A MÚSICA BRASILEIRA E A CENSURA DA DITADURA

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    A MSICA BRASILEIRA E A CENSURA DADITADURA MILITAR

    Quando o golpe militar foideflagrado, em 1964, ironicamente o Brasil tinha na poca, os movimentos de bases

    poltico-sociais mais organizados da sua histria. Sindicatos, movimento estudantil,movimentos de trabalhadores do campo, movimentos de base dos militares de esquerdadentro das foras armadas, todos estavam engajados e articulados em entidades como aUNE (Unio Nacional dos Estudantes), o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), oPUA (Pacto da Unidade e Ao), etc, que tinham grande representatividade diante dosdestinos polticos da nao. Com a implantao da ditadura, todas essas entidades foramasfixiadas, sendo extintas ou a cair na clandestinidade. Em 1968, os estudantescontinuavam a ser os maiores inimigos do regime militar. Reprimidos em suasentidades, passaram a ter voz atravs da msica. A Msica Popular Brasileira comea aatingir as grandes massas, ousando a falar o que no era permitido nao. Diante dafora dos festivais da MPB, no final da dcada de sessenta, o regime militar v-seameaado. Movimentos como a Tropiclia, com a sua irreverncia mais de teor social-cultural do que poltico-engajado, passou a incomodar os militares. A censura passou aser a melhor forma da ditadura combater as msicas de protesto e de cunho que pudesse

    extrapolar a moral da sociedade dominante e amiga do regime. Com a promulgao doAI-5, em 1968, esta censura arte institucionalizou-se. A MPB sofreu amputaes deversos em vrias das suas canes, quando no eram totalmente censuradas.Para censurar a arte e as suas vertentes, foi criada a Diviso de Censura de DiversesPblicas (DCDP), por onde deveriam previamente, passar todas as canes antes deexecutados nos meios pblicos. Esta censura prvia no obedecia a qualquer critrio, oscensores poderiam vetar tanto por motivos polticos, ou de proteo moral vigente,como por simplesmente no perceberem o que o autor queria dizer com o contedo. A

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    censura alm de cerceadora, era de uma imbecilidade jamais repetida na histria culturalbrasileira.

    Os Perseguidos do Pr-AI-5

    Antes mesmo de deflagrado o AI-5,alguns representantes incipientes da MPB j eram vistos pelos militares como inimigosdo regime, entre eles, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Taiguara e Geraldo Vandr.A interveno de Caetano Veloso era mais no sentido da contracultura do que contra oregime militar. Os tropicalistas estavam mais prximos dos acontecimentos do Maio de1968 em Paris, do que das doutrinas de esquerda que vigoravam na poca, como omarxismo-leninismo sovitico e o maosmo chins. Mas os militares no souberamidentificar esta diferena, perseguindo Caetano Veloso e Gilberto Gil pela irrevernciaconstrangedora que causavam. Na poca da priso dos dois cantores, em dezembro de1968, os militares tinham de concreto contra eles, a acusao de que tinhamdesrespeitado o Hino Nacional, cantando-o aos moldes do tropicalismo na boate Sucata,e uma ao que queria mover um grupo de catlicos fervorosos, ofendidos pelagravao do Hino do Senhor do Bonfim (Petion de Vilar Joo Antnio Wanderley),no lbum Tropiclia ou Panis et Circenses (1968). Juntou-se a isto a provocao deCaetano Veloso na antevspera do natal de 1968, ao cantar Noite Feliz no programa

    de televiso Divino Maravilhoso

    , apontando uma arma na cabea. O resultado foi apriso e o exlio dos dois baianos em Londres, de 1969 a 1972.Ainda do repertrio do lbum mtico Tropiclia ou Panis et Circenses , a msicaGelia Geral (Gilberto Gil Torquato Neto), sofreu o veto da censura por serconsiderada de contedo poltica contestatria, alm de segundo os censores, fazer umretrato equivocado da situao pela qual passava o pas.Ao retornar do exlio, Caetano Veloso e Gilberto Gil sofreram com a perseguio daditadura e da censura. Em 1973, Caetano Veloso teve a sua

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    cano Deus e o Diabo, vetada por

    causa do ltimo verso Dos bofes do meu Brasil

    . Diante do veto, a gravadora solicitourecurso, foi sugerido pelo censor que o autor substitusse a palavra bofes. Mas umsegundo censor menciona os versos o carnaval inveno do diabo que Deusabenoou e Cidade Maravilhosa/ Dos bofes do meu Brasil , como ofensivos stradies religiosas. Em 1975, o lbum Jia trazia na sua capa Caetano Veloso, suaento mulher Ded e o filho Moreno, completamente nus, com o desenho de algumas

    pombas a cobrir-lhe a genitlia. Censurada, o lbum foi relanado com uma nova capa,onde restaram apenas as pombas.Geraldo Vandr tornou-se o inimigo nmero um do regime militar. A sua canoCaminhando (Pra No Dizer Que No Falei das Flores), que ficou com o polmicosegundo lugar no Festival Internacional da Cano, em 1968, tornou-se um hino contraa ditadura militar, cantado por toda a juventude engajada do Brasil de 1968. Esta

    cano, afirmam alguns analistas de histria, foi uma das responsveis pelapromulgao do AI-5. Ficou proibida de ser cantada e executada em todo pas. Svoltaria a ser ressuscitada em 1979, aps a abertura poltica e a anistia, quando a cantora

    Simone a cantou em um show, noCaneco. Perseguido pelo regime, Geraldo Vandr esteve exilado de 1969 a 1973. Aps

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    o exlio, jamais conseguiu recuperar a carreira interrompida pela censura da ditaduramilitar. Calava-se uma expressiva carreira emprestada ao combate ditadura.Taiguara, uma das mais belas vozes masculinas da MPB, interpretou com maestriadiversos gneros musicais. Foi um dos cantores que mais se ops contra a represso daditadura militar. Sua obra pagou o preo da perseguio e da censura. Deparou-se com aateno da censura em 1971, que esteve atenta s canes do lbum Carne e Osso.

    Em 1973 teve 11 msicas proibidas. Perseguido pela censura, Taiguara teve muitas dassuas msicas assinadas por Ge Chalar da Silva, sua esposa na poca. Exilado emLondres, Taiguara gravou o lbum Let the Children Hear the Music, em ingls. Odisco foi proibido de ser lanado, pela EMI, por deciso da polcia federal brasileira. Ocompositor recorreu ao Conselho Superior de Censura, em 1982, tendo o discofinalmente liberado.

    Chico Buarque, o Alvo Predileto da Censura Militar

    Tendo silenciado e asfixiado GeraldoVandr, os militares elegeram o seu novo inimigo do regime: Chico Buarque deHollanda. No perodo que durou a censura e o regime militar, Chico Buarque foi ocompositor e cantor mais censurado. A sua obra sofreu respingos da censura em todasas vertentes, tanto nas canes de protesto, quanto nas que feriam os costumes morais

    da poca.Os problemas de Chico Buarque com a censura comearam junto com a sua carreira.Em 1966, a msica Tamandar, includa no repertrio do show Meu Refro, comOdete Lara e MPB-4, proibida aps seis meses em cartaz, por conter frasesconsideradas ofensivas ao patrono da marinha. Era o comeo de um longo namoro entrea censura e a obra de Chico Buarque.Exilado na Itlia, de 1969 a 1970, Chico Buarque sofreria com a perseguio da censuraaps o retorno ao Brasil. Em 1970, recm chegado do exlio, o compositor enviou amsica Apesar de Voc para a aprovao da censura, tendo a certeza que a msica

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    seria vetada. Inesperadamente a cano foi aprovada, sendo gravada imediatamente emcompacto, tornando-se um sucesso instantneo. J se tinha vendido mais de 100 milcpias, quando um jornal comentou que a msica referia-se ao presidente Mdici.Revelado o ardil, o exrcito brasileiro invadiu a fbrica da Philips, apreendendo todosos discos, destruindo-os. Na confuso, esqueceram de destruir a matriz.Em 1973 Chico Buarque sofreria todas as censuras possveis. A pea Calabar, ou o

    Elogio Traio, escrita em parceria com Ruy Guerra, foi vetada pela censura. As

    conseqncias da proibio viriam noseu lbum, Calabar , tambm daquele ano. A capa do disco trazia a palavra Calabar

    pichada num muro. Os censores concluram que aquela palavra pichada tinha umsignificado subversivo, o que resultou na proibio da capa. A resposta de ChicoBuarque foi lanar o lbum com uma capa totalmente branca e sem ttulo. O disco traziao registro das canes da pea vetada, por isto teve vrias msicas (todas elas em

    parceria com Ruy Guerra) que amargaram nas malhas da censura. Vence na Vida

    Quem Diz Sim

    teve a letra totalmente censurada, sendo gravada no disco uma versoinstrumental; Ana de Amsterdam teve vrios trechos censurados. No Existe Pecadoao Sul do Equador , que fazia parte deste disco, alcanaria grande sucesso quandogravada por Ney Matogrosso, em 1978, quando foi escolhida como tema de abertura danovela da tev Globo Pecado Rasgado , na verso original da msica o verso Vamos

    fazer um pecado safado debaixo do meu cobertor, foi substitudo por Vamos fazer umpecado rasgado, suado, a todo vapor. Fado Tropical teve proibido parte de um textodeclamado por Ruy Guerra, alm da frase alm da sfilis, claro, herana portuguesa,

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    segundo a personagem Mathias, nosangue brasileiro. Brbara, um dueto entre as personagens Ana de Amsterdam e

    Brbara, teve cortada a palavra duas

    , por sugerir um relacionamento homossexualentre elas. Tanto Ana de Amsterdam quanto Brbara, j tinham sofrido os mesmoscortes no lbum Caetano e Chico Juntos Ao Vivo, ali substitudos por palmas. Aindano registro do encontro de Chico Buarque e Caetano Veloso, alm da censura s duascanes citadas, Partido Alto (Chico Buarque), interpretada por Caetano Veloso,sofreu alteraes na letra, sendo substitudas as palavras brasileiro por batuqueiro epouca titica por pobre coisica.Diante de tantas mutilaes da censura, o lbum Calabar , com capa branca, de ChicoBuarque, foi um fracasso de vendas. Aps o fracasso comercial , a Philips decidiurecolher o disco com capa branca, relanando-o semanas depois, com uma nova capa,trazendo apenas com uma fotografia do artista, de perfil, com o ttulo Chico Canta.

    Naquele ano de 1973, a msica Clice (Chico Buarque Gilberto Gil), foi proibida

    de ser gravada e cantada. Gilberto Gil desafiou a censura e cantou a msica em umshow para os estudantes, na Politcnica, em homenagem ao estudante de geologia daUSP Alexandre Vanucchi Leme (o Minhoca), morto pela ditadura. Ainda naquele ano,no evento Phono 73, festival promovido pela Polygram, Chico Buarque e Gilberto Giltiveram os microfones desligados quando iriam cantar Clice, por deciso da prpria

    produo do show, que no quis criar problemas com a ditadura.Em 1974 a censura no d trguas ao artista. Impedido de gravar a si mesmo, ChicoBuarque lana um disco, Sinal Fechado (1974), com composies de outros autores.Diante de tantas canes vetadas, a sofrer uma perseguio acirrada, Chico Buarque criaos pseudnimos de Julinho da Adelaide e Leonel Paiva. sob o heternimo do Julinhoda Adelaide que a censura deixa passar canes de crticas inteligentes ditadura, lidasnas entrelinhas: Jorge Maravilha , que trazia o verso Voc no gosta de mim mas sua

    filha gosta, que era lida como uma referncia ao ento presidente Geisel, cuja filha

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    Amlia Lucy, teria dito em entrevista, que admirava ascanes do Chico Buarque. Acorda Amor , outra cano liberada do Julinho daAdelaide, era uma referncia clara aos rgos da represso, que vinham buscar cidadossuspeitos de subversivos em suas casas, levando-os em uma viatura, desaparecendo comeles. Diante da polcia repressiva, ele chamava pelo ladro. Milagre Brasileirotambm levou a assinatura de Julinho da Adelaide.Outro clssico da MPB que sofreu uma censura moralista foi Atrs da Porta (ChicoBuarque Francis Hime), o verso original E me agarrei nos teus cabelos, nos teus

    plos, seria substitudo por E me agarrei nos teus cabelos, no teu peito, a censuraachava a palavra plos de carter indecente.Outra cano vetada de Chico Buarque foi Tanto Mar , uma homenagem do artista Revoluo dos Cravos em Portugal. Por ter sido uma revoluo considerada socialista, acano foi proibida. Seria gravada no lbum Chico Buarque & Maria Bethnia AoVivo (1975), numa verso instrumental. Mais tarde, em 1978, seria liberada com umaoutra letra. Curiosamente, a verso original, sem cortes e cantada de Tanto Mar ,consta no mesmo lbum Chico Buarque & Maria Bethnia Ao Vivo lanado emPortugal.Quando o AI-5 foi extinto, em 1978, Chico Buarque vingou-se dos anos de censura,gravou Clice, regravou Apesar de Voc, alm de criar msicas provocantes, queafrontavam moral da poca, como Folhetim, que descrevia uma prostituta, ou Genie o Zepelim e No Sonho Mais, temas de dois travestis, Genivaldo da pea A perado Malandro e Elona, do filme A Repblica dos Assassinos, respectivamente.

    1973, o Ano Negro da Censura s Msicas da MPB

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    Chico Buarque no teria sido o nico cantor da MPB a sofrer mutilaes na sua obra

    naquele opressivo ano de1973. O endurecimento deve-se volta das manifestaes estudantis, nos ltimos anos

    bruscamente combalidas, resultado das perseguies aos lderes do movimento, que

    estavam em sua maioria presos, exilados ou desaparecidos. Outro disco mutilado pelacensura naquele ano foi Milagre dos Peixes, de Milton Nascimento, lanado em LP ecompacto simples. Do lbum seriam vetadas as canes: Hoje Dia dEl Rey (MrcioBorges Milton Nascimento), Os Escravos de J (Milton Nascimento FernandoBrant) e Cad (Milton Nascimento Ruy Guerra). Uma das faixas proibidas teria a

    participao de Dorival Caymmi, com a sua excluso, no aconteceu esta participao.Dilogo Entre Pai e Filho teve uma nica frase que no foi proibida: Meu filho.Diante da censura, Milton Nascimento gravou apenas as melodias das canes vetadas.Foi no tumultuado ano de 1973, que a banda Secos & Molhados explodiu, conquistandoo pas inteiro. O pblico dos Secos & Molhados, devido proposta inovadora e ao seucarisma, era composto por todas as idades, inclusive por crianas e por adolescentes. Ostrs integrantes da banda eram Ney Matogrosso, Gerson Conrad e Joo Ricardo, que se

    apresentavam com os rostos pintados. Ney Matogrosso alm de trazer a cara pintada,tinha uma voz de timbre totalmente diferente da de um homem cantor, um aspectoandrgeno e apresentava-se entre plumas, sem camisa. Os plos do peito do cantor e os

    seus frenticos rebolados, incomodaram censura, moral e aos seus bons costumes vigentes, que proibiu que as cmeras da televiso

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    focassem o cantor de perto, sendo permitido apenas aparecer o rosto em close. Assimapareceriam os Secos & Molhados em um clipe do recm estreado Fantstico,

    programa da Rede Globo.Alm da capa de Calabar , tambm em 1973, Gal Costa teve censurada a capa dodisco ndia, por trazer um close frontal da cantora vestida de uma tanga minscula, ena contra-capa fotografias da mesma de seios nus, vestida de ndia. A gravadora Philips

    comercializou o lbum coberto por um envelope opaco, de plstico azul. Do mesmolbum, a msica Presente Cotidiano, de Luiz Melodia, foi proibida de tocar em rdiose locais pblicos. Em 1984, j no fim da ditadura, psDiretas J, Gal Costa teria outracano proibida pela censura de ser tocada em pblico: Vaca Profana (CaetanoVeloso), do lbum Profana.Ainda naquele tenso 1973, uma reportagem da revista Veja, dava conhecimento de queo lbum de Gonzaguinha, Luiz Gonzaga JR. (1973), era resultado do corte feito pelacensura de 15 msicas.Ainda em 1973, Raul Seixas teria 18 composies vetadas pela censura. Luiz Melodia,alm de ter Presente Cotidiano proibida de ser executada nas rdios, teve vrias

    palavras excludas ou alteradas das canes do seu disco de estria, e vrias msicasvetadas na ntegra.

    Linguagem Potica e Coloquial Sofrem Censuras

    Na ignorncia cega dacensura, sem uma lgica que a sustentasse, at o poeta Mrio de Andrade foi vetado. Ofato inusitado aconteceu em 1970, quando a gravadora Festa decidiu homenagear os 25anos da morte do poeta, preparando um disco com alguns dos seus mais conhecidos

    poemas. Aps ser submetido censura, o projeto teve seis poemas proibidos, entre elesOde ao Burgus e Lira Paulistana . Os vetos foram justificados pelos censorescomo estticos, falta de gosto. O que se conclua era que, os censores jamais tinhamouvido falar em Mrio de Andrade, confundindo-o com um autor vulgar do Brasil dapoca.Outro exemplo eloqente da ignorncia e do despreparo dos censores, foi com ocompositor e cantor Adoniran Barbosa. Conhecido como o mais paulistano dos

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    compositores, Adoniran Barbosa usava em suas canes o jeito coloquial de falar dospaulistanos. No querendo problemas com a censura, em 1973 o artista decidiu lanarum lbum com vrias canes j gravadas na dcada de cinqenta. Inesperadamente,cinco das suas canes foram vetadas, mesmo no sendo inditas. Diante da linguagemcoloquial de Samba do Arnesto (Adoniran Barbosa Alocin), que trazia nos seusversos O Arnesto nos convidou prum samba/ Ele mora no Brs/ Mis fumo/ Num

    encontremo ningum/ Fiquemo cuma baita duma riva/ Da outra veiz nis num vaimais (Nis num semo tatu), o censor s liberaria a msica se ele regravasse cantandoassim: Ficamos com um baita de uma raiva/ Em outra vez ns no vamos mais (Nsno somos tatus). Na letra da msica Tiro ao lvaro (Adoniran Barbosa OswaldoMoles), a censora faz um crculo nas palavras tauba, revorve e artormove ,concluindo que a falta de gosto impede a liberao da letra. Para que pudessem seraprovadas, Samba do Arnesto e Tiro ao lvaro, teriam que virar Samba do

    Ernesto e Tiro ao Alvo. Tiveram o mesmo destino J Fui uma Brasa (AdoniranBarbosa Marcos Csar), Eu tambm um dia fui uma brasa. E acendi muita lenha no

    fogo e O Casamento do Moacir (Adoniran Barbosa Oswaldo Moles), A turmada favela convidaram-nos para irmos assistir o casamento da Gabriela com o Moacir.O Casamento do Moacir foi considerada de pssimo gosto pela censora Eugnia

    Costa Rodrigues. Diante da censura, Adoniran Barbosa no mudou a sua obra, deixoupara gravar as msicas mais tarde, quando a burrice j tivesse passado.Outro poeta que teve problemas com a censura foi Vincius de Moraes. Sua msicaPaiol de Plvora (Vincius de Moraes Toquinho), feita para a trilha sonora de O

    Bem-Amado, foi proibida de ser o tema de abertura da novela, em 1973, por causa doverso estamos sentados em um paiol de plvora, sendo substituda na abertura pelamsica O Bem Amado (Vincius de Moraes Toquinho), interpretada pelo coral daOrquestra Som Livre. Tambm a belssima cano Valsa do Bordel (Vincius deMoraes Toquinho), sobre a vida de uma velha prostituta, esteve proibida por dez anos.Vincius cantava esta msica em shows, ironicamente chamando-a de A Valsa da

    Pura, por causa da censura.Paulinho da Viola, em 1971, teve no seu lbum Paulinho da Viola, duas canes

    proibidas: Chico Brito (Wilson Batista Afonso Teixeira), msica composta em1949, e Um Barato, Meu Sapato (Paulinho da Viola Milton Nascimento), ambasvetadas sob a alegao de que evidenciavam o clima marginal do samba.

    Outros Tantos Vetos

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    Vale registrar, ainda, que em 1972, Jards Macal teria que reescrever sete vezes a letra

    de Revendo Amigos (Jards Macal

    Waly Sailormoon), do lbum Movimento dos Barcos

    .Srgio Bittencourt, jornalista e compositor, filho de Jacob do Bandolim, em 1970, teve asua msica Acorda, Alice, proibida pela censura da ditadura militar por causa doverso Acorda, Alice/ Que o pas das maravilhas acabou. Esta cano seria gravada

    por Waleska j na poca da abertura poltica.Rita Lee teve as msicas Moleque Sacana (Rita Lee e Mu) e Gente Fina (Rita Lee)censuradas, a primeira por causa da palavra sacana, considerada obscena, a segunda

    porque poderia ferir os bons costumes da poca.Carlos Lyra sentiu o gosto da censura com a sua msica Heri do Medo, proibida porcausa dos versos odeio a me por ter parido e o passatempo estril dos covardes.Carlos Lyra no alterou o contedo da letra, preferiu sair do pas.Belchior, que durante muito tempo foi considerado autor marginal, teve a msica Os

    Doze Pares de Frana

    (Belchior Toquinho) censurada, porque para os censores, osautores vangloriavam a Frana, fazendo dele um pas melhor para se viver do que oBrasil. Tambm a cano Pequeno Mapa do Tempo (Belchior), de 1977, uma crticaimplcita ao regime, por causa dos versos eu tenho medo e medo est por fora e eutenho medo em que chegue a hora, em que eu precise entrar no avio, uma aluso aoexlio, os censores concluram que a msica trazia mensagem de protesto poltico.Ao contrrio do que se pensa, o cantor e compositor Luiz Ayro foi um dos artistas

    brasileiros que mais contestou a ditadura militar. A sua msica Quem Eu Devo QueDeve Morrer , tem como tema uma dvida pessoal que s ser paga se Deus quiser.Tambm a dvida externa brasileira encontrava-se nessas condies. Luiz

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    Ayro faz um samba provocativo. Dianteda afirmao do verso quem eu devo que deve morrer, a cano vetada, sendo a

    proibio justificada pela censura porque a letra era um incentivo ao homicdio, comuma mensagem de carter negativo.Sueli Costa deu a cano Cordilheira (Sueli Costa Paulo Csar Pinheiro) paraErasmo Carlos gravar. Feito o registro, a cano jamais saiu, sendo proibida. Os autoreschegaram a ir a Braslia em busca de uma explicao para o veto. Encontram o silnciodos censores, sem nenhuma justificativa. Mas os versos falavam por si: Eu quero ver a

    procisso dos suicidas, caminhando para a morte pelo bem de nossas vidas.Cordilheira uma das mais belas canes de teor contestatrio j feita no Brasil.Quando liberada, seria gravada por Simone, em 1979, no lbum Pedaos. O registrode Erasmo Carlos s saiu em uma caixa de cds comemorativos carreira do cantor.Outra cano censurada de Sueli Costa foi Altos e Baixos (Sueli Costa Aldir Blanc),que cantava de forma densa uma cena de agresso entre um casal, que trazia umcasamento desgastado. A msica falava de usque,Dietil,Diempax, e foi justamente porter citado o nome do ansiolticoDiempax, que a cano foi censurada. Elis Reginaconseguiria a liberao da msica, gravando-a no seu lbum Essa Mulher (1979).

    O Brega ou Popularesco, Nada Escapa Censura

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    Como j se pde observar , a censura da ditadura militar no obedecia a nenhum

    critrio. Qualquerameaa no s ao regime por ela imposto ao pas, como sociedade conservadora que aajudou a ascender ao poder e nele continuar por mais de duas dcadas. Vestido de umamoral hipcrita, o regime militar barrava qualquer obra que suspeitasse ofender moral,ou que se mostrasse obscena a essa moral. Em um mesmo contesto, tanto ChicoBuarque, quanto Odair Jos, um cantor e compositor de sucessos popularescos, semvnculos com qualquer militncia poltica, ou mesmo o genial e popular GenivalLacerda, sofriam os reveses da censura. Tanto Mar (Chico Buarque), Pare de Tomara Plula (Odair Jos) e Severina Xique Xique, apesar de canes antagnicas, devertentes diversas dentro da msica brasileira, oscilando entre a cano poltica e aconsiderada brega ou pimba, eram consideradas pela censura um perigo latente aoregime e moral que se construa naquela poca. Em 1975, j Genival Lacerda tinhatransformado a sua msica

    Severina Xique Xique (Genival Lacerda Joo Gonalves)

    em um grande sucesso de pblico no nordeste brasileiro, quando foi vtima dopreconceito das famlias do Cear, que acusavam a palavra boutique de ter duplosentido, ofendendo os bons costumes do lugar. Diante do protesto, o departamentoregional da polcia federal do Cear encaminhou a letra Diviso de Censura deBraslia. Surpreendentemente, o tcnico de censura de Braslia, mantm a liberao damsica e afirma que a cano um veculo de integrao da nacionalidade. Este fato

    prova que a censura no vinha s do regime militar, mas da sociedade que apoiava esteregime, e que muitas vezes, era mais repressiva e conservadora do que ele.Dentro do popularesco da cano brasileira, Odair Jos foi um dos compositores quemais sofreu com a censura. O Motel (Odair Jos), teve s pelo seu

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    ttulo, o veto da censura. Revelar a

    intimidade de um casal naqueles preconceituosos anos setenta era inconcebvel para acensura militar. Outra msica de Odair Jos vetada pela censura foi A Primeira Noite,considerada inconveniente para ser consumida pelo pblico jovem e adolescente dapoca. O autor mudou o ttulo da cano para Noite de Desejos, conseguindo liber-lae grav-la. A mais polmica msica de Odair Jos foi Pare de Tomar a Plula, ondeele pedia para a namorada deixar de usar anticoncepcionais para que pudesse engravid-la. Vista tica do tempo, a cano chega a ser ingnua, de uma simplicidade quasegrotesca, absolutamente inofensiva para um pblico atual, mas aviltante para as velhassenhoras que em 1964, saram s ruas de rosrios nas mos, saudando, em nome dafamlia brasileira, os golpistas militares.Dentro da corrente popularesca, a censura no poupou nem mesmo a dupla Dom eRavel, que em 1970, tornara-se a menina dos olhos da represso, com uma msica que

    exaltava a nao, tornando-se o hino da ditadura: Eu Te Amo, Meu Brasil. O motivoque levou o regime a interrogar Dom e Ravel, foi quando eles apresentaram, em 1972, a

    cano A rvore, os censores desconfiaram do trecho venha, vamos penetrar . Almde imaginar que o tema que falava de rvores, seria supostamente sobre a canabilis(planta da maconha). A msica foi proibida, apesar de ter uma gravao da banda OsIncrveis, nunca foi lanada. A esta altura, a incoerncia da censura j dava passagem

    para uma certa esquizofrenia social e poltica, sem ideologia ou razo.Dentro de um processo repressivo, todos os argumentos tornam-se incoerentes, a razo substituda pela fora bruta. A censura no constri uma lgica, muitas vezes ela

    percorre movida pelas decises pessoais dos censores. Para manter as necessidades deuma ditadura, a censura fazia parte da arma de propaganda do estado repressivo, podavaa liberdade de expresso, principalmente as que feriam os princpios que justificam um

    governo ilegtimo, emanado da fora, da opresso e da traio aos princpios dademocracia.

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    Vitinho

    Linguagem Potica e Coloquial Sofrem Censura

    Em 1970, quando uma gravadora decidiu homenagear os 25 anos da morte do poetaMrio de Andrade, preparando um disco com alguns dos seus mais conhecidos poemas, aps

    ser submetido censura, o projeto teve 6 poemas proibidos.

    Os vetos foram justificados pelos censores como estticos, pois nao tinham ouvido

    falar nunca em Mario de Andrade.

    Adoniran Barbosa usava em suas canes o jeito coloquial de falar dos paulistanos,

    diante desta linguagem Samba do Arnesto, que trazia os versos O Arnesto nos convidou

    prum samba / Ele mora no Brs / Nis fumo / Num encontremo ningum / Fiquemo cuma

    baita duma reiva / Da otra veiz nos nao vai mais (Ns no somos tatus) a censura s aprovaria

    a msica se estivesse na linguagem formal.

    Outro poeta que teve problemas com a censura foi Vincius de Moraes, sua musica

    Paiol de plvora foi proibida por causa do verso estamos sentados em um paiol de plvora

    Paulinho da Viola em 1971, teve em seu lbum Paulinho da Viola duas msicas

    censuradas Chico Britoe Um Barato, Meu Sapato, ambas vetadas sob alegao de que

    evidenciavam o clima marginal do samba.

    Isso pode ir na folha que vai colar no painel porque nao tem o que falar

    O brega ou Popularesco, Nada Escapa censura

    A censura na ditaduda militar no obedecia a nenhum critrio, qualquer ameaa no

    s ao regime por ela imposto ao pas , como a sociedade conservadora que a ajudou a

    ascender o poder e nele continuar por mais de duas dcadas, o regime militar barrava

    qualquer obra que suspeitasse ofender a moral ou que se mostrasse obscena a essa moral.

    Dentro do popularesco da cano brasileira Odair Jos foi um dos compositores que

    mais sofreu com a censura. O Motel, teve s pelo ttulo o veto da censura, revelar a

    intimidade de um casal naqueles preconceituosos anos setenta, era inconcebvel para ...

    pudesse engravida-la

    Esses tres pontos , e porque eu nao vo fica escreveno uma coisa que e so deixar, e que vc

    tem oihoih

  • 7/23/2019 A MSICA BRASILEIRA E A CENSURA DA DITADURA

    16/16

    Dentro da corrente popularesca, a censura nao poupou nem mesmo a dupla Dom e

    Ravel, que em 1970, tornara-se a menina dos olhos da epressao, com uma musica que exaltava

    a naao, tornando-se hino da ditadura: Eu te amo meu Brasil. O motivo que levou o regime a

    interrogar Dom e Ravel, foi quando eles apresentaram a canao A rvore, os censores

    desconfiaram do trecho venha, vamos enetrar. Alem de imaginar que o tema seria

    supostamente sobro canabilis (maconha), portanto musica foi proibida

    Joo

    Em 1968, plena ditadura militar, a msica brasileira comea a ser revolucionada. Acontece o

    Festival Internacional da Cano, onde Geraldo Vandr grande dolo da poca ditatorial

    no conquista o 1 lugar, mesmo sendo contra a vontade do pblico, que aplaudiu irritado a

    vitria de Chico Buarque e Tom Jobim, com a msica Sabi e tambm gritaram bravamente e

    repetidamente marmelada!. Vandr, autor da msica Caminhando, que fala dos

    indecisos cordes que marcham nas ruas e acreditam nas flores vencendo os canhes,

    acredita que toda msica de protesto e talvez por ser to firme de suas convices cantou

    corajosamente essa msica de letra polmica, diante de 30.000 pessoas em tempo de grande

    represso. A msica foi censurada e converteu-se em um smbolo da resistncia contra a

    ditadura.

    Inimiga da misria e da injustia, a msica de protesto tem tambm os seus inimigos: o

    primeiro a realidade, que resiste aos seus ataques, e o segundo a publicidade que dissolve

    o protesto em modelos de roupa e transforma os artistas zangados em personalidades muito

    bem pagas.

    Todas as referncias antigas aos protestos na msica brasileira vo coincidir com o

    aparecimento de uma classe mdia urbana. Os muito pobres e os muito ricos no protestam:

    os primeiros por falta de conscincia, os outros por falta de motivos.