A Muralha Está de Pé - Revista de História

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$ PXUDOKD HVWi GH Sp 5HYLVWD GH +LVWyULD KWWSZZZUHYLVWDGHKLVWRULDFRPEUVHFDRFDSDDPXUDOKDHVWDGHSH A muralha está de pé Reformas não derrubaram o comunismo na China, e seus líderes mantêm o regime com uso maciço de propaganda Shu Changsheng 1/11/2015 Um selo chinês da década de 1950 mostra o aperto de mãos entre Stalin e Mao: as relações entre os dois grandes países comunistas ainda eram boas. (Imagem: Reprodução) Tudo indicava que o comunismo na China estava fadado ao fracasso quando se encerrou a chamada Longa Marcha, em 1935. Não passou de uma grande fuga: as tropas do Partido Comunista conseguiram escapar dos cercos de extermínio do governo nacionalista. Dois anos depois, o vento da sorte começou a soprar a favor do partido comandado por Mao Tsé‐Tung, graças aos japoneses: eles lançaram a guerra de invasão total da China e derrotaram as forças do governo de Chiang Kai‐shek, permitindo aos comunistas ocupar os territórios deixados para trás. Amenizando o radicalismo da fase anterior, Mao atraiu grande número de adeptos com as bandeiras da “salvação nacional” e da “frente única contra o Japão”. Durante a Guerra de Resistência antijaponesa (1937‐1945), os comunistas expandiram suas influências e passaram a controlar grandes áreas rurais no norte e noroeste da China. Quando os invasores se renderam, Mao já contava com forças militares, políticas e econômicas suficientes para desafiar o governo. Foram três anos de guerras civis sangrentas, até que, em outubro de 1949, o líder comunista proclamou a fundação da República Popular da China. Ao longo da década de 1950, o país adotou o modelo soviético de desenvolvimento da indústria pesada, deixando para segundo plano a indústria dos bens de consumo. Impaciente com o planejamento econômico e desejoso de encurtar a fase da edificação socialista, Mao lançou o “Grande Salto para Frente” (1958‐1960), fantasiando promover a transformação imediata da China de um país agrícola e atrasado em uma nação industrializada e moderna. O fracasso do Grande Salto teve como consequência a fome e a morte de milhões de camponeses. Em resposta, Mao renunciou ao comando da economia em 1962, concentrando‐se somente nos assuntos partidários. O líder comunista estava insatisfeito com o conservadorismo dos quadros do Partido e preocupado com o chamado “revisionismo”, não só internamente, mas também no campo socialista internacional. Decidiu então lançar uma cruzada ideológica contra a linha soviética, desenvolvendo a tese soviética da “revolução contínua sob a ditadura do proletariado” e rechaçando a proposta de “coexistência pacífica entre o comunismo e

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Dossiê Comunismo, RHBN, Novembro 2015

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A muralha está de péReformas não derrubaram o comunismo na China, e seus líderes mantêm oregime com uso maciço de propaganda

Shu Changsheng

1/11/2015  

Um selo chinês da década de 1950 mostra o apertode mãos entre Stalin e Mao: as relações entre osdois grandes países comunistas ainda eram boas.(Imagem: Reprodução)

Tudo indicava que o comunismo na Chinaestava fadado ao fracasso quando seencerrou a chamada Longa Marcha, em1935. Não passou de uma grande fuga: astropas do Partido Comunista conseguiramescapar dos cercos de extermínio do governonacionalista. Dois anos depois, o vento dasorte começou a soprar a favor do partidocomandado por Mao Tsé‐Tung, graças aosjaponeses: eles lançaram a guerra de invasãototal da China e derrotaram as forças dogoverno de Chiang Kai‐shek, permitindo aoscomunistas ocupar os territórios deixadospara trás. Amenizando o radicalismo da faseanterior, Mao atraiu grande número deadeptos com as bandeiras da “salvaçãonacional” e da “frente única contra oJapão”.

Durante a Guerra de Resistência antijaponesa (1937‐1945), os comunistas expandiram suasinfluências e passaram a controlar grandes áreas rurais no norte e noroeste da China. Quando osinvasores se renderam, Mao já contava com forças militares, políticas e econômicas suficientespara desafiar o governo. Foram três anos de guerras civis sangrentas, até que, em outubro de1949, o líder comunista proclamou a fundação da República Popular da China.

Ao longo da década de 1950, o país adotou o modelo soviético de desenvolvimento da indústriapesada, deixando para segundo plano a indústria dos bens de consumo. Impaciente com oplanejamento econômico e desejoso de encurtar a fase da edificação socialista, Mao lançou o“Grande Salto para Frente” (1958‐1960), fantasiando promover a transformação imediata daChina de um país agrícola e atrasado em uma nação industrializada e moderna. O fracasso doGrande Salto teve como consequência a fome e a morte de milhões de camponeses.  Emresposta, Mao renunciou ao comando da economia em 1962, concentrando‐se somente nosassuntos partidários.

O líder comunista estava insatisfeito com oconservadorismo dos quadros do Partido epreocupado com o chamado “revisionismo”,não só internamente, mas também no camposocialista internacional. Decidiu então lançaruma cruzada ideológica contra a linhasoviética, desenvolvendo a tese soviética da“revolução contínua sob a ditadura doproletariado” e rechaçando a proposta de“coexistência pacífica entre o comunismo e

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Na celebração do primeiro ano da instauração daRepública Popular na China (1950), Mao Tsé‐Tung éhomenageado de forma plebiscitária compasseatas. (Imagem: Reprodução)

capitalismo”. Em 1964, a China rompeu coma União Soviética e, em 1966, Mao deu inícioà Revolução Cultural, movimento queexaltava todos os aspectos do pensamento deMao, condensados em O Livro Vermelho,espécie de manual usado por milhões dejovens do país, alistados na Guarda Vermelhae organizados em comitês revolucionários,para atacar e perseguir funcionários,burocratas, intelectuais e instituições quemanifestassem tendências “aburguesadas”.Foram expurgados líderes conservadorescomo Liu Shaoqi e Deng Xiaoping, e milhõesde chineses foram perseguidos e mortos.  

Após sua morte em 1976, gradativamente, oradicalismo de Mao foi sendo substituído porum socialismo moderado. A partir de 1978,sob a égide de Deng Xiaoping, iniciaram‐se asreformas no sistema econômico. O Partidodesenvolveu um “socialismo de mercado” eretomou o processo das “quatromodernizações” – modernizações dos quatrosetores da economia: indústria, agricultura,ciências e tecnologias e defesa –interrompido por Mao durante a Revolução

Cultural. Em 1989, enfrentou uma chuva de críticas quando ordenou ao exército abrir fogocontra manifestantes civis no massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim. Ao incentivar oempreendedorismo dos chineses e aprofundar as reformas na China, Deng fez o país entrar emuma nova fase de crescimento acelerado. Ele renunciou a todos os cargos em 1990, mas ficouconhecido como o “arquiteto chefe” das reformas no país.

Depois de três décadas de crescimento e transformações, a China se posiciona diante do mundocomo uma grande potência. Alguns analistas afirmam que hoje o comunismo no país existeapenas no nome, o que é um equívoco. É verdade que há muito tempo a China vem diminuindo oplanejamento central, permitindo ao setor privado coexistir com empresas estatais. No entanto,apesar da liberalização da economia, o Partido Comunista tem tido o cuidado de continuar comas rédeas  da política, principalmente por meio do forte controle sobre os chamados “três P”:pessoal (que era o recrutamento dos quadros do Partido e dos funcionários públicos), propagandae PLA (People’s Liberation Army, o Exército Popular de Libertação).

O PLA é a força militar do partido, não do país. Ao contrário do Ocidente, onde frequentementese teme a potencial politização dos militares, na China a guarda constante é contra o fenômenooposto: a despolitização dos militares. Em 1989, um general sênior recusou‐se a marchar comseus soldados contra os manifestantes que se recusavam a deixar a Praça da Paz Celestial. Oepisódio ficou gravado na memória coletiva da classe dominante, afinal, foi a ação do exércitoque assegurou a manutenção do regime. Desde então, seus líderes trabalharam duro para manteros generais leais ao Partido.

É o partido que determina, através do Departamentode Organização, todas as nomeações de altosfuncionários em ministérios, empresas estatais,universidades e meios de comunicação. Rivaispolíticos são reprimidos, tribunais não têm

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Na imagem, símbolo da Revolução Cultural,jovens chineses agindo como guardasvermelhos da ideologia e do trabalho doPartido, contra revisionistas e“aburguesados”. (Imagem: Reprodução)

autonomia, as atividades religiosas e da sociedadecivil são restritas. Trabalhadores chineses aindaprecisam do aval de seus superiores para se casar(após fazerem um exame de saúde) e ter filhos(apenas um é permitido). Não é à toa que o sistemachinês foi descrito por muitos como “totalitário”.

A interferência na vida pessoal dos cidadãos já foimaior. Na década de 1990, desestruturou‐se umintrincado sistema de controle centrado em comitêsde bairro que, entre outros fins, mantinha vigilânciasobre a paz e a segurança entre os cidadãos comuns.Mas entre um passo e outro rumo à abertura,algumas medidas de controle permanecem – e até sefortaleceram. Depois do massacre de 1989, oPartido tem reforçado seu sistema de propaganda. Oregime adotou teorias e métodos ocidentais depersuasão de massa e implantou todos os meios depublicidade que pôde, especialmente em programastelevisivos por assinatura e nas redes sociais dainternet.

O Partido Comunista controla os meios de comunicação através do Departamento de Propaganda,que emite diretrizes diárias para todo tipo de mídia – inclusive e‐mails e mensagens de texto porcelular – monitorando e peneirando as notícias consideradas sensíveis. O poder do DepartamentoCentral de Propaganda vem aumentando enormemente nos últimos anos, em resposta àmodernização tecnológica, à pluralização social, à economia de mercado e à globalização. Longede ser um canal dos valores democráticos, a internet na China censura, ou pelo menos filtra,ideias ocidentais, impondo a voz do Partido. Cada localidade tem seu próprio web‐police treinadopara manter o filtro sobre os fluxos de informações. O Departamento de Propagandasupervisiona um sistema de pequenas recompensas em dinheiro para os internautas que postamcomentários pró‐governo. Os portais de internet chineses também sabem que seus negócioslucrativos dependem da capacidade de manter o conteúdo subversivo fora de seus sites.

Apesar desses esforços, o Partido Comunista vem perdendo sua influência sobre a populaçãodevido ao ceticismo público. É maior a gama de informações disponíveis aos chineses, e crescentea conscientização da população em geral. As pessoas estão menos dispostas a acreditar no quelhes é dito pelos meios de comunicação oficiais do Estado.

Escolhido para assumir o poder no XVIII Congresso do Partido, em 2012, Xi Jinping deve estar àfrente da China até 2022. Ele lançou combates à corrupção e iniciou a “quinta modernização”:instituir um governo informatizado, eficiente e transparente, e um sistema judicial semi‐independente. Os desafios do Partido Comunista Chinês são tão grandes quanto o próprio país,mas não se pode acusá‐lo de não tentar adaptar‐se aos novos tempos.

Shu Changsheng é professor de Literatura Moderna Chinesa na Universidade de São Paulo eautor do livro História da China Popular do Século XX (Editora FGV, 2012).

Saiba Mais

AARÃO REIS, Daniel. A Revolução Chinesa. Rio de Janeiro: Editora Brasiliense, 1981.AARÃO REIS, Daniel. A Construção do Socialismo na China. Rio de Janeiro: Editora Brasiliense,1981.CHENG, Joseph Y. S. (org.). China: a new stage of development for an emerging superpower.

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Hong Kong: City University of Hong Kong Press, 2012. p. 515‐538.  FAIRBANK, John K. & GOLDMAN, Merle. China: Uma Nova História. Porto Alegre: Editora L&PM,2006.SHAMBAUGH, David. 2007. “China's Propaganda System: Institutions, Processes and Efficacy”. The China Journal, n. 57, p. 25‐58, jan. 2007. University of Chicago Press/ College of Asia andthe Pacific/ Australian National University. Disponível em:http://www.jstor.org/stable/20066240.SPENCE, Jonathan. Em Busca da China Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.