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A Musealização Como Prática de Preservação Da Memória
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MUSEITEC – Museologia, Tecnologia e Patrimônio Cultural, Vol. 1, Número 1, Dezembro 2012
Universidade Federal de Sergipe (UFS), Campus de Laranjeiras, Núcleo de Museologia
ISSN (Online): 2317-2231 https://sites.google.com/site/revistamuseitec/
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A musealização como prática de preservação da memória
Musealization like memory’s preservation practice
Lívia Borges Santana1
Resumo
O presente texto tem como objetivo apresentar uma reflexão acerca da importância da
prática de musealização para a salvaguarda da memória seja ela individual ou coletiva, a
partir de conceitos de estudiosos do campo do conhecimento da Museologia. Para ilustrar o
assunto apresentaremos os resultados obtidos por meio da reunião e exposição dos objetos
referentes a professora primária laranjeirense Zizinha Guimarães. Tal acervo nos permite
conhecer parte da história da educação em Sergipe e das práticas educativas no período
final do século XIX e início de XX.
Palavras-chave: Musealização, Salvaguarda, Educação em Sergipe.
Summary
This text aims present a reflection about the importance of the musealization’s practice to
memory’s protection, whether individual or collective, from concepts of scholars that study
Museology. The results obtained by combination and exposition of properties concerning
the professor Zizinha Guimarães will be present to instruct the theme. This patrimony
permit us to know a part of education’s history in Sergipe and the educative practices on
XIX century end to XX century begin.
Key words: Musealization, Protection, Education in Sergipe.
1 Lívia Borges Santana. Endereço: Rua Miguel Jurema, 43 – Centro – Laranjeiras/SE. Tel.: (79) 9124-7805 /
8112-4916. Email: [email protected]. É graduada em Museologia Bacharelado pela
Universidade Federal de Sergipe, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em História das Mulheres –
GEPHIM (UFS/CNPq) e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre História do Ensino Superior -
GREPHES (UFS/CNPq).
.
MUSEITEC – Museologia, Tecnologia e Patrimônio Cultural, Vol. 1, Número 1, Dezembro 2012
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ISSN (Online): 0000-0000 https://sites.google.com/site/revistamuseitec/
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PRELEÇÃO: MEMÓRIA E MUSEALIZAÇÃO
Ao pensarmos a memória podemos nos referir ao seu processo de formação à frente
das sociedades contemporâneas. Individual ou coletiva, a memória, a necessidade de
lembrar fatos ou pessoas, tem sido uma constante, o que exige das ciências sociais uma
frequente revisitação aos conceitos estabelecidos sobre o assunto e ao levantamento de
novas questões que buscam atender as necessidades sociais nesse sentido.
Ao lado da emergência da memória, tão importante como testemunho das
rotinas necessárias para a sobrevivência étnica de um grupo, verifica-se a
necessidade da memória coletiva continuar a se desenvolver no âmbito
social, político, histórico e tecnológico. (PINHEIRO, 2004: 92)
Na área do conhecimento da Museologia, segundo Mário Chagas2, são dois os
denominados movimentos de memória, o primeiro concerne ao passado e nesse é
cristalizado como lembrança impossibilitada de mudanças por encontrar-se num estado de
saturação, o segundo é dirigido para o presente.
Nos museus normalmente estão guardados os testemunhos materiais de
determinados períodos históricos. No entanto, a estes testemunhos
materiais (alguns com valor de mercado) associam-se valores simbólicos
e espirituais de diferentes matizes. Assim, o tesouro guardado nos museus
não está necessariamente relacionado a valores monetários. Esse tesouro
museológico, apenas aparentemente reside nas coisas, uma vez que as
coisas estão despidas de valor em si. O que está em jogo é a tentativa de
construção de uma tradição que possa vincular o presente ao passado (e
quem sabe, por uma vereda de memória insubmissa, o passado ao
presente?). Em outros termos: se o museu pode, por um lado, significar
que o tesouro foi perdido e ali está apenas o seu duplo, sem potência e
sem vida; por outro, pode também lembrar que o tesouro existiu, que ele
já esteve nas mãos dos vivos e que pode reaparecer abruptamente,
permitindo que o sentido da vida seja reapropriado. (CHAGAS, 2000)
No que se refere, propriamente, ao processo de musealização, os conceitos giram
em torno dessa ação enquanto parte do processo museológico3 de salvaguarda da memória,
a partir da coleta e disseminação do conhecimento científico produzido, acumulado,
organizado e por sua vez divulgado. Contudo, é uma ação de grandes riscos, visto que se
2 CHAGAS, 2000.
3 CURY, 2005.
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trata de uma seleção, e toda seleção demanda descartes e apropriações, cabendo ao
pesquisador essa responsabilidade.
Diante desses argumentos podemos perceber e afirmar a relevância existente nas
práticas de preservação da memória, dentre elas a musealização, que por ser uma seleção
de objetos por valorização para uma institucionalização, transformam-se em veículos de
conhecimento e comunicação (CURY, 2005).
APONTAMENTOS ACERCA DE UMA EXPERIÊNCIA: A MUSEALIZAÇÃO DOS
OBJETOS SOBRE ZIZINHA GUIMARÃES (1872-1964) - LARANJEIRAS/SE
A exposição não tem importância por si só, mas sim pela interação entre
o museu (o autor), a exposição propriamente e o público.
Cury, 2005
A exposição enquanto espaço de interação, com conteúdo e forma4, é ambiente
propício a exteriorização do conhecimento acumulado e selecionado, a fim de sensibilizar
e levar a reflexão do público sobre um determinado assunto. Segundo Cury,
A exposição é o local de encontro e relacionamento entre o que o
museu quer apresentar e como deve apresentar visando um
comportamento ativo do público e à sua síntese subjetiva. Essa idéia relativiza o ponto de vista da exposição como meio e como
transmissora de mensagens, entendendo a exposição como espaço de
construção de valores. (CURY, 2005: 42)
O caminho percorrido pelo pesquisador até a montagem de uma exposição deve ser
consciente do poder de perpetuação das informações nela contida por meio do seu acervo.
Sendo assim, a documentação museológica5 é uma forma de garantir a qualificação dos
objetos musealizados enquanto documentos. Maria Inez Cândido nos diz que os objetos
museológicos têm na conservação e na documentação as bases para a sua transformação
em fontes de pesquisa científica e de comunicação, e estas, por sua vez, produzem e
disseminam novas informações, sendo portadores de significado e suportes na
intermediação entre o indivíduo e o acervo preservado. (CÂNDIDO, 2006).
Para ilustrar o assunto, apresentamos os resultados obtidos por meio da reunião e
exposição de objetos referentes a professora primária laranjeirense Zizinha Guimarães. Tal
4 CURY, 2005
5 CANDIDO, 2006; FERREZ, 1994.
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acervo nos permite conhecer parte da história da educação em Sergipe e das práticas
educativas no período final do século XIX e início de XX.
Eufrozina Amélia Guimarães – Zizinha Guimarães6, memorável professora da
cidade de Laranjeiras foi, sem dúvida, uma das mais destacadas da história da educação em
Sergipe, ganhou notoriedade em virtude de seus feitos no cenário educacional e social da
cidade. Socialmente comprometida, artista, mestra atenta e dedicada, a professora Zizinha
conseguiu transpor muitas dificuldades de sua época, como o fato de pertencer a uma
família não abastada e ser negra. Ainda assim atuou decisivamente no campo educacional
de sua cidade encantando a todos com seus talentos e habilidades singulares.
Zizinha Guimarães estudou no Colégio Inglês, instituição dedicada à educação
feminina que teve suas atividades letivas iniciadas no ano de 1887, na cidade de
Laranjeiras, onde foi aluna da professora Anne Carol, fundadora e diretora do colégio.
Dentre as atividades desenvolvidas na instituição, destaca-se o estudo de disciplinas
curriculares do ensino básico além de noções de piano, culinária, trabalhos manuais e
pintura.7
Entretanto, Zizinha Guimarães é uma figura da história de Laranjeiras cuja
memória está fragmentada. Os objetos que contam parte de sua trajetória pessoal e
profissional estão dispersos em variados tipos de acervos.
Contudo, no período de 20 de setembro a 20 de outubro de 2011, no Museu Arte
Sacra de Laranjeiras8, esteve aberta a visitação pública a exposição Fragmentos de uma
vida: objetos memoráveis de Zizinha Guimarães, dentro da programação alusiva a 5ª
Primavera dos Museus9 que teve como tema Mulheres, Museus e Memórias. A exposição
compôs a programação proposta pela Coordenadoria dos Museus do Estado de Sergipe –
SECULT/SE.
A mostra foi a concretização da proposta de musealização, com pesquisa iniciada
em meados de 2009, apresentada e defendida na monografia intitulada Em busca de
6 A professora Zizinha Guimarães nasceu em 26 de dezembro do ano de 1872, segundo informações do livro
de batismo da Igreja Sagrado Coração de Jesus em Laranjeiras, e faleceu em 1º de dezembro de 1964, em
sua residência, na cidade de Laranjeiras. 7 FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno de; VILAS-BOAS, Ester Fraga; NASCIMENTO, Jorge Carvalho
do. Pernambuco, Sergipe, São Paulo: Os caminhos do Colégio Inglês na educação feminina. (Artigo
Cientifico). Horizonte, Bragança Paulista, v.20, p.1-8, jan./dez, 2002. 8 O Museu Arte Sacra de Laranjeiras fica localizado à Praça Heráclito Diniz Gonçalves, s/n, Centro,
Laranjeiras/SE 9 A Primavera dos Museus é um evento de nível nacional coordenada pelo Instituto Brasileiro de Museus –
IBRAM, e realizada pelas instituições museológicas. O evento acontece anualmente no início da primavera
com o objetivo de sensibilizar as instituições museais e a comunidade para o debate sobre temas da
atualidade . Fonte: www.museus.gov.br.
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Zizinha: vestígios para a musealização da memória sobre Eufrozina Amélia Guimarães
(1872-1964)10
.
Na programação de abertura, além dos objetos, documentos da vida profissional e
pessoal da professora, contamos com o lançamento do cordel Lembrando o passado de
Zizinha, do cordelista sergipano Zezé de Boquim, na ocasião, autografou a publicação para
os visitantes. Além disso, foi realizada uma atividade educativa com os alunos do Colégio
Estadual Zizinha Guimarães (Laranjeiras/SE) sob a orientação das estagiárias do Museu
Arte Sacra de Laranjeiras - MASL.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A musealização, enquanto mecanismo de preservação e salvaguarda da memória,
constitui-se como uma prática dotada de significação relevante às praticas museológicas. O
valor simbólico atribuído a objetos musealizados concerne a estes o valor de documento, o
que permite a sua revisitação para fazer lembrar alguém ou algo.
Os objetos que rememoram os feitos da professora Zizinha Guimarães podem ser
considerados documentos, testemunhos de sua vida e contribuição para a Educação em
Sergipe. Sendo assim, julgamos necessária uma maior utilização desse recurso, a
musealização, para a salvaguarda da memória social.
10
SANTANA, Lívia Borges. Em busca de Zizinha: vestígios para a musealização da memória sobre
Eufrozina Amélia Guimarães (1872-1964). Universidade Federal de Sergipe – CampusLar, 2011. (Trabalho
de Conclusão de Curso – Graduação em Museologia Bacharelado)
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