustentava a economia, a escravidão?

33

Nelson Werneck SODRÉ, História da Literatura Brasileira, Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 1995, p. 191.

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22

O Romantismo assume, então, no Brasil, feições inteiramente diversas daquelas

apresentadas na Europa. Aqui seus temas literários são a autonomia nacional, a

idealização da natureza, o predomínio de quadros rurais, do pitoresco e da paisagem

física e, como coroamento característico do movimento, o indianismo. Como cópia

melhorada da era colonial, o Brasil do Primeiro e Segundo Reinados mantém o domínio

dos senhores da terra no plano político e econômico. Mesmo as reformas propostas por

setores urbanos pertencentes ao Partido Liberal, que pouco alteravam esse panorama,

encontravam tenaz resistência nos representantes do que se poderia chamar de nossa

aristocracia rural de então, ligados (mas não exclusivamente, dada a confusão reinante

nos Partidos imperiais, de interesses, alianças, reviravoltas de situação e quedas de

Gabinetes no parlamentarismo monárquico), em princípio, ao Partido Conservador.

A luta destes grupos burgueses, “progressistas” e “conservadores-

retrógrados”, enche o cenário político da segunda metade do século passado.

Alista-se no primeiro principalmente o comércio, a “finança”, em uma palavra,

os detentores do capital móvel. No segundo, a maior parte da riqueza territorial,

os proprietários rurais cuja economia assentava no trabalho servil naturalmente

abalado pela supressão do tráfico. A esta distribuição inicial de forças que

naturalmente avantajavam os “conservadores” (nota do autor: Não confundir

esta designação com o partido deste nome. Os nossos partidos do regime

passado têm uma significação ideológica muito restrita. Se é fato que, em geral,

são os conservadores que encarnam o espírito retrógrado do Império, também é

certo que, a par de outros exemplos, encontramos entre os liberais figuras como

esta ultra-reacionária do escravocrata vermelho Martinho de Campos. Não se

pode por isso dizer que as duas tendências políticas que assinalamos coincidam

perfeitamente com os partidos do Império que eram, muito mais que outra coisa

qualquer, simples “agregados de clãs organizados para a exploração em comum

das vantagens do poder” – como os chamou Oliveira Viana -, à feição dos dois

partidos que hoje observamos nos Estados Unidos, Republicano e Democrata.)

vão-se substituindo novas formas que se reduzem a uma sucessiva desagregação

deste grupo em benefício do primeiro. A linha política do Império na fase que

estudamos é no sentido do desenvolvimento contínuo do elemento progressista. 34

34

Caio PRADO JR., “O Império”, in: Evolução Política do Brasil, São Paulo : Editora Brasiliense, 19ª edição, 1991, p. 97.

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23

Em meados do século XIX, surgem sinais de mudança no quadro econômico que

incomodam, sobretudo, os representantes conservadores. No Gabinete Ferraz

(conservador – agosto de 1859 a março de 1861), nascido no período posterior à

extinção oficial do tráfico de escravos (Lei Euzébio de Queiróz, de 4 de setembro de

1850), de expansão e redirecionamento do capital empregado, até então, quase que

exclusivamente à importação e venda de escravos para novas atividades comerciais e

industriais, uma Comissão de Inquérito, nomeada em 1859 pelo Presidente do Conselho

de Ministros, Ângelo Moniz da Silva Ferraz35

, apura as condições em que o meio

circulante, a criação de novos bancos, emissão de papel moeda e a especulação

financeira alimentavam a febre de enriquecimento rápido, por golpes de audácia

especulativa. Joaquim Nabuco, em Um Estadista do Império, transcreve o depoimento

de uma firma comercial (M. Wright e Cia), que qualifica como “desafogo do espírito

conservador que só via perdição nos novos costumes”. Vejamos alguns trechos do

depoimento, em que até críticas à filantropia britânica36

são invocadas para a defesa

conservadora dos costumes dos brasileiros:

Quando, finalmente, acabou de todo a introdução dos africanos neste

país, achou-se o país senhor de recursos que até então tinham sido aplicados ao

pagamento dos negros importados. Os costumes dos brasileiros, pela maior

parte, eram simples no extremo, de uma frugalidade exemplar. Não era possível

que a cobiça comercial, esse monstro corruptor, corrompesse por um coup de

main os bem fundados hábitos de séculos. (...) E podemos afirmar que a história

do mundo, a não ser o episódio na história da Espanha na época em que se

fizeram as famosas descobertas de ouro e prata nas suas colônias deste

continente, não apresenta outro exemplo de desmoralização social tão

repentina, de uma corrupção de hábitos, santificados por séculos de duração,

tão assustadora como temos presenciado no Brasil de 1854 para cá: um mal que

reclama o mais assíduo cuidado de todo patriota, para se opor de alguma

maneira uma barreira a esta torrente devastadora, que aliás ameaça no seu

curso a ruína de todas as fortunas. Antes bons negros da costa da África para

felicidade sua e nossa, a despeito de toda a mórbida filantropia britânica (...)

Antes bons negros da costa da África para cultivar os nossos campos férteis do

35

Ver biografia parcial em S. A.. SISSON (editor), Galeria dos Brasileiros Ilustres – biografias (1822-1861), Brasília : Senado Federal, 1999 (vol. II), pp. 357 a 366. 36

A Inglaterra pressionara o Brasil, por meios diplomáticos, comerciais e militares a cessar o tráfico de escravos. Interesses comerciais internos e o endividamento, hipotecas de fazendas a traficantes de escravos, também ajudaram a “flexibilizar” a legislação escravocrata de então.

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que todas as tetéias da rua do Ouvidor, do que vestidos de um conto e

quinhentos mil réis para as nossas mulheres; do que laranjas a quatro vinténs

cada uma em um país que as produz quase espontaneamente, do que milho e

arroz, e quase tudo que se necessita para o sustento da vida humana, do

estrangeiro; do que finalmente empresas mal avisadas, muito além das legítimas

forças do país, as quais, perturbando as relações da sociedade, produzindo uma

deslocação do trabalho, têm promovido mais que tudo a escassez e alto preço de

todos os víveres.37

Tal espírito conservador contrapõe-se vivamente ao gosto artístico e às idéias já

em circulação nos meios urbanos, principalmente na Corte Imperial, no Rio de Janeiro.

A característica comum ao romantismo, principalmente na França e no Brasil, é

o surgimento de um público leitor mais numeroso e diversificado. Trata-se de um

público limitado, ainda, o público possível, composto de camadas urbanas em condições

de dar atenção aos livros e jornais: estudantes, mulheres, o pequeno funcionalismo

público, grupos de comerciantes. A arte aparece a esses grupos sociais como

divertimento, fuga da rotina, preenchimento das horas de ócio, e as fidelidades a

determinados autores (seja de romances, peças de teatro ou mesmo simples folhetins

jornalísticos, os quais muitas vezes se confundiam numa única pessoa, pois houve

autores que escreviam romances, peças de teatro, folhetins, discursos políticos próprios

ou alheios etc, como José de Alencar e Joaquim Manoel de Macedo, entre outros)

obedecem a essas características da sociedade imperial:

Era uma sociedade, a do Império, que concedia às manifestações

literárias sobras de atenção, sobras de apreço, aquela atenção e aquele apreço

próprios do lazer e do repouso, ligados estreitamente ao conceito de arte como

divertimento, como evasão da rotina, como preenchimento do ócio. Ora, tal

sociedade se caracterizava, precisamente, naquelas camadas que constituíam o

público, e que não eram numerosas, pelas sobras de ócio, pelos longos lazeres e

pela necessidade de preenchê-los. A ligação entre o público e os autores, pois,

começava, mas começava de acordo com as características do meio e do tempo.

Começava, a bem dizer, com o teatro – e eram escritores os que faziam as peças,

37

Joaquim NABUCO, Um Estadista do Império, capítulo VI, tomo I, 5ª edição, Rio de Janeiro : Topbooks, 1997, pp. 238 a 241. A última frase desta citação é transcrita também por Nelson Werneck SODRÉ, op. cit. , p.202.

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na confusão de tarefas da vida literária do tempo. Faziam as peças, faziam os

jornais, faziam a política, faziam versos, faziam razões de defesa, faziam

discursos, faziam tudo.38

França Júnior viveu num dos períodos mais ricos de nossa história, marcado por

significativas transformações políticas e culturais que estavam afetando as diferentes

dimensões da sociedade brasileira. Neste cenário, de aparente imobilidade, como era

considerado o Segundo Reinado, França Júnior elege as camadas médias da sociedade

carioca como assunto e personagens de suas peças e folhetins. No dizer de um dos

ocupantes da cadeira número doze da Academia Brasileira de Letras, da qual França

Júnior é o patrono, essas camadas foram...

... o agente creador da nossa opinião, a massa dos leitores dos livros e jornais,

a razão de ser de nossos romancistas, poetas e publicistas. Com o seu vivo

interesse pelo desenvolvimento do império, tornaram possível Pedro II e seu

parlamentarismo formoso (sic!) e eficiente, o meio favorável sem o qual a

corôa, a nobreza e o povo não teriam feito a unidade nacional e a fortuna do

país. Pequenos negociantes, professores, profissionais das carreiras liberais e

técnicas, sitiantes, empregados do comércio e da administração pública e

particular constituiram os elementos da coesão nacional...39

Era essa “destemida pequena burguesia brasileira!”, sempre tão “inteligente e

irônica, tão compreensiva e consciente”40

que assistia às comédias e lia os folhetins

semanais de França Júnior. Essa mesma pequena burguesia, ou classe média, é retratada

com menos entusiasmo por Raymundo Faoro, ao analisar personagens de Machado de

Assis, como o Dr. Valença, do conto As bodas de Luís Duarte, de 1873:

(...) Ele enganará a si próprio, contraindo os vícios de sua classe, para realçar

a superioridade falsa, inatingível. O contorno comum unirá a todos: no

Império, entre proprietários e especuladores, entre titulares e deputados, a

classe média será um purgatório, condenada ao ostracismo das grandezas.

Faltar-lhe-á o papel de equilíbrio, que o proletário futuro despertará. Ela não

está entre o assalariado e o rico. Sua posição será, apenas, a da classe abaixo

38

Nelson Werneck SODRÉ - op. cit. p. 212. 39

Victor VIANA - Academia Brasileira de Letras - Discursos Acadêmicos (1935-1936), Volume IX, Rio de Janeiro : Empresa Editora ABC Limitada, 1937, p. 55. 40

Ibidem, p. 56.

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das outras; debaixo dela está o nada, o escravo. Dela não sairão os estadistas,

os barões, os banqueiros e os fazendeiros, nem fermentará os inconformismos e

as revoluções. Sua hora soará somente cinquenta anos depois: por enquanto

representará o resto, o resíduo dos destinos mais afortunados. Esta a visão de

Machado de Assis: a classe média só pode ser vista do alto, com desdém, com

escárnio ou com tolerância. Longe estará a perspectiva marxista, lançada do

ponto de vista da idealização proletária, também cruel com a pequena

burguesia. Ausente também a perspectiva que lhe atribuirá a função

estabilizadora no conflito larvado de facções extremadas, celeiro da ordem, da

educação e da cultura. No campo, não havia classes médias – marginalizados

os lavradores não proprietários. Nas cidades, ela seria o resíduo, sem que

abaixo dela, repita-se, o operário – o artista – desempenhasse papel social,

perdido na sua miséria e excluído da comunhão política. (...) Sobrará, apenas,

o funcionalismo público, com a dependência da estrutura política, governando,

dirigindo e conduzindo do alto, de cima, soberanamente.41

O Rio de Janeiro conheceu um grande desenvolvimento urbano, a partir da

chegada da Família Real em 1808, que fugira à perseguição das tropas napoleônicas. A

população da cidade já foi avaliada em sessenta mil habitantes, em 1808, em torno de

noventa e sete mil, em 1838; duzentos e setenta mil em 1850 e quinhentos e cinqüenta e

dois mil habitantes, em 189042

. Em poucos anos, a cidade ganha o seu primeiro teatro

oficial, graças ao incentivo do próprio D. João VI (1813 – Teatro São João), surgem

novos jornais, casas dos mais variados tipos de comércio, organiza-se a vida da Corte,

material e culturalmente, dinamiza-se o intercâmbio comercial com a abertura dos

portos do Brasil ao comércio internacional.

Cinco anos após a chegada desse rex ex machina, inaugurava-se o Real Teatro

São João, reinaugurado em 1826 após o incêndio de 1824, e batizado com o

nome de Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara. A proximidade dos donos

do poder e do tesouro facilitava a concessão de auxílios, subvenções e loterias,

o que reparava com certa rapidez os malefícios causados por incêndios e

outros danos. Quando da Aclamação de Dom Pedro II, em 1831, funcionavam

na Corte esse majestático teatro, ainda que por razões políticas houvesse

mudado o nome para Teatro Constitucional Fluminense, e o chamado

Teatrinho da Rua dos Arcos, (...), modesto empreendimento que mesmo assim

durou dez anos, teve estatuto, regulamento e associação mantenedora, a

41

Raimundo FAORO - Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, 4ª edição, revista, São Paulo : Editora Globo S/A, 2001, pp. 307/308. 42

Ver: Adolfo Morales de los RIOS FILHO - O Rio de Janeiro Imperial, 2ª edição, Rio de Janeiro : Topbooks Univercidade Editora, 2000, pp. 59, 61 e 62; ver, também, Boris FAUSTO História Concisa do Brasil, São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001, p. 134.

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Sociedade Mantenedora do Teatrinho da Rua dos Arcos. (...) Nos quatro

primeiros decênios do reinado de Dom Pedro II podem destacar-se diversos

fatos: a notável expansão da rede de casas, como noutros pontos do país,

principalmente nas regiões litorâneas; a duração dos efeitos dos esforços feitos

por João Caetano, Araújo Porto Alegre e Martins Pena que atuaram como um

centro propulsor montado na Corte; o aparecimento de uma dramaturgia bem

mais elaborada, de que é exemplo Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias; a

atração que experimentaram por ficções dramáticas romancistas de nomeada

como Alencar e Macedo; e finalmente (...), a permanência de traços comuns,

tais como o idioma nacional no repertório apresentado; a preponderância de

peças de procedência lisboeta-parisiense; o amadorismo a sobrepujar

(quantitativa, mas não qualitativamente) as poucas organizações estritamente

profissionais. (...) Na segunda metade do século (XIX), é evidente que novos

ventos estéticos, sociais e políticos passaram a soprar sobre a chamada

civilização ocidental; e a influir, naturalmente, sobre os rumos do teatro

brasileiro, mormente na Corte.43

O saneamento e melhorias na cidade, como calçamento de ruas e iluminação

pública (inicialmente com lampiões alimentados a azeite de peixe e, em meados do

século XIX, com bicos de gás), são ampliados para um número cada vez maior de ruas,

trilhas, becos e vielas, possibilitando a seus moradores deslocamentos a pontos cujo

acesso outrora não existia. Criam-se hábitos sociais como visitar e receber visitas,

presentear, passear, dar festas e bailes em residências ou clubes. E, principalmente,

cresce o teatro como espaço material, social e cultural de expressão.

Tanto no Império quanto nos primeiros decênios da República, o Rio de

Janeiro, sendo o centro cultural e político da nação, constitui a aspiração de

quantos bons elencos como de espíritos privilegiados houvesse no país, a fim

de lá conseguirem a nacional consagração e renome definitivo. (...). Em 1871

abriu-se o Imperial Teatro Dom Pedro II. Em 1872, o Cassino Franco-Brésilien

(...). Em 1874, o (...) Teatro Vaudeville; em 1876, o Politeama

Fluminense;(...)o Teatro Recreio Dramático (1880), (...) o Teatro da Sociedade

Recreio Dramático Riachuelo.(...). Em 1870, o Teatro Lucinda, chamado

Novidades entre 1882 e 1884.(...) Em 1881, o Teatro Príncipe Imperial (...)

Ora, para nutrir uma tal rede de teatros em funcionamento, com casas cheias e

entusiastas, era necessária uma tríplice estrutura: bons autores, bons elencos

e público numeroso que afinasse com os espetáculos que lhe fossem

oferecidos. E sobre tudo isso, espíritos que os animassem, e se animassem com

toda essa movimentação. Bons elencos supunham também bons diretores de

companhias estáveis e aí estão os nomes consagrados de João Caetano dos

Santos, Florindo Joaquim da Silva, Joaquim Heliodoro (Gomes dos Santos),

43

Lottar HESSEL e Georges RAEDERS - O Teatro no Brasil sob Dom Pedro II, 1ª parte, Porto Alegre: Ed. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto Estadual do Livro, 1979, pp. 278 e 325.

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Germano de Oliveira, (Luís Cândido) Furtado Coelho, Ismênia dos Santos,

Jacinto Heller, (José) Dias Braga, Vicente Pontes de Oliveira, Guilherme da

Silveira (Portugal, 1846 – Madrid, 1900), Antônio de Sousa Bastos e Luís de

Braga Júnior, o Visconde, entre outros que muito atuaram na sede e nos tempos

do Brasil monárquico. Na órbita de peças e autores, se nem todos nem todas

foram de primeira água, o que é natural em tão copiosa produção, houve

contudo autores de boa categoria e que, principalmente, estiveram em sintonia

com o meio e com a época.44

Consolidada a independência e iniciada a obra de construção institucional do

Brasil independente com o Primeiro Reinado (1822-1831) e a Regência (1831-1840),

após um período de turbulências políticas, com Revoltas que atingiram a própria capital

do Império, chega-se à consolidação do regime monárquico (1840-1853), que entra em

seu apogeu (1853-1871) e conhece o declínio e a queda (1871-1889)45

, tendo o Rio de

Janeiro como a principal cidade do país, por força de seu papel social, cultural e

político.

Como um moralista ou demiurgo, ao lado de figuras exponenciais do jornalismo,

da dramaturgia e da literatura de seu tempo – na mesma tradição de Martins Pena,

Joaquim Manoel de Macedo, José de Alencar, Machado de Assis e Artur Azevedo,

munido de elegância, cultura, sabedoria, ironia e crítica, França Júnior vestia sua

máscara de comediógrafo e ocultava-se atrás de um sugestivo pseudônimo (Osiris, deus

egípcio cujo mito pode ser interpretado como uma metáfora da dispersão e da

fragmentação) para, através de suas comédias e folhetins, mostrar - como quer Hamlet

ao falar a atores sobre a representação (Ato III, Cena II), “à sua época e geração sua

forma e efígie”. E França Júnior mostra, em forma cômica, um espelho ridículo à

sociedade de seu tempo.

44

Idem - O Teatro no Brasil sob Dom Pedro II, 2ª parte, Porto Alegre : Ed. da Universidade, UFRGS, 1986, pp. 223 a 225. 45

José Murilo de CARVALHO, A construção da Ordem / Teatro de Sombras, Rio de Janeiro : Editora da UFRJ / Relume Dumará, 1996, p. 51.

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Tais recursos (máscara e pseudônimo) ocultam o analista arguto, o crítico

mordaz, o pensador que sonha uma sociedade diferente da que ironiza, mesmo quando

distribui carapuças aos políticos e à sociedade carioca de então. Ao lado dos escritores

mencionados e de outros artistas, pensadores e políticos de seu tempo, como o próprio

Imperador Dom Pedro II, cujo maior ideal, assim que se livrasse do indesejado “ofício

de governar”46

, era tornar-se bibliotecário ou professor47

, França Júnior somou mais

uma contribuição ao sonho de criação ou invenção de um novo país, uma Nação, o

Brasil. Toda uma geração de jornalistas-escritores, se analisarmos o pensamento contido

em suas obras, tem essa preocupação.

À diferença dos autores mencionados (Martins Pena e Machado de Assis, por

exemplo), homens de literatura (no caso de Alencar, também político do Partido

Conservador) que ironizavam e criticavam a política brasileira, França Júnior não era,

como eles, identificado com o ideário liberal, podendo-se, antes, alinhá-lo como

46

“Não há nada pior neste mundo do que ser testa coroada ou celebridade. (...) Falo dos reis e dos príncipes que dirigem os estados. (...) Qualquer sujeito, por mais ínfima que seja a sua condição social, pode dizer „vou fazer isto ou aquilo‟, uma vez que não ofenda as leis, ou não entre pela esfera de direitos de terceiro. Qualquer sujeito pode, por exemplo, ir ao Castelões, tomar uma cajuada, passear a pé pelas ruas a qualquer hora do dia, carambolar à vontade nos bilhares públicos pagando o respectivo tempo, assistir aos espetáculos da Sarah Bernhardt das torrinhas do S. Pedro Alcântara, ir a Botafogo em um bond de tostão e até mesmo em um cara dura, descompor o adversário nas folhas públicas sob o seu nome e a bendita responsabilidade de um testa de ferro, etc, etc. A cabeça coroada que tivesse a fantasia de fazer uma só destas coisas ou cairia no ridículo ou na execração pública. O ofício de rei é penoso. E toda a glória que dele possa por ventura porvir, não compensa a grande soma de liberdade que se perde. (...)”. Folhetim Onde está a felicidade, publicado originalmente na série “Ecos Fluminenses”, em 1885, no jornal O Paiz. FRANÇA JÚNIOR, op. cit. pp. 675 e 676. A ortografia e a pontuação foram alteradas, para melhor compreensão do texto original. 47

Ver, entre outros: Lídia BESOUCHET, Pedro II e o século XIX, Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1993; Gloria KAISER, Pedro II do Brasil: filho da Princesa de Habsburgo, romance, trad. de Christiane Rupp, Rio de Janeiro : Agir Editora Ltda, 2000; Lilia MORITZ SCHWARCZ, As barbas do Imperador: Pedro II, um monarca nos trópicos, São Paulo : Companhia das Letras, 1998; Jean SOUBLIN, D. Pedro II, O Defensor Perpétuo do Brasil, Memórias Imaginárias do Ultimo Imperador, tradução de Rosa Freire d‟Aguiar, Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1996 e S. A. SISSON (editor), Galeria dos Brasileiros Ilustres: biografias (1822-1861), Brasília : Senado Federal, 1999 (vol. 1). Para uma visão crítica do papel político do Imperador Dom Pedro II, ver Caio PRADO JR., op. Cit., pp. 100 e 101.

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conservador, em política pelo menos. Isso não o impediu de utilizar, como os artistas e

intelectuais seus contemporâneos, as armas do riso, da blague e da ironia para criticar a

realidade que via à sua volta. Deve-se, aliás, considerar relativo o alinhamento político

ideológico dos homens de cultura (intelectuais e artistas) da época (Segundo Reinado),

pois, a exemplo do que acontecia na política, também na arte era comum encontrar

escritores que, em política, eram conservadores e, na arte e na crítica aos costumes,

defendiam teses típicas de um difuso liberalismo. E vice-versa.

Não há distinção fundamental entre liberais e conservadores. Ambos

concordam em manter a ordem monárquica e o escravismo, para ambos é

intocável a propriedade. Os liberais brasileiros, por sinal, estão mais próximos

do latifúndio do que os conservadores, na medida em que a pregação

descentralizadora e federalista abre as portas para a legitimação do poder

político local, que já dispõe da terra e do bacamarte; os conservadores estão

mais próximos dos senhores do comércio e do crédito que dominam a fazenda, o

engenho e o latifúndio; ambos, por suas facções, defenderão e combaterão a

abolição, ambos defenderão a grande propriedade e o livre-cambismo que

matará as esperanças de desenvolvimento e industrialização ensaiadas após a

tarifa Alves Branco.48

Um nome pode ser citado para ilustrar o fato de que nem sempre a coerência

estava presente nas atitudes e nos escritos de intelectuais e políticos do Império:

Francisco Sales Tôrres Homem (1812-1876). Ao lado de Domingos José Gonçalves de

Magalhães (1811-1882) e Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879), fundou e editou

em Paris a Revista Nitheroy, em cujos únicos dois números publicados (1836) foram

lançadas as bases do movimento romântico brasileiro49

. Formou-se pela Academia

Médico-Cirúrgica (que daria origem à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro),

licenciou-se em direito pela Faculdade de Paris, mas suas atividades principais seriam o

jornalismo e a política. Em 1849, deputado do Partido Liberal (eleito pela província do

48

Paulo BONAVIDES e Roberto AMARAL, Textos Políticos da História do Brasil, vol. 2, Império, Segundo Reinado (1840-1889), Introdução (versão eletrônica), in: http://www.cebela.org.br/txtpolit/socio/2/B_intro1.html. 49

Maria Orlanda PINASSI, Três Devotos, uma Fé, nenhum Milagre: Nitheroy, Revista Brasiliense de Ciências, Letras e Artes; São Paulo : Fundação Editora da UNESP, (Prismas), 1998.

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Rio de Janeiro; na época ainda era um jornalista panfletário), publica, ainda sob o

impacto do esmagamento da Revolução Praieira em Pernambuco (1848-1849)50

,

utilizando o pseudônimo de Timandro, o panfleto O Libelo do Povo, no qual ataca a

corrupção e a monarquia de maneira violenta51

. Isso não o impediu, em 1858, de ser

membro do Gabinete conservador do Visconde de Abaeté, como Ministro da Fazenda.

Fato que a imprensa liberal não poupou e que, mesmo entre os conservadores, causou

constrangimento. Foi nomeado, ainda, Senador vitalício em 1870 e “visconde com

grandeza” em 1872: Visconde de Inhomirim, nome originário da fazenda de Inhomirim

da qual passou a ser proprietário quando se casou52

. O Visconde, durante muito tempo,

foi alvo da ironia de caricaturistas e folhetinistas, e da sátira dos jornais liberais. O

jornal A Reforma, do poeta, dramaturgo e jornalista maranhense Joaquim Serra,

publicou uma sátira em versos alusiva à ascensão de Torres Homem à “nobreza” da

época, referindo-se ao passado de liberal radical do novo Visconde, que assim

terminava:

Inho, até aqui desinência,

Já se antepõe a mirim

Simbolizando a eminência

Do senhor Inho... mirim!53

Torres Homem traçaria uma carreira política que, num período de dez anos,

passaria por três fases: revolucionária, coalicionista (apoiando a formação do Gabinete

de Conciliação, chefiado pelo Marquês de Paraná, em 1853) e conservadora, quando

apareceria como Ministro da Fazenda do gabinete conservador de Abaeté (1858).

50

Ver as razões para a Revolução em TAUNAY, op. Cit. pp. 141 e 142. Ver, também, Nelson Werneck SODRÉ, Panorama do Segundo Império, SP, RJ, Recife e Porto Alegre, Companhia Editora Nacional (Brasiliana Série 5ª, vol. 170), 1939, pp. 94 e 95, e Moacyr FLORES, Dicionário de História do Brasil (Coleção História – vol. 8), 2ª edição, revista e ampliada, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, pp. 489 e 490. 51

Ver Raimundo MAGALHÃES JÚNIOR, Três Panfletários do Segundo Reinado, São Paulo : Companhia Editora Nacional, Série 5ª - Brasiliana – Vol. 286, Biblioteca Pedagógica Brasileira, 1956, pp. 3-126. 52

Ibidem, p. 40. 53

Ibidem, pp. 40 e 41.

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Outro exemplo: o mesmo José de Alencar, que polemizava, por ocasião do

lançamento da obra A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães (1856),

patrocinada por D. Pedro II, atacando-a violentamente em sua coluna no jornal Diário

do Rio de Janeiro, o que lhe valeu a desconfiança e reservas por parte do Imperador,

defendeu a liberdade de imprensa, postulado típico do ideário liberal, em um de seus

folhetins publicados na série Ao correr da pena (1855). Posteriormente (1868-1870),

será Ministro da Justiça do Gabinete Conservador presidido por Rodrigues Torres.54

(...) Tempo virá em que do obscuro gabinete do escritor a pena governará o

mundo, como a espada de Napoleão da sua barraca de campanha. Uma palavra

que cair do bico da pena, daí a uma hora correrá o universo por uma rede (sic!)

imensa de caminhos de ferro e de barcos a vapor, falando por milhões de bocas,

reproduzindo-se infinitamente como as folhas de uma grande árvore. Esta árvore

é a liberdade; a liberdade de imprensa, que há de existir sempre, porque é a

liberdade do pensamento e da consciência, sem a qual o homem não existe;

porque é o direito de queixa e de defesa, que não se pode recusar a ninguém. (...)

“55

França Júnior pode ser considerado um autor que não só analisa criticamente o

Brasil, mas também pensa a necessidade de uma sociedade diferente daquela que

descreve em seus folhetins e peças. Também nesta direção, Eça de Queiroz, em

Portugal, autor, ao lado de Ramalho Ortigão, de As Farpas (inspiradas em Les Guêpes,

de Alphonse Karr, a quem França Júnior rende homenagens em seus folhetins56

),

54

Ver Raimundo de MENESES - José de Alencar: Literato e Político, Rio de Janeiro : Livros Técnicos e Científicos Editora S. A., 1977. 55

Folhetim publicado no Diário do Rio de Janeiro, em 27 de maio de 1855; ver José de ALENCAR, Crônicas Escolhidas, editadas por Fernando Paixão, São Paulo : Folha de S. Paulo e Editora Ática S. A., 1995, p. 109. 56

Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR– Folhetim publicado em 29 de abril de 1867, no jornal Correio Mercantil; ver: FRANÇA JÚNIOR, Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia : Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume 6, 1957, pp. [1]; ver, ainda, na mesma obra, os folhetins do jornal Correio Mercantil de 7 de julho de 1867 [p. 61], de 27 de outubro de 1867 [p.125], 5 de janeiro de 1868 [p.151] e 12 de janeiro de 1868 [p.155]. O folhetim de 29 de abril de 1867, com modificações, seria publicado na série “Notas de um vadio”, no jornal O Globo Illustrado (1881-1882), ver: FRANÇA JÚNIOR, Folhetins , pp. 317 a 320. Jean Baptiste Alphonse Karr, jornalista panfletário francês (1808-

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fazendo troça da sociedade portuguesa do século XIX com intuitos moralistas e de

saneamento do regime político português, visando a sua regeneração57

, era de uma

ironia semelhante à de Machado de Assis, escritor em que o espírito cômico se associa à

herança dos “filhos de La Mancha”, como disse Carlos Fuentes58

. Quixotescos

sonhadores de um novo país, de um novo continente, de um novo mundo, Eça de

Queiroz, Machado de Assis, França Júnior são pensadores, criadores e inventores do

que Lezama Lima chamou de “eras imaginárias, pois uma cultura que não consiga criar

uma imaginação será historicamente indecifrável” 59

.

Encerramos aqui este capítulo, em que apresentamos a geração literária de

França Júnior, suas críticas e propostas em relação ao Brasil que conhecia, procuramos

mostrar que havia uma constelação de autores entre aqueles escritores, poetas,

jornalistas e políticos com uma identidade de objetivos, mesmo que não

necessariamente de princípios e idéias políticas ou estéticas. Apresentamos o Rio de

Janeiro, cidade e espaço político, social e cultural que serviu de inspiração para as

comédias e forneceu material para a crônica e a crítica dos folhetins de França Júnior,

cuja biografia analítica e obras de comediógrafo e folhetinista apresentamos em linhas

gerais.

1890) exerceu forte influência em Portugal e no Brasil. Era lido e admirado por D. Pedro II, citado por Machado de Assis e imitado por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão. Publicou vários livros e foi colaborador do jornal Le Figaro. No fim da vida, em Saint-Raphael, próximo a Nice, entregou-se à paixão pelas rosas e outras flores, cultivadas ao redor de sua casa. Chegou a escrever uma Voyage autour de mon jardin, quem sabe ainda fazendo uso da sátira, parodiando Xavier de Maistre (1763-1852), autor de Voyage autour de ma chambre, de quem também Machado de Assis é devedor. 57

Ver entrevista de Maria Filomena Mónica, biógrafa de Eça de Queiroz, à revista BRAVO! - ano 4, nº 40, janeiro 2001, pp. 86 a 91. 58

Ver, de Carlos FUENTES, o artigo “O milagre de Machado de Assis”, in: jornal Folha de São Paulo, 1º de outubro de 2000, caderno Mais!, pp. 4 a 11. 59

Lezama LIMA, citado por Carlos FUENTES, op. cit., p. 11.

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No segundo capítulo, apresentaremos o folhetim, gênero híbrido de jornalismo e

literatura, antecessor da crônica atual. Analisaremos separadamente folhetins de França

Júnior, levando em conta as categorias “Cidade(s)”, “Costumes” e “Política”. A

utilização destas categorias, entretanto, não se dará de forma rígida, pois em muitos

momentos, tanto nos folhetins como nas peças de França Júnior, a descrição e a crítica

dos costumes e da política, aparecerão misturadas, pois a visão do autor era a de um

grande observador da vida social em suas múltiplas manifestações.

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2 º capítulo –

Folhetins: a real ficção

O folhetim de que trata este capítulo não se confunde com o romance – folhetim,

nem com o romance em folhetim já estudado por autores como José Ramos Tinhorão60

e

Marlyse Meyer61

. Tania Rebelo Costa Serra expôs a diferença básica entre o romance –

folhetim e o romance em folhetim no trecho abaixo:

O romance em folhetim tem preocupações estruturais e temáticas que diferem

das do romance-folhetim, mais voltado para o grande público em busca de

diversão, embora esta não seja negada no romance em folhetim. A diferença

básica está nos objetivos literários: o romance em folhetim está sempre atento à

sua organização interna, com vistas a uma unidade da estrutura narrativa

necessária para seu valor estético, enquanto o romance-folhetim pode ir sendo

construído no dia a dia até o total esgotamento da curiosidade do público, o que

causa, freqüentemente, falhas nessa unidade. 62

Recurso de donos de jornais interessados em aumentar as vendas e assinaturas,

parente literário do melodrama popular, resultado do casamento da imprensa com a

literatura, não é pela rocambolesca63

trajetória e persistente história do folhetim, como

veículo ou suporte do romance, que nos aventuraremos aqui.

O que nos interessa, sobremaneira, é o gênero híbrido de jornalismo e literatura

de ficção, que serviu de espaço tanto para devaneios, entretenimento, crítica teatral,

exercícios de estilo, como para, no caso de França Júnior, José de Alencar, Machado de

Assis e outros, falar de política, sociedade e costumes.

60

José Ramos TINHORÃO, Os Romances em Folhetim no Brasil (1830 à atualidade), São Paulo : Livraria Duas Cidades, 1994. 61

Marlyse MEYER, Folhetim: uma história; São Paulo : Companhia das Letras, 1996. 62

Tania Rebelo COSTA SERRA Antologia do romance – folhetim (1839 a 1870), Brasília : Editora da Universidade de Brasília, 1997, p. 21; ver também, da mesma autora: Joaquim Manuel de Macedo, ou, Os Dois Macedos: A Luneta Mágica do IIº Reinado; Rio de Janeiro : Fundação Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro, 1994. 63

Ver Marlyse MEYER - Folhetim: uma história; São Paulo : Companhia das Letras, 1996, e “As mil faces de um herói-canalha”, in: Marlyse MEYER - As mil faces de um herói canalha e outros ensaios, Rio de Janeiro : Editora UFRJ, 1998, pp. 197 a 236.

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Originário da França, o feuilleton designa o espaço vazio do jornal destinado ao

entretenimento, geralmente localizado na primeira página. A França do início do século

XIX, submetida à forte censura napoleônica, é atraída para a leitura leve, nesse espaço

também chamado de rez-de-chaussée (rés-do-chão ou rodapé), de vocação recreativa e,

em certo sentido, de domesticação dos sentidos. Diversificando-se em diferentes tipos,

os temas tratados nesses textos variam, sempre com seus autores atentos à novidade,

mais não seja pela própria natureza do veículo a que se destinam: o jornal.

No Brasil do jovem Machado de Assis, tanto o autor (o folhetinista) como sua

criação (o folhetim) assim são retratados com a ironia machadiana:

O folhetim (...) nasceu do jornal, o folhetinista por conseqüência do

jornalista. Esta íntima afinidade é que desenha as saliências

fisionômicas da moderna criação. O folhetinista é a fusão admirável do

útil e do fútil, o parto curioso e singular do sério, consorciado com o

frívolo.(...) Efeito estranho é este, assim produzido pela afinidade

assinalada entre o jornalista e o folhetinista. Daquele cai sobre este a

luz séria e vigorosa, a reflexão calma, a observação profunda. Pelo que

toca ao devaneio, à leviandade, está tudo encarnado no folhetinista

mesmo; o capital próprio.(...) Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a

política.64

Entre a dificuldade de definir ou como classificar o folhetim de que estamos

tratando, em oposição à persistência do gênero literário nas análises de Marlyse Meyer,

e o encanto que transpira de sua análise de tão arredio objeto de estudo65

, ficamos com a

concisão de Antonio Candido, para quem o folhetim “...corresponde sobretudo a uma

64

MACHADO DE ASSIS – “Miscelânea, Aquarelas, IV, O Espelho: revista de literatura, modas, indústria e arte”, 30 de outubro de 1859, in: Obra completa, vol. 3, Rio de Janeiro : Editora Nova Aguilar S. A., 1992, p. 959. 65

Ver, da autora, o ensaio “Voláteis e versáteis: de variedades e folhetins se fez a chronica”, in: As mil faces de um herói canalha e outros ensaios, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998, pp. 109 a 196.

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localização na página do jornal (o rodapé), mas acabou esposando tantos significados

quantos foram os gêneros ali tratados desde a crônica noticiosa até o ensaio crítico e a

narrativa ficcional ou em série”.66

Isto posto, passemos a tratar dos Folhetins de França Júnior. Como dissemos na

apresentação desta dissertação, seria preciso separar e analisar alguns textos, levando

em conta categorias como Cidade, Costumes e Política.

A produção do autor organizada em livro67

tem vários folhetins que poderiam

ilustrar uma ou mais de uma destas categorias. Procuramos escolher alguns exemplares

representativos, para que a análise traga à luz o pensamento do autor.

No entanto, notamos a dificuldade de aplicar estritamente a classificação em

categorias, recurso utilizado para separar e analisar o material pesquisado, os folhetins

do autor, pois França Júnior, misturando os assuntos no processo de criação de suas

obras, opta, em sua crítica de costumes, por metáforas, pelo riso, pela ironia e pela sátira

como elementos formais de seu estilo literário. Em muitos textos dos folhetins, o

público e o privado, a intimidade e a vida pública e preocupações com a cidade

aparecem imbricados na descrição, crítica e análise do ambiente político, social e

cultural brasileiro da época. Desse material anotado e apresentado nos folhetins, o autor

fará uso em seu teatro, em especial nas comédias analisadas no capítulo seguinte.

66

Citado por Marlyse MEYER– Folhetim: uma história, Nota Prévia, São Paulo : Companhia das Letras, 1996, p. 15. O mesmo texto é reproduzido na contra capa da obra citada na nota anterior. 67

FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, (prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira, da Associação Ciências e Letras de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos jornais O Globo Illustrado, O Paiz e o Correio Mercantil, Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1926, e Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume 6, 1957.

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CIDADE(S)

O Rio de Janeiro, a Corte Imperial mais precisamente, cidade onde nasceu e

viveu boa parte de seus 52 anos, foi retratado e criticado em diversos aspectos pelo

folhetinista França Júnior:

Nos folhetins humorísticos cultivou a graça com muita opportunidade e

discrição, sempre a motejar dos hábitos fluminenses, a proposito de

scenas e typos, actos e costumes. Um baile, ou um massante, os jantares

e os recitativos, as visitas e organizações ministeriais, enterros, festas,

namoros, tudo constituia motivo para desopilar o figado de seus

leitores.68

É para essa cidade que volta os olhos o comediógrafo e folhetinista França

Júnior, numa produção jornalística que se inicia na década de 1860 e vai até o fim de

sua vida, em 1890. Da intimidade de um jantar ao comportamento nas ruas e lugares

públicos, nada escapa ao seu olhar arguto, à sua ironia.

A Rua do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro, recebeu esse nome por ter

recebido, em 1746, o Dr. Manuel Amaro Pena de Mesquita Pinto, que teve ampla

moradia montada por conta da Câmara, como acontecia com os ouvidores mandados

para o Brasil pela Metrópole, Lisboa. Rua inexpressiva, como tantas outras numa cidade

ainda sem vida social e com pequenas atividades comerciais, como eram as cidades na

época colonial, passou, após a abertura dos portos ao comércio internacional, a receber

ingleses e franceses, que ali se instalaram como importadores ou atacadistas (ingleses)

ou com lojas de varejo especializadas em tecidos, chapelaria, perfumes, modas,

68

Arthur MOTTA, “Perfil Acadêmico: noticia biographica e subsidios para um estudo crítico”, in: Revista da Academia Brasileira de Letras, anno XIX, volume XXVIII, Rio de Janeiro : Edição do Annuário do Brasil, novembro – 1928, p. 325.

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fantasias, jóias, alfaias de luxo e livros. Lá se instalaram modistas, cabelereiros,

sorveteiros, doceiros etc. Nomes como M. Saisset, Desmarais, Wallerstein, M. Vannet.,

M. Carceler são representativos das nacionalidades presentes no comércio da rua, em

franca expansão. Sorvetes já eram servidos na Deroche, em 1834, e na Castelões, em

1870, Carlos Gomes queixava-se das dificuldades em que vivia a seu compadre Chico

Castelões, e fazia planos para voltar à Itália, enquanto comia saborosas empadas.69

O Carceler (também chamado de Confeitaria Canceler), outrora pertencente ao

italiano Antonio Franzione e instalado na rua Direita com o nome de Hotel do Norte,

teve em M. Carceler, pasteleiro e confeiteiro, e, depois de sua morte, na Viúva Carceler

e Filhos, atentos comerciantes que atraíam uma clientela ávida por seus sorvetes e

refrigerantes, com destaque para o refrigerante de pitanga. Franzione chegou a mandar

suspender, na fachada do estabelecimento, uma tabuleta onde se lia: “Antônio

Franzione, sorveteiro de S.S.M.M.I.I.”.

(...) O Imperador D. Pedro II, não raro, pelos dias calmosos, em

companhia da Imperatriz, em sala especial, nêle ia tomar o seu sorvete.

As pitangueiras de Copacabana, em campo enorme que ia do Leme ao

Ipanema, forneciam o ácido fruto que refrigerava a abrasada garganta

carioca. (...) Era êsse delicioso fruto tomado em alongadas taças de

cristal, iguais às usadas então para beber os vinhos espumantes.70

Nas mesas do Carceler sentavam-se, além do Imperador e da Imperatriz,

personalidades da política, da literatura, do incipiente empresariado, da magistratura, ou

como disse Luiz Edmundo, “...a fina-flôr da sociedade nossa, pela época”.71

Mauá,

Sales Tôrres Homem, Pereira da Silva, José de Alencar, Maciel Monteiro, Zacarias de

69

Brasil GERSON - “Rua do Ouvidor”, in: História das ruas do Rio: e da sua liderança na história política do Brasil; notas, introdução, fixação do texto, Alexei Bueno; 5ª edição, Rio de Janeiro : Lacerda Ed., 2000, pp. 42 a 51. 70

Luiz EDMUNDO - “O Carceler”, in: Recordações do Rio Antigo, 2ª Edição (Popular), Rio de Janeiro : Ed. Conquista, 1956, p. 146. 71

Ibidem.

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Góes Vasconcelos, Cotegipe, Sousa Leão, Barões do Catete e de Penedo, Viscondes de

Camaragibe, de Jequitinhonha, do Rio Branco, Nabuco de Araújo, Suaçuna, Marquês do

Paraná eram vistos freqüentemente no estabelecimento. Provavelmente os mesmos que

se vestiam com costumes, camisas e casacas confeccionados nas alfaiatarias Raunier &

Cabral ou na loja de Almeida Rabelo.72

De 1827 em diante, surgem na Rua do Ouvidor tipografias, jornais, revistas,

como o Jornal do Commercio (de Pierre Plancher), A Nação (do então jovem deputado

conservador José Maria da Silva Paranhos, futuro Barão do Rio Branco), O País (de

Quintino Bocaiúva), a Gazeta de Notícias (que contou com nomes como Ferreira de

Araújo, Joaquim Nabuco e Eduardo Salamonde), A Reforma (de Joaquim Serra) e

outros. Livrarias-Editoras ali se estabeleceram, como a dos Laemmert, que haviam

chegado da França antes de 1850 e em tipografia montada na Rua do Ouvidor

imprimiram revistas como A Vida Moderna, de Artur Azevedo e Luís Murat, O Álbum,

de Artur Azevedo, e Tebaida, de Colatino Barroso, que publicava textos e poemas dos

simbolistas. O movimento simbolista surgiria na redação da Folha Popular, onde Cruz

e Souza teve seu primeiro emprego no Rio de Janeiro, contratado por Emiliano Perneta,

redator-chefe do jornal. Garnier e Francisco Alves são outras livrarias e editoras que

surgiram na Rua do Ouvidor. A própria Academia Brasileira de Letras seria filha da

Rua do Ouvidor, pois na rua estava instalada a Revista Brasileira, em cuja terceira fase,

depois de 1890, colaboraram Machado de Assis (freguês assíduo da Casa Crashley, que

72

Brasil GERSON – Op. cit. Para conhecer a biografia das personalidades citadas, ver : Augusto Vitorino Alves SACRAMENTO BLAKE - Dicionário bibliográfico brazileiro, Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, 1883-1902; ver também: S. A . SISSON (editor) Galeria dos brasileiros ilustres, Brasília : Senado Federal, 1999, 2 vls.

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recebia livros e revistas de países estrangeiros), Sílvio Romero, José Veríssimo,

Joaquim Nabuco, Lúcio Mendonça e outros.73

Charutos de Havana eram vendidos na loja do Bernardo, que tinha entre seus

fregueses o impecável Duque de Caxias. Europa, Ravot e Frères Provenceaux eram

nomes de hotéis onde se servia à francesa, e aonde artistas vindas de Paris recebiam

ricos fazendeiros de café do Estado do Rio. Na loja Passos, cujo café era o mais

saboroso, via-se o Visconde de Mauá e Francisco Sales Torres Homem, já mencionado

no capítulo anterior. O Visconde de Abaeté, boateiro contumaz, por ali passava todos os

dias.74

Por noventa anos, a Rua do Ouvidor foi tida como rua líder da cidade do Rio de

Janeiro. Quando é aberta a Avenida Rio Branco, no começo do século XX, a Rua do

Ouvidor perde a condição de líder e conhece a decadência que pudemos constatar, num

dos momentos da pesquisa, quando visitamos a Biblioteca Nacional e a Academia

Brasileira de Letras, em busca da obra e de informações sobre França Júnior. No que

talvez tenha sido a terrasse de uma das famosas confeitarias citadas, instalava-se

soberano o insípido logotipo de uma rede de fastfood americana... Assim referiu-se

Brasil Gerson à rua líder, citando Coelho Neto ao final do capítulo sobre a Rua do

Ouvidor:

- de madrugada funcionando como uma espécie de esôfago da cidade, a

dar passagem a carroças atulhadas de verduras, frutas e lenhas, e às

vezes até a rebanhos de bovinos que se espantavam, pondo a gente a

correr, a esgueirar-se pelos vãos das portas; das dez às onze servindo

73

Brasil GERSON – Op. cit. 74

Brasil GERSON, Op. Cit., p. 45. Na biografia de S.A. SISSON (op. Cit. pp. 57 a 63) nada autoriza esta afirmação de Brasil Gerson. O Visconde de Abaeté foi chefe de Gabinete Conservador (dezembro de 1858 a agosto de 1859).

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para a digestão dos seus comerciantes vindos de dentro das lojas, bem

almoçados, para as cadeiras postas nas calçadas; e à tarde, das três às

cinco, para a defilée da elegância e do espírito, do vício e da miséria

também, “numa promiscuidade fantástica de roda concêntrica de

lanterna mágica, baralhando-se, confundindo-se”(...).

A França Júnior não poderiam escapar tantos aspectos da vida cultural,

política e social da cidade de seu tempo, contidos num espaço tão diminuto e

privilegiado. Como grande observador da vida social em suas múltiplas manifestações,

escreveu para a Gazeta de Notícias, em 1878, o folhetim “A Rua do Ouvidor”. O texto

tem início com uma alusão aos jardins da Academia de Atenas:

Quem quisesse sondar os arcanos da vida ateniense, naqueles belos

tempos em que Sócrates traçava o caminho da verdadeira luz, e Platão

sonhava o ideal dos governos, nada mais tinha a fazer que subir a

Acrópolis, e internar-se pelas ridentes alamedas dos jardins da

Academia. Era ali (...) que se concentrava todo o movimento da

esplendorosa capital da Ática. Era ali o rendez vous dos poetas,

oradores, guerreiros e artistas, cujos nomes atravessaram os séculos,

registrados pela história em laminas d’ouro.75

Sem pretender os “foros d‟ Atenas para a cidade, onde o autor teve a ventura de

ver a luz”, França Júnior diz que a “vida fluminense está na rua do Ouvidor”. Ao

percorrer o trajeto entre as duas extremidades da rua, “largo de S. Francisco de Paula até

à rua Direita”, os seus leitores teriam “apalpado o pulso do Rio de Janeiro”. Propõe,

então, o folhetinista, que se estude a “nossa capital pela rua do Ouvidor”.

O estudo inicia com a identificação dos tipos que freqüentam uma charutaria,

(onde) “discutem-se questões de praça e diversos pormenores da vida social”. Ali estão

corretores e capitalistas:

São indivíduos de quarenta anos para cima, mais ou menos, já sem

ilusões, na idade em que o abdome começa a arredondar-se, quase todos

celibatários e inimigos irreconciliáveis de reformas. (...) Em política não

75

FRANÇA JÚNIOR - Folhetins, 1926, op. Cit., p. 13.

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se lhes pode acusar de – vira casaca; - porque opinam sempre, embora

em termos, contra o governo. (...) Os freqüentadores daquele ponto são

homens de vistas práticas, e incapazes de tramar uma revolução ainda

mesmo contra o Jockey-Club, sociedade de que alguns fazem parte.76

O pôr do sol era o momento de encontro dos tais homens de vistas práticas.

Recolhiam-se, ou melhor, como disse o folhetinista, levantavam acampamento, antes do

toque do Aragão:

No período imperial gozou de grande popularidade o intendente

Aragão: Francisco Alberto Teixeira de Aragão. Na qualidade de

intendente de polícia (intendente geral da polícia da Corte e Estado do

Brasil, cargo criado por D. João VI, em 10 de maio de 1808, a quem

competia a governança da cidade; função semelhante a de um prefeito

atual, do ponto de vista administrativo), demonstrou competência e raro

zelo. Melhorou a capital do Império, reprimiu, energicamente, a

mendicidade, a vadiagem e os bandos de negros criminosos que

perambulavam pelas ruas, pilhando, assassinando e pondo,

continuamente, a população em sobressalto, e instituiu, como medida de

ordem, o toque português de colhenza, sinal dado às dez horas da noite

pelo sino grande de São Francisco de Paula – crismado, pelo povo,

como toque do Aragão – e depois do qual não mais era permitido o

trânsito.77

Do outro lado da rua, em frente à charutaria, encontra-se uma loja de papel

freqüentada por funcionários públicos, “empregados da polícia e da câmara municipal”.

A liberdade com que transitavam pela rua do Ouvidor, em pleno horário de trabalho,

assim foi ironizada por França Júnior:

Não se pode precisar a hora em que se reúnem, porque, na qualidade de

empregados públicos, dispondo a bel-prazer do tempo, entram e saem e

saem e entram quando lhes parece.78

Forma-se uma espécie de assembléia, “às vezes presidida por algum vereador”,

que cumpre uma ordem do dia na qual se discute aposentadorias de funcionários,

76

Ibidem, p. 14. 77

Adolfo Morales de los RIOS FILHO, O Rio de Janeiro Imperial, 2ª edição, Rio de Janeiro : Topbooks Univercidade Editora, 2000, p. 131. 78

FRANÇA JÚNIOR – Op. Cit. p. 14.

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questões municipais, limpeza pública, abusos comentados pelos jornais e, “sobretudo,

eleições, terreno onde cada um tem uma prosa a contar”. Depois das três da tarde, o

grupo se amplia com um ou outro empregado do Tesouro Imperial, e “discutem

calorosamente reformas a fazer no funcionalismo”.

Caminhando ainda com França Júnior pela rua do Ouvidor, encontramos o Hotel

Ravot, onde se hospedam os fazendeiros “ricos da província”. Símbolo da riqueza

fluminense da segunda metade do século XIX, o café, o Hotel Ravot foi poupado pelo

discreto folhetinista, que talvez não concordasse com o preconceito que já se estabelecia

em relação às artistas de teatro e canto lírico que vinham de Paris para se apresentar na

capital do Império:

O Ravot e o Frères Provenceaux (...) eram (hotéis) de categoria também,

mas de outro feitio, habitados de preferência pelas artistas vindas de

Paris, que a eles atraíam os ricos fazendeiros de café do Estado do Rio,

vários deles barões e marqueses de recente designação (...)79

Em outra loja, mais adiante, a Raunier, encontramos os dandys vestidos com

extravagância, “alvo do mulherio que passa”. Discutem assuntos importantes como o

último baile, a partida de Fulano, o jantar de Sicrano, uma nova cantora que estréia no

Alcazar (teatro lírico). Acompanham a moda, “em todas as suas evoluções e caprichos”.

Passando o ponto dos bonds de Botafogo, atinge-se a marca de quatro esquinas e

uma charutaria (onde se reúnem os estudantes). No entanto, quem por ali passava, era

“visto por todo o Rio de Janeiro”. O movimento da rua acentua-se a partir da uma hora

da tarde, e às três é “quase impossível o trânsito naquela área”.

79

GERSON, Brasil – Op. Cit. p. 45

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O pandemônio de carroças, tilburis, campainhas, pregões de ambulantes e os

gritos dos jornaleiros anunciando a Gazeta de Notícias (em que eram publicados os

folhetins do autor), Jornal do Comércio, Globo e República, retratado por França Júnior

neste folhetim, é reproduzido nas primeiras cenas de Caiu o Ministério!, peça que será

analisada no capítulo seguinte desta dissertação. Por ora, podemos adiantar que a

descrição feita pelo autor da movimentação de pessoas, do tipo de freqüentador da

famosa rua, resulta de uma arguta observação do cotidiano, pontuada de ironia.

Na Rua do Ouvidor, como veremos na comédia Caiu o Ministério! (1882), o

espaço público torna-se palco da representação da expectativa de uma sociedade que

quer ver seus interesses privados satisfeitos pela definição da situação política. Os

boatos circulam pelas lojas, charutarias e confeitarias. A imprensa alimenta a

curiosidade dos freqüentadores da rua pelos acontecimentos políticos e as conversas,

nas esquinas e nas mesas das sorveterias, giram em torno da sucessão de gabinetes

(ministérios): a cada manchete estampada nos diversos jornais que anunciam a queda do

ministério anterior e as especulações sobre a composição do novo, pretendentes a cargos

e empregos públicos, privilégios para obras e casamentos de conveniência sondam

possibilidades, fazem planos para o futuro. Os interesses públicos e privados, a vida

pública e a vida íntima surgem imbricados, indistintos, dependendo da definição e do

rumo dos acontecimentos políticos. É também com certo moralismo zeloso dos bons

costumes que França Júnior lança a seguinte observação: “As pragas que os pais de

família rogam contra a rua do Ouvidor têm por causa aquela zona”.80

80

FRANÇA JÚNIOR, op. cit. p. 16.

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Na loja de Mme. Lambert, localizada um pouco antes da perigosa “zona”,

entramos no “domínio do belo sexo, isto é, onde ele reina, governa e administra”. Ali,

fica-se sabendo sobre os últimos bailes, sobre os divertimentos do Rio de Janeiro e a

qualidade das companhias líricas que se apresentam.

Um local de grande movimento se avizinha: a Confeitaria do Castelões. Ali,

reúnem-se literatos, jornalistas, poetas, romancistas, músicos, deputados, “que

comentam os acontecimentos do dia, entre um homérico queijo suiço e latas de doce. É

ali onde se armam os cavaleiros das letras, política e artes. É a imprensa no meio da rua;

o cérebro do Rio de Janeiro”. Articulações políticas, quedas de ministérios e boatos são

semeados com “a mesma facilidade com que uma mãe-benta se desmancha na boca dos

freguezes”. Quem sabe se pelo Castelões, também citado em Caiu o Ministério!, não

passava (antes ou após o café na loja Passos) o Visconde de Abaeté?

Seguem-se lojas onde se reúnem médicos, engenheiros e professores

aposentados (Albernaz & Fronteiro, alfaiataria), a loja do Bernardo (onde eram

encontrados os melhores charutos de Havana), freqüentada por vários “pretendentes a

juizados de direito, funcionários reformados, oficiais generais, desembargadores e gente

provecta das duas câmaras”. Na ourivesaria do Souza, iam expor-se “os médicos

elegantes, recém chegados da Europa”.

No armarinho do Godinho, chegamos “à estação geral das famílias

econômicas”, vindas de bairros mais afastados do centro da cidade ou de suas

adjacências. As filhas dessas famílias compravam ali tecidos e aviamentos para seus

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vestidos de festa81

. O folhetinista não lhes perdoa a origem social e o gosto duvidoso

para formas e cores dos “vestidos encarnados, amarelos, verdes e azuis com enfeites os

mais extravagantes, e que davam à nossa cidade um aspecto carnavalesco”. Reproduz

no folhetim o diálogo entre duas dessas moças:

- Como pretende fazer a sua polonaise? Pergunta uma.

- Não sei ainda. Estou indecisa.

- Por que não pede o molde da Luizinha?

Em outro balcão conversam duas mocinhas gordinhas:

- Que pagode, hein, Lulú?

- E si você visse a cara com que ficou o sujeito...

- Ah! Ah! Nós quando nos ajuntemos, pintemos.

Na parte final do folhetim, não havendo nada “mais digno de menção” para seu

ligeiro estudo, ainda fala o folhetinista da confeitaria do Guimarães, onde “se reúnem

apenas alguns comedores de empadas, e um ou outro deputado inofensivo, que ali vai

tomar sorvetes em horas de sessão”. Como se vê, a atividade parlamentar não era já

muito prestigiada pelos nobres deputados.

A intuição e a observação do cotidiano pelo folhetinista, construindo o que

poderíamos chamar de “protosociologia”, através de seus devaneios sociológicos,

mesmo sem superar o senso comum, pode ser entrevista na conclusão de seu texto:

Quem quiser saber dos hábitos, gostos, tendências, profissão, política e

até da idade de qualquer indivíduo, consulte a loja que ele freqüenta na

rua do Ouvidor. Em vista do que fica exposto não há a menor dúvida de

que o Rio de Janeiro em peso está naquela rua.82

Na série de folhetins “Ecos Fluminenses” publicada no jornal O Paiz, de 1885

em diante, tratou França Júnior de diversos assuntos relativos aos hábitos urbanos,

desde conversas e comportamentos presenciados nos bondes à implacável

81

É nesse armarinho que as personagens Dona Bárbara e a filha Mariquinhas, da comédia Caiu o Ministério! (1882), fazem suas compras. 82

FRANÇA JÚNIOR – Op. cit. pp. 13 a 19.

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ridicularização dos indivíduos que cometiam deslizes gramaticais, como este

presenciado num baile:

- V. Ex. dança esta quadrilha?

- Se meu pai querer...

O elegante, contendo o riso, inclina-se respeitosamente, e... retira-se.

Daí a cinco minutos volta com a seguinte mensagem:

- Minha senhora, seu pai quereu.

- Então, estou às suas ordens.83

Em pouco tempo, a indigitada donzela era coberta de ridículo, primeiro pelos

freqüentadores do baile, pois o “desastrado condicional – se meu pai querer – passava

de boca em boca com uma longa cauda de gargalhadas”. À meia noite, todos os

presentes ao salão apontavam a pobre moça. No dia seguinte, duplicava-se o número

dos que já sabiam do fato. E França Júnior aponta como se dava tal milagre da

duplicação: “O processo é simples: basta ir à rua do Ouvidor, entrar numa confeitaria e

contar o caso”.84

Para mostrar como os fluminenses de nomeada fugiam do abrasador verão do

Rio de Janeiro, França Júnior nos dá, no folhetim “Friburgo e Petrópolis”85

, outro

exemplo de sua técnica de analista social amador, sempre no estilo humorístico que o

distinguia, não poupando nem a sua classe de folhetinista:

Friburgo e Petrópolis são os dois poéticos refúgios dos fluminenses na

estação ardente das cigarras e ventarolas. Despovoa-se o Rio de

Janeiro. A rua do Ouvidor fica de crista caída durante três meses;

dissolvem-se os clubs do Castelões, do Bernardo e da charutaria do

Caetano; os namorados desertam dos pontos dos bonds, os vendedores

de bilhetes de loteria andam às moscas, fecham-se os pianos, os

folhetinistas perdem o espírito e a vida luxuosa da corte e vão-se

concentrar mil metros acima do nível do mar, onde se reclinam a

elegante cidade imperial e a singela vila de origem suiça. Não há

burguês com dinheiro, nem aristocrata, embora sem metal sonante, que

não procure nessa época um pretexto para ir ao campo. Este tem uma

83

Idem – folhetim “O ridículo”, p. 625. 84

FRANÇA JÚNIOR – op. cit. p.626 85

FRANÇA JÚNIOR – op. cit. pp.193 a 202.

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filha que sofre de ataques histéricos. Aquele uma sobrinha, cujo pulmão

ameaça ruína. Este outro é achado de erisipelas. Um tem medo da febre

amarela. Outro... No fim de contas não se vai para o campo por isto ou

aquilo, mas quase sempre por moda .(...)86

As diferenças entre as cidades são apontadas por França Júnior, como “pontos de

contato e traços salientes de separação”. Se para Petrópolis, deslocavam-se a família

imperial e a corte, quase sempre por moda, para desespero das donzelas à procura de um

bom partido, ou de assuntos para suas intermináveis conversas, a maior parte dos que

iam a Friburgo o fazia por recomendação médica. A água das duas cidades possui “a

virtude dos grandes remédios americanos; - cura todas as moléstias, desde a prosaica

espinhela caída até a poética neurose, originária por amores infelizes”. Médicos a

indicavam, como ainda indicam, para males do fígado, estômago etc. Um médico, em

particular, é citado por França Júnior, mais por ironia do que pela competência: Sales

Torres Homem, mencionado no capítulo anterior. Como dissemos, os folhetinistas não

pouparam sua atitude de vira-casaca, passando de liberal radical que atacava até o

Imperador a ministro de um gabinete conservador e Visconde de Inhomirim, título

recebido do mesmo Imperador. França Júnior alista-se entre os conservadores que

repudiavam o adesista e, nos diálogos que escreveu neste folhetim, abaixo reproduzidos,

atira ao político (e médico) farpas certeiras:

86

Ibidem – p. 193.

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- Para onde pretende ir este ano, Dª Chiquinha?

- Para Petrópolis. Aquilo deve estar explendido!

- Que pena eu tenho de não ir também.

- E porque não vai?

- O Torres Homem disse a papai que era melhor ir para Friburgo.

- Eu já mandei fazer seis vestidos na Lambert, e estou à espera de três

chapéus que devem vir da Europa. Os nossos carros já foram.

Quando sair à rua, hei-de por poeira naquilo tudo.

- Você é quem pode.

- No Hotel Bragança (em Petrópolis) já não há lugares. O Hotel

Inglês está cheio, as casas andam por favor.

- Maldito Torres Homem!

- Olhe, já lá está a família do Siqueira; ontem embarcou o Geraldo

com as filhas...

- Para onde vai o Geraldo?!

- Para um chalé na rua do Imperador.

- Diacho do Torres Homem!87

As comparações denotam a postura crítica em relação à administração local e à

vida social, e a preferência do folhetinista por uma ou outra cidade. Assim, se em

Petrópolis os chalés e as casas de campo são construídas

...a sorrirem entre as flores, Friburgo detesta os jardins, erguendo suas

casas à beira da estrada, com o aspecto grave e carrancudo das

habitações urbanas, e consente que o capim cresça em suas ruas, dignas

de melhor sorte. (...) Petrópolis teve um teatro, que hoje é – venda.

Friburgo teve uma venda, que hoje é teatro. Petrópolis, além da

iluminação, tem a seu serviço legiões de pirilampos, que à noite cintilam

como diamantes sobre os tapetes de grama, que bordam a margem de

seus canais. Friburgo não tem iluminação nem pirilampos. (...)

Petrópolis dança aos sábados no hotel Bragança (....). Friburgo não

dança: engorda.88

87

FRANÇA JÚNIOR – Op. cit. pp. 196 e 197. 88

ibidem, p. 201.

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COSTUMES

O mesmo França Júnior que chega ao lirismo em seus folhetins mais amenos, ao

falar de crianças, sem perder a verve que constata, que os “anjinhos do céu”, após

alguns minutos de convivência, “são mais espirituosos e malignos que todos os diabos

da terra”, é o folhetinista bucólico que censura os “brasileiros degenerados” que na

Corte cantam ao piano árias de Rossini e Verdi, recomendando irem “à Bahia”

perguntar “ao capadócio” (espécie de trovador enamorado) “como se canta”.

Antecipando a paixão musical de um Mário de Andrade, cita lundús, cateretês e

sambas.89

O campo, na época nomeado como a roça, tem aparentemente, para França

Júnior “encantos intraduzíveis”. Simulando ter recebido uma carta de um “amigo

íntimo”, publicada no folhetim “A Roça”, o autor apresenta prós e contras a respeito da

vida na natureza, pelas mãos do pretenso missivista. Viver numa choupana no “meio da

mata virgem, rodeada de flores silvestres, (...) felizes eu e ela”, respirando “ar puro,

puríssimo, tão puro que se o Rio de Janeiro pudesse recebe-lo encaixotado, fechar-se-

iam logo todos os consultórios médicos”. Não transpirar, ter o fígado em perfeito

funcionamento, dormir “como um justo” e ter o bom humor correndo “parelhas com o

de um recém casado sem sogra no período da lua de mel”. Todas estas vantagens da

roça, no entanto, perdem para a vida da corte pelo predomínio dos hábitos urbanos e o

choque que representa para o “amigo íntimo” a falta do pão entregue duas vezes por dia

pelo padeiro, o horror a ter apenas a carne de porco e, graças à proverbial preguiça da

89

Idem, folhetins “Crianças” (pp. 83 a 91) e “O cantor de serenatas” (pp. 203 a 208).

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gente da roça (antecipando o Jeca Tatú de Monteiro Lobato...), ter apenas como legume

o chuchu para comer:

(...)Estou farto de lombo de porco, de costeletas de porco, de orelhas de

porco, de cabeça de porco... Não podes imaginar que porcaria! Sabes

que nunca em minha vida fiz versos. Pois bem, ontem dediquei um

soneto ao bife. Chamei-o – maná do deserto, único consolo da vida, sol

da existência. (...) No que diz respeito a legumes. Acreditas sem duvida

que devo ter tomado um fartão deles. Enganas-te, meu amigo. Esta gente

daqui boceja, dorme, e nas horas vagas toca viola. Não lhe sobra tempo

para plantar. No que diz respeito, pois, a legumes, estou reduzido ao

chuchu.90

Após reclamar que seu espírito “começa a enferrujar” pela falta de opções de

leitura, pois o livro “mais interessante que por acaso caiu-me nas mãos foi uma folhinha

de 1871”, o missivista fictício relata um pedido feito a um vizinho, para que lhe

emprestasse algum romance “digno de ler-se”, recebendo então dois volumes de um

dicionário antigo, “romance” apresentado pelo vizinho como maçante que ele lia

quando não tinha o que fazê... Concluindo a “carta”, assim podemos ver o predomínio

da cidade sobre o campo (a roça...) na crítica do cosmopolita França Júnior:

(...)A despeito de tudo, engordo e passo admiravelmente bem. Prefiro,

porém, a Corte. Tenho saudades do pão, do bife, dos camarões

recheados do Pascoal, das boas prosas à porta do Castelões, do jardim

do Teatro Santana, dos bailes dos Clubs de Regatas e das Laranjeiras,

etc., etc. Não nasci para respirar estupidamente ar puro e engordar sob

o regime da farinha de mandioca, da carne de porco e do chuchu. O meu

elemento é o Rio de Janeiro.91

No folhetim “Maçantes”, França Júnior ataca uma classe especial de homens, os

maçantes, também conhecidos, então, como amoladores, sequistas (termo ainda

90

FRANÇA JÚNIOR, op. Cit. p. 609. 91

Ibidem, p. 610.

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encontrado nos dicionários atuais) ou músicos do futuro, apelido dado pelos que, na

época, detestavam a música de Richard Wagner. Reclama o advogado, pela pena do

folhetinista França Júnior, contra a inexistência, no código criminal, de artigos que

qualifiquem como crime os atos praticados “por semelhantes homens”. Qualquer ínfimo

atentado contra a propriedade é levado “aos tribunais com grande aparato”. No entanto,

o Juiz...

...por mais reto e severo que seja, cruzará os braços se alguém for dizer-

lhe: Senhor: há um homem que envenena-me a existência dia por dia,

hora por hora, minuto por minuto e contra o qual já não sei o que devo

fazer. Esse malvado tem a mania de escrever péssimos artigos políticos

para os jornais, e está sempre a falar contra o governo. Eu sou o seu –

auditório, - e qualquer lugar, onde nos encontramos, transforma-se logo

em tribuna!(...)92

Cria França Júnior, para classificar os tipos de maçantes (chatos, na gíria atual),

dez tipos de categorias: 1) os que contam histórias “a propósito de tudo”, e na narrativa

de um “caso, esquecem sempre os nomes dos personagens que nele figuram”; 2) os

retóricos, “que escolhem termos quando falam, e que gostam de se ouvir”. São

indivíduos que “não conversam, discutem.”; 3) os que falam e não deixam os outros

falarem, verdadeiros “déspotas da palavra”; 4) maçantes que não falam: os mais

perigosos, pois limitam-se a ouvir o que dizem os demais participantes de uma conversa

e, quando ela parece extinguir-se, fazem de tudo para que ela continue, inclusive falar

algo como: “-- É o que lhe digo. O senhor é quem pode. Este mundo é uma bóia. A vida

é para o senhor. O que há de novo? O que se diz por aí? Isto vai mal, etc, etc.”; 5) o

maçante lírico, “que adora em excesso a música”, e procura por todos os meios levar a

conversa para o canto lírico, as novidades na área etc.; 6) os maçantes que não gostam

de música, e “no entretanto obrigam as filhas a cantar e a tocar, para ... obsequiar as

visitas”; 7) os que “se julgam atacados de todas as moléstias”; 8) maçantes valentões,

92

Ibidem, p. 22.

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que implicam e ameaçam brigar por qualquer motivo, mas não passam das ameaças; 9)

as solteironas, que o folhetinista, irônico, apenas menciona, sem defini-las... e, por

último, os que “consomem o tempo a indagar da vida alheia, que perguntam aos

conhecidos e desconhecidos: Onde compraste esta corrente? Estás empregado? Quanto

ganhas? O que faz tua mulher todo o dia à janela? O que jantaste hoje? etc, etc”.

Com sarcasmo, França Júnior relata a criação, “há cinco ou seis anos (...) no Rio

de Janeiro”, de uma sociedade a que chamou “Resgate dos Cativos, com o fim

altamente filantrópico de livrar os sócios das garras dos maçantes”. Chega a descrever

como se realiza o resgate: o indivíduo incomodado por um dos vários tipos de maçantes

coloca a mão no peito. Um membro da sociedade que esteja passando pelo local ou

presencie a cena aproxima-se, “afetando sofreguidão”, e diz que estava procurando a

vítima do maçante “há mais de duas horas”, que (a vítima) era esperado por outras

pessoas para tratar de um negócio imaginário. O membro da sociedade pede licença ao

maçante, leva o “resgatado” pelo braço, e “vão à primeira confeitaria tomar um refresco,

ou à próxima esquina, onde cada um segue seu rumo”.

Como acontecem aos bons escritores satíricos, e bem humorados, nosso

folhetinista não poupa nem sua classe, ao final do folhetim:

(...) Mas agora reparo que tenho diante de mim vinte e três tiras de

papel escritas! Em que categoria estarei classificado? Na décima

primeira, de que não falei: - a dos escritores insípidos, que têm a mania

de escrever folhetins. E antes que o leitor faça o sinal de socorro, ponto

final.93

93

FRANÇA JÚNIOR – op. cit. pp. 21 a 30.

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POLÍTICA

O arcabouço institucional do regime monárquico estava expresso na

Constituição de 1824, que vigorou até o final do Império (1889) com pequenas

modificações. O sistema político era monárquico, hereditário e constitucional. Havia

uma nobreza, mas não uma aristocracia: os títulos concedidos pelo Imperador não eram

hereditários, não havendo, assim, uma aristocracia de sangue no Brasil. A religião

católica era a oficial, permitido o culto particular de outras religiões. Escravos e

mulheres não possuíam direitos políticos, sendo que os escravos estavam excluídos dos

demais dispositivos constitucionais. Uma curiosidade: até 1882 admitia-se o voto de

analfabetos, nas condições censitárias abaixo discriminadas. Formalmente, a

Constituição de 1824 organizava os poderes constituídos, definia atribuições,

assegurava os direitos individuais, a igualdade perante a lei, a liberdade de pensamento

e de manifestação. Estruturalmente uma sociedade de tradição autoritária, entretanto, no

Brasil a aplicação de tais direitos era (como é) relativa, pois a população livre das áreas

urbanas, a chamada elite letrada dependia dos grandes proprietários rurais.

No parlamentarismo monárquico que funcionou no Segundo Reinado, durante

quase cinqüenta anos, em regime bicameral, era escolhido, por voto indireto e censitário

(votavam os cidadãos brasileiros que possuíam renda anual de pelo menos cem mil réis,

os votantes), em eleições primárias, um corpo eleitoral (composto de brasileiros que

possuíssem renda de duzentos mil réis anuais e não fossem libertos, os eleitores). Esse

corpo eleitoral elegia os deputados (compunham a Câmara), que além das exigências

feitas aos eleitores e aos votantes, deveriam possuir renda anual de quatrocentos mil réis

e professar a religião católica. Pelo mesmo processo eram eleitos os Senadores. A

diferença substancial entre as duas casas legislativas estava no fato de que a eleição para

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a Câmara era temporária e, para o Senado, vitalícia. Para o Senado, cada província

elegia, pelo sistema eleitoral em que o poder econômico decidia explicitamente o

resultado das eleições, uma lista tríplice que era encaminhada ao Imperador, para a

escolha de um dos três indicados. Na prática, o Senado vitalício era a caixa de

ressonância, no Poder Legislativo, da vontade interventora do Rei (detentor também do

Poder Moderador – instituição inspirada nas idéias de Benjamin Constant, escritor

francês que previa a separação entre o Poder Executivo, a ser exercido pelos ministros

do Rei e o poder propriamente Imperial, neutro ou moderador; no Brasil, tais idéias não

foram seguidas à risca...):

(...) Uma das maneiras de intervir, que lhe era outorgada pela

constituição, era no momento da escolha de um nome, dos apresentados

em lista tríplice, para a renovação do Senado. D. Pedro II procedia,

assim, ao preenchimento das vagas que a mortalidade abria e tirava os

seus favoritos, presenteando-os com um cargo vitalício, seguro, cômodo,

onde deviam corrigir qualquer excesso da gente mais moça, que na

Câmara eletiva não podia ter a mesma unidade de vistas, desde que,

para a sua constituição, concorriam elementos bem heterogêneos. (...)94

Havia, ainda, a figura institucional do Conselho de Estado, cujos conselheiros

vitalícios, nomeados pelo Imperador dentre os brasileiros com idade mínima de

quarenta anos (então considerada uma idade avançada para a época), renda não inferior

a oitocentos mil réis anuais, que fossem pessoas de saber, capacidade e virtude. Tal

Conselho era ouvido em momentos de crise e de tomadas de decisões importantes, pelo

Imperador, como declarações de guerra, negociações diplomáticas, ajustes de

pagamento etc. Ou seja, nos momentos em que o “Imperador se propusesse exercer

atribuições próprias do Poder Moderador”.95

94

Nelson Werneck SODRÉ, “A sucessão dos gabinetes”, in: Panorama do Segundo Império, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre : Companhia Editora Nacional, 1939, Brasiliana (Biblioteca Pedagógica Brasileira), série 5ª, vol. 170, p. 91. 95

Boris FAUSTO, “O Brasil Monárquico (1822-1889)”, in: História Concisa do Brasil, São Paulo, Imprensa Oficial/Edusp, 2001, p. 81.

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A aparente estabilidade do Império, principalmente no Segundo Reinado, além

de ser desmentida por diversos momentos de crise institucional originada por sucessivas

quedas de gabinetes ministeriais (foram trinta e quatro os gabinetes ministeriais no

período de 1840 a 1889), eleições decididas pela força do poder local e falta de

caracterizações política e ideológica claras dos partidos políticos (Conservador e

Liberal), era prejudicada pela excessiva centralização administrativa, que ditava

remodelações gerais na máquina governamental a cada mudança de partido no poder.

Se algo houve de estável e vivo politicamente, esse algo foi o exercício do poder

imperial, aparentemente ausente:

(...) Na paisagem política do tempo, debilitados os partidos, restava a

intervenção do Imperador, o poder pessoal, exercido com habilidade, de

forma a parecer ausente. Porque, se os partidos bem estruturados

representam elemento indispensável ao funcionamento do regime

parlamentar, outro elemento essencial está na autenticidade da

representação eleitoral. E as eleições, no Império, não passavam de

farsas. (...)96

Sobre a composição social e a ambigüidade e inconsistência das posições

políticas e ideológicas dos partidos imperiais (Liberal, cujos militantes eram apelidados

de luzias – numa referência à Vila Santa Luzia, em Minas Gerais, onde os liberais

sofreram sua maior derrota, na Revolução de 1842; Conservador, cujos membros eram

chamados de saquaremas, com referência ao município fluminense de Saquarema, onde

os principais chefes do partido possuíam terras e notoriamente exerciam desmandos

eleitorais), principalmente durante o segundo reinado do Império, assim se manifestou

José Murilo de Carvalho:

96

Nelson Werneck SODRÉ, “Retrato do Império - O parlamentarismo fraudulento”, in: A República (uma revisão histórica), Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1989, p. 20.

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As ambigüidades de liberais e conservadores refletiam-se no

comportamento dos dois partidos. O Partido Liberal compunha-se de um

setor urbano, formado sobretudo de profissionais liberais, e de um setor

rural centrado na agricultura de mercado interno. O setor urbano

entendia liberalismo como defesa das liberdades públicas, o setor rural

o via como defesa dos interesses oligárquicos. A divisão paralisava o

partido: as reformas propostas pelo setor urbano eram sabotadas pelo

setor rural. Algo semelhante se dava no Partido Conservador, cuja

composição social incluía, grosso modo, um setor burocrático e um

setor ligado à agricultura de exportação. As tentativas de reforma que

levassem à redução do poder dos grandes proprietários, como as

referentes à abolição da escravidão, eram vetadas pelo setor rural do

partido. Por ser mais disciplinado, o Partido Conservador foi mais

eficaz em implementar reformas, sobretudo às referentes à abolição da

escravidão. Mas, ao fazê-lo, dividia-se internamente e se enfraquecia.

Liberais importantes e conservadores divididos acabavam contribuindo

para e erosão da legitimidade do sistema como um todo.97

Se, no plano da política externa, as atenções estavam voltadas para a Questão

Christie (1861-1865), o conflito com o Uruguai (1864-1865) e, principalmente, a Guerra

do Paraguai (1864-1870), no plano da política interna, a predominância de cinco a seis

anos de hegemonia liberal na Câmara e nos Ministérios imperiais exasperava o Partido

Conservador. Caxias (Luis Alves de Lima e Silva, político conservador que presidira o

gabinete de seu partido entre março de 1861 e maio de 1862, militar e aristocrata), havia

sido nomeado, em outubro de 1866 - por pressão dos oposicionistas do Partido

Conservador, que culpava os Liberais pelas incertezas da Guerra, para comandar as

tropas brasileiras no Paraguai, pelo gabinete liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos.

O acirramento da Guerra reflete-se na política interna, pois a proximidade de

uma vitória de Caxias no front poderia trazer prejuízos políticos para a situação política

(Liberal) e, mesmo entre os membros da oposição (Partido Conservador), é causa de

receios o aumento do prestígio de um militar como Caxias e o que ele representava

97

José Murilo de CARVALHO, “Federalismo e centralização no Império brasileiro: história e argumento”, in: Pontos e bordados: escritos de história e política, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998, pp. 155 a 188 (especialmente pp. 180 e 181).

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frente à oficialidade e às tropas, principalmente do Exército, que combatiam em

situação de extremas dificuldades materiais.

Zacarias Góes de Vasconcelos, apresentado por uns como um orgulhoso,

autoritário, intransigente e inacessível, vivendo apenas para seu partido, alimentando

ressentimentos com velhos desafetos (Torres Homem, entre eles), e, por outros, como

estadista comparável ao Imperador D. Pedro II98

, ao longo da crise que se desenrola e

chega ao ápice no ano de 1868, procura submeter Caxias à sua vontade.

Temperamentais, nenhum dos dois cede em suas posições. O conflito se estabelece,

atiçado pela pena dos folhetinistas e articulistas dos jornais da oposição conservadora,

José de Alencar e França Júnior (Correio Mercantil) e Ferreira Viana (Diário do Rio) 99

.

A questão do impasse entre o chefe militar e o chefe político de seu governo chega ao

Imperador, que consulta o Conselho de Estado. Resolve optar pelo mal menor: em

julho, cai o ministério Zacarias e sobem ao poder os conservadores. O 16 de julho de

1868 marca o fim da hegemonia liberal e dá início a um período de dez anos de

Gabinetes Conservadores.

Falando de política e costumes nessa conjuntura, nos folhetins publicados no

jornal Correio Mercantil, dos quais Raimundo Magalhães Júnior nos apresenta 45 deles

(29 de abril de 1867 a 26 de julho de 1868)100

, França Júnior revela, além de sua face de

analista social, o caráter conservador do comentarista político que desenvolve intensa

98

ver Raimundo de MENESES - “O Escritor-Ministro”, in: José de Alencar: literato e político, 2ª edição., Rio de Janeiro : Livros Técnicos e Científicos, 1977, pp. 225 a 231; ver, também, Pandiá CALÓGERA - Formação Histórica do Brasil, 2ª edição, São Paulo : Companhia Editora Nacional, Brasiliana, Biblioteca Pedagógica Brasileira, Série V, Vol. XLII, 1935, p. 297. 99

ver Raimundo de MENESES, op. cit., p. 225. 100

FRANÇA JÚNIOR - Política e Costumes: Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia : Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume 6, 1957.

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campanha pela volta do Partido Conservador ao poder, depois de quase 6 anos de

hegemonia liberal nos Gabinetes do Império (1862 a 1868).

O Correio Mercantil (jornal de idéias liberais no período de 1853 a 1865,

quando foi dirigido por Francisco Otaviano) já tinha, no passado, publicado os folhetins

de José de Alencar (03 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855), que levavam a

epígrafe Ao Correr da Pena. Manuel Antônio de Macedo publicara, na seção Pacotilha,

no período de 1852 a 1853, o seu Memórias de um Sargento de Milícias e Machado de

Assis trabalhara no jornal, no período de 1858 a 1860, como revisor. Francisco

Otaviano, jornalista e deputado, casara-se em 1854 com Eponina Barreto, graciosa filha

do proprietário do jornal e na residência do casal, na rua Evaristo da Veiga (São

Cristóvão), saraus e serões eram freqüentados por José de Alencar, Joaquim Manoel de

Macedo, Tavares Bastos, Machado de Assis, Bernardo Guimarães, Joaquim Nabuco,

Joaquim Serra, José Bonifácio e França Júnior, entre outros.101

Escrevendo no período mais acirrado da Guerra do Paraguai (1864-1870), nos

dois anos (1867-1868) em que atacou o 3º Gabinete Liberal de Zacarias Góes de

Vasconcelos (que durou de 1866 a 1868; os dois primeiros duraram uma semana, de 24

a 31 de maio de 1862 e sete meses, de 15 de janeiro a 31 de agosto de 1864), França

Júnior usou de metáforas, nomeação direta de seus adversários, comparações, anedotas

e ditos espirituosos para ridicularizar a situação liberal de várias maneiras. A crítica ou

comentário político eram recheados de tiradas filosóficas, máximas literárias, alusões às

campanhas de Napoleão na Europa do início do século XIX, citações em latim,

mencionando várias vezes o autor Alphonse Karr como sua principal inspiração

101

Raimundo de MENESES - Op. cit., pp. 67 a 83.

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satírica102

. O alvo predileto e quase exclusivo de seus folhetins era o Ministério

(Gabinete) e os políticos da situação liberal.

Chama atenção, também, a utilização do pseudônimo Osiris com que assinava os

folhetins dessa época. Uma forma de preservar a figura pública do autor, bacharel e

magistrado - que seria afetada por sua produção de páginas de amenidades nos jornais,

disfarçando-se sob a máscara do deus egípcio; uma maneira de dar liberdade ao escritor

para atacar os adversários liberais, ou um simples expediente para valorizar seu texto?

Qualquer destas possibilidades podia ser verdadeira. Era comum escrever-se sob

pseudônimos ou apenas por iniciais:

(...) O que quebrava a austeridade das graves folhas do Império eram as

amenidades que todas elas queriam oferecer aos leitores: folhetins que

eram escritos por um José de Alencar ou traduzidos por um Machado de

Assis; poesias dos grandes vates da época, divulgadas em primeira mão,

e os artiguetes, crônicas, comentários jocosos ou satíricos, apresentados

todos os dias sob os mais extravagantes pseudônimos. (...) Era o

pandemônio dos pseudônimos, sob os quais se perdeu muita coisa que

hoje é impossível atribuir aos verdadeiros donos. Quem não os usava,

então? Dava o pseudônimo – característico dessa fase da imprensa

brasileira como de nenhuma outra – não irresponsabilidade, mas

desembaraço de comentário e o direito de ser frívolo, superficial,

ligeiro, sem comprometer um nome já feito nas letras, na política ou

noutras atividades. 103

Torres Homem foi “Timandro”. Justiniano José da Rocha, o primeiro crítico

teatral brasileiro, jornalista político a serviço do Partido Conservador, publicou A

102

Outra influência literária sobre França Júnior, citada por R. Magalhães Júnior (FRANÇA JÚNIOR – op. Cit., 1957, p. XIII), e que nos causou surpresa, tratando-se de um escritor conservador, como França Júnior, foi a de Henrich Heine, que era considerado por Karl Marx seu escritor preferido. Pelo estilo, satírico, e pela ironia mordaz, no entanto, compreendemos tal influência, pelo menos no campo literário... Ver o prefácio de Marcelo Backes para a edição do fragmento (ou novela) Das Memórias do Senhor de Schnabelewopski, de Henrich Heine, São Paulo : Boitempo Editorial, maio de 2001, pp. 7 a 15. 103

MAGALHÃES JÚNIOR, R. – Artur Azevedo e sua época, 4ª edição, São Paulo: LISA (Livros Irradiantes S. A. – ), 1971, p. 20.

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política brasileira na República Oriental do Uruguai, assinando apenas “Um

Brasileiro”104

.

Joaquim Serra, que como poucos e de maneira quase surrealista se encaixa na

categoria dos escritores que faziam tudo105

, dirigia o jornal A Reforma. Poeta, jornalista

e precursor do Teatro de Revista no Brasil, usou, em seu próprio jornal, ironicamente, o

pseudônimo de “Ignotus”.

(...) Pretendendo-se fazer ler por partidários de todas as facções então

existentes, o Diário de Notícias tomara a liberdade de franquear uma

coluna a cada um dos três partidos do Império: - o Conservador, o

Liberal e o Republicano. Às vezes, sucedia que apenas duas das facções

enviavam o artigo, mas como o Diário de Notícias não queria se

apresentar aos leitores numa situação de desprestígio, desdenhado por

um dos partidos, cabia a Joaquim Serra, chamado às pressas do

Londres, do Café da Imprensa ou do Café do Cascata, assumir o matiz do

grupo faltoso, defendendo, intrigando, atacando, espalhando malícia e

provocando revide dos outros. Não raro, porém, faltavam os três

artigos; e Joaquim Serra, com o mesmo ardor, escrevia os três, liberal

numa coluna, conservador na outra e republicano na terceira!(...) 106

Artur Azevedo foi “Dopante”, personagem de Molière no jornal Diário do Rio

de Janeiro, “Elóy, o herói”, no Diário de Notícias; “Gavroche”, “Frivolino”, “Cósimo”,

“Cratchit”, “Petrônio”, “X.Y.Z.” e “Juvenal”, no jornal O País. Machado de Assis foi

“Dr. Semana”, “João das Regras”, “Lélio”, “Malvólio”, “Eleazar” ou “Job”. Joaquim

Nabuco, autor do clássico Um Estadista do Império, foi “Garrison” e “Freischütz” e

José do Patrocínio, político e jornalista combativo, paladino da Abolição, foi “Justino

104

MAGALHÃES JÚNIOR, R. – Três Panfletários do Segundo Reinado, São Paulo : Companhia Editora Nacional, Série 5ª - Brasiliana – Vol. 286, Biblioteca Pedagógica Brasileira, 1956 p. 143; sobre a atividade de crítico teatral de Justiniano José da Rocha, ver, também Décio de Almeida PRADO – O Advento do Romantismo, in: Teatro de Anchieta a Alencar, São Paulo: Editora Perspectiva S. A., 1993, pp. 121 a 140, e João Roberto de FARIA – O Romantismo, Ensaios sobre a Tragédia e Excertos Críticos, in: Idéias teatrais: o século XIX no Brasil, São Paulo : Ed. Perspectiva / FAPESP, 2001, coleção Textos : 15, pp. 20 a 30, 268 a 316 e 317 a 323. 105

Ver Nelson Werneck SODRÉ, História da Literatura Brasileira, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p. 212. 106

R. MAGALHÃES JÚNIOR - Artur Azevedo e sua época, 4ª edição, São Paulo : LISA (Livros Irradiantes S. A.), 1971, p. 16.

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Monteiro” em A Notícia e “Proudhome” na Gazeta de Notícias.107

E até D. Pedro II,

polemizando com José de Alencar - “Ig”, para defender Gonçalves de Magalhães dos

ataques que o escritor proferiu contra o poema A Confederação dos Tamoios, foi aos

jornais como Outro Amigo do Poeta, em 1856108

. Não por acaso, durante a ditadura

militar (1964 a 1985), no período mais agudo de censura aos jornais e meios de

comunicação, alguns jornalistas e escritores também escreveram sob pseudônimos e até

cantores (como Chico Buarque) gravaram músicas sob nomes fictícios. Foi nesse

período, também, que um jornal de São Paulo publicou um suplemento chamado

“Folhetim”.

França Júnior – Osiris revela-se, nos folhetins do período acima citado, um

crítico contundente e, por vezes, até violento. No que a violência pode se manifestar em

forma de sátira. Ou seja, as armas das metáforas, da ambigüidade, das anedotas e do

sarcasmo foram postas em uso, no combate político intelectual.

No folhetim de 26 de maio de 1867, França Júnior utiliza a pintura como

metáfora para sua crítica ao Gabinete liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos. Após

descrever o quadro A miséria de uma família, do pintor Rafael, o folhetinista afia sua

arma (o lápis...) e ataca:

(...)Aparei o lápis e resolvi esboçar, não o quadro da miséria de uma família,

mas o croquis da desgraça de um povo. Tracei no primeiro plano sete figuras

sinistras (alusão ao Gabinete Ministerial, composto de 7 pastas ministeriais) e

comecei a obra. Em uma pintei a vaidade ataviada de galas, abrangendo o vasto

horizonte com um olhar pretencioso de águia. Em outra a barriga dominando a

cabeça. Pintei no mesmo plano a niilidade agaloada. E em cada uma das outras

107

R. MAGALHÃES JÚNIOR - Artur Azevedo e sua época, 4ª edição, São Paulo : LISA (Livros Irradiantes S. A. – ), 1971, p. 20. 108

Ver Raimundo de MENEZES – “Primeira Rusga com o Imperador”, in: José de Alencar: literato e político, 2ª edição, Rio de Janeiro – São Paulo: Livros Científicos e Técnicos, 1977, p. 91

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figuras fui entornando um mundo de paixões desencontradas. Mais algumas

pinceladas e o quadro estava completo. Ai de mim! A minha pobre palheta

esbarrou diante do primeiro personagem do plano! Fazer ressaltar de um rosto

imberbe milhares de pequenos sentimentos; dar-lhe um riso de amabilidade nos

lábios, e ao mesmo tempo estampar nessa fisionomia o cunho da arrogância e

do poder, era um impossível!109

A crítica do folhetinista não perdoa nem a indumentária dos Ministros:

(...) Com sete casacas e uma situação progressista, qualquer, hoje, levanta um

ministro em dez minutos. (...) O progresso a cada dia obra uma maravilha.

Outrora os homens subiam ao poder pelas tradições de serviços reais. Hoje até

os colarinhos são títulos de merecimento! Vede, por exemplo, um ministro da

agricultura, atual (alude ao Deputado Manoel Pinto de Sousa Dantas). É um

colarinho e nada mais. (...) No colarinho está a solução dos problemas sociais

os mais importantes, que hão de aparecer no futuro. Ele cheira à progresso

desde o primeiro posponto até o último. Questão de crédito, finanças, bem estar

do país, desenvolvimento das indústrias, artes, ciências, tudo parece querer sair-

lhe das pontas, graças a inspiração do céu. E o Brasil se não colhe já tantos

benefícios, dirá entretanto um dia, cheio de reconhecimento: Tive um par de

colarinhos por ministro; a ele devo minha salvação.110

As casacas a que se refere a metáfora de França Júnior eram as pastas do

ministério, na época: Império, Justiça, Estrangeiros, Fazenda, Marinha, Guerra, e

Agricultura, Comércio e Obras Públicas. A metáfora é uma constante nos diversos

folhetins políticos escritos pelo autor, que recorre à comparação dos sete ministros e do

Gabinete Ministerial com objetos, partes do corpo humano, aposentos de uma casa etc.

Como neste texto, em que França Júnior compara o ministério a um gabinete

(aposento):

O gabinete é um canto isolado do domicílio, onde o homem medita e resolve as

mais altas questões de interesse privado e social. (...) Foi entre quatro paredes

de seu modesto aposento, que Molière daguerreotipou a sociedade de seu tempo.

(...) Onde se desenvolveu o gênio de Shakespeare? No gabinete. Não era no

gabinete que Maquiavel, inspirado por Satã, traçava o plano dessa política

perigosa, de que tanto têm abusado os tartufos de todas as épocas?(...) Sirvam

estas idéias de prólogo ao que tenho de dizer hoje. Venho falar de um gabinete.

Não pensem os leitores que se trata de uma sala, quarto ou aposento que já está

no domínio da história. Não: a tese versa sobre – sete homens, com quem a

história não tem o menor contrato, e que constituem o que se chama por

109

FRANÇA JÚNIOR - Política e Costumes: Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização, Introdução e Notas de R. Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira S.A., Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira) volume 6, p. 27. 110

Ibidem, p. 28.

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metáfora – um gabinete. (...) Há gabinetes arranjados e dessaranjados. (...) O

gabinete de que vou me ocupar, pertence à segunda ordem. (...) Como os deuses

da mitologia pagã, este preside o império; aquele à agricultura, outro aos

estrangeiros, outro, finalmente, à justiça. (...) O Deus do império é um móvel de

luxo no gabinete. (...) O deus da guerra é a cadeira de balanço. (...) E o Deus da

fazenda? Este é o divã macio e perfumado, o móvel de mais luxo e serventia no

gabinete. (...) O Deus da marinha é uma mesa torneada com gavetas, que vai

servindo, em caso de necessidade, de secretária.(...) O Deus da agricultura é

uma insinuativa cadeira de braços, que parece dizer a todos que entram no

gabinete. – Vinde a mim, vinde repousar um pouco das fadigas; vede, eu estendo

meus braços a tudo que me cerca. É a cadeira das - Preciosas Ridículas – do já

assaz citado Molière. (...) Há em todos os gabinetes um traste, cujo uso especial

se ignora, e que parecendo servir para muita coisa, não tem afinal préstimo

para coisa alguma. É o aparador. O aparador é o – Deus dos estrangeiros. (...)

O que será o Deus da justiça? Um disparate de pau! (...) Porque um gabinete

não é uma sala de jantar, e este Deus é o bufete. (...) Uma mesa de jantar em um

gabinete é o contra-senso mais revoltante que se pode imaginar! Comer no

sacrário da meditação!! Esta mesa em uma sala de estudo é a prova solene do

desarranjo da casa. Ela quer dizer: Aqui todos querem governar, e ninguém

governa. Aqui ninguém se entende. (...)111

A metáfora dos móveis é ampliada, com a imagem de uma casa, no folhetim de

06 de julho de 1868, em que, além da atacar o Presidente do Conselho Zacarias Góes de

Vasconcelos, França Júnior elogia Francisco Gonçalves Martins, o Barão de São

Lourenço, “um dos mais conspícuos vultos, da oposição”. Com a queda dos liberais, o

oposicionista conservador seria nomeado Presidente da Província da Bahia, e levaria

França Júnior, o folhetinista de oposição aos liberais, como secretário de governo:

O partido conservador e o liberal são os coproprietários deste belo e grande

edifício, que se estende do Amazonas até ao Prata. O ministério e os

progressistas, disse ainda o Sr. Barão de São Lourenço, não são outra coisa

mais do que meros posseiros que não pagam rendas. A casa era antigamente

habitada pelos legítimos proprietários, que souberam conservá-la (...) Houve,

porém, quem se lembrasse de alugá-la.(...) De então para cá o edifício já não é o

mesmo, e o Brasil tornou-se uma verdadeira casa de orates. (...) Não há uma

parede que não esteja esburacada pelo prego. Pobre Brasil! (....) No gabinete,

que ocupa o centro da casas, e donde partem as ordens para as salas e os

quartos, reina a desordem e a confusão. (...) As sete cadeiras que aí se viam

outrora tratadas com todo o zelo, oferecem o triste espetáculo de trastes velhos e

já gastos, que sustentam-se por milagres inauditos de equilíbrio. (...) E dizem

que essa moxinifada (miscelânea) é obra de um só homem – o Sr. Zacarias.112

111

ibidem, folhetim de 17 de maio de 1867, pp. 19 a 23. 112

ibidem, pp. 267 e 268.

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Outra forma de ataque utilizada por França Júnior foi a comparação entre o

ministério e os gatos, no folhetim de 12 de janeiro de 1868. Inicia o folhetim

lamentando-se da falta de assunto e atacando o “governo progressista”:

O folhetim é um verdadeiro salão de baile; “entra-se nele sem se saber o que se

vai dizer.” Ou antes, para me servir de uma imagem que está mais a mão, é uma

pasta de governo progressista, que o ministro ainda imberbe aceita ignorando o

que vai fazer.(...) No governo atual, o primeiro problema que surge, por mais

complicado que seja, encontra a sua solução na providência divina. Há sete

homens fardados, pro formula, a fim de que o povo, que quase sempre julga as

coisas pelos seus resultados, possa dizer – o governo fez isto, o governo fez

aquilo, etc.113

Em seguida, França Júnior cita um pensamento de Rousseau, que seguiu sempre

à risca na elaboração de seus textos: “A verdadeira filosofia (...) consiste em observar os

fatos que se passam ao redor de nós.” A citação aparece em outros textos do folhetinista

e marca uma característica de seu método de trabalho: a observação. O autor pede a seus

leitores que não levem a mal que ele “... diga que tenha feitos sérios e profundos estudos

sobre os gatos e os cães”. O estudo mostra as diferenças entre cães e gatos, em termos

de comportamento e temperamento. O cão é “devotado em excesso a seu senhor”, o

gato, porém, “é essencialmente egoísta”: “O cão coça-se para fora; o gato coça-se para

dentro, a fim de que a voluptuosidade do gozo reverta toda para si e só para si!”114

A metáfora do estudo sobre cães e gatos tem uma aplicação. Servirá para um

ataque ao progressismo e à Liga Progressista, que em sua composição em 1862,

motivou a ida de vários políticos conservadores para o campo liberal.115

França Júnior

não perdoa o progressismo, e os “gatos progressistas” na metáfora:

113

Ibidem, p. 154. 114

Ibidem, p. 156. 115

“Forma-se, logo em 1862, a Liga Progressista, gerada no governo do Gabinete Caxias (1861 a 1862), sob o fundamento que os partidos estavam extintos e, segundo um dos seus artífices, „não consoem no presente‟, cabendo aos „homens prudentes‟ „antes conjurar a

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(...) O progressismo entrou neste malfadado país como um amigo. Elemento de

destruição, ninguém contestará que foi um gato preto que soltaram em nosso lar

em um dia de trovoada. (...) Que juízo se deverá fazer deste país, onde há

presentemente sete gatos? E que gatos! Ninguém ignora que a missão da raça

felina é matar ratos. Pois bem; os gatos do progressismo, mais terríveis ainda

que seus irmãos, nem sequer realizam esta missão providencial! – Ligaram-se

com os ratos e vão solapando tudo! Liga! Tal foi o primeiro nome do

progressismo. E desde então carnívoros e roedores tomaram posse desta casa. É

conhecida a maneira porque se introduziram em nosso seio os tais senhores

progressistas. (...) Não entraram com a sinceridade do coração, falando a

linguagem da verdade; miaram mansinho, como verdadeiros hipócritas, e

vieram de esguelha coçar o lombo à custa das nossas misérias! E como se coçam

eles? Para fora? Certamente que não, fôra conceder a estranhos aquilo que

deve ficar em si e só em si. Eles coçam-se para dentro, isto é, repartem pelos

afilhados, pelos parentes, por toda a casta de filhotes os títulos, as honras e os

empregos, que ficam assim em família para mais consolidar a raça. (...)116

O final do folhetim reserva a crítica mais contundente de França Júnior,

escrevendo sob a máscara do pseudônimo (Osiris), para seus adversários progressistas:

(...) Sempre de esguelha os tais gatos! Há dias apareceu nas colunas de um

jornal inglês, subvencionado pelo governo, um artigo contra o sr. Marquês de

Caxias (posteriormente Duque de Caxias, militar e político do partido

conservador, indicado pelo gabinete liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos

para comandar as tropas brasileiras no período mais difícil da Guerra do

Paraguai), acusando a má direção das operações de guerra. Querem perfídia

mais clara? Não ousaram ferir de frente o nosso primeiro cabo de guerra,

procederam como verdadeiros gatos – formaram o bote e atacaram-no de

ilharga.117

Os ataques pessoais também fizeram parte da galeria de instrumentos utilizados

pelo folhetinista de oposição aos gabinetes liberais. Em dois deles (publicados em 3 de

novembro de 1867 e 22 de março de 1868), o alvo foi o médico e político Gustavo

tempestade que provocá-la‟ (a citação é de Joaquim Nabuco, em Um Estadista do Império). Com essa ponte passam do campo conservador para o liberal, chefes de expressão de Zacarias de Góes e Vasconcelos, Nabuco, Sinimbu, Saraiva e Paranaguá, entre outros. (...) De imediato, a Liga Progressista logra tomar o poder, para um desfrute de seis anos (1862-1868). (...) A Liga empenha-se em fixar a responsabilidade dos ministros pelos atos do Poder Moderador, luta pelo dogma do rei que reina e não governa, adota a bandeira das franquias provinciais e locais,quer a pureza do sistema representativo e eleitoral. (...) toma colorido o debate da liberdade econômica e agita-se, pela primeira vez, o problema abolicionista.” Raimundo FAORO - “O Renascimento Liberal e a República”, in: Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro, Porto Alegre: 4ª edição, Ed. Globo, v. 2, p.444. 116

FRANÇA JÚNIOR - Política e Costumes: Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização, Introdução e Notas de R. Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira S.A., Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira) volume 6, pp. 156 e 157. 117

Ibidem, p. 159.

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Adolfo de Sá, liberal progressista, que governava a província do Rio Grande do Norte.

Nos dois textos, o ataque é dirigido ao político pela via literária. França Júnior

ridiculariza no primeiro folhetim a falsa cultura do autor do “primoroso relatório”, o

“Dr. Gustavo”, que abriu “a assembléia provincial do Rio Grande do Norte em 3 de

maio” de 1867 com a leitura do documento:

(...) Falando de todas as coisas, neste impagável relatório, quis o Sr. Gustavo

falar ainda de algumas coisas mais. É assim que entram em cena a história

antiga e moderna, as lutas de preponderância entre as classes privilegiadas para

o ensino e educação; os relatórios da França, os cantões da Suiça, os Gracos,

César, Émile de Girardin, Licurgo, Pitágoras, Sólon, Moisés, Moreau de Hones,

Goethe e Valentin Smith. Há homens que de tal sorte conservam a impressão do

último livro que lêem que, pegando da pena, vão insensivelmente plagiando o

escritor da véspera. O Sr. Dr. Gustavo, poucos dias antes de escrever este

trecho, tinha lido provavelmente algum catálogo de leilão de livros. (...)118

No folhetim de 22 de março de 1868, intitulado “A propósito de uma tese”, o

objetivo do folhetinista é analisar a tese de graduação em medicina do Dr. Gustavo

Adolfo de Sá, pela Faculdade de Medicina da Bahia. Nos trechos seguintes, procuramos

dar uma idéia do julgamento de França Júnior sobre a tese do Dr. Gustavo, que

aproveita novamente a oportunidade para atacar os progressistas:

(...) A tese do Dr. Gustavo Adolfo de Sá é a face brilhante que revela o seu

talento de escritor. (...) É um homem que, mesmo escrevendo não dá um passo

sem consultar o código da etiqueta. (...) Reza a mitologia antiga que Júpiter

sentindo uma forte dor de cabeça, saiu-lhe do crânio a deusa Minerva armada

de ponto em branco. O prólogo da tese do Dr. Gustavo anunciou-se como o

nascimento da deusa da sabedoria. São dois partos memoráveis: um perde-se

nas névoas do mito, o outro pertence ao domínio da realidade. (...) Ainda uma

imagem: “a vernaculidade da língua agitando-se e folgando de prazer, sentada

como conviva no banquete da civilização!” Como isto é majestoso e

pantagruélico! (...) Não é tudo ainda: a vernaculidade da língua preside neste

banquete os ensaios de seus educandos, e parece já ver gozando vida de

realidade um dos seus mais utopistas e liberais projetos – a instrução universal!

O escritor considera a instrução universal como uma utopia, e confessa ser um

dos projetos mais liberais. Doutrina de progressista! Que lhe agradeçam os

liberais históricos. (...) “O luxuriante acepipe do olfato” vai sem comentários.

As vantagens da saúde são de tal arte descritas nesta dissertação que, pondo-se

a mão em qualquer homem sadio, ter-se-á por força um poeta. (...) A perífrase

118

Ibidem, p. 132.

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para designar o carro é inimitável: “É uma máquina ambulante que nos faz

estremecer e sorrir involuntariamente”. Por outras palavras: o carro é um

choque elétrico. (...)119

As comparações entre progressistas e conservadores também são objeto da pena

do folhetinista. No folhetim de 17 de maio de 1868, o analista político França Júnior

marca as diferenças entre as duas correntes de pensamento e, indiretamente, expõe seus

valores e idéias políticas, através das comparações entre as duas correntes de

pensamento, convidando o leitor a estudar as tendências de ambas, sempre através da

mediação das metáforas:

Não sou progressista. Por que? Eu me explico: o Brasil é um país ainda jovem.

No Brasil (...) ainda não há verdadeiramente idéias; sustentar o contrário fôra

transformar o curso das coisas, e querer desconhecer a sabedoria das leis

divinas, que regem as maravilhas da criação. O que temos são tendências para

boas ou más idéias. Batem-se hoje em luta de morte dois partidos – o

conservador e o progressista. (...) Quereis conhecer o conservador e o

progressista? Estudai-lhe as tendências. É para esse estudo de observação que

eu convido o leitor. A filosofia, disse um grande homem, consiste em observar

os fatos que se passam ao redor de nós. (...) Estudai dois homens falando. Este,

cheio de critério, conta o caso como o caso foi, e em poucas palavras dá o seu

recado. Aquele vai buscar a perífrase para narrar o fato mais insignificante,

acotovela os ouvintes, abre parenteses para falar de si, e acaba por desvirtuar o

que conta, quando não prega uma peta (mentira). Um é o conservador, o outro

é o progressista. (...) O conservador narra, o progressista inventa. (...) O

conservador tem família por dever; o progressista por luxo. (...) O conservador,

temente a Deus, adora-o com fé robusta. O progressista ou é carola, ou cai no

extremo oposto da impiedade. (...) A frivolidade é também um dos traços

salientes que caracterizam os sectários da doutrina que combato. O progressista

lança à margem as grandes questões vitais e faz da niilidade um cavalo de

batalha. (...) Entre os vegetais são também visíveis os pontos de diferença. O

progressista é por natureza insidioso e traiçoeiro. Estas duas qualidades reúne o

agrião, que, sob o aspecto verde negro de suas folhas, esconde a venenosa

cicuta. O cogumelo é também progressista. (...) Creio ter exuberantemente

provado porque não sou progressista.120

Ao terminar este folhetim, França Júnior justifica-se por ter excluído da lista de

partidos “que hoje se batem” o partido liberal, que aproveita para atacar:

(...) Tive minhas razões para fazê-lo. Há dias, conversando com um distinto

membro desta seita, disse-me este em confidência, e eu em confidência também

119

Ibidem, pp. 202 a 209. 120

Ibidem, pp. 245 a 249.

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comunico aos leitores: o partido liberal é muito grande; mas falta-lhe uma

cabeça. Logo, tirei eu muito logicamente a conclusão – quem tem cabeça não

vai para um tal partido. À vista do exposto, resolvi por enquanto eliminá-lo da

luta, até que apareça o que lhe falta.121

Num hipotético diálogo entre o jornalista/literato e o político liberal, a resposta

aos ataques de França Júnior poderia vir de Joaquim Nabuco, neste texto de 1886, em

que o político e escritor analisa as eleições liberais e conservadoras:

(...) Sem dúvida o partido Conservador, eu sou o primeiro a reconhecê-lo, tem

todas estas vantagens sobre nós; de ser um partido disciplinado, organizado,

ambicioso, previdente, paciente, autoritário, palaciano, escravista, rico e

céptico. Com a disciplina ele fez o que nós não fazemos: garante a eleição dos

seus melhores homens. (...) Os liberais, ao contrário, são dilacerados por

dissidências intestinas, por invejas e descontentamento, além de sua rebeldia

natural, e os conservadores, partido muito pouco sensível à sedução de fora,

sabem fazer vibrar esse teclado de paixões propriamente democráticas com uma

superioridade inimitável de intriga. Com a organização, eles têm unidade de

comando e hierarquia nas províncias. A ambição fá-los todos interessarem-se

nas eleições como em questão de vida e morte (...) a previdência os leva a

prepararem com antecedência a luta, e a paciência a não fazerem inimigos

enquanto em oposição dos que os não acompanham a primeira vez. O espírito de

autoridade lhes dá a maior de todas as vantagens: a tradição governamental, a

identificação constante com o governo. Palaciano, o partido pode sempre

garantir que dentro de pouco estará no poder; escravista, ele tem o apoio

cordial e a confiança da escravidão, isto é, da terra; rico, ele possui talvez o

mais considerável elemento de nossas eleições, o dinheiro, tão considerável que

merece em ser tratado à parte; e, por fim, céptico, não tem os terríveis

impedimentos de princípios e de compromissos pronto como está sempre a

governar com as mesmas idéias contra as quais tiver ganho as eleições.122

(grifos do autor)

Em diversos momentos, França Júnior elabora, nos folhetins, o material que será

utilizado em suas comédias de costumes sociais e políticos. Pequenos diálogos,

descrições, expressões que utiliza, são transpostos para situações, caracterizações e falas

dos tipos criados nas comédias. O texto do folhetim é transcrito para a linguagem

dramatúrgica e, com a encenação, torna-se passível de atualizações e concretizações que

possibilitarão a materialização, no teatro, do pensamento do autor.

121

Ibidem, p. 250. 122

Joaquim NABUCO, “Eleições Liberais e Eleições Conservadoras”, in: A Abolição e a República, organizado e apresentado por Manuel Correia de Andrade, Recife: Editora Universitária da UFPE,1999, pp. 54 e 55.

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Esta característica do processo criativo de França Júnior faz com que as

metáforas, descrições e imagens dos devaneios sociológicos123

, da crítica de costumes,

da sátira política apresentados nos textos híbridos de jornalismo e literatura que são os

folhetins, estejam presentes na representação satirizada, nas comédias, dos costumes da

Corte Imperial e da política partidária, das questões de conotação política do Segundo

Reinado, como veremos no capítulo seguinte.

Como exemplos desse procedimento, podemos citar: a descrição do ambiente do

turfe e imagens das corridas de cavalos no folhetim do Correio Mercantil de 2 de junho

de 1867, que tem a sua correspondência na comédia Entrei para o Clube Jácome, de

1877; a ironia do folhetinista, no folhetim “Carnaval”, de 27 de fevereiro de 1868,

contra o “estrangeirismo” de uma sociedade carnavalesca que se apresentara num

festejo levando dois “camelos d‟África” no seu cortejo, pois “temos camelos, podemos

dizer com orgulho, não há necessidade de ir mendigá-los ao estrangeiro”, é retomada

pela personagem Henrique, em O Tipo Brasileiro, comédia de costumes de 1872; a

123 A expressão utilizada pelo próprio França Júnior situa o folhetim como gênero literário, mas não lhe tira o valor de registro histórico e análise social, de documento para a pesquisa sociológica, histórica, estética, literária. Anatol ROSENFELD (“Literatura e Sociedade” – in: Estrutura e Problemas da Obra Literária, São Paulo : Editora Perspectiva, 1976, Coleção Elos nº 1, pp. 57/58), ao analisar as relações entre arte e sociedade, nos ajuda a compreender os devaneios sociológicos que França Júnior constrói em sua obra literária (folhetins), e as distorções, exageros, ampliações e idealizações que o jornalista e teatrólogo utiliza para empreender sua reconstrução teatral do Brasil: “(...) ...é preciso realçar que a relação entre a obra de arte literária e a sociedade é extremamente mediada. Qualquer simplificação neste terreno desvirtua os fenômenos. De modo algum a obra de arte literária pode ser reduzida a condicionamentos sociais. Não pode ser explicada, como um todo estético valioso a partir deles, por mais que estes fatores tenham influído nela e se manifestem nos vários planos. No processo de criação interferem intensamente elaborações imaginativas e obsessões pessoais que particularizam radicalmente os momentos socioculturais. A própria obra impõe imperativos estéticos que não podem ser derivados, sem mais nada, do momento histórico-social, visto decorrerem, ao menos parcialmente, da tradição autônoma de cada gênero. Esta, embora tenha por sua vez raízes sociais, não pode ser reduzida a elas e é reelaborada de um modo complexo e pessoal, embora sob a influência de novas situações histórico-sociais.” (grifos nossos)

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frustração no casamento, com a mudança de humores da namorada convertida em

esposa (de meiga a megera), apresentada no folhetim “Platonismo”, de 17 de junho de

1867, é o assunto da peça Direito por Linhas Tortas, de 1870; os dois folhetins da série

“Ecos Fluminenses” (1885), intitulados “O futuro da mulher” trazem a temática

antifeminista desenvolvida em As Doutoras, comédia de 1889.124

Mas é com os folhetins ”Pretendentes” e “Organizações Ministeriais”,

publicados no jornal Gazeta de Notícias125

, em 1878, que o procedimento de aproveitar

pequenos diálogos, descrições e expressões dos folhetins, transpostos para situações,

caracterizações e falas dos tipos criados nas comédias de costumes, vai ser mais e

melhor utilizado. A peça Caiu o Ministério!, de 1882, que será analisada no capítulo

seguinte, recebe diálogos inteiros tirados destes folhetins. A comparação, pela leitura

dos textos, entretanto, permite-nos aferir a riqueza das idéias, descrições e pensamentos

do autor, contidos nos folhetins, que não poderiam ser transcritos para a comédia, por

seu caráter literário, jornalístico.

Entretanto, a comédia ao ser encenada, como veremos no terceiro capítulo desta

dissertação (Teatro: a real representação), sai do plano literário, dramatúrgico, pela ação

dos tipos caricaturados (políticos, seus familiares, a moça fútil e a mãe que procura um

casamento rico para a filha, os pretendentes a empregos públicos, o inglês aventureiro

atrás de um privilégio governamental, freqüentadores da Rua do Ouvidor etc),

permitindo ao espectador atualizar e concretizar, por atos de percepção e fruição

124

Para os folhetins de 2 e 17de junho de 1867, e 27 de fevereiro de 1868, ver FRANÇA JÚNIOR, Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (1867-1868); para os folhetins intitulados “O futuro da mulher”, ver FRANÇA JÚNIOR, Folhetins; para as comédias de costumes, ver Teatro de França Júnior, 2 volumes. 125

FRANÇA JÚNIOR - Folhetins, 1926, pp. 93 a 101; 185 a 192.

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estética, a ficção e a crítica social e política. A história torna-se real, sem que a obra de

arte perca sua unidade, seu caráter temporal.

Se, como veremos na comédia Caiu o Ministério!, uma personagem (Mr. James)

personifica a crítica à obsessão brasileira pela discussão política, no folhetim

“Organizações Ministeriais” encontramos um estudo do analista político França Júnior

sobre os “políticos da Rua do Ouvidor”. O escritor de folhetins informa o comediógrafo.

O cronista da cidade prepara o autor teatral. França Júnior dialoga com suas próprias

observações, traduzindo sua crítica social em ação teatral. A sátira, a caricatura e a

paródia, ampliam e exageram os defeitos morais, os (maus) costumes políticos, a moda,

a vacuidade dos tipos sociais.

A descrição detalhada, e paródica, do desespero e das humilhações dos

pretendentes a empregos públicos, esperando a boa vontade do “protetor” (o político

que forma sua clientela entre os pretendentes, alimentando a política do favor), no

folhetim, recebe um tratamento que torna a situação clara para o espectador, na

encenação da comédia. A peça mostra, e o folhetim nos descreve, o ridículo do

pretendente que implora o empenho do político para conseguir um “lugar” na máquina

burocrática do Estado:

E eu que vim dos confins do Amazonas, e aqui estou há seis meses a fazer

despesas, hospedado na casa do Eiras (no folhetim: na casa da D. Maria), com

uma numerosa família, composta de mulher, seis filhos, duas cunhadas, três

escravas, quatorze canastras, um papagaio e um corrupião.126

126

FRANÇA JÚNIOR - Teatro de França Júnior, vol. 2, 1980, p. 215; Folhetins, 1926, p. 97.

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O exagero da sátira, porém, parece ter correspondência no texto do historiador

Raymundo Faoro, que utiliza o depoimento de outro folhetinista para ilustrar sua análise

do sistema político do Segundo Reinado:

(...)Na base da pirâmide, a apatia, a indiferença, o alheamento, periodicamente

acordados pelos capangas, no interior, pelos capoeiras, nas cidades,

substituídos, na paz, pelo bacamarte oficial, enquanto, no outro extremo, o

emprego empolga as imaginações, ocupa as combinações ministeriais, numa

febre sem correspondência com a atividade econômica. “Indivíduos há” – depõe

João Francisco Lisboa (o folhetinista do Jornal de Timon) – “que abrem mão de

suas profissões, deixam ao desamparo as suas fazendas, desleixam o seu

comércio, e se plantam na capital anos inteiros à espera de um emprego,

consumindo improdutivamente o tempo, e o pouco cabedal que possuíam, e que,

não obstante, bem aproveitados por um homem ativo e empreendedor, dariam

muito mais que todos os empregos imagináveis... Seja que aspirem aos cargos de

magistratura tão-somente, ou aos políticos, eletivos e administrativos, seja que

aspirem a uns e a outros ao mesmo tempo; àqueles como um meio seguro de

existência, a estes como um meio de passatempo e dissipação nas capitais e na

corte, ou como satisfação ao poder e ambição política.(...)127

França Júnior aponta, com seus folhetins e peças teatrais, para uma idealização

da vida social, na qual a separação do público e do privado, a profissionalização da

política e da administração pública, a coerência entre doutrinas e práticas políticas, o

culto à intimidade, o bom gosto e o refinamento aristocrático, a cultura e a identidade

brasileiras substituiriam o provincianismo, o bacharelismo, o mau gosto burguês, a

subserviência à cultura estrangeira, o nepotismo e o clientelismo no recrutamento dos

quadros da administração do Estado, o casamento por interesse, a superficialidade nas

relações sociais e na cultura.

Portanto, nos folhetins é possível fazer a leitura do pensamento e da crítica

social de França Júnior, na apresentação da realidade, como um registro no nível da

descrição jornalística ou da crônica, como registro histórico e análise social, documento

127

Raymundo FAORO - “O Sistema Político do Segundo Reinado”, in: Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro, vol. 1, Porto Alegre: 4ª edição, 1977, p. 390.

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para a pesquisa sociológica, política, histórica, estética, literária. A ambigüidade do

estatuto literário do folhetim permite esse tipo de leitura.

Esta leitura dos folhetins, deve ser realizada levando em conta o caráter de obra

de arte, de ficção que esses textos possuem, lembrando-se que a realidade é apresentada

metaforicamente, propositalmente distorcida, exagerada, ampliada. A leitura estará

sujeita a atualizações e concretizações e estará informada pela cultura, pelos

conhecimentos históricos, por nossa qualidade de apreciadores de um objeto estético.

Isso não tira a realidade da obra como fato e documento histórico, análise social etc.

Desta forma, ao criar seus textos, fazendo uso da intuição e da observação do

cotidiano, o folhetinista de costumes (sociais, culturais, urbanos) França Júnior constrói

o que chamamos de “protosociologia”. A proximidade entre a literatura e a sociologia,

por exemplo, está na análise do comportamento da sociedade carioca que acompanha a

família imperial a Petrópolis, nas críticas ao mau gosto estético da burguesia que

freqüentava os teatros, de uma sociedade que a tudo reagia levando em conta a moda

(ou criando, como ritual de representação, modelos de figuração ou de

interdependências128

). A análise política, por sua vez, apesar do viés ideológico que

possui, traz elementos para o entendimento dos costumes, idéias e comportamentos dos

indivíduos e dos partidos, e do pensamento político de França Júnior.

Embora estejamos analisando separadamente folhetins e comédias de costumes,

estes dois gêneros estão vinculados em França Júnior - muitas vezes um reafirmando

idéias, observações e críticas do outro.

128

ver Norbert ELIAS - A Sociedade de Corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte; Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

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Neste momento, passaremos ao terceiro capítulo desta dissertação, “Teatro: a

real representação”, no qual pretenderemos procurar apreender, no desenvolvimento das

situações teatrais, como o pensamento do autor se manifesta em termos de crítica e

idealização do real.

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3 º capítulo

Teatro: a real representação

”O país real é bom, revela os melhores instintos;

mas o país oficial é caricato e burlesco.”

Machado de Assis, 1861

Nas obras de História do Teatro consultadas, constatamos que a intensificação

da atividade teatral, propriamente dita, no Brasil, acontece com a chegada da Família

Real e da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. No período colonial, o quadro

geral apresenta manifestações isoladas, com espetáculos em precárias Casas de Ópera,

predominantemente musicais e eventos comemorativos, envolvendo famílias de

poderosos locais (casamentos, batizados, chegada de algum oficial ou burocrata da corte

portuguesa, etc.).

A construção de um teatro oficial, determinada por D. João VI (decretada em

1810; inaugurada em 1813), e a nova vida comercial, social e política originada da

presença da corte no Rio de Janeiro, determinaram uma rápida mudança na qualidade do

teatro e da música apresentados. O crescimento das cidades, proporcionado pela

abertura dos portos, e o contato com países europeus, criou as condições materiais e

intelectuais para que o teatro pudesse desenvolver-se. Nos primeiros tempos da

formação desse teatro, companhias portuguesas apresentavam um repertório de peças

originais ou traduzidas do francês (dramalhões de cunho histórico, tragédias

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neoclássicas, pequenas comédias e entremezes portugueses), e muitos artistas

portugueses acabaram fixando residência e carreira no país.

O público nativo, ampliado com expatriados que haviam fugido das tropas de

Napoleão, que também acabaram radicando-se no Rio de Janeiro, comparecia às

apresentações e o teatro...

...passou então a ser a diversão preferida, quer por interesse propriamente

cultural de apreciação do espetáculo, quer por sofisticação e vontade da

população de estar presente em lugares onde apareciam o Príncipe-Regente, sua

família e os nobres vassalos.129

Sob o impacto das idéias românticas, na década de 1830, seguiu-se uma fase

mais rica da produção dramatúrgica brasileira. O maior ator brasileiro do século XIX,

João Caetano (João Caetano dos Santos,1808-1863) inicia sua carreira de ator e

empresário. Seu nome estará ligado à história do teatro oficial inaugurado no Rio de

Janeiro, em 1813 (Teatro São João), que hoje recebe seu nome.

A produção cultural brasileira do século XIX teve como característica marcante

a dependência de modelos europeus, principalmente franceses.

Na literatura brasileira, e, particularmente, no teatro, tal dependência se faz

sentir na produção de autores como Gonçalves de Magalhães, Martins Pena e Gonçalves

Dias, da primeira geração de dramaturgos românticos.

129

Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA - História do Teatro Brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues; Rio de Janeiro : Editora UFRJ, EDUERJ, FUNARTE, 1996, p. 113.

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Essa geração de poetas românticos, que viveu a agitação política anterior e

posterior à Independência, consolidou o terreno para a criação de um teatro nacional.

Além dos três autores mencionados, João Caetano, ator e empresário, já citado, é outro

nome importante.

Gonçalves de Magalhães (Domingos José Gonçalves de Magalhães, 1811-1882),

com a tragédia Antonio José, ou o poeta da Inquisição (1838), considerada um marco

histórico do teatro brasileiro por Sábato Magaldi130

, teria inaugurado o drama

romântico. O texto dramático conta a história do dramaturgo brasileiro que morreu na

fogueira da inquisição, em Portugal (1739), por “suposta prática de judaísmo”. Para

Sábato Magaldi, “a tragédia é, no seu contexto, um protesto contra todas as formas de

injustiça”.

Segundo outros autores, no entanto, a primazia no movimento romântico deveria

ser atribuída ao professor franco-brasileiro Luis Antônio Burgain131

, que teve os dramas

A Última Assembléia dos Condes Livres e Glória e Infortúnio ou A Morte de Camões

encenados, respectivamente, em maio e agosto de 1837, no teatro São Pedro Alcântara,

por João Caetano.

Martins Pena (Luis Carlos Martins Pena, 1815-1847) foi o “formulador da

comédia brasileira de costumes”132

. Seu teatro traz a linguagem popular, pela primeira

130

Ver “O Encontro da Nacionalidade”, in: Sábato MAGALDI - Panorama do Teatro Brasileiro, 3ª edição, São Paulo : Global Editora, 1997, pp. 34-41. 131

Luis Antônio Burgain: 1812-1877, “francês de nascença e brasileiro por adoção literária”; ver Décio de Almeida PRADO - O Drama Romântico Brasileiro, São Paulo, Editora Perspectiva S.A., 1996, p.54. Ver, também Nelson de ARAÚJO - História do Teatro, 2ª edição, ampliada, Salvador: Ed. Empresa Gráfica da Bahia, 1991, p.198. 132

Nelson de ARAÚJO - História do Teatro, Editora Empresa Gráfica da Bahia, 1992, p. 198.

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vez, para o palco. Até hoje suas comédias são representadas com sucesso, pois os tipos

retratados e a sátira política e social mostram um país que não se alterou tanto assim

desde sua época.

João Caetano foi ator, empresário, incentivador da dramaturgia brasileira.

Chegou a escrever um livro (Lições Dramáticas, 1862) abordando métodos de formação

do ator e problemas teóricos e estéticos do teatro.

Gonçalves Dias (1823-1864), contemporâneo de Álvares de Azevedo (1831-

1852) e Castro Alves (1847-1871), é autor da peça Leonor de Mendonça, inspirada – em

parte – no Otelo, e de outras três peças que marcam, no conjunto, a sedução da época

pelos dramas de inspiração histórica.

A produção teatral de França Júnior inicia-se em 1861, quando cursava o

terceiro ano da Faculdade de Direito, em São Paulo com a peça Meia hora de cinismo,

na qual o autor representava as brincadeiras e zombarias (pagodes) de uma república de

estudantes, envolvendo o pagamento de uma dívida. Aproveitando a vivência

estudantil, o autor já exercitava a crítica de costumes, marca do observador atento da

realidade à sua volta, característica que aprimorou, posteriormente, em cada peça

escrita. No mesmo ano (1861), além da peça já mencionada, foi representado também o

texto República Modelo, do qual se infere, pelo título, que tratava de assunto semelhante

(a vida estudantil nas repúblicas de estudantes de Direito, na São Paulo da época). O

folhetim “A República”, publicado no jornal A Gazeta de Notícias em 1878, que trata da

vida numa “república” estudantil, tem diálogos que se assemelham aos da primeira peça

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escrita por França Júnior, e poderiam ter feito parte do texto teatral República Modelo,

peça de que só se tem notícia de haver sido encenada, pois o texto perdeu-se.133

No anexo 1, apresentamos uma relação das obras de França Júnior, cujo

levantamento foi feito a partir da lista publicada por Arthur Motta na Revista da

Academia Brasileira de Letras, e por outras fontes a que tivemos acesso.

A vida literária e cultural girava, então, na corte imperial (o Rio de Janeiro), em

torno do confronto entre Romantismo e Realismo.

França Júnior, como fez Martins Pena, prestigiou o teatro de costumes, a sátira

política e social, indo buscar na atividade política e nos hábitos e costumes da sociedade

carioca de seu tempo, a da Corte do Império, farto material para suas comédias. Dentre

elas, destacam-se: Tipos da Atualidade (1862), Como se fazia um deputado, Caiu o

Ministério! (ambas de 1882) e As Doutoras (1889).

França Júnior freqüentou o Colégio D. Pedro II, onde obteve o grau de bacharel

em Letras. Como boa parte dos escritores e homens públicos do Império, seguiu depois

para São Paulo, onde se formou em Direito (1862). Com Tipos da atualidade (1862),

comédia em 3 atos, fez sua verdadeira estréia de comediógrafo, logo após formar-se na

Faculdade de Direito de São Paulo. Além desta, e das já citadas Meia hora de cinismo e

133

João Roberto FARIA, no capítulo “França Júnior e a Comédia de Costumes”, de seu livro O Teatro na Estante (Cotia, SP, Ateliê Editorial, 1998), escreveu: “Embora esse texto (República Modelo) esteja perdido, é de supor que se trate de uma variação sobre o mesmo tema da comédia anterior (Meia hora de cinismo)”. A leitura do folhetim A República publicado na Gazeta de Notícias (1878) e em livro (Folhetins, 1926, pp. 163 a 172) dá razão a João Roberto Faria: França Júnior desenvolve diálogos no folhetim que caberiam perfeitamente no provável enredo da peça. O autor que aproveitava o material publicado em folhetins numa peça como Caiu o Ministério!, por exemplo, teria feito o caminho inverso, e aproveitado diálogos da comédia de 1861 no folhetim de 1878?

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República Modelo (1861), podemos citar o texto teatral Ingleses na Costa (1864), cujo

enredo novamente retoma as peripécias de estudantes para lidar com os credores,

fazendo uma alusão aos empréstimos ingleses e às questões políticas envolvendo Brasil

e Inglaterra.

A crítica de costumes e o comentário político estão presentes em outras peças de

França Júnior. Assim, em Amor com amor se paga, de 1871, há um quiproquó

envolvendo dois casais (Miguel e Adelaide Carneio; Eduardo e Emília Coutinho), no

qual o autor satiriza os exageros do amor platônico dos românticos.

Na peça O Defeito de Família (1870) um rude criado alemão atrapalha-se com a

língua e com os costumes, numa família comandada por uma espécie nativa de “M.

Jourdain”, da comédia “O Burguês Fidalgo”, de Molière. França Júnior ironiza a

superficialidade da filha de família (Josefina), obstinada em esconder do namorado

(Artur, bacharel recém-formado, apaixonado que desfia adjetivos à sua amada que bem

poderiam servir para classificá-lo como maçante retórico, conforme folhetim acima

analisado), um joanete.

Entrei para o Clube Jácome é um a propósito cômico em um ato que França

Júnior ofereceu ao mesmo clube em 1877. Nele, o comediógrafo/folhetinista

homenageia o propulsor do Turfe no Rio de Janeiro, que já havia sido citado no

folhetim publicado em 2 de junho de 1867. Na comédia, o comediógrafo ironiza a febre

por corridas de cavalos que havia tomado conta do Rio de Janeiro, com o personagem

Julião da Cunha, pai de família, de 50 anos, vivendo única e exclusivamente para os

cavalos, a ponto de falar à filha, que procura um namorado, sobre lindos cavalos que viu

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no referido Clube, e de não aceitar para genro moço que nunca houvesse montado um

cavalo na vida.

No folhetim, França Júnior descreve o ambiente e o comportamento social no

prado de corridas (na verdade, uma praça pública), compara a corrida às trapalhadas do

governo (Gabinete Liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos, 1866-1868) e vai adiante

descrevendo as corridas e o desfecho da tarde de gala. Assim descreve o Sr. Jácome,

não sem aproveitar para alfinetar os progressistas:

(...)O mestre do turf, afagando o bigode negro, e revelando o sistema da cabeça

aos pés. Sua posição a cavalo, era um verdadeiro estudo de linhas. Imóvel sobre

o selim, dir-se-ia um soldado prusso, petrificado pela disciplina, ou um

colarinho de ministro, cônscio de sua dignidade, em dia de despacho. O Sr.

Jácome cheira a progresso, como a situação política que atravessamos. Esta

desgarra-se entretanto daquele em um ponto culminante. O progresso da nossa

terra não sabe de onde veio, o que quer, nem para onde vai; o Sr. Jácome sabe

que veio do velho mundo, onde fez sérios estudos sobre o cavalo, quer o

melhoramento da raça cavalar no Brasil, e vai para onde vão todos os que têm

uma idéia.(...)134

Uma característica do teatro de França Júnior, mantida desde seu primeiro texto

encenado, vai ser marcante ao longo de toda sua produção dramatúrgica (comédias) e

literária (folhetins): os costumes e a política se mesclam como foco de seu olhar agudo

sobre a realidade.

Procuramos criar uma classificação em categorias, utilizada no capítulo anterior,

como recurso do pesquisador para separar e analisar os folhetins do autor. Assim, os

textos foram apresentados utilizando-se categorias como “Cidade(s)”, “Costumes” e

“Política”. No entanto, é preciso ressaltar que os costumes e a política, em muitos

momentos, tanto nos folhetins como nas peças de França Júnior, aparecem misturados,

134

FRANÇA JÚNIOR, op. cit., 1957, p.34.

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pois sua visão era a de um observador crítico da vida social em suas múltiplas

manifestações.

O material anotado e analisado nos folhetins, era utilizado na elaboração das

comédias. No processo de criação de suas comédias, França Júnior elaborava

simultaneamente a crítica de costumes e a crítica política, mostrando-nos como o

público e o privado, a intimidade e a vida pública estavam de tal maneira imbricados no

tecido social e cultural brasileiro, compondo uma trama de hábitos, comportamentos,

ritos e aparências criticáveis. Tal trama é recortada pelo autor e recomposta, na forma

de carapuças fartamente distribuídas, principalmente em suas comédias de costumes,

através do uso de situações em que a paródia, a caricatura e a sátira são elementos

utilizados para uma reconstrução teatral do Brasil.

Ao lado da futilidade das moças casadoiras e da simplicidade dos tipos

populares, aparecem a astúcia e a ingenuidade políticas de velhos chefes políticos e

novos bacharéis idealistas. Sátiras políticas se cruzam com sátiras domésticas, e

assuntos de família são resolvidos por acordos políticos e eleições arranjadas. Quando

não, um golpe do destino resolve a questão familiar (casamento) e a mudança dos

ventos políticos deixa clara a inapetência de um político pelas coisas... da política, como

em Caiu o Ministério!.

Edwaldo Cafezeiro assim descreveu o teatro do autor:

França Júnior escreveu um teatro de comédia, satírica sobretudo. Através dos

textos até agora publicados, podemos distinguir três abordagens: a) uma

comédia de imitação clássica representativa de uma trama de equívocos e

armadilhas (...); b) a burleta com suas cenas fantasiosas e seus quadros

apoteóticos, que na sua obra atinge o apogeu com Direito por linhas tortas; c)

uma comédia satírica ao mesmo tempo política e de crítica de costumes,

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abordando o casamento por interesse; as estudantadas (trotes, anedotas e

farras); as manias (por cavalos, por estrangeiros); a donzela casadoira; os

estereótipos (hipercorreção, sofisticação exagerada); a usura e o crédito.

Entrosam-se a sátira política de âmbito individual (a luta pelos ministérios,

pelos cargos públicos, afilhadismos) com a de âmbito nacional (Questão Anglo-

Brasileira, decadência do Império, a Abolição da Escravatura, a República).

(...) Aliás, a política brasileira do Império está referenciada desde a primeira

obra teatral de França Jr.(...)135

Sábato Magaldi chamou-o de o verdadeiro “continuador de Martins Pena, na

preocupação precípua de fixar os costumes”. Comparado a Martins Pena, entretanto,

França Júnior é mais “realista e elaborado”, deixando-se, por vezes, “contaminar pela

vulgaridade que propagou nos espetáculos da segunda metade do século” (XIX). Como

consolidador do teatro de costumes, França Júnior “não poupa ninguém, satisfazendo-se

em cobrir de ridículo até os bem intencionados”. Magaldi reconhece no comediógrafo

“grande domínio da carpintaria teatral” e o uso seguro de “diálogos simultâneos e

elipses”, o que demonstra ambição em “exprimir complexas arquiteturas cênicas”, mas

censura-lhe “a graça pesada, o mau gosto claro, a presença dos menos exigentes padrões

cômicos”, constatando que, ao contrário de Martins Pena, França Júnior “dificilmente se

apóia no meio termo", no uso dos recursos da farsa.

Após passar em revista a obra do comediógrafo, com sinopses e comentários

críticos sobre as numerosas comédias de um ato do autor (metade de sua produção),

Magaldi detém-se sobre Direito por Linhas Tortas (1871), Como se Fazia um

Deputado, Caiu o Ministério! (ambas de 1882) e As Doutoras (1889).

O exercício com os textos curtos, no entender do crítico, deve “ter apurado a

linguagem cênica”, permitindo que França Júnior “pisasse terreno firme nos textos mais

135

Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA – “Romantismo: a comédia da libertação”, in: op. cit., p. 275 e 281.

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longos”. As relações de casais, as transformações na vida conjugal, que a ida para a

Corte de uma família interiorana trazem nessas relações, são os assuntos da comédia

Direito por linhas tortas. Intriga sentimental envolvendo criados, disfarces, estratégias

para fazer ou refazer a ordem doméstica, alterada pela mudança de comportamento da

esposa (namorada e noiva submissa, depois esposa irascível e dominadora),

reconhecimentos e perdões, velhos recursos farsescos são utilizados para ironizar as

relações familiares e provocar o riso.

As “melhores qualidades de França Júnior, que revela particular espírito na

sátira dos costumes políticos”, para Sábato Magaldi, estão na comédia Como se Fazia

um Deputado, de 1882, que teve o verbo do título alterado pelo autor (de Faz para

Fazia), face à coincidência da promulgação de legislação eleitoral (Lei Saraiva136

),

criada para inibir os abusos de candidatos e seus correligionários satirizados na peça.

Em Caiu o Ministério!, por sua vez, a crítica aos “costumes do filhotismo nacional”

satiriza a composição de um ministério que tem no seu interior um jovem bacharel de

22 anos, idealista, com “a cabeça cheia de Spencer e Schopenhauer e sobretudo de

retórica”, além de retomar o tema da submissão ao estrangeiro (principalmente ao

inglês; mas não deve ser esquecida a influência francesa na cultura e nos costumes da

época) que se aproveita da ingenuidade nativa, para conquistar privilégios para seus

negócios.

De uma “perspectiva retrógrada” (para Sábato Magaldi), trata França Júnior, na

forma de sátira em As Doutoras (1889) dos novos papéis que a mulher começava a

assumir na sociedade de fins do século XIX, também no Brasil. Duas amigas (uma

136

De autoria do Senador pela Bahia, José Antonio Saraiva (ver TAUNAY, op. Cit., p.. 161).

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médica e uma advogada) formam-se, casam-se, e passam a ter com os maridos, também

médico e advogado, uma relação quase contratual, chegando uma delas (a médica

Carlota, que se formou incentivada pelo pai, Manuel Praxedes, progressista e defensor

da emancipação feminina) a preferir o debate científico com o marido (também médico)

a externar sentimentos. O comediógrafo satiriza, ainda, a pedanteria bacharelesca,

ironiza a crise conjugal dos casais modernos e reafirma a maternidade como função

primordial da mulher no casamento. O reacionarismo do autor, entretanto, é atribuído

pelo crítico ao gênero dramático no qual produziu sua peça:

(...) Poderíamos surpreender-nos com o reacionarismo da conclusão de França

Júnior, se esquecêssemos o gênero de As Doutoras. No drama, cabe qualquer

espécie de reivindicação. A comédia, sobretudo a sátira, se presta a caçoar das

idéias inovadoras, e há mesmo implícito, em toda luta pelo progresso, ao lado

da causa justa e simpática, um inevitável ridículo. Ao comediógrafo cumpre

desenvolver esse prisma, incorrendo embora no erro de assumir uma

perspectiva retrógrada. Mas não se deve conceder demasiada importância a

esse vezo de passadismo nostálgico, tão freqüente na comédia: os autores

apenas criticam os excessos das teses progressistas, porque, ao tratarem delas,

geralmente já estão vitoriosas. Talvez o teatro exerça o papel moderador de

corrigir o entusiasmo quixotesco das místicas da novidade. (...) 137

A feitura destas quatro obras atesta o domínio da técnica e a consolidação dos

temas pelo comediógrafo, e a conclusão da análise do crítico é afirmativa da qualidade

do autor estudado:

(...) Para França Júnior, o teatro não guarda mais segredos. Ele movimenta com

inteira facilidade as suas personagens, e não desperdiça um só diálogo que

possa produzir um efeito cômico. A farsa política, vazada com perspicácia

realista, atinge na sua obra os melhores exemplos do gênero no Brasil.(...)

França Júnior teve a sorte (o talento, diríamos melhor) de compor umas poucas

comédias deliciosas, que figuram obrigatoriamente em qualquer antologia do

nosso teatro de costumes. Escreveu, por felicidade, algumas obras-primas, e elas

são sempre a culminação do palco. Mais próximas de nós, pelo sabor realista,

prestam-se a remontagens, que não se tornam rotineiras em virtude de nosso

desconhecimento do passado. Como se fazia um Deputado, Caiu o Ministério! e

137

Sábato MAGALDI - ”Fixação de Costumes”, in: Panorama do teatro brasileiro, 3ª ed. – São Paulo : Global Editora, 1997, pp. 140 a 151. Obs.: as citações em itálico no corpo desta dissertação reportam-se ao capítulo “Fixação de Costumes”.

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As Doutoras, entre outros textos, sustentam a reivindicação para França Júnior

do título de melhor comediógrafo do Brasil.(...)138

Outros estudiosos, historiadores e pesquisadores de teatro analisaram a obra de

França Júnior, e o exagero de Sábato Magaldi pode ser constatado pelo estudo de alguns

autores. Décio de Almeida Prado, ao escrever sobre a evolução da comédia brasileira,

situa duas das principais obras de França Júnior numa perspectiva crítica em relação à

literatura e do teatro do século XIX, e aponta, em sua análise, os temas presentes na

obra do comediógrafo e que nos interessaram sobremaneira para nosso estudo. Fica

clara a postura do historiador e crítico nos trechos abaixo citados:

(...)A preocupação com o lugar-comum, com o que se fala quando não se diz

nada, atravessa boa parte da literatura do século XIX. É nessa linha de

mediocridade satisfeita consigo mesma, observada por um olho irônico mas

destituído de maldade, que se deve ler as duas comédias de costumes políticos –

de maus costumes políticos na verdade – escritas por França Júnior.(...)Pode-se

analisar a peça (refere-se a Como se Fazia um Deputado), sem extrapolar os

seus limites, por dois lados. Em seu sentido mais ambicioso ela nos coloca frente

a dois Brasis opostos: o agrário e o citadino; o dos coronéis e o dos bacharéis;

o do fato e o da lei; o que age(...)e o que discursa(...). Visto mais de perto,

considerando os indivíduos, o enredo revela outro aspecto: a conversão dos

jovens, efetuada pelos mais velhos(refere-se ao casamento por conveniência,

tratado pelos parentes do casal de jovens da peça, Henrique e Rosinha). Não se

trata de educação sentimental, porque os sentimentos representam papel

secundário. Mas é uma espécie de escola da vida prática, posta a serviço de dois

jovens simpáticos, e no fundo dóceis, que não oferecem resistência à cooptação

social. (...)Parece que o autor, paisagista pertencente à escola criada Brasil pelo

pintor alemão George Grimm, preocupou-se mais com o quadro da sociedade

brasileira do que com uma história interessante a ser contada.(...)O vazio da

vida diária e a tolice da vida política é o que se demonstra na peça, às vezes

pelo método do absurdo.139

É uma tradição quase unânime, como vimos em Sábato Magaldi e em outros

autores consultados, citar Martins Pena, França Jr. e Artur Azevedo, respectivamente,

como criador, consolidador e detentor do posto oficial de responsável pelo

138

Ibidem, pp. 149 e 151. 139

Décio de Almeida PRADO - “A Evolução da Comédia”, in: História Concisa do Teatro Brasileiro: 1570-1908, São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, 1999, pp. 127, 131 e 133.

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estabelecimento da Comédia de Costumes como gênero dramatúrgico que se

desenvolveu entre nós, com tempero tipicamente brasileiro. Artur Azevedo é para Décio

de Almeida Prado, o detentor do reinado absoluto no posto oficial de comediógrafo

brasileiro.140

Joaquim Manuel de Macedo, autor de comédias políticas ou sátiras de

costumes nacionais (entre elas “A Torre em Concurso” de 1857, publicada em 1863),

cujo enredo também aborda a questão política que França Júnior critica em Como se

Fazia um Deputado, também freqüenta a lista dos escritores de comédias de costumes

do século XIX. Machado de Assis também tentou a sátira política em Quase Ministro

(encenada em 1863). José de Alencar faz comédia de costumes em “O Rio de Janeiro –

Verso e Reverso” (encenada em 1857, publicada, em segunda edição revista pelo autor,

em 1864). João Roberto Faria141

, Lothar Hessel e Georges Raeders142

, em certo sentido

também Nelson de Araújo143

, Hermilo Borba Filho144

e Flávio Aguiar145

reforçam essa

tradição.

O estudo de Iná Camargo Costa146

, por sua vez, aponta o caráter do

comprometimento ideológico da obra de França Júnior e se contrapõe à idéia de que o

autor tenha sido o consolidador da comédia de costumes no Brasil. Para Iná Camargo

Costa, o mais correto seria dizer que França Júnior, ao contrário de Martins Pena,

dedicou-se à alta comédia, e não à comédia de costumes. Para comprovar seu

140

Décio de Almeida PRADO, Décio de – Op. cit., p. 126. 141

João Roberto FARIA - “França Júnior e a Comédia de Costumes”, in: O Teatro na Estante, São Paulo, São Paulo : Ateliê Editorial, 1998, pp.55 a 65 142

Lothar HESSEL e Georges RAEDERS - O teatro no Brasil sob D. Pedro II, 2ª parte, Porto Alegre : Ed. da Universidade, UFRGS, 1986, pp. 83 a 90. 143

Nelson de ARAÚJO - História do Teatro, Salvador : Empresa Gráfica da Bahia, 1991, p. 201. 144

– Hermilo BORBA FILHO - História do Teatro, Rio de Janeiro : Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, s/d (prefácio do autor, de novembro de 1950), pp. 417-418. 145

Flávio AGUIAR (org.) - Antologia do teatro brasileiro / A aventura realista e o teatro musicado, São Paulo : Editora SENAC São Paulo, 1998, pp. 7 a 9. 146

Iná Camargo COSTA “A classe da comédia de França Júnior”, in: Sinta o drama, Petrópolis, RJ : Ed. Vozes, 1998, pp. 157 a 175.

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argumento, a pesquisadora aponta deficiências formais, o tratamento dado ao assunto

predominante na obra do comediógrafo, “heróis provenientes da classe dominante e

suas tribulações”, seu conservadorismo que “vai muito além da mera desqualificação de

tudo o que aponte para a modernização e democratização do país”, e indica que uma das

peças de um ato de França Júnior (A lotação dos bondes, de 1885) teria sido condenada

pelo próprio autor “à mera condição de peça ideológica, de categoria duvidosa”, pelos

próprios recursos dramatúrgicos empregados para evitar o confronto entre os

antagonistas que representavam, por um lado, os abolicionistas e a postura

antiabolicionista.

A autora comenta, ainda, Direito por Linhas Tortas, (1870). Não é nosso

objetivo neste estudo defender o caráter político ou ideológico do autor que escolhemos

para analisar. Apenas poderíamos mencionar, a título de colaboração para uma reflexão

a respeito do teatro e da obra jornalística de França Júnior, que muitos autores reputados

como conservadores, na verdade, pelo uso de um instrumento particularmente difícil de

ser classificado politicamente, como a sátira e o comentário irônico, na verdade faziam

um retrato cruel da hipocrisia e da superficialidade da sociedade de seu tempo. A

história política brasileira, mesmo sem relevarmos o caráter de enfrentamento de classes

de muitos episódios, particularmente os do período do Segundo Reinado, é rica em

exemplos de contradições nos atos e comportamentos dos supostos representantes de

posições progressistas. E uma das ironias da História estaria no fato de que, por

exemplo, boa parte da legislação mais progressista (o termo tem que ser relativizado em

relação ao quadro político do Segundo Reinado...) com relação à abolição da

escravatura, e a própria Lei Áurea, foi proposta, votada e aprovada em momentos de

hegemonia conservadora no cenário político da época.

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Antes de analisarmos as peças escolhidas, lembremos que, ao fixarmos algumas

linhas de pesquisa para nosso estudo, procuramos definir França Júnior como um crítico

mordaz da política e dos costumes brasileiros da época em que viveu. Ao negar ou

rejeitar comportamentos, hábitos e atitudes de seus contemporâneos, o autor expressa

seu pensamento sobre a sociedade brasileira e o desejo de um país diferente daquele por

ele criticado. Influenciado, em boa parte, pelo repertório de peças realistas francesas e

brasileiras apresentadas no Teatro Ginásio147

no período iniciado em 1855 e encerrado

em 1865, França Júnior teve em Tipos da atualidade (1862) sua primeira peça

representada naquele Teatro, na Corte. Iniciou, com esta peça, sua produção

dramatúrgica influenciado por aquele repertório, mas, em suas obras posteriores, a

comicidade predominaria em detrimento dos temas “sérios” típicos da comédia realista.

O que nos parece importante salientar, de qualquer modo, é a existência de um

clima propício no Rio de Janeiro ao surgimento de um repertório de peças

comprometidas com uma visão de mundo liberal e burguesa. A isso se deve boa

parte do sucesso das peças francesas e brasileiras representadas a partir de

1855. Os espectadores podiam reconhecer-se no palco e aplaudir os valores em

que acreditavam. Assim, a despeito do predomínio do sistema escravista, foi

possível aos dramaturgos brasileiros registrar o surgimento de uma camada

social aberta ao liberalismo e às chamadas virtudes burguesas, nos anos que se

seguiram à supressão do tráfico de escravos. Não pode passar despercebido aos

olhos do analista o fato de a classe média emergente ser a protagonista das

peças teatrais escritas no período. Nesse sentido, a conclusão pode ser outra: os

dramaturgos brasileiros, sintonizados com as transformações sociais,

realizaram em suas obras o primeiro esforço conjunto para a formação de uma

consciência burguesa no Brasil, antecipando-se aos próprios ideólogos do novo

liberalismo, que apareceram logo em seguida. Por trás disso tudo, aquilo que há

pouco chamamos de desejo de civilização. Era preciso que o teatro, instrumento

moralizador e civilizador, como diria um Machado de Assis – fervoroso defensor

das idéias liberais, na juventude - ajudasse o Brasil a elevar-se ao plano das

sociedades mais avançadas.148

147

Ver João Roberto FARIA, O Teatro Realista no Brasil:1855-1865, São Paulo : Perspectiva : Editora da Universidade de São Paulo, 1993. 148

Ibidem , pp. 268 e 269.

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A análise interna das peças, fundamentada na compreensão do enredo, seleção

de assuntos e temas, apreensão do significado das cenas e reconstrução das ações e falas

das personagens, revela um autor que nos mostra como o público e o privado, a

intimidade e a vida pública na Corte Imperial, estavam imbricados no tecido social e

cultural brasileiro, compondo uma trama de hábitos, comportamentos, ritos e aparências

criticáveis. Esta trama é recortada e costurada pelo autor, na forma de carapuças

fartamente distribuídas às platéias das comédias de costumes, através da paródia,

caricatura e sátira utilizadas para uma reconstrução teatral do Brasil.

O uso da palavra carapuça, feito extensivamente ao longo desta dissertação,

precisa ser esclarecido. Além de remeter-nos ao processo de seleção dos assuntos e

criação das comédias de França Júnior, a imagem das carapuças possui uma referência

situada na história.

A caricatura reproduzida no final da apresentação desta dissertação, remete-nos

à figura do Padre Lopes Gama (Miguel do Sacramento Lopes Gama, 1793-1852),

jornalista e político que publicou artigos de crítica social e política no jornal O

Carapuceiro, que fundou em Pernambuco. O Carapuceiro circulou com interrupções

durante catorze anos (1832-1846). Lopes Gama assumiu a cadeira de deputado geral em

1840 e, nessa época, divulgou O Carapuceiro na Corte, pelas páginas de O

Despertador. Também no Rio de Janeiro publicou “Lições de Eloqüência Nacional”

(1846). Até pouco antes de morrer, colaborava no jornal Marmota Fluminense (1852).

A edição completa de O Carapuceiro, em “fac-símile”, foi feita por iniciativa de

Leonardo Dantas Silva, em Pernambuco.

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O historiador Evaldo Cabral de Mello selecionou e editou 48 crônicas de O

Carapuceiro, “escolhidas exclusivamente entre os artigos de crítica social”, e, na

introdução da antologia, qualifica o Padre Lopes Gama como “costumbrista”. Ao falar

sobre o gênero literário no qual o padre jornalista apresentava sua crítica social, Evaldo

Cabral de Mello apresenta uma definição do “humor costumbrista” e do “costumbrista”

que, a nosso ver, não é descabida para o “carapuceiro fluminense” França Júnior:

Falar de costumbrismo a respeito de Lopes Gama seguramente não é descabido.

Nesses mesmos anos em que ele redigia seu obscuro jornal de província, o

espanhol Mariano José de Larra levava o gênero ao ponto mais alto que viria a

alcançar nas literaturas ibéricas. (...) Como o de Larra, o objetivo de Lopes

Gama era o velho corrigit ridendo mores, moralizar os costumes pelo

humorismo. (...) O humor costumbrista pode esconder uma aspiração de pureza

que, embora risonha, não é menos fanática que a do missionário. Daí que, com

toda a sua aparência de iconoclasta ou de contestatário, o costumbrista tenda a

ser indivíduo visceralmente conservador, por paradoxal que pareça. E, com

efeito, ele está interessado não em transformar a sociedade, cuja organização,

no essencial, aceita, mas apenas em reformar os costumes, por lhe parecerem ou

perigosamente subversivos da ordem social ou simplesmente ridículos ou

irracionais. O que não significa tampouco que ele seja um reacionário.149

Tipos da atualidade (1862) foi a primeira peça de França Júnior representada na

Corte. Segundo a apresentação da edição estudada, a comédia em três atos era

representada “sempre com extraordinário sucesso nos teatros do Rio de Janeiro e nos

Estados do Brasil com o título: O Barão da Cutia.150

Nela o autor critica o casamento

por dinheiro, num texto híbrido que mistura a comédia de costumes a intenções

moralizantes, em que a personagem Barão da Cutia é a representação do caipira

paulista, simplório, rico, que desconhece o ritual e as armadilhas da Corte.

149

Padre Lopes GAMA, O Carapuceiro: Crônicas de costumes; organização Evaldo Cabral de Mello. – São Paulo : Companhia das Letras, Retratos do Brasil, 1996, pp. 9-10. 150

FRANÇA JÚNIOR - Teatro de França Júnior II, Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro, Fundação de Arte, 1980, p. 17.

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Na construção das personagens e no desenvolvimento da ação teatral, as

características sociais e culturais são evidenciadas para marcar a incompatibilidade do

homem do campo com o falso refinamento e a afetação da sociedade da Corte Imperial

em acelerado processo de urbanização. Tais elementos (características sociais e

culturais do homem do campo, falso refinamento e afetação da Corte) constituem o

material trabalhado na crítica feita por França Júnior à sociedade apegada às aparências,

que valorizava o dinheiro em detrimento da moral, tratando com desdém a simplicidade

e a franqueza do homem da província.

Ainda não temos, do ponto de vista formal, o domínio da “carpintaria” teatral,

nem o pleno desenvolvimento da vocação cômica que caracterizaram algumas

produções posteriores de França Júnior. Mas fica patente, na escolha do tema e pelo

desenvolvimento do entrecho da comédia, a intenção de mostrar à sociedade e aos

indivíduos, através da caricatura, o rumo tomado nas escolhas morais, nos

comportamentos e na fixação de hábitos e ritos sociais, pela visão do autor,

condenáveis. Poderíamos dizer que as caracterizações dos personagens, através de suas

ações, constituem os recortes do tecido social com que França Júnior costura já algumas

de suas diversas carapuças.

Há, (...) nos tipos de França Júnior, uma busca de realização social. São todos

elementos da pequena e média burguesias; padecem dos vícios e virtudes

próprios de uma classe em crise existencial. Apesar de estar seu teatro

totalmente integrado na política do Segundo Império, (....) nenhum tipo nobre

aparece senão caricaturado. O mesmo acontece com as mulheres, que, se não

são submissas donas de casa, são pedantes e sofisticadamente burlescas em suas

ações ou jovens dispostas a cumprir educadamente as pretensões dos pais. Além

disso, são parodiadas também figuras como os coronéis, que traduzem uma

mentalidade patriarcal, autoritária, prepotente e quase sempre incoerente. No

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mesmo caso a figura do novo rico, dos bacharéis e bacharelas, representantes

típicos dos desvios e aberrações sociais da época.151

Logo na cena III do primeiro ato da comédia, o Barão é apresentado, por

intermédio de uma carta enviada da capital paulista, como “um dos mais ricos

fazendeiros de São Paulo”. Isso provoca o interesse de Dona Ana de Lemos - viúva de

um comerciante português, personagem-tipo que representa o interesse prático,

financeiro, que regia as relações familiares, a preparação das filhas de família para

casamentos de conveniência. É a mãe de Mariquinhas, jovem de 17 anos apaixonada

por Carlos de Brito, recém-formado em Medicina cujo único patrimônio é o diploma de

“doutor”.

Dona Ana quer dar a filha como esposa a um “negociante honrado”, ou a “algum

homem sisudo”, a quem o dinheiro conquistasse prestígio, posição social, “consideração

e importância”, como ocorrera a seu falecido marido. Na perseguição desse objetivo, é

secundada por Gasparino de Mendonça, alcoviteiro cortesão, Oficial de Secretaria,

freqüentador “de todas essas sociedades onde se reúne o grand monde”, ele mesmo um

caça dotes que casa com “uma velha muito rica” (Ato II, cena I), para ostentar (a

aparência de) uma posição social mantida artificialmente por uma longa “experiência

(...) adquirida nos salões da Corte” (Ato I, cena IV). Torna-se viúvo de Porfíria (uma

“velha rica”), “mandando-a para outro mundo da maneira a mais fácil possível”, após

submetê-la a uma verdadeira maratona de festas, bailes, jantares, sessões líricas e peças

de teatro, “um meio pronto e eficaz” que recomenda “a todos aqueles que casarem com

velhas ricas” (Ato III, cena III).

151

Edvaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA , “Romantismo: a comédia de libertação”, in: História do Teatro Brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues, Rio de Janeiro: Editora UFRJ / UERJ / FUNARTE, 1996, p. 278.

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A contraposição desse primeiro par de personagens (Dona Ana de Lemos e

Gasparino de Mendonça), construído para caracterizar os costumes a serem criticados

na comédia (casamento por interesse e superficialidade cortesã), com o par quase

romântico formado por Mariquinhas e Carlos de Brito é flagrante. Mariquinhas é a

jovem enamorada por Carlos, criada pela família para um casamento de conveniência,

educada no ambiente dos salões da corte, ocupando seus dias com bordados, músicas

que toca no piano e desenhos, além de suspiros apaixonados na ausência do amado, a

quem tenta convencer a pedir sua mão em casamento, antes que a mãe a destine ao

Barão da Cutia; afinal, como lembra ao objeto de seu amor a também prática

Mariquinhas, apesar de pobre e idealista, o médico foi criado e educado por um tio rico

(Ato II, cena I). Carlos, jovem médico idealista, tem sentimentos nobres e convicções

morais que o levam a concluir que “o mundo só olha para os fins e não atende aos

meios” (Ato I, cena VIII). É crítico ao culto das aparências e aos casamentos por

interesse, a que chama de “casamentos da época” (Ato II, cena I). Desdenha da

superficialidade de Gasparino, um “homem da época” (Ato III, cena VIII), contesta os

valores de Dona Ana de Lemos, que especula com a mão da filha e procura um

casamento rentável para Mariquinhas. Carlos diverte-se com as gafes e a ingenuidade

do Barão, a quem acaba dando razão quando este ataca Dona Ana de Lemos, “mulher

falsa e fingida que põe preço à mão de sua filha e que não duvida comprometer a sua

palavra só por causa do dinheiro” (Ato III, cena XI).

A intriga é simples: Mariquinhas ama Carlos, apesar de este ainda não ter

alcançado uma “posição social”. Carlos, apesar de idealista e de possuir apenas um

diploma de “doutor” como patrimônio, tem um tio rico. Dona Ana de Lemos, vigilante

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dos interesses econômicos da família, tolera as visitas de Carlos, mas lembra a filha que

um casamento rico é a sua função na casa. Gasparino de Mendonça, símbolo da

futilidade e superficialidade de certo tipo comum na Corte, um “homem da época”, faz a

linha de apoio às pretensões de Dona Ana e procura dar cabo de suas dívidas, mantendo

sua aparente “posição social” também com um casamento vantajoso.

O Barão da Cutia é alvo das intenções de Dona Ana de Lemos, do aproveitador

Gasparino e vítima da própria ingenuidade. Apaixonado por Mariquinhas pede a mão da

moça à mãe, que vislumbra no casamento a realização de seu “sonho dourado” (Ato II,

cena VII). Sofre a humilhação de ser preterido na disputa pela noiva, quando um golpe

de teatro faz uma herança tornar Carlos duas vezes mais rico que ele: a morte do tio

deixa ao médico uma fortuna de mil contos de réis.

Carlos passa a ser tratado com cortesia pela futura sogra e admiração por

Gasparino, que recebe de Dona Ana a missão de enxotar da casa o Barão da Cutia,

agora considerado pela viúva “um toleirão, um malcriado que vem todos os dias

aborrecer a menina e maçar-me a paciência contando-me histórias da sua burra branca,

falando-me das vantagens da garapa de Santo Amaro, da farinha de milho, de sua

fazenda e de tudo que lhe vem à boca” (Ato III, cena IV).

A frieza com que passa a ser tratado na casa da família, as desculpas e oscilações

de comportamento da pretensa noiva e os achaques de que é objeto por parte de

Gasparino atormentam o provinciano Barão, que cai em si e lamenta ter deixado a

pacata Cutia para ir ao Rio de Janeiro, à Corte, uma “terra endiabrada cheia de carros,

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de lama e de calor, para deixar-me apaixonar nesta idade por uma menina que é um

demônio de saia balão!” (Ato III, cena IX).

O desfecho moralizante traz a crítica acerba de França Júnior ao comportamento

das personagens Dona Ana de Lemos e Gasparino de Mendonça pelas palavras do

desenganado e desprezado Barão, que classifica a viúva como uma “mulher falsa e

fingida que põe preço à mão de sua filha e que não duvida comprometer a sua palavra

só por causa do dinheiro (...) capaz de saltar por cima das considerações da honra e da

dignidade.” Na sua indignação, repele ameaças porque se sua “linguagem é de um

homem estúpido”, sem possuir isso que Dona Ana “chama educação” e que ele chama

“antes a máscara que oculta uma alma corrompida”, alega possuir ao menos “a

franqueza e a lealdade que caracteriza um homem de província” (Ato III, cena XI).

Eram dois mundos distintos que se hostilizavam com rancor crescente, duas

mentalidades que se opunham como ao racional se opõe o tradicional, ao

abstrato o corpóreo e o sensível, o citadino e cosmopolita ao regional ou

paroquial.152

Lembrado pela viúva que “está no seio de uma família”, o Barão responde que

está “é no seio da corrupção e da miséria!”. Convidado por Gasparino a retirar-se da

casa, “para não dar escândalos”, repele o convite com um ataque fulminante a quem

“especulou também com este negócio, servindo de correio de meus amores, para exigir

depois o pagamento de algumas dívidas que sua mulher não quis pagar!”, chamando

ainda o elegante caça dotes de “vil, ordinário e infame!” (Ato III, cena XI).

152

Sérgio Buarque de HOLANDA, “Herança Rural”, in: Raízes do Brasil, 8ª edição, Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, Coleção Documentos Brasileiros, volume 1, 1975, p. 46.

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O Barão vai embora para sua Cutia, onde deseja entrar “tão puro e tão limpo”

como de lá saiu (Ato III, cena XI), mas antes sente-se vingado ao saber que Dona Ana

vai casar com Gasparino. Este enxerga no novo casamento outra oportunidade de ouro,

afinal “Dona Ana de Lemos tem alguma coisa... julga-me sem dúvida senhor de uma

boa fortuna com a morte da velha... a menina casa-se com mil contos... fica este bolo em

casa...” (Ato III, cena III).

Carlos e Mariquinhas vão se casar e é o noivo quem lembra à futura sogra as

condições em que cedeu, afinal, à cooptação do meio social e foi aceito na família, pois

não foi “o interesse, nem uma especulação de lucros” que o ligou a Mariquinhas, um

“protótipo de virtudes”, e sim “um sentimento que Vossa Excelência desconhece e que

na época atual desafia o epigrama. Como simples doutor em medicina sei que a mão de

sua filha me seria negada; Vossa Excelência queria um título ainda mais nobre; esse

título a fortuna mo deparou. Não é o Doutor Carlos de Brito que hoje vem fazer parte

de sua família; é um milionário, um capitalista que vem realizar as ambições de Vossa

Excelência” (Ato III, cena XII).

Dona Ana pede que o futuro genro não “faça injustiça” aos seus sentimentos,

pois “pode avaliar-se os efeitos de uma paixão quando a sentimos também no peito”, e

apresenta-lhe o “Senhor Gasparino de Mendonça, que de hoje em diante fará parte da

nossa família com o doce nome de meu esposo.” Ao apelo de Mariquinhas para que

evitem o casamento da mãe com “semelhante homem”, Carlos responde, encerrando a

comédia com a seguinte sentença: “--- É ainda uma ambição fatal que a cega: cumpra-se

o seu destino na terra.” (Ato III, Cena XII).

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Dando à peça o título "Tipos da atualidade", o comediógrafo faz da

mediocridade e do interesse as molas-mestras das relações interpessoais na

sociedade fluminense de então.153

Comportamentos, hábitos e atitudes de seus contemporâneos são rejeitados e

satirizados por França Júnior nesta comédia de certo sabor realista154

, revelando o

crítico social no bacharel recém saído da Academia. Convém lembrar que França

Júnior, estudante de humanidades e bacharel em Letras no Colégio Pedro II, concluiu a

Faculdade de Direito de São Paulo em 1862, ano em que escreveu Tipos da atualidade

ou o Barão da Cutia. Iniciando a vida literária nos bancos da Academia, foi

influenciado pelo modelo realista francês adaptado ao Brasil (leia-se, a Corte Imperial

do Rio de Janeiro) da segunda metade do século XIX, que experimentava franco

desenvolvimento econômico e urbano graças ao redirecionamento de capitais que eram

empregados no comércio de escravos, a partir da interrupção do tráfico em 1850.

Já aparecem no texto do jovem autor traços do que se poderia qualificar como a

sua contribuição para um pensamento sobre a sociedade brasileira, que foram

aprofundados nos folhetins e nas últimas comédias: o olhar irônico do autor sobre os

costumes da época, sua verve crítica, estavam direcionados para uma sociedade

burguesa, moderna, civilizada, em que as relações familiares não fossem submetidas ao

puro interesse financeiro, nem tão pouco ao ideal de vida simples (melhor seria dizer

“simplória”) da província.

153

Texto sobre França Júnior no “site” da Academia Brasileira de Letras, da qual França Júnior é patrono da cadeira nº 12. ver: www.academia.org.br/imortais.htm 154

Ver a análise de João Roberto FARIA sobre a peça em O Teatro Realista no Brasil: 1855-1865, São Paulo : Perspectiva : Editora da Universidade de São Paulo, 1993. – Estudos; 136, pp. 249

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A seguir, apresentaremos textos que abordam questões de costumes, de política

partidária e de conotações políticas gerais.

O amplo quadro social abarcado nas comédias de costumes de França Júnior,

com a utilização do material anotado sobre tipos e costumes originado dos folhetins que

o autor publicava em diversos jornais, deram ao crítico social diversas opções de

assuntos, situações e comportamentos a serem abordados nos enredos das peças.

Com a linguagem cênica apurada nas comédias de um ato, e o exercício

constante da seleção e crítica de costumes desenvolvido tanto naquelas obras quanto na

escrita dos folhetins, nota-se que, nos textos de maior fôlego, como as comédias Direito

por linhas tortas (1870), Como se fazia um deputado (1882), Caiu o ministério! (1882)

e As Doutoras (1889), a temática política predomina, principalmente nas peças de 1882.

Mesmo ao abordar as relações de casais e ao elaborar uma sátira ao feminismo,

respectivamente, nas comédias de costumes Direitos por linhas tortas e As doutoras,

França Júnior não deixa de introduzir as relações de poder no desenvolvimento da

trama. No nível da intimidade doméstica e das idéias sobre o papel da mulher na

sociedade, não deixa o crítico social de pincelar, mesmo que em registro paródico,

questões políticas, como a Guerra do Paraguai ou os direitos políticos da mulher:

Barão – Parece que o meu baronato está lhe incomodando muito! Pois faça o

mesmo. É preciso que cada cidadão pague, como pode, o tributo à pátria. Uns

derramam sangue em sua defesa, outros dão planos de campanha pelas

esquinas e os mais sensatos, como eu, alcançam um título que os enobrece do

dia para a noite, mandando para a guerra alguns representantes do elemento

servil.” (Direito por linhas tortas, Ato III, cena I)

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Carlota – (...) O que me traz aqui é um motivo de ordem grandíloqua, elevada e

arquicivilizadora. Senhor Manuel Praxedes, apresento-me candidato à

Deputação Geral, pelo Município Neutro.

Praxedes – Bravo! Bravo! Muito bem!

Maria – Pois as senhoras querem também ser deputadas?

Praxedes – Por que não? Nos Estados Unidos, as mulheres são caixeiras,

empregadas nos telégrafos, nas estradas de ferro, nos correios... são até

capitães nos navios.

Carlota – Até bombeiras. Amanhã sairá em todas as folhas a minha circular.

Nesta peça estereotipo o programa das reformas sociológicas femininas de que

pretendo dotar o meu país. Vai ver, fica a mulher equiparada ao homem em tudo

por tudo. É uma revolução. (As Doutoras, Ato II, Cena XVI).

Na comédia em um ato O Tipo Brasileiro (1872), temos um tema que o autor

retoma, parcialmente, em Caiu o Ministério! (1882) e no folhetim “Parece estrangeiro!”

(da série “Ecos Fluminenses”, publicada no jornal O Paiz, em 1885) o costume

brasileiro de valorizar o que é estrangeiro, inclusive no que diz respeito à aparência

física e ao modo de vestir. Em breves movimentos e em falas expressivas, com a ação

em ato único, temos a caracterização do assunto da comédia e o retrato das

personagens-tipo, a exemplo do que acontecerá em Entrei para o Club Jácome (1877):

Toda a comicidade está centrada naquilo que Henri Bergson chama de

“rigidez” em seu clássico O Riso. Ou seja: o personagem age mecanicamente,

repetindo um comportamento que vai se mostrando extravagante, exagerado e

conseqüentemente cômico. Já O Tipo Brasileiro ilustra a comédia centrada

numa única idéia: satirizar o costume nativo de valorizar somente o que é

estrangeiro. Em cena, o inglês espertalhão encanta o brasileiro imbecil com

projetos de obras absurdas, vendendo-os como geniais, mas no final é

desmascarado por um jovem e inteligente filho da terra.155

Henrique é apaixonado por Henriqueta, filha de Teodoro Paixão, criticado por

Henrique por sua mania pelo “estrangeirismo” (Ato Único, Cena I). Henriqueta também

ama Henrique, mas o casal tem sobre suas cabeças a ameaça de um rival poderoso para

Henrique: Mr. John Read, empreendedor inglês a quem a mão da moça está prometida

155

João Roberto FARIA - “França Júnior e a Comédia de Costumes”, in: O Teatro na Estante: estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira, São Paulo : Ateliê Editorial, 1998, p. 60.

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em casamento por Teodoro Paixão, que irá finalmente unir o nome brasileiro da família

a um nome estrangeiro:

Teodoro --- (...) Estuda um ar senhoril e compenetra-te da idéia de que vais ser

a mulher de um inglês! Miss Henriqueta Paixão Read! Que nome! Tem o diabo

do Paixão que desconcerta-lhe a harmonia estrangeira, mas enfim, se quiseres,

podes tirá-lo. (Cena IV.)

O empreendimento que fascina Teodoro Paixão é uma “idéia de alta

conveniência pública, de que os tais senhores brasileiros ainda não se lembraram" e que

só poderia “germinar num cérebro maravilhosamente organizado: Mr. John Read

pretende obter do governo um privilégio para encanar cajuadas em toda a cidade.”

(Cena II).

No embate entre Teodoro Paixão e sua obsessiva preferência por tudo que é

estrangeiro, com a defesa da cultura e da sociedade brasileiras feita pela personagem

Henrique, o nacionalista França Júnior apresenta, pela crítica ao “estrangeirismo”, um

verdadeiro projeto político, cultural e moral para o Brasil:

Henrique --- (...) O brasileiro desprestigia-se a si próprio, em todos os lugares, a

cada momento, nas coisas mais insignificantes da vida e nos maiores

acontecimentos dela. (...) Saímos do colégio ignorando a nossa história;

sabemos onde fica a França, a Inglaterra e a Rússia, mas raros são os que

podem dizer os nomes das principais cidades do Brasil. No parlamento

ninguém cita os luminosos precedentes do nosso passado, roídos pelas traças

em solitários arquivos; em compensação porém invocam-se ali, a cada passo, as

práticas inglesas e levantam-se soberbos pedestais a lord Derby, Pitt, Thiers,

Guisot e a tantos outros luzeiros do velho mundo. A imprensa desprestigia os

nossos literatos: quando uma vocação surge, ébria de esperanças, ou morre

ignorada, tiritando no gelo da indiferença, ou sucumbe aos golpes da crítica

invejosa e mordaz. Não há ninguém honrado no fastígio do poder: os estadistas

assumem o governo, cheios de fé, e descem dos conselhos da coroa, feridos na

probidade e trazendo no coração os gérmens da descrença. Se a dignidade da

nação emprenha-se em cruenta guerra, amesquinhamos as nossas vitórias

perante o estrangeiro mandando escrever em todos os jornais do império que

nos batemos com inimigos esfaimados, maltrapilhos e covardes. Não é tudo

ainda, os guerreiros da Rua do Ouvidor dão planos de campanha e,

desrespeitando a dignidade do pavilhão nacional, abatem hoje o general que

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elevaram ontem, para elevarem outro que hão de abater amanhã. (...) A nossa

indústria definha, humilhada por nós mesmos. O brasileiro que monta um

estabelecimento industrial trata logo de ocultar a nacionalidade de seus

produtos em pomposos rótulos estrangeiros. (...) Envergonhamo-nos das

tradições as mais populares que todos os povos civilizados respeitam como

legados preciosos do passado. Vamos de dia em dia perdendo o tipo na família,

nos hábitos, nos costumes, e finalmente até já começamos a prostituir a

própria língua que falamos! (Cena II – grifos nossos)

No trecho citado, há claras referências à Guerra do Paraguai (1865-1870) e ao

papel do Duque de Caxias, do Partido Conservador, nomeado comandante das tropas

brasileiras no Paraguai por um Gabinete Ministerial liberal (presidido por Zacarias Góes

de Vasconcelos). Caxias, após várias vitórias militares, passou a ser atacado pela

imprensa e pela situação liberal. Vale lembrar que França Júnior era simpático às teses

do Partido Conservador. A Rua do Ouvidor era uma “praça de guerra” de partidários

das tendências políticas do Império.

França Júnior já havia ironizado, num folhetim publicado em fevereiro de 1868,

o luxo de uma sociedade carnavalesca, o “Club X”, que havia utilizado dois camelos e

vestuários luxuosos num festejo carnavalesco. Na comédia, o autor aproveita o material

de suas observações que havia registrado no folhetim. Tal como naquele texto, percebe-

se a ironia do autor, até sobre o bem intencionado Henrique:

Teodoro – É verdade. Ora, ouça. “Grande exposição de camelos da Costa

D’África. Entrada 1$000.”

Henrique – Eis aí ainda uma prova do nosso pouco amor à pátria, e do maldito

estrangeirismo que vai tudo invadindo. Camelos da Costa d’África! Este país

tem muito bons camelos, pode dize-lo com orgulho, não há necessidade de ir

mendigá-los ao estrangeiro.

Teodoro – (Com intenção.) – Lá isso tem, é a pura verdade.

Henrique – Talvez militasse no ânimo do expositor uma razão muito poderosa de

economia.

Teodoro – Qual é?

Henrique – É que o camelo da Costa d’África pode passar muitos dias sem

comer; os camelos do Brasil são os que mais comem. (Cena II).

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No momento em que Henrique desfila suas queixas nacionalistas, Teodoro

Paixão ironiza o entusiasmo do jovem brasileiro, chamando de “Discursos!” a sua

pregação nacionalista, dizendo que ele é “... um brasileiro às direitas; tem discursado

maravilhosamente. Estamos fartos de discursos, queremos a realidade.” (Cena II).

Desfere um golpe certeiro no apaixonado por Henriqueta, ao comunicar-lhe que a moça

irá casar com Mr. John Read.

Determinado a não abrir mão de sua paixão e a dar uma lição ao pai de

Henriqueta, Henrique disfarça-se de françês chegado “diretamente de Lisbonne pour

arranje um negocio com o governo”, que tem “idéia de montar aqui um grande fabrique

de pomade.”, alimentando a “esperance de fazer beaucoup d‟argent neste país”. O falso

francês compromete-se, sozinho, a dar “pomade a tout le monde. (...) Se eu consegue

arranjar ser pomadiste universal avec garantie du gouvernement, acaba de uma vez com

pomade falsificade que se consume em tudo o Brésil.”(Cena VII).

O despropósito e o exagero dos empreendimentos “estrangeiros” - o

encanamento de cajuada pelo inglês e o monopólio da pomada, pelo francês, só tem

paralelo, na sátira de França Júnior, no fato de que há um brasileiro, Teodoro Paixão,

que porá a sua “humilde proteção” ao “serviço de todos os estrangeiros inteligentes e

laboriosos que aportam a este país.” (Cena VII). O servilismo aos estrangeiros é

impiedosamente retratado em Teodoro Paixão.

Após uma sucessão de cenas em que Henrique, Teodoro Paixão e Mr. Read

alternam-se em situações ridículas, e Henriqueta torna-se objeto de disputa entre os dois

“estrangeiros”, o inglês é desmascarado pelo falso francês e revela-se um aproveitador,

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que está atrás do dote de Henriqueta e do privilégio governamental para apurar dinheiro

e pagar dívidas contraídas em Paris. Teodoro Paixão presencia o momento em que o

inglês é desmascarado e passa a repudiar os estrangeiros.

Na cena final, Henrique, ainda como o falso francês, pede a mão de Henriqueta.

Teodoro nega, dizendo que “nesta casa não há de entrar mais tratante algum” e que

consente no casamento da filha “com o Senhor Henrique”. Este revela-se e obtém a mão

de Henriqueta e assim termina a comédia:

Teodoro --- Pois era o senhor?!

Henrique --- É verdade; um brasileiro, ainda quando nenhum préstimo tenha,

serve ao menos para desmascarar um tratante. Receba calado esta lição e

aprenda a respeitar a terra das bananas e palmeiras, onde canta o sabiá. Deite-

nos a sua benção.

Teodoro (Abençoando-os.) --- Deus os faça santos.

Henrique – Merci, Mr. Theodore Passion. (Cena XIII)

Na peça Tipos da atualidade (1862), França Júnior compõe seu material de

trabalho, traçando o perfil de uma sociedade apegada às aparências, que valoriza o

dinheiro em detrimento da moral, que trata com desdém a simplicidade e a franqueza do

homem da província. Suas carapuças são distribuídas aos esnobes e à instituição do

casamento e os interesses que em torno dela gravitavam na sociedade do Segundo

Reinado. Em O Tipo Brasileiro (1872), temos a credulidade do cortesão que valoriza

tudo que é estrangeiro, comicamente representada no caráter rígido da personagem

Teodoro Paixão. A carapuça aqui tem endereço certo: a mania de só atribuir valor à

cultura, às idéias, aos produtos estrangeiros, já então amplamente disseminada na

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sociedade brasileira, revelando o “desamor pelo eu brasileiro, o desrespeito pela

dignidade própria” 156

.

A política brasileira do Império está referenciada na obra dramatúrgica de

França Júnior desde a primeira obra teatral escrita e encenada. Em seus textos, surgem

referências a temas como a Questão Anglo-Brasileira, a decadência do Império, a

Abolição da Escravatura, a Guerra do Paraguai, a República, a Conciliação (gabinetes

parlamentares entre 1853-1857), os empréstimos ingleses que inauguraram a

dependência externa brasileira das finanças internacionais etc157

. João Roberto Faria

considerou que trazer o assunto político à comédia de costumes foi a contribuição de

França Júnior para o teatro brasileiro que, neste sentido, teria ido um pouco além de

Martins Pena.158

No entanto, não apenas questões especificamente políticas foram alvo da crítica

e da sátira de França Júnior. Os costumes sociais, a intimidade, a vida privada aparecem

ao lado da temática especificamente política, como as articulações para a composição de

um ministério ou a maneira como se processa a eleição de um deputado. Esses costumes

sociais e práticas políticas são alvo da denúncia, da paródia, das caricaturas e da sátira

do autor.

A política é o fio condutor do enredo e permeia as relações que as personagens

estabelecem entre si, nas peças Como se fazia um deputado e Caiu o Ministério! (ambas

156

Folhetim “Parece estrangeiro!”, in: FRANÇA JÚNIOR - op. cit. p. 652. 157

Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA , op. cit. pp. 275 a 285. 158

Resposta à pergunta que fizemos ao palestrante, dia 16 de outubro de 2001, durante o debate sobre o tema de sua palestra “Teatros Nacionais e Sociedade Burguesa”, no ciclo O TEATRO E A CIDADE – São Paulo, 08 a 31 de outubro de 2001, Centro Cultural São Paulo, Secretaria do Municipal da Cultura.

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de 1882). A primeira peça, como já o dissemos, teve o verbo do título alterado pelo

autor (de faz para fazia), face à coincidência da promulgação de legislação eleitoral

criada para inibir os abusos de candidatos e seus correligionários satirizados na peça. O

ridendo castigat mores da sátira pode ser percebido, involuntariamente, já desde este

episódio. Os costumes políticos não mudaram por força de lei. Nem na época em que a

comédia foi escrita, nem posteriormente.

Duas lideranças locais, oficiais da Guarda Nacional159

, uma do Partido

Conservador (Tenente-Coronel Chico Bento), outra do Partido Liberal (Major

Limoeiro) disputam o poder na Freguesia de Santo Antônio do Barro Vermelho. A

província vai eleger um Deputado e os dois líderes ensaiam uma discussão sobre

princípios, mas acabam arquitetando planos para a manutenção do poder, através da

eleição de Henrique, sobrinho e herdeiro do Major Limoeiro, bacharel em Direito

recém-formado. Para selar a aliança, um casamento de conveniência. A noiva será

Rosinha, moça simples, da “roça”, filha do Tenente-Coronel Chico Bento.

A estratégia política, que compreende o casamento por interesse, é expressa em

rápidos diálogos entre os dois “oficiais”:

Limoeiro –(...) Eu represento o dinheiro; o tenente-coronel a influência. (...)...

é preciso olhar seriamente para o futuro de Henrique, antes que a reforma

eleitoral nos venha por aí.

Chico Bento – Quer então que...

159

“Era a milícia cidadã criada em 1831, inspirada na Revolução Francesa, para manter a ordem e policiar o município. A lei de 18.8.1831 extinguiu as milícias e criou a Guarda Nacional. O alistamento era só entre os cidadãos que possuíam condições econômicas estáveis. Graças à Guarda Nacional, surgiam grupos locais que obrigaram o governo a fazer acordos para manter a centralização do Estado. Os comandantes locais passaram a ser os coronéis, que também dirigiam a política. Esta instituição prestou serviços na Revolução Farroupilha e na Guerra do Paraguai. No final do II Reinado a força se abastardou pela corrupção da venda de cargos aos novos ricos. Foi extinta em 1918.” Moacyr FLORES, Dicionário de História do Brasil, 2ª edição, revista e ampliada, Porto Alegre : EDIPUCRS, 2001, Coleção História; 8, pp. 292.

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Limoeiro – Que o tome sob a sua proteção o quanto antes, apresentando-o seu

candidato do peito nas próximas eleições.(...)O rapaz é meu herdeiro, casa com

a sua menina, e assim conciliam-se as coisas da melhor maneira possível.

Chico Bento (com alegria concentrada) – Confesso ao major que nunca pensei

em tal; uma vez, porém que este negócio lhe apraz...

Limoeiro – É um negócio, diz muito bem; porque, no fim de contas, estes

casamentos por amor dão sempre em água de barrela. O tenente-coronel

compreende... Eu sou liberal... o meu amigo conservador...

Chico Bento – Já atinei! Já atinei! Quando o Partido Conservador estiver no

poder... Limoeiro – Temos o governo em casa. E quando o Liberal subir...

Chico Bento – Não nos saiu o governo de casa.(...)E se se formar um terceiro

partido? Sim, porque devemos prevenir todas as hipóteses...

Limoeiro – Ora, ora... Então o rapaz é algum bobo? Encaixa-se no terceiro

partido. O tenente-coronel já não foi progressista, no tempo da Liga160

?

Chico Bento – Nunca . Sempre protestei contra aquele estado de coisas; ajudei

o governo, é verdade, mas no mesmo caso está também o major, que foi feito

comendador naquela ocasião.

Limoeiro – É verdade, não o nego; mudei de idéias por altas conveniências

sociais. Olhe, meu amigo, se o virar casaca fosse crime, as cadeias do Brasil

seriam pequenas para conter os inúmeros criminosos que por aí andam. Chico Bento – Vejo que o major é homem de vistas largas.

Limoeiro – E eu vejo que o tenente-coronel não me fica atrás.

Chico Bento – Então casamos os pequenos...

Limoeiro – Casam-se os interesses... (Ato I, Cena VI – grifos nossos).

O processo de convencimento e formação do candidato é conduzido pelo tio,

com o senso prático e realista dos velhos líderes políticos. Limoeiro tira da frente dos

olhos do jovem idealista as ilusões românticas dos tempos da Academia, pois “isto de

poesia não dá para o prato”. É preciso ocupar-se “com alguma coisa séria”. Questionado

sobre que carreira pretende seguir, Henrique vê o tio desqualificar uma por uma as que

o recente bacharel enumera: a magistratura, a advocacia, a diplomacia, a carreira

administrativa e o jornalismo. A política é a carreira ideal, pois para “... deputado não é

preciso ter prática de coisa alguma. Começas logo legislando para o juiz municipal, para

o juiz de direito, para o desembargador, para o Supremo Tribunal de Justiça, para mim,

que sou quase teu pai, para o Brasil inteiro em suma.” (Ato I, Cena VII).

160

Liga Progressista. “Grupo político organizado pelo Marquês de Caxias, quando presidia o Conselho de Ministros. A liga se dissolveu em 1865 com a queda do gabinete do marquês de Olinda”. Moacyr FLORES - op. cit., pp.358/359. O Marquês de Caxias, futuro Duque de Caxias, político e militar, pertencia ao Partido Conservador, o mesmo do Tenente-Coronel Chico Bento.

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110

A resposta à pergunta do Major Limoeiro sobre as opiniões políticas de

Henrique, que nunca havia pensado no assunto, satisfaz o Major, pois o não ter idéias

políticas revela que Henrique é “... mais político do que eu pensava.” A escolha de um

partido, qualquer um, é necessária ao futuro candidato, e o jovem bacharel concorda em

ser do partido do tio (Liberal). Este questiona se ele pode ser conservador e Henrique

concorda também. Limoeiro decide que Henrique servirá aos dois partidos. Henrique

protesta que “isto é uma indignidade” e recebe do tio uma prática lição de realismo

político: “Indignidade é ser uma coisa só!” (Ato I, Cena VII).

Os dois coronéis comunicam aos jovens Henrique e Rosinha que eles vão se

casar. A perplexidade do sobrinho do Major não é menor do que a resistência da roceira

filha do Tenente. Rosinha diz não gostar de brincadeiras e diz que não quer casar.

Teimosa, a moça diz que “... quando digo que não quero, é porque não quero mesmo.”

161

As dificuldades no convencimento dos noivos são superadas por um golpe de

teatro por parte de França Júnior: a simplicidade da roceira Rosinha agrada a Henrique

que tem diante de si uma bela moça: “Cintura fina e delgada, cabelos castanhos...

Decididamente não é nenhuma asneira”. Casar com um moço que “não é muito feio”,

doutor em Direito, de quem tem doces recordações de infância (Henrique havia

presenteado a menina com uma boneca) e com a perspectiva de ir morar no Rio de

Janeiro, não desagrada à moça simples.

161

Antecipando uma expressão que seria utilizada, no final do século XX, por um conhecido estadista da República para desqualificar a oposição, Rosinha reitera a recusa: “É à-toa, escusa de estar nhen-nhen-nhen em cima da gente.” (Ato I Cena IX – grifos nossos).

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111

Os arranjos domésticos e políticos caminham paralelamente, e bem. No segundo

ato da comédia, a eleição. Revela-se a trama urdida para eleger Henrique: capangas,

brigas, roubos de urnas, listas de eleitores fantasmas, voto de escravos, mortos e

estrangeiros, todos os recursos da fraude eleitoral então disponíveis são utilizados e o

atônito bacharel a tudo assiste, perplexo, chocado. Ao perceberem a manobra política,

levantam-se vozes de protestos, a primeira eleição é anulada e segue-se um segundo

pleito cujo resultado é previsível: é eleito Deputado Provincial o Doutor Henrique

Limoeiro.

No terceiro e último ato, Rosinha é preparada, sob protestos, para tornar-se

mulher de um deputado. É a mãe, Dona Perpétua que a lembra que deve ser uma “...

moça educada, bem arranjadinha” e que a mulher de um político “... é uma senhora que

tem o dever de ser amável, de dar reuniões em sua casa, de lisonjear os outros, e de se

apresentar bem.” (Ato III, Cena I). O Major Limoeiro sonha um “futuro mais que

perfeito” para o sobrinho: “Moço, rico, talentoso, deputado provincial aos vinte e quatro

anos, futuro representante da nação aos vinte e cinco, futuro ministro aos vinte e seis,

futuro chefe de partido aos trinta e futuro senador do império aos quarenta!” (Ato III,

Cena II) Aqui fica clara a intenção de França Júnior de denunciar o compadrio, aliado

político do filhotismo, como alavanca das carreiras políticas da época.

Major Limoeiro e Tenente-coronel Chico Bento, consumada a eleição do

protegido, tratam de promover Henrique a candidato à representação nacional (deputado

na Câmara Federal, no Rio de Janeiro). Articulam a indicação por um dos partidos. Ao

excesso de cuidados de Chico Bento sobre a apresentação de um programa eleitoral, em

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que o candidato “há de definir as suas idéias”, Limoeiro retruca perguntando o que tem

“... as idéias com o programa, e o programa com as idéias?”. Pede ao aliado que não

misture “... alhos com bugalhos (...) e parta deste princípio: o programa é um amontoado

de palavras mais ou menos bem combinadas, que têm sempre por fim ocultar aquilo que

se pretende fazer.” (Ato III, Cena IV).

O choque de Henrique com os acontecimentos das eleições ressuscita o

idealismo do recém-formado bacharel, que havia sido amortecido pela sedução política

do tio, e pela perspectiva do casamento com Rosinha, por quem se apaixona. Henrique

cai em si e pondera:

“Acabo de sair dos bancos da academia, do meio de uma mocidade leal e

generosa, cheio de crenças, sonhando a felicidade de minha pátria, e eis que de

chofre matam-me as ilusões, atirando-me no meio da mais horrível das

realidades deste país – uma eleição, com todo o cortejo de infâmias e

misérias.”(Ato III, Cena V)

Este choque de realidade seria trágico, se não fosse cômico. Henrique, que tem

consciência de ser um mero joguete nas mãos dos velhos líderes políticos, nega-se a

apresentar-se à Câmara como deputado eleito, mas é chamado à coerência pelo tio:

“Mas, rapaz, como combinar esta série de disparates que estás dizendo agora, com o que

fizeste nas eleições?!” (Ato III, Cena V).

França Júnior, folhetinista político de oposição entre 1867 e 1868, arremata um

diagnóstico da vida política brasileira, ainda válido, neste quase monólogo do novo

“deputado”:

Chico Bento – Pois o senhor não tem a ambição de representar o seu país?

Henrique – E o senhor chama isto representar o país? O que é que eu

represento? Quais são as minhas idéias? A que partido estou filiado? Que

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solução posso dar a todos os grandes problemas sociais que se agitam

presentemente? Limoeiro – Porém...

Henrique – Formado apenas há dois meses, sem experiência da vida, sem a mais

pequena noção dos negócios públicos, o que vou fazer na Câmara? O papel

triste e ridículo de um filhote, apresentado por um tio liberal e um futuro sogro

conservador. Que manancial fecundo para os folhetins dos jornais de

oposição! (Ato III, Cena V – grifos nossos)

Rosinha é chamada pelo futuro sogro, Major Limoeiro, para convencer Henrique

a não “abandonar a carreira que tão brilhantemente começa agora.” A felicidade da

moça simples está em jogo. Limoeiro, hábil na sedução política, joga com os interesses

da futura esposa de um deputado, pois “... a menina tem também o maior interesse nisto.

Irá para a corte, terá ricos vestidos, bonitas jóias, aparecerá nos grandes bailes,

freqüentará todos os teatros, divertir-se-á, enfim, como uma verdadeira princesa.” O

major alimenta a curiosidade da moça da roça pelos “encantos de uma grande capital”.

Rosinha finalmente capitula ao ver-se, nas palavras do hábil sedutor, casada e passeando

com o marido pela Rua do Ouvidor:

Limoeiro – É um céu aberto! De noite, então, nem falemos. É clara como o dia e

tem mais gente que o arraial no dia da festa de Santo Antônio. A menina só de

braço com seu marido, para baixo e para cima, a comprar uma jóia aqui, ali um

vestido, acolá um chapéu, e todos a perguntarem: quem é aquela moça? Que

peixão! Pois não conheces? É a mulher do Deputado Limoeiro. Há nada que

pague isto? (Ato III, Cena VII)

Dizendo-se uma “... pobre moça da roça”, sem educação, que não pode, como o

refinado homem da corte que é Henrique, “... dizer tanta coisa bonita”, Rosinha

pergunta se ele é capaz de fazer “uma coisa que vou lhe pedir?” e arranca do futuro

marido a promessa de levá-la para a Corte. Rosinha, porém, impõe a condição de ir para

a Corte como a “mulher do Senhor Deputado Limoeiro”, ao que Henrique, ciente da

armadilha armada pelo tio, responde:

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Henrique – Por que me falas de política quando falo-te de amor?

Rosinha – Porque a política dar-te-á a posição, e eu quero ver-te um grande

homem.

Henrique – Compreendo. Meu tio, depois de haver tentado plantar em meu peito

a ambição, procura agora arraigar no teu a vaidade! Se o não estimasse como

um verdadeiro pai, e se não visse que tudo quanto ele tem feito é com as

melhores intenções, diria que a serpente procura Eva para tentar Adão. (Ato III,

Cena VIII).

A cooptação social está consumada, com o casamento de conveniência dos

jovens representantes das famílias aliadas na política. Henrique partirá como Deputado

e envidará “todos os esforços para bem cumprir” seus deveres, levando, porém, “a

convicção de que a descrença, mais tarde ou mais cedo, far-me-á tragar a taça dos

dissabores.” (Ato III, Cena IX).

Na festa que comemora a eleição de Henrique, o liberal Major Limoeiro entrega

a carta de alforria a Domingos, um escravo que participou da fraude eleitoral, votando

mais de uma vez. França Júnior alfineta a “filantropia” interessada do líder político

liberal na província:

Limoeiro - Chegaste a propósito. (Com ar solene) – Domingos, de hoje em

diante serás um cidadão livre. Aqui tens a tua carta, e na minha fazenda

encontrarás o pão e o trabalho que nobilita. (Ato III, Cena XII – grifos nossos)

Com a fidelidade do ex-escravo, o Major da Guarda Nacional conserva preso a

sí o cabo eleitoral, para continuar exercendo o poder autocrático na Freguesia. E assim

termina esta comédia.

Desta forma, em vinte anos de produção intermitente, a produção dramatúrgica

de França Júnior esteve voltada para a crítica social de costumes e da política de seu

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tempo. Aproveitando o farto material que a observação do cotidiano, apresentado

metaforicamente ou em forma de descrição, nos folhetins que escreveu para vários

jornais, mostrando a vida no Brasil em suas múltiplas manifestações, tanto no ambiente

urbano do Rio de Janeiro Imperial da segunda metade do século XIX, quanto no entorno

rural, França Júnior trouxe para o teatro, para o plano da representação, essa mesma

sociedade.

A representação, em chave de paródia, caricatura e sátira, aponta e exagera os

defeitos da sociedade carioca das últimas décadas do século XIX, mostra-nos tipos

sociais que se enredam em tramas de hábitos, comportamentos, ritos e aparências

criticados pelo comediógrafo que não poupa ninguém, “satisfazendo-se em cobrir de

ridículo até os bem-intencionados”162

.

Da cultura à política, do ambiente doméstico à vida social, das questões de

Estado à vida urbana, em vários campos procura o analista de costumes França Júnior

material para suas carapuças morais, estéticas, culturais e políticas. Nada parece

escapar ao olhar atento, à sua pena ágil, ao estilo cômico de representar a realidade que

tem à frente de seus olhos. O trabalho de elaborar a trama, recompondo a imagem da

sociedade, sob a forma de carapuças devidamente endereçadas, é feito de modo a

recortar no tecido social, cultural e político brasileiro da época o que nos é mostrado,

em chave de comédia, propositalmente exagerado (caricatura), esgarçado, ampliado.

A escolha do material a ser trabalhado e a fatura dos folhetins, e principalmente

das comédias, ressalta, como vimos demonstrando ao longo deste trabalho, o que era

162

Sábado MAGALDI - “Fixação de costumes”, in: Panorama do Teatro Brasileiro; 3ª edição, revista e ampliada, São Paulo : Global Editora, 1997, p. 140.

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mais evidente, o que mais agredia a sensibilidade estética, cultural, social do homem de

letras, do jornalista que passa a utilizar a máscara de autor teatral para mostrar “à sua

época e geração sua forma e efígie” (Hamlet, Ato III, Cena II). E a principal crítica,

parece-nos, é dirigida ao modo como essa sociedade, em seu cotidiano, na imprensa, nas

manifestações mais simples do cotidiano e na construção de suas instituições, não

distinguia o público do privado, a intimidade da vida pública.

Assim, na primeira peça analisada (Tipos da Atualidade, de 1862), temos o perfil

de uma sociedade apegada às aparências, que valoriza o dinheiro em detrimento da

moral, que trata com desdém a simplicidade e a franqueza do homem da província, e

França Júnior distribui suas carapuças aos esnobes e à instituição do casamento, aos

interesses que em torno dela gravitavam na sociedade. Na segunda peça estudada (O

Tipo Brasileiro, de 1872), o alvo do comediógrafo é a credulidade do cortesão que

valoriza tudo que é estrangeiro, comicamente representada no caráter rígido da

personagem Teodoro Paixão. A carapuça aqui tem endereço certo: a mania de só

atribuir valor à cultura, às idéias, aos produtos estrangeiros, já então amplamente

disseminada na sociedade brasileira. Na terceira peça estudada (Como se fazia um

Deputado, de 1882), a sátira política castiga as oligarquias que dominam o país,

denuncia a corrupção do processo eleitoral, os vícios do bacharelismo e a ausência de

um projeto político para o país. A ampla carapuça preparada por França Júnior nessa

comédia, a partir do recorte de aspectos capturados da realidade política do Segundo

Império, abarca ainda os arranjos domésticos e sua influência nos negócios do Estado.

Pontilhando o material trabalhado por França Júnior, ao longo de sua obra

dramatúrgica, anterior e posterior à peça que analisaremos em seguida, encontramos

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diversos assuntos, comportamentos, hábitos, costumes e atitudes que foram abordados

no trabalho do crítico: as estrepolias ou “estudantadas” dos Acadêmicos da Faculdade

de Direito de S. Paulo, os exageros do amor platônico e a mania livresca – romanesca –

da mulher que se arrebata em aventuras imaginárias; o culto às aparências; a ostentação;

a moda feminina; as manias coletivas; as dívidas de estudantes; a pedanteria

bacharelesca; o costume de falar mal das pessoas pelas costas; as idéias políticas

progressistas; a valorização exagerada da cultura estrangeira; a vida fútil das moças

casadoiras; a astúcia dos velhos chefes políticos oligarcas; a conciliação política; os

tipos populares e ingênuos; o contraste entre a vida no Brasil agrário e no Brasil urbano;

o casamento por interesse; o feminismo incipiente; o papel da mulher numa sociedade

patriarcal; o desprestígio do ser brasileiro entre seus contemporâneos; a desvalorização

da História e do passado; a vergonha das tradições populares; o uso de expressões

estrangeiras na língua e na nomenclatura de produtos brasileiros; a conversão ou

cooptação dos jovens pelos mais velhos.

Caiu o Ministério! é, sem dúvida, a peça mais conhecida do comediógrafo, e

talvez a mais citada nas análises e resenhas críticas de sua obra literária, encontradas na

teoria e na crítica teatral. Sendo assim, para adicionar mais uma às tantas descrições e

análises, nossa colaboração compreenderá também uma leitura do espetáculo teatral,

pois tivemos o privilégio de ir a campo e assistir a uma encenação da peça, quando

estávamos próximos à conclusão do texto da dissertação163

.

163

Caiu o Ministério! esteve em cartaz de setembro a dezembro de 2001, e de 16 de março a 30 de junho de 2002 com temporada no Teatro João Caetano, dirigida por Ariela Goldmann, dentro do Projeto “Formação de Público” (curadoria de Gianni Ratto e orientação de Maria Sílvia Betti e Flávio Wolff Aguiar), da Secretaria Municipal de Cultura do Município de São Paulo. O espetáculo teve temporada de 16 a 24 de fevereiro de 2002 no Teatro Municipal de São Paulo. O Projeto Formação de Público, da Prefeitura do Município de São Paulo (2001-2002), do qual a encenação de Caiu o Ministério! a que assistimos participou, ao lado de espetáculos como Geração Trianon (Anamaria Nunes), Pedro Mico (Antonio Callado) e Nossa vida em família (Vianinha), fez parte da política pública para o teatro paulistano, em que uma

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Em 1973, no Teatro Popular do Sesi, houve também uma encenação da peça.

Osmar Rodrigues Cruz, diretor do espetáculo falando sobre sua encenação, disse que

escolheu Caiu o Ministério!...

...porque esta contém todos os elementos que a fazem uma das peças mais

importantes daquela época. Autor de peças de costumes, engraçado, sagaz como

crítico social e político, França Júnior enfoca nessa peça o empreguismo, hoje

o chamado “nepotismo”, a corrupção, defeitos políticos até hoje praticados no

Brasil. Nós estávamos ainda no regime militar, mas a censura não incomodou,

achava que eram histórias de outros tempos. Atualizei o linguajar e reforcei um

pouco a comédia, fiz o espetáculo dentro de um estilo satirizante, queria que o

público se divertisse, mas sem deixar de lado a crítica ao sistema político da

época, e o resultado foi de momentos hilariantes. Escolhi um elenco de atores

criadores de tipos, que pudessem fazer até caricatura, eles tinham total

integração com o público.(...)França Júnior é não só um gozador mas

principalmente um crítico violento. Daí partimos para a sátira. As gags, o non

sense de determinadas situações, a introdução e o final, foram encenados para

demonstrar que tudo se repete, enquanto não se modificarem os homens. O

realismo do texto é um realismo crítico, portanto, nunca a realidade

simplesmente mas a sua distorção, para assim atingir a crítica dessa

realidade.(...)Cada personagem representa uma parte da sociedade, cada cena é

um flash crítico dessa mesma sociedade. (...)Querer unificar uma peça que tem

em cada cena um sentido, em cada personagem uma característica, ora realista

ora absurda, às vezes ridícula, é querer abandonar o humor desordenado mas

agudo, do autor.(...)Completamos dez anos de existência, atingindo 300.000

espectadores, só com Caiu o Ministério. Isso demonstrava que tínhamos

conseguido plantar o espetáculo popular, atraindo gente e ao mesmo tempo

afirmando o teatro como necessidade cultural.164

(grifos nossos)

Caiu o Ministério! (1882), das peças a que tivemos acesso neste estudo, parece

ser a síntese dramatúrgica do pensamento de França Júnior sobre a sociedade, a cultura

e a política de seu tempo. Nela, o procedimento de aproveitar textos, idéias, diálogos e

das linhas mestras que regiam a Secretaria Municipal de Cultura era: “Construção do pensamento cultural na cidade que permite a constituição de cidadãos e cidadãs dotados de capacidade de entendimento dos problemas que afetam a cidade, o Brasil e o mundo”. A escolha das quatro peças citadas, representativas de algumas das facetas mais marcantes da vida nacional, visava atingir o objetivo do programa que era: “...o de difundir o teatro através daquilo que ele produz de mais característico, ou seja, o prazer artístico, o entretenimento, e a reflexão crítica sobre o mundo que o cerca”. 164

Osmar Rodrigues CRUZ e Eugênia Rodrigues CRUZ, Osmar Rodrigues Cruz: uma biografia teatral, São Paulo: Hucitec, 2001, pp. 214, 216, 217 e 231.

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situações, anteriormente criados nos folhetins, é amplamente utilizado, como apontou

Décio de Almeida Prado165

.

A análise do espetáculo deve incorporar os elementos que a crítica teatral estuda

ao abordar o fenômeno teatral. Cenografia, indumentária, iluminação, marcações

cênicas, adereços, música, desempenho dos atores, proposta ou desenho cênico da

encenadora, são alguns dos elementos a serem estudados. Por outro lado, em se tratando

de um texto de época, e de uma sátira política, é preciso apreender que comportamentos

são criticados, quais instituições são caricaturadas, quais comportamentos e atitudes

individuais e coletivas são analisados e qual o entendimento da situação social, histórica

e política representada, do ponto de vista do pesquisador e espectador, num estudo que

se propõe aproximar campos de conhecimento como o Teatro e a Política.

Antes de mais nada, é preciso considerar que o teatro se realiza em ato pela

conjugação, em um dado espaço, de três elementos principais: ator, texto e

público. Da relação ator-texto, surge a personagem em cena. É ela, a máscara,

que dá ao teatro, entre os diversos gêneros de comunicação artística

interpessoal, o seu lugar próprio. Da co-presença física ator-público, decorre o

modo pelo qual se verifica a apreensão sensível da obra cênica, isto é da

percepção ao vivo. Assim, nenhum desses elementos pode faltar para que haja

uma plena função teatral e, de seu equilíbrio, por distintas que sejam as

maneiras de acentuá-los e estabilizá-los, depende não apenas a existência de um

tipo de teatro e linguagem teatral, mas inclusive a riqueza de sua expressão.

Resta ainda examinar duas operações que, em si restritas ao palco, são

indispensáveis à configuração e comunicação do universo cênico. Trata-se da

concretização mimética e da articulação significativa. A primeira torna-se

necessária para que a representação teatral seja apreendida. Pois sem as

sugestões feitas a partir de similaridades no mundo real, por tênues e remotas

como é possível que sejam, seria inoperável a percepção imediata de alguns

aspectos da ficção teatral que permitem a decodificação mediata do restante

pelo espectador. Mas a arte cênica não fica nisso no seu esforço para constituir

e veicular a “peça”. O outro recurso que utiliza é a simbolização. Tudo quanto

se apresenta em seu quadro, contanto que se mantenha no plano do “teatral”,

adquire um caráter simbólico. É o caso, por exemplo de qualquer gesto, que

deixa de ser sintomático, como é em geral na vida, e se converte em símbolo de

si mesmo, por mais espontâneo e automático que pareça ser ou seja de fato. O

165

Décio de Almeida PRADO, “A Evolução da Comédia”, in: História Concisa do Teatro Brasileiro: 1570-1908, capítulo sétimo, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999, p. 132.

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teatro procura articular em termos de suas convenções constitutivas elementos

provenientes do mundo real, e o caminho para uma linguagem cênica

inovadora liga-se diretamente à capacidade da criação teatral de inventar,

agrupar e inter-relacionar símbolos, isto é, ao poder de ela gerar uma

articulação significativa a partir do palco.166

(grifos nossos)

Para entrarmos nos fundamentos do espetáculo assistido, inicialmente

reproduzimos o texto introdutório contendo o enredo da peça elaborado para o

programa:

Esta peça de França Júnior, representada em 1882, critica os costumes

políticos brasileiros do fim do Império, apontando problemas que fazem parte

do nosso cotidiano de hoje. Passam perante o espectador a inconsistência dos

partidos políticos, o nepotismo, a política de favorecer os amigos e perseguir os

inimigos, a confusão entre os espaços público e privado, a futilidade da vida das

elites num Rio de Janeiro que dispõe de um consumo sofisticado para quem é

rico mas cujas ruas ainda se cobrem de pobreza e de uma árdua luta pela vida,

para quem não nasceu em berço dourado. O enredo é simples, e os personagens,

na verdade, são tipos bem marcados. Diante da queda de mais um ministério (no

fim do Império eles não duravam um ano) o político Felício de Brito é

encarregado de organizar o novo governo. Imediatamente começa a ser

assediado por pretendentes a cargos, empregos, favores, privilégios e por outros

pretendentes... à mão de sua filha Beatriz. Esta é uma moça fútil mas esperta, e é

também objeto da paixão de Felipe, moço caixeiro que vira repórter para cobrir

a formação do novo governo. Este moço é pobre, mas tem na manga um bilhete

de loteria que torna tudo promissor... O final é previsível, pois todos os

personagens, se têm ou exibem grandes defeitos, têm também um número

suficiente de pequenas qualidades para torná-los pelo menos um pouco

simpáticos aos olhos do espectador. França Júnior realiza assim o ideal da

comédia de costumes – ridendo castigat mores – ao mesmo tempo em que,

hoje, nos proporciona momentos de bom divertimento reconstituindo uma

época de nossa história.167

(grifos nossos)

A simplicidade do enredo e a direção de Ariela Goldmann para o espetáculo

apresentado no Teatro João Caetano, em São Paulo (2001/2002), permitem ao público a

plena compreensão da sátira de França Júnior. As caracterizações dos tipos sociais

166

Armando Sérgio da SILVA e J. GUINSBURG - “A Linguagem Teatral do Oficina”, in: J. Guinsburg : Diálogos sobre Teatro, Armando Sérgio da SILVA (organizador), São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, 1992, pp. 97 e 98. 167

Programa do Projeto de Formação de Público, Secretaria Municipal da Cultura, Departamento de Teatro, Prefeitura do Município de São Paulo, 2001.

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criados pelo autor foram bem construídas pelos atores, que demonstram larga

experiência de palco e conhecimento da época e dos costumes satirizados na comédia. O

texto de época é bem dado nas falas e mesmo expressões hoje em desuso são

compreendidas, pois a expressão facial e o gestual dos atores auxiliam a leitura e o

entendimento do público. A ação flui rápida envolvendo a platéia, que acompanha

atenta a sucessão de situações em que a realidade social e política da última década do

Império é representada pelo viés cômico e crítico. Marcações cênicas bem definidas, o

palco vazio e o aproveitamento de todo o teatro (inclusive bastidores e platéia) como

espaço de atuação valorizaram o trabalho dos atores, conquistando a empatia e a atenção

do público. Figurinos simples e adereços de época situam a ação no século XIX, sem no

entanto tornar pesadas demais as caracterizações dos atores. Da mesma maneira, a

cenografia apenas localiza a ação no espaço, sem ocupar todo o palco, o que dá

agilidade à mudança de ambiente verificada entre o primeiro e o segundo atos.

O rigor168

com que foi executado o trabalho artístico, revela o cuidado que o

grupo de atores e a direção teve em trazer para a cena o texto de França Júnior. E esse

rigor artístico é responsável pelo perfeito entendimento que atores e público,

atualizando e concretizando as palavras da sátira política, revelam ter atingido a cada

apresentação. A história da cultura política brasileira do Segundo Reinado é atualizada

pela arte teatral.

Os atores mantêm a concentração e a presença no jogo cênico de modo a

garantir, ao longo do Primeiro Ato, a manutenção do clima imaginado por França Júnior

para a movimentação e o burburinho da Rua do Ouvidor, mesmo quando a ação e as

168

Hostinato rigore, divisa de Leonardo Da Vinci. Não se confunde com rigidez, bloqueio criador. Ver Paul VALÉRY, Introdução ao Método de Leonardo Da Vinci, tradução de Geraldo Gérson de Souza, Ed. bilíngüe, São Paulo: Editora 34, 1998.

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falas restringem-se aos atores que surgem em primeiro plano. Tal pano de fundo para as

especulações em torno da formação do Gabinete, para o encontro das mulheres e filhas

do Conselheiro Brito (Filomena e Beatriz), do Desembargador Francisco Coelho

(Bárbara e Mariquinhas) e Dona Felicianinha, para discutirem política, futilidades

domésticas, moda e pretendentes à mão de Beatriz, e para a apresentação destes e seus

interesses (emprego, privilégio governamental e uma paixão não correspondida),

reconstitui o painel descrito por França Júnior no folhetim “A Rua do Ouvidor”.169

169

FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, pp. 13 a 19.

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A rua, como espaço público, vira palco da representação da expectativa de ver os

interesses privados satisfeitos pela definição da situação política. A imprensa encarrega-

se de alimentar a curiosidade e os boatos circulam pela Rua do Ouvidor: a cada

manchete estampada nos diversos jornais que anunciam a queda do ministério anterior e

as especulações sobre a composição do novo, pretendentes a cargos e empregos

públicos, privilégios para obras e casamentos de conveniência sondam possibilidades,

fazem planos para o futuro. Os interesses públicos e privados, a vida pública e a vida

íntima surgem imbricados, indistintos, porém ainda dependendo da definição e do rumo

dos acontecimentos políticos. Ao lado de uma possibilidade de emprego (Dr. Raul), a

possibilidade de um casamento para a moça fútil (Beatriz), também cortejada pelo

inglês que quer apoio político para seu projeto (Mr. James). Há espaço também para o

devaneio romântico de um caixeiro (Felipe Flecha), apaixonado pela filha do político

Brito, que a viu pela primeira vez na Confeitaria Castelões, “comendo empada”. As

esperanças de Felipe, de ser correspondido no amor de Beatriz, são depositadas na

remota possibilidade de tirar a sorte grande na loteria.

O mesmo espaço da Rua do Ouvidor é ocupado por conversas ociosas, pela

ostentação consumista e pela falsa cordialidade feminina. É ali, ainda, que o inglês Mr.

James faz suas críticas à instabilidade política, à fragilidade dos partidos e ao excesso de

retórica dos brasileiros. Do folhetim “Organizações Ministeriais”, França Júnior retirou

o material para a construção de alguns dos diálogos da peça, como as especulações

sobre a formação do Ministério e reproduziu literalmente, no texto da comédia, trechos

do folhetim nas seguintes falas da personagens D. Bárbara e do inglês Mr. James:

D.Bárbara – Pois eu se fosse homem acabava com câmaras, com governo, com

liberais, conservadores e republicanos e reformava este país. (Ato I, Cena V)

Mr. James – Republicana evolucionista estar partida que tem por partida tirar

partida de todas as partidas. (Ato I, Cena XIV)

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No segundo ato, a situação se inverte: definida a situação política e indicado o

Conselheiro Felício de Brito para a Presidência do Conselho de Ministros (Gabinete),

sua casa, espaço íntimo, domínio do privado, passa a ser o foco dos interesses na disputa

de cargos, nas indicações para ocupação de cargos em concursos públicos (Ernesto e

demais pretendentes) e na concessão de privilégio para o projeto absurdo de Mr. James

(um trem para o Corcovado puxado a cachorros).

Novamente, França Júnior utiliza, num diálogo entre o Felipe Flecha e Ernesto,

o procedimento de aproveitar, no texto da comédia, material anteriormente publicado

num folhetim. Trata-se do folhetim “Pretendentes” 170

, no qual França Júnior esboça o

perfil da clientela política e dos que perseguem o “empenho” (proteção) dos políticos

para seus interesses:

(...)

Ernesto – És mais feliz do que eu.

Felipe – Por quê?

Ernesto – Porque não pretendes sentar-te a uma grande mesa que há neste país,

chamada de orçamento, e onde, com bem raras exceções, todos têm o seu talher.

Nesta mesa uns banqueteiam-se, outros comem, outros apenas lambiscam. E é

para lambiscar um bocadinho, que venho procurar o ministro.

Felipe – Ele não deve tardar.

Ernesto – Fui classificado em primeiro lugar no último concurso da secretaria.

Felipe – Então está com certeza nomeado.

Ernesto – Se a isso não se opuser um senhor de baraço e cutelo, chamado

empenho, que tudo ata e desata nesta terra, e a quem até os mais poderosos

curvam a cabeça. (...) (Ato II, Cena I)

Os assuntos domésticos, como a decoração da casa, o casamento da filha com

um dos agora mais interessados pretendentes (Dr Raul, por um emprego, e Mr. James

pelo privilégio ao seu projeto) e a ostentação de uma posição social pela família do

170

FRANÇA JÚNIOR, op. cit., pp. 93 a 101.

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Presidente do Conselho (à custa do endividamento deste), misturam-se com a

articulação política, servindo a casa de local para uma reunião do Gabinete, que vai

discutir a ocupação de uma pasta ministerial vaga (Marinha).

O “estrangeirismo”, a credulidade do cortesão que valoriza tudo que é

estrangeiro, só atribuindo valor à cultura, às idéias de ingleses ou franceses,

principalmente, foi criticado por França Júnior em O Tipo Brasileiro (1872). Tal

comportamento submisso aos estrangeiros ressurge no diálogo de Mr. James, a mulher

do Conselheiro Brito, Filomena e sua filha Beatriz, que intercala palavras de várias

línguas em suas falas, numa clara demonstração de pedantismo. Mr. James, que já havia

constatado, com a concordância do Dr. Raul, que tudo “que se faz neste terra (...) é para

inglês ver” novamente exerce o seu “direita de faz crítica do Brasil” (Ato I, Cena XIV),

referindo-se à preguiça, à obsessão pela discussão política e ao bacharelismo nacionais,

aproveitando a conversa para tratar de seu interesse, o privilégio para a execução de seu

projeto “ferroviário”:

(...)

Filomena – Tudo quanto temos de bom devemos aos Srs. Estrangeiros.

Beatriz – C‟est vrai. Os brasileiros, com raras exceções, não se ocupam dessas

coisas(empreendimentos).

Mr. James – Brasileira estar muito inteligente; mas estar também muito

preguiça. Passa vida na Rua do Ouvidor e fala de política, pensa só de política

de manhã até à noite. Brasileira que estar deputada, juiz de paz, vereador...

Vereador ganha dinheira?

Filomena – Não, senhor; é um cargo gratuito.

Mr. James – Então mim não sabe como tudo quer ser vereador. Senhorra já

falar com sua marida a respeita de minha projeta?

Filomena – Não, senhor, mas hei de falar-lhe.

Mr. James – Sua marida estar engenheira ou agricultor?

Beatriz – Papai é doutor em Direito.

Mr. James – E ministra do Império?

Beatriz – Também doutor em Direito.

Mr. James – Ministra d’Estrangeiras?

Filomena – Doutor em Direito.

Mr. James – How! Toda ministério estar doutor em direita?

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Beatriz – Sim, senhor.

Mr. James – Na escola de doutor em direita estuda marinha, aprende planta

batatas e café, e sabe todas essas cousas de guerra?

Filomena – Não, senhor.

Beatriz – Estudam-se leis.

Mr. James – No Brasil estar tudo doutor em direita. País não indireita assim.

(...) (Ato II, Cena IV).

A visita abrupta à casa do Conselheiro Brito, feita pelo Desembargador

Francisco Coelho, que pleiteia o cargo da Marinha, e sua contrariada mulher, Dona

Bárbara, apresenta a crítica de França Júnior aos maus modos da “classe média, em que

figura a nossa boa burguesia”. A mesma crítica era apresentada no folhetim “Visitas”

171, em que França Júnior já havia inserido a oração para “mau olhado” feita por Dona

Bárbara e ironizada por Filomena e Beatriz, mais uma vez marcando o tratamento

desdenhoso que as cortesãs dão à mulher do político provinciano. A negativa às

pretensões políticas do Desembargador, líder da maioria governista, faz com que este

passe para a oposição, e vá atacar violentamente o Gabinete em que foi rejeitado.

Chamam à atenção as cenas em que acontece a reunião ministerial e a indicação

pelo Conselheiro Felizardo de seu sobrinho, Dr. Monteirinho, bacharel recém-formado

de 22 anos, para a pasta da Marinha. A marcação cênica da entrada e a caracterização

dos Ministros reforçam a caricatura dos políticos proposta pela direção do espetáculo,

provavelmente inspirada em caricaturas de época ou na iconografia do próprio França

Júnior: todos os Ministros vestem-se da mesma maneira, com elegantes fraques, e

possuem bigodes, como o autor da comédia. O breve diálogo do Conselheiro Brito com

os colegas de Ministério mostra a instabilidade política criada por não ter sido atendido

o interesse do Desembargador Coelho: depois de apenas 15 dias de ter subido ao poder

o Gabinete presidido pelo Conselheiro Brito, muitos políticos haviam mudado de lado,

171

FRANÇA JÚNIOR, op. cit., pp. 49 a 56.

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da situação para a oposição. Aqui fica clara a crítica do autor à inconsistência dos

partidos e à incoerência dos políticos da época, que privilegiavam os interesses pessoais

em sua conduta como homens públicos.

O filhotismo político é a tônica da cena em que Dr. Monteirinho é indicado para

o Ministério. O padrinho, seu tio Felizardo, é sondado para ingressar no Ministério, na

pasta da Marinha, mas indica o jovem bacharel, filho de sua irmã Maria José, que

“acaba de chegar da Europa, razão pela qual ainda não tomou assento na Câmara.” Dr.

Monteirinho revela-se um prodígio de retórica, leitor de Spencer, Schopenhauer,

Bückner, Litré, “todos esses grandes vultos, que constituem o apostolado das sociedades

modernas”, mas completamente inexperiente nos negócios do Estado. Felizardo, o

político experiente, tranquiliza o Conselheiro Brito quanto a esse fato: “Fica sob as

minhas vistas: eu saberei guiá-lo.” Aqui repete-se a situação já mostrada em Como se

Fazia um Deputado (1882), quando um jovem bacharel (Henrique) é levado a

candidatar-se a Deputado por um tio oligarca do Partido Liberal. Lá o processo de

cooptação social levou o idealista Henrique a aceitar as imposições familiares e entrar

na carreira política. Em Caiu o Ministério! França Júnior apresenta um jovem que

apresenta como única credencial para ocupar um cargo público, além do diploma de

bacharel em Direito obtido em São Paulo, o apadrinhamento político.

Entre 1881 e 1882, mesma época em que Caiu o Ministério! foi escrita e

encenada pela primeira vez, França Júnior publicou uma série de folhetins no jornal O

Globo Ilustrado intitulada “Notas de um vadio”172

. Quando publicou a primeira das

172

FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, pp. 295 a 328. A palavra “vadio” tem a conotação de boêmio, um personagem típico da Rua do Ouvidor, que passava o dia em conversas com os ociosos e dessas conversas tirava a sua “ciência” : “Ser vadio é uma ciência que exige estudo e tendências especiais de espírito. (...) Os vadios de hoje são uns sujeitos de bom gosto, que estudam no grande livro da vida. Conhecem mais os homens que todos esses milhares de

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notas, França Júnior advertia seus leitores que as notas em seu poder haviam sido

recebidas de um vadio “daquele gênero”, e prometia que elas “hão de ser impressas tais

quais as recebi”. Criava o folhetinista e teatrólogo mais uma máscara, que usou para

criticar os costumes e a política nacionais. Na nota VI, surge uma crítica do “vadio” à

retórica que pode perfeitamente ter inspirado a criação da personagem “Dr.

Monteirinho”:

(...)

Os oradores!

Os discursos!

Neles está a desgraça do país.

Esse fez um brinde retórico em lauto banquete. Gemem no dia seguinte os prelos

com a apoteose de um talento, que apareceu, e o país, agradecido, elege-o seu

representante. E o representante, ainda mais agradecido, atira os interesses do

país no Parnaso.

Aquele faz pomposo discurso acadêmico, na sessão magna de uma sociedade

literária: é felicitado no fim com palmas e o clássico cumprimento dos seus

numerosos amigos.

- Que gênio! Que talento, ouve-se à surdina pelos diversos grupos. Começa o

moço a convencer-se que é gênio, e desde então já não se contenta em fazer o

seu discurso bonito, lança as vistas para a casa que olha para a rua da

Misericórdia (refere-se à Câmara dos Deputados), e não sai dali até que esta

grite misericórdia! pelos disparates que faz.

Aqui é uma criança. Na lividez das faces transparece-lhe a crença.

Mas a criança tem a felicidade de possuir um padrinho.

Ora, quem tem um padrinho é afilhado.

E lá vai a criança representar o país.

E tudo isso porque disseram um dia ao padrinho que o menino era inteligente.

Ali... leitores, seria um nunca acabar descrever o número de crianças

inteligentes que por aqui se arranjam. 173

(...)

filósofos que os séculos têm produzido. (...) O vadio de bom gosto veste-se bem, fala como um Cícero, escreve artigos para os jornais, e não há assunto, por mais importante e difícil que seja, a respeito do qual ele não possa dizer pelo menos meia dúzia de palavras. (...) Sempre irrepreensivelmente barbeado, trajando no último apuro, enluvado quando a situação o exigia, era um regalo vê-lo discutir com estadistas, diplomatas, literatos, jornalistas, comerciantes, artistas, com toda aquela pleiade brilhante de moços e velhos que frequentavam a loja do Paula Brito onde funcionava a dita Petalógica (sociedade de mentirosos – “peta” quer dizer mentira). (...) Logo que acordava lia as folhas diárias, que naquele tempo não eram tantas como hoje. (...) Em seguida vestia-se, e ia almoçar café com leite no Braguinha, que era o botequim da moda. (...) Ali conversava e ficava sabendo coisas de que os jornais não se tinham ocupado, por não se ter ainda descoberto o reporter. Findo o almoço e a palestra, ia passear. E era nesse passeio que ele bebia a sua melhor ciência. Aqui falava com um senador, ali ouvia um advogado, acolá assistia a uma discussão literária; mais adiante fazia parte de um círculo, em que se falava de artes, etc., etc.” FRANÇA JÚNIOR - op. cit., pp. 297 e 298. 173

FRANÇA JÚNIOR, op. cit., pp. 319 e 320. Como costumava fazer com outros folhetins, o autor aproveitou boa parte do texto publicado no folhetim do Correio Mercantil, de 29 de abril de 1867. Tirou-lhes as referências à situação conjuntural daquele período, quando escrevia sob

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o pseudônimo Osiris e atacava o Gabinete Liberal de Zacarias de Góes Vasconcelos, e reproduziu-os como uma das “Notas de um vadio”, no jornal O Globo Illustrado, em 1881-1882. O diálogo do autor com suas referências e o material de suas observações parece ter sido constante: o perfil do Dr. Monteirinho já estava pronto há mais de 15 anos! Para uma comparação entre os textos dos folhetins, ver FRANÇA JÚNIOR, Política e Costumes: Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização, Introdução e Notas de R. Magalhães Júnior, Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira) volume 6, pp. 1 a 6.

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Na cena seguinte, Mr. James vai à casa do Conselheiro Brito para apresentar ao

Gabinete o projeto de uma estrada de ferro para o Corcovado, com um trem movido a

cachorros. Os ministros discutem o absurdo projeto e entram em considerações sobre as

suas características técnicas. Dr. Monteirinho, para demonstrar seu conhecimento,

intervém e demonstra ser o mais interessado no assunto. Por não estar o cachorro

“classificado como motor” na legislação decide levar o projeto para discussão no

legislativo. O segundo ato encerra-se, ainda, com a declaração de amor de Felipe Flecha

(agora repórter que cobre a pauta política) a Beatriz. A filha do conselheiro repele

Felipe, mas considera que este “ao menos não me falou em emprego nem em privilégio”

(Ato II, Cena XVII).

No terceiro ato da comédia, precipita-se a crise política. Filomena, mulher do

Conselheiro Felício Brito, que quer ver a filha, Beatriz, casada com um dos pretendentes

à mão da moça, Mr. James, e não compreende porque o marido, sendo Presidente do

Conselho de Ministros, não concede o privilégio que fará com que o inglês execute seu

projeto. A discussão do projeto na Câmara levou à criação de dois “partidos”, um a

favor e outro contra o projeto dos cachorros. A mulher passa em revista com o marido

os possíveis votos favoráveis ao projeto. Em jogo está o casamento da filha, e a mãe

incita o marido a usar de todos os meios para aprovar o projeto. A pressão da mulher

leva o Conselheiro a propor “questão de gabinete” para a discussão do projeto na

Câmara (no parlamentarismo monárquico, na votação de uma “questão de gabinete”, a

derrota do governo implicaria na queda do Ministério e em novas eleições

parlamentares). Mais uma vez fica clara a indiferenciação entre interesses públicos e

privados, entre vida íntima e vida pública, e o quanto a discussão política estava presa à

satisfação de interesses particulares, familiares inclusive.

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Dr. Monteirinho, decidido a utilizar seus dotes de orador para a defesa do projeto

no debate da Câmara, faz sua profissão de fé de futuro “estadista”, alimentando o sonho

da elite letrada:

Dr. Monteirinho – (...) Levo o meu discurso na ponta da língua. Hei de tratar a

parte técnica, sobretudo, com o maior cuidado. Na discussão deste projeto ou

conquisto os foros de estadista, ou caio para nunca mais erguer a fronte. (Ato

III, Cena I)

O letrado se torna letrado para conquistar o cargo, para galgar o parlamento,

até que o assento no Senado lhe dê o comando partidário e a farda ministerial,

pomposa na carruagem solene.174

As esperanças de mãe e filha, sobre um bom casamento, ficam depositadas na

discussão do projeto do pretendente inglês. Caindo o projeto, cai o Ministério, e vão

embora os pretendentes.

É mais uma vez, aproveitando o material do folhetim “Pretendentes”, acima

citado, que França Júnior constrói a cena em que Filomena e Beatriz comentam a sina

da clientela política de vários cantos do país, que manda presentes e cartas pedindo a

proteção do Conselheiro Brito, para que este promova seus interesses. Em seguida,

após mais uma visita indesejada de Dona Bárbara - desta vez para provocar a mulher do

político, com as manchetes apregoadas por jornaleiros e as conversas contrárias ao

projeto dos cachorros, que ouviu... “passando por acaso na rua do Ouvidor...”, enche-se

a sala de pretendentes atrás do “empenho” (proteção) do Conselheiro para uma

indicação a “um lugar” na máquina burocrática do Estado.

174

Raymundo FAORO, “O Sistema Político do Segundo Reinado”, in: Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, 4ª edição, Porto Alegre: Ed. Globo, 1977, p. 390.

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A primeira conseqüência, a mais visível, da ordem burocrática, aristocratizada

no ápice, será a inquieta, ardente, apaixonada caça ao emprego público. (...) O

patronato não é, na realidade, a aristocracia, o estamento superior, mas o

aparelhamento, o instrumento em que aquela se expande e se sustenta. Uma

circulação de seiva interna, fechada, percorre o organismo, ilhado da

sociedade, superior e alheio a ela, indiferente à sua miséria. O que está fora do

estamento será a cera mole para o domínio, enquanto esta, calada e medrosa, vê

no Estado uma potência inabordável, longínqua.175

A clientela é submetida a longas esperas (alguns atravessam “seis ministérios”,

indo “duas vezes por dia” à casa do político) e submetem-se ao estado de espírito do

Conselheiro, para ver se seus pedidos são atendidos. A apresentação, no folhetim, e a

representação caricata, na comédia, dessa situação poderiam ilustrar a análise de

Roberto Schwarz sobre a política do favor:

(...) Assim, com mil formas e nomes, o favor atravessou e afetou no conjunto a

existência nacional, ressalvada sempre a relação produtiva de base, esta

assegurada pela força. Esteve presente por toda a parte, combinando-se às mais

variadas atividades, mais e menos afins dele, como administração, política,

indústria, comércio, vida urbana, Corte etc. Mesmo profissões liberais, como a

medicina, ou qualificações operárias, como a tipografia, que, na acepção

européia, não deviam nada a ninguém, entre nós eram governadas por ele. E

assim como o profissional dependia do favor para o exercício de sua profissão, o

pequeno proprietário depende dele para a segurança de sua propriedade, e o

funcionário para o seu posto. O favor é a nossa mediação quase universal – e

sendo mais simpático do que o nexo escravista, a outra relação que a colônia

nos legara, é compreensível que os escritores tenham baseado nele a sua

interpretação do Brasil, involuntariamente disfarçando a violência, que sempre

reinou na esfera da produção.176

“Muito se sofre”, é a expressão de desalento do pretendente Ernesto, que põe as

esperanças de ser chamado para ocupar um lugar “na Secretaria”, para o qual tem

direito por ter sido aprovado em primeiro lugar em concurso público, numa carta de

indicação de um “deputado mineiro governista”.

175

Ibidem, pp. 390-391. 176

Roberto SCHWARZ , “As idéias fora do lugar”, in: Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro, São Paulo: Editora Livraria Duas Cidades Ltda, 4ª eição, 1992, p. 16.

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A imprensa sensacionalista é invocada e surge o repórter Felipe Flecha para

atualizar as conversas dos pretendentes. As informações não são boas, o Ministério está

por um fio, e a discussão do “projeto dos cachorros” é a causa da instabilidade política.

O desânimo toma conta dos pretendentes, enquanto Felipe procura por sua Beatriz... O

“lugar” na máquina do Estado, pleiteado por vários pretendentes, está ameaçado. O

vínculo com o protetor só se mantém com a permanência do político no poder. A queda

iminente do Ministério virá transtornar os planos da clientela e romperá o vínculo entre

o poder e os que dele dependem. A eles e ao apaixonado e pobre Felipe Flecha, só resta

a loteria, o acaso, como esperança de realizar seus sonhos de alcançar uma “posição

social” e o casamento com a mulher amada:

Pereira, para Ernesto – O senhor sabe onde está a minha esperança?

Ernesto – Onde?

Pereira, tirando um bilhete de loteria do bolso – Aqui neste bilhete do Ipiranga.

Felipe – Eu também tenho um. (Vendo na carteira:) Querem ver que o perdi!

Não, cá está. A esta hora deve ter andado a roda. Com a breca, nem me

lembrava! (Olhando para dentro:) Se pudesse ao menos ver-lhe a pontinha do

nariz.

Pereira – Vou ver o que tirei. (Sai.)

Felipe – E eu também. Mas qual! Sou de um caiporismo (má sorte) horrendo.

Adeus, sr. Ernesto. (Olhando para todos os lados:) Onde estará ela? (Sai.) (Ato

III, Cena VIII).

Mr. James cai em si, e finaliza sua análise da política brasileira, lamentando ter

feito “negócia” com o Ministério em queda: na composição do Gabinete Ministerial não

“tem um só ministra de Bahia. E ministéria sem baiana – estar defunta logo, senhor. (...)

Baiana estar gente muito poderosa. Não se pode esquece dela.” (Ato III, Cena X). Além

da constatação da força política e da influência dos políticos da Bahia, tanto do partido

Liberal quanto do partido Conservador, principalmente no período em que escreveu a

comédia177

, é possível que França Júnior estivesse homenageando o senador baiano

177

O liberal baiano José Antonio Saraiva chefiava o Gabinete no início de 1882, e voltaria a chefiar outro Gabinete em 1885; outros nomes de senadores e chefes de Gabinete influentes, baianos ou eleitos pela Baía, podem ser citados, como o liberal Zacarias de Gois Vasconcelos;

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Francisco Gonçalves Martins, Visconde de São Lourenço, falecido em 1872, em cujo

governo provincial serviu como secretário de governo entre 1868 e 1871. Provável

dívida de gratidão?

É ainda através de Mr. James que o conservador França Júnior critica,

novamente, o despreparo dos afilhados políticos para o exercício do poder, a

intromissão dos assuntos de família na administração pública e a falta de compostura

dos estadistas brasileiros:

Mr. James – E tem inda mais; Ministra da Marinha...

Raul – Dr. Monteirinho?

Mr. James – Yes. Ministra da Marinha estar muito pequenina.

Raul – Muito moço é o que o senhor quer dizer? Mr. James – All Right. No pode ser estadista e governa país logo que sai de

escola. É preciso aprende primeiro, aprende muito, senhor. Todo mundo estar

caçoando, e chama ministra de Cazuzinhe. O senhor sabe dizer o que é

Cazuzinhe?

Raul – É um apelido de família.

Mr. James – How? Mas família fica em casa, e no tem nada com ministéria.

Vosmecês aqui têm costume de chama homem d’estado de Juquinha, Lulu,

Fernandinha. Governa está muito sem-cerimônia. (Ato III, Cena X – grifos

nossos)

O desfecho da comédia mostra, com a já anunciada queda do ministério, a fuga

dos pretendentes ao casamento de conveniência com a filha do Conselheiro Brito que

estavam atrás não da mão da moça, mas sim de uma “posição social” (Dr. Raul) ou do

privilégio governamental para seus projetos (Mr. James). Acontece, também, a

debandada dos pretendentes ao “empenho” do Presidente do Conselho de Ministros por

seus interesses.

Manoel Vieira Tosta – Marquês de Muritiba; o conservador João Maurício Wanderley – Barão de Cotegipe.

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À contrariedade de Filomena, por ter perdido a chance de um casamento rico

para a filha, França Júnior opõe a alegria do político Brito por ter se livrado das

pressões e das suspeitas de ser ladrão, alimentadas pela imprensa, ele que saía “... do

ministério mais pobre do que entrei, porque estou crivado de dívidas, e com a pecha de

ladrão.” (Ato III, Cena XIV). Questionado pela mulher sobre o que pretende fazer a

respeito dos ataques que sofreu, Brito responde, conformado: “Nada: infelizmente, esta

é a sorte de quase todos que descem do poder.” (Ato III, Cena XIV).

A cena final vai mostrar o apaixonado Felipe Flecha realizando o sonho de sua

paixão: o bilhete que comprara estava premiado e ele vai receber duzentos contos. O

interesse da mãe e da filha muda em relação ao “pobre do repórter” e o happy end é

comentado com ironia por Mr. James: “All right! Boa negócia”.

A comédia de França Júnior materializa, nas situações absurdas em que envolve

suas personagens, e nas carapuças que o autor, no espetáculo, distribui à sociedade de

seu tempo, as críticas do escritor. Os diversos segmentos sociais, caracterizados nos

tipos cômicos, agem em situações e episódios em que a realidade é propositalmente

distorcida e ampliada. O “realismo crítico” do texto atinge a crítica dessa mesma

realidade, e cada cena constitui, nas palavras de Osmar Rodrigues Cruz acima citadas,

um “flash crítico dessa mesma sociedade”.

Ao aproveitar no enredo da comédia Caiu o Ministério! idéias e textos

publicados anteriormente na forma híbrida de literatura e jornalismo que é o folhetim,

França Júnior traz para o nível da representação a realidade já apresentada em forma de

registro, no nível da descrição jornalística ou da crônica, como história e análise social.

Para nossa análise, que procura a aproximação entre arte e política, entre o teatro e a

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política, a abordagem desses textos (folhetins e comédias de costumes) coloca

problemas de ordem metodológica que só podem ser superados adotando-se uma

postura que...

...preserve toda a riqueza estética e comunicativa do texto literário, cuidando

igualmente para que a produção discursiva não perca o conjunto de significados

condensados na sua dimensão social. Afinal, todo escritor possui uma espécie de

liberdade condicional de criação, uma vez que os seus temas, motivos, valores,

normas ou revoltas são fornecidos ou sugeridos pela sociedade e seu tempo – e é

destes que eles falam.178

Os tipos marcantes de França Júnior, caracterizados pelos atores, fixam-se na

memória do público, assim como a sátira do escritor à sociedade e às instituições

políticas de sua época. No plano da realização teatral, o espetáculo assistido, a nosso

ver, traduz os tipos criados pelo autor e sua crítica, de maneira a propiciar ao público

um entendimento e uma atualização adequada à obra teatral.

Para encerrar este capítulo, um breve comentário.

Em 1880, França Júnior propôs a Artur Azevedo fazerem juntos uma revista179

“para ser representada na Phenix.”. A censura econômica, em par com a censura

propriamente dita, fez com que a revista perdesse a atualidade. A empresa teatral a

quem era destinado o texto, recuou frente aos gastos de encenação, e, para não

“molestar” os autores, empenhou-se com a burocracia da censura, “por portas

travessas”, para que a representação fosse proibida. O texto ficou preso na burocracia da

censura (polícia), que não o proibiu, mas, retendo o manuscrito em seu poder, impediu

que acontecesse a encenação, e a temática da revista-de-ano foi superada, dado o caráter

178

Nicolau SEVCENKO, Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República, 2ª edição, São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985, p. 20. 179

“Tal qual como lá”; ver quadro do Anexo 1.

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efêmero de tal tipo de espetáculo180

. Tempos depois, Artur Azevedo propôs que

colaborassem juntos numa comédia, mas França Júnior estava doente e morreu (27 de

setembro de 1890), sem que pudesse realizar o projeto. Artur Azevedo lamentou não ter

tido “... a honra de assinar uma peça com França Júnior.” 181

O que a História não registrou, o Teatro, com seu poder de invenção, atualizando

e concretizando a História no palco, realizou: a encenação de Ariela Goldman para Caiu

o Ministério! utilizou um trecho musicado da revista A Fantasia (1896) de Artur

Azevedo, com os atores cantando em meio ao público, na abertura do espetáculo. A Rua

do Ouvidor, centro político, social e cultural do Rio de Janeiro e do Brasil da época, e,

de certa forma, uma “personagem” da peça, surge inteira ali:

Não há rua como a rua

Que se chama do Ouvidor!

Não há outra que possua

Certamente o seu valor!

Sendo assim tão mal calçada,

Sendo estreita como é,

Pode até ser comparada

A qualquer beco chué;

Mas o caso é que esta rua

Atrações tem sem rivais

Quem a ela se habitua

Não a deixa nunca mais!

Muita gente há que se mace

Quando, seja porque for,

Passa um dia que não passe

Pela Rua do Ouvidor!182

Uma bela homenagem aos dois amigos e grandes comediógrafos brasileiros.

180

FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos jornais O Globo Ilustrado, O Paiz e o Correio Mercantil; Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, Rio de Janeiro, 1926, pp 8 e 9. 181

Ver Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR - Folhetins, 1926, p. 9. 182

Artur AZEVEDO, Teatro de Artur Azevedo – Tomo IV – Rio de Janeiro : INACEN, 1987 (Clássicos do Teatro Brasileiro, 8), p. 265.

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CONCLUSÃO

Esta carapuça saiu-me mais séria do que eu queria.

Tenham paciência, a outra irá mais garrida e faceta.

Padre Lopes Gama, em O Carapuceiro

A trajetória deste trabalho teve início há muito tempo atrás. Não a descoberta do

tema, mas a atitude de procurar, o interesse pela pesquisa em si. Razões de ordem

pessoal, em circunstâncias variadas, levaram-me a interromper e retomar um sem

número de vezes o caminho. Por vezes, a realidade da vida impõe ao pesquisador fatos

concretos contra os quais a mais firme convicção, a disciplina, o rigor, nada podem.

Outras vezes, abandonamo-nos no manancial dispersivo de acontecimentos, paixões e

apelos que o mundo nos traz ao abrirmos a porta da casa, numa bela manhã de sol.

Um pensamento ocupou minha reflexão, num momento em que a convicção, a

disciplina e o rigor brigavam, em minha mente, com o mundo (entre parenteses: tais

momentos foram freqüentes e fecundos neste percurso): “--- Nada, nem a Arte, a

Religião, o Pensamento, a Cultura, nada pode nos livrar do que somos. Eu não posso

fugir do que sou. No entanto, inventamos a Arte e outros meios de adiar este encontro.

Criamos máscaras que ocultam o ator por trás da personagem, do papel. Até quando isso

é possível? Por que essas máscaras que usamos para representar tantos papéis?”.

Em instantes, vários pensamentos passaram por minha mente: talvez isso a que

chamamos realidade, nada mais seja do que pura representação, uma invenção teatral,

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uma metáfora que nos ajuda a suportar tantos maus e mesmo bons momentos. Pensei

em nosso país, em que a imaginação e o sonho estão presentes desde o achamento.

Afinal, a imaginação européia da época estava voltada para a re descoberta do paraíso

na Terra. Os que aqui chegaram buscavam, também, uma Utopia. O sonho europeu do

Eldorado não seria a manifestação desse desejo de ir além da realidade, a busca do

Transcendente aqui na terra mesmo? Pensava em quanto a busca (para uns, a fuga) de

um novo modo de viver, de construir a vida, individual e coletivamente, é um ato de

sonho impregnado de desejo, poesia e teatralidade. O quanto há de dramático numa

mudança do modo de ser e estar, tanto de um indivíduo quanto de um povo, de uma

Nação. Pensava em quanto pode ser interessante descobrir essas características no

pensamento de um autor, na ação dos indivíduos e da coletividade, da sociedade.

A obra literária de França Júnior já era o objeto de pesquisa, e as preocupações,

em relação à política, anteriores à descoberta deste objeto, eram o que me intrigava,

despertava a minha curiosidade: o jogo, a encenação, as máscaras do poder. Unindo

ambos (objeto e preocupações iniciais), perguntei-me sobre que tipo de máscaras um

cavalheiro elegante, culto, sábio, irônico e crítico de sua época utilizava para,

demolindo ou ironizando atitudes, personalidades e comportamentos, mostrar - como

quer o Hamlet ao falar a atores sobre a representação, “à sua época e geração sua forma

e efígie” (Ato III, Cena II).

Além do pseudônimo (Osiris, metáfora da dispersão e da fragmentação...) que

França Júnior utilizava nos folhetins, havia a construção, pela via da paródia, da

caricatura e da sátira, de tipos sociais característicos e a crítica às instituições, práticas e

costumes sociais e políticos nas personagens de suas comédias. Tais recursos

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(pseudônimo e máscaras teatrais) ocultavam o analista arguto, o crítico mordaz, o

pensador que sonha uma sociedade diferente da que ironiza. Ao lado de tantos outros

artistas, pensadores e políticos de seu tempo, França Júnior viria somar mais uma

contribuição ao sonho de criação ou invenção de um novo país, uma Nação, o Brasil.

Neste estudo sobre a obra de França Júnior, percorremos as fronteiras entre as

áreas do teatro e da política, e nos detivemos sobre um pensamento cultural (político e

crítico) formulado por um artista e intelectual vinculado ao teatro e à crítica de

costumes. Sua produção dramatúrgica e literária expressa várias dimensões da

sociedade brasileira, mais especificamente da sociedade carioca ou da Corte Imperial,

da segunda metade do século XIX.

Na busca de pistas para decifrar a sociedade brasileira, circunscrevendo tal

tarefa às possibilidades abertas por França Júnior, deparamo-nos com um autor que tira

as máscaras à sociedade de seu tempo e veste-lhe as suas carapuças críticas. É uma

sociedade que vai ao teatro e recebe alegremente tais críticas, ri de si mesma, e, talvez,

reflita sobre seus vícios e defeitos.

Na construção de uma categoria de análise, usamos a metáfora da carapuça. As

carapuças, que França Júnior distribui em sua obra dramatúrgica, são feitas a partir da

observação da realidade à sua volta, e da habilidade do autor de recortar no tecido

social, cultural e político brasileiro de sua época os aspectos que nos são mostrados,

“costurados” em suas comédias, propositalmente exagerados e ampliados, como

caricatura, paródia e sátira.

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A corte imaginária das personagens não se compõe de outro tecido,

apesar de expressas no papel, que os da legião dos homens que

freqüentam as ruas. Todos são filhos de igual teatro, comprometidos na

mesma existência, quer a suscitada pelo historiador, quer a evocada

pelo romancista. Quem os veste, arrancando-os do anonimato e do caos,

será o olho organizador, classificador, o olho do biógrafo ou do

ficcionista. No fundo, a situação histórica e social lhes dá a densidade,

retratando as idiossincrasias de grupo: o homem que vê não está

isolado, mas imerso no grupo, pré-formado pela conduta e pelo

pensamento dos outros. O boneco de tinta cumpre um papel social como

o boneco de carne e sangue, representando ambos suas frustrações, na

fantasmagoria de um mundo criado coletivamente.183

Trabalhamos com informações, detalhes, descrições, situações, comportamentos,

atitudes, enredos, diálogos, cenas, caracterizações, instituições e questões políticas.

Descobrimos vários registros e documentos para a pesquisa sociológica, política,

estética, literária.

Tentamos empreender uma leitura do pensamento e da crítica social de França

Júnior, na apresentação metafórica da realidade184

presente nos folhetins. Esse

pensamento, em forma de sátira, expressa a negação ou rejeição de comportamentos,

hábitos e atitudes de seus contemporâneos, em especial, da pequena burguesia em

formação na segunda metade do século XIX. Nos textos que analisamos o público e o

privado, a intimidade e a vida pública, a casa e a rua, a cidade e o campo aparecem

imbricados na descrição, em pequenos diálogos, trechos de crítica social e análise do

ambiente político.

183

Raymundo FAORO – “O Espelho e a Lâmpada”, in: Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, 4ª edição, revista, São Paulo: Editora Globo, 2001, p. 526. 184

Nos reportamos a Anatol Rosenfeld (“A Estrutura da Obra de Arte – O ser do objeto”, in: Estrutura e Problemas da Obra Literária, São Paulo : Editora Perspectiva, 1976, Coleção Elos, nº 1, pp. 13/14.) para entender que “realidade” aqui é apenas uma das dimensões da obra de arte analisada, sujeita a variados atos de atualização e concretização pelo pesquisador enquanto apreciador e sujeito desses atos.

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França Júnior é um autor que privilegia o diálogo, não apenas no estilo literário.

Ele dialoga com o leitor e com suas próprias fontes: reaproveita idéias, fatos,

acontecimentos, críticas anteriores ainda válidas no momento em que (re) escreve. Por

duas vezes, ao longo da dissertação, ao analisarmos os folhetins políticos, confrontamos

seu texto com o de outros autores, um político e jornalista (Joaquim Nabuco) e um

historiador (Raymundo Faoro) e pudemos perceber que, apesar da mordacidade das

críticas do conservador França Júnior, elas encontram ressonância, repercutem, são

passíveis de discussão, de debate.

Nos folhetins, é possível fazer a leitura do pensamento e da crítica social de

França Júnior, na apresentação metafórica da realidade, como um registro no nível da

descrição jornalística ou da crônica, como registro histórico e análise social (os

devaneios sociológicos feitos nos folhetins), documento para a pesquisa sociológica,

política, histórica, estética, literária.

No domínio da literatura dramática, estamos frente à representação que França

Júnior nos traz dessa sociedade, seus costumes e defeitos, criticados e apontados, agora,

em registro ficcional, literário. Nossa análise caminhou para um limiar, uma fronteira

entre gêneros, e o recurso à dramaturgia e à encenação se fez necessário. Se

acrescentarmos o domínio da encenação, do espetáculo teatral propriamente dito, todo o

material da observação, todas as idéias, comportamentos, hábitos, costumes, atitudes,

todos os ritos sociais e assuntos trabalhados e criticados por França Júnior em seu

processo de criação, materializam-se no palco, na cena, na ação da comédia. O texto

materializa-se, as personagens tomam forma. Finalmente, vemos as carapuças

distribuídas pelo autor sobre cabeças reais, pensantes, vivas, concretas. Há atores dando

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vida às criações do escritor, intenção às palavras, ao pensamento, à crítica de França

Júnior.

O aproveitamento nas comédias de costumes, do material anotado e apresentado

por França Júnior nos folhetins, é demonstrado em nossa análise. Trata-se não apenas de

um procedimento utilizado na criação artística, mas também de uma metodologia do

observador arguto, que envolve e alicia o leitor para o acompanhamento de seus estudos

e devaneios sociológicos.

Da mesma maneira, o espectador das comédias de costumes de França Júnior é

aliciado e envolvido pelos tipos e situações representadas. A crítica de costumes e a

crítica política aparecem juntas, e o autor mostra-nos como o público e privado, a

intimidade e a vida pública estavam já de tal maneira imbricados no tecido social e

cultural brasileiro, compondo uma trama de hábitos, relações, favores, comportamentos,

ritos e aparências condenáveis. Hábil na escrita com sua pena afiada, cortante como

uma tesoura, França Júnior seleciona e recorta desse tecido o material de suas comédias.

Com ele alinhava suas carapuças morais, estéticas, políticas, costurando-as com as

linhas da paródia, da sátira, da caricatura.

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(...)O teatro procura articular em termos de suas convenções

constitutivas elementos provenientes do mundo real, e o caminho para

uma linguagem cênica inovadora liga-se diretamente à capacidade da

criação teatral de inventar, agrupar e inter-relacionar símbolos, isto é,

ao poder de ela gerar uma articulação significativa a partir do palco.185

Na abordagem da encenação, nossa análise tomou o rumo da fronteira entre arte

e política, entre teatro e política. O texto e sua carga de críticas, idéias, comportamentos,

valores, atitudes, se materializa. As personagens tomaram forma. Há atores e um

público que, como o pesquisador espectador, vivenciam as criações do autor, notam

intenções, inflexões, interpretam palavras, compreendem o pensamento que elas

conduzem. É um texto de época que está sendo encenado; uma sátira política.

Identificamos instituições, atitudes individuais e coletivas, que analisamos ao par do

entendimento da situação social, histórica e política representada de diversos pontos-de-

vista: dos atores, da direção, do público, do pesquisador.

O trabalho do pesquisador foi informado pela crítica teatral: foi feita a leitura

crítica do espetáculo. Se antes havia a mediação do texto para o entendimento da obra e

a identificação de seus elementos internos e externos, passou a haver o fato, o

acontecimento teatral, que traz em si, indistintos, tais elementos.

O palco foi preenchido com ações concretas, que ora evidenciavam a

apropriação do espaço público pelo interesse privado, ora representavam a intimidade

do poder que se apropria desse espaço. A política do favor (Caiu o Ministério!), na

185

Armando Sérgio da SILVA e J. GUINSBURG - “A Linguagem Teatral do Oficina”, in: J. Guinsburg: Diálogos sobre Teatro, Armando Sérgio da SILVA (organizador), São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1992, p. 98.

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expressão de José de Souza Martins, base e fundamento do Estado brasileiro, não

permite nem comporta a distinção entre o público e o privado.186

A elaboração das carapuças, por França Júnior, com recortes do tecido social,

cultural e político, elementos do mundo real, “costurados” com as técnicas e convenções

do teatro, da comédia de costumes, gera uma articulação de símbolos, no palco, que

(re)inventa o Brasil pela paródia, caricatura, sátira.

O grande esforço que percebemos na obra dramatúrgica e nos folhetins de

França Júnior é o de elaborar uma reconstrução do Brasil, mais pela pena da “galhofa”,

com um viés social e político bem demarcado: sua crítica foi realizada tendo como

referência uma sociedade burguesa, moderna, civilizada, de inspiração européia, que ele

não vê ocorrer na sociedade da Corte Imperial. Sociedade da qual o folhetinista e

comediógrafo, de uma perspectiva conservadora, condena o apego às aparências, o

casamento por interesse, a subserviência aos padrões estéticos e culturais estrangeiros, e

os vícios que se estabeleciam (e ainda estabelecidos estão) na cultura política brasileira:

a inconsistência partidária, o patronato político, o nepotismo, o despreparo para o

exercício do poder. E a principal crítica, a nosso ver, é dirigida ao modo como essa

sociedade, em seu cotidiano, na imprensa, nas manifestações mais simples e nos

momentos de crise social e política não distinguia o público do privado, a intimidade da

vida pública.

Tem o comediógrafo na pena o instrumento cortante da sátira, critica os excessos

do progresso, mas sente o gosto amargo da realidade: sua época está sendo ou já foi

186

José de Souza MARTINS, “Clientelismo e corrupção no Brasil contemporâneo”, in: O Poder do Atraso: ensaios de Sociologia da História Lenta, São Paulo : Editora Hucitec, 1994, p. 20.

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superada. Apega-se à forma, a princípios (ele que tanto os ironizou), fazendo apenas

com que seu teatro, nas palavras de Sábato Magaldi, exerça o papel moderador de

corrigir o entusiasmo quixotesco das místicas da novidade.

França Júnior viveu e morreu com o Império, o Segundo Reinado. As novas

idéias republicanas mudavam a cultura, a política e o pensamento do país:

(...) A propaganda republicana (...) fazia-se por si mesma. Atribuir-lhe o

sucesso feliz à palavra dos tribunos, ao jornalismo doutrinário ou

agitador, ao entusiasmo da mocidade robusta, à indisciplina militar, e

por fim ao levante de um exército que, como o de 7 de abril, nada mais

foi que a ordenança passiva da nação em marcha – equivale a atribuir a

maré montante às vagas impetuosas que ela alteia. Porque, na

realidade, o que houve foi a transfiguração de uma sociedade em que

penetrava pela primeira vez o impulso tonificador da filosofia

contemporânea. (...) As novas correntes, forças conjugadas de todos os

princípios e de todas as escolas – do comtismo ortodoxo ao positivismo

desafogado de Littré, das conclusões restritas de Darwin às

generalizações apressadas de Spencer - o que nos trouxeram, de fato,

não foram os seus princípios abstratos, ou leis incompreensíveis à

grande maioria, mas as grandes conquistas liberais do nosso século; e

estas compondo-se com uma aspiração antiga e não encontrando entre

nós arraigadas tradições monárquicas, removeram, naturalmente, sem

ruído – no espaço de uma manhã – um trono que encontraram... (...) Não

tinham mais significados os nomes dos partidos. Existiam pela força da

inércia. (...) De sorte que, em 1889, quando o seu último ministério

liberal tentou a última reação conservadora, ela (a monarquia) caiu –

porque não podia mais parar. (...) Foi o que se viu a 15 de novembro de

1889: uma parada repentina e uma sublevação; um movimento refreado

de golpe e transformando-se, por um princípio universal, em força; e o

desfecho feliz de uma revolta. Porque a revolução já estava feita.187

A Proclamação da República alijou do poder aquele que era o símbolo de uma

época, D. Pedro II. O comediógrafo era amigo da família real e sentiu o golpe, não tão

duro quanto a incompreensão da colônia portuguesa para com sua última comédia,

Portugueses às direitas (1890). França Júnior morreria, desgostoso, quatro meses

depois da estréia malograda.

187

Euclides da CUNHA, “Da Independência à República”, in: À Margem da História, Porto, Portugal: Lello & Irmãos, Livraria e Editora, 1909, pp. 366 a 399.

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Revista da Academia Brasileira de Letras - Discursos Acadêmicos (1935-1936) -

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(Perfil Acadêmico: notícia biographica e subsídios para um estudo crítico, de França

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Dicionários

BOTELHO, Angela Vianna e REIS, Liana Maria - Dicionário Histórico Brasil: Colônia

e Império; Belo Horizonte : O autor, 2001.

FLORES, Moacyr – Dicionário de História do Brasil, 2ª edição (revista e ampliada);

Porto Alegre: EDIPUCRS, Coleção História, vol. 8, 2001.

PAVIS, Patrice – Dicionário de Teatro, tradução de Jacob Guinsburg e Maria Lúcia

Pereira; São Paulo: Perspectiva, 1999.

VASCONCELOS, Luiz Paulo – Dicionário de Teatro; Porto Alegre: L&PM Editores,

1987.

Fotografia

FERNANDES JÚNIOR, Rubens e LAGO, Pedro Corrêa do – O Século XIX na

Fotografia Brasileira, Coleção Pedro Corrêa do Lago, Brasília, Rio de Janeiro, São

Paulo, Fundação Armando Álvares Penteado, Livraria e Editora Francisco Alves,

Catálogo da Exposição em Brasília, setembro de 2000.

Programa de Teatro

Projeto “Formação de Público”, Secretaria Municipal da Cultura / Cooperativa Paulista

de Teatro (setembro a dezembro de 2001), Teatro João Caetano (São Paulo), onde

foram apresentadas as peças Caiu o Ministério!, de França Júnior, Geração Trianon, de

Anamaria Nunes, Pedro Mico, de Antonio Callado e Nossa vida em família, de

Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha).

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Anexo 1 – Obras de França Júnior

Meia hora de cinismo Comédia em 1 ato – 3ª edição – 19 pp. – São

Paulo, Livraria de C. Teixeira. Escrita em

São Paulo, em 1861, quando o autor cursava

a Faculdade de Direito. Há uma edição de

1870 – Cruz Coutinho. Publicada na edição

de 1980, Teatro de França Júnior – Tomo I,

Coleção Clássicos do Teatro Brasileiro, vol.

5 – MEC/FUNARTE/SNT – pp. 51 a 73.

Representada pela primeira vez em 17 de

julho de 1861, em São Paulo. Alguns anos

depois, novamente representada, foram

introduzidas canções pelo maestro Emílio

Lago. A letra de uma delas, “Canção do

boêmio”, foi escrita por um jovem estudante

de direito, notório praticante do “cinismo”

indicado no título (estrepolias, bebedeiras de

estudantes), chamado Antônio de Castro

Alves.

A República modelo Comédia em 1 ato. Escrita em São Paulo, em

1861. Texto não encontrado.

Tipos da atualidade (O Barão da Cotia) Comédia em 3 atos – 36 pp. – 2ª edição :

São Paulo, Livraria de C. Teixeira. Escrita

em São Paulo em 1862. Publicada na

edição de 1980, Teatro de França Júnior –

Tomo II, Coleção Clássicos do Teatro

Brasileiro, vol. 5 – MEC/FUNARTE/SNT –

pp. 20 a 59. Representada pela primeira vez

no Teatro Ginásio Dramático (1862) e,

posteriormente, no “Novidades”, em 8-12-

1863. Também conhecida como “Barão da

Cutia”. Encenada em 1974 pelo TPS

itinerante (Teatro Popular do Sesi, com

elenco que viajava pelo interior de São

Paulo), com estréia em 30 de julho, em

Santo André.

Ingleses na costa Comédia em 2 atos. Escrita no Rio de

Janeiro, em 1864 (Editor: Paula Brito).

Publicada na edição de 1980, Teatro de

França Júnior – Tomo I, Coleção Clássicos

do Teatro Brasileiro, vol. 5 –

MEC/FUNARTE/SNT – pp. 75 a 94.

Direito por linhas tortas Comédia em 4 atos. Rio, Typ. Americana,

1871, 133p. Publicada na edição de 1980,

Teatro de França Júnior – Tomo II, Coleção

Clássicos do Teatro Brasileiro, vol. 5 –

MEC/FUNARTE/SNT – pp. 61 a 121. Representada pela primeira vez na Phenix Dramática

(Teatro Fênix Dramático), em 8-10-1870.

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Maldita parentela Comédia em 1 ato, escrita em 1871. Edição

de 1957, Revista de Teatro da SBAT

(Sociedade Brasileira de Autores Teatrais);

edição de 1972, Cadernos de Teatro

(Tablado). Publicada na edição de 1980,

Teatro de França Júnior

– Tomo I, Coleção Clássicos do Teatro

Brasileiro, vol. 5 – MEC/FUNARTE/SNT –

pp. 157 a 180.

Amor com amor se paga Comédia em 1 ato – 30 pp – Rio, Livraria

Popular de Cruz Coutinho, Typographia

Americana, 1871. Publicada na edição de

1980, Teatro de França Júnior – Tomo I,

Coleção Clássicos do Teatro Brasileiro, vol.

5 – MEC/FUNARTE/SNT – pp. 95 a 110.

Representada pela primeira vez na Phenix

Dramática (Teatro Fênix Dramático), em 6-

9-1870.

O defeito de família Comédia em 1 ato – 49 pp. – Rio, Typ.

Americana, 1871. Publicada na edição de

1980, Teatro de França Júnior – Tomo I,

Coleção Clássicos do Teatro Brasileiro, vol.

5 – MEC/FUNARTE/SNT – pp. 111 a 133.

Representada na Phenix Dramática (Teatro

Fênix Dramático), em 25-9-1870.

O tipo brasileiro Comédia em 1 ato – 42 pp. – Rio, Typ.

Americana, 1872. Publicada na edição de

1980, Teatro de França Júnior – Tomo I,

Coleção Clássicos do Teatro Brasileiro, vol.

5 – MEC/FUNARTE/SNT – pp. 135 a 155.

Representada no Teatro Recreio Dramático,

em novembro de 1882. Encenada em 1992

pelo TPS itinerante (Teatro Popular do Sesi,

com elenco que viajava pelo interior de São

Paulo)

O relatório sobre a pintura e a estatuária (Exposição Universal de Viena, em 1873) –

32 pp. – Rio; Typographia Nacional, 1874.

Entrei para o Clube Jácome Comédia em 1 ato (“A propósito cômico em

um ato. Oferecido ao mesmo clube por

França Júnior”) – 24 pp. – Rio, Livro

Popular (Typographia Véra-Cruz), 1877.

Publicada na edição de 1980, Teatro de

França Júnior – Tomo I, Coleção Clássicos

do Teatro Brasileiro, vol. 5 –

MEC/FUNARTE/SNT – pp. 181 a 196.

Folhetins (Bibliotheca da “Gazeta de Notícias”) – 1ª

edição – 233 pp., “in-8º”, Rio de Janeiro,

1878; 2ª edição, Rio de Janeiro, Livraria de

Jacintho Ribeiro dos Santos (sucessor de

Cruz Coutinho), 1894; 3ª edição, com o

Page 165: a obra de França Júnior LUIZ VIVEI… · 2 Miguel CHAIA - “A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel”, in: Revista Estudos Avançados – IEA/USP, ano 9, n. 23, 1995,

título Folhetins: publicados na Gazeta de

Notícias, Rio de Janeiro, Livraria de Jacintho

Ribeiro dos Santos, 1915; 4ª edição

(aumentada) – 711 pp. e título Folhetins,

com prefácio e coordenação de Alfredo

Mariano de Oliveira, Rio de Janeiro,

Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1926

Política e Costumes – Folhetins Esquecidos

(1867-1868)

Organização e introdução de Raimundo

Magalhães Júnior – Editora Civilização

Brasileira S/A. Rio de Janeiro, São Paulo,

Bahia, 1957 – 287 pp. Com exceção dos

folhetins de 6 de julho de 1868 e “Em uma

gôndola” (de 26 de julho de 1868),

publicados no “Correio Mercantil”, os

demais textos publicados nesta coletânea

não foram incluídos na publicação dos

Folhetins (edição de 1926).

Tal qual como lá Revista de ano, em parceria com Artur

Azevedo; 1879/1880? – “a empresa a quem

a destinávamos recuou diante dos gastos de

encenação, e, não nos querendo molestar,

empenhou-se, por portas travessas, com a

polícia, para que esta proibisse a

representação. A polícia não proibiu, mas

reteve o manuscrito em seu poder, até que a

revista perdeu a atualidade.” (Artur

Azevedo, in: Folhetins). O texto da revista é

dado como perdido.

Os candidatos

(tradução do italiano da peça

de José Fogliani)

Comédia em 1 ato. Foi representada em 1-

8-1881 no Teatro São Pedro de Alcântara,

Rio de Janeiro, pela Companhia Adelaide

Tessero.

Três candidatos Comédia em 1 ato. Representada no Teatro

Recreio Dramático em 1882.

Um carnaval no Rio de Janeiro Comédia em 1 ato. Representada no Teatro

Recreio Dramático em 1882.

Como se fazia um deputado Comédia em 3 atos, com música de Carlos

Cavalier – 80 pp. – Rio, Gazetinha Editora,

1882. Editada em 1965 pela Revista de

Teatro Dionysos, da Sociedade Brasileira de

Autores Teatrais (SBAT). Publicada nos

Cadernos de Teatro do Tablado (nº 136 –

janeiro, fevereiro, março de 1994, pp. 28 a

47). Publicada na edição de 1980, Teatro de

França Júnior – Tomo II, Coleção Clássicos

do Teatro Brasileiro, vol. 5 –

MEC/FUNARTE/SNT – pp. 123 a 168.

Representada, pela primeira vez, no Teatro

Recreio Dramático (Rio de Janeiro), em 14

de abril 1882.

Page 166: a obra de França Júnior LUIZ VIVEI… · 2 Miguel CHAIA - “A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel”, in: Revista Estudos Avançados – IEA/USP, ano 9, n. 23, 1995,

Caiu o Ministério! Comédia em 3 atos – 56 pp. – Rio, Livraria

Popular de Cruz Coutinho, 1884. Manuscrito

apógrafo (1912), SNT (Serviço Nacional de

Teatro). Editada em 1961 pelo Instituto

Nacional do Livro. Edição de 1972 a cargo

do SNT. Publicada na edição de 1980,

Teatro de França Júnior – Tomo II, Coleção

Clássicos do Teatro Brasileiro, vol. 5 –

MEC/FUNARTE/SNT – pp. 169 a 221.

Representada no Teatro Recreio Dramático,

em julho de 1882. Apresentada pelo Teatro

Popular do Sesi - TPS, em São Paulo, em

1973 (temporada no Teatro Maria Della

Costa; comemoração dos 10 anos do TPS).

Em cartaz de setembro a dezembro de 2001,

e de 16 de março a 30 de junho de 2002 com

temporada no Teatro João Caetano, dirigida

por Ariela Goldmann, dentro do Projeto

“Formação de Público”, da Secretaria

Municipal de Cultura do Município de São

Paulo. Temporada de 16 a 24 de fevereiro de

2002, no Teatro Municipal de São Paulo.

Dois proveitos em um saco Comédia em 1 ato – 24 pp. – Rio, Livraria

Popular de Cruz Coutinho, 1883. Publicada

na edição de 1980, Teatro de França Júnior

– Tomo I, Coleção Clássicos do Teatro

Brasileiro, vol. 5 – MEC/FUNARTE/SNT –

pp. 197 a 211.

De Petrópolis a Paris Comédia de costumes em 3 atos, com

música de Carlos Cavalier. Representada no

Teatro Recreio Dramático, em 25 de junho

de 1884

A lotação dos bondes Comédia em 1 ato – 27 pp. – Rio, Livraria

de Cruz Coutinho, 1885. Publicada na edição

de 1980, Teatro de França Júnior

– Tomo I, Coleção Clássicos do Teatro

Brasileiro, vol. 5 – MEC/FUNARTE/SNT –

pp. 212 a 231.

As doutoras Comédia em 4 atos, representada no Teatro

Recreio Dramático, em 27 de junho de 1889.

1912: manuscrito apógrafo; 1932: Teatro

Brasileiro da SBAT. Publicada na edição de

1980, Teatro de França Júnior

– Tomo II, Coleção Clássicos do Teatro

Brasileiro, vol. 5 – MEC/FUNARTE/SNT –

pp. 223 a 291. Teria sido representada em

fins da década de 40 do século XX, em São

Paulo, por Osmar Rodrigues Cruz.

Portugueses às direitas Comédia em 3 atos, representada no Teatro

Recreio Dramático, em 9/5/1890, no festival

Page 167: a obra de França Júnior LUIZ VIVEI… · 2 Miguel CHAIA - “A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel”, in: Revista Estudos Avançados – IEA/USP, ano 9, n. 23, 1995,

em benefício de um batalhão que seguiu para

Zambezia. Não encontrada, pelo

pesquisador, notícia sobre edição.

Bendito chapéu Comédia em 1 ato. Não encontrada edição

ou notícia sobre sua representação.

Em Petrópolis Comédia em 1 ato. Não encontrada edição

ou notícia sobre sua representação.

O beijo de Judas Comédia em 4 atos. Não encontrada edição

ou notícia sobre sua representação.

Duas pragas familiares Comédia em 5 atos. Não encontrada edição

ou notícia sobre sua representação.

Trunfo às avessas Opereta em 2 atos. Representada nos Teatros

Fênix Dramática e Apolo. Cópia manuscrita

s/d. Música de Henrique de Mesquita.

Fontes: Diccionario Bibliographico Brazileiro – Augusto Victorino Alves Sacramento Blake, 4º volume, Imprensa Nacional,

Rio de Janeiro, 1898, páginas 163 a 165.

Folhetins – França Júnior, prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira (Da Associação de Ciências e

Letras, de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos jornais O Globo Ilustrado, O Paiz e o

Correio Mercantil; Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, Rio de Janeiro, 1925.

Revista da Academia Brasileira de Letras – Ano XIX, Volume XXVIII – Seção Perfis Acadêmicos, França Júnior

(Joaquim José da França Júnior – Patrono da cadeira nº 12 da ABL), por Arthur Motta; TAB, Edição do Anuário do

Brasil, Rio de Janeiro, novembro de 1928, páginas 320 a 327.

França Júnior, Política e Costumes – Folhetins Esquecidos (1867-1868) – organização, introdução e notas de

Raimundo Magalhães Júnior (da Academia Brasileira de Letras), edição ilustrada, coleção Vera Cruz (Literatura

Brasileira), volume 6, Editora Civilização Brasileira S/A, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, 1957.

O Teatro no Brasil – Tomo II (subsídios para uma biobibliografia do teatro no Brasil) – J. Galante de Sousa,

Ministério da Educação e Cultura, Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, 1960, páginas. 245 a 247.

Teatro de França Júnior (Tomo I)– texto estabelecido e introdução de Edwaldo Cafezeiro, com a colaboração de

Carmem Gadelha e Maria de Fátima Saadi, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, Serviço Nacional de

Teatro, Fundação Nacional de Arte, coleção Clássicos do Teatro Brasileiro, volume 5, 1980.

Osmar Rodrigues Cruz – uma vida no teatro – Osmar Rodrigues Cruz e Eugênia Rodrigues Cruz, São Paulo :

Hucitec, 2001.

Teatro de Artur Azevedo (Tomo I) – estabelecimento de texto de Antônio Martins de Araújo, com a colaboração de

Carmem Gadelha e Maria de Fátima Saadi, Rio de Janeiro, Instituto Nacional de Artes Cênicas, coleção Clássicos do

Teatro Brasileiro, volume 7, 1983.

O Teatro de Revista no Brasil: dramaturgia e convenções – Neyde VENEZIANO. – Campinas, SP : Pontes : Editora

da Universidade Estadual de Campinas, 1991.

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Anexo 2

Breve Cronologia do Império,

de um teatro oficial no Brasil

e da vida de um autor teatral:

1808 – vinda da Família Real para o Brasil;

1810 – decreto de D. João VI, determinando a construção de um “teatro decente” e

digno de sua real presença; a família real prestigia o teatro indo a apresentações;

1813 – inaugurado o “Real Teatro São João”, em 12 de outubro: “O público do teatro São

João, durante o primeiro reinado, apinhava-se no teatro, menos para aplaudir atores e cantores do que para

manifestar, sempre que se deparasse oportunidade, sua concordância entusiasta com as autoridades e às

vezes até mesmo sua discordância. O Teatro São João foi convertendo-se no centro não só da vida

artística do Rio, como ainda da vida política e social do país” (HESSEL, Lothar e RAEDERS, Georges –

O teatro no Brasil – da colônia à Regência; Porto Alegre, Edições URGS – Universidade Federal do Rio

Grande do Sul – 1974, p.101);

1815 – elevação do Brasil a Reino;

1821 – 6 de abril: volta da Família Real a Portugal;

1822 – Independência do Brasil;

1823 – Constituinte elabora texto que desagrada o Imperador D. Pedro I;

1824 – Outorga da Constituição por D. Pedro I; juramento da constituição em 25 de

março; à noite, após récita de gala com a presença de S. M.; o teatro incendeia-se

(literalmente);

1825 – 2 de dezembro: nasce D. Pedro II;

1826 – o Teatro é reaberto com o nome de “Imperial Teatro São Pedro de Alcântara”,

no mês de abril;

1829 – morre o Fernandinho (Fernando José de Almeida – empresário e construtor do

Teatro desde a vinda da família Real, contratava companhias líricas, administrava o

teatro e conseguia dinheiro de loterias ou do Tesouro para as obras) em junho;

1831 – D. Pedro I abdica em favor de seu filho Pedro de Alcântara, de 6 anos de idade e

embarca para Portugal, entre os dias 7 e 13 de abril;

-- em 3 de maio de 1831, reabre-se o Parlamento do Império. O Teatro muda de

nome: ”Teatro Constitucional Fluminense”, nome que só vai ser modificado em 1838,

quando volta a se chamar “São Pedro”;

1831 a julho de 1840 – Período das Regências Trinas, de Feijó e de Araújo Lima;

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1835 a 1849 – Período de revoltas como a Revolução Farroupilha (RS), Cabanagem

(Pará), Sabinada (Bahia), Balaiada (Maranhão), Revolução Liberal (MG a SP) e

Revolução Praieira (PE);

1838 – Nasce Joaquim José da França Júnior, a 19 de abril, no Rio de Janeiro. Filho de

Joaquim José da França e de Dona Mariana Inácia Vitovi Garção da França;

1840 – maioridade de D. Pedro II;

1840 a 1889 – Período monárquico constitucionalista, com regime Parlamentar, com

aproximadamente 35 gabinetes onde se alternavam os partidos liberal (luzias) e

conservador (saquaremas);

1850 – Lei Euzébio de Queiróz, de repressão ao tráfico negreiro (proclamada durante o

Gabinete Conservador de Costa Carvalho – outubro de 1849 a maio de 1852);

1851/52 – Guerra contra Oribe e Rosas – Uruguai e Argentina;

1862 – França Júnior gradua-se bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela Faculdade

de Direito de S. Paulo;

1863/64 – Intervenção contra Aguirre, no Uruguai;

1865/l870 – Guerra do Paraguai;

1868 – França Júnior é secretário do Governo Provincial da Bahia e adjunto de

promotor público no Rio de Janeiro;

1871 – Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro (proclamada durante o Gabinete

Conservador do Visconde do Rio Branco – março de 1871 a junho de 1875);

1873 – França Júnior é um dos representantes brasileiro na Exposição Universal de

Viena;

1885 – Lei dos Sexagenários, de 28 de setembro (Lei Dantas, proclamada durante o

Gabinete Conservador do Barão de Cotegipe – agosto de 1885 a março de 1888);

1888 – Lei Áurea, de 13 de maio: abolição total da escravatura, sem indenização, no

Brasil (proclamada durante o Gabinete Conservador de João Alfredo – março de 1888 a

junho de 1889);

1889 – Proclamação da República; partida para o exílio do Imperador intelectual, para

uns; burocrata, para outros...

1890 – morte de França Júnior, em Poços de Caldas, Minas Gerais, a 27 de setembro;

1891 – morte de D. Pedro II, em Paris, a 5 de dezembro;

1928 – Demolição do Teatro São Pedro de Alcântara. No mesmo lugar, é construído o

Teatro João Caetano. Ainda esta lá. Até quando?