A mulher no futebol brasileiro
Transcript of A mulher no futebol brasileiro
![Page 1: A mulher no futebol brasileiro](https://reader035.fdocumentos.tips/reader035/viewer/2022071700/5571f1b849795947648b951a/html5/thumbnails/1.jpg)
A mulher no futebol brasileiro: uma ampla visão
Discente do VI período do Curso de Educação Física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB (Brasil)
Ramon Missias Moreira [email protected]
Resumo A mulher, em geral, sempre sofreu preconceitos para praticar esportes e principalmente, no caso específico do futebol. Assim, o objetivo deste trabalho é desvelar e explicitar as discriminações e preconceitos associados à questão de gênero, a partir da prática do futebol feminino no Brasil. Mais especificamente, procurou-se compreender as razões para o início tardio da participação feminina no esporte no país, bem como analisar as interfaces e desdobramentos desta prática. Para atingir tais objetivos foram analisadas matérias de jornais e entrevistas concedidas pelas jogadoras de futebol feminino. Além disso, procedeu-se uma análise de artigos, teses e trabalhos de conclusão de curso realizados no Brasil, tendo como foco a temática do futebol feminino. A partir destas análises, pode-se depreender que o início do futebol feminino esteve atrelado a jogos realizados entre empregadas domésticas, boates homossexuais e jogos entre modelos, ainda na década de 70. Contudo, o futebol institucionalizado teve início em meados da década de 80, vinculado, sobretudo aos interesses comerciais de patrocinadores, em particular a mídia televisiva. Unitermos: Futebol feminino. Mídia. Gênero. História.
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 120 - Mayo de 2008
1 / 1
Introdução
O universo do futebol é caracterizado desde sua origem, como um espaço
eminentemente masculino. Segundo Fábio Franzini (2005), Como esse espaço não é
apenas esportivo, mas também sociocultural, os valores nele embutidos e dele
derivados estabelecem limites que, embora nem sempre tão claros, devem ser
observados para a perfeita manutenção da 'ordem', ou da 'lógica', que se atribui ao jogo
e que nele se espera ver confirmada. A entrada das mulheres em campo subverteria tal
ordem, e as reações daí decorrentes expressam muito bem as relações de gênero
presentes em cada sociedade: quanto mais machista, ou sexista, ela for, mais
exacerbadas as suas réplicas.
Por certo, são os preconceitos historicamente construídos pela e na nossa cultura,
alguns dos elementos que fazem com que essa questão, vez por outra, apareça na
atualidade. A virilidade virtuosa do esporte é freqüentemente ressaltada pela sentença
"futebol é coisa para macho" (ou, em uma versão pouco menos rude, "coisa para
homem"), bem como em tiradas reveladoras de vivo preconceito. O jornalista Sérgio
Cabral conta que, perguntado certa vez sobre o que achava do futebol feminino, o
comentarista esportivo e ex-técnico João Saldanha disse ser contra — e justificou, com
sua língua ferina: "Imagina, o cara tem um filho, aí o filho arranja uma namorada,
apresenta a namorada ao sogro e o sogro pergunta a ela: 'O que você faz, minha filha?'
E a mocinha responde: 'Sou zagueiro do Bangu'. Quer dizer, não pega bem, não é?".
![Page 2: A mulher no futebol brasileiro](https://reader035.fdocumentos.tips/reader035/viewer/2022071700/5571f1b849795947648b951a/html5/thumbnails/2.jpg)
Mesmo as mais recentes tentativas oficiais de incentivo ao futebol feminino no Brasil
escorregam no machismo característico de nossa cultura, pois condicionam seu
sucesso a "ações que enalteçam a beleza e a sensualidade da jogadora para atrair o
público masculino". Ou seja, calções minúsculos, maquiagem e longos cabelos, presos
em rabos-de-cavalo.
Frente a tais posturas e práticas, não se surpreende que as mulheres não sejam
vistas como mais um sujeito da história do futebol brasileiro, e que o futebol feminino,
em particular, seja um tema praticamente inexistente quando se fala sobre a trajetória
do chamado "esporte bretão" em nosso país.
Início do futebol feminino no Brasil e a influência da mídia
Sabemos que o primeiro jogo oficial de futebol feminino no mundo se deu em
Londres, em 1898, em um jogo emocionante entre Inglaterra e Escócia. Porém, no
nosso caso brasileiro, existem muitas controvérsias e versões. A Revista Veja (Flores
do Campo, 1996, p. 72-73) traz uma matéria afirmando que o futebol feminino teve seu
início marcado por jogos organizados por diferentes boates gays no final da década de
70. Ainda nesse tema de início do futebol feminino no país, o Jornal O Estado de SP
(1996, p.5) revela que o futebol feminino esteve relacionado a peladas de rua e a jogos
beneficentes. E por fim, segundo Clério Borges, a primeira partida de futebol feminino
foi realizada em 1921, em São Paulo, onde enfrentaram-se os times das senhoritas
catarinenses e tremembeenses. Contudo, em 1964, o Conselho Nacional de Desportos
- CND proibiu a prática do futebol feminino no Brasil.
A institucionalização do futebol feminino começou em meados da década de 80.
Salles et al. (1996) afirmam que no Rio de Janeiro constam informações que a primeira
liga de futebol feminino do Estado do Rio de Janeiro foi fundada em 1981, e que muitos
campeonatos que se seguiram eram patrocinados por diferentes empresas. Ainda
segundo o mesmo jornal (1996), foi a partir de 1980 que o futebol feminino começou a
se popularizar mundialmente. O time carioca Radar colecionou títulos nacionais e
internacionais. Em 1982, conquistou o Women's Cup of Spain, derrotando seleções da
Espanha, Portugal e França. A vitória estimulou o nascimento de novos times e, em
1987, a CBF já havia cadastrado 2 mil clubes e 40 mil jogadoras. No ano seguinte, o Rio
de Janeiro organizou o Campeonato Estadual e a primeira seleção nacional conquistou
o terceiro lugar no inédito Mundial da China. O ano de 1988 marcou também o início da
decadência do Radar e, com ele, do futebol feminino do Brasil.
A mulher no esporte em geral, é lembrada não por seu desempenho ou conquista,
mas pela sua beleza e sexualidade frente ao que a mídia retrata, "o jogo bonito de se
ver" não está relacionado ao jogo em si, nem ao aspecto estético das belas jogadas,
mas às pernas das jogadoras, às "sainhas e bermudas", enfim, associado a imagem
![Page 3: A mulher no futebol brasileiro](https://reader035.fdocumentos.tips/reader035/viewer/2022071700/5571f1b849795947648b951a/html5/thumbnails/3.jpg)
veiculada e vendida pela indústria cultural, determinando padrão de beleza feminina,
que confunde a estética do jogo com a estética do corpo ( BRUHNS, 2000).
Contribuindo com estas situações, a mídia esportiva pouco espaço confere ao futebol
feminino e quando o faz, geralmente, menciona não tanto os talentos esportivos das
atletas, árbitras ou treinadoras mas a sua imagem e o seu comportamento. Lembro-me
que no dia 11 de maio de 2005, o Jornal Bahia meio Dia falava sobre a auxiliar de
arbitragem Ana Paula de Oliveira cuja competência vem sendo destacada pelos pares.
Com uma matéria intitulada: Uma celebridade do apito. A matéria evidenciava os
atributos físicos da árbitra em campo. Onde num encontro do Esporte, realizado na
cidade de Porto Alegre, ela foi bastante assediada pelos participantes. Um dos
jornalistas relatava: “o fato é que, de um jeito ou e outro, todos queriam ver a
bandeirinha de perto sem trajes sociais. Nas mesas, os homens discutiam se ela ficava
melhor de cabelo preso e rabo-de-cavalo, como nos gramados, ou de madeixas soltas,
como ontem”.
A profissionalização no Brasil é acentuadamente difícil, visto que não há uma
entidade forte que organize o futebol feminino e também não há investimento público
nem privado (SUGIMOTO, 2003). Nos EUA, o futebol é visto como esporte feminino,
enquanto que em 1994 foi o vice-presidente quem entregou a Taça ao capitão da
seleção brasileira, Dunga, e em 1996 foi o próprio Bill Clinton quem entregou a Taça
pelo mesmo evento, porém feminino. O que não significa que a mulher é bem mais
reconhecida lá do que é aqui nos esportes, frente que a mesma não tem vez no futebol
americano e no beisebol, dois dos esportes mais difundidos nos EUA (SUGIMOTO,
2003).
Segundo Eriberto Lessa Moura, atualmente para as mulheres brasileiras sua
participação ultrapassa o entendimento de que as mesmas tenham apenas um papel de
relevância secundária, sendo coadjuvantes, como a mãe que lava os uniformes dos
meninos, a irmã que limpa as chuteiras, a namorada que prepara os canapés e serve as
bebidas, etc. Elas agora se afirmam tendo um papel sócio-esportivo no mesmo nível
dos homens brasileiros. Não igual, pois o direito à diferença articula um caminho para
uma convivência mais saudável entre os sexos e para a construção de um gênero
humano que se componha como uma unidade na diversidade.
Considerações finais
Enfim, em se tratando de um país como o Brasil, onde o futebol é discursivamente
incorporado à identidade nacional, torna-se necessário pensar, o quanto este ainda é,
para as mulheres, um espaço não apenas a conquistar, mas, sobretudo, a ressignificar
![Page 4: A mulher no futebol brasileiro](https://reader035.fdocumentos.tips/reader035/viewer/2022071700/5571f1b849795947648b951a/html5/thumbnails/4.jpg)
alguns dos sentidos que a ele estão incorporados de forma a afirmar que esse espaço é
também seu. Um espaço de sociabilidade e de exercício de liberdades.
O fruto que conhecemos desse processo de novas conquistas e descobertas é a
criação da versão feminina da Copa do Mundo, que demonstra a organização e
institucionalização da modalidade. Os países onde mais se nota o crescimento da
versão feminina são China e Estados Unidos. Já no Brasil, país cinco vezes campeão
mundial e referência em termos futebolísticos, a mulher ainda busca afirmação dentro
das quatro linhas do gramado.
Referências bibliográficas
• BENETED, Josiane. Revista Mulher e Carreira. Elas também apitam. São Paulo,
2004.
• BRUHNS, Heloisa T. Futebol, Carnaval e Capoeira: Entre as gingas do corpo
brasileiro. Campinas - SP: Papirus, 2000.
• CARRANO, P. C.R.(org.) Futebol: paixão e política. RJ: DP&A editora, 2000.
• CHAVES, Alex Sandro (discente da UNICENP). O futebol feminino: uma história
de luta pelo reconhecimento social. acessado em 18/01/2008> às 02:25h.
• DAOLIO, Jocimar. Cultura: Educação Física e Futebol. Campinas - SP. Editora
da UNICAMP, 1997.
• FRANZINI, Fábio. "Futebol é 'coisa para macho'? Pequeno esboço para uma
história das mulheres no país do futebol". Revista Brasileira de História, São
Paulo, v. 25, nº 50, p. 315-328, 2005.
• JORNAL Bahia Meio Dia. Uma Celebridade do apito. 11 de maio de 2005.
• LESSA, Eriberto. Dissertação de Mestrado. O Estado de São Paulo. Brasil tem
750 jogadoras e a China, 23 milhões. 1996, p. 5.
• Revista Veja. Flores do Campo. 1996, p. 72-73.
• ROMERO, E. (1994). A educação física a serviço da ideologia sexista. Revista
Brasileira de Ciências do Esporte. 15, 3.
• SALLES, J. G. C.; SILVA, M.C.P. & COSTA, M.M. (1996). A mulher e o futebol:
significados históricos. Em S., Votre (Coord.) A representação social da mulher
na Educação Física e no esporte. Rio de Janeiro: Editora Central da UGF.
• SUGIMOTO, Luiz. Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de
Imprensa. Eva Futebol Clube, Campinas: 2003.