A nova fronteira agrícola

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Q uando, em 2002, o agri- cultor paranaense Ro- dolfo Schlatter com- prou 17 mil hectares de terras degradadas no vale do Ara- guaia, no sudeste do estado do Pa- rá, e decidiu abrir 500 hectares pa- ra o cultivo de soja, foi visto por boa parte dos moradores locais co- mo um visionário, idealista ou utó- pico. Na época, era difícil imagi- nar que alguém em sã consciência acreditasse ser possível que aque- la “tal da soja” pudesse vingar ali. Justamente em áreas carregadas de cascalho, abertas para pastagens naquela que era considerada terra de extração de madeira e de pecu- ária extensiva de corte, com enor- mes fazendas de gado. O tempo acabou mostrando que o “visionário” apostou certo. Mais do que isso. Seu pioneirismo acabou sendo a semente da mais nova fronteira agrícola brasileira, sucedendo as áreas agricultáveis do chamado Mapitoba (Mara- nhão, Piauí, Tocantins e Bahia), que até então detinham este títu- lo. Suas terras (a Fazenda Santa- na Rios) ficam na “capital” desta nova frente agrícola: Santana do Araguaia, município de 11.591,5 km 2 (1.159.150 hectares), situado no extremo sudeste do Pará, na divisa com Mato Grosso, separa- do do estado do Tocantins pelo rio Araguaia. Não foram poucas, as dificuldades. Tanto é que muitas delas ainda perduram. A região, segundo a Secretária Municipal de Agricultura, Franciele Abreu Lemos Brandão, apresenta logís- tica precária, escassa mão de obra e dificuldade de crédito. “Santana do Araguaia sempre foi considera- do o último município do estado, o mais esquecido de todos”. Mes- mo assim, a influência do recente ‘boom’ agrícola vem, aos poucos, estimulando a abertura de novas Especial A nova fronteira agrícola Parte I A epopéia de um pioneiro A história do homem que transformou o “esquecido” município de Santana do Araguaia (PA) no mais novo celeiro agrícola do Brasil Ariosto Mesquita 28 | Agro DBO - fevereiro 2014

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Quando, em 2002, o agri-cultor paranaense Ro-dolfo Schlatter com-prou 17 mil hectares de

terras degradadas no vale do Ara-guaia, no sudeste do estado do Pa-rá, e decidiu abrir 500 hectares pa-ra o cultivo de soja, foi visto por boa parte dos moradores locais co-mo um visionário, idealista ou utó-pico. Na época, era difícil imagi-nar que alguém em sã consciência acreditasse ser possível que aque-la “tal da soja” pudesse vingar ali. Justamente em áreas carregadas de cascalho, abertas para pastagens naquela que era considerada terra

de extração de madeira e de pecu-ária extensiva de corte, com enor-mes fazendas de gado.

O tempo acabou mostrando que o “visionário” apostou certo. Mais do que isso. Seu pioneirismo acabou sendo a semente da mais nova fronteira agrícola brasileira, sucedendo as áreas agricultáveis do chamado Mapitoba (Mara-nhão, Piauí, Tocantins e Bahia), que até então detinham este títu-lo. Suas terras (a Fazenda Santa-na Rios) ficam na “capital” desta nova frente agrícola: Santana do Araguaia, município de 11.591,5 km2 (1.159.150 hectares), situado

no extremo sudeste do Pará, na divisa com Mato Grosso, separa-do do estado do Tocantins pelo rio Araguaia. Não foram poucas, as dificuldades. Tanto é que muitas delas ainda perduram. A região, segundo a Secretária Municipal de Agricultura, Franciele Abreu Lemos Brandão, apresenta logís-tica precária, escassa mão de obra e dificuldade de crédito. “Santana do Araguaia sempre foi considera-do o último município do estado, o mais esquecido de todos”. Mes-mo assim, a influência do recente ‘boom’ agrícola vem, aos poucos, estimulando a abertura de novas

Especial A nova fronteira agrícola Parte I

A epopéia de um pioneiroA história do homem que transformou o “esquecido” município de Santana do Araguaia (PA) no mais novo celeiro agrícola do BrasilAriosto Mesquita

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começo. Santana está atraindo agricultores de várias regiões do país, sobretudo de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, se-quiosos por adquirir terras bara-tas para plantio. A estratégia deles é quase sempre a mesma: donos de terras bastante valorizadas em polos agrícolas nacionais – como o médio norte de Mato Grosso ou a região dos Chapadões em Mato Grosso do Sul e Goiás –, eles ven-dem pequenas áreas nas regiões de origem e, com o dinheiro obti-do, compram terras mais baratas e, frequentemente, 10 vezes mais extensas em Santana do Araguaia, em sua maioria formadas por ta-lhões degradados, utilizados até então como pastagens para o gado.

A partir daí começa o gradual processo de abertura de parcelas para a agricultura. Mais de 30 anos depois, se repetem, com novos ce-nários e atores, os procedimentos adotados pelos produtores rurais oriundos do Sul do Brasil na aber-tura das áreas agrícolas do Centro--Oeste do país. Este movimento convergente de migração está pro-movendo um crescimento em rit-mo acelerado das terras cultivadas no Vale do Araguaia. A Semagri – Secretaria Municipal de Agricultu-ra de Santana do Araguaia, estima

que a área plantada com soja tenha aumentado 75% entre a safra pas-sada e a atual. A bovinocultura de corte continua sendo a principal força econômica da região, mas a mudança é visível nos campos. Ao longo da BR-158, que cruza o mu-nicípio, já é possível ver diversos es-tágios de transformação de áreas de pastagens em espaço para lavoura.

Mesmo convicto, desde o iní-cio, de que a região seria propícia para agricultura, Rodolfo Schlatter não escapou de pagar o preço do pioneirismo. No início da década de 1980, ele cultivava 50 hectares de lavouras (30 de soja e 20 de al-godão) em Itambé (PR), onde nas-ceu. Em 1983, tomou a decisão de

lavouras também nos municípios vizinhos de Redenção, Cumaru do Norte e Santa Maria das Barreiras.

Expansão vertiginosaA estimativa do Sindicato Rural

de Santana do Araguaia é de que a agricultura ocupe hoje 60 mil hec-tares de seu território e produza 162 mil toneladas de grãos. A área é considerável, levando-se em con-ta a estimativa de um total de 80 mil hectares plantados atualmente neste canto do Pará em duas safras anuais distintas: a primeira, quase sempre com soja de verão e a se-gunda, com milho ou culturas de cobertura no inverno. Também é possível ver algumas áreas cultiva-das com arroz.

Considerando estes núme-ros (e os primeiros 500 hectares de Schlatter), a expansão da área cultivada na região em 12 anos foi gigantesca: perto de 12.000%. Pelo que a Agro DBO constatou, esta expansão agrícola está só no

Localizaçãoespacial do município de Santana do Araguaia

A ousadia deSchlatter foi

recompensada: a agricultura

ocupa atualmente 60 mil hectares em Santana do

Araguaia.

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Fotos: Ariosto Mesquita

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Schlatter pagou 500 reais por hectare em 2002, quando chegou a Santana do Araguaia, 5% do preço em Chapadão do Sul (MS).

Uma história de fé e coragemA história de Santana do Ara-

guaia tem raiz na década de 1960, quando o grupo econômico Ce-tenco adquiriu 130 mil hectares no vale do rio Campo Alegre, com financiamento da Sudam. Surgia, em 1967, a Cia. Industrial e Agro-pastoril Vale do Rio Campo Ale-gre. Na época, outros grupos in-vestiam em grandes fazendas na região (nordeste do Mato Grosso e sul/sudeste do Pará), como a Santa Fé (Caterpillar), Rio Crista-lino (Volkswagen), Fartura (Super-gasbrás), Codespar (Lunardelli) e Rio Dourado (Atlântica-Boa Vista Seguros). Em 1969, pelo menos 30 projetos pecuários estavam em implantação, somando perto de 20 mil cabeças de gado, todos

sob incentivo do governo fede-ral. Para abertura das fazendas, eram dias de viagens através de picadas e atoleiros em jericos e veículos improvisados, invariavel-mente “paco-pacos” – híbridos de trator e caminhonete monta-dos peça por peça. A alimentação era crítica. Em seu livro “História de Santana do Araguaia-PA”, o ita-liano Henrique Vita, um dos pio-neiros da região, conta que, fre-quentemente, os alimentos eram jogados de avião pela dificuldade de acesso por terra. Ele mesmo teve de enfrentar refeições não convencionais, como “uma pane-lada de galinha cozida com tripa, cabeça e tudo”. As tempestades e cheias dos rios da região for-

mavam barreiras intransponíveis, ciclones e incêndios destruíram barracos e oficinas. A estrutura de saúde era, obviamente, limitadís-sima. “Alguns médicos faziam pre-ces junto ao paciente, antes de operá-lo”, segundo relato de Vita.

O município começou a se de-senvolver com o surgimento, em 1975, da Campo Alegre Coloniza-dora Ltda. A política de ocupação previa, entre outras coisas, a con-cessão de um lote urbano gratuito para quem adquirisse uma área rural. No final dos anos 70 o po-voado passou a ser sede do Atlas Frigorífico, do grupo Volkswagen, presidido à época por Wolfgang José Sauer. Considerado à época o maior frigorífico da América do Sul, ajudou a impulsionar a eco-nomia local, atraindo migrantes de várias regiões do país. Em 1980, sua população chegava a 12.605 habitantes, pulando para 31.218 em 2000 (dados IBGE). Hoje, o município, com 63 mil habitan-tes (estimativa IBGE/2013), luta contra os entraves do passado, na esteira do progresso trazido pelos agricultores que, como Rodolfo Schlatter, acreditam em agricultura de alta produtividade.

Primeira “casa” (1968) e núcleo urbano de Campo Alegre (1980), em fotos reproduzidas do livro “História de Santana do Araguaia-PA”, de Henrique Vita.

parceria/arrendamento em duas safras: verão (100% soja) e inver-no (70% milho e 30% milheto). A produtividade obtida com a oleagi-nosa foi de 60 sacas/ha. Já o milho segunda safra atingiu 120 sacas.

Então, em 2002, sem perspecti-vas de ampliação dos negócios na região, Schlatter decidiu conhe-cer o sul do Pará. “Tinha notícias desta fronteira norte no Vale do Araguaia e resolvi ver como era”, conta. As extensas áreas de pas-

tagens degradadas que encontrou são, em grande parte, originárias de projetos de colonização da Su-dam – Superintendência do De-senvolvimento da Amazônia nos anos 60 e 70 do século passado. Na época, o governo federal incenti-vou as grandes corporações a in-vestir em atividades produtivas na região, concedendo-lhes grandes benefícios. Com isso, conhecidas empresas de capital nacional e es-trangeiro – Caterpillar, Supergas-

se mudar para Chapadão do Sul, no Mato Grosso do Sul. “Arrendei ter-ra e fui comprando devagarzinho”, conta. Em 2002, consolidou ali área própria de 4 mil hectares. Até hoje faz bons negócios com a agricultura na região dos Chapadões e, mesmo alçando novos voos no Vale do Ara-guaia, faz questão de manter a base de seus negócios, e não abre mão de morar no Mato Grosso do Sul. Na safra 2012/13, além de seus 4 mil/ha, cultivou mais 1,3 mil/ha em

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brás, Manah e Volkswagen, entre outras – passaram a ser donas de grandes extensões de terras, aber-tas inicialmente para a criação de gado, atividade gradativamente am-pliada por quase três décadas.

Com o passar dos anos, porém, a “colonização” refluiu, as grandes empresas perderam o interesse pelo negócio, retiraram-se ou delegaram a administração das propriedades a terceiros, abandonando, pratica-mente, as fazendas de gado. Então os pastos começaram a se degradar. Foi quando Schlatter enxergou a oportunidade, antevendo, inclusi-ve, boas condições de escoamento da produção no futuro. “Vi áreas abandonadas, mas com um asfalto lindo da BR-158 passando em fren-te das fazendas, rumo ao norte do país. Bastaria jogar a soja no cami-nhão e viajar 750 quilômetros até Porto Franco, no Maranhão”, conta.

Aposta no futuroSchlatter não pensou duas ve-

zes e adquiriu parte das terras da Supergasbrás, os citados 17 mil /ha que compõem hoje a fazenda Santana Rios. “Paguei R$ 500,00/ha, algo em torno de 5% do preço em Chapadão do Sul”, calcula. Se-gundo ele, a valorização das terras de lá para cá já justificaria o inves-timento. “Hoje, o valor do hectare

degradado a ser recuperado em Santana do Araguaia já está na faixa dos R$ 6 mil; áreas como as que existem em minha proprieda-de, prontas para agricultura, de-vem valer atualmente quase R$ 20 mil/ha”, estima. Quando, em 2002, abriu os primeiros 500 hectares de lavoura na região, não havia armazéns nas redondezas; ele pre-cisava achar um meio de escoar rapidamente a produção. De olho nos preços em Porto Franco, ad-quiriu nove caminhões. Em abril de 2003, fez a colheita. “A pro-dutividade foi muito fraca, algo entre 35 a 40 sacas/ha, pois ainda estávamos testando variedades de melhor adaptação”. Mesmo assim enviou seus primeiros grãos para Porto Franco, de onde as cargas agrícolas seguem pelo rio Tocan-tins para terminais de exportação próximos ao Atlântico.

Em 2004, a região de Santana ganhou seu primeiro armazém. A logística adotada permitiu que Schlatter fosse remunerado em

valores semelhantes aos pagos, na época, em Chapadão do Sul. “Era até ligeiramente superior”, lem-bra. Com o tempo, no entanto, a remuneração foi recuando, em função do aumento da oferta de soja na região e limitação de em-barque de grãos e tráfego por rio a partir de Porto Franco. A via-bilização econômica da hidrovia do Tocantins para o transporte de grandes volumes depende, hoje, da execução das obras de derroca-mento do Pedral do Lourenço, um trecho acidentado de 43 quilôme-tros de extensão, que limita a pas-sagem de embarcações de maior capacidade de carga, mesmo no período de chuvas. Estudos socio-ambientais neste sentido estão em fase de licitação por parte do go-verno federal. Nos últimos anos, a alternativa vem sendo escoar os grãos em caminhões até o termi-nal da Ferrovia Norte-Sul em Co-linas, no Tocantins. No entanto, o custo do frete não torna os grãos do extremo sudeste do Pará tão

Área de sojada fazenda Santana Rios, com o seringal ao fundo

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competitivos. A expectativa de Schlatter é pela ativação, ainda em 2014, do novo terminal portuário da Bunge em Vila do Conde, no município paraense de Barcare-na, na região de Belém (distante de Santana aproximadamente 920 km por rodovia). Mesmo com tre-chos de estradas em estado ainda precário, ele entende que já é pos-sível levar os grãos em caminhões até lá e vender a soja a um preço 5% superior ao que é pago, em média, no Mato Grosso do Sul. “Vila do Conde é terminal mais próximo do Canal do Panamá, por onde produtos seguem rumo à Ásia, e de mais fácil acesso tam-bém à Europa”, ressalta.

Investimentos pesadosSchllater enfrentou muitos

percalços até que seus negócios se estabilizassem em Santana do Araguaia. As dificuldades iniciais o levaram a investir muito. Além da compra de 17 mil hectares de terras e da aquisição de nove ca-minhões, também se viu obrigado a trazer maquinário para a região. “Comprei tratores e colheitadei-ras novas para que apresentassem o mínimo de problemas, uma vez que não encontrava peças de re-posição por perto e, muito menos, mão de obra mecânica; tudo tinha de vir a partir de Goiânia, em uma distância de 1.234 km por rodo-vias”. Com estes equipamentos, transformou as terras degradadas em áreas agricultáveis. “Abrimos uma média de 1.000 hectares ao ano. Hoje, temos perto de 11.000 hectares para lavoura”, conta. Na safra 2012/13, ele cultivou 6.300 hectares na fazenda Santana Rios.

Surpresa escondida na mataQuando Rodolfo Schlatter

adquiriu as terras do que é hoje a fazenda Santana Rios, ganhou um verdadeiro “presente”: uma parte dela – 60 hectares – não era área de recomposição flo-restal. Tratava-se de um serin-gal com 30 mil árvores, grande parte em plena capacidade de produção. Ele não tinha qual-quer experiência em heveicul-tura e extração de látex. No ano seguinte, assim que estabeleceu sua equipe na propriedade, con-tratou uma assessoria técnica para conduzir o seringal.

A empresa auxiliou-o inter-mediando a contração de mão de obra, a comercialização da borracha e orientando quanto à utilização de defensivos no serin-gal. Hoje, a atividade é conduzida

por seis funcionários, cada qual responsável pela produção de látex em 10 hectares. Todos são registrados em carteira, recebem salário e, como produtividade, 30% da receita obtida com a comercialização da borracha pro-duzida na área a seu encargo. Schlatter fica com os 70% res-tantes. Ele não esconde que este capão verde lhe dá um excelente retorno. “Com base nas cotações atuais (dezembro/2013), recebo anualmente um valor líquido en-tre 300 mil e 350 mil reais; este dinheiro entra direto no caixa da fazenda e, com ele, consigo pagar quase todos os meus fun-cionários”, relata. Este montante equivale a um faturamento de até 5,8 mil reais, algo em torno de 5% de sua renda anual.

Estrutura de armazenagem

de grãos recém-ampliada em

Santana do Araguaia para a safra 2013/14.

Especial

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No verão, ocupou 100% da área com soja (média de 55 sacas/ha). No inverno, metade com milho (média de 110 sacas/ha) e o res-tante, com milheto para cober-tura de solo. Além disso, cultiva mais 4.000 hectares (soja e milho) em sistema de arrendamento/par-ceria na vizinha Fazenda Santa Fé. Hoje, Schlatter tem a compa-nhia de dezenas de outros agri-cultores e grandes grupos agrope-cuários que estão investindo em lavouras na região. “No primeiro ano, somente eu plantava, apesar da desconfiança geral, o que era até certo ponto natural; imagine o choque dos moradores de uma re-gião que, por quase 30 anos, viveu do extrativismo de madeira e da pecuária e que se vê, de repente, diante de um sujeito que vem de fora dizendo que agricultura dá certo e tentando mudar as coisas”, observa.

Ele não chegou a ser chamado de louco ou coisa parecida (pelo menos publicamente), mas muita gente tentou tirar de sua cabe-ça a ideia de se cultivar grãos na região. “Várias pessoas alegavam que o clima não era propício e que o lugar era terra de boi; quando fiz uma visita ao frigorífico da cidade (JBS, antigo Atlas), um dos dire-tores me disse que agricultura era impossível em função do excesso de chuvas no município”, conta. Obviamente, ele conferiu o real perfil climático. Depois de pes-quisar históricos de precipitações pluviométricas da Supergasbrás,

viu que não haveria dificuldade alguma neste aspecto. “Analisei o gráfico de chuvas em um perí-odo de 25 anos e vi que não ha-via exagero nenhum. Percebi que as águas chegam nos meses de setembro/outubro e começam a rarear em abril, o que é muito pa-recido com o ciclo que temos em Chapadão do Sul”, explica.

O pioneirismo de Schlatter durou praticamente uma safra – os agricultores que acabaram por se instalar na região preferi-ram esperar os resultados de sua ousadia. Na safra 2003/4, mais dois produtores chegaram. Na temporada seguinte, já eram cin-co. Tudo parecia ir bem, mas em 2005 estourou uma forte crise na

agricultura brasileira. Além da queda dos preços internacionais de commodities, os agricultores compraram insumos com dólar valorizado e comercializaram a safra com a situação oposta (real em alta). Como resultado, o pre-ço da soja ficou pressionado. Na região de Santana do Araguaia, a saca de 60 quilos era comerciali-zada a R$ 20,00, o que não cobria o custo de produção. Quem havia apostado, parou de plantar. “Na safra 2005/6, eu estava novamen-te sozinho depois de quatro anos cultivando grãos na região. Sabia que se conseguisse superar as difi-culdades daquele ano, o mercado voltaria a reagir. Foi difícil, mas alguma coisa me dizia pra não de-sistir”, ressalta.

Sob olhares incrédulos, Schlat-ter mergulhou no plantio de soja nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2005. Quem acompa-nhava de perto era o produtor Dir-ceu Flumian, o segundo a cultivar grãos na região. “Em fevereiro de 2006, ele viu que eu já estava co-lhendo com bons resultados e, nes-te mesmo mês, decidiu investir na segunda safra, plantando um pe-daço de terra com milho; quando colheu e ganhou dinheiro, voltou a apostar em soja na safra 2006/7; dai em diante vieram novos produ-tores e grandes grupos e a coisa só tem crescido”, resume.

Nos primeiros anos, o serviço de saúde era tão precário que o médico costumava rezar com o paciente, antes de operá-lo.

Confira nas próximas edições:

• O plantio de soja no cascalho;

• A chegada de pesquisadores;

• Novos grupos e agricultores;

• Os desafios estruturais, urbanos e sociais.

• Projeções de crescimento na nova fronteira agrícola;

• A migração de mão-de-obra especia lizada;

• Santana do Araguaia: as mudanças em uma “terra sem lei”;

Abertura de áreasnos primeiros anos de ocupação da região de Santana do Araguaia

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