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A MULHER NEGRA NO BRASIL Eliane Ribeiro Dias Batista 33 Ana Maria Gonçalves Agência de Fomento: FAPEG Resumo: O presente artigo é parte de uma pesquisa de mestrado que estabelece discussão sobre a mulher negra e sua educação na sociedade brasileira, demarcado como espaço o município de Ituiutaba-MG e como temporalidade o período de 1965/1971. O estudo empreendido se constitui por meio de um conjunto de procedimentos metodológicos, tais como: pesquisa bibliográfica, análise de fontes documentais escritas, e narrativas. Considerando, como Munanga (1999), que a democracia racial é um fator que atua no sentido de esconder o racismo e corroborar com o enfraquecimento do processo identitário do povo negro no Brasil, esse texto se propõe a apresentar alguns resultados de pesquisa bibliográfica sobre o tema, finalizando com a apresentação de minha pesquisa em andamento. Palavras-chaves: Mulheres Negras, Classe, Educação. Introdução Dados estatísticos brasileiros, coletados por órgãos como IBGE 34 , INEP 35 , IPEA 36 , dentre outras constatações, sinalizam uma sociedade que foi construindo para a mulher, principalmente a negra, representações sexistas, ou seja, subalternizada, marginalizada e excluída. Entendo que essas representações ainda se fazem presentes como “pano de fundo” 33Graduada em história pela ISEPI (Instituto Superior de Pesquisa de Ituiutaba-MG), pós graduada pela Universidade Federal de Uberlândia em Alfabetização e Conhecimento de 0 a 10 anos. E-mail: [email protected] 34Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 35Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa. 36Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada 78 III EHECO – CatalãoGO, Agosto de 2015

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A MULHER NEGRA NO BRASIL

Eliane Ribeiro Dias Batista33

Ana Maria GonçalvesAgência de Fomento: FAPEG

Resumo: O presente artigo é parte de uma pesquisa de mestrado que estabelece discussãosobre a mulher negra e sua educação na sociedade brasileira, demarcado como espaço omunicípio de Ituiutaba-MG e como temporalidade o período de 1965/1971. O estudoempreendido se constitui por meio de um conjunto de procedimentos metodológicos, taiscomo: pesquisa bibliográfica, análise de fontes documentais escritas, e narrativas.Considerando, como Munanga (1999), que a democracia racial é um fator que atua no sentidode esconder o racismo e corroborar com o enfraquecimento do processo identitário do povonegro no Brasil, esse texto se propõe a apresentar alguns resultados de pesquisa bibliográficasobre o tema, finalizando com a apresentação de minha pesquisa em andamento.

Palavras-chaves: Mulheres Negras, Classe, Educação.

Introdução

Dados estatísticos brasileiros, coletados por órgãos como IBGE34, INEP35, IPEA36,

dentre outras constatações, sinalizam uma sociedade que foi construindo para a mulher,

principalmente a negra, representações sexistas, ou seja, subalternizada, marginalizada e

excluída. Entendo que essas representações ainda se fazem presentes como “pano de fundo”

33Graduada em história pela ISEPI (Instituto Superior de Pesquisa de Ituiutaba-MG), pós graduada pelaUniversidade Federal de Uberlândia em Alfabetização e Conhecimento de 0 a 10 anos. E-mail:[email protected]

34Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

35Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa.

36Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada

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em toda a sociedade brasileira. Nesse sentido, me parece importante nos apropriarmos de

alguns dados para constatarmos a realidade que se arrasta lentamente em relação à educação

da mulher negra.

Gráfico 1- Taxa de abandono escolar precoce das mulheres segundo raça/cor.

Fonte: IBGE, 2010

Gráfico 2 – Nível de estudo adequado para idade de 16 a 24 anos.

Fonte: IBGE, 2010

Articular esses dados às categorias de gênero e étnico-racial se faz necessário no

sentido de trazer à luz especificidades relativas à mulher negra no Brasil. Lembrando que, em

contrapeso, a categoria classe deve integrar as análises, visto que, conforme Maria Nilza da

Silva (2003, s/p),

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A situação da mulher negra no Brasil de hoje manifesta um prolongamento da sua realidadevivida no período de escravidão com poucas mudanças, pois ela continua em último lugar naescala social e é aquela que mais carrega as desvantagens do sistema injusto e racista do país.Inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos mostram que a mulher negra apresenta menornível de escolaridade, trabalha mais, porém com rendimento menor, [...].

Há que se registrar, também, que, na atualidade, o Brasil tem 49 milhões de mulheres

negras, e essas compõem 25% da população brasileira. (NEGRA, 2014) Outro dado histórico

que se mantem é a ideia de que a mulher um objeto sexual, herança dos colonizadores. Assim,

numa análise da trajetória de discriminação e subalternização da mulher negra brasileira vale

mencionar sua objetificação, expressa nos dizeres: “Branca para casar, Negra para trabalhar,

Mulata para fornicar”. (NASCIMENTO, 1979, p.126 )

Segundo Nascimento, o discurso político vigente na sociedade brasileira definiu para a

população negra lugares de inferioridade. O autor destaca que a figura da mulata, resultado de

miscigenação, é uma tendência presente no imaginário da sociedade mundial. Recentemente,

na Copa do Mundo 2014, no Brasil, a FIFA lançou uma cartilha “Fifa Weekly” (2014) com

orientações para uma boa convivência com o povo brasileiro. Vale a pena transcrever alguns

trechos da cartilha intitulada “Brazil For Beginners” (2014), em tradução livre, Brasil para

principiantes.

Contato físico: Os homens e mulheres brasileiros não estão familiarizados com ocostume da Europa de manter distância como norma de cortesia e conduta. Eles falamcom as mãos e não hesitam em tocar nas pessoas com quem estão conversando. Numaboate, isso pode facilmente se transformar num beijo, mas isso não deve ser malinterpretado. Um beijo no Brasil é uma forma de comunicação não verbal e não umconvite para algo mais.Não há topless: A imagem de mulheres com pouca roupa é comum no carnaval, masisso não é o que você verá no Brasil no dia a dia. É certo que os biquínis brasileirossão menores que os europeus, mas as brasileiras nunca os tiram na praia, onde fazertopless é proibido e pode resultar em multa.

Além dos trechos supracitados a cartilha trazia a figura de duas mulheres negras,

deitadas de costas numa praia. Um conjunto de prazeres para atrair o turista: sexo, praia e

futebol. Para Nascimento (1979) tem-se, assim, diante dos olhos, uma radiografia da

famigerada “democracia racial”, em cujo contexto o homem e a mulher negra só podem

penetrar sub-repticiamente pela porta dos fundos.

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Considerando, como Munanga (1999), que a democracia racial é um fator que atua no

sentido de esconder o racismo e corroborar com o enfraquecimento do processo identitário do

povo negro no Brasil esse texto se propõe a apresentar alguns resultados de pesquisa

bibliográfica sobre o tema, finalizando com a apresentação de minha pesquisa em andamento.

Teses e dissertações sobre mulheres negras em Minas Gerais

Em levantamento de pesquisas junto ao banco de teses e dissertações da Capes,

abarcando os trabalhos desenvolvidos no estado de Minas Gerais, obtive uma visão acerca das

pesquisas realizadas em relação à mulher negra37 nesse estado, perfazendo um total de 14.Tal

revisão constitui tarefa obrigatória no sentido de conhecer efetivamente as discussões e

contribuições teóricas já realizadas sobre a temática.

O levantamento realizado por Barros (2015), entre os anos de 1989 a 2012, revela, nos

diversos estados brasileiros, em diferentes modalidades de trabalhos (dissertações, teses,

anais, revistas, artigos), em História da Educação sobre a população negra o seguinte

resultado: 397 publicações. Quanto estado de Minas Gerais, especificamente, 56 publicações

demarcam a discussão teórica sobre a temática do negro.

A primeira descoberta do levantamento da produção bibliográfica na área da

Educação, em relação ao estado de Minas Gerais, foi quanta a existência de poucas produções

que tomam as categorias de análise; gênero, étnico-racial e classe. Um total de catorze

trabalhos.

A seguida defini por extrapolar a pesquisa bibliográfica para além dessa área, incluindo

áreas afins, como: Ciências Sociais, Psicologia, História. Acredito que foi pertinente e

relevante alargar as discussões, na perspectiva de trazer para a reflexão da temática, pesquisas

de outros campos, outros olhares, num movimento de interlocução e debate. Assim, incorporei

37Nilma Lino Gomes (1995) foi pioneira nos estudos sobre a trajetória escolar de professoras negras. O livro: “A mulher negra que vi de perto” retrata o processo de construção da identidade racial de professoras negras, demarcando como o contexto escolar vivenciado por elas contribuiu para a reprodução do preconceito e da discriminação racial e de gênero.

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luta para afirmar a identidade que seus oponentes lhes negam, para se re-apropriarde algo que lhes pertence.

Acredito, como o autor, que o racismo e o sexismo são um entrave e gerador de

discriminação e preconceito quanto às mulheres negras, as quais lutam para assegurar direitos

de cidadania. Para além da discussão, na perspectiva de destacar o papel fundamental das

mulheres negras na sociedade, por vezes omitido e simplificando como mães de leite ou

simplesmente a domésticas, me referencio em Patrícia Hull et al. (1982, p. XXI):

Porque nós somos oprimidas como mulheres negras, logo todos os aspectos de nossaluta por liberdade, incluindo o ensino e a escrita sobre nós mesmas, deve refletir dealgum modo nossa libertação. Nomear e descrever nossa experiência sãoimportantes passos iniciais, mas não são suficientes para nos levar onde desejamos.

Em outros termos, a luta política para a transformação das condições de existência das

mulheres negras deve ser enfrentada, tematizada. Assim, nos ajuda a entender o processo

histórico, analisar como ocorre a exclusão/discriminação das mulheres negras em diversos

espaços.

Outra tese que abarca a questão das relações raciais é a da autora Tânia Aretuzi

Ambrizi Gebara, do Programa de Pós-graduação de Educação, da Universidade Federal de

Minas Gerais, intitulada “Gênero, família e Relações Raciais: um estudo sobre mulheres

pardas e provedoras e as relações que estabelecem com a Educação de seus filhos e filhas”.

Segundo Gebara (2014, p.9), sua pesquisa busca compreender:

A relação estabelecida entre famílias conduzidas por mulheres provedoras negras(pretas e pardas) pertencentes às camadas populares e o processo de educação de seusfilhos e filhas. Procura ainda entender e identificar as estratégias elaboradas por essasmulheres nas suas vivências com duas instâncias socializadoras: a família e a escola.Uma interlocução com as relações sociais de raça e gênero.

A pesquisa de Gebara (2014, p.328), que utiliza as categorias de análise de gênero,

raça e classe, permite concluir que:

[...] as formas como as mulheres pesquisadas constroem nos processos educativos dosfilhos, do ponto de vista étnico-racial e de gênero, fazem parte de um cenáriocomplexo, que não poderia ser traduzido senão por uma imagem em movimento, ouseja, ora as mulheres indagam um lugar de negatividade, ora reforçam discursos eposturas estereotipadas, e ora há movimento que se observa uma ruptura, umatentativa de produzir outras imagens de si mesmas e dos/as filhas/os, construindoperspectivas positivas de futuro para as crianças.

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As mulheres negras, desta pesquisa, foram denominadas pela autora como “mulheres

provedoras”, por serem responsáveis pelas famílias. Vale lembrar que a tese traz conceitos

importantes, como: identidade, aprendizagem, processo de miscigenação, pertencimento

racial. Assim, a pesquisa de Gebara traz contribuições significativas no que se refere ao

contexto e a utilização dessas categorias de análise.

Para a autora, para se fortalecerem e sobreviverem, no dia a dia, essas mulheres

negras, provedoras, contam com o apoio de uma “rede de relações”, que seria a solidariedade

e ajuda de vizinhos e parentes, uma vez que são mulheres pobres, marcadas por conflitos de

pertencimento racial, que articulam e estruturam sua sobrevivência mediante situações de

subalternidade como: baixos salários sem profissionalização, serviços domésticos ou mesmo

no comércio informal.

Gebara (2014, p.329) finaliza dizendo,

As mulheres entrevistadas ensinam-nos e nos convidam a lançar outros olhares eindagações sobre a relação das famílias com a educação de seus filhos e filhas, dentroe fora da escola. Elas nos incitam a compreender o “escolar” com os pés calcados nasrelações sociais, étnico-raciais, de gênero e educativas construídas nas histórias devida, nas trajetórias pessoais e familiares. Revelam-se sujeitos de suas vidas, por maissituações de pobreza a que estejam expostas. Mostram-nos que as mulheres, “chefes”de família e pobres se preocupam, sim, com a educação de seus filhos. Para tal,constroem estratégias, redes familiares e formas de pressão à escola e ao poderpúblico, a fim de conseguir que os filhos e filhas tenham um futuro diferente,escrevam uma história mais afirmativa e usufruam dos direitos hoje já adquiridoscomo cidadãos. E que tudo isso lhes possa colocar em uma situação mais promissorade vida e diante da possibilidade de construírem uma trajetória diferente daquela queas próprias mulheres e mães tiveram até o momento.

Outro estudo acerca da mulher negra é a dissertação de Carmem Lúcia de Oliveira,

intitulada: “Imaginário, Racionalização e Identidades Percebidas de Mulheres Negras

Escolarizadas (1950/1969)”, realizada em Uberlândia, defendida no Programa de Pós-

Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais, no ano de 2006.

Para Oliveira (2006, p.9):

A pesquisa procura compreender a trama das relações raciais de gênero engendradasna sociedade brasileira contemporânea perpassando a educação formal e como sãoproduzidas e reproduzidas para o imaginário social através da mídia imprensa.

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A mídia retratada é o Jornal Correio de Uberlândia e a Revista Uberlândia, Ilustrada,

que em suas publicações retratam o discurso hegemônico, preconceituoso, fenotípico e

conservador quanto ao processo histórico brasileiro.

Quanto às referências à mulher negra no universo da representatividade e simbolismo

em relação à mulher branca, vista como pura e casta, além da determinação do padrão de

beleza, Oliveira (2006, p. 124) diz:

Uma relação de subordinação do ideal social externalizado nasrepresentações do casamento, da figura da mãe bondosa e dona de casaresponsável pela mulher de classe média branca contraria ao estereotipo damulher negra pobre, empregada doméstica das lida diárias transmudadas emprostituta das noites quentes.

O autor destaca, ainda, uma publicação paga na revista Uberlândia Ilustrada sobre um

concurso de Miss Negra.

Apresentaram-se candidatas ao concurso, as senhoritas Roland Salvador, pelo clube‘José do Patrocínio’ e Maria Abadia, pelo ‘Zanz Bar Clube’ ambas possuidoras deperfeitos característicos de beleza feminina, fugindo do tipo original da raça.(ILUSTRADA, 1956, p.9)

As inquietações de Oliveira quanto à naturalização desse imaginário e jogo simbólico

fez com que estudasse um contexto específico, as mulheres negras escolarizadas. Sua

pesquisa finaliza considerando:

O desvendamento dos mecanismos de produção dos estereótipos sexistas e racistaspresentes na mídia, desse trabalho, indicam-nos a necessidade de um diálogoacadêmico e social com os meios de comunicação. A comunicação precisa serconstantemente democratizada, incluindo nesse proposito a assimilação daabordagem não sexista/racista. Se os sujeitos marcam e são marcados pela cultura,os meios de comunicação reforçam ou libertam-nos dos valores dominantes. Afinal,foram e são largamente reproduzidos os estereótipos de uma negritude associada àvagabundagem, prostituição, alcoolismo e a incapacidade para a produçãointelectual. O trabalho aponta, também, para a necessidade de nos atentarmos para aelaboração e proposição de políticas públicas de promoção do acesso e permanênciade negros/as na educação escolar, em especial no ensino superior. (OLIVEIRA,2006, p. 128)

Na continuidade de apresentação desse arcabouço de pesquisas sobre mulheres negras,

apresento a dissertação, da área da Educação, de Michelle Lopes da Silva: “Mulheres Negras

em Movimento (s): trajetórias de vida, atuação política e construção de novas pedagogias”.

Segundo a autora,

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Os principais objetivos desta investigação são: compreender as trajetórias de vida epolítica de mulheres negras, militantes em organizações políticas em prol dasuperação das desigualdades racial e de gênero, e analisar os sentidos e significadosde “ser mulher negra” construídos nesse processo. (Silva 2007, p.8)

Silva apresenta uma conjuntura marcada pela subalternização da mulher negra, as

quais, muitas vezes e, principalmente nos dias atuais, tem a necessidade de mostrar seu

potencial e um dos canais utilizados são os Movimentos Sociais e o Movimento Negro, os

quais abrem caminhos para a discussão na perspectiva de melhores dias e uma sociedade mais

igualitária.

Nesta ambiência, acredito ser interessante e pertinente fazer uma conexão entre a

dissertação de Rodrigues (2006) e Silva (2007) sobre Movimentos Sociais e a relações de

gênero e raça, visto que ambas ressaltam a questão: nascer negro, numa sociedade como a

brasileira, destina ao indivíduo determinados lugares sociais, determinadas falas e

determinadas ações às quais não se pode recusar. Afinal, são nestes discursos de identificação

e inquietações que as pesquisas se materializam e se fundamentam num referencial teórico. É

importante frisar que as problematizações são apropriadas pelos autores em virtude da

aproximação com a vida pessoal e profissional.

De acordo com Silva (2007, p.26),

Nesse sentido, o lugar da pesquisadora ou do pesquisador e sua origem socialinfluenciam no universo da produção do conhecimento já que a consciência do lugarsocial em que se encontra passa a explicitar o posicionamento e o seu olhar sobre ocampo de estudo e a escolha dos sujeitos.

Cabe ressaltar que não é uma mera apropriação subjetiva, pois há rigor no trabalho

científico. A autora assinala que poderiam ser infinitas outras temáticas, mas ao enveredar no

território da pesquisa acadêmica quase sempre escolhemos o que tem representatividade e

significação. Tais pesquisas configuram a trajetória de mulheres negras, suas lutas para

garantir espaços na sociedade, com equidade de direitos. Afinal:

As mazelas sociais, produto do racismo, machismo, sexismo e desigualdades afetam,em maior intensidade, as mulheres negras que vivenciam dupla discriminação - aracial e de gênero e, em sua maioria, vivenciam a discriminação socioeconômica.Vale ressaltar que essa não foi uma constatação apenas das mulheres negrasmilitantes, mas de muitas estudiosas e de muitos estudiosos que apresentam dadosestatísticos com análises de raça e gênero. Esses dados mostram avanços, mudançasgeradas e conquistadas e, ao mesmo tempo, também revelam estagnações emanutenções de mecanismos de opressão e subordinação, dos quais, o destinatário

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maior tem sido as mulheres negras. Diante disso as mulheres negras militantespromovem reflexões que lhes permitem se auto afirmar, resistir e demarcar suasdiferenças entre diferentes. (SILVA, 2007, p.228)

Diante disso, a relevância das pesquisas sobre mulheres negras se configura no plano

teórico e político, pois são esses debates potencializam ações, fomentando mais discussões, as

quais poderão alterar as estruturas que inviabilizam o processo de equidade. Com essa

convicção é que me propus enveredar por esse tema.

Referências:

GEBARA, Tânia Aretuza Ambrizi. GÊNERO, FAMÍLIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: UM ESTUDO SOBRE MULHERES PARDAS E PROVEDORAS, E ASRELAÇÕES QUE ESTABELECEM COM A EDUCAÇÃO DE SEUS FILHOS EFILHAS. 2014. 371 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Faculdade de Educação,Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014.

MUNANGA, Kabengele. Negritude: Usos e sentidos. Belo Horizonte: Autentica, 2009.

MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. 2. ed. Brasilia: Ministério daEducação, 2005.

OLIVEIRA, Carmen Lúcia de, 1972 – Imaginário, racialização e identidades percebidas demulheres negras escolarizadas (Uberlândia, 1950-1969) / Carmen Lúcia de Oliveira. –Uberlândia 2006. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia.

RODRIGUES, Cristiano Santos. AS FRONTEIRAS ENTRE RAÇA E GÊNERO NACENA PÚBLICA BRASILEIRA: UM ESTUDO DA CONSTRUÇÃO DAIDENTIDADE COLETIVA DO MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS. 2006. 234 f.Dissertação (Mestrado) - Curso de Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais, BeloHorizonte, 2006.

SILVA, Claudielene Maria da. Professoras Negras Identidade e Praticas de Enfrentamentodo racismo no espaço escolar. Pernambuco: Editora Ufpe, 2013

SILVA, Maria Nilza da. A Mulher Negra. Revista Espaço Acadêmico, Ano 2, N. 22, mar.2003. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/022/22csilva.htm. Acesso:10/06/2015.

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UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais -. Biblioteca Digital. 2014. Disponível em:<http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace>. Acesso em: 26 nov. 2014.

UFU, Universidade Federal de Uberlândia -. Repositório Institucional. 2014. Disponível em:<http://repositorio.ufu.br/>. Acesso em: 26 nov. 2014.

UFOP, Universidade Federal de Ouro Preto -. Catálogo on-line. 2014. Disponível em:<http://200.131.208.160:8000/cgi-bin/gw/chameleon>. Acesso em: 26 nov. 2014.

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