A morte da mae e os curumins gnomos do Brasil

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Na presente obra, o escritor cria um extraordinário universo fictício para onde convergem a realidade e o sonho. Na narrativa, é instaurado o jogo do ficcional com o factual, com o intuito de incitar a reflexão sobre questões relativas ao meio ambiente. O tema em debate no cenário mundial abrange instituições políticas e educacionais, formais e informais, e tem sido uma das prioridades na ordem do dia. São em grande número as notícias que nos chegam acerca dos impactos causados ao ambiente, como o derramamento de óleo nos oceanos, a caça predatória de animais, a extinção de espécies e de habitats, a devastação de florestas, as queimadas, a poluição dos rios e do ar, a degradação do solo, o consumo de energia fóssil, dentre outros, sinalizando-nos a emergência de se estabelecer um novo paradigma para o desenvolvimento. Nós, como atores sociais, somos convocados a rever a nossa relação com o meio e com os seres que dele fazem parte, atentando para a aquisição da consciência ambiental e cidadã. Tem-se falado muito de desenvolvimento sustentável, mas é sabido quão pouco fazemos em prol da mudança de práticas, das quais nos valemos para o atendimento das nossas necessidades. Refletindo sobre este impasse, o autor, de forma enigmática e emocionante, retoma a tensão que se instaura em nosso cotidiano. Ao abordá-la, busca a narrativa literária como um modo de articulação Francis Beltrammi A Morte da Mãe e os curumins-gnomos do Brasil

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Sustentabilidade e ecologia.

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Na presente obra, o escritor cria um extraordinário universo fi ctício para onde convergem a realidade e o sonho. Na narrativa, é instaurado o jogo do fi ccional com o factual, com o intuito de incitar a refl exão sobre questões relativas ao meio ambiente. O tema em debate no cenário mundial abrange instituições políticas e educacionais, formais e informais, e tem sido uma das prioridades na ordem do dia. São em grande número as notícias que nos chegam acerca dos impactos causados ao ambiente, como o derramamento de óleo nos oceanos, a caça predatória de animais, a extinção de espécies e de habitats, a devastação de fl orestas, as queimadas, a poluição dos rios e do ar, a degradação do solo, o consumo de energia fóssil, dentre outros, sinalizando-nos a emergência de se estabelecer um novo paradigma para o desenvolvimento. Nós, como atores sociais, somos convocados a rever a nossa relação com o meio e com os seres que dele fazem parte, atentando para a aquisição da consciência ambiental e cidadã. Tem-se falado muito de desenvolvimento sustentável, mas é sabido quão pouco fazemos em prol da mudança de práticas, das quais nos valemos para o atendimento das nossas necessidades. Refl etindo sobre este impasse, o autor, de forma enigmática e emocionante, retoma a tensão que se instaura em nosso cotidiano. Ao abordá-la, busca a narrativa literária como um modo de articulação

Francis Beltrammi

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A MORTE DA MÃEE OS CURUMINS-GNOMOS DO BRASIL

Francis Beltrammi

APOIO:

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ISBN 978-85-914406-0-3

1ª edição

Capa e Projeto gráfi co: Tales B. Faria

Copyright 2012 by Francisco de Assis Faria

Composição e editoração: Alexandre SilvaRevisão: Angélica Marcelino FelipeDiagramação: João Carlos Brandão

Pedidos de livros à Editora AgelTel: (31) 3411-6680, (31) 2526-3766Email: [email protected]: Catumbi, 166, Caiçara. Belo Horizonte, MG.

Este livro foi impresso em Papel Reciclado

1ª edição - 2012

A Morte da mãe. Curumins. Gnomos. Sustentabilidade. Ecologia. Velho Chico.Salve o Chico. Meio Ambiente. Mãe Natureza

ISBN 978-85-914406-0-3 183 págs

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos que conseguiram vencer a indiferença do coração, despertando-se para ações concretas e efetivas em favor da sustentabilidade e da proteção da Mãe de todos.

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AGRADECIMENTO

Agradeço ao ilustre escritor Angelo Machado, médico, professor emérito do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e renomado especialista em libélulas, que, com sua monumental obra nos âmbitos científi co, literário e ambiental, foi o grande inspirador dessa história. Em especial, faço re-missão ao seu livro “O Casamento da Ararinha Azul: uma história de amor”, pela graça, ternura e delicadeza da narrativa.

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APRESENTAÇÃO

Prezado leitor,

Esta história foi, propositadamente, escrita no futuro. Futuro próximo, a fi m de nos dar um pouco mais de tempo para meditarmos e refl etirmos acerca da nossa responsabilidade, enquanto jovens ou mais maduros cidadãos desse país. País considerado como o mais importante do planeta, quando se fala em ecossistemas e biodiversidade. Os dramas da destruição do meio ambiente, narrados nesta obra, estão acontecendo todos os dias, há décadas, e num volume bem mais expressivo. Isso, sem contar com as tragédias ocorridas nos estados do Acre e Rondônia, as quais não foram tratadas nesta narrativa. Não podemos continuar de braços cruzados, observando o futuro chegar, para depois lamentarmo-nos profundamente. Acredito que nós, do Brasil, temos o compromisso de despertar a consciência ecológica de todas as pessoas da Terra, o que se faz imprescindível, seja através de medidas, leis, seja através de posturas e exemplos concretos de amor à natureza. Nesse sentido, as iniciativas e os projetos cons-tantes desta história precisam acontecer. Não sejamos fi lhos ingratos! Pedro Romares de Oliveira, o nosso sensível herói ambiental, mora dentro de cada um de nós. Despertemo-lo, pois. Conto com você. A nossa Mãe, a mãe de todos, agradece.

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JEQUITIBÁ1

I

“Sim, foi uma tragédia inacreditável, uma covardia incomum, uma atrocidade espantosa e assustadora. Foi uma insensibilidade brutal. Uma agressão de se pôr a mão na cabeça, de se desesperar e sair gritando pelo mundo afora. Um coração endurecido que visse de perto a tragédia, desesperaria. O ser mais desalmado da terra, ao contemplar aquela monstruosidade, tremeria certamente. O mundo todo se consternou por esse crime hediondo que ocorreu no Brasil.

Os jornais de grande reputação, no mundo, como o Le Monde, o New York Times, o Washington Post, o China Today, o El Pais, o Osaka News e até mesmo o esquecido Pravda, de Moscou, noticiaram o acontecimento em primeira página, fazendo grande alarde.

1 Árvore da Mata Atlântica. É a maior árvore do Brasil em vias de extinção.

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Isso não precisava ter acontecido se as autoridades, de fato, estivessem atentas e comprometidas com a causa ambiental. Agora é tarde! Já ocorreu. Resta-nos apenas a perplexidade, a indignação, a dor e o luto.

Enquanto as imagens e as notícias correram o mundo, e o pior já estava consumado, apareceram, por todos os lados, ideias e propostas espetaculares, salvadoras.

Uma revolta silenciosa, doída, surgiu bem devagarzinho na alma daqueles que quase perderam a vida para evitar tamanha desgraça. Porque é sempre assim: forças se unem e milhares e milhões de pessoas despertam, bramem armas em apoio e asseveram, a altos brados, que essa é também a causa delas. Porém, sempre alguma mobilização acontece depois de o pior ter ocorrido. Acordam de uma letargia injustifi cável, só após a catástrofe.

A multidão é a mesma de todos os tempos. Depois de alguns dias, semanas ou meses, tudo retorna à sua normalidade, à mesmice, à conformação, ao menor esforço e à falta de ideais consolidados. Agora, no estertor da revolta, da indignação, ela passa a ser a mãe de todos, a mãe querida de há milhões de anos, a mãe provedora e acolhedora. Às vezes, a mãe brava e imprevisível com seus inesperados fenômenos. Contudo, completamente indispensável. Além das veiculações tradicionais incluindo os jornais televisivos, as cenas postadas no Youtube desenrolaram-se aterradoras. Chegamos a postar muita coisa, criando um raríssimo congestionamento na rede. Em três dias foram

registrados quase treze milhões de acessos, o que levou os provedores a adotarem medidas técnicas suplementares.

Sim, foram quase dois mil hectares de fl oresta exuberante consumidos pelo fogo, que durou mais de dois dias, para desespero de nossa equipe de oito pessoas. Dela participavam uma bióloga canadense, da Fundação Nacional de Proteção à Vida Selvagem, um pesquisador do INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial), e os ativistas da nossa ONG “MÃE NATUREZA”, bravos e leais companheiros dos quais muitos, já naquela época, eram detentores de uma fi cha de enormes serviços prestados à ecologia no Brasil.”

(Trecho de uma entrevista concedida à BBC2 por Pedro Romares de Oliveira, membro fundador da ONG “MÃE NATUREZA”, por ocasião do grande crime ambiental ocorrido no estado do Mato Grosso - Brasil).

2 BBC – Bristish Brodcasting Corporation

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SUCUPIRA3

II

Por mais que tentasse pensar noutra coisa, distrair a mente, Pedro não conseguia. Aquele encontro tão real da última noite, que nem parecia sonho, estava vivo, movimentando-se, passeando em sua memória.

Já era quase meio dia do feriado de 12 de outubro, uma linda e agradável manhã primaveril, na qual Pedro tentava normalizar sua relação com os familiares. Seu olhar, seu semblante alternavam expressões de preocupação e deslumbramento, cismando toda família. Titubeava em relatar o sonho, ajeitando a cabeleira farta entre os dedos da mão, de quando em quando, enquanto pousava o olhar com ternura no enorme e fl orido jardim de casa.

Seu irmão mais novo, garoto de oito anos, muito esperto, descobriu-o abraçado carinhosamente com o

3 Árvore do Cerrado em vias de extinção.

coqueiro anão repleto de cocos, bem em frente ao jardim. Antes disso, já o tinha surpreendido colhendo fl ores do ipê amarelo plantado por ele e pelo pai, há quinze anos, depois de oferecer um afago ao seu majestoso tronco. O garoto espalhou pela casa que o irmão mais velho tinha pirado mesmo!

Mas mãe é mãe e dona Ângela, agoniada, chamou o fi lho a uma conversa, exigindo que lhe contasse o malfadado sonho. Ajuntaram-se todos, espicaçados de curiosidade, em torno do jovem.

- Mãe, pai, é sério! Nem parece sonho, parece pura realidade! - exclamou Pedro em alta voz.

- Lógico que é sonho - falou grosso seu pai, já impaciente.

- Mas, vejam bem, na noite passada, antes de adormecer, eu não sei por que, comecei a me lembrar das conversas do tio Jair, sempre que ele voltava das pescarias no Mato Grosso. Não sei se vocês se lembram, mas ele alegava que todo ano tinha que avançar, no mínimo, trinta quilômetros para frente do lugar onde tinha pescado no ano anterior, se quisesse obter a mesma quantidade de peixes. Lembram-se? Tudo por causa dos desmatamentos, que provocavam o assoreamento dos rios de forma drástica. Era com muita tristeza que ele relatava isso.

Pois é, desde criança eu ouço isto e sempre fi quei muito triste também. E ontem, na hora de dormir, além dessas tristes lembranças, inesperadamente eu me perguntava: o

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que eu posso fazer para coibir tal covardia com a natureza? Já vou fazer dezoito anos este mês e não fi z nada, até hoje, para protegê-la... Nenhuma denúncia, nem passeata, sequer um protesto! Adormeci, sentindo-me um inútil.

De repente, comecei a sonhar. Sonhei com um mar maravilhoso de águas, ora azuis, ora esverdeadas; praias de areias brancas e limpas. Senti-me transportado para uma fl oresta belíssima, visivelmente de mata atlântica, cujas árvores, fauna e fl ores eu jamais poderia imaginar que existissem. Depois sonhei que estava olhando do alto o que restou do cerrado do Brasil, mas, apesar disso, tudo era muito belo, muito diferente. Parecia que eu estava com uma lente de aumento nos olhos. Em seguida, sonhei que estava observando toda fl oresta amazônica. Incrível, toda mesmo, numa rapidez inexplicável. Vi impressionantes e intocáveis santuários naturais e, pude ver também, outros lugares que sofreram verdadeiras tragédias ecológicas em forma de devastação impiedosa.

Afl ito, comecei a sonhar que estava me dirigindo para as cataratas do Iguaçu, depois de passar em revista toda a maravilhosa fl oresta do parque nacional. Num misto de tristeza e maravilhamento, vi-me voando baixo, logo após as quedas d’água, seguindo contra a correnteza do rio Iguaçu. Mais ou menos quinhentos metros rio acima, o inesperado: uma pedra ovalada enorme, não muito alta, que dividia o rio ao meio, tinha em cima um senhor de cabelos brancos, chamando-me com as duas mãos estendidas:

- Venha, Pedro, chega mais. Venha cá, não tenha medo.

Fui chegando devagarzinho até ele e, quanto mais me aproximava, sentia um bem estar indefi nível ao deparar-me com aquela fi gura de velho senhor. Mas, na verdade, ele não era velho, pois seu rosto era jovial e alegre. Só os seus cabelos eram brancos e brilhantes. Quando pisei na pedra a uns dez metros dele, parei automaticamente sem saber o porquê e ouvi sua voz agradável dizer-me:

- Seja bem vindo, Pedro Romares de Oliveira. Há muitos anos lhe espero, aguardando sua maturidade chegar. Eis você aqui, que bom! Vamos conversar, temos que aproveitar o tempo.

Ele fez um gesto, riscando o ar com as duas mãos e os braços esticados, e todo aquele barulho de águas, caindo ao longe, bem como o de sons menores desapareceram completamente. Fiquei impressionado! Aquele silêncio absoluto era inacreditável.

- Quem é o senhor? – perguntei-lhe entre trêmulo e deslumbrado. Ele respondeu-me numa voz quase melodiosa:

- Pedro, sou Ethos, um amigo da natureza, coordenador voluntário de proteção do meio ambiente de extensa área desse país. Não sou o único e conto com alguns auxiliares que, daqui a pouco, apresentarei a você. Porém, Pedro, antes de mais nada, preciso lhe esclarecer. Você é a pessoa mais importante nesse momento. Precisamos falar é de você, do

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seu compromisso com a natureza deste país e do mundo.- Mas, senhor, não estou lhe entendendo. Deve haver

algum engano, ou é um sonho? Por que eu? - repliquei imediatamente.

- Você, meu amigo, foi dotado de uma sensibilidade superlativa, com vista a desempenhar uma missão para a qual, só agora, está começando a despertar através de sua maturidade física e mental. Além do mais, eu e meus auxiliares vivemos em outra dimensão e, para agirmos no concreto, isto é, no campo físico, sempre precisamos de pessoas físicas. Passe a mão no seu peito, do lado esquerdo, caminhando para o centro. Você tem uma marca de nascença, aparentemente sem importância, mas não é. Esta é a marca do seu compromisso, é a marca da sua missão!

Boquiaberto, levei a mão ao peito, tateando com os dedos a pequena mancha que sempre escondi. Porém, para minha surpresa, ela estava maior e em alto relevo. Ethos me ofereceu um diminuto e brilhante espelho, com o qual a foquei e decifrei o desenho. Tratava-se de uma pequena árvore composta de fl ores amarelas. Ele continuou me explicando que a destruição da natureza e a poluição chegaram a níveis insuportáveis e, portanto, teriam que começar um plano de ação com minha ajuda, imediatamente.

Para meu espanto, o mais improvável, o mais estonteante, ainda estava para acontecer. A partir de vários sinais articulados com as mãos e os dedos foram surgindo, uma ao lado da outra, pequenas criaturas de no máximo um

metro de altura, as quais pareciam pessoas humanas com ares de criança, apresentando detalhes estranhos e disformes no rosto. Elas foram chegando devagarzinho, de maneira que tive a impressão de estar diante de uma multidão de mais ou menos cem crianças estranhas. Estupefato, pude ouvir um coro de vozes infantis, meigas e delicadas a dizerem juntas:

- Bem vindo, xôr Pedro, contamos com voxê. Nós gostamos de voxê!

- Como tudo isso pôde acontecer? Como sabiam meu nome? Quem eram elas? - perguntei-lhe.

- Meu fi lho - falou Ethos delicadamente -, essas criaturinhas são os curumins-gnomos do Brasil. São seres invisíveis da natureza, agentes vivos na dinâmica do solo, das plantas e das árvores. Eles participam de todo o processo natural, benefi ciam-se dele e o protegem. É claro, no limite de suas possibilidades. Você acha, meu jovem, que os agentes polinizadores conhecidos, como o vento, os insetos, os pássaros etc., por si sós, dariam conta de todo trabalho da natureza, inclusive em grandes plantações que alimentam a humanidade? Por trás dos fenômenos, que visam à polinização, estão eles, direcionando tudo, garantindo a efi ciência de todo o processo..

- Mas como eles se benefi ciam das plantas, das árvores? Eles comem alguma parte delas, dos frutos, das raízes?

- Venha Pedro, vou lhe mostrar.

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Ele fez um sinal para que o grupo de curumins nos aguardasse ali. Adentramos a mata fechada, e Ethos começou a apontar inúmeras árvores frondosas de várias espécies:

- Preste atenção, olhe bem em cada galho que sai do tronco.

Observei detidamente e pude ver que em cada galho, em cada forquilha, havia um curumim-gnomo, aparentemente dormindo.

- Eles não estão dormindo - asseverou Ethos -, estão se alimentando.

Verifi quei que, pouco abaixo de suas têmporas, havia de ambos os lados uma protuberância da qual saía uma espécie de antena maleável. Elas se fi xavam, de um lado e de outro, no tronco das árvores. Chegamos bem perto de um galho mais baixo. Ethos destacou a anteninha grudada no tronco, fazendo o curumim abrir imediatamente os olhos e dizer contrariado, enquanto cruzava os braços:

- Que xaco!Sorrimos, e ele me mostrou a ponta delicada da

anteninha, que mais parecia uma trombinha que esticava e encurtava-se rapidamente.

- Veja bem. Observe que dentro dela tem uma linguinha fi ninha, mas poderosa, que penetra no tronco, chegando aos vasos de fl oema, onde a seiva elaborada corre. Mas ele não suga exatamente a seiva, e sim a essência dela - reiterou Ethos.

Notei exalar da trombinha um cheiro silvestre muito

forte, oriundo da seiva do ipê, e que, na cabeça do curumim-gnomo, em meio a uns poucos fi os de cabelos, parecendo folhas miúdas, uma fl or amarela se despontava. Ethos explicou-me que, ao absorver a essência da seiva com seus elementos germinativos, uma fl or daquela espécie brotava na cabeça deles, próximo à testa, naturalmente. Assim, pude contemplar, nas cabeças dos curumins que nos aguardavam, fl ores e, às vezes, pequenos brotos que não nos possibilitavam defi nir de qual árvore ou planta descendiam.

- Quando a fl or começa a murchar, é um sinal da necessidade de novo abastecimento para os próximos dias. Quando a fl or pende sem vida, é fome total - alertou-me o amigo.

Em tom dramático, fui informado de que, com a devastação generalizada das fl orestas, as áreas restantes de mata virgem de determinadas regiões estavam fi cando superlotadas desses seres sedentos, o que comprometia o tempo de vida natural das árvores. Caso estes tivessem que se alimentar exclusivamente de seiva da soja e do milho, por exemplo, culturas que inclusive demoram um tempo para tomar porte, tais plantações enfraqueceriam, podendo prejudicar a produção normalmente esperada. Se a derrubada de árvores continuar no ritmo atual, forçando os curumins a sugarem a essência somente dessas plantas, teremos, nos próximos anos, uma grave crise de produção de grãos nessas regiões.

A essência da seiva de árvores da fl oresta nativa os

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sustenta três vezes mais que qualquer outra, condição que lhes garante até uma semana sem o reabastecimento. Sem contar que a derrubada de grande extensão de fl oresta acaba por alterar o ciclo das chuvas, pois as árvores liberam grande quantidade de vapor d’água na atmosfera ao realizarem a fotossíntese.

Passei o olhar pausadamente sobre aquela multidão de seres que mais pareciam crianças ingênuas a sorrir a todo tempo e tive medo, talvez pela inesperada responsabilidade. De repente, Tupi, um de seus chefes, deu um passo à frente, dizendo:

- Pedro... - e Ethos interrompeu: - Pedro, não! Senhor Pedro. Precisamos ser educados

com nosso importante amigo. Tenho trabalhado com eles, Pedro, a questão de bons modos e educação, mas eles esquecem muito rápido.

- Xôr Pedro, - continuou Tupi - não pode deixar curumim passar fome; tem que ajudar. Não pode deixar árvore acabar! Ethã disse que xôr pode ajudar.

Ethã era como eles designavam Ethos. Antes mesmo que Tupi acabasse de falar, outro curumim adiantou-se para falar, mas levou imediatamente um empurrão.

- Não acabei! - bradou Tupi, iniciando uma pequena briga, que foi contida por Ethos.

Jaci falou-me chorosamente, dramatizando o fato de que, numa região do Mato Grosso, lugar onde vive e que ali estava por ele representada, não era possível mais achar

nenhum tipo de Peroba, Sucupira, Jacarandá, Cerejeira, ou seja, árvores favoritas do seu paladar, acrescentando:

- Sabe o que é passar vontade e não poder?... Só soja, só milho... enjoa! - e chorava, e a criançada toda chorava junto imitando seu gesto, num coro inacreditável.

- Pai, mãe... É verdade! Está nítido na minha cabeça. As vozes, os choros eram de criança de, no máximo, quatro anos. Era comovente, podem acreditar!

Mais três chefi nhos curumins falaram e derramaram suas mágoas num lamento só. Comovido, tomei força e me comprometi com todos. Podiam contar comigo. Não os decepcionaria. Foi uma festa. Eles dançavam e gritavam como crianças sapecas, abraçavam-me calorosamente, impregnando-me de cheiros diversos e muito fortes, que confundiam meu olfato.

Em dado momento, Ethã se aproximou mais e foi dispensando todos eles, fi cando somente nós, naquele silêncio penetrante da natureza.

- Está na hora, Pedro. Você precisa ir - disse ele delicadamente. - Vamos nos encontrar mais vezes. Nosso próximo encontro vai demorar um pouco, pois você precisa meditar, refl etir e acomodar, no seu coração, essas horas de hoje. Não se esqueça, meu amigo, você tem uma grande missão e não estará sozinho; não será sobrecarregado em demasia. Forças ocultas, que mais tarde compreenderá, estarão em seu auxílio. Siga sua vida! Estude, trabalhe e ame! As coisas acontecerão naturalmente. Lembre-se de que até o

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seu nome carrega os principais componentes da natureza: pedra, ar, árvore e água.

- Mas meu nome não tem a palavra água. - ponderei.

- Sim, mas tem mares, muita água, meu fi lho! É preciso maior representatividade? Além de tudo, tem a palavra amor, bem no meio do nome, e amor à natureza como ninguém neste mundo terá.

Nunca tinha percebido que em meu nome havia incrustado, de trás para frente, a palavra amor. Acordei bem tarde, como sabem, mas me sentindo super bem, com uma energia nova, inexplicável.

O que acharam do meu sonho? Sentiram algum signifi cado real?

Dona Ângela adiantou-se, dizendo-lhe:- Filho, foi espetacular a sua narrativa, vi-me

transportada para as cataratas do Iguaçu. Muito interessante o seu sonho!

Mariana, sua irmã de quinze anos, logo acrescentou:

- Nossa, foi doido! Seu sonho foi uma boa história, parecia verdade. Olha mano, por que você não dá uma melhoradinha nela, chama uma pessoa que entende de literatura prá ajudar, e participa do concurso literário que a prefeitura está promovendo? Cê tem chance.

- Doida demais, véi! - exclamou o irmão caçula.O pai, Sr. Alfredo, cético por natureza, foi logo

dizendo: - Sonho é sonho, não se pode entusiasmar com eles,

nem com missões impossíveis de serem realizadas. Em seguida, dona Ângela, extrovertidamente,

convidou todos para o almoço em família, encaminhando-os para a copa. Pedro, ainda imantado de entusiasmo, falou-lhe:

- Mãe, só mais um pouquinho, só mais uma coisa. Aqueles curumins–gnomos... Mãe, eles eram umas gracinhas! Deu vontade de trazer alguns para casa, de tão bonitinhos que eram!

- Oh, meu fi lho, por que você não trouxe pelo menos um? - ironizou ela com alegria.

- Achei que vocês não suportariam o cheiro forte deles, só por isso.

- Só? Só por isso? - disse Dona Ângela. Riso geral.

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IPÊ4

XI

Dois dias antes dos integrantes da equipe deixarem o escritório, em Alta Floresta, chegou ao seu conhecimento a notícia de uma colossal e terrível devastação de fl oresta nativa. Esta se situava nas proximidades do município de Nova Ibiratã. Constava da informação que os criminosos usavam os chamados correntões, espécies de correntes gigantes puxadas de uma ponta a outra por tratores que arrancavam as árvores com a raiz e tudo, numa velocidade de mais de cinco campos de futebol por dia.

A equipe já havia defi nido que, mediante tais denúncias e depois que acionasse o Ibama, fi lmaria a tragédia e postaria as imagens para o mundo. Os integrantes sabiam do sucesso e alcance imediato dessa ferramenta junto às pessoas.

4 Árvore da Mata Atlântica e do Cerrado.

Após uma viagem penosa de mais de quatrocentos quilômetros, eles chegaram a Nova Ibiratã por volta das quatorze horas. Com muito custo, conseguiram contratar dois lavradores que conheciam bem a região do desmatamento. Estes, entre receios e advertências, cobraram uma quantia muito alta por dia pelo serviço. Na falta de opção, os integrantes não só aceitaram como também se assustaram ao vê-los retornarem de suas casas, portando duas carabinas de dois canos e caixas de bala.

Após terem-se acomodado na caminhonete, ambos explicaram-lhes que as armas seriam levadas apenas por precaução, pois havia possibilidade de os desmatadores já estarem sabendo da chegada deles na região do desmate. Segundo os contratados, os jovens poderiam ser confundidos com fi scais do Ibama disfarçados, pois os criminosos ambientais os receavam pelo fato de eles requisitarem quase sempre a policia federal para protegê-los, principalmente, em se tratando de ações de maior complexidade.

Dali, tomaram a direção oeste e rumaram algumas dezenas de quilômetros em estrada de terra, quase intransitável de tantos buracos e desvios. Por isso, gastaram mais de duas horas em pouco mais de sessenta quilômetros.

Ao avistarem alguns tratores, eles perceberam que chegaram ao local. Desceram rapidamente do veiculo e constataram que os criminosos haviam fugido. De coração aos saltos, começaram a ver e sentir o tamanho do estrago. Num rápido golpe de vista, captaram que uma grande área

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de exuberante fl oresta nativa já tinha sido colocada abaixo. Diante da perplexidade do grupo, um dos integrantes comentou: “É uma área enorme, mas enorme mesmo!”.

Segundo os contratados, foram destruídos mais ou menos quinhentos hectares de mata virgem, mata de transição cerrado-amazônia. É uma região, portanto, rica em espécies de árvores, de mamíferos e animais em geral.

Todos estavam em estado de choque e impressionados com a truculência daquelas gigantescas correntes puxadas por tratores de grande porte, que arrancavam árvores enormes com suas raízes. Quanto mais eles penetravam na fl oresta arrasada, mais se contristavam. Os mais sensíveis não seguravam as lágrimas. As mulheres choravam baixinho. O abalo emocional aumentava a cada metro que avançavam, embora andassem com difi culdade por causa dos troncos caídos. Tentaram fi lmar a devastação com três pequenas câmeras portáteis e quanto mais sorviam o cheiro de seiva suspenso no ar, que penetrava-lhes a alma, mais sufocados fi cavam. Pois lembravam-se da estupidez das motosserras, do desrespeito e da morte.

De repente, um grande susto: começaram a ouvir gritos estentóricos de Evelin, a bióloga canadense que compunha o grupo. Misturando português e inglês, ela gritava ininterruptamente:

- Help, help, socorro! Help!Correram até ela que, agachada, debruçava-se em

prantos sobre algo. Uma cena comovente desenhou-se na

mente de todos, para sempre: um fi lhote de cervo do cerrado fora esmagado por enormes troncos de árvores, que se encontravam quase empilhados. Ele estava ainda com vida e com um olhar que transmitia dor, medo e súplica. “Não seria possível jamais esquecer aquela cara de bebê cervo, tão terno, tão meigo!” Um deles comentou, enquanto Evelin exclamava entre soluços: “salvem meu Bamby, por favor, salvem ele!”

Somente seu pescocinho comprido sobressaía em meio àqueles troncos deitados. Assustado e com muita dor certamente, ele emitia, uma vez por outra, gemidos quase imperceptíveis. O que ninguém entendia era como esse animalzinho podia estar ali, pois, ao mínimo ruído, eles fogem, desaparecem, como num passe de mágica. Decerto, quando os criminosos chegaram ali, há alguns dias, pelo seu movimento e barulho, espantaram todos os cervos do local, como também outros mamíferos mais ariscos. Pareceu-lhes, então, que o animalzinho se embaraçou em algum cipó, o que lhe impediu de avançar para acompanhar a mãe.

Desesperados, todos empenharam a remover as árvores que esmagavam o bichinho, mas sem grandes esperanças de salvá-lo. Por elas serem grandes e pesadas, certamente o cervo estaria com muitas fraturas.

Quando removeram a última árvore, evidenciou-se o que já haviam pensado. Ele não conseguiu se mover, pois tinha sido realmente esmagado. Grande parte de seus intestinos estavam para fora e as fraturas nas costelas e

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pernas eram muito visíveis. Nem que tivessem uma clínica anexa com todos os recursos, ele não sobreviveria. Todos tinham a mesma opinião: o cervo teria que ser sacrifi cado, lamentavelmente. Evelin, transtornada de dor, foi a primeira a sair de perto. Não foi fácil para todos os integrantes da “MÃE NATUREZA” conformarem-se com aquela ideia. Foi com muita tristeza que fi lmaram várias vezes o Bamby da Evelin antes do sacrifício.

Dez anos depois desse acontecimento, numa entrevista à BBC de Londres, Pedro confessou que aquele fatídico e doloroso dia marcou sua vida como poucos. Em suas palavras, deixou vazar as marcas da sua indignação: “aquela carinha de criança cervo, terna, era uma lembrança viva de uma insensibilidade inaceitável”. Contou ao repórter que o tiro do sacrifício ecoou na intimidade dos jovens como um grande e inesperado susto, a ponto de levar as três mulheres a gritarem de dor, enquanto se abraçavam. Todos se consolaram parcialmente, elegendo o Bamby da Evelin como o mascote, como uma força viva a impulsioná-los à luta em prol da proteção da natureza e da vida selvagem.

No decorrer daquele triste dia, a equipe foi se deparando com vários outros episódios dolorosos documentados pelas câmeras: duas preguiças, dois tamanduás-bandeiras e uma anta, todos estraçalhados. Numerosos ninhos de pássaros diversos foram recolhidos. E, diante de tanta desolação, o grupo recolheu vinte e cinco ovos de ninhos distintos sem saber a que espécies pertenciam. Para este, deparar-se

com uma enormidade de material denunciatório, em apenas uma pequena parte da mata destruída, foi interessante e deprimente ao mesmo tempo.

Acampados já com o crepúsculo e sentindo-se muito exaustos, os integrantes só queriam descansar, para reiniciarem, no outro dia, a tarefa, as buscas. De certa forma estavam motivados, porque quanto mais provas dos crimes cometidos produzissem mais chances teriam de construírem, junto ao Ministério Público do Meio Ambiente, ao Ibama e à Policia Federal, um inquérito criminal exemplar para o país e para o mundo.

Pela manhã, bem cedo, eles reiniciaram a dolorosa tarefa de avaliar e documentar a dilapidação da mata nativa, que só acontecia por pura falta de fi scalização e pela convicção das pessoas a respeito da impunidade em nosso país. A todo momento alguém gritava, dando-se conta de algum animal morto ou agonizante, inclusive de cobras grandes e pequenas, ora esmagadas, ora partidas ao meio.

Aquela parte da fl oresta amazônica do Mato Grosso, por ser próxima às vastas regiões do cerrado, costuma servir de refúgio e esconderijo a alguns animais tipicamente do cerrado. Quando os criminosos começam a devastar uma área nitidamente de transição, os animais buscam refúgio, pelo menos provisório, na mata fechada. E muitos dos encontrados mortos junto às árvores arrancadas pelas correntes gigantes eram do cerrado, como os tamanduás, as antas, os macacos-pregos, quatis, lobos-guarás, saguis e outros.

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Mais tarde, a equipe veio a saber que a área destruída estava com a documentação irregular e havia sido registrada em nome de um conhecido fazendeiro do estado do Paraná, que já possuía mais de trinta mil hectares de terras naquelas imediações.

No terceiro dia de trabalho, quando eles ainda não haviam concluído nem a metade da tarefa pela enormidade da devastação, o estudante de engenharia ambiental João Nunes, militante e motorista da equipe, chegou de Nova Ibiratã. Retornou com as compras e também com notícias alarmantes.

Aproximou-se dos companheiros meio atordoado não somente por ter percorrido mais de duzentos metros até a mata, mas, sobretudo, pela ansiedade de ter que repassar-lhes uma grave informação. Contou-lhes que fora chamado em particular por um homem desconhecido que, entre os sacos de grãos de um empório, revelou-lhe a iminência de uma grande queimada de mata virgem próxima ao município de Alto Boa Vista. Comentou ainda que o criminoso projeto era auspicioso e, por isso, quatro caminhões-tanques equipados com mangueiras e bombas de esguichar, já tinham partido para o local.

Pedro considerou que seria necessário retornarem a Nova Ibiratã e espalharem a notícia de que estavam indo para o local e que o Ibama e a Policia Federal já tinham sido acionados, inclusive a superintendência, em Brasília. A esperança deles era a de que algum simpatizante ou

comparsa dos criminosos levasse a informação até eles, sustando, assim, a queimada. Outra providência foi tomada. Contataram com o escritório de Alta Floresta, sinalizando o encarregado quanto à possibilidade de terem mais um crime ambiental no município de Alto Boa Vista.

Os guias contratados sabiam chegar lá e informaram aos jovens que andariam mais cinquenta quilômetros depois do percurso até a cidade, numa estrada de terra precária. Portanto, deveriam sair somente no outro dia cedo. Porém, as três mulheres, Débora, Evelin e Kátia, protestaram, pois queriam partir imediatamente ainda que chegassem lá à noite. E levantaram hipóteses, como Débora: “eles podem fugir com a nossa chegada, como aconteceu aqui”. Já Kátia ressaltou: “não podemos chegar lá com a tragédia consumada”.

Venceu a opinião da maioria. Eles se abasteceram e rumaram para o município de Alto Boa Vista. O percurso feito até a região, onde ocorreria a devastação da mata, foi uma aventura. O dia já estava escurecendo quando conseguiram transpor uma estrada de chão esburacada. Por duas vezes, eles se perderam, confundindo trilhas com a estrada propriamente dita. Medos e inquietações não faltaram.

Somente o céu, esplendidamente estrelado, atenuava-lhes a ansiedade naquela imensidão noturna. Eram quase dez horas da noite, quando perceberam que estavam no local.

Ao longe avistaram um veículo, talvez um caminhão, que, em poucos instantes, apagou os faróis. Estes pareciam iluminar algo. Quando chegaram mais perto, os integrantes

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cogitaram que os homens utilizavam a iluminação para a montagem do acampamento. Aproximaram-se um pouco mais, no entanto não percebiam uma viva alma sequer. Hesitaram em descer da caminhonete. Contudo, o motorista fez uma manobra de 360 graus com os faróis acesos, tentando ver alguém. Deduziram, então, que os homens se esconderam na mata.

Pararam, apagaram as luzes e fi zeram silêncio. Tiveram muito medo devido à sensação de estarem sendo vigiados. As três companheiras começaram a fi car afl itas e sugeriram voltar.

- Nesse fi m de mundo, podem nos matar e ninguém fi car sabendo. Vamos embora! - ponderou Débora com os olhos estatelados.

A sensação era a de que todos estavam correndo risco de vida. Pedro tomou a palavra, asseverando-lhes que realmente deveriam retornar, mas não para Nova Ibiratã. A opção seria Alto de Boa Vista por ser a cidade mais próxima dali. Poderiam pernoitar lá e voltar bem cedo com mais recursos e, quem sabe, com a força policial. Mal acabaram de combinar, foram surpreendidos com tapas e murros na lataria da caminhonete.

- Desçam, desçam! Todo mundo de mão na cabeça, senão morre! - berrou uma voz rouquenha e trovejante.

Eles desceram espantadiços com as mãos na cabeça, deparando-se com seis homens fortemente armados, que cercavam o veículo e berravam impropérios de todo tipo.

Um deles manejava um grande farol portátil à bateria, iluminando os rostos de um por um, como se quisesse fazer um reconhecimento. Os outros seis ou sete homens desarmados pareciam esperar ordens.

Todos eles tinham aparência de rudes trabalhadores do campo, que foram treinados para desmatar e se defenderem de quem os tentasse impedir de fazê-lo. Pelo jeito, trabalhavam para gente muito poderosa devido à altivez e ao tipo de armamento que usavam.

- Então, esses são os prayboy que defende o meio ambiente, quereno trapaiá nosso trabaio? - bradou um moreno forte, parecendo ser o líder da turma.

- Cêis sabe quanto nóis mandamo prá baxo da terra que tentarum trapaiá nosso trabaio? - perguntou atrevidamente. - Mais de vinte! - continuou - veis ou outra aparece uns quereno trapaiá. Nóis somo profi ssional, tá bom? Profi ssional antigo, fazemo trabaio em muito lugar no Mato Grosso, Alta Floresta, Nova Ibiratã, Cláudia, Tapura e outras cidade por aí. Nóis cobra caro, os home paga, porque confi a no serviço. Agora, cêis vai trapaiá? Fala logo!

Deu um sinal aos que estavam desarmados e eles avançaram, distribuindo pescoções. Na medida em que eles iam batendo, o homem gritava:

- Vão querê morrê ou não?- Não queremos morrer! - bradou Pedro altivo,

pedindo aos da equipe que não reagissem. Diante dos gritos estentóricos das mulheres, os jovens pediam-lhes, quase em

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coro:- Por favor, as mulheres não; elas não...Dos pescoções passaram a dar-lhes chutes e pontapés,

mas em seguida, num gesto de misericórdia, a voz rouquenha mandou interromper a agressão às mulheres. Porém, elas já estavam bem machucadas e choravam copiosamente.

Interromperam a seção de brutalidade e, imediatamente, Pedro e Nunes, tontos de apanhar, procuraram negociar amistosamente. Mas o homem não quis conversa e ordenou aos outros que saqueassem a caminhonete, para desespero de todos.

- Joguem tudo no mato! - berrou.

... (continua)

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COMEMORAÇÕES

ESPECIAIS

22 de março - Dia da Água 19 de abril - Dia do Índio 22 de maio - Dia da Biodiversidade 27 de maio - Dia da Mata Atlântica 05 de junho - Dia do Meio Ambiente 05 de setembro - Dia da Amazônia 11 de setembro - Dia Nacional do Cerrado 21 de setembro - Dia da Árvore

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INFORMAÇÕES

IMPORTANTES

AQUÍFERO – Formações subterrâneas que contêm água doce livre ou confi nada sufi ciente para alimentar poços e nascentes.

ASSOREAMENTO – Processo natural de deposição de sedimentos, em geral lento e gradativo, mas acelerado de forma drástica pela ação humana, através de desmatamentos e destruição das matas ciliares.

BACIA HIDROGRÁFICA – Área drenada por um rio principal e seus afl uentes.

BIODIGESTORES – Fossa fechada e projetada para receber esgotos domésticos, onde a depuração se dá pelo trabalho de colônias de bactérias, que permanecem vorazes num ambiente sem oxigênio. Os nutrientes presentes na matéria orgânica são digeridos por elas e, durante o processo, o metano é liberado, gás infl amável que pode ser utilizado no lugar do gás de cozinha.

BIODIVERSIDADE – Variedade ou diversidade de organismos vivos e espaços em que vivem. O Brasil possui a maior biodiversidade do

planeta pela diversidade dos organismos vivos e pela quantidade desses organismos espalhados em vários biomas distintos.

BIOMA – Unidade ecológica de grande extensão, de fi sionomia homogênea, que mantém um tipo de formação vegetal predominante, com características próprias e bem defi nidas. Por exemplo: Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal, Pampas e Caatinga.

BIOMASSA – Quantidade de material de sólido vivo ou morto que possa ser expresso em unidade de energia.

COMBUSTÍVEL FÓSSIL – Combustível derivado da decomposição de restos da fauna e fl ora, acumulados no decorrer dos anos, na crosta terrestre, como petróleo, gás natural, carvão e turfa, todos com alto potencial de poluição.

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – Modelo ou sistema de desenvolvimento que leva em consideração o equilíbrio dos ecossistemas e do meio ambiente, coibindo a exploração predatória dos recursos naturais.

ECOLOGIA – Ciência que estuda a dinâmica dos ecossistemas, o que equivale estudar os processos e as interações de todos os seres vivos entre si, junto com

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os aspectos físicos e químicos do ambiente.

ECOSSISTEMA – Sistema ambiental aberto que inclui todos os organismos vivos presentes em uma determinada área, juntamente com os fatores físicos, químicos e biológicos, com os quais interagem. É a unidade fundamental da ecologia.

EFEITO ESTUFA – Aumento de temperatura nas camadas mais baixas da atmosfera em função do acúmulo de gases poluentes, principalmente o de dióxido de carbono (C02).

ENERGIA EÓLICA – Energia obtida a partir do ar em movimento, isto é, movida pelos ventos.

ENERGIA SOLAR (FOTOVOLTAICA) – É a energia proveniente do sol, inesgotável e a que não causa nenhum impacto ambiental. Por isso é considerada a energia do futuro. Na Alemanha, existe o equivalente a uma usina de Itaipu nos telhados das residências.

LENÇOL FREÁTICO – Tipo de aquífero em que a água subterrânea, na superfície do lençol, encontra-se sob pressão atmosférica.

MATA CILIAR – Faixa de mata adjacente à margem de rios e riachos considerada área de preservação permanente pelo Código Florestal (Lei n° 4771/65).

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Bacia do Rio São Francisco

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Árvores do Brasil

Jequitibá

Sucupira

Peroba

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Jacarandá

Cerejeira

Peroba Rosa

Angelim

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Mogno

Pau-Brasil

Cedro

Ipê Amarelo

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Ipê Branco

Ipê Rosa

Castanheira

Sapucaia

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Alguns de nossos bichos

Onça Pintada

Lobo Guará

MAcaco-prego

Tamanduá-bandeira

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Preguiça

Quati

Anta

Arara

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Ararinha Azul

Tucano

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possível, a captar nuances que escapariam a um outro tipo de abordagem. Outros temas também estão sendo contemplados, como a violência, preconceito e o consumismo, que fazem do homem um ser pretensioso e distanciado dos demais vinculados ao meio. Verifi ca-se que a morte perpassa a narrativa e, para estampá-la, o autor se vale da ironia como um recurso a incitar o pensamento crítico perante o viver e o estar no mundo. Contudo, nesse amálgama, não faltou uma boa pitada de humor, o que conferiu ao texto certa leveza e graciosidade. A trama se desenrola a partir de um sonho de Pedro, quando sua missão lhe é revelada. Ela se imprime em seu próprio corpo por meio de uma cicatriz que, muito antes de ser uma marca de nascença, vem a ser um sinal. Para executá-la, ele contará com as orientações do mestre Ethã e com o concurso dos curumins-gnomos, seres virtuais ligados à natureza. Para contatá-los, o protagonista precisa entrar na dimensão do sonho. A obra é educativa, esclarecedora e contundente. Ela nos instiga a adquirir um olhar mais lúcido e uma postura mais ativa em relação ao meio ambiente. Decerto, podemos afi rmar que ela encerra, em si, um verdadeiro preito de amor à natureza.

Ângela Bedeschi Pesquisadora e mestre em Teoria da

Literatura pela UFMG.

Será possível que um jovem sonhador, amigo dos curumins-gnomos, consegue combater e vencer uma legião de criminosos ambientais? E mais, criar uma nova ordem ambiental no país e no mundo? Ele conseguirá garantir com sua ação os suprimentos nutritivos dos seus amiguinhos, mantendo afastados os desmatadores?

O autor mobiliza, de forma sedutora, a atenção do leitor e sua indignação perante os danos irreparáveis causados à natureza. Constituindo-se em um convite à refl exão sobre uma atitude inovadora, esta obra faz um aceno à educação do olhar, em favor de uma causa justa, urgente e inadiável.

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