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A MORTE E O MORRER NA COMUNIDADE LUTERANA EM NOVA FRIBURGO NO SÉCULO XIX: CONFLITO E ALTERIDADE
Mateus Barradas Teixeira1 Ronald Lopes de Oliveira2
Resumo: Em 1824, proveniente do processo da política de imigração realizada pela
Corte Imperial, se assentou na Vila de São João Batista de Nova Friburgo - localizada
nos Sertões do Leste Fluminense - um grande número de imigrantes germânicos de
origem luterana que, acompanhados pelo seu pastor Frederich Oswald Sauerbronn dão
início a uma comunidade. Originalmente composta por portugueses e imigrantes suíços
majoritariamente Católicos, a Vila de São João Batista de Nova Friburgo passou a
conviver com elementos culturais não provenientes da estrutura cultural hegemônica
baseada no catolicismo. O objetivo desta comunicação é analisar cinco enterramentos
nos anos 20 do século XIX, permeados por conflitos religiosos entre católicos e
luteranos, bem como relações de alteridade entre calvinistas de origem suíça e luteranos
de origem germânica.
Palavras-chave: enterramento, alteridade, conflito, religião, protestantes, Nova
Friburgo.
Abstract: In 1824, as a result of the process of immigration policy conducted by the
Imperial Court, settled in the Vila São João Batista of Nova Friburgo, located in the
Barrens East Fluminense, a huge number of German immigrants of Lutheran origin,
accompanied by his pastor Frederich Oswald Sauerbronn started a community.
Originally composed by Portuguese and Swiss immigrants, mostly Catholics, the Vila
São João Batista of Nova Friburgo started experiencing cultural elements not from
hegemonic cultural structure based on Catholicism. The objective of this work is
analyze five burials in the 20s of XIX century, permeated by religious conflicts between
1 Graduado em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. [email protected] 2 Graduado em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Catholics and Lutherans, as well as relations of alterity between Calvinists of Swiss
origin and German Lutherans.
Key-words: burial, alterity, conflict, religion, protestant, Nova Friburgo.
O povoamento e interiorização dos Sertões do leste Fluminense
O que comumente se tem chamado por “Vale do Paraíba”, ou seja, o espaço em
que se localizam as terras banhadas pelo Rio do Paraíba do Sul e que compreende parte
do leste do estado do de São Paulo e o oeste do Rio de Janeiro, é considerado como uma
construção histórica, um espaço socialmente construído e que, portanto, varia no tempo.
Por essa razão, o seu espaço deve ser compreendido não somente por uma base
territorial, mas, sobretudo pensá-lo como fruto de relações que são estabelecidas e
vivenciadas pelos agentes que interagiam nesse espaço. 3
Até século XVIII, os “Sertões do Leste” ou “Sertões do Macacu”, como era
chamado uma parte do Vale do Paraíba, uma região que envolvia a zona da Mata
Mineira e o centro-norte do Estado do Rio de Janeiro, era considerada proibida, pois
assim, evitaria o contrabando de ouro por essas terras. 4 Composta pelas áreas que hoje
inclui os municípios atuais de Teresópolis, Sapucaia, Nova Friburgo, Sumidouro, Duas
Barras, Carmo, Bom Jardim, Cordeiro, Macuco, Cantagalo, Trajano de Morais, São
Sebastião do Alto, Itaocara, São Fidélis, Três Rios, Santa Maria Madalena, São José do
Vale do Rio Preto e parte de Petrópolis, era o lar dos chamados “índios brabos” 5 e de
alguns quilombos. 6
A partir de 1770, essa região foi penetrada e escassamente povoada pelas
incursões de um contrabandista de ouro alcunhado de “Mão de luva”, que teria fundado
um arraial, atraindo a vinda de diversos aventureiros e faiscadores mineiros pelo vale de
Macacu. A partir de 1786, com a prisão de “Mão de Luva”, a escassez de ouro, além do
3MUAZE, Mariana. O Vale do Paraíba Fluminense e a dinâmica Imperial p. 295. Disponível em
http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/sistema/wp-content/uploads/2010/12/15_mariana_muaze.pdf
4 MAYER, J. M. Raízes e crise do mundo caipira: o caso de Nova Friburgo. 2003. 564 f. Tese (Doutorado em História Social) – Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2003. p 100.
5Idem, p. 107.
6Idem, p. 112.
desinteresse do governo de Minas Gerais 7 pelas terras, foi ocupada a região do entorno
e distribuídas sesmarias a todos que possuíssem 12 ou mais escravos e quisessem
garimpar ou plantar. 8
Como parte da política de imigração de Dom João VI, voltada para a
interiorização e consolidação do território brasileiro, foi autorizada o estabelecimento de
uma colônia nessa região, por um decreto em 1818, comportando cerca de cem famílias
agrícolas e um número suficiente de carpinteiros, curtidores, tecelões, marceneiros e
pedreiros que vieram por uma companhia de Emigração dos cantões de Friburg, na
Suíça. Os gastos com a viagem seriam ressarcidos e os imigrantes teriam abrigo,
cuidados médicos, 160 réis diários no primeiro ano e 80 no segundo, sementes, animais,
ferramentas e lotes de terra. 9
Para esse projeto, foi comprada a fazenda do Morro Queimado, que pertencia ao
Distrito de Cantagalo. Era composta por quatro sesmarias, totalizando duas léguas de
testada por três fundos, e foi adquirida por vinte vezes o seu valor e a infertilidade do
solo foi omitida na transação. A partir daí, foram edificadas 100 casas provisórias,
pontes, ruas, estradas, a casa do inspetor, depósito de víveres e utensílios, moinhos,
fornos, enfermaria, botica e quartel de polícia. Com a primeira légua, foram demarcados
120 lotes. A metade da outra légua destinou-se à criação da vila de Nova Friburgo e na
outra metade foi construída a fazenda São João do Ribeirão, que permaneceu sob o
proveito da coroa. 10
A região escolhida para a montagem da colônia que viria a ser a Vila de Nova
Friburgo tinha características físicas consideradas dificultosas para erigir esse
empreendimento: o relevo montanhoso coberto pela realidade florestal, além do clima
frio que não favoreceria o cultivo de café e a sua localização em uma cadeia de serras
com vales fragmentados que integram a chamada “Serra do mar”, que viria a ser um
ponto importante para a transposição da serra rumo a Cantagalo e a Minas Gerais. 11
7Idem.
8 FRIDMAN, Fania. Cartografia fluminense no Brasil Imperial. In: I Simpósio de Cartografia Histórica,
2011.Paraty,p. 14. 9Idem.
10Idem.
11 MAYER, J. M. Raízes e crise do mundo caipira, p. 118.
Além da morfologia, a região estava bem provida de águas que orientariam a
direção do povoamento, tais como a micro-bacia do rio Bengalas, formada pelo junção
dos rios Cônego e Santo Antônio; a bacia do Rio Grande que é um dos maiores
afluentes do Paraíba e nasce a oeste de Nova Friburgo, formando diversos riachos; além
da Bacia do Macaé, que nasce no atual distrito de Lumiar e recebe afluentes entre os
quais o Rio das Flores, o Boa Esperança e o Bonito que deságua no Oceano Atlântico. 12
Dessa forma, Nova Friburgo começa a ser edificada dentro de um contexto
maior, o Vale do Paraíba fluminense, em que a partir dos fins do século XVIII, segundo
Muaze, foi se transformando de uma região com grandes quantidades de matas virgens
ou parcamente povoadas, territórios de tribos diversas, em imensos e modernos cafezais,
passando de lugar pouco explorado a centro econômico do império. 13
A partir de 1814, Cantagalo passa de distrito para vila e, em 1820, é a vez de
Nova Friburgo. 14 Para Fridman, a vila é uma unidade administrativa que articula a
produção, a circulação e o consumo a partir de estradas que ligavam distantes
localidades a partir da integração das oligarquias. Dessa forma, as vilas seriam núcleos
urbanos baseados em rede de centros com uma unidade política e econômica que
influenciaria e controlaria assim o processo de urbanização. 15
Para a autora, a política e a administração eram voltadas para a relação entre
centro e periferia, ou seja, há uma articulação indizível entre as políticas administrativas
do centro e a maior ou menor autonomia das vilas no que tange a essas duas questões. A
constituição de 1824 dividiu o Brasil em províncias que eram administradas por um
presidente nomeado pelo Imperador, mas este não era a única autoridade, pois as
câmaras de vereadores foram mantidas e a elas era atribuídos o governo econômico e
político da determinada região, mas a hegemonia do campo político estava circunscrita
aos interesses dos grandes proprietários rurais. 16
A Lei 276 de 5 de fevereiro de 1826 ordenou o estabelecimento de um núcleo
colonial em cada município da província do Rio de Janeiro e a Lei Provincial 226 de 30
12
Idem, pag 120. 13 MUAZE, Mariana. Op.Cit., p. 297. 14 FRIDMAN, Fania. Op.Cit.,p. 14. 15
Idem, p. 9. 16
Idem, p. 10.
de maio de 1840 discorria sobre a organização de colônias agrícolas e industriosas,
através de contrato com empresários ou companhias sob diversas condições, tais como:
a garantia de terras próximas as cidades, vilas ou povoados aos colonos, 4 anos de
isenção de foro e de pagamento de qualquer serviço publico, isenção de 10 anos de
impostos provinciais, não seriam admitidos escravos, entre outras disposições. 17
Com o Ato Adicional de 1834, os conselhos gerais das províncias se
transformaram em Assembleias Legislativas provinciais e assim conseguiram uma
maior autonomia mesmo que relativa, pois poderiam a partir daquele ano deliberar
sobre a divisão civil, eclesiástica e judiciária das províncias e mudar as suas capitais
sem consultar outras instâncias. 18 O processo de expansão territorial não se limitava a
algumas áreas nas terras fluminenses, mas cobria todo o território da província, uma vez
que se articulava em torno da produção cafeeira, mas tendo um ritmo próprio de
relações comerciais locais, ou seja, um mercado regional fundamentado através da
divisão de trabalho e das economias de escala. 19
A Vila de São João Batista de Nova Friburgo após a chegada dos imigrantes
alemães e o convívio com os imigrantes suíços.
Em 1824, os imigrantes alemães saem da Armação da Praia Grande em Niterói e
seguem rumo à Nova Friburgo em um número de aproximadamente 300. Para
conseguirem chegar até a Vila, foi necessária a reconstrução da estrada que dava acesso
ao local e a reforma das habitações semi destruídas com uma verba enviada para os
reparos imediatos e para dar subsídios de igual valor aos Suíços. Os imigrantes alemães
não conseguiram pousar em postos de registros da serra, pois estes estavam danificados,
então pousaram em fazendas particulares, como a do Coronel Ferreira, onde ficava o
17
Idem, p.13. 18
Idem, p. 11. 19
Idem.
trecho mais íngreme de todo o trajeto chegando a Nova Friburgo, foram então, depois
que chegaram na sede da Vila, alojados nas casas da Praça da Justiça. 20
É importante lembrar que a vila de Nova Friburgo foi escolhida para ser ocupada
pelos imigrantes alemães devido à necessidade de expansão territorial, a proximidade da
região a coroa e também a necessidade de ocupação das terras abandonadas pelos
imigrantes suíços.
De acordo com o relatório enviado por Monsenhor Miranda a Quévrémont sobre
os lotes abandonados pelos suíços que deveriam agora passar para as mãos dos alemães,
a situação era a seguinte: dos trinta e cinco lotes, 13 eram inadequados para a produção
agrícola, 11 tinham como proprietários órfãos e soldados a serviço do Regimento
Estrangeiro, 8 eram de colonos que não haviam renunciado seu direito de posse e
apenas 3 estavam em condições para serem concedidos, embora tivessem sido
requisitados pelos colonos suíços. 21 As terras em posse dos órfãos e soldados poderiam
ser repassadas para os alemães, mas demorariam mais tempo para que isso acontecesse. 22
Para evitar que a mesma dispersão que ocorreu com os suíços se abatesse sobre
os alemães, no dia 28 de julho de 1824, Monsenhor Miranda relatou ao governo a
situação das casas na Vila de Nova Friburgo e sugeriu as seguintes providências, que
foram aprovadas: as casas se destinariam somente a moradia, os moradores pagariam
1$600 mensais para o Cofre da colônia (excetuando o médico, o vigário e do chefe de
polícia), os imigrantes seriam obrigados a observar as medidas da polícia para a
conservação das casas, o diretor da colônia examinaria mensalmente as casas, o Tesouro
Nacional adiantaria a quantidade necessária caso o Cofre da Vila não tivesse os
subsídios necessários para a manutenção das casas e era de responsabilidade do diretor
da Colônia a execução de todas essas medidas. 23
20 ARAÚJO, R. J.; MAYER, M. J. (Org.). Teia Serrana: Formação Histórica de Nova Friburgo. Rio de
Janeiro: Editora Ao Livro técnico, 1999. p. 56
21
Idem, 57. 22
Idem. 23 SOUZA, José Antônio Soares de. Os colonos de Schaeffer em Nova Friburgo. Revista do IHGB. Rio de Janeiro: 1976, vol 310. p. 168.
As áreas que eram mais férteis, com uma localidade melhor, e não tivesse
impedimentos foram então demarcadas (com certa lentidão por conta das chuvas) por
Luís Francisco das Chagas, sargento de artilharia montada a serviço de Monsenhor
Miranda, pela portaria de 20 de setembro de 1824, e depois foram distribuídas, mas não
em número suficiente. 24 Segundo Souza, existiam terras devolutas no sul da Vila e nos
sertões de Macaé e muitas famílias foram, portanto, acomodadas também nessa região e
cada imigrante recebeu 62 braças de terra (cerca de 300 metros quadrados). 25 Logo
após a distribuição de terras, houve diversas reclamações sobre a coincidência das
posses dessas áreas. Isso aconteceu, por exemplo, com o lote 88, que mesmo não sendo
nada cultivado ali, não foi oficialmente renunciado e era de posse do helvético Lutolf,
que se queixou da entrega de suas terras ao alemão Guttermann. 26
Dessa forma, mesmo que existissem mais cuidados na preparação da Vila para a
chegada dos novos imigrantes, podemos perceber que a situação encontrada foi bem
distante daquela combinada com o Major Schaeffer e os muitos males que se abateram
aos imigrantes helvéticos também iriam se abater aos alemães, seja pelos problemas das
terras, seja por ter que pagar quantias aos cofres da colônia, ao invés de receber os
subsídios por completo, dentre outras questões.
Contudo, não existiam somente tensões entre os suíços e os alemães, mas
também relações de trocas comerciais, pois muitos dos primeiros achavam que fariam
bons negócios, pois poderiam trocar seus campos, produtos ou ferramentas em moeda
local e depois investir em atividades mais rentáveis e com maior segurança para além
das terras pouco férteis da região. Além disso, alguns colonos pagaram suas viagens no
intuito de empreender melhores condições de vida, o que significa que nem todos eles
eram de fato pobres e com isso poderiam fazer essas trocas comerciais com os suíços
que ali residiam. 27
Tanto no caso dos imigrantes suíços, como no caso dos imigrantes alemães, a
posse de meios monetários definiu o sucesso ou insucesso daqueles que ficaram na Vila.
Segundo Laforet, o suíço Jean Gauthieu com pouco dinheiro, conseguiu ampliar sua
24
Idem, 169. 25
Idem. 26 LAFORET, C. R. M. Op.Cit., p. 58. 27
Idem.
lavoura de milho, feijão e café em um terreno arrendado no lote número 15 conseguindo
assim prosperar. Também nos indica o caso do moleiro alemão, Balthazar Grieb, que
arrendou parte do lote 4 do suíço Johanes Werner obtendo subsistência para sua mulher
e seus filhos, além de prosperar com a venda de produtos agrícolas e a criação de
animais. 28 A partir de 1840, a Vila de Nova Friburgo começou a expandir as fazendas
de café em suas áreas adjacentes, mas também na sede, devido à conjuntura da
economia fluminense que, a partir de 1821 se assentava na produção do café. Na
segunda metade do século XIX, Nova Friburgo se beneficiou com a área de trânsito das
tropas que transportavam o produto e definindo assim o seu papel econômico, ou seja,
de produzir outros gêneros em complemento à economia cafeeira alocando a produção
nas áreas adjacentes. 29
Nesse contexto, há uma dinâmica na economia e infraestrutura da Vila e, em
1840, o Barão de Nova Friburgo, Antônio Clemente Pinto, construiu uma casa na Vila e
os seus filhos: Bernardo Clemente Pinto Sobrinho (segundo Barão de Nova Friburgo) e
Antônio Clemente Pinto filho (Barão de São Clemente), construíram o chalé do Parque
São Clemente e um pavilhão de casa. O Barão de Duas Barras também construiu sua
casa na Vila. Seguindo o exemplo dos Barões; Manoel Antônio Jordão, próspero
cafeicultor, investiu também na Vila criando um teatro e com isso atraiu a chegada de
artistas e da elite que subiam a serra para participar dos concertos, o que Lisboa vai
conceituar como “esplendor do café”. 30 A partir da década de 70, a Vila de Nova
Friburgo passou a ter ampla diversidade profissional, com hospedarias, bares, bilhares e
outros serviços típicos de centros urbanos. Também foram construídos os hotéis como
Leuenroth, Engert, Central e Salusse. Tudo indica que essas construções foram feitas
devido à demanda de pessoas que subiam a serra para se tratar ao “evitar a canícula da
corte” e também foi criado um estabelecimento hidroterápico no centro da Vila. 31
Dessa forma, podemos levantar uma análise sobre a mudança da conjuntura da
Vila. Ou seja, passa de um projeto de imigração fracassado para a abundância
econômica e política, em profundo contato com a dinâmica Imperial. Partindo do
28
Idem, p. 61. 29 LISBOA, E. C. ARAÚJO. Op.Cit., p. 95. 30
Idem, p. 96. 31
Idem.
pressuposto que a Vila de São João Batista de Nova Friburgo estava inserida em um
contexto maior e não compreendida, portanto, como um “projeto inovador”, podemos
pensar que três foram os fatores que contribuíram para essa expansão a partir de 1840: a
expansão do café no Vale do Paraíba, a rápida dispersão dos imigrantes pelas terras
mais produtivas adjacentes a Vila e a posição geográfica em que ela ficava como
“ponte” para a circulação do café.
A constituição de 1824 e os limites da liberdade religiosa no Brasil
Para entendermos a relação entre Igreja e estado no Brasil imperial, temos que
observar que essas duas dimensões estavam unidas sob o conceito de Cristandade. Por
Cristandade, entende-se um sistema de relações entre a Igreja e o Estado em uma
determinada cultura e sociedade, perpassando por diversas modalidades desde a sua
criação em 313 e que, a partir do século XIII, é chamada pela historiografia de
“Cristandade Constantiniana”32.
O Estado Imperial, herdeiro do padroado colonial, considerava o aparelho
eclesiástico indispensável para a sua legitimação e também manutenção de poder, além
de homogeneizar os padrões e comportamento da população. Dessa forma, podemos
dizer que o estado imperial manteve uma ambiguiade entre o projeto conservador e sua
ideologia com elementos liberais. Essa situação é demonstrada por Dom Pedro I ter
reinado pela “aclamação dos povos” (12 de outubro de 1822) e com uma sagração (1 de
dezembro de 1822), pela soberania popular e pela graça de Deus33.
A carta de 1824 que foi outorgada por Dom Pedro I incorporou o Padroado.
Nesse sentido, no artigo 5, por exemplo, estabelecia que a religião católica continuaria a
ser a religião do Estado e que os outros cultos só seriam exercidos de forma privada.
Sendo assim, no artigo 102 versava sobre a obrigação do imperador nomear os bispos e
conceder ou recusar placet aos documentos da cúria romana. Portanto, podemos
32 GOMES, F. J. S. Cristandade Medieval: entre mito e a utopia. In: Topoi, Rio de Janeiro, dezembro, 2002.p. 221. 33 GOMES, F. J. S. De súdito a cidadão: os católicos no império e na república. In: Anais do XIX
Simpósio Nacional de História – ANPUH. Belo Horizonte, junho 1997. p. 316.
aprofundar essa ambiguiade dita acima, pois o império consideraria os brasileiros
simultaneamente súditos e cidadãos34. Assim o Estado imperial permaneceu tentando
conciliar autoritarismo e liberalismo, jurisdicionalismo confessional e tolerância
religiosa, esfera pública e privada, estatuto de súdito e de cidadão, gerando conflitos
nessas instâncias contraditórias, incluindo aí os eclesiásticos partidários do
Ultramontanismo e os partidários do Regalismo35.
A partir do Segundo Reinado, o Estado imperial começou a dissociar o
liberalismo do regalismo, na tentativa de ser ainda mais conservador e colocar a Igreja
como subserviente a seu poder. Sendo assim, ao governo cabia reconhecer que o poder
religioso estava nas mãos do clero, mas o poder eclesiástico estaria nas mãos do rei, da
mesma forma, respeitava-se o poder temporal do Imperador, mas a autoridade máxima
para os assuntos da fé e eclesiásticos era o Sumo Pontífice romano, fazendo então um
balanço entre as duas linhas eclesiásticas da época, Ultamontanismo e Regalismo36.
O panorama religioso católico e protestante nos Sertões do leste Fluminense
Desde o século XVIII mesmo assentados escassos contingentes humanos
espalhados por diversas fazendas nesse espaço, já se tem notícias sobre a presença de
líderes católicos nessa localidade, sobretudo jesuítas que, segundo Pedro, foram os
primeiros a retirarem ouro nos Sertões do leste e ter atividade missionária, mais
precisamente na região de Cantagalo, famosa por ser área de contrabando de ouro e ao
sul, na região de Cachoeiras de Macacu37.
Segundo Fridman, uma freguesia é a menor unidade administrativa, com cerca
de dez casas e algumas famílias, submetidas à administração espiritual e governamental
de um cura. É sustentado por dízimos da Ordem de Cristo ali arrecadados, seu espaço
34 Idem, p. 317. 35 Idem. 36 OLIVEIRA, A.J.M. Os Bispos e os Leigos: Reforma Católica e Irmandades no Rio de janeiro Imperial. In: Revista de História Regional 6(1), Verão 2001, p. 148. 37 PEDRO, J. C. A Igreja Católica: Fé e Poder na Freguesia de São João Batista de Nova Friburgo. In: ARAÚJO, R. J.; MAYER, M. J. (Org.). Teia Serrana: Formação Histórica de Nova Friburgo. Rio de Janeiro: Editora Ao Livro técnico, 1999. p. 113.
delimitado a partir de um alvará e sua institucionalização é iniciada com a criação de
uma paróquia. Dessa forma, podemos situar seu povoamento e os caminhos que
ligavam a outras vilas e demais espaços de organização imperial38.
Com o advento da política Joanina de colonização para fins de integralização
territorial no início do século XIX e a crescente produção de café, houve a ampliação do
número de freguesias que, de 1801-1836, se estabeleceram 16 paróquias em diversas
áreas de produção e distribuição do café. De 1835 a meados do século XIX, 30
freguesias são edificadas e na segunda metade do século XIX, mais 54 delas foram
criadas nas regiões do médio Vale do rio Paraíba, na região serrana, no noroeste e norte
fluminense, ou seja, o mesmo número de paróquias erguidas nos três séculos anteriores
na mesma região.39
Nesse sentido, para cuidar dos serviços religiosos da Freguesia de São João
Batista de Nova Friburgo, dois foram os curas que vieram para a região com a
imigração Suíça, Monsenhor Joye e padre Abbey, mas o ultimo acabou morrendo
afogado quando foi banhar-se no rio Macacu40. De acordo com Fluck, Jacques Joye foi
ordenado padre em 14 de maio de 1812 e foi escolhido, em 1819, como sacerdote para
os suíços que imigrariam ao Brasil pelo Bispo de Lausanne e era do partido
Ultramontano41. A Freguesia de São João Batista foi criada anteriormente à chegada dos
imigrantes suíços como se pode observar nas “condições para a vinda dos Suíços”,
38FRIDMAN, F. Cartografia fluminense no Brasil Imperial, p. 6. 39 Idem, p.8. As freguesias até o início do século XIX são: S. Tiago de Inhaúma, N. Sra do Loretode Jacarepaguá, N. Sra d’Apresentação de Irajá, S. João Batista de Trairaponga (Meriti), N. Sra do Desterro de Campo Grande, S. Salvador do Mundo de Guaratiba, N. Sra da Guia do Mangaratiba, N. Sra dos Rmédios de Parati, N. Sra da Conceição da Ilha Grande, S. João Marcos, N. Sra da Conceição do Campo Alegre, S. Francisco Xavier de Itagoahy, N. Sra da Conceição do Marapicú, Santo Antônio de Jacutinga, N. Sra do Pilar de Iguaçú, N. Sra da Conceição do Alferes, Santa (sacra) família o Tinguá, N. Sra da Conceição de São Pedro e São Paulo, N. Sra da Piedade de Inhomirim, N. Sra d’Ajuda da Ilha do Governador, N. Sra da Guia do Pacobaíba, S. Nicolau de Suruhy, N. Sra da Piedade de Magé, N. Sra da Ajuda de Aguapehy-merim, Santo Antônio de Sá de Casarabú, Santíssima Trindade, N. Sra do Desterro de Itambhy, S. Gonçalo de Guaxandiba, S. Lourenço da Aldeia dos índios, S. João Batista de Carahy, N. Sra do Amparo de Maricá, N. Sra de Nazaré de Saquarema, S. Sebastião de Araruana, N. Sra da Conceição de Iguaba, S. Pedro da Aldeia, N. Sra da Assunção de Cabo Frio, Sacra Família de Ipuca, Santíssimo Sacramento do Cantagalo, Sto Antônio de Guarulhos, S. Salvador, S. Gonçalo de Campos e São João da Barra. 40 NICOULIN, Martin. A gênese de Nova Friburgo: Emigração e colonização suíça no Brasil (1817-1827). Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1995. p.263 41 FLUCK, R, Marlon. A abertura dos portos brasileiros e a implantação do protestantismo permanente no Brasil: as versões contraditórias sobre o seu primeiro pastor. In Revista Brasileira de História das
Religiões. Maringá, V, n.15, jan/2013. p. 5.
documento responsável por tal criação, em que a sua organização e funcionamento eram
regidas, conforme a política de Padroado Régio, pelo Estado Imperial42.
É importante ressaltar que Monsenhor Joye, pároco da Vila, recebeu do bispo de
Niterói, devido à enorme distância com a Corte, diversos “poderes extraordinários” pela
portaria de 17 de abril de 1820, tais como: absolver todos os casos reservados ao
bispado, fazer todas as bênçãos reservadas que não necessitassem do uso dos óleos
sagrados, aplicar a indulgência plenária na hora da morte, estender o amparo da
Desobriga da quaresma até o Espírito Santo, habilitar os cônjuges impedidos e atuar
como juiz de casamentos43.
Ou seja, a hierarquia católica na Freguesia estava munida de poderes
extraordinários somente concedidos em circunstancias normais ao bispo. Além disso,
havia uma interação entre a Corte e a Freguesia nas figuras de Monsenhor Miranda e de
Monsenhor Joye no que tange à organização eclesiástica e social dos imigrantes, na
tentativa de garantir que a constituição de 1824 fosse seguida e a hegemonia do campo
religioso ficasse sob a ótica Católica.
A religião protestante, desde a imigração realizada por Gachet, estava presente
em Nova Friburgo, pois, como dito anteriormente no capítulo 3, cerca de 190 Suíços,
contrariando o contrato de imigração, eram protestantes Calvinistas. De acordo com
Jaccourd, em 1819 houve uma parada em Dordretch, na Holanda, antes de os navios
embarcarem para o Rio de Janeiro, os Suíços entraram em contato com o pastor C.C
Merkus dessa cidade, que ficou responsável pelas tarefas religiosas desses imigrantes
até o embarque, deixando-os frequentar seu templo e, além disso, decidiu criar uma
comissão de nome “College de Survaillance”, composto por sete imigrantes e com uma
hierarquia definida: um presidente, quatro vice-presidentes e um secretário44.
Portanto, não podemos dizer que a religião protestante em Nova Friburgo existiu
somente após a chegada dos imigrantes alemães em 1824, ou seja, existia uma
organização que tinha hierarquia própria e também um objetivo: se organizar de modo
42 PEDRO, J. C. A Igreja Católica: Fé e Poder na Freguesia de São João Batista de Nova Friburgo. p.115. 43 Idem, p. 116. 44 JACCOURD, Rafael. História, contos e lendas de Nova Friburgo. Edição independente, 2007. p. 292.
que o Estado Imperial concedesse maior liberdade de culto45. Dessa forma, o
protestantismo, antes da chegada dos alemães, estava organizado com uma estrutura não
representada por líderes oficiais como o clero Católico, mas isso não significa que não
houvesse alguma organização religiosa.
Contudo, coma chegada dos imigrantes alemães em 1824, uma comunidade
protestante de maioria luterana se instalou na Vila de Nova Friburgo sob a direção de
seu primeiro pastor, Friedrich Oswald Sauerbronn, que antes havia sido pároco em
Becherbach46. Ela se organizava na casa do pastor ou de algum fiel, de forma muito
precária, e não tinha, portanto, nenhum símbolo religioso que poderia indicara
existência de um culto ou um templo protestante.
Dessa forma, podemos perceber que existem duas esferas religiosas maiores no
que tange à organização religiosa na região uma disputa entre os católicos e
protestantes, de modo que o ultimo grupo é permeado por duas denominações religiosas
com doutrinas diferentes, os luteranos e os calvinistas. Sendo assim, depois de analisar
de forma ampla a formação dessas duas estruturas religiosas, é necessário investigar a
morte protestante como elemento de alteridade e tensão na Vila de São João Batista de
Nova Friburgo.
Alteridade e conflitos religiosos na Vila de São João Batista de Nova Friburgo a
partir de cinco enterramentos.
Sobre as questões relativas à morte protestante, Souza nos dá um importante
panorama desse acontecimento: ao desembarcar na Armação da Praia Grande a 14 de
janeiro de 1824, o Pastor Frederico Oswald Sauerbronn, estava acompanhado de sua
família constituída de 8 pessoas, e dentre elas, seu filho Peter que faleceu no dia 13 de
maio, quando na chegada a Freguesia de São João Batista de Nova Friburgo. De acordo
com os registros, em 20 de janeiro pediu autorização para o exercício de sua profissão e
no dia 22 foi concedida. Seus primeiros atos como pastor foi acompanhar 3
45 Idem. 46 MÜLLER, A. L. O começo do Protestantismo no Brasil: descrição da instalação da 1ª. Comunidade luterana no Brasil, p. 40.
enterramentos de colonos ainda na Armação da Praia Grande. Em uma de suas cartas o
pastor disse “d´haranger les assistants em três courts termes” 47, ou seja, ajuntando
algumas pessoas ele pronunciou (discursou, falou alto) breves palavras (palavras
curtas).
Não sabemos ao certo se os três eram calvinistas ou luteranos, mesmo assim,
podemos analisar esse caso dentro da seguinte perspectiva: Sauerbronn legitima seu
poder enquanto líder protestante48, servindo como liderança tanto para luteranos, quanto
para calvinistas49.
Sobre o primeiro enterramento protestante na Vila, que gerou conflito entre o
pastor e Joyer, em uma carta enviada para a sua família no ano seguinte à sua chegada,
o pastor Sauerbronn afirmaria que, no dia 17 de novembro de 1823, sua mulher entrou
em trabalho de parto e morreu após dar a luz a seu filho, Peter Leopold, no navio Argos,
que lhes trouxe para o Rio de Janeiro. Um mês após a chegada à colônia de Nova
Friburgo, outro desastre aconteceu: a morte de Peter, por disenteria50. Neste sentido, a
primeira celebração com a presença oficial do pastor, na Vila de Nova Friburgo, foi o
enterro de seu próprio filho; numa ação que daria origem à base do futuro cemitério dos
luteranos na localidade, pois a autoridade local, monsenhor Joye, recusou o
sepultamento de Peter fazendo com que o pastor buscasse outro espaço para sepultar seu
filho51.
Nesse sentido, não podemos garantir a existência de um conflito aberto entre os
dois líderes religiosos, pois até o momento não existem fontes que comprovam tal
questão, mas só pelo fato de o pastor luterano ver um membro de sua comunidade –
principalmente sendo seu própio filho – sendo excluído do “campo santo” católico e ter
criado um cemitério para o uso de protestantes, podemos caracterizar em um primeiro
momento como uma tensão religiosa, relativa a um importante ritual, que era o
sepultamento.
47 Arquivo Nacional cx 991 22-7-1824 Carta. 48
Em diversas fontes analisadas, o pastor Sauerbronn é intitulado “pastor protestante da colônia alemã”, não fazendo referência diretamente a sua matriz religiosa luterana. 49 Muitos calvinistas que abjuraram, logo após a chegada de Sauerbronn, voltaram para as fileiras do protestantismo e provavelmente, os cultos eram participados por Luteranos e Calvinistas. 50MÜLLER, A. L. Op.Cit. p.48 51 Idem.
Mas é na realização do quinto enterro e o segundo a ser sepultado no mesmo
lugar de sepultamento de Peter Leopold, que se verifica no livro de óbitos da Igreja
Luterana o nome de Nicolas Bourchat. Para elucidar esse fato, acessaremos a carta52 de
Sauerbronn datada de 22 de julho endereçada ao diretor da Colônia Francisco de Salles
Ferreira de Souza:
“O Senhor Vigário Católico diz mais em suas queixas, que eu transgredi o Art. 5º. Da Constituição, por ocasião do enterro do falecido Nicolas Bourchat, protestante. A verdade é esta: eu mesmo e outras pessoas de nossa crença fomos procurar o corpo do falecido em sua moradia e o transportamos, no maior silêncio, para o cemitério ordinário, destinado aos protestantes, e situado a quarto de légua da floresta. Ao chegar a cova, contentei-me em dizer aos assistentes algumas breves palavras. Procedi por três vezes, pelo mesmo modo, quando ainda estávamos na Armação”
Na carta, Sauerbronn diz que achou-o em sua moradia e transportou o corpo de
Nicolas Bourchat juntamente com outros da comunidade. Fizeram o transporte em
silencio para o cemitério ordinário situado a um quarto de légua da floresta e
pronunciou breves palavras. Como se verifica, Sauerbronn se defendeu de uma
acusação feita por padre Joyer que emitiu um documento ao diretor da colônia
acusando-o de ter feito o referido sepultamento com ostentação e infringido o art. 5º. da
Constituição e art 179 parágrafo 5º. Como se verifica nos documentos, a convivência
entre os dois religiosos fora mediada por tensões, porém sempre permeadas pela
tentativa de apaziguamento por parte do governo brasileiro.53
Mas é justamente neste enterro de Nicolas Bourchat54 que reside não só a
questão de conflitos entre os dois vigários, mas também a representação da morte para
Sauerbronn e as pessoas de sua crença. É preciso então, identificar quem era Nicolas
Bourchat já que esse nome não é encontrado na lista de passageiros dos navios Argus e
52 Arquivo Nacional cx 991 24-7-1824. 53 Biblioteca Nacional Seção de Manuscritos II-34, 22, 21 no. 7. Portaria 18-8-1824 Manuscrito 54 Há um erro de grafia no livro de óbito da Igreja Luterana, pois ao mencionar o nome Porchat em alemão o “po” em francês tem o som de “bou” em alemão.
Caroline, fornecidos por Meyer55, mas é encontrado no livro de óbitos da Igreja
Luterana.56
Nesse sentido, o senhor Nicolas já se encontrava em terras friburguenses antes
da chegada da imigração luterana de 1824, investigando nessa linha de raciocínio
verificar-se-á que o mesmo encontra-se na imigração de 1819 de maioria suíça.
Henrique Bon nos fornece preciosas informações sobre ele, vejamos: antigo militar,
sem passaporte, natural de Vaud, protestante calvinista e vice-presidente do “College de
Surveillance”. O capitão-adjunto Jean Nicolas Porchat, vitimado por cólera, foi um dos
poucos colonos a viajar no Trajan57, talvez encarregado da vigilância das bagagens ou
das pessoas que se recuperam de moléstias contraídas no insalubre acampamento
holandês. Líder de sua família agrícola em Nova Friburgo, abandonou ele a gleba 21
em favor da 104, e que também deixaria esta última como a maioria dos colonos a ela
destinada. Nesta ultima, então, a partir de 1825 seriam instalados os germânicos
Heinrich Peter Nanz e Hanz Hennic. 58
Há de se notar que trata-se de um homem de renome, porém o que chama a
atenção é o “cargo de vice-presidente do College de Survillance”. Essa comissão fora
formada para representar a minoria calvinista durante a estada dos colonos em
Dordrechat, na Holanda como parada obrigatória durante as viagens de imigração de
1819. Mas como se deu essa comissão? Dois fatos irão estruturar o grupo calvinista
diluído em mais de 1800 católicos: ao fim desta estada na Holanda, Brémond lhes
anuncia que no Brasil, serão obrigados a educar os filhos na fé católica e o encontro do 55 Conrad Mayer, que veio no navio Argus, fazendo parte do primeiro grupamento de imigrantes alemães luteranos e que chegou ao Rio a 13/01/1824. Dizia ele:"O navio enfrentou longos temporais que inutilizaram seus mastros obrigando a um retorno ao porto de Texel, onde 26 colonos homens, mulheres e crianças fugiram a um novo embarque." O navio fizera também escalas. Foi o próprio Meyer quem descreve que a segunda partida foi pior que a primeira, eles cruzaram o Canal da Mancha e por causa dos ventos pararam em Cowes na Ilha Wiglot. Quando decidiram partir, já na terceira vez, furacões empurram o navio para a Baia de Biscaia e mais tarde nas Costas de Mandrágoras na África e só depois que chegaram a Tenerife (Santa Cruz). Meyer prestará informações personalizadas e agrupadas em três listas que foram feitas minuciosamente e que nos dão uma visão mais exata sobre esses colonos enviados por Schaeffer. Esta lista pode ser verificado em: SOUZA, José Antônio Soares de. Os colonos de Schaeffer em Nova Friburgo. Revista IHGB, 1976, Jan/mar, vol 310, p. 126 56 MÜLLER, Armindo L. O começo do Protestantismo no Brasil: descrição da instalação da 1ª. Comunidade. luterana no Brasil, Rio de Janeiro: Edições Estadunidense. p. 92 57 Um dos sete navios que vieram durante a chamada “Imigração Suiça” 58 BON, Henrique. Imigrantes - A saga do Primeiro Movimento Migratório Organizado rumo ao Brasil às portas da Independência. Ed. Imagem Virtual, 2004. pp. 292.
grupo calvinista de um missionário chamado C. C. Merkus, ministro da igreja da
Valônia em Dordrechat.
O pastor Merkus preside cultos dos protestantes no seu templo, instrui também
as crianças na doutrina calvinista, lança a ideia de um agrupamento comunitário e lhes
propõem elaborar um estatuto. Em uma sexta-feira, 20 de outubro de 1819, às 5 horas
da tarde, os colonos suíços foram à igreja francesa onde o pastor apresenta seu projeto.
Os suíços discutiram e aceitaram por unanimidade. Depois, elegeu-se um colegiado de
Fiscalização com seis membros escolhidos pela pluralidade de votos. No domingo, 22
de agosto, houve uma nova assembleia dos protestantes no templo e Merkus pregou,
depois distribuiu a Eucaristia às crianças que ele instruiu e dá, a elas e aos pais, 35
bíblias e igual número de livros de orações e sermões. Mas foi nesse dia que os
protestantes registraram por escrito a forma que deram a sua comunidade. Foi por esse
documento que criaram o “College de Servillance”. Seus membros consistiam em:
Coronel de Luternau, presidente, de Berna, de 46 anos; capitão-adjunto Nicolas
Porchat, vice-presidente, de Vaud; major Amédée de Sinner, de Berna; Pierre Davoine,
de Neuchâtel; Jean-Pierre Régamay e Henry Moliez, professores, de Vaud; e
finalmente, Louis Duport, secretário, de Vaud. Segundo informações dados por Sinner,
essa comunidade contava com 190 pessoas. 59
Acontece que, logo que esses colonos chegaram à freguesia de Nova Friburgo o
movimento sofreu um arrefecimento após o falecimento de seu presidente, Jean de
Luternau. Em 18 de janeiro de 1820, tendo em vista também que o Pastor Merkus,
apesar de estar interessado em imigrar, não fora com eles. Após esse impacto, não
encontramos vestígios da atuação do “College” mesmo após a chegada da comissão
sem seu presidente. Além disso, Monsenhor Miranda reuniu o grupo calvinista no dia
28 de março de 1820 e avisou-os de não tolerar não “hereges” em seus domínios e disse
ainda que o compromisso assumido por eles, quando ainda na Holanda, diante do Pastor
Merkus deveria ser esquecido. Após esse discurso, 14 pessoas abjuraram de imediato
59 AEB: Auswanderung nach Brasilien. Carta de Sinnere de 5 de novembro de 1819, no. 405. In: NICOULIN, Martin. A Gênese de Nova Friburgo. Fundação Biblioteca Nacional, 1995
assinando o termo previamente feito pelo padre Joyer e que consta “de livre e
espontânea vontade”. 60
No dia 23 de abril, ocorreram os sorteios dos lotes agrícolas e foi dado o
conhecimento a todos de que o bispo do Rio de Janeiro havia permitidos ao padre Joyer
aceitar a renuncia dos colonos ao Protestantismo e consequente adesão ao Catolicismo.
Na oportunidade, cerca de 30 calvinistas trocaram de religião. Mesmo sofrendo tão
grande pressão, a maior parte dos reformadores conservou-se fiel a seus princípios
religiosos, um deles é Nicolas Porchat.
Portanto, o pastor luterano Sauerbronn em 22 de junho de 1824 fez o
sepultamento do senhor capitão “Bourchat” calvinista no próximo do túmulo de seu
filho. Essa atitude do pastor Sauerbonn constitui em si alteridade 61, pois utilizou um
espaço luterano e acompanhou o ritual com prédicas próprias de sua matriz religiosa.
Ou seja, com base nessas considerações, podemos perceber que, por alguns
momentos, as diferenças religiosas que separavam esses dois grupos (luteranos e
calvinistas) podem ser anuladas mediante a morte, como sendo capaz de provocar
atitudes de identificação, diferentemente de outros momentos ocorridos na zona de
contato entre indivíduos de culturas diferentes.
Diante disso, com base nos estudos de Eric Seeman, acreditamos que a morte
pode se constituir um patamar interessante de reflexão sobre as relações entre culturas e
nacionalidades no século XIX.62 A morte é dotada de uma noção simbólica e ritualística
nas comunidades cristãs, e que extravasa o aspecto biológico da morte a um nível
cultural por meio de noções, práticas e representações. 63
60 JOCCOUD, Raphael Luiz de Siqueira. A Vez dos Alemães: As dificuldades na velha Europa. In: JOCCOUD, Raphael Luiz de Siqueira. História, Contos e Lendas da Velha Nova Friburgo. 3ª. Edição, Revisada e Ampliada, Rio de Janeiro: Editora Múltipla Cultural, 2008. 61 Alteridade aqui é usada a partir do conceito de Tzvetan Todorov, no que diz respeito à aproximação ou distanciamento daquilo que o outro presencia. Os outros em questão eram os germânicos/luteranos e os francês-alemão/calvinista. “adoto os valores do outro, identifico-me a ele; ou então assimilo o outro, impondo-lhe minha própria imagem” TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América. Lisboa: Litoral Edições, 1990. p. 223 62 SEEMAN, Erik R. Death in the New World: Cross Cultural encounters, 1492-1800. Philadelphia: University of Pennsylvania Press. 2010. 63 CAMPOS, Adalgisa Arantes. Notas Sobre os rituais de morte na sociedade escravista. Revista do
Departamento de História da UFMG, n.6, p.109-22, 1988.
Verifica-se, assim, que a morte se constitui em importante chave de
identificação dos contatos dos diferentes grupos, seja em termos das aproximações,
distâncias, negociações e/ou conflitos identificados no cotidiano das vivências
interculturais
Este caso do militar calvinista permite perceber como a natureza da alteridade
relacionada à morte poderia favorecer a aproximação de diferentes grupos cristãos, pela
natureza excepcional da morte e enterro cristãos como essenciais para a salvação da
alma64: o fim último para os cristãos de diferentes confissões, a se considerar suas
concepções escatológicas.
Por fim, a título de comparação, o sepultamento era um ritual tão importante
para um protestante quanto para um católico, ao ponto de, em Minas Gerais, na mesma
década, ter ocorrido o sepultamento de um minerador germânico que faleceu devido a
um acidente de trabalho no próprio terreno da empresa na qual trabalhava. O padre
negou o enterramento de um “herege” em solo sagrado e o reverendo Walsh, da Igreja
Anglicana que por ali passava, fez as prédicas, improvisou uma capela e saiu em
procissão até o túmulo, abri-o e abençoou o local, sendo visto e tendo atitude aprovada
por Luteranos, mas também de Católicos que chegaram depois65.
Fontes
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Arquivo Nacional cx 991 24-7-1824.
Arquivo Nacional cx 991 22-7-1824 - Carta.
Bibliografia
64
Há um caso semelhante na Freguesia de São João Del Rei/MG. Vide: RODRIGUES, C.; CORDEIRO, G. “E nós andamos em procissão até o túmulo”: sepultamentos estrangeiros e alteridade no Brasil do século XIX a partir dos relatos de Robert Walsh. In: Recôncavo: Revista de História da UNIABEU, v. 3, n5 , Julho-dezembro. 2013.
65RORIGUES, C.; CORDEIRO, G. “E nós andamos em procissão até o túmulo”: sepultamentos estrangeiros e alteridade no Brasil do século XIX a partir dos relatos de Robert Walsh. p. 17.
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