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A “nobreza da terra” e o comércio de animais no centro-sul do Brasil: redes sociais, crédito, controle social e hierarquia no além-mar Tiago Gil Universidade de Brasília Este trabalho visa compreender o peso da chamada “nobreza da terra”, discutida em diversos trabalhos recentes, e seu impacto na economia, tendo por caso uma rota mercantil no centro-sul da América Portuguesa, a rota Viamão-Sorocaba, entre 1780 e 1810. Se a lógica do mercador-fidalgo cruzou o Atlântico e moldou o comportamento econômico, ela acabou incorporando a hierarquia militar como régua social. Assim, os capitães comandavam seus escravos, sua casa, suas regiões, e, assim, controlavam a economia e a política. Nos distritos, havia um comandante capitão. Nas vilas, o capitão-mor. Na capitania, o capitão-general. Sem falar dos capitães de ordenanças da nobreza. Mas ser capitão não era algo inato, ainda que quase hereditário. Ser Capitão um reconhecimento da ascensão ou manutenção da posição social. E quem acabava regulando a reprodução da hierarquia no ultramar era a Coroa, que tinha o poder de conceder e confirmar aqueles postos. Parece clara a presença estratégica de sujeitos com patentes prestigiosas na economia das tropas de animais e nas economias regionais à margem da estrada. E, não se deve esquecer, um lugar muito privilegiado na hierarquia militar e no comando dos outros homens livres. Mas, de onde saem os capitães? De que matiz de azul é feito o sangue destes periféricos plebeus? Esta contribuição visa verificar, a partir de alguns casos concretos, como isso se e como alguém podia almejar algo mais em sua carreira. Acredito que a hierarquia sócio-militar, expressa nos títulos de Capitão, Tenente, Coronel, Tenente-Coronel e Brigadeiro era um excelente “índice de desenvolvimento” das economias domésticas. Ser Capitão era comandar uma oikonomia. Ser Coronel era comandar diversas, entrecruzadas. Por economia doméstica, ou oikonomia, entendo a unidade produtiva familiar, que pode variar entre um pequeno rancho com mãe e filho, até os negócios de um grande bando articulado e recheado de capitães. Palavras-chave: economia doméstica; hierarquia social; governo.

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A “nobreza da terra” e o comércio de animais

no centro-sul do Brasil: redes sociais, crédito, controle social e

hierarquia no além-mar

Tiago Gil

Universidade de Brasília

Este trabalho visa compreender o peso da chamada “nobreza da terra”, discutida em

diversos trabalhos recentes, e seu impacto na economia, tendo por caso uma rota mercantil no

centro-sul da América Portuguesa, a rota Viamão-Sorocaba, entre 1780 e 1810. Se a lógica do

mercador-fidalgo cruzou o Atlântico e moldou o comportamento econômico, ela acabou

incorporando a hierarquia militar como régua social. Assim, os capitães comandavam seus

escravos, sua casa, suas regiões, e, assim, controlavam a economia e a política. Nos distritos,

havia um comandante capitão. Nas vilas, o capitão-mor. Na capitania, o capitão-general. Sem

falar dos capitães de ordenanças da nobreza. Mas ser capitão não era algo inato, ainda que quase

hereditário. Ser Capitão um reconhecimento da ascensão ou manutenção da posição social. E

quem acabava regulando a reprodução da hierarquia no ultramar era a Coroa, que tinha o poder

de conceder e confirmar aqueles postos. Parece clara a presença estratégica de sujeitos com

patentes prestigiosas na economia das tropas de animais e nas economias regionais à margem da

estrada. E, não se deve esquecer, um lugar muito privilegiado na hierarquia militar e no

comando dos outros homens livres. Mas, de onde saem os capitães? De que matiz de azul é feito

o sangue destes periféricos plebeus? Esta contribuição visa verificar, a partir de alguns casos

concretos, como isso se e como alguém podia almejar algo mais em sua carreira. Acredito que a

hierarquia sócio-militar, expressa nos títulos de Capitão, Tenente, Coronel, Tenente-Coronel e

Brigadeiro era um excelente “índice de desenvolvimento” das economias domésticas. Ser

Capitão era comandar uma oikonomia. Ser Coronel era comandar diversas, entrecruzadas. Por

economia doméstica, ou oikonomia, entendo a unidade produtiva familiar, que pode variar entre

um pequeno rancho com mãe e filho, até os negócios de um grande bando articulado e recheado

de capitães.

Palavras-chave: economia doméstica; hierarquia social; governo.